PISTAS PARA A COMPREENSÃO DA COMPLEXA IDENTIDADE
DOCENTE NAS NARRATIVAS DE PROFESSORAS
Jacqueline de Fátima dos Santos Morais – UERJ
Regina de Fatima de Jesus - UERJ
Apresentar e discutir duas investigações realizadas com educadores de escolas
públicas do Rio de Janeiro tendo como questão comum a busca por compreender como se
constitui, na passagem do milênio, a identidade docente de professores e professoras do
ensino básico é o que este trabalho se propõe. Resulta de um esforço coletivo em direção a
busca de um conhecimento em educação que se veja menos fragmentado e reducionista.
Nosso objetivo, pois, é compreender a educação, e nela a identidade docente, na interface
entre história e linguagem, entre sujeitos e suas narrativas, entre o passado e o presente, entre
o indivíduo e o coletivo. Para alcançar tal objetivo entrelaçamos nossas pesquisas, cujo
resultado nos pareceu a tessitura de um texto dialógico, onde as diferentes vozes das
educadoras e educadores parecem se abrir para sentidos. Assumidamente provisórios.
Pretendíamos ir em busca de pistas possíveis, que as narrativas das educadoras e
educadores pudessem nos dar, para repensarmos a construção da identidade docente e,
consequentemente a formação profissional. Fizemos isso seguindo as pistas que as Histórias
de Vida, metodologia utilizada nas duas pesquisas, nos apresentava. Optamos pela História
Oral de Vida como metodologia de trabalho pois embora discutindo a dimensão profissional
das histórias de professores e professoras, percebemos que a construção da identidade docente
não se limita aos espaços de formação mas a vida informa sobre o ser/estar professora. Estas
narrativas, portanto, foram nos revelando que a formação para o magistério não ocorre apenas
nas escolas normais ou universidades, mas está, no tempo e no espaço, para além destas. Se é
urgente e necessário pensarmos um conhecimento que se veja mais complexo e real, mais
dialógico e multidisciplinar, a História Oral, e nela as Histórias de Vida de professoras e
professores, parece-nos um locus privilegiado de compreensão de aspectos pessoal e
profissional daquelas e daqueles que atuam cotidianamente no Ensino Fundamental das
Escolas Públicas do Estado do Rio de Janeiro. Buscamos, então, considerar estas histórias em
sua complexidade. Este é um desafio teórico-prático que não sabemos se pudemos ou
poderemos alcançar. Talvez a utopia de conseguir lidar com as histórias, e portanto com a
vida de quem narra, em sua complexidade, esteja em nossa linha de horizonte, como a utopia
está para Fernando Birri no texto de Galeano ”Ela está no horizonte (...) Me aproximo dois
passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por
mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para
caminhar.” (GALEANO, 1994:310). Assumir a busca pela complexidade é, pois, caminhar.
Caminhar em busca de uma utopia. Sem saber se a alcançaremos. E para que? Para caminhar.
Múltiplos aspectos contribuíram para que este trabalho fosse realizado de forma
coletiva: o interesse comum em uma mesma metodologia de pesquisa; a escolha de iguais
sujeitos/objetos, professoras de escolas da rede pública; a participação em um mesmo grupo
de pesquisa, além de uma compartilhada preocupação: entender os fios que se entrelaçam na
formação e construção da identidade docente das professoras que atuam com os alunos e
alunas pertencentes às camadas populares, por estes constituírem majoritariamente as listas
dos que são apontados pela escola como os que fracassam.
Tendo em vista o contexto educacional atual onde se destacam a crise da profissão e a
crise da Escola Pública, uma questão se impõe: qual a identidade do profissional da educação
hoje? Quando e onde se formam aqueles e aquelas que se dedicam ao ofício do magistério?
Onde, afinal, estes sujeitos sociais aprendem a ensinar? Em que lugar foram construindo e se
apropriando de formas de intervenção sobre o trabalho e a aprendizagem de seus alunos? De
que maneira foram construindo maneiras de abordar o conteúdo selecionado para determinado
dia de aula? De que modo os professores e professoras chegaram ao que hoje determinam
como resposta aceita, pois adequada, à uma questão formulada por eles? E como foram
construindo o que, para eles e elas, é visto como resposta inaceitável a uma pergunta argüida?
No fundo o que queremos saber é como um professor constrói uma certa conduta que lhes
parece própria a quem ensina. Onde, com quem, de que maneira? De fato são os cursos de
formação os responsáveis pela forma de atuação do docente?
Não é difícil encontrarmos quem responda prontamente a estas questões: “Ora, é
claro que um professor aprende a ser professor nos Cursos de Formação. Não é para isso
que existem? Se assim não fosse, para que alguém iria fazê-los?” Alguns dirão: “Um
professor aprende a agir, a ensinar, muito mais em cursos de capacitação em serviço do que
aprenderá em outro curso qualquer. É lá o lugar de aprender.” Outros afirmarão que um
professor aprende a ser professor somente quando cursa uma universidade, pois que é lá que
adquire maturidade intelectual para compreender as discussões em torno dos processos de
ensino e aprendizagem, pautadas, é claro, na querela de sempre: Piaget ou Vygotsky?
Nossa pesquisa tratou de ouvir os professores, aqueles que tendo permanecido no
magistério, nos dão pistas para entender melhor por que caminhos aprenderam a ser o que são,
a agir como agem, a validar o que validam, enfim, a serem professores e professoras. E ao
ouvir os educadores pudemos confirmar o que na nossa própria experiência já havíamos
percebido: são mais amplos e complexos os lugares e tempos de formação para o magistério
do que apregroa historicamente tantos e tantas. No entanto atuamos na formação de
Professores acreditando que este espaço precisa se democratizar, dialogando com outros, com
eles trocando. Se este não é o único, e não é, entendemos que é um importante locus de
formação.
Se é falsa a crença de que é somente no espaço escolar instituito, a escola e a
universidade, que os homens e mulheres se controem como docentes, é verdade também que
este lugar físico e simbólico, autorizado como lugar de aprender, possui não apenas prestígio
social. Ele também difunde idéias e maneiras de ser-professor, contribuindo de maneira
importante com esse sujeito em construção que é o educador. O processo de
profissionalização, associado a experiências que se dão nos lugares e tempos autorizados e
legitimados, precisa ser melhor compreendido, especialmente por aqueles que militam na área
da formação. As experiências forjadas no cotidiano da vida são, em geral, desconsideradas
como espacos e tempos de formação profissional. O dia-a-dia é visto como o lugar do realizar,
do fazer, não do aprender. Especialmente do aprender a ser profissional. Para ser profissional
é preciso uma agência formadora que certifique que o sujeito foi formado, isto é, que passou
por um período onde outros sujeitos, vistos como mais capazes, lhes ensinaram a ser e fazer
coisas que conferirão autoridade, coisas que esta intituição considera essenciais para que
alguém seja. E seja o que? Professor. E se precisa de alguém que lhe ensine a ser, é porque o
sujeito não é. As histórias de vida evidenciam pistas de que os professores e professoras se
formam em diferentes tempos/espaços, num continuum de experiências que não se limitam
aos chamados espaços oficiais de formação. E que muito antes de possuirem um certificado
que lhes confere legalidade para a ação docente estes já possuiam estratégias de
ensinar/aprender.
As formas de ver e produzir ciência historicamente têm produzido discursos onde os sujeitos são como
que objetos de análise e classificação, onde cada área ou campo do conhecimento tem produzido a “sua verdade”
sobre os sujeitos. A ausência de historicidade nas pesquisas na área de ciências humanas tem gerado a
formulação de um conhecimento pretensamente neutro, de um saber falsamente objetivo. As ações humanas, e
dentro delas, a educação, não podem ser pensadas fora de seu tempo, de seu espaço e longe dos sujeitos que a
constroem. Pensar educação é ter um olhar complexo sobre esse fenômeno.
A linearidade na construção da identidade profissional é colocada em questão quando
ouvimos. Os educadores e educadoras, ao possuirem um ouvinte atento, alguém que realize o
que Barbier denomina de escuta sensível, abrem-se, revelando o que de suas vidas parece
mais significativo. O próprio conceito de formação inicial, localizada nos cursos de formação
de professores, é colocada em questão ao ouvirmos as narrativas pois estas evidenciam
múltiplos saberes pedagógicos – formas de ensinar/aprender – surgidas ou localizadas em
tempos/espaços diversos: na infância, durante a realização de brincadeiras de escohinha com
as suas bonecas, como nos disse lembrar uma entrevistada; no ato de copiar de sua mãe os
trejeitos ao ensinar aos irmãos menores, como nos apontou outra entrevistada; na
adolescência, na maneira como certos professores agiam ou se vestiam. O espaço/tempo
escolar instituido, mesmo que sendo historicamente privilegiado, não é o único locus
formador. Nem o determinante na ação docente. Não podemos desconsiderar o entorno que
forja cotidianamente novas subjetividades, participando da construção da identidade
profissional destes sujeitos, como nos exemplos acima.
Na busca por compreender a identidade docente, nossa pesquisa buscou dar
visibilidade às memórias, histórias e narrativas orais de professoras que estiveram atuando em
classes de Educação Infantil à 4ª série do ensino fundamental, em escolas pertences a rede
pública estadual de ensino do Rio de Janeiro.
A escolha de um trabalho com narrativas orais de professoras refletiu a preocupação
em potencializar as vozes presentes no cotidiano dos espaços de atuação desses e dessas
profissionais, a escola básica. Vozes tantas vezes negadas, silenciadas, ocultas. A Narrativa
Oral pressupõe o trabalho com fontes orais, tornando a própria história narrada o núcleo do
trabalho, buscando abarcar a complexidade da realidade a partir das narrativas, muitas vezes
múltiplas. As falas presentificam o passado, reafirmam o presente e lançam olhares para o
futuro, rompendo como nos diz Walter Benjamin com a linearidade do tempo. Optar por uma
metodologia que se utiliza dos relatos orais é optar por uma concepção de ser enquanto sujeito
da história, história que é individual ao mesmo tempo que é coletiva.
“... O sujeito
primordial desse tipo de História Oral é o depoente, que tem maior liberdade para dissertar
sobre sua experiência pessoal.” ( NEIHY, 1996:45)
A investigação nos proporcionou perceber que as micro-histórias dos profissionais da
educação trazem as macro-histórias.
Também pudemos compreender que o processo de construção da identidade docente é um processo
identitário que se faz no cotidiano da vida e não apenas, ou prioritariamente, nos espaços de educação formal e
que, tão pouco, tem um caráter de terminalidade ou de conclusão.
Ao reconstruir pela narrativa suas experiências a professora compartilhava conosco
sua trajetória profissional e nos oferecia pistas para pensarmos sobre os sentidos de ser
professora ontem e hoje, anunciando os possíveis sentidos do amanhã.
Além disso pudemos perceber que o sujeito ao narrar reinventa formas de diálogo
consigo e com o outro, se reconstrói ao reconstruir sua história pela memória e pela
linguagem.
Por que afirmamos a necessidade de um trabalho com a complexidade, buscando não
fragmentar o real: nosso campo de pesquisa e as relações entre os sujeitos da educação?
Complexo, do Latim Complexus, significa tecer com, e é neste tecido, entrelaçado por
múltiplos fios que acreditamos ser possível compreender o contexto atual. Acreditamos, com
Morin, teórico do qual nos aproximamos, não por uma escolha a priori, mas por identificação
epistemológica, que o real gera e é gerado no complexidade. A Epistemologia da
Complexidade foi se tornando um referencial teórico a partir da prática , a partir do contexto
de pesquisa e do próprio cotidiano escolar, espaço/tempo singular e plural, onde se
entrecruzam os múltiplos fios de redes diversas de relações e interações que compõem as
Histórias de Vida dos sujeitos de nossas pesquisas – professoras da escola pública.
Um dos princípios desenvolvidos por Morin – princípio hologramático – nos
possibilita entender que o todo não pode ser compreendido se fragmentado em partes, pois
que a soma das partes não coincide, se separadas, retiradas do contexto, com o todo. O todo,
por sua vez, não se resume à soma das partes, é mais, e se configura sempre outro quando as
partes se modificam e modoficam sua forma de organização.
Tendo em vista o contexto educacional atual, onde se destacam a crise da profissão e a
crise da Escola Pública, e o princípio hologramático trazido por Monrin, uma questão se
impõe: qual a identidade do profissional da
educação hoje? É possível falar em uma
identidade? Teríamos múltiplas identidades? Como encontrar uma unidade na diversidade,
como nos convida o mestre Paulo Freire?
Levando em conta os estudos de António Nóvoa sobre Histórias de Vida de
Professores, somos convidados a repensar a identidade, deixando de considerá-la como tendo
um tempo/espaço fixo de construção, mas considerando um processo identitário, um
continuum de relações, onde presente, passado e futuro se entrecruzam, desmistificando a
linearidade na formação, uma vocação a priori, bem como relativizando o papel do espaço
instituído de formação de professores: os Cursos de Magistério, a Faculdade de Pedagogia e,
atualmente, os Institutos Superiores de Educação, que não vamos colocar em questão por ora.
Para tentar nos aproximar desta questão, sem a pretensão de darmos conta de tal tema,
tamanha sua complexidade, procuramos pistas nas narrativas dos professores que optaram por
permanecer no magistério da rede pública, apesar da crise imposta pelo contexto atual. Para
tal, optamos por trabalhar com História Oral, analisando a dimensão profissional nas Histórias
de Vida de 6 (seis) professoras de um mesmo colégio público estadual -
Instituto de
Educação do Rio de Janeiro.
Por que desenvolver uma pesquisa com História Oral, trabalhando com as Histórias de
Vida de Professoras, se o objetivo é discutir a dimensão profissional, buscando compreender a
identidade do profissional da educação na contemporaneidade?
Acreditamos com António Nóvoa que esta profissão precisa se dizer e se contar e que
precisamos criar uma maneira de compreende-la em toda a sua dimensão pessoal e
profissional, sem dicotomias e fragmentações.
A fim de aprofundar em nossas pesquisas a discussão sobre a identidade docente de
professores, necessitávamos de uma abordagem que garantisse a compreensão do trabalho
das professoras tanto em sua dimensão de singularidade e heterogeneidade como na
dimensão de totalidade. O encontro com a produção teórica de Walter Benjamin foi
fundamental por nos ajudar a ver como a linguagem, e nela as narrativas orais, era importante
espaço revelador dos diferentes sujeitos que buscávamos compreender, pois nos permitia uma
aproximação com os seus rastros, construídos pelas memórias de múltiplas histórias e
inúmeras experiências.
“Sabe... eu pensei que já tivesse esquecido daquele tempo.... Agora, você está me
fazendo voltar atrás, é um sentimento que não consigo explicar. Quando eu vou lembrando,
parece que eu vou vivendo de novo... mas antes era diferente... É claro que a gente se reunia,
discutia no coletivo, mas só agora eu me dou conta de que muita coisa aconteceu... como a
gente aprendeu junto! Agora eu sei. ” (Ana Júlia)
Fomos percebendo que realizar uma investigação com fontes orais implicava tornar a
própria história narrada o núcleo do nossa trabalho, o que demandava entrar em contato com
as diferentes narrativas que aquele real, o cotidiano escolar, comportava. Neste sentido,
categorias como classe, etnia e gênero foram importantes fios com os quais entrelaçamos,
numa teia dialógica, as histórias das professoras para melhor compreender a construção da
identidade docente e a formação em sua complexidade.
Ao propormos que nossas entrevistadas (ao todo 6 professoras) reconstruíssem pela narrativa os
caminhos percorridos em suas histórias de vida, por meio de entrevista aberta, cada uma acabava também por
compartilhar conosco sua trajetórias profissionais, nos oferecendo pistas para pensarmos que os aspectos
profissionais e pessoais não são opostos, dicotômicos ou descontínuos como tantas vezes são vistos, mas estão
nas vidas humanas em constante rede de tensões e inter-relações. As narrativas produzidas pelas professoras
entrevistadas durante nossas investigações foram nos revelando não apenas aspectos das múltiplas experiências
vividas por estas mulheres-professoras como também nos incitando a rever o locus privilegiado de formação do
ser-professora, historicamente apontado como os Cursos de Formação de Professores, especialmente a antiga
Escola Normal e as universidades. O próprio contexto da pesquisa ia nos instigando cada vez mais e nos
perguntávamos: não seriam igualmente importantes as múltiplas experiências em tempos/espaços diferenciados
na constituição do que é ser profissional da educação hoje?
A realidade cotidiana e o contexto da pesquisa exigia de nós, cada vez mais, um arcabouço teórico que
desse conta de realizarmos uma análise das histórias dos nossos sujeito/objetos em sua complexidade. Neste
sentido, os marcos teóricos que nos acompanharam foram: a Epistemologia da Complexidade proposta por
Edgar Morin, o pensamento de Walter Benjamin e o Paradigma Indiciário pesquisado sobretudo por Carlo
Ginzburg.
O trabalho de pesquisa foi nos mostrando que o entrelaçamento de histórias
individuais refletiam histórias coletivas, que micro-histórias traziam macro-histórias (Walter
Benjamin, 1994), que partes continham informações do todo, lembrando-nos o princípio
hologramático, desenvolvido por Edgar Morin.
Repensar os Cursos de Formação de Professores para que incorporem as Histórias de
Vida dos múltiplos sujeitos que os constituem, tomando-as assim como conteúdos
curriculares,
transversalmente
tecidos
e
potencializados,
dando
origem
a
novos
conhecimentos, construídos coletivamente, foi se anunciando ao longo das análises das
narrativas como um desafio.
Muitos são os desafios que vivemos e que vivem os professores da rede pública de
ensino. Estes inúmeros desafios nos colocam, a todos nós, a necessidade de uma contínua
prática de pesquisa, que a professora Luiza anuncia em um olhar perspectivo, durante uma de
nossas entrevistas.
“Eu acho que no futuro o professor, o que vai realmente ficar na profissão, vai ser aquele... aquela
pessoa que encarar a educação como um processo de pesquisa. Aquele que vai estar fazendo a sua prática e
repensando a sua prática, estudando, repensando, refazendo, reformulando. Eu acho que aquele que entrou no
magistério e achou que fez um Curso Normal, que fez uma faculdade e acabou, que detém o saber, esse acaba.
Esse não vai permanecer...Eu creio que já há um prenúncio dessa mudança hoje, agora.”
As narrativas das professoras foram nos convidando a entender o outro como legítimo
outro, como nos diz Maturana e nos fazendo perceber que a linearidade na construção da
identidade profissional deve ser colocada em questão. As narrativas de Maria do Carmo em
muito nos ajudou a entender:
“ Sabe, eu era pequena. Tinha assim 9, 10 anos e já cuidava dos meus irmãos. Aí eu
tinha ensinar os trabalhos de casa deles. Era assim: eles sentavam no chão e eu mandava:
faz o dever! Eles faziam e eu corrigia. Nem sei se corrigia direito. Sei lá. Pra mim era uma
brincadeira. Eu acho que peguei gosto de ser professora nesse tempo. Aí não larguei mais o
gosto.”
Valorizar as Histórias de Vida, como as que ouvimos durante nossa pesquisa, tem sido
uma das saídas apontadas por Nóvoa (1992 p.9) para a produção de um pensamento
propriamente pedagógico sobre a profissão docente:
“Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em
toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a opções constantes,
que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ser.”
A desconsideração da existência de outras instâncias por onde cada sujeito transita ou
transitou em sua trajetória de vida/profissão, dificulta a possibilidade de que os (as)
educadores(as) possam dar sentido às formações profissionais que recebem dentro de
instâncias formais de educação como os cursos. Além disso impede que esses sujeitos
possam perceber as contribuições que os demais espaços por onde transitam oferece para a
própria formação escolar.
Sabemos que a complexidade humana impede que tomemos o ser em sua totalidade.
Assim, devemos assumir que nossa investigação conseguiu recolher o que pudemos chamar
de possíveis pistas, o que nos permitiu/permite aproximações, sempre provisórias do objeto
investigado. É oportuno lembrar o conselho de Leonardo Boff que “todo ponto de vista é
somente a vista do ponto.” Assim, é necessário humildade para tomar as histórias ouvidas em
compreensões sempre parciais.
Outro aspecto que gostaríamos de ressaltar nas nossos entrevistadas e é aquele que se
refere a uma certa capacidade de compartilhar com outros pares suas experiências, como o
oleiro de que nos fala Walter Benjamin (1994). A narrativa produzida pelos professores não
possui a pretensão de transmitir uma informação. Assim como Benjamin acreditamos que o
conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. E somente com a
sabedoria que vem das experiências vividas no cotidiano da escola pública, por vezes tão
esquecidas, desvalorizadas e desconsideradas, é que a formação docente poderá se repensada.
Outra pista percebida nesta investigação que nos atrevemos a colocar nas conclusões é
aquela que nos fala da dimensão coletiva das histórias narradas. Mesmo falando em histórias
singulares, por suas dimensões individuais, não deixam de ter presente a dimensão sóciocultural, não deixam de ser reflexo desta dimensão, bem como de refletirem suas
particularidades no todo social. Este interceptar de histórias se dá nesta rede de relações.
Subjetividades são construídas social e culturalmente. O ser individual que se constrói
enquanto sujeito em determinado grupo, ou transitando por uma diversidade de grupos, é
múltiplo e uno ao mesmo tempo: múltiplo pela interlocução com a diversidade, e uno, pela
construção singular que dá a esta diversidade. Sendo uno, sintetiza o múltiplo; sendo múltiplo
contém a diversidade e a ambigüidade.
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