A ESCOLA NORMAL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO NO MUNICÍPIO DE DOURADOS/MS Ana Paula Gomes Mancini1 Paula Nudimila Oliveira Silva2 UFGD O trabalho resulta de uma pesquisa realizada com o propósito de investigar a história da educação no município de Dourados, no período de 1958 a 1970, enfocando o primeiro curso normal da cidade desenvolvido na Escola Normal Nossa Senhora da Conceição inaugurada em 1958. Orientada por princípios do método qualitativo, ela foi realizada por meio da análise de fontes orais, fontes escritas e fotografias do período. As fontes orais foram obtidas através da realização de entrevistas com ex-normalistas da instituição. As fontes escritas foram documentos da instituição, tais como: atas, anuários, livros ponto, cadernos de alunos e registros de matrículas. Foi possível apreender as especificidades da história da primeira escola normal de Dourados e recuperar uma parte da história da educação no município de Dourados. Além de oferecer contribuições ao estudo dos processos de formação de professores no município de Dourados, a reconstituição da história da primeira escola normal possui relevância também para a recuperação dos primórdios do ensino e dos debates sobre a formação de professores para as séries iniciais da escolaridade no Brasil, no período estudado. Ao eleger a região da Grande Dourados/MS como ponto de referência da pesquisa, leva-se em consideração a pequena produção historiográfica sobre a educação no município. No intuito de concretizar as ações propostas neste projeto, a intenção é trabalhar com um levantamento das fontes e/ou documentos que foram registrados e preservados pelas instituições educacionais. Palavras-chave: história da educação, formação de professores, escola normal. ABSTRACT THE NORMAL SCHOOL NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO IN THE MUNICIPAL DISTRICT OF DOURADOS/MS The work results of a research accomplished with the purpose of investigating the history of the education in the municipal district of Dourados, in the period from 1958 to 1970, focusing the first normal course developed in the city, at the Normal School Nossa Senhora da Conceição inaugurated in 1958. Guided by beginnings of the qualitative method, the research was accomplished through the analysis of oral sources, written sources and pictures of the period. The oral sources were obtained through the accomplishment of interviews with former-elementary school teachers of the institution. The sources writings were documents of the institution, such as: minutes, annuals, books point, students' notebooks and books of registrations. It was possible to apprehend the history of the first normal school of Dourados and to recover a part of the history of the education in the municipal district of Dourados. 1 2 UFGD, C. Postal 332, 79825-070 Dourados-MS, E-mail: [email protected]. Pesquisadora. PIBIC/UFGD/CNPq 2 Besides offering contributions to the study of the processes of teachers' formation in the municipal district of Dourados, the rebuilding of the history of the first normal school possesses relevance also for the recovery of the origins of the teaching and of the debates about the teachers' formation for the initial series of the education in Brazil, in the studied period. When choosing the area of Grande Dourados/MS as point of reference of the research, is taken into account the small production historiographic about the education in the municipal district. In the intention of rendering the actions proposed in this project, the intention is to work with a rising of the sources and/or documents that were registered and preserved by the education institutions. Key-words: history of the education, teachers' formation, normal school. 1. Introdução Este artigo apresenta resultados da pesquisa que teve como objetivo realizar um levantamento da história da Escola Normal Nossa Senhora da Conceição, no período compreendido entre a sua criação, em 1958, até o ano de 19703, com ênfase na formação de professores que ali era realizada. A pretensão desta pesquisa sobre a escola, no período, procurou inquirir sobre os fatores relativos aos aspectos teóricos, legais, pedagógicos e históricos no intuito de conduzir um novo modo de olhar e interrogar as fontes disponíveis através do método histórico. O estudo da formação destinada às normalistas compõe o cenário da história da educação brasileira. Sendo assim, com a pesquisa, foi possível desvelar ambientes culturais, políticos, econômicos e sociais de grande diversidade que marcaram a colonização e o surgimento do município. Para isso foram realizados estudos bibliográficos, entrevistas, recuperação e análise de documentos escritos. Devido à importância de um estudo específico de espaços regionais, a região da Grande Dourados/MS foi eleita como ponto de referência por conta da pequena produção historiográfica sobre a educação no município. O município de Dourados, nos seus primórdios, passou por um período em que a idéia de afirmação da identidade local estava sendo instituída, e nos interessa diretamente analisar esse contexto. Para a realização desta pesquisa trabalhou-se com um levantamento de fontes orais, fontes escritas/documentais e fotografias. Esses documentos possibilitaram dar viabilidade à história da educação e das instituições escolares no município de Dourados e região no período de 1958 a 1970, enfocando, prioritariamente, a Escola Normal Nossa Senhora da Conceição. Para tanto, a pesquisa objetivou recuperar as informações por meio da 3 A última turma a se formar na escola foi no ano de 1969. Encontramos documentação da escola até o ano de 1970. 3 documentação existente (documentos escritos e fotos) e de depoimentos de ex-alunas o que possibilitou o mapeamento da história da Escola Normal Nossa Senhora da Conceição no Município de Dourados no período proposto na investigação. Foi possível, também: levantar fontes e/ou documentos que contam a trajetória do curso normal no referido período; compreender o modo como o curso normal estava organizado enfocando aspectos históricos, pedagógicos e metodológicos; e discutir a formação de professores e as exigências requeridas para o profissional do período. Nesta pesquisa, optamos por estudar a instituição da formação de professores na Escola Normal Nossa Senhora da Conceição de Dourados/MS, em suas tensões com o contexto político, econômico, intelectual e social da época, permitindo lançar luz sobre diferentes níveis contextuais, pois o estudo de uma instituição escolar pode oferecer subsídios para o desvelamento da história da educação numa determinada região. No que diz respeito à escolha e ao tratamento dado às fontes, a discussão engendrada nos inseriu dentro de um projeto de renovação da História da Educação, na direção do que Antonio Nóvoa, citado por Bencostta, definiu como “reinvenção das fontes” que: [...] ao mesmo tempo em que sofistica o tratamento dos documentos tradicionalmente utilizados, introduz novos materiais de investigação, de tal forma que as tradições orais, as publicações periódicas, as biografias, os relatos de vida escolar, a iconografia, os materiais didáticos, os cadernos escolares, entre outros documentos [...] (BENCOSTTA, 1999, p.5). Sabe-se que as fontes históricas são de extrema importância no processo de construção de uma narrativa histórica. A conservação dessas fontes, ao longo do tempo, por um determinado grupo, pode dizer mais sobre a participação desse grupo do que as narrativas históricas de um povo sobre os quais as fontes não foram conservadas, organizadas e consultadas. Esse fato pode ser um dos aspectos que fazem pensar que alguns povos sejam mais sujeitos históricos que outros, dando a estranha impressão de haverem povos sem história. Nesse contexto, a intenção foi a de dar visibilidade à diversidade educacional da época e retirar do ostracismo historiográfico projetos, sujeitos e instituições. Assim como afirmou Peter Burke (1992) “tudo tem história” e, sendo assim, tudo tem um passado que pode, em princípio, ser reconstituído e relacionado ao restante do passado. O que justifica nossa intenção de tirar das sombras grupos sociais, homens, mulheres, crianças e instituições. 4 Assim, primeiramente, fez-se um levantamento das fontes, sendo que a realização das entrevistas, além de contribuir enquanto objeto de análise, forneceram “pistas” que permitiram encontrar os documentos escritos e as fotografias que colaboraram na reconstrução histórica do curso normal. Num segundo momento, foi realizada a compilação e a organização do material coletado a fim de proceder a sua análise no sentido de atender aos objetivos da pesquisa e recuperar parte da história da Escola Normal Nossa Senhora da Conceição. 2. Alguns apontamentos sobre a pesquisa: história, história oral e memória A História da Educação e, especificamente, a História das Instituições Escolares, em constante diálogo com a História Cultural, vem ganhando espaços, cada vez maiores, no âmbito da historiografia, o que nos possibilita pensar a história a partir de novas abordagens, novos objetos e novas fontes. Nesse espaço de novas escolhas, é que optamos em trabalhar com fontes orais no sentido de apreensão da memória, além das fontes documentais e fotografias encontradas na Instituição Escolar e em arquivos particulares das normalistas entrevistadas. Entendendo a memória como um movimento de reconstrução psíquica e seletiva de um passado vivido coletivamente (HALBWACHS, 1990), nossa opção foi perceber a escola como um dos lugares representativos para a manutenção e socialização da memória de uma comunidade. Uma das características da memória é a sua capacidade de recuperar a história. A memória faz com que as pessoas retirem do presente lembranças que ficaram no passado, dando forma e ordenação a alguns elementos que consideram importantes. Pierre Nora (1993, p. 9) caracteriza a memória como “um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente”. Para a realização da pesquisa, foi necessário adotar o que Nora (1993) chama de criação de arquivos por meio da memória, pois não há memória espontânea e sim momentos em que trazemos ao presente “os lugares de memória”. Essas operações não são naturais, precisam ser construídas a fim de permitir a recuperação e a representação de um passado coletivo, mas que é contada individualmente a partir da lembrança de um entrevistado. 5 É, a partir destas reflexões, que entendemos o sentido dos depoimentos de uma geração de normalistas que, no entusiasmo de reviver as lembranças de sua época, constrói a memória da instituição, sem se dar conta de que se trata de “lugares de memória” como afirma Nora. Le Goff (1996) aponta que a característica da história é a descontinuidade, a dialética, pois envolve simultaneamente registro, distanciamento, problematização, critica e reflexão. Neste sentido, adotamos, neste artigo, a perspectiva de que é a partir dos vestígios preservados pelo tempo (as fontes) que a história é construída e reconstruída. A relação com as fontes parte da problematização que o historiador estabelece, pois as fontes são as matérias primas básicas, indispensáveis para a reconstituição do passado. É uma construção do historiador, uma parte da produção historiográfica. O ponto de partida não é a análise de um documento, mas a formulação de um questionamento o qual servirá de base para a interrogação e para a análise crítica das fontes. Assim, no intuito de concretizar as ações propostas neste texto, trabalhamos com a documentação registrada que foi compilada e preservada pelas instituições educacionais, mas também com a construção de uma documentação a partir de relatos orais, entrevistas e histórias de vida, utilizando a metodologia da História Oral, e de seus autores (THOMPSON, 1992; VIDIGAL, 1996; BOSI, 1999; FREITAS, 2002; POLLAK, 1992; PORTELLI, 1997, 2000; AMADO & FERREIRA, 1996; ALBERTI, 1997; entre outros) que apresentam a História Oral como possibilitadora da recuperação de um passado vivido e reconstruído a partir dos relatos de indivíduos anônimos que com suas experiências integram e fazem a história. Conforme THOMPSON aponta: [...] a história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria vida e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo (...). Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade (THOMPSON, 1992, p. 44). Nestes termos, analisar historicamente a formação de normalistas numa instituição particular de Dourados-MS é relevante por lançar luz sobre a escolarização de uma região pouco estudada. A realização desta operação historiográfica requer o alargamento dos temas abordados e, sendo assim, procuramos admitir esses “heróis” ou “heroínas” vindas dentre as pessoas anônimas que fazem a história da educação deste município, pois mapeando os temas da historiografia educacional douradense verificamos que permanece na “invisibilidade” o 6 processo de criação e expansão da escola normal Nossa senhora da Conceição do Instituto Educacional de Dourados. 3. Considerações sobre a história da educação no município de Dourados O município de Dourados, localizado a sudoeste de Mato Grosso do Sul, faz parte da faixa de fronteira do Brasil com o Paraguai. Com uma população estimada em 183.096 habitantes4 é o segundo maior município do estado e apresenta uma taxa de urbanização da ordem de 91,19% (IBGE, 2006). Antes da colonização, as terras onde hoje se situa o município de Dourados eram habitadas quase que na totalidade por índios das etnias Kaiowá, Guarani e Terena. Os primeiros “homens brancos”, vindos do litoral paulista, apareceram a partir do século XVIII. A grande quantidade de rios navegáveis os ajudou a chegar e explorar as riquezas naturais aqui existentes. Na segunda metade do século XIX, houve nessa região movimentos militares como a Guerra do Paraguai. No fim do século XIX e início do século XX, o processo de povoação não-indígena se inicia com ex-combatentes da Guerra do Paraguai e com imigrantes mineiros e gaúchos, em sua maioria fugitiva das conseqüências da Revolução Federalista ocorrida entre 1893 e 1895. As terras passam a ser exploradas mediante a extração da erva-mate nativa e da pecuária extensiva, situação que foi parcialmente alterada com a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados, que possibilitou a abertura das frentes de trabalho com a cultura de café e de algodão, com agricultores vindos do Paraná, de São Paulo, Minas Gerais e de estados do Nordeste. Em 1909, a ação dos pioneiros reivindicava a criação de um Patrimônio da região. Várias famílias fizeram a história do Patrimônio de Dourados desde sua origem. Na segunda década do século XX a “sede” do Patrimônio já começava a se organizar (ROSA, 1990, p. 21). Na década seguinte, começa a criação do núcleo urbano, com a igreja, a casa comercial, a pensão, o hotel “pólos organizadores deste núcleo – dando a ele uma feição de cidade”. (Id. Ibid). 4 Dados de 01 de julho de 2005. 7 Em princípio, o patrimônio recebeu o nome de São João Batista de Dourados, depois Vila das Três Padroeiras e, em 1914, criou-se o Distrito da Paz. “Dourados” recebeu impulso no seu crescimento e a vila foi se desenvolvendo. Assim, em 20 de dezembro de 1935, pelo Decreto Estadual de nº. 30, foi elevada à categoria de município, desmembrado de Ponta Porã. Contava com uma população estimada em 20 mil habitantes e compreendia 21.250 quilômetros quadrados, limitando-se com os municípios de Ponta Porã, Maracaju, EntreRios, hoje, Rio Brilhante, e com o Estado do Paraná (GRESSLER, 1995). Depois de 1948, foi implantada a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, o que provocou uma intensa corrente migratória para a região e colocou disponível a mão-de-obra barata que valorizou a terra e a “ocupação dos lotes levou a uma redistribuição das pequenas propriedades e à concentração das terras, acompanhada da implementação do trabalho assalariado” (Id. Ibid., p. 50 - 51). Segundo depoimento do professor Celso Muller do Amaral (apud ROSA, 1990), o que realmente marcou a fisionomia cultural da cidade foi a vinda, a partir de 65 e 66, dos gaúchos e sua lavoura mecanizada. Chegaram inicialmente os arrendatários, depois os proprietários, os médicos e os professores (ROSA, 1990). Seduzida por essa mística do desenvolvimento, cuja construção fez parte de manobras políticas, a sociedade douradense acolhe, em 1955, a Ação Social Franciscana vinda do estado do Rio Grande do Sul. A história da educação no município de Dourados inicia-se nas duas primeiras décadas do século XX marcada pela iniciativa privada5. Antes de ingressar no ensino primário, as crianças freqüentavam as escolas das fazendas da região, ou tinham aulas particulares na casa dos professores dessas escolas, além do trabalho desenvolvido por algumas famílias nessa preparação anterior. Na década de 30, além das aulas na zona rural existiam as escolas particulares na zona urbana que foram abertas por diversos professores. Depoimentos (ROSA, 1990) e registros fotográficos (MOREIRA, 1990) referem-se à existência da Escola Reunida do Prof. Ernani Rios e da profª Antônia Cândido de Melo (dona Tonica), à criação da Escola Moderna (escola ativa com método visual-auditivo), à escola do profº Laucídio Paes de Barros, à escola do profº Gonçalo e à escola da profª Antônia da Silveira Capilé. Em 06 de abril de 1939, foi criada a primeira escola com turmas de 1ª a 4ª série, chamada “Escola Erasmo Braga”. Tal instituição era de caráter privado e confessional ligada 5 Antes disso, o ensino ficava sob a responsabilidade da família, que ensinava a ler, a escrever e a contar. 8 à Igreja Presbiteriana do Brasil, as primeiras experiências escolares aconteceram na “Casa de Culto”, onde se realizavam, também, os cultos presbiterianos. Esta escola funciona, ainda, nos dias atuais, estabelecendo-se como uma das referências educacionais no município e região. Com a chegada do primeiro vigário em Dourados, Frei Higino Lattek, a Igreja Católica criou, em 1941, a Escola Paroquial “Imaculada Conceição”, que foi fechada em 1946. “Em 1950 essa mesma instituição criou a Escola Paroquial Patronato de Menores que funcionou até 1953, na antiga Casa das Irmãs” (MOREIRA, 1990, p. 77). O núcleo urbano contava, então, com escolas de jardim de infância e de ensino primário. No início de 1940, foi criada a primeira escola municipal. Em 1946, o Decreto Municipal nº. 70 estabelecia o regulamento da Colônia Agrícola Municipal de Dourados e, no seu art. 22, determinava a oferta de “instrução primária” gratuita para os filhos de colonos, com freqüência obrigatória. O artigo 38 estabelecia multa de Cr$ 100,00 para pais de menores não freqüentes e “comparecimento intermédio da autoridade policial” (GRESSLER, 1988). No período de 1943 a 1950, verificou-se a atuação federal na região, com a construção de 12 escolas pela administração da Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Tem-se a informação de que, no início da colonização, foram instaladas 150 escolas no Núcleo Colonial de Dourados, as quais foram transferidas para as Prefeituras Municipais (Ibid.). No início dos anos de 1950, também se fez presente o ensino estadual com a criação do Grupo Escolar “Joaquim Murtinho”. Em 1950, foi criado o Patronato de Menores (a partir da Escola Paroquial anteriormente mencionada). Em 1954, foi fundada a escola particular Oswaldo Cruz que passou a oferecer, além do ensino primário, o ensino ginasial diurno e noturno. Esta escola realizou o primeiro exame de admissão da cidade. Por dois anos a escola funcionou em uma sala do Grupo Escolar Joaquim Murtinho, cedida pelo governo estadual. Em 1957, formou a primeira turma de ginasianos. Em 1960, ofereceu os cursos de Contabilidade, Clássico e Normal. O Científico foi oferecido, a partir de 1963, pela Escola Estadual Presidente Vargas. Em 1955, foi criada a escola particular Patronato de Menores da Ação Social Franciscana. Além de manter o Patronato de Menores, as irmãs franciscanas, vindas do Rio Grande do Sul, construíram esta escola que demorou dez anos para ficar pronta. Seu funcionando era em dois períodos e havia ainda o regime de internato, semi-internato e externato (MOREIRA, 1990, p 81). 9 Em 1958, foram criados os estabelecimentos particulares “Ginásio Nossa Senhora da Conceição” e a “Escola Normal Nossa Senhora da Conceição”. O Patronato de Menores transformou-se no estabelecimento denominado “Educandário Santo Antônio”. No mesmo ano, começou a funcionar a primeira escola estadual com oferta de quatro turmas de 5ª série ginasial, denominada “Ginásio Estadual Presidente Vargas”. Em 1959, já contava com uma turma de 6ª série. Tal panorama nos mostra o desenrolar da educação presente no município, e nas dá pistas para que estejamos buscando mais informações que revelem o período que investigamos. 4. Algumas considerações sobre a história da Escola Normal Nossa Senhora da Conceição Há cerca de cinco décadas, exatamente no dia 09 de fevereiro de 1955, a sociedade douradense recebe a Ação Social Franciscana e seu Patronato de Menores. As irmãs franciscanas vieram do Rio Grande do Sul para trabalhar com educação e catequese. Esses foram tempos de desenvolvimento na cidade de Dourados, tempos de modernização de idéias que surgiam junto com a povoação da cidade. Inserida neste contexto está a Escola Confessional da Ação Social Franciscana Patronato de Menores. Por meio desta escola, as famílias de Dourados e região, principalmente os gaúchos, mineiros, paranaenses e paulistas, que fundaram a cidade, mantinham a rede de convivência de suas crianças. Some-se a isto o fator preponderante dos colégios católicos serem vistos como um espaço por excelência de formação dos grupos de elite desde á época do Brasil Colonial. A Congregação das irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã tem como seu país de origem a Holanda. No dia 02 de abril de 1872, as irmãs vieram para o Brasil. A Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis foi fundada em 1903, em São Leopoldo (RS), com a missão específica de educar. Com a expansão de seus estabelecimentos, as Irmãs, em Assembléia Geral, desmembraram a Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis, em duas Entidades: a de origem, fundada em 1903, passou a denominar-se Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis - Zona Central (SOCALIFRA-ZC), sendo que a outra recebeu o nome de Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis - Zona Norte (SCALIFRA-ZN), fundada em 1951, com sede em Santa 10 Maria (RS), hoje, atuante em seis Estados Brasileiros (Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Pará e São Paulo) e no Distrito Federal, mantendo a educação em diversos níveis6. O município de Dourados, após 20 anos de sua criação, recebeu com expectativa as “semeadoras do amor e esperança”, oriundas do Rio Grande do Sul para atuarem na ação educativa e evangelizadora. A cidade de Dourados já contava com a abnegação de Frei Theodardo Laitz, como “idealizador de progressos”. Com uma única paróquia – A Imaculada Conceição –, vislumbrava e apoiava a presença das Irmãs Franciscanas. A missão maior das pioneiras era (e continua sendo) a educação, que teve início em 1° de março de 1955, com 300 alunos. Tais ações revelam a vitória, a satisfação, a esperança e os desafios de uma jornada que se inicia de forma promissora, como segue: Como educadoras, há 51 anos atrás, as Irmãs Franciscanas engajadas nos ideais cristãos foram para a sala de aula e, passo a passo, trilharam com seus alunos o caminho de realizações que percorreram com amor, respeito e esperança de um mundo melhor. Os frutos semeados foram e são colhidos por toda a comunidade douradense7. Como se pode observar a escola inicia suas aulas, em 1955, com 300 alunos e, no final do mesmo ano, já contava com 485 alunos. Por ser uma instituição confessional, a escola tinha como ênfase uma educação voltada para valores moldados na doutrina crista, como o amor, o respeito ao próximo, a catequese - por meio da preparação para os sacramentos de iniciação cristã –, e incentivava ainda a música, o canto, o teatro, o desenvolvimento dos dons artísticos em geral, como parte de sua proposta pedagógica e confessional. Como a escola tinha um grande número de alunos, era preciso oferecer professores. Assim, no ano de 1958, a Ação Social Franciscana Patronato de Menores promoveu um curso Catequético Pedagógico, administrado pela Irmã Evodia e oferecido para 180 professores rurais. A Ação Social Franciscana funcionava em uma pequena casa de madeira, próxima à atual Igreja São José. Essa casa, aos poucos, foi ficando pequena para atender às expectativas dos moradores de Dourados e região que ansiavam por um internato para que seus filhos pudessem ter um ensino integral e que atendesse ao que na década de 1950 era considerado como status social. Dessa forma, não faltaram pessoas da elite que auxiliaram a Ação Social Franciscana a aumentar suas instalações e a expandir sua ação educativa. Com esse intuito, 6 7 Disponível em: http://www.scalifra.org.br. Acesso em 29 de março de 2007 às 22h30min. Disponível em: http://www.escolaimaculada.com.br. Acesso em 29 de março de 2007 ás 23h00min. 11 dois irmãos do Distrito de Tragas de Itaum doaram para a Ação Social Franciscana quarenta metros quadrados para a construção do internato. Assim, em 10 de setembro de 1958, foi inaugurada a nova escola Patronato de Menores Santo Antonio, ao lado da Igreja matriz da cidade de Dourados. Em 1959, as irmãs franciscanas iniciaram um Curso Normal no Instituto Educacional que funcionava no mesmo prédio do Patronato de Menores Santo Antônio. A fundadora do curso foi a irmã Clara Thomas, diretora da escola de 1961 a 1960. O curso contava com o Normal Regional (primeiro grau) e o Normal Colegial (segundo grau). O primeiro começou a funcionar com 08 alunas e o segundo com 06 alunas. A Escola Normal Instituto Educacional de Dourados passou a oferecer, a partir de 1964, o Curso de Formação de Professores Primários. Em 1960, na Escola Normal foram oferecidas as disciplinas: Português, Matemática, Física e Química, Anatomia e Fisiologia Humana, Música e Canto Orfeônico, Desenho e Artes Aplicadas, Educação Física, Francês, Ciências Naturais, Trabalhos Manuais e Geografia. No ano de 1961, as disciplinas foram: Desenho, Ciências Naturais, Educação Física, Geografia Natural e do Brasil, Matemática, Música e Canto Orfeônico, Português e Trabalho Manual. As disciplinas oferecidas, em 1963, foram: Anatomia e Fisiologia Humana, Desenho, Educação Física, História Geral e do Brasil, Matemática, Música e Canto Orfeônico, Português e Trabalho Manual. No ano de 1964, as disciplinas foram Anatomia e Fisiologia Humana, Higiene e Biologia Educacional, Desenho e Artes aplicadas, Educação Física e Recreação e Jogos, Física e Química, Matemática e Estatística Aplicada à Educação, Metodologia e Prática do Ensino Primário, Música e Canto Orfeônico e Português. No ano de 1965, o Curso de Formação de Professores Primários apresenta no currículo as seguintes disciplinas: Anatomia e Fisiologia Humana, Higiene e Biologia Educacional, Desenho e Artes Aplicadas, Educação Física e Recreação e Jogos, Física e Química, Matemática e Estatística Aplicada à Educação, Metodologia e Prática do Ensino Primário, Música e Canto Orfeônico, Pedagogia, Psicologia Geral e da Educação, Sociologia Geral e da Educação e Português. No ano de 1966, as disciplinas eram: Anatomia e Fisiologia Humana, Higiene e Biologia Educacional, Desenho e Artes Aplicadas, Matemática e Estatística Aplicada à 12 Educação, Metodologia e Prática do Ensino primário, Música e Canto Orfeônico, Pedagogia e Psicologia Geral e da Educação, Sociologia Geral e da Educação e Português. O movimento das matrículas do Curso Normal, entre 1959 e 1969, pode nos fornecer um panorama sobre o número de alunos nesse período. Havia, em 1959, apenas oito formandas, dez anos depois, foi possível verificar que a escola formou 249 alunas. Considerada, quanto a sua fundação, uma instituição importante para a cidade de Dourados com diretrizes filosóficas que atendiam aos anseios da população de elite, a Escola Normal desenvolvia uma proposta de trabalho que promulgava aspectos, como: o desenvolvimento de um espírito cristão e de uma atitude cívica perante a vida, o cultivo de um espírito co-participativo, aspirando à comunhão e ao relacionamento interpessoal, buscando tornar as pessoas criativas e fraternas. A Escola, segundo a documentação, centrava o processo educativo na pessoa do educando, considerava o ensino uma cultura na busca do ser e o educador, como vocacionado, deveria buscar o bem integral dos educandos. A educação deveria ser reflexiva, participativa e libertária. E, como toda escola confessional, mantinha um ensino doutrinário caracterizado pelo anúncio explícito do evangelho, o que denuncia certo proselitismo, pois, também, tinha interesse em aumentar seu quadro de religiosos e fiéis. Nessa direção, a disciplina se atinha à maneira das normalistas de vestirem e se de comunicar. O uniforme era uma exigência da escola. As normalistas jogavam vôlei, queimada, ping – pong, etc. No campo da arte, a música ocupava lugar de destaque, com um conjunto musical chamado “Carlos Gomes”, e, também, aprendiam corte e costura, bordado e teatro. Nas Escolas Confessionais, era necessário o controle emocional, a apresentação de si, a dedicação e a modéstia. O programa da escola privilegiava uma formação literária e estética. Assim, o espaço de instrução garantia muito mais uma formação moral do que profissional. Dessa forma, traduziam-se as lutas dos grupos familiares para controlar a educação e ajustá-la às estratégias de reprodução social. Como visto, a Escola Confessional Franciscana Patronato de Menores se instala em Dourados em um momento histórico em que a cidade vivia o início de sua criação e encontrava-se em uma época de povoação e de desenvolvimento econômico e cultural. É neste contexto que também é criada a escola Normal Nossa Senhora da Conceição, posteriormente, chamada de Instituto Educacional de Dourados. Assim, pretende-se, nos limites deste texto, tentar apreender algumas evidências da vivência no espaço escolar da Escola Normal do Instituto Educacional de Dourados, que 13 ainda podem ser identificas através dos depoimentos das normalistas que estudaram nesta escola, das fontes escritas e fotografias, na tentativa de transformar um objeto aparentemente insignificante em um objeto de pesquisa. Nesse sentido, é que adotamos a postura de Bourdieu (2000) que é a de pensar relacionalmente nosso objeto de pesquisa para além das representações que possamos ter sobre ele. 5. As normalistas da Escola Normal Nossa Senhora da Conceição As normalistas, segundo a concepção da época, tinham como “nobre função” educar e instruir futuras gerações, depositárias dos sonhos de progressos e esperanças de um país que sonhava com o desenvolvimento e o futuro próspero. E, por isso, foram destaque em determinado período e são reverenciadas nas lembranças pelo seu papel de “missionárias do saber”, representantes de um espaço dedicado à sabedoria e aos esforços em prol de uma educação de qualidade. As normalistas de Dourados imbuídas dessa formação idealista, sonhadora e esperançosa, foram responsáveis pela educação da infância durante duas décadas. Cabe-nos analisar a memória cristalizada que se edificou sobre uma das mais tradicionais escolas privadas do município de Dourados. O espaço físico desta instituição, ainda hoje, se identifica com a paisagem e a memória da cidade. Mas uma parte dessa história está sendo esquecida, a memória das normalistas, personagens principais deste momento histórico. Portanto, foi necessário trabalhar com a recuperação de algumas histórias a partir da realização de entrevistas com duas normalistas do município. Tais normalistas estudaram no Instituto e durante toda a sua trajetória profissional desempenharam o trabalho de professoras nas escolas públicas do município de Dourados. As professoras formadas pelo Instituto em sua maioria acabavam destinando-se às escolas do município e região, com a incumbência de desenvolver uma prática docente imbuída dos princípios discutidos na sua formação (e elas foram responsáveis pela educação da infância durante duas décadas). Nesse sentido, podemos refletir acerca da formação docente quando consideramos que para o professor poder (re)significar sua prática docente é necessário que ele tenha elementos que lhe possibilitem analisar as circunstâncias internas e externas que configuram e/ou permeiam o seu fazer pedagógico. O “fazer pedagógico” das normalistas pode ser verificado na sua formação teórica e em sua prática pedagógica considerando que o significado do trabalho do professor também é composto pela finalidade da ação de ensinar e para tanto é 14 preciso considerar o conteúdo concreto efetivado através de uma prática pedagógica consciente. No caso das normalistas de Dourados, o trabalho didático desenvolvido em suas práticas docentes esteve intimamente ligado à sua formação enquanto alunas do Instituto Educacional de Dourados. Devemos considerar que a formação católica era parte integrante de sua trajetória. Sendo possível observar nas falas das professoras que suas aulas buscavam reproduzir o que haviam aprendido na escola. O trabalho didático nesse momento histórico estava sempre permeado das idéias vigentes. O ensino normal na Escola Normal Nossa Senhora da Conceição junto ao Instituto Educacional de Dourados era visto como o melhor numa região em que a formação profissional de meninas esteve intimamente ligada à necessidade de prepará-las para exercer uma profissão que desde o século XIX é vislumbrada como uma profissão essencialmente feminina. Às mulheres era atribuído o trabalho docente como vocação, pois se acreditava que a mulher era “naturalmente” a melhor pessoa para dar aulas e educar a infância, associando tais concepções à maternidade que era própria das mulheres, por isso o “dom” para a docência. Nesta pesquisa, foi possível localizar um caderno de rascunhos de uma das normalistas que estudou no Instituto Educacional Dourados. O caderno trazia lições de Biologia, Economia Doméstica, Puericultura, Educação Física e Ensino Religioso. Na parte de estudos religiosos, as normalistas estudavam os versículos da Bíblia e tais estudos salientavam os textos que chamavam a atenção para a missão sagrada das mulheres, ou seja, ser mãe, ainda para a manutenção de valores como a pureza feminina, a caridade, a moral cristã, o recato, a perfeição moral e a missão de educar seus filhos. Finalmente, não se pode deixar de salientar a idéia de sacerdócio relacionada à docência, o que talvez explique os baixos salários da profissão e poucos investimentos na educação pública. A fim de desvelar o conceito de vocação, alguns estudos admitem que tal conceito fosse utilizado como mecanismo de legitimação do preconceito contra o sexo feminino. Trabalhar como professora e sujeitar-se a uma baixa remuneração faziam parte do perfil vocacional imposto as mulheres, o que ocorre ainda no presente se observarmos as lutas pela carreira no magistério. Ao realizar as entrevistas com as normalistas que estudaram no Instituto Educacional Dourados, hoje, Escola Particular Imaculada Conceição, foi possível observar que há grande saudosismo nas palavras das professoras e, também, há boas recordações de suas práticas docentes. 15 A memória recuperada nos relatos, acrescentada pela documentação oficial e também pelos arquivos pessoais das próprias normalistas, traz à tona fatos marcantes da uma fase de suas histórias pessoais. São vestígios marcados por um valor estimativo, que se constituem de memórias, de documentos contextualizados e reveladores da história do trabalho didático desenvolvido no Instituto Educacional Dourados. As professoras, depois que se formaram na escola normal, exerceram a carreira docente durante toda a vida até a aposentarem-se na profissão. Uma das entrevistadas, ao ser indagada sobre sua trajetória escolar e profissional, afirmou: “eu sou orgulhosa de ter estudado no Imaculada, de ter feito esses quatro anos de professora normalista na Região. Assim que terminei esses quatro anos, ainda de menor, comecei a lecionar, por que era o sonho e desisti do curso ginasial onde eu havia me matriculado. Pra ser professora normalista na Região a gente confeccionou vários materiais que depois eu até passei pra filha. Na minha vida de professora, supervisora, fui delegada de ensino, trabalhei como Secretária de Educação. Eu sempre tive muito envolvimento com escola”. É importante observar, neste caso acima, que a carreira de professor se estendeu à família, sendo herdada pela sua filha que também foi professora. Quando a professora se refere aos materiais confeccionados para o desenvolvimento de suas aulas, diz que foram repassados para a filha depois de serem utilizados durante sua vida profissional. Outro aspecto a observar é que o trabalho didático estava fundamentado nas atividades desenvolvidas enquanto alunas do Instituto Educacional Dourados. Uma das professoras entrevistadas afirma que uma das práticas comuns na sua vida de professora foi o hábito de utilizar poesias como uma técnica de ensino. A professora afirma que teve muito tempo pra se dedicar à educação conforme seu relato: “a gente confeccionava..., nós confeccionávamos... Vou falar pra você das coisas marcantes que foram o que deu muito trabalho, as poesias ... Eu fazia as poesias em um caderno de poesias, conforme o calendário comemorativo, e que se comemorava todas as datas... Eu vejo hoje, parece que essas datas cívicas passam em branco, ou pelo menos em tempo passou, não sei hoje? No nosso tempo isso era muito forte, muito acentuado...” Ao analisarmos a prática pedagógica desta professora foi possível também estabelecer algumas comparações com sua formação teórica e prática pedagógica, conforme podemos verificar no seu relato “a gente estudava, estudava bastante, pelo menos ler... tinha que ler! E a gente tinha aqueles livros e acervos além da gente ter que adquirir os livros de Filosofia, Psicologia, da área de educação... Todas essas disciplinas a gente lia, ainda lia outros, outros livros e quem que foi o responsável, a própria escola! Às vezes o professor, a gente 16 trabalhava bastante com livros assim emprestados dos professores, os professores também se viravam por aí... eles também tinham o seu material. Eles passavam isso pra gente... foi muito bom! Por que assim que eu terminei o normal regional eu fui pra sala de aula, e eu dava aula no próprio Educandário Santo Antonio, aí eu já era nomeada, eu já era professora. Eu já era professora de verdade! Eu nunca me esqueço de quando eu assumi essas aulas...” A professora depoente deixa claro que ao assumir as aulas no Educandário Santo Antonio realiza-se profissionalmente e que ser professora era a coroação da sua trajetória como normalista. Em um momento da entrevista a professora esclarece que seu trabalho como professora foi a mola propulsora de sua carreira na educação. A professora afirma: “Só em 80 que eu assumi definitivamente a sala de aula! Não que eu não assumia sempre, mais depois eu nunca mais sai da sala de aula... fui nomeada, e assumi sala de aula em 1º de março de 1974, lá nesse Patronato de menores (tenho xérox do diário). De 1964 a 1980 eu abracei de uma vez por todas a educação como professora! Fui supervisora de ensino, diretora de escola, da secretaria, assim como secretária de educação, trabalhamos com a merenda escolar, com as comemorações cívicas... Então eu fui assim durante essa jornada, eu fui uma pessoa voltada exclusivamente para a Educação por que eu só me casei em 1974, e ainda continuava no departamento de educação, na sede de ensino ... Assim eu tive muito tempo pra me dedicar a educação!” O trabalho didático previsto na prática das normalistas fica claro na fala de outra professora que estudou no mesmo Instituto ingressando na turma de 1965. Ao comentar sobre a sua entrada no curso normal a professora lembra que: “o que me levou a fazer o curso normal é porque eu gostava muito de trabalhar com crianças! Sempre eu tive essa vontade de trabalhar com crianças, a gente sabe que não se poderia trabalhar com crianças se não fizesse um curso específico... Então é o amor mesmo que eu tinha pelas crianças!” Nesse relato, podemos perceber que o trabalho didático estava permeado pela perspectiva da afetividade e da vocação presente na escolha da profissão. Na frase “eu gostava de crianças”, ou “é o amor que me fez optar por essa profissão” demonstram tais concepções associadas à maternidade e ao zelo pelo trabalho educativo com crianças pequenas que fazia parte do imaginário da época no tocante a formação feminina para o magistério. Quanto às atividades que permeavam o trabalho didático, um dos depoimentos ilustra bem como era desenvolvido este trabalho, quando ela relata: “confeccionávamos um caderno que traz todas essas datas, mas assim, é mais escrito! Os trabalhos que a gente fazia, quem tinha uma figura pregava, quem não tinha, tinha que desenhar! Trabalhamos também com muita colagem, dobradura, recorte disso na sala de aula. E uma coisa que era muito 17 importante, e que eu não sei hoje, não sei hoje como se faz, mas nós confeccionávamos esses materiais em sala de aula, acompanhado pelo professor. Outra coisa, não era só confeccionar, esse material também era cobrado nas avaliações e as provas escritas e tal, cobravam o material. Então, eu lembro assim quando a gente trabalhou frações, meu Deus a gente tinha aquilo tudo, meio, terço, inteiro, que eu já nem sei mais, pra colocar no flanelógrafo que a gente confeccionava! Era um quadro que tinha um feltro, e você ia falando e colocando as gravuras! Outra coisa que eu sofri muito, é que a gente tinha que preparar as historinhas e confeccionar o material. Confeccionava, se encontrasse uma gravura ali, se não, tinha que desenhar! E atrás da gente colava aquela flanelinha pra depois... Ou aquela lixa pra depois grudar, toda professora tinha que ter o seu cartaz de prega também pra trabalhar as unidades, as dezenas, tudo pendurado”. É possível perceber, na fala da professora, que as mesmas atividades apreendidas na sua vida como normalista eram utilizadas em suas práticas em sala de aula. O trabalho didático era baseado nos ensinamentos do curso normal. Dessa forma, podemos apontar que houve uma transposição das atividades formativas para o trabalho didático desenvolvido em sala de aula, pois o curso também tinha um caráter prático de formação para o trabalho. Ou seja, além das instruções teóricas com relação ao material, as alunas eram obrigadas a confeccioná-lo, dando ao curso um caráter de oficina no qual a produção do material era essencial. Mesmo porque, depois, em sala de aula, elas teriam muita dificuldade em encontrar nas escolas uma gama de materiais para utilizar nas aulas. Nesse sentido, a normalista era um profissional que ao formar levava consigo seus próprios instrumentos de trabalho visando sua atuação posterior em sala de aula junto aos futuros alunos. As duas normalistas entrevistadas afirmam que a prática de sala de aula era toda baseada no aprendizado da escola normal. Dessa forma, as professoras, investidas dos sentimentos maternos, traziam no bojo de sua formação e percebiam o magistério como uma extensão da maternidade. Nesta perspectiva, os alunos eram vistos como seus “filhos espirituais” e a docência sentida como um momento em que poderiam exercer “o amor e a doação” aos seus alunos. Tais concepções são tão marcantes no período que muitas professoras acabavam ficando solteiras e “casavam-se” com a profissão, nesses casos, a profissão tinha um caráter de sacerdócio, dedicação e exclusividade para a educação como numa relação celibatária exercida pelas religiosas. Dessa forma, o trabalho didático visto como extensão da maternidade e, sobretudo como uma estratégia de corroborar a vocação das mulheres para a docência, vai propor também uma maneira de educar as massas, ainda que tais preceitos não sejam atingidos de 18 forma tão extensa, mas os saberes disseminados colaboraram para propagar um modelo de escola aos professores, especialmente, às professoras do sexo feminino. 6. Considerações Finais A Escola Normal era caracterizada por um espaço de formação que tinha como objetivo, além da formação de professoras, a promoção do espírito cristão, da atitude cívica perante a vida, do desenvolvimento do espírito co-participativo, aspirando à comunhão, o relacionamento interpessoal, buscando tornar o ser criativo e fraterno. A Escola centrava o processo educativo na pessoa do educando, considerava o ensino uma cultura na busca do ser, e o educador como vocacional do bem integral dos educandos. A educação deveria ser reflexiva, participativa e libertaria. E como toda escola confessional se caracterizava pelo anuncio explícito do evangelho. Tais concepções educativas estavam presentes na disciplina, nos comportamentos esperados e impostos às normalistas. Assim toda a organização da escola se constituiu num modelo de civilidade, representado por tais práticas que definiam a cultura local e escolar. Finalmente, podemos concluir até o presente momento (pois se trata de uma pesquisa em andamento), que, no município de Dourados, a formação de docentes feita nas escolas normais, especificamente, na Escola Normal Nossa Senhora da Conceição, não deixa nada a desejar com relação às demais experiências nas escolas normais no país no mesmo período (1958-1970). As concepções são representadas pela formação de uma nação civilizada feita por uma profissional do sexo feminino, a professora, que tinha a incumbência de dar continuidade à manutenção dos valores da família para a sociedade. É possível dizer ainda que tal formação dava ênfase a preceitos femininos e de caráter privado, à medida que preparava a mulher para exercer uma profissão quase que no âmbito doméstico, expresso na forma como ela se relacionava com os alunos valorizando aspectos como maternidade, afetividade, vocação, devoção e tornando a profissão uma “missão” quase religiosa, com o objetivo de formar uma sociedade civilizada. Procuramos apontar, ao longo do texto, que existem possibilidades de novas leituras de memórias e de documentos da escola, no entanto a leitura que fizemos pode dar pistas para percebermos como se construiu a identidade dessas professoras, baseada na vocação, na responsabilidade de educar a infância, na disciplina além de possibilitar estabelecer a ordem e o progresso da cidade seguindo o ideário da sua época. A recuperação histórica realizada neste trabalho é apenas um fragmento de uma pesquisa mais ampla que pretende contribuir para a recuperação do “fazer a história da 19 educação no município de Dourados”, nesse caso específico, o intuito foi dar visibilidade às experiências vividas pelas normalistas da Escola Normal do Instituto Educacional de Dourados no sentido de recuperar a história desta instituição. REFERÊNCIAS ALBERTI, V. Ensaio bibliográfico. Obras coletivas de História Oral. In: Tempo. Rio de Janeiro: vol. 2, n. 3, 1997, pp. 206-219. AMADO, J. & FERREIRA, M. (org). Usos e abusos da História Oral. 1a.ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. BENCOSTTA, Marcus Levy Albino et al. Memórias da educação: Campinas (1850 – 1960). Campinas: UNICAMP, 1999. BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. BOURDIEU, P. O poder simbólico. 3 ed. São Paulo. Bertrand Brasil, 2000. BURKE, P. (org.): A Escrita da História. 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