ISSN 1413-8557 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) Volume 9 Número 1 Janeiro/Junho 2005 ABRAPEE Expediente A revista Psicologia Escolar e Educacional é um veículo de divulgação e debate da produção científica na área específica e está vinculada à Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). Seu objetivo é constituir um espaço para a apresentação de pesquisas atuais no campo da Psicologia Escolar e Educacional e servir como um veículo de divulgação do conhecimento produzido na área, bem como de informação atualizada a profissionais psicólogos e de áreas correlatas. Trabalhos originais que relatam estudos em áreas relacionadas à Psicologia Escolar e Educacional serão considerados para publicação, incluindo processos básicos, experimentais, aplicados, naturalísticos, etnográficos, históricos, artigos teóricos, análises de políticas e sínteses sistemáticas de pesquisas, entre outros. Também, revisões críticas de livros, instrumentos diagnósticos e softwares. Com vistas a estabelecer um intercâmbio entre seus pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, conta com uma revisão às cegas por pares e é publicada semestralmente. Seu conteúdo não reflete a posição, opinião ou filosofia da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Os direitos autorais das publicações da revista Psicologia Escolar e Educacional são da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, sendo permitida apenas ao autor a reprodução de seu próprio material, previamente autorizada pelo Conselho Editorial da Revista. As transcrições e traduções são permitidas, desde que no limite dos 500 vocábulos e mencionada a fonte. São publicados textos em português, espanhol e inglês. C O N S E L H O E D I T O R I A L Editora: Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly / Editora Adjunta: Marilene Proença Rebello de Souza CORPO EDITORIAL Acácia Aparecida Angeli dos Santos Alessandra Gotuzzo Seabra Capovilla Ana Paula Porto Noronha Célia Vectore Cristina Maria Carvalho Delou Denise de Souza Fleith Elenita de Rício Tanamachi Elisabeth Brunini Sbardellini Eunice M. L. Soriano de Alencar Evely Boruchovitch Fermino Fernandes Sisto Geraldina Porto Witter Gerardo Prieto Hermínia Vicentelli de Castillo José Aloyseo Bzuneck José Fernando B. Lomônaco Josiane Maria de Freitas Tonelotto Leandro Almeida Lino de Macedo Maria Helena Novaes Maria Lúcia Boarini Maria Júlia Ribeiro Mercedes Villa Cupollillo Nádia Maria Dourado da Rocha Silvia Koller Silvia Maria Cintra da Silva Solange Muglia Wechsler Thomas Oakland Universidade São Francisco Universidade São Francisco Universidade São Francisco Universidade Federal de Uberlândia Universidade Federal Fluminense Universidade de Brasília Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Universidade Tuiuti do Paraná Universidade Católica de Brasília Universidade Estadual de Campinas Universidade São Francisco Universidade Mogi das Cruzes Universidad de Salamanca Universidad Pedagógica Experimental Libertador Universidade Estadual de Londrina Universidade de São Paulo Pontifícia Universidade Católica de Campinas Universidade do Minho Universidade de São Paulo Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Universidade Estadual de Maringá Universidade de Taubaté Universidade Católica de Goiás Faculdades Ruy Barbosa Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal de Uberlândia Pontifícia Universidade Católica de Campinas University of Florida CONSULTORES AD-HOC Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla – Universidade Estadual de Campinas Carla Witter – Universidade São Judas Psicologia Escolar e Educacional./ Associação Brasileira de Maria de Fátima Silveira Polesi Lukjanenko - Universidade São Francisco Psicologia Escolar e Educacional.- v. 1, n. 1. 1996Soely Aparecida Jorge Polydoro – Universidade Estadual de Campinas Campinas : ABRAPEE, 1996. ASSISTENTE DO CONSELHO EDITORIAL Katya Luciane de Oliveira – Doutoranda em Educação Lucicleide Maria de Cantalice – Mestre em Psicologia Indexação em: Index Psi / LILACS Disponível nas bibliotecas da Rede Brasileira de Bibliotecas da Área de Psicologia - ReBAP (www.bvs-psi.org.br/rebap/) Apoio: CNPq Tiragem: 600 exemplares Quadrimestral : 1996-1999. Semestral : 2000ISSN 1413-8557 l. Psicologia educacional. 2. Psicologia escolar. 3. Educação. 4. Brasil. I. Associação Brasileira de Psicolo- Revista de Psicologia Escolar e Educacional Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – Itatiba/SP – 13251-900 – Tel: (11) 4534-8046 http://www.abrapee.psc.br e [email protected] Psicologia Escolar e Educacional PUBLICAÇÃO SEMESTRAL 11 ISSN 1413-8557 2005 Volume 9 Número 1 Editorial Artigos 15 Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional Débora Cecílio Fernandes Daniel Bartholomeu Fabián Javier Marín Rueda Adriana Cristina Boulhoça Suehiro Fermino Fernandes Sisto 27 Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades Maria de Fátima Magalhães Mariani Eunice Maria Lima Soriano de Alencar 37 Avaliação da aprendizagem na universidade Katya Luciane de Oliveira Acácia Aparecida Angeli dos Santos 47 Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries Laura Fogaça Saud Josiane Maria de Freitas Tonelotto 59 Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilingües Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça Denise de Souza Fleith 71 Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla Mariana Wisnivesky Paula Saretta Fernanda Costa Paulucci Carolina Pasquote Vieira Carolina de Aragão Escher Marques 87 Clínica-escola: levantamento de instrumentos utilizados no processo psicodiagnóstico Fernanda Andrade de Freitas Ana Paula Porto Noronha 95 Psicologia escolar em educação infantil: reflexões de uma atuação Tatiana Yokoy Regina Lúcia Sucupira Pedroza 105 Inclusão escolar: visão de alunos sem necessidades educativas especiais Nilza Sanches Tessaro Ana Sayuri Ribeiro Waricoda Renata Cristina Marques Bolonheis Ana Paula Barletta Rosa 117 O professor e o aluno em liberdade assistida: um estudo exploratório Jeyse Martins Caroline Catozzi Flávia Sayegh Isabel Cristina Dib Bariani 127 Teleavaliação da habilidade de leitura no ensino infantil e fundamental Elizeu Coutinho de Macedo Fernando César Capovilla Carolina Cunha Nikaedo Fernanda Tebexreni Orsati Katerina Lukasova Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla Cléber Diana 135 Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi Claisy Maria Marinho de Araújo Marisa Maria Brito da Justa Neves Resenhas 147 Práticas em psicologia escolar Nayá Bellintani Caparrotti 149 Processos psicológicos e sociais na aprendizagem Miriam Cruvinel 151 Desenvolvimento das habilidades do pensamento acadêmico Geraldina Porto Witter 155 O aluno universitário e suas questões Janete Aparecida Silva Marini História 159 Entrevista com Elcie Aparecida Fortes Salgado Masini Entrevistadora: Lucicleide Maria de Cantalice Sugestões práticas 163 Focos de intervenção em psicologia escolar Edla Grisard Caldeira de Andrada Informativo 167 Notícias bibliográficas 169 Informe 171 Normas de publicação 179 Ficha para novos sócios da ABRAPEE ISSN 1413-8557 SUMMARY 11 Editorial Papers 15 Self concept and personality traits: a correlational study Débora Cecílio Fernandes Daniel Bartholomeu Fabián Javier Marín Rueda Adriana Cristina Boulhoça Suehiro Fermino Fernandes Sisto 27 Creativity in teaching according to teachers of history: limits and possibilities Maria de Fátima Magalhães Mariani Eunice Maria Lima Soriano de Alencar 37 Learning evaluation in the university Katya Luciane de Oliveira Acácia Aparecida Angeli dos Santos 47 Social behavior in school: differences between gender and grade Laura Fogaça Saud Josiane Maria de Freitas Tonelotto 59 Relationship between monolinguals and bilinguals’ creativity, intelligence, and self-concept Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça Denise de Souza Fleith 71 Sharing formation, practice and dilemmas: a contribution to the professor development Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla Mariana Wisnivesky Paula Saretta Fernanda Costa Paulucci Carolina Pasquote Vieira Carolina de Aragão Escher Marques 87 School psychology clinic: a survey of instruments used in psychodiagnotics process Fernanda Andrade de Freitas Ana Paula Porto Noronha 95 School psychology in childhood education: profissional intervention´s reflexions Tatiana Yokoy Regina Lúcia Sucupira Pedroza 105 Scholar inclusion: view of students without special educative necessities Nilza Sanches Tessaro Ana Sayuri Ribeiro Waricoda Renata Cristina Marques Bolonheis Ana Paula Barletta Rosa 117 Teacher and the student in assisted freedom: an exploratory study Jeyse Martins Caroline Catozzi Flávia Sayegh Isabel Cristina Dib Bariani 127 Long distance assessment of reading ability in schoolars Elizeu Coutinho de Macedo Fernando César Capovilla Carolina Cunha Nikaedo Fernanda Tebexreni Orsati Katerina Lukasova Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla Cléber Diana 135 Peace culture and school psychology in the context of educative institutions Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi Claisy Maria Marinho de Araújo Marisa Maria Brito da Justa Neves Reviews 147 School psychology atuation Nayá Bellintani Caparrotti 149 Psychological and social process in the learning. Miriam Cruvinel 151 The development of the thinking academic abilities Geraldina Porto Witter 155 The university student questions Janete Aparecida Silva Marini History 159 Interviewing Elcie Aparecida Fortes Salgado Masini Practical Suggestions 163 Intervention focus in the school psychology Edla Grisard Caldeira de Andrada Informative 167 Bibliographic Notes 169 Events 171 Instructions to Authors 179 ABRAPEE Membership EDITORIAL Psicologia Escolar e educacional: da teoria à prática escolar Teoria e prática em Psicologia escolar foi, de fato, o foco da discussão de 1500 congressistas que, vindos de todos os estados brasileiros, participaram do VII Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional (CONPE) na Universidade Tuiuti do Paraná, em Curitiba , de 21 a 24 de abril de 2005. Acre e Roraima foram os únicos estados que não se fizeram representar. Pode-se observar quão importante é esse evento para a comunidade científica da Psicologia Escolar e Educacional brasileira pelas recentes produções científicas apresentadas. Foi um espaço para discussões, reflexões e propostas de ações que congregou tanto profissionais e estudantes de psicologia quanto os de outras áreas afins. É relevante explicitar que vários educadores vinculados à rede municipal, estadual e particular de ensino de Curitiba e região participaram ativamente do VII CONPE. Cabe, aqui, um registro das atividades que, sob diferentes perspectivas, efetivaram a proposta de fazer um percurso da teoria à prática escolar na Psicologia Escolar e Educacional. Foram 11 conferências, 25 mini-cursos, 22 mesas redondas, 35 simpósios, 31 apresentações para partilhar experiências, 285 comunicações orais e 160 painéis de pesquisa. Além, destaque seja dado, dos cinco livros lançados, dos dois Fóruns de debates, da exposição da História da Psicologia Educacional Brasileira e do II Encontro de Estagiários. A quantidade de informação aliada à indiscutível qualidade das atividades demonstrou o compromisso do Psicólogo Escolar com as atuais necessidades da educação brasileira, revelando o atual panorama da área. Participações tão comprometidas com a Psicologia escolar também têm sido constatadas pelo grande número de manuscritos encaminhados à revista, tanto provenientes das diferentes regiões brasileiras quanto da América Latina e Europa. Isso revela que, além de contarmos com muitos profissionais investigando e atuando na área, a revista está com maior visibilidade e se consolidado como representante do registro e divulgação científica da área em realce. Espera-se que tal desempenho cresça e a informação e produção que compõem este periódico possa ser acessada pelo maior número possível de pessoas. Visando atingir esta meta com dinamismo e buscando intercâmbio entre pares e pessoas interessadas na Psicologia Escolar e Educacional, a revista, como anunciado no último editorial, está sendo editada também eletronicamente. Ela faz parte da coleção de revistas da base de Periódicos Eletrônicos em Psicologia – PEPSIC (www.bvs-psi.org.br), recém lançada em parceria com a Biblioteca Virtual da Saúde – BVS- Psi. Assim, este número e os fascículos que o compõem estarão disponíveis on line e também impressos. Que as informações possam ser muito úteis a pesquisadores e profissionaise estudantes. Maria Cristina Rodrigues Azevedo Joly Editora Artigos Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 AUTO CONCEPTO Y RASGOS DE PERSONALIDAD: UN ESTUDIO CORRELACIONAL AUTO CONCEPTO Y RASGOS DE PERSONALIDAD Débora Cecílio Fernandes1 Daniel Bartholomeu2 Fabián Javier Marín Rueda3 Adriana Cristina Boulhoça Suehiro3 Fermino Fernandes Sisto4 Resumen Este estudio ha investigado las relaciones entre los rasgos de personalidad y auto concepto. Fueron aplicadas la Escala de Traços de Personalidade para Crianças y la Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil en 389 niños, con edad de 8 a 10 años de escuelas públicas y particulares. Se han hallado diferencias de sexo para casi todas las medidas hechas. Para los varones, ha sido observado correlaciones positivas entre extroversión y auto conceptos escolar y familiar, neuroticismo y psicoticismo con auto conceptos personal y social, y sociabilidad con auto concepto familiar; y correlaciones negativas entre extroversión y auto concepto social, psicoticismo y auto concepto familiar, y sociabilidad y auto concepto personal. Para las niñas, fueron observadas correlaciones positivas entre el auto concepto social y psicoticismo y sociabilidad con el familiar; y correlaciones negativas entre extroversión y el social, psicoticismo y neuroticismo con el familiar. Los análisis de los grupos extremos confirmaron los datos encontrados. Palavras-clave: Rasgos de Personalidad; Auto concepto; Evidencia de Validez. SELF CONCEPT AND PERSONALITY TRAITS: A CORRELATIONAL STUDY Abstract This study investigated the relationship of the personality traits to self concept. The Escala de Traços de Personalidade para Crianças and Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil were administered to 389 children aged from 8 to 10 years, attending at public and private schools. Almost every measure done was differentiated by gender. For the boys, the positive correlations found were between extraversion and scholar and familiar self concept, neuroticism and psychoticism with personal and social self concept, and sociability with familiar self concept. The negative correlations found were between extraversion and social self concept, psychoticism and familiar self concept, and sociability with personal self concept. For the girls, positively correlations between the social self concept and psychoticism and sociability with familiar self concept were emerged. Negative correlations were revealed between extraversion trait and social self concept, psychoticism and neuroticism traits correlated with familiar. The contrasting group’s analyses confirmed the found data. Keywords: Personality traits; Self concept; Validity Evidence. INTRODUCCIÓN El auto concepto es estudiado en diversas áreas de la Psicología en virtud de la importancia que asume en la comprensión del proceso del desarrollo humano (Cortesão & Torres, 1984; Vaz Serra, 1986; Vaz Serra & Firmino, 1986; Vaz Serra, Mattos & Gonçalves, 1986; 1 Veiga, 1988,1989). Pese a eso, se considera que la investigación teórica en esa área es caracterizada por una gran imprecisión de la terminología y discordancias en lo que se refiere a las definiciones empleadas. Todavía, aunque la literatura no revele una definición operacional Doutoranda pela Universidad de Salamanca. Mestrando do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista da CAPES. 3 Doutorandos do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Universidade São Francisco e bolsistas da CAPES. 4 Livre – docente pela Unicamp e docente do curso de Psicologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Avaliação Psicológica da Universidade São Francisco. 2 16 Débora C. Fernandes, Daniel Bartholomeu, Fabián J. Marín Rueda, Adriana C. B. Suehiro e clara, concisa y universalmente aceptada, hay una cierta concordancia entre autores en relación a la definición general del término. Así que, el auto concepto es definido como la percepción que el individuo tiene de si mismo y que se sostiene directamente por sus experiencias en relación a los otros y en la valoración que hace de su propia conducta (Jacob & Loureiro, 1999; Marsh, 1984; Marsh, Byrne & Shavelson, 1988; Shavelson, Hubner & Stanton, 1976; Stevanato & Loureiro, 2000; Sisto & Martinelli, 2004; Sossai, 1975; Vaz Serra, 1988; Loureiro, 2001). Teniendo en cuenta las deficiencias terminológicas y la gran multiplicidad de conceptos de la literatura, se trabajará en este estudio con la definición operacional adoptada por Sisto y Martinelli (2004). Esos autores afirman que el auto concepto es un producto de la interacción entre la persona y su medio ambiente durante su proceso de construcción social y ciclo de vida, acompañada de una evaluación de sus capacidades, realizaciones, experiencias y representaciones. Aunque esa definición a la multidimensionalidad del constructo, no tiene como base la existencia de una jerarquía entre sus componentes como la defendida por el modelo teórico presentado por Shavelson, Hubner y Stanton (1976), una vez que se han elegido la postura teórica defendida por Mead (1934) y James (1890) de que la persona puede tener varios “yo” o varios auto conceptos. Las referencias históricas sobre los estudios relativos al auto concepto empiezan por William James (1890, 1892) como un de los primeros autores a analizar tal constructo desde el punto de vista psicológico. Su principal contribución fue la distinción entre dos aspectos fundamentales del self o “yo”, el “yo-sujeto” y el “yoobjeto”. El primero era concebido como el “yo” conocedor que, conforme Damon (1983), tendría la función de organizar e interpretar, de forma subjetiva, las experiencias del individuo. El segundo, o sea, el “yoobjeto”, representado como un agregado de cosas objetivamente conocidas sobre el “yo” seria constituido por cuatro componentes responsables por conferir al sujeto su individualidad, a saber, el self espiritual (formado por estados de conciencia, facultades psíquicas), el material (compuesto por el cuerpo, familia, bienes), el social (compuesto por las relaciones, papeles, personalidad) y el corporal. Gran mérito es atribuido a James por, además de proponer una estructura multidimensional para el Fermino F. Sisto concepto de si mismo, poner de relieve su naturaleza típicamente social (Burns, 1982). Tales ideas son igualmente compartidas por Mead (1934), pues concibe que varios “yo” se pueden desarrollar en función de las diferentes experiencias sociales, que posibilitarían la aceptación de que los auto conceptos de los individuos pueden, de alguna manera, influenciar y ser influenciados por el contexto social en que son analizados y al cual están sometidos. Así, es posible referirse a un “yo” social, respecto al grupo al que pertenece y actúa, a un “yo” familiar, que corresponde a las actitudes frente a la familia, a un “yo” escolar, formado a partir de las relaciones con los profesores y colegas y a un “yo” personal, en relación a su manera de concebirse. Independientemente de la definición adoptada, hay un consenso cuanto al impacto de las opiniones de los otros en la construcción del auto concepto del individuo, asumiéndose que el desarrollo psicológico del ser humano se da a lo largo de toda su existencia y que es durante la infancia que el individuo agrega las principales adquisiciones concernientes a la organización de la personalidad que lo instrumentalizarán para la vida. Tales adquisiciones son resultado de los cambios constantes del individuo con su entorno. En ese sentido, muchos estudiosos afirman que la interacción entre el niño y sus primeros cuidadores, posibilita su madurez y la inclusión de otras personas para interacción. De acuerdo con autores como Berger y Berger (1990), la experiencia social comienza con el nacimiento, pues es a partir de ese momento que el niño desarrolla una interacción entre el su cuerpo, el ambiente físico y las otras personas con las cuales ella convive. Así, los motivos fisiológicos y subjetivos del niño son involucrados y modificados por la experiencia social a la que es sometido por aquellos que lo cercan y que actúan como mediadores del proceso. Dentro de esa perspectiva, Jacob (2001) afirma que el niño experimenta y registra un abanico de vivencias afectivas que apuntan una serie de elementos para la formación de su concepción a respecto de sus capacidades, habilidades e importancia para las personas que conviven con él. Así, la percepción del niño es mediada por el ambiente que, al mismo tiempo, señala como la percibe. Esa relación continuada de percepciones se refleja, según la autora, en la imagen que el niño hace de si mismo y en la construcción de su identidad, constituyéndose como la principal fuente de cambios en el desarrollo. En ese sentido, las Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional relaciones familiares asumen un papel relevante, pues los padres son el punto de referencia del niño y es en la interacción con ellos que el niño pasa a reconocer lo que se espera de él, construyendo un auto concepto familiar positivo o negativo, dependiendo de la manera como tales relaciones son percibidas (Allport, 1966; Oliveira, 2000). Mientras el niño crece sus intercambios y solicitaciones en el ambiente van siendo cada vez más diferenciados y diversificados y su universo de relaciones y personas de otros contextos se tornan fuente de intercambios afectivos y de refuerzo. Así que el ingreso en la escuela coloca al niño en contacto con nuevos contenidos y con otras personas, ampliando las demandas a las cuales estará sujeto. En ese ambiente, hasta entonces desconocido y de nuevas vivencias interactivas, los niños pasan a experimentar nuevas exigencias y a ser evaluados en relación a sus comportamientos y aprendizajes. La escuela se presenta, entonces, como una de las más importantes instituciones sociales para hacer la mediación entre el individuo y la sociedad y el pasaje de un nivel de escolaridad para otro, como también en todas las transiciones entre distintos contextos presupone para el estudiante nuevos desafíos cognitivos y sociales. Así, la institución escolar interviene no sólo en la transmisión del saber científico organizado culturalmente, como influencia en todos los aspectos relativos a los procesos de socialización y individuación del estudiante, sobre todo en lo que se refiere al auto concepto, a la auto estima y a la construcción de la autonomía del alumno (Cubero & Moreno, 1995). En ese contexto académico, el desempeño del estudiante en las actividades propuestas por la escuela es interpretado como un prenuncio de sus capacidades y de su potencial productivo, siendo el auto concepto escolar definido, de acuerdo con Simões (1997), como el universo de representaciones que el alumno tiene de sus habilidades, de sus realizaciones escolares, bien como las evaluaciones que él hace de esas mismas capacidades y realizaciones. Las vivencias de ese proceso son percibidas de forma positiva o negativa. Mientras el alumno es solicitado a ejecutar las tareas propuestas y se siente capaz y habilitado para eso, desarrolla el sentido de realización y construye una visión más positiva de si mismo, lo que influencia su motivación y sus actitudes en relación al estudio (Costa, 2001; Jacob, 2001). Sisto y Martinelli (2004) cuando han construido la 17 Escala de Auto Conceito Infanto-Juvenil (EAC-IJ) han defendido que la escuela ocupa un papel relevante en la vida afectiva del niño y del adolescente. Además que ese tipo de información se ha constituido en un instrumento importante para la toma de decisiones sobre las personas que presenten algún problema de adaptación. Por fin, consideraron también la preocupación creciente de los educadores con su papel constructivo y la necesidad de instrumentos de evaluación pautados en principios científicos, En oposición a las necesidades educacionales, referidas anteriormente, y a la preocupación de que tanto la comprensión del auto concepto de los estudiantes, cuanto sus expectativas de suceso y percepciones del contexto académico sean pautadas en una evaluación válida y confiable, se encuentra, además, la dificultad de evaluación del auto concepto en el Brasil. Tanta dificultad se justifica, segundo Sisto y Martinelli (2004), por un lado, en función de buena parte de los instrumentos estar publicada en tesinas, tesis de doctorado y artículos, no siempre de fácil acceso y, por otro lado, por el hecho de que los estudios sobre evidencias de validez y los dados de precisión ni siempre son conocidos o presentan informaciones sobre las normas para compararse y evaluar a las personas. Construida con la finalidad de evaluar con mayor precisión los diferentes niveles de auto concepto en distintos contextos de la vida de los estudiantes, cuales sean, personal, familiar, social y escolar, la Escala de Auto Conceito Infanto-Juvenil obtuvo, por medio del análisis de los componentes principales, evidencia de validez de constructo para los cuatro contextos. De acuerdo con sus autores, las correlaciones ítem-total por escala indicaron buena consistencia, así como los alfas de Cronbach, que variaron de 0,68 la 0,82, a pesar de las escalas tener de 4 a 6 ítems. Además de eso, la consistencia temporal (teste-reteste) por escala ha variado de 0,78 a 0,88 y el dato global sugirió buena estabilidad temporal ítem a ítem. Solamente un estudio que da evidencia de validez para la Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil consta en la literatura brasilera (Carneiro, Martinelli & Sisto, 2003). El objetivo de los investigadores era verificar se habría diferencias significativas entre los niveles de dificultad de aprendizaje en la escrita y el auto concepto en sus múltiplas manifestaciones. Los resultados mostraron que la dificultad de aprendizaje en la escrita Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 18 Débora C. Fernandes, Daniel Bartholomeu, Fabián J. Marín Rueda, Adriana C. B. Suehiro e estuvo significativamente relacionada con el auto concepto general y escolar, indicando que conforme ha aumentado el nivel de dificultad han disminuido también los puntajes en esas escalas. Queda claro, de ese modo, que pocos estudios con esa escala se han detenido a analizar las relaciones que los diferentes tipos de auto concepto establecen con otras variables. Así que, considerando las características ya mencionadas para cada tipo de auto concepto es posible plantear la hipótesis de que haya relaciones con variables como emociones o mismo con rasgos de personalidad. En otros términos, nuevas pesquisas deben buscar más evidencias de validez para la Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil. Es en ese contexto que este estudio se insiere buscando contribuir para la implementación de ese instrumento, teniendo como marco los rasgos de personalidad. Añádase a eso el hecho de que suelen hacer referencias a características de los diferentes tipos de auto concepto en las descripciones de las conductas que involucran los rasgos de personalidad. Eso queda todavía más evidente al considerarse los rasgos de personalidad analizados por la Escala de Rasgos de Personalidad para Niños (ETPC), instrumento utilizado en este estudio. Esa escala fue construida basada en los presupuestos de Eysenck y Eysenck (1987), estando configurada para niños brasileños de 5 hasta 10 años, y que evalúa cuatro factores con validez de constructo y de contenido, a saber, neuroticismo, psicoticismo, extroversión y sociabilidad. Además de esas evidencias, cinco otros estudios fueron realizados, ofreciendo nuevas evidencias de validez del instrumento. Así que, tres de esos estudios se relacionan a la situación de enseñanza-aprendizaje y los otros dos a otras características psicológicas que estarían relacionadas a rasgos de personalidad. Los estudios de precisión dieron buenos índices. El análisis de consistencia interna ha resultado en estimativas variando de 0,80-0,91; ya por la técnica de dos mitades de Spearman-Brown los índices se han ubicado entre 0,79 y 0,92; finalmente, los coeficientes de correlación de Pearson en la situación de teste-reteste, fueron de 0,80 a 0,92 (Sisto & cols. 2003). Para Eysenck y Eysenck (1987) ciertas tendencias son percibidas en los procesos de modificaciones y reorganizaciones de la personalidad que diferencian un sujeto del otro. De esa forma, cada persona debe manejar sus motivos y las influencias ambientales, que ni siempre Fermino F. Sisto son favorables, para reajustar su conducta. Su teoría considera la personalidad como una jerarquía de rasgos, definiéndolos como tendencias duraderas, modos de comportarse en una diversidad de situaciones. Consecuentemente, la tendencia de una persona a ser impulsiva, agitada, irascible, impetuosa y impaciente podría ser consecuencia de la tendencia más básica de ser excitable (Sisto, Oliveira, Oliveira, Bartholomeu, Oliveira y Costa, 2004). Vale destacar que la perspectiva teórica de personalidad adoptada comprende ese fenómeno como un sistema cognitivo, afectivo y comportamental integrados, que interactúan con características innatas, adquiridas, orgánicas y sociales, recibiendo contribuciones de funciones psicológicas y sociales (Sisto, Bueno & Rueda, 2003; Sisto y cols, 2004). Ahora bien, teniendo en vista el aspecto interactivo del cual la configuración de los rasgos de personalidad depende, se puede pensar que ciertas características presentan intersecciones con los tipos de auto concepto anteriormente definidos, una vez que eles también son construidos en base a la interacción de la persona con su entorno y acompañados por evaluaciones que los individuos hacen de sus experiencias y representaciones. En ese sentido, el presente estudio tuvo como objetivo investigar las relaciones que pueden establecerse entre rasgos de personalidad y auto concepto. Ese tipo de información sería otro tipo de evidencia de validez para la Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil. De una manera más esquemática, se presenta una breve descripción de cada uno de los rasgos de personalidad de acuerdo con Sisto y cols. (2003), al mismo tiempo en que a las hipótesis aventadas son puestas. El rasgo extroversión caracteriza a la persona generalmente impulsiva, despreocupada, agresiva, optimista, espontánea y abierta a relaciones interpersonales, o sea, sociable. Esas personas poseen muchos amigos, les gusta conversar y no les gusta leer o estudiar solas. Así, se tiene la expectativa de que el niño con alto puntaje en ese rasgo presente auto concepto familiar, social, escolar y personal elevados. En oposición, se espera que una alto puntaje en neuroticismo denote un bajo nivel en todos los tipos de auto concepto, una vez que individuos con predominancia de neuroticismo pueden ser retratados con características de ansiedad, depresión, sentimiento de culpa, baja auto-estima, timidez, tristeza, temor, Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional nerviosismo e inquietud. Se resalta también que la principal característica de un niño con alto puntaje en neuroticismo es una constante preocupación, con fuerte instabilidad emocional. El psicoticismo fue retratado como una dimensión de la personalidad normal. Entretanto, altas puntajes indican una cierta despreocupación en relación a los otros y soledad; además de una tendencia a la crueldad y a la poca sensibilidad. Niños con ese puntaje se muestran hostiles, inclusive con los más íntimos; desprecian el peligro y sienten placer en perturbar a los otros, dejándolos de mal humor. Presentan pocos indicios de socialización y de sentimientos de simpatía. Por eso hay la expectativa de que una alto puntaje en ese rasgo evidencie una disminución en los niveles de auto concepto familiar, social y escolar, como también un elevado auto concepto personal. Al lado de eso, se espera que el niño con alto puntaje en la escala sociabilidad presente niveles altos en todos los tipos de auto concepto, teniendo en vista su tendencia a comportarse dentro de reglas y conveniencias sociales. MÉTODO Participantes Han participado de esta investigación 389 sujetos, con promedio de edad de 9 años (DP=0,78), variando de 8 a 10 años. Con relación al sexo, 49,1 % eran varones y 50,9 % niñas, siendo todos provenientes de escuelas públicas y particulares de una ciudad del interior de São Paulo-Brasil. 19 atribuido 1 punto para las respuestas afirmativas y cero para las negativas a cada ítem, siendo que el escore bruto es compuesto por la suma de los puntajes en los ítems de cada sub-escala. B - Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil (EACIJ) (Sisto & Martinelli, 2004) Consiste en una escala compuesta por 20 cuestiones al todo que evalúan el auto concepto en las cuatro dimensiones, personal, escolar, familiar y social. En relación al auto concepto personal, el instrumento dispone de cinco cuestiones, el escolar otras cinco, cuatro para evaluar el auto concepto familiar, y finalmente seis que informan sobre el auto concepto social. Las respuestas son dadas en escala Likert de 3 puntos (siempre, a veces y nunca) que deben ser señaladas con una “X” de acuerdo con la intensidad que la frase caracteriza a la persona que responde. Ese test posee también normas para personas de ocho a 16 años, disponiendo de un cuadro que permite trazar un perfil del auto concepto de los sujetos. El instrumento es auto explicativo, no necesitando muchas instrucciones para la aplicación. También, el manual hace algunos apuntes en el sentido de dejar a los individuos lo mejor acomodados posible para responder al test, así como también da algunas instrucciones iniciales que fueron relatadas a los sujetos en la situación de test. Para las sub-escalas del auto concepto personal y social, se atribuye punto para las respuestas siempre, punto para a veces y para nunca. En las sub-escalas que informan sobre el auto concepto escolar y familiar los puntajes son invertidas. RESULTADOS Instrumento A - Escala de Traços de Personalidade para crianças (Sisto, 2004) Se caracteriza por un cuestionario con 30 ítems, que evalúa los rasgos de neuroticismo, psicoticismo, extroversión y sociabilidad. Su utilización debe ser hecha en niños de 5 hasta 10 años de edad, siendo que la escala de neuroticismo contiene 7 ítems; la de extroversión, 10 ítems; la de psicoticismo, 11 ítems; y la de sociabilidad, 6 ítems. El niño debe responder si o no a cada pregunta y la evaluación de cada rasgo fue hecha de acuerdo con las indicaciones del manual. Es Los auto conceptos personal y familiar también presentaron promedios considerablemente elevados y muy próximos (5,14 y 4,82 respectivamente). En relación al auto concepto familiar, fue quien presentó el menor promedio (2,91). Sin embargo, se debe observar que, considerando la variación posible para las sub-escalas en cuestión, con excepción del auto concepto personal, en los otros tres las personas han presentado promedios abajo de los respectivos puntos medios en cada tipo de auto concepto, indicando una disminución de ellos. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 20 Débora C. Fernandes, Daniel Bartholomeu, Fabián J. Marín Rueda, Adriana C. B. Suehiro e Para verificar hasta que punto los diferentes tipos de auto concepto como también los rasgos de personalidad diferían en razón del sexo de los individuos, se ha utilizado la prueba t de Student. Los resultados de ese análisis se encuentran en la Tabla 1. Tabla 1 - Valores de t y p en relación al sexo (N=389) t p Auto concepto personal 3,786 0,000 Auto concepto escolar -2,296 0,022 Auto concepto familiar 1,168 0,244 Auto concepto social 3,190 0,002 Psicoticismo -4,240 0,000 Extroversión 0,320 0,749 Neuroticismo 5,492 0,000 Sociabilidad 3,831 0,000 Se pudo observar que el rasgo extroversión no diferenció el sexo. De la misma forma, con relación al auto concepto, solamente el auto concepto familiar no enseñó diferencia significativa para el sexo. En relación a las tendencias, fue verificado que, para los auto conceptos personal y social, el sexo masculino tuvo promedios más altos en comparación al femenino. Ese hecho sugiere que los varones suelen percibirse mejor, con menos preocupaciones, miedos y ansiedades que las niñas. Además de eso, se ven mejores intelectualmente, con sentimientos de superioridad en relación a sus amigos, poseyendo más ganas de ayudar a los otros y buscando más ayuda cuando necesitan en comparación a las niñas. En compensación, las niñas han presentado más alto auto concepto escolar, siendo sugestivo que se ven bien intelectualmente, sintiéndose como se tuvieran cierto liderazgo y fueran más aceptadas por los colegas de escuela. Se creen también más divertidas y bondadosas en relación a los varones. Asimismo, en lo que se refiere a los rasgos de personalidad se ha observado que el sexo masculino forneció promedios más altos en neuroticismo y sociabilidad. Ya el sexo femenino ha mostrado más psicoticismo cuando comparadas a los varones. Niños que presentaron el rasgo de neuroticismo pueden ser descriptos como ansiosos, depresivos, con sentimientos de culpa, baja auto-estima, timidez, melancolía, tristeza, temor, nerviosismo, inquietud, Fermino F. Sisto oscilaciones de humor y emotividad. Esas fueron las características más evidenciadas en los varones de la muestra estudiada. Además de eso, ellos demostraron ser más adecuados y ajustados a las reglas sociales que las niñas, de acuerdo con sus respuestas a la subescala de sociabilidad. Por otro lado, las niñas fueron más caracterizadas por el rasgo psicoticismo cuando comparadas a los varones y pueden ser descriptas como siendo duras, sin preocupaciones con los otros, solitarias, anti-sociales y creadoras de problemas; crueles, deshumanas, insensibles y hostiles. Sienten también placer en perturbar a los otros y desprecian el peligro. Considerando que hubo diferencia significativa en relación al sexo en casi todas las variables en estudio, se optó por correlacionar las medidas de los diferentes tipos de auto concepto con las medidas de los rasgos de personalidad separándolos por sexo. Los valores de r y p obtenidos por la prueba de correlación de Pearson para el sexo masculino y femenino, están en la Tabla 2. En relación al sexo masculino fueron evidenciadas correlaciones significativas y positivas entre el auto concepto personal y psicoticismo y neuroticismo bien como negativa con el rasgo sociabilidad. Eses datos pueden ser interpretados como que al aumento del auto concepto personal, le corresponde un aumento en los rasgos de psicoticismo y neuroticismo y disminución de la sociabilidad. Cuanto al auto concepto escolar, la única correlación encontrada fue con el rasgo de extroversión y para los niños. El coeficiente fue positivo y significativo, indicando que el aumento del auto concepto escolar es acompañado de aumento de la extroversión. Asimismo, fueron halladas correlaciones positivas entre el auto concepto familiar y los rasgos de extroversión y sociabilidad, bien como negativo con psicoticismo. Eso es indicativo de que el aumento del auto concepto familiar indica también el aumento de intensidad en los rasgos de extroversión y sociabilidad como también disminución en el psicoticismo. Finalmente, en lo que atañe al sexo masculino, el auto concepto social se correlacionó positivamente con neuroticismo y psicoticismo y negativamente con extroversión. En otros términos, las personas con auto concepto social alto han mostrado más intensidad en los rasgos neuroticismo y psicoticismo y menos en el rasgo extroversión. Diferentemente del sexo masculino, el sexo femenino no presentó correlaciones entre auto concepto escolar Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional 21 Tabla 2 - Coeficientes de correlación de Pearson (r) y niveles de significación (p) para las diferentes medidas del auto concepto y rasgos de personalidad en relación al sexo (N=389). Tipos de auto concepto Auto concepto personal r p Auto concepto escolar r p Auto concepto familiar r p Auto concepto social r p Auto concepto personal r p Auto concepto escolar r p Auto concepto familiar r p Auto concepto social r p Rasgos de personalidad Psicoticismo Extroversión Neuroticismo Sociabilidad Sexo masculino 0,22 -0,09 0,34 -0,17 0,002 0,224 0,000 0,016 0,08 0,15 -0,04 -0,02 0,303 0,039 0,633 0,772 -0,26 0,25 -0,1 0,34 0,000 0,001 0,139 0,000 0,28 -0,17 0,28 -0,08 0,000 0,020 0,000 0,298 Sexo Femenino 0,09 -0,12 0,27 -0,08 0,219 0,084 0,000 0,248 -0,01 0,11 -0,01 0,05 0,879 0,137 0,864 0,481 -0,26 0,12 -0,21 0,27 0,000 0,104 0,003 0,000 0,18 -0,19 0,07 -0,05 0,013 0,009 0,364 0,471 y rasgos de personalidad. En contraposición, fue verificada una correlación positiva y significativa entre auto concepto personal y neuroticismo, lo que indica que cuanto más alto el auto concepto personal esas niñas poseen, más alta también es la intensidad del rasgo neuroticismo. En lo que se refiere al auto concepto familiar se verificó correlaciones negativas con psicoticismo y neuroticismo, como también positiva con sociabilidad. Esos datos pueden ser interpretados como al aumento del auto concepto familiar le corresponde una disminución de los rasgos psicoticismo y neuroticismo y aumento de la sociabilidad. Por fin, el auto concepto social mostró correlación positiva con psicoticismo y negativa con extroversión. De ese modo, altos índices de auto concepto social en las niñas están asociados a mayor incidencia del rasgo psicoticismo y menor incidencia del rasgo extroversión. Con vistas a verificar hasta que punto los grupos extremos en relación a los auto conceptos se diferenciaban en relación a los rasgos de personalidad, esos grupos fueron comparados por medio de la prueba t de Student, nivel se significación 0,05, en relación a los cuatro tipos de auto concepto. Para componer los grupos extremos fueron seleccionados el 25% de los sujetos con los puntajes más altas y el 25% de los sujetos con puntajes más bajas. Se mantuvo también el análisis separando los participantes por el sexo. Los resultados para el auto concepto personal se encuentran en la Tabla 3. Tabla 3 – Valores de t y p en relación a los grupos extremos de auto concepto personal para cada sexo (N=239) Rasgos de personalidad t p Psicoticismo -3,042 0,003 Extroversión 1,489 0,139 Neuroticismo -3,888 0,000 Sociabilidad 1,646 0,103 Psicoticismo -2,111 0,037 Extroversión 1,303 0,195 Neuroticismo -4,207 0,000 Sociabilidad 1,701 0,091 Sexo Masculino Sexo Femenino Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 22 Débora C. Fernandes, Daniel Bartholomeu, Fabián J. Marín Rueda, Adriana C. B. Suehiro e Los grupos extremos de auto concepto personal para los varones enseñaron diferencias significativas en los rasgos psicoticismo y neuroticismo. Cuanto a las niñas, se han constatado diferencias significativas en los rasgos psicoticismo y neuroticismo, no habiendo diferencias en relación a los varones. En ambos sexos, el grupo que presentó un auto concepto personal mayor, presentó también puntajes más altos en psicoticismo y neuroticismo. En la Tabla 4 están los resultados para el auto concepto escolar y los rasgos de personalidad. Como puede ser observado, no hubo diferencias estadísticamente significativas entre los grupos extremos estudiados en ninguno de los cuatro tipos de rasgos de personalidad para los sexos Tabla 4 – Valores de t y p en relación a los grupos extremos de auto concepto escolar para cada sexo (N=237) Rasgos de personalidad t p Psicoticismo -0,522 0,603 Extroversión -1,810 0,073 Neuroticismo -0,025 0,980 Sociabilidad 0,361 0,719 Psicoticismo 0,153 0,879 Extroversión -0,940 0,349 Neuroticismo -0,375 0,708 Sociabilidad -1,064 0,289 Sexo Masculino Sexo Femenino Los grupos extremos de auto concepto familiar para los varones han sido hallados diferencias significativas en los rasgos psicoticismo, extroversión y sociabilidad. Cuanto a las niñas, se verificaron diferencias significativas en los rasgos psicoticismo, neuroticismo y sociabilidad, o sea, las niñas no presentaron diferencias cuanto al rasgo extroversión, así como los varones en relación al rasgo neuroticismo. En los varones, el grupo con un auto concepto familiar elevado ha tenido también un promedio más alto en los rasgos extroversión y sociabilidad, mientras que los varones con un auto concepto familiar más bajo mostraron más alto puntaje en el rasgo psicoticismo. Cuanto a las niñas, las que presentaron un auto concepto familiar más bajo, Fermino F. Sisto tuvieron puntajes más altos en los rasgos psicoticismo y neuroticismo, ya las que mostraron un auto concepto familiar más elevado obtuvieron un promedio más alto en el rasgo sociabilidad. Tabla 5 – Valores de t y p en relación a los grupos extremos de auto concepto familiar para cada sexo (N=296). Rasgos de personalidad t p Psicoticismo 3,862 0,000 Extroversión -3,677 0,000 Neuroticismo 1,155 0,250 Sociabilidad -4,764 0,000 Psicoticismo 2,625 0,010 Extroversión -1,024 0,307 Neuroticismo 2,996 0,003 Sociabilidad -3,490 0,001 Sexo Masculino Sexo Femenino En el caso del auto concepto social hubo diferencia significativa en relación al rasgo psicoticismo en ambos sexos, siendo que el grupo de niños con un auto concepto social más elevado han tenido también una frecuencia más alta en ese rasgo. Para las niñas, ese fue el único rasgo estudiado que ha apuntado diferencias entre los grupos. A su vez, los varones han indicado también en el rasgo neuroticismo diferencias, y aquellos con niveles de auto concepto social más elevado fueron los que también han tenido un promedio más alto en ese rasgo. Tabla 6 – Valores de t y p en relación a los grupos extremos de auto concepto social para cada sexo (N=264). Rasgos de personalidad t p Psicoticismo -3,072 0,003 Extroversión 1,924 0,057 Neuroticismo -3,344 0,001 Sociabilidad 0,499 0,619 Psicoticismo -3,293 0,001 Extroversión 1,750 0,082 Neuroticismo -1,365 0,174 Sociabilidad 1,713 0,089 Sexo Masculino Sexo Femenino Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional DISCUSIÓN Este estudio fue propuesto con base en el hecho de ser bastante nítida la referencia de características de los diferentes tipos de auto concepto en las descripciones de las conductas que involucran los rasgos de personalidad. En eses términos, algunas hipótesis fueron planteadas para investigarse a esas posibles asociaciones. Sin embargo, desgraciadamente, no fueron hallados estudios con los instrumentos que están en análisis, así que se ha quedado imposibilitada la comparación con los datos de investigación publicados. Por los análisis hechos se ha verificado que los auto conceptos personal y social fueron más altos en los niños del sexo masculino. Por otro lado, las niñas mostraron más auto concepto escolar. Los varones enseñaron aún tener una incidencia más alta en los rasgos de neuroticismo y sociabilidad, mientras las niñas indicaron, aparentemente, una concentración más alta del rasgo psicoticismo. Dentro de las hipótesis estudiadas, la primera trataba del rasgo extroversión, sobre el cual se esperaba correlación positiva con todos los tipos de auto concepto, teniéndose en cuenta las características de espontaneidad, apertura a relaciones, agresividad, optimismo entre otras, comunes a esas personas. Así, esos niños, por ser altamente sociables podrían favorecer a una buena relación con los otros y tener una percepción de si mismo en todos los contextos del auto concepto. Esa hipótesis fue comprobada parcialmente, una vez que solamente los auto conceptos escolar y familiar mantuvieron correlaciones positivas con el rasgo en cuestión para los varones, indicando que se ven bien intelectualmente, sintiéndose como poseedores de cierto liderazgo y más aceptados por los compañeros de escuela. Además de eso, se perciben más adecuados en sus familias. Pero si en una de las variables no está bien, en la otra tampoco. Vale destacar que tanto los varones como las niñas extrovertidos también mostraron bajas puntuaciones en auto concepto social, haciendo que no se vean tan bien intelectualmente, con sentimientos de inferioridad en relación a sus amigos, no presentando ganas de ayudar a los otros y no solicitando ayuda cuando necesitan. Teniéndose en consideración las definiciones de este rasgo, ese dato suena extraño, una vez que a pesar de esos niños sentirse más optimistas, sociables y abiertos a relaciones interpersonales, no se 23 perciben de esa forma. Ese hecho invita a nuevas investigaciones. Por el análisis de grupos extremos de los diferentes tipos de auto concepto se observó que solamente los grupos de auto concepto familiar en los varones diferenciaron el rasgo de extroversión. Era esperado también que el rasgo neuroticismo se correlacionara negativamente con todos los tipos de auto concepto. A partir de los análisis hechos, solamente el auto concepto familiar para las niñas confirmó esa hipótesis. Así, características evidentes de ansiedad, depresión, sentimiento de culpa, timidez, tristeza, nerviosismo e inquietud tienden a rebajar el auto concepto familiar de las niñas, haciendo que se vean adecuadas al ambiente familiar. No obstante, no se sabe cual de esas características puede influenciar más en esa percepción negativa o se es el conjunto que provocaría esas percepciones. Fueron verificadas también correlaciones positivas con el auto concepto social para los varones, de forma que el aumento de esas características nombradas, hace con que se vean bien intelectualmente, con sentimientos de superioridad sobre los amigos, teniendo ganas de ayudar a los otros y solicitando ayuda cuando necesitan. Además, el auto concepto personal se ha asociado a ese rasgo en ambos sexos, indicando una mejor percepción de si mismo, percibiéndose bien consigo mismo, sin preocupaciones, miedos y ansiedades. Ese dato es intrigante, pues, aparentemente, hay una disonancia entre lo que esos niños realmente sienten y como se perciben. El análisis de grupos extremos ha confirmado algunas de las asociaciones evidenciadas. El rasgo de neuroticismo ha diferenciado los grupos de auto concepto social para el sexo masculino y personal para ambos sexos. Además de eso, los grupos de auto concepto familiar en el sexo femenino también se han distinguido. Niños con rasgo de psicoticismo tienen características de despreocupación con los otros, soledad, tendencia a la crueldad, falta de sensibilidad, hostilidad, depreciación del peligro y placer en perturbar a los demás con pocos indicios de socialización y empatia. A partir de eso, era esperado que se presentasen asociaciones negativas con auto concepto familiar, social y escolar bien como positivas con auto concepto personal. En los varones, ese rasgo se ha asociado positivamente con auto concepto personal, confirmando en parte la hipótesis planteada. Así, esos niños tienderon a auto percibirse bien, sin Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 24 Débora C. Fernandes, Daniel Bartholomeu, Fabián J. Marín Rueda, Adriana C. B. Suehiro e Fermino F. Sisto preocupaciones, miedos y ansiedades. Asimismo, fueron evidenciadas correlaciones positivas con auto concepto social y negativas con familiar en ambos sexos. Esos datos son sugestivos de que esos niños no se perciben como adecuadas a su ambiente familiar, bien como se perciben mejores intelectualmente, con sentimientos de superioridad en relación a sus amigos, teniendo más ganas de ayudar a los otros y solicitando ayuda cuando necesitan y confirmando en parte las hipótesis iniciales para ese rasgo. De esas características, una especialmente es paradoxal que es el hecho de esos niños se perciben con ganas de ayudar a los otros, cuando en verdad, las características de ese rasgo afirman una hostilidad, falta de empatia y pocos indicios de socialización. Se puede sugerir que esos niños no ven de esa forma, o tienden a deformar la realidad a su favor como también fue sugerido por la investigación realizada por Sisto, y cols. (2003). Además de eso, los pocos indicios de socialización también fueron evidenciados solamente en los varones en otra pesquisa realizada por Sisto y cols. (2004). El análisis de grupos extremos indicó diferencias significativas para los grupos formados en el auto concepto social y personal para los dos sexos. Más aún, los grupos del auto concepto familiar también fueron diferenciados por ese rasgo, lo que confirma los resultados encontrados. Finalmente, se ha planteado que altas puntuaciones en sociabilidad debiesen evidenciar correlaciones positivas con todos los tipos de auto concepto, pues que la tendencia a comportarse por las reglas sociales ayudaría las buenas relaciones y mejoraría la percepción de esos niños en esos hechos. Al total, la única correlación positiva encontrada, en los dos sexos, fue con el auto concepto familiar. Así, cuanto más se ve respeto a las normas sociales en esos individuos, más tienden a percibirse adecuados a sus familias, lo que, de cierta forma, era esperado y confirma la hipótesis en parte. Todavía, en el sexo masculino, el aumento de esa rigidez a las reglas sociales se asoció a una percepción negativa de si mismo, caracterizada por preocupación, miedos y ansiedades, característicos de un bajo auto concepto personal. Los grupos extremos de auto concepto familiar confirmaron en parte eses datos. Se puede, finalmente, sugerir que nuevos estudios investiguen más esas diferencias de sexo encontradas en las variables apuntadas. Añádase a eso que los aspectos emocionales asociados a los rasgos de personalidad y también al auto concepto pueden favorecer una mejor comprensión de ciertas relaciones encontradas, ya que las dos variables envuelven aspectos de esa naturaleza, de forma que vale la pena que nuevos trabajos profundicen más en esas cuestiones. REFERENCIAS J. Palácios & A. Marchesi Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. 1, 250-260. Porto Alegre: Artes Médicas. Damon, W. (1983). Social and Personality Development. Norton & Company. Eysenck, H. J., & Eysenck, M. W. (1987). Personalidad y diferencias individuales. Madrid: Ediciones Pirámides. Jacob, A.V., & Loureiro, S.R. (1999). Autoconceito e o desempenho escolar. Trabalho apresentado na XXIX Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia. Ribeirão Preto, SP. Jacob, A.V. (2001). O desempenho escolar e suas relações com autoconceito e auto-eficácia. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. James, W. (1890). Principles of Psychology. New York: Holt. James, W. (1892). Psychology: the briefer course. New York: Holt. Loureiro, S. R. (2001). O desempenho escolar, a motivação e as variáveis autoconceito e auto-eficácia. Trabalho apre- Allport, G. W. (1966). Personalidade: padrões e desenvolvimento. São Paulo: Herder. Berger, P. & Berger, B. (1990). Socialização: como ser membro da sociedade. Em M., Foracchi, & J. S., Martins. Sociologia e sociedade: Leituras de introdução à sociologia. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos. Burns, R.B. (1982). Self-concept development and education. London: Dorset Press. Carneiro, G. R. S.; Martinelli, S. C., & Sisto, F. F. (2003). Autoconceito e dificuldades de aprendizagem na escrita. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16, 427- 434. Cortesão, L., & Torres, M.A. (1984). Avaliação pedagógica I: insucesso escolar. 3 ed. Porto: Porto Editora. Costa, A.E.B. (2001). Motivação e realização pessoal. Revista Psibrasil, 1(2), 01-31. Cubero, R., & Moreno, M. C. (1995). Relações sociais nos anos escolares: família, escola, companheiros. Em C. Coll, Auto concepto y rasgos de personalidad: un estudio correlacional sentado na XXXI Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia. Ribeirão Preto, SP. Marsh, H.W. (1984). Relations among dimensions of selfconcept and academic achievements. Journal of Educational Psycology, 76, 1291-1308. Marsh, H.W., Byrne, B.M., & Shavelson, R.J. (1988). A multifaceted academic self-concept: its relation to academic achievement. Journal of Educational Psycology, 80, 366-380. Mead, G.H. (1934). Mind, self and society. Chicago, Illinois. The University of Chicago Press. Oliveira, G.C. (2000). Autoconceito do adolescente. Em Sisto F.F.; Oliveira, G.C. e Fini, L. D.T.(org). Leituras de Psicologia para Formação de Professores (pp.58 - 69).. Petrópolis: Vozes. Simões, M.F.J. (1997). Autoconceito e desenvolvimento pessoal em contexto escolar. Revista Portuguesa de Pedagogia, 3, 195-210. Sisto, F. F.; Bueno, J. M. H. & Rueda, F. J. M. (2003). Traços de personalidade na infância e distorção e integração de formas: um estudo de validade. Psicologia em Estudo, 8, 77-84. Sisto, F. F. & Martinelli, S. C. (2004). Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil (EAC-IJ). Vetor Editora Psicopedagógica:São Paulo. Sisto, F. F. (2004).Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC). Vetor Editora Psicopedagógica São Paulo. Sisto, F. F.; Oliveira, S. M. S. S.; Oliveira, K. L. de ; Bartholomeu, D. ; Oliveira, J. C. S.; Costa, O. R. S. (2004). Escala de traços de personalidade para crianças e aceitação social entre pares. Interação, 8, 15-24. 25 Sossai, J.A. (1975). Autoconceito: um estudo com adolescentes de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. Shavelson, J; Hubner, J.J. & Stanton, G.C. (1976). Self-concept. Validation of construct interpretation. Review of Education Research, 46, 407-442. Stevanato, I.S. & Loureiro, S. R. (2000). Autoconceito e aspectos comportamentais de crianças com dificuldades de aprendizagem. Jornada de Saúde Mental da Criança, 1, 32-32. Vaz Serra, A. (1986). A importânciacdo autoconceito. Psiquiatria Clínica, 7, 57-66. Vaz Serra, A. (1988).O autoconceito. Análise Psicológica, 2(VI), 101-110. Vaz Serra, A., & Firmino, H. (1986). O autoconceito nos doentes com perturbações emocionais. Psiquiatria Clínica, 7, 91-96. Vaz Serra, A., Matos, A.P., & Gonçalves, S. (1986). Autoconceito e sintomas depressivos na população em geral. Psiquiatria Clínica, 7, 97-101. Veiga, F.H. (1988). Disciplina materna, autoconceito e rendimento escolar. Cadernos de consulta psicológica: família e desenvolvimento humano, 4, 47-56. Veiga, F.H. (1989). Escala de autoconceito: Adaptação portuguesa do “Piers-Harris Children’s Self-Concept Scale”. Psicologia, 3(VII), 275-284. Recebido em: 08/06/05 Revisado em: 29/06/05 Aprovado em: 30/06/05 Endereço para correspondência: Débora Cecílio Fernandes: Calle Fernando de la Peña, 18 4o. E37005 – Salamanca – España – e-mail:[email protected] Daniel Bartholomeu: Rua Alexandra Rodrigues Barbosa, 45 – CEP: 13251-900 – Itatiba - SP – e-mail: [email protected] Fabián Javier Marín Rueda: Rua Alexandra Rodrigues Barbosa, 45 – CEP: 13251-900 – Itatiba - SP – e-mail: [email protected] Adriana Cristina Boulhoça Suehiro: Rua Alexandra Rodrigues Barbosa, 45 – CEP: 13251-900 – Itatiba - SP – e-mail: [email protected] Fermino Fernandes Sisto: Rua Alexandra Rodrigues Barbosa, 45 – CEP: 13251-900 – Itatiba - SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 15-25 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 27-35 CRIATIVIDADE NO TRABALHO DOCENTE SEGUNDO PROFESSORES DE HISTÓRIA: LIMITES E POSSIBILIDADES CRIATIVIDADE NO TRABALHO DOCENTE Maria de Fátima Magalhães Mariani1 Eunice Maria Lima Soriano de Alencar2 Resumo Foi objetivo do presente estudo investigar componentes da organização do trabalho pedagógico e elementos de caráter pessoal/individual que agem como inibidores e facilitadores da expressão da criatividade do professor de História. Participaram do estudo 16 professores de História de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental de cinco escolas públicas e cinco escolas particulares de Brasília, Distrito Federal. Utilizou-se a entrevista semiestruturada na coleta dos dados. Realizou-se análise de conteúdo, elaborando-se categorias que abrangeram o conteúdo das respostas obtidas. Vários aspectos foram identificados como estímulos e limites à criatividade no trabalho docente. Liberdade e a paixão pelo trabalho foram os facilitadores mais enfatizados. Problemas no relacionamento professor-aluno foi um dos limites mais destacado. Este estudo contribui para desvelar aspectos que impedem a expressão criativa do professor e outros relativos a um ambiente pedagógico favorável à criatividade docente. Palavras-chave: Criatividade; Trabalho Pedagógico; Estímulos e Limites à Criatividade. CREATIVITY IN TEACHING ACCORDING TO TEACHERS OF HISTORY: LIMITS AND POSSIBILITIES Abstract This study investigated pedagogical work organization’s components and personal/individual’s elements which act as facilitating or inhibiting factors to the History teacher’s creativity expression. The tarticipants were 16 5th to 8th grade History teachers from 5 public and 5 private schools in Brasília, Federal District. Data were obtained through semi-structured interviews. A content analysis was used to analyze the data. Several factors that promote and limit creativity in teaching were identified. Freedom and passionate love for the work were the most outstanding facilitators. Dificulties in the teacher-student relationship were pointed as the most frequent constraint. This study contributes to uncovering some aspects which hinder teacher´s creative expression and others which characterize a favorable environment to the creativity expression of teachers. Keywords: Creativity; Pedagogical Work; Incentives and Limits to Creativity. INTRODUÇÃO A s pesquisas sobre criatividade no contexto educacional (Alencar, 1991, 1994, 1996, 2002; Necka, 1994; Renzulli, 1992) têm apontado o professor, elemento principal da organização do trabalho pedagógico, como um dos componentes indispensáveis para incentivar a criatividade nos seus alunos. Entretanto, a criatividade na escola é freada por inúmeras barreiras de natureza emocional, social e cultural. Ademais, o sistema de trabalho pedagógico apresenta elementos que contribuem 1 2 para inibir as capacidades criativas do aluno. Os fatores favoráveis ao desenvolvimento do potencial criativo são reconhecidos como necessários por parte dos professores, mas o cotidiano escolar é cheio de limitações e dificuldades que emperram o processo de construção de um ambiente favorável à criatividade. Perrenoud (1995) aponta alguns fatores que induzem um sistema de trabalho pedagógico pouco favorável à criatividade. Um desses fatores é o peso das tarefas Doutoranda em Sociologia na Universidade de Brasília e docente de História da FEDF. Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Purdue, EUA e docente da Universidade Católica de Brasília. 28 fechadas, dos exercícios e das rotinas marcadas por uma relação utilitarista do trabalho. Nesse sentido, Perrenoud (1995) considera um fazer escolar cheio de limitações e com pouco grau de liberdade. As recompensas ou sanções externas, tais como, notas, competição, promoção, punições, tornam-se condicionantes do trabalho escolar. Um ambiente pedagógico desse tipo não permite que professores e alunos manifestem “seus domínios de saberes e saber-fazer”. Conforme assinala Alencar (1995), o que vai indicar se um indivíduo é mais criativo que outro é a qualidade do produto final do processo criativo, levando em consideração uma série de fatores, internos e externos, que tiveram em jogo durante este processo. Tanto Alencar (1995) como Cerna (1999) enfatizam que criatividade é algo que todos nós temos em diferentes medidas e que pode ser desenvolvida em diferentes níveis. Desse modo, entende-se que todas as pessoas possuem potencialidades criativas as quais podem ser desenvolvidas e aprimoradas. Observa-se que, no senso comum, predominam idéias errôneas a respeito do termo criatividade. Estas idéias acentuam os preconceitos e diferenças no contexto social, sendo comum a predominância de rótulos personificados na família, na escola, no ambiente de trabalho, tais como: “pessoas criativas e não criativas”, “pessoas inspiradas e não inspiradas” , “mais e menos limitadas”. Pesquisadores, tais como Torrance (1974, 1995), Pagano (1979), entre outros, mostram que as diferenças de níveis de criatividade estão associadas a distintas condições que tendem a favorecer em maior ou menor extensão o desenvolvimento e expressão das habilidades criativas. Estas condições, como mencionado anteriormente, são de natureza interna e externa ao indivíduo. Dentre as primeiras destacam-se os traços de personalidade e os fatores motivacionais que podem contribuir positivo ou negativamente para a expressão criativa. Como fatores externos, que podem agir como facilitadores ou inibidores do processo criativo, poderse-iam citar a sociedade com suas normas e convenções, o processo político, a família, a escola, o ambiente de trabalho e outros grupos dos quais o indivíduo faz parte. Na escola o professor é apontado como a pessoa mais importante na construção de um clima favorável à criatividade na sala de aula, podendo contribuir, também, para um ambiente refratário à expressão da criatividade. Por outro lado, como sujeito ativo e interativo, com traços de personalidade que identificam sua natureza pessoal, a Maria de Fátima M. Mariani e Eunice Maria L. S. de Alencar conduta do professor na sala de aula, ou seja, a sua prática pedagógica é permeada por uma complexidade de fatores que agem como facilitadores e inibidores à expressão das suas habilidades criativas. Pensando no professor como agente da organização do trabalho pedagógico, onde as “condições concretas”1 se articulam, influenciando no resultado do seu trabalho e possivelmente na sua criatividade, é que se realizou esta pesquisa. Assim, o presente estudo teve como objetivo principal investigar os componentes do contexto da organização do trabalho pedagógico e do contexto pessoal/individual que agem como facilitadores e inibidores da expressão da criatividade de professores de História. A preferência por professores de História para constituir a amostra desta pesquisa, deveu-se ao fato da primeira autora ser atuante na área como docente, com mais de 15 anos de experiência. E neste processo docente tem observado a dificuldade em trabalhar a disciplina de forma criativa, de maneira a cultivar o interesse do aluno pelas aulas de História. Estudos realizados por Bittencourt (1998), Karnal (2003), Nikitiuk (2001), dentre outros, refletem sobre as dificuldades do professor na sala de aula com o enfoque da História de forma interessante. Esses autores sugerem a busca de uma alternativa didática inovadora com vistas a tornar as aulas de História mais “atraentes”. A organização do trabalho pedagógico foi analisada com base nas reflexões de Freitas (1995) acerca da didática contextualizada dentro da organização do trabalho escolar e na relação com o trabalho produtivo. A concepção dialético-materialista do ensino veio enriquecer a discussão a respeito da organização do trabalho pedagógico, bem como contribuir na trajetória da pesquisa. O destaque foi dado para as ocorrências do dia-a-dia da escola. O pesquisador deve estar atento às situações desse cotidiano para desvelar as contradições internas e a reconstrução da prática escolar. Aspectos da Pedagogia Histórico-Crítica também foram referenciados, destacando a práxis pedagógica na relação com o “trabalho não-material”. O “trabalho não– material” está relacionado com a produção do saber, produção de idéias, conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades, etc . (Oliveira, 1992; André, 1993; Libâneo, 1996; Freitas, 1995). A criatividade foi definida como “o processo que resulta na emergência de um novo produto (bem ou serviço), aceito como útil, satisfatório e/ou de valor por 29 Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades um número significativo de pessoas em algum ponto do tempo” (Alencar, 1996, p. 15). No contexto do trabalho pedagógico, a criatividade pode contribuir para a solução do fracasso escolar, na construção de projetos e na execução de programas para melhorar o desempenho dos alunos, as relações interpessoais, entre outros. Foram definidos como facilitadores os elementos que contribuem para a expressão criativa e como inibidores os elementos que bloqueiam tal expressão no trabalho pedagógico. Estes elementos, que na percepção do professor limitam e/ou possibilitam a expressão da sua criatividade, foram analisados considerando a prática pedagógica em dois aspectos: condições concretas da organização do trabalho pedagógico e fatores de caráter pessoal ou individual que interferem na atuação docente. MÉTODO Participantes Dezesseis professores de História de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental de cinco escolas públicas e cinco escolas particulares localizadas em Brasília, Distrito Federal, participaram do estudo. Oito lecionavam em escola pública e oito em escola particular, com experiência na disciplina de no mínimo dois anos, sendo o tempo médio de 11,7 anos de magistério. Oito era do sexo masculino e oito do sexo feminino, com idade variando de 24 a 53 anos (M= 35,6 anos). Instrumento Utilizou-se a entrevista semi-estruturada, com questões referentes à percepção do professor com relação aos elementos do contexto da organização do trabalho pedagógico e outros de caráter pessoal/individual favoráveis e/ou limitadores da expressão criativa em seu trabalho docente. Apresenta-se a seguir o roteiro de entrevista. 1. Você se considera um professor criativo? Justifique. 2. Você considera o trabalho que realiza na escola criativo? Justifique. 3. Que elementos, dentro do contexto do trabalho pedagógico, você considera importantes para tornar o seu trabalho criativo? 4. Com que elementos, dentro do contexto pessoal/ individual, você pode contar para tornar o seu trabalho mais criativo? 5. No contexto do trabalho pedagógico o que impede/limita o seu processo criativo? 6. No contexto pessoal/individual o que limita a expressão de sua criatividade? Procedimento e análise dos dados Inicialmente foi feito um contato com cinco escolas públicas e cinco escolas particulares de Brasília, Distrito Federal. Nesta oportunidade foram expostos o tema e objetivos da pesquisa, solicitando a participação dos professores de História. Em seguida, foram agendados local e horário com cada professor para a entrevista. Foi realizado um estudo piloto antes da coleta definitiva dos dados. Este estudo foi feito com professores que não fizeram parte da amostra e teve como objetivo verificar a clareza das questões propostas. Neste estudo piloto observou-se que alguns entrevistados sentiram necessidade de que certos aspectos relativos ao contexto pessoal fossem exemplificados. Em função disso, a pesquisadora teve o cuidado, no decorrer da entrevista, de explicar para os entrevistados o sentido dos termos abordados nas perguntas, seguindo a orientação constante na revisão da literatura; As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas verbatim. O tempo de cada entrevista foi de aproximadamente 60 minutos. Utilizou-se análise de conteúdo, seguindo as orientações de Bardin (1995). Foi efetuada a categorização das respostas por meio de classificação das unidades de significação, levantando-se, a seguir, a sua freqüência. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Percepção do Professor de História com Relação aos Elementos Favoráveis à Expressão Criativa em sua Atividade Docente Com relação ao contexto da organização do trabalho pedagógico os resultados obtidos apontaram vários elementos considerados importantes pelos docentes para a expressão criativa em seu trabalho: liberdade, recursos materiais, possibilidade de trabalho em equipe, Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 27-35 30 Maria de Fátima M. Mariani e Eunice Maria L. S. de Alencar receptividade dos alunos, orientação efetiva, relação professor-aluno, tempo disponível, valorização do professor (ver Tabela 1). A freqüência das respostas permite inferir que esses elementos exercem influência mutuamente encorajadores, com perspectivas e habilidades diversificadas. Isso facilita uma maior fluência das idéias e o seu desenvolvimento. Já Perrenoud (1995) ressalta a relevância da cooperação entre colegas no Tabela 1 - Elementos do Contexto da Organização do Trabalho Pedagógico Favoráveis à Expressão Criativa na Atividade Docente dos Participantes do Estudo Elementos Freqüência Porcentagem Liberdade 6 37,5 Recursos materiais 5 31,2 Trabalho em equipe 4 25,0 Receptividade dos alunos 4 25,0 Orientação efetiva 4 25,0 Boa relação professor-aluno 4 25,0 Apoio dos colegas 3 18,7 Tempo 3 18,7 Valorização do professor 2 12,5 Nota. O total excede a 100%, uma vez que os entrevistados fizeram referência a mais de um elemento. significativa na expressão das habilidades criativas, de forma similar aos que aparecem em estudos realizados por vários autores, como Amabile (1999) e Craft (1998). Com relação à liberdade, Amabile (1999) ressalta que a autonomia no ambiente de trabalho não apenas estimula a motivação intrínseca como proporciona um melhor aproveitamento dos talentos básicos, conhecimentos e técnicas, liberando o raciocínio criativo das pessoas. Também Craft (1998) considera relevante estimular a autonomia pessoal e a autoconfiança no trabalho pedagógico. Para a autora a criatividade se desenvolve mais facilmente num ambiente livre dos julgamentos e controle sociais. Csikszentmihalyi (1997) ressalta a natureza sistêmica do processo criativo enfatizando a influência das condições de natureza pessoal e de ordem externa, como os recursos tecnológicos e metodológicos adequados à produção criativa. Por outro lado, Bruno-Faria e Alencar (1996) identificaram a importância de equipamentos, recursos financeiros e materiais diversos no processo de produção e implementação de idéias. A respeito do apoio do grupo de trabalho ou o trabalho em equipe, Amabile (1999), dentre outros, destaca a relevância de se criar no ambiente de trabalho grupos contexto do trabalho pedagógico, sugerindo a transformação das formas de exercício da autoridade para a construção de uma maior autonomia e responsabilidade das escolas. Contar com uma receptividade positiva dos alunos foi considerado pelos respondentes um estímulo à criatividade. Cunha (citado em Castanho, 2000) destacou que ter o aluno como referência é um dos mecanismos metodológicos de um trabalho inovador. Observou-se que outros elementos considerados relevantes à expressão da criatividade no trabalho docente, nem sempre estão disponíveis na realidade dos professores e se constituem como barreiras à expressão criativa. Esses elementos foram ressaltados mais como uma condição favorável do que como elementos disponibilizados. Expressões como “seria ideal que existissem”, “seria bom se contássemos” foram citadas e associadas a melhores condições de vida e de trabalho. Tais condicionantes refletem anseios e ideais. No que diz respeito aos elementos de caráter pessoal/individual, conforme mostra a Tabela 2, o elemento mais ressaltado por professores de ambos os tipos de escola foi a paixão pelo trabalho. Gostar da disciplina que lecionam, melhor dizendo, da História, foi outro aspecto enfatizado, tanto por professores de escola pú- 31 Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades blica como de escola particular. Alencar (1997), em seu estudo com pesquisadores que se destacavam por um alto nível de produção e criatividade, identificou que essas pessoas indicaram ter em comum um intenso envolvimento e dedicação com as atividades de pesquisa. Outros fatores apontados por um menor número de entrevistados foi a influência da formação familiar e acadêmica e de algumas condutas pessoais vivenciadas na infância. Esses dados apresentam pontos comuns com os resultados de pesquisas realizadas por vários Tabela 2 - Elementos de Caráter Pessoal/Individual Favoráveis à Expressão da Criatividade no Trabalho Docente dos Participantes do Estudo Elementos Freqüência Porcentagem Paixão pelo trabalho 6 37,5 Gostar de História 5 31,2 Gostar de artes 5 31,2 Desinibição 5 31,2 Paixão pelo estudo 5 31,2 Formação acadêmica 2 12,5 Formação familiar 2 12,5 Disposições temperamentais 2 12,5 da infância Nota. O total excede a 100%, uma vez que os entrevistados fizeram referência a mais de um elemento. De forma similar, o gosto pelo estudo foi outro aspecto muito pontuado, sendo ressaltada por alguns professores a busca da transformação pessoal e profissional através do estudo. Enquanto uns destacaram o desejo de atualização e informação contínua, outros informaram gostar muito de ler e pesquisar. Gostar de artes também foi outro aspecto destacado e alguns docentes enfatizaram o seu talento em música e em teatro. Possivelmente esse aspecto reflete a tendência de associação do conceito de criatividade com as artes (Amabile, 1999; Miel, 1972). Por outro lado, leva-se a pensar no conjunto das habilidades do pensamento criativo que inclui flexibilidade, originalidade, elaboração e sensibilidade e que são interdependentes. Foram ressaltados com uma certa freqüência entre professores de escola particular os seguintes elementos: espontaneidade, descontração e bom humor. Segundo Wechsler (1993) o humor, a impulsividade, a espontaneidade, a brincadeira, ajudam a aliviar as tensões e constrangimentos e, ainda, a dissipar a rigidez. Esses elementos estão associados à criatividade porque possibilitam a construção de um ambiente descontraído, favorecendo a fluência de idéias, a troca de informações e experiências. autores, tais como Csikszentmihalyi (1997) e Gardner (1996) que destacam a importância da família, da escola, do meio sócio-cultural na atividade criadora. A Percepção do Professor de História com relação aos Elementos que Impedem ou Limitam a Expressão Criativa em sua Atividade Docente No tocante a esse aspecto as respostas apontaram, com uma maior freqüência, o aluno e a estrutura escolar como inibidores da criatividade. Por outro lado, elementos relacionados ao professor obtiveram uma freqüência menor. Esse resultado foi observado também no espaço em que os docentes relataram acerca de suas próprias condutas. Os limitadores de ordem pessoal/individual aparecem em menor número quando comparados com os demais aspectos. Esses resultados serão comentados a seguir. Os resultados obtidos, com relação ao contexto da organização pedagógica, indicaram que um número significativo de docentes, de escola pública e particular, considera a conduta de alguns alunos um limitador da sua expressão criativa (ver Tabela 3). A falta de motivação, participação, responsabilidade ou compromisso, a imaturidade, as brincadeiras na sala Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 27-35 32 Maria de Fátima M. Mariani e Eunice Maria L. S. de Alencar de aula, a agressividade e a timidez, apresentados pelos alunos foram aspectos que, na percepção dos docentes, frustram suas perspectivas de otimizar um trabalho dinâmico e inovador. Estes fatores refletem o embate existente entre duas partes principais: professor e alu- Conforme Perrenoud (1999), qualquer situação que resulte na fragmentação do tempo e nas intervenções do professor, interfere na regulação das aprendizagens, comprometendo a qualidade do trabalho individualizado e diferenciado. Uma conseqüência visível nessa proble- Tabela 3 - Elementos do Contexto da Organização do Trabalho Pedagógico Limitadores da Expressão Criativa na Atividade Docente dos Participantes do Estudo Elementos Freqüência Porcentagem Aluno 1 62,5 Sobrecarga de trabalho 0 37,2 Recursos materiais 6 31,2 Sistema educacional 5 31,2 Gerência e/ou direção 5 25,0 Falta de apoio ao aperfeiçoamento 4 18,7 profissional 3 12,5 Falta de apoio dos colegas 2 12,5 Falta de colaboração dos pais 2 12,5 Excesso de burocracia 2 12,5 Salário 2 12,5 Nota. O total excede a 100%, uma vez que os entrevistados fizeram referência a mais de um elemento. no. O primeiro faz uso de sua autoridade visando a emancipação do educando através da apropriação do saber. O último cria estratégias defensivas visando controlar a construção do sentido concreto de seu ofício, ou seja, tornar menos dependente dos programas, regulamentos e normas impostos pela instituição (Perrenoud ,1995). A sobrecarga de trabalho, outro elemento considerado pelos professores do presente estudo como limitador de sua expressão criativa, foi abordado nos seguintes aspectos: quantidade de horas/aulas, necessidade de trabalhar em várias escolas tendo de agrupar suas aulas em um único dia em cada instituição, exercício de várias funções como o de docência e coordenação pedagógica, excesso de alunos na sala de aula, excesso de burocracia, sendo ressaltado o tempo que se gasta com o preenchimento de diários e fichas de avaliação. Foi enfatizado, por alguns docentes, que o intervalo entre os turnos de trabalho é muito estreito, exigindo do professor muito esforço e resistência física e emocional para atender a demanda da instituição. mática é a característica “inacabada” das intervenções e do processo de construção do professor. O docente, muitas vezes, é impedido de aprofundar-se em suas ações pedagógicas e de tomar caminhos alternativos por ser requerido em outras urgências. A falta de recursos materiais e/ou estrutura física deficitária da escola foi também apontada pelos participantes do estudo, sendo ressaltados os seguintes aspectos: biblioteca com insuficiência de recursos para atender os interesses de pesquisa, carência de sala com recursos audiovisuais, espaço físico inadequado para a realização de dinâmicas diferenciadas como teatro, exposições de trabalhos, debates e brincadeiras. A estrutura educacional foi apontada como um limite, e o distanciamento entre o discurso e a prática foi um aspecto bastante enfatizado. Para os professores o modelo teórico da organização do trabalho pedagógico é progressivo e inovador e sua realidade prática permanece quase que inalterada. A estrutura organizacional também foi citada como uma barreira à criatividade e, o aspecto mencionado foi 33 Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades a pressão do administrativo sobre o professor com relação ao cumprimento de normas e procedimentos legais. Na percepção de alguns professores, essa pressão é um limite à produção criativa porque a maior parte dos seus projetos é indeferida ou impedida de ser colocada em prática. A estrutura organizacional, conforme Alencar (1996), é um aspecto bastante enfatizado pelos estudiosos da inovação organizacional; entre esses ressalta VunGundy que aponta, dentre as dimensões dessa estrutura, os procedimentos rígidos, os comportamentos padronizados e a baixa participação dos funcionários no processo decisório. Essa estrutura inibe a iniciação de inovações e a circulação de novas idéias. Este aspecto é também enfatizado por Berger e Luckmann (citado em Cunha, 1996). O perfil da gerência e/ou direção da escola foi outro limite à criatividade apresentado pelos docentes. Alguns professores ressaltaram a ineficiência administrativa em decorrência da falta de conhecimento e de experiência das pessoas que dirigem a escola. Foi ressaltada a rigidez com que a direção lida com os aspectos legais, reforçando o que alguns docentes percebem com relação à estrutura organizacional. A falta de apoio ao aperfeiçoamento profissional, incluindo a possibilidade de realizar pesquisa na área de História foi um outro elemento ressaltado como um limite à criatividade. Os professores destacaram a carência de bolsas de estudo, a oferta reduzida de cursos e o elevado custo dos mesmos, a indisponibilidade e acesso tanto a atividades culturais como a congressos e conferências. Outros limitadores indicados por um menor número de professores foram: a falta de colaboração dos colegas, a crítica negativa por parte desses, a falta de estímulo e de reconhecimento com relação aos projetos e idéias, a falta de colaboração dos pais (falta de acompanhamento nas atividades escolares dos filhos e resistência aos novos modelos de ensino por parte de alguns pais) e o salário (má remuneração do professor que busca outras fontes de renda, gerando a sobrecarga de trabalho, o desgaste físico, mental e emocional). A Tabela 4 apresenta os limitadores de ordem pessoal/ individual mais salientados. Alguns elementos estão coerentes com os limites pontuados no contexto da organização do trabalho pedagógico. Notou-se que alguns docentes têm consciência de que certos limitadores de ordem externa também são influenciados pela sua conduta pessoal. Na percepção da maioria dos docentes, a falta de habilidade na relação com o aluno é um limite à sua expressão criativa, sendo destacados os seguintes aspectos: dificuldade na comunicação e na utilização da linguagem adequada de acordo à faixa etária do aluno. Outra dificuldade destacada é referente ao controle da disciplina e uma outra diz respeito à inabilidade em articular aulas diversificadas, tornando-as mais prazerosas sem comprometer o conteúdo. Alguns professores consideram o medo um elemento que limita sua expressão criativa, sendo ressaltados: o medo de ser mal interpretado pelos alunos e pelos pais desses, de passar uma informação errada para o aluno, de não atingir os objetivos propostos na aula e de ser criticado pelos colegas. Esse resultado é similar ao encontrado em estudo de Alencar e Martinez (1998), no qual foi identificado no conteúdo das barreiras pessoais, o Tabela 4 - Elementos de Caráter Pessoal/Individual Limitadores da Expressão da Criatividade no Trabalho Docente dos Participantes do Estudo Elementos Freqüência Porcentagem 5 31,2 Medo 4 25,0 Arrependimento ou frustração 4 25,0 Falta de tempo 3 18,7 Idade 2 12,5 Problemas de saúde 1 6,2 Falta de habilidade na relação como o aluno Nota. O total excede a 100%, uma vez que os entrevistados fizeram referência a mais de um elemento. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 27-35 34 medo de errar, do fracasso, da crítica, do ridículo e de expor as próprias idéias. O arrependimento e a frustração foram elementos também abordados por alguns professores, com ênfase a não realização do idealizado e, também, ao insucesso com a aplicação das habilidades artísticas na sala de aula. Também foi ressaltada a frustração por se acomodar numa única escola, tendo a consciência de que poderia expandir mais suas habilidades e seu talento numa escola mais aberta. O arrependimento foi apontado no sentido de que deveria ter prosseguido nos estudos e aprimorado as habilidades artísticas. Shaw (citado em Cropley, 1997), em seu estudo com engenheiros e físicos criativos, observou que estes demonstram frustração quando não obtêm o êxito esperado na atividade que realizam. Um outro elemento limitador que reflete uma relação conseqüente com o destacado no contexto da organização do trabalho pedagógico refere-se à falta de tempo. O limite do tempo é apontado como uma das conseqüências da sobrecarga de trabalho. Foi enfatizada a falta de tempo para estudar, para planejar as aulas, para trocar experiências com os colegas, para dialogar mais com os alunos. Notou-se que esse aspecto diferencia do identificado no estudo de autoria de Alencar e Martinez (1998) onde a falta de tempo foi apontada como uma barreira de ordem social. No presente estudo esse componente foi considerado uma barreira de natureza pessoal. Também foram apontados como um limite à criatividade os problemas de saúde (alergias, rouquidão e o cansaço) porque, na percepção de um dos professores pesquisados, estas patologias geram certa indisposição para ministrar aulas mais dinâmicas e diferenciadas. Runco, Nelmiro e Walberg (1998) identificaram os elementos indisposição, na categoria que definiram como traços físicos, e a impaciência, na categoria que chamaram de distúrbios de personalidade. REFERÊNCIAS Alencar, E. M. L. S. (1991). O estímulo à criatividade no contexto educacional. Revista Portuguesa de Educação, 4, 111-117. Maria de Fátima M. Mariani e Eunice Maria L. S. de Alencar CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados obtidos permitem traçar um quadro ilustrativo da percepção dos professores de História de escolas públicas e particulares com relação aos facilitadores e inibidores da expressão de sua criatividade no contexto da organização do trabalho pedagógico. Esses resultados devem servir, como um referencial para estudos posteriores, bem como auxiliar professores e demais profissionais envolvidos nas relações pedagógicas, na identificação de alternativas de estímulo ao potencial criativo e na construção de um ambiente favorável à criatividade dos seus alunos. Pôde-se constatar que os docentes percebem suas habilidades criativas na relação com formas inovadoras, visando otimizar a apropriação do conteúdo pelo aluno. Isso permite inferir que, apesar de os mecanismos utilizados nas aulas serem considerados inovadores, a lógica do conhecimento se mantém. O aluno é considerado facilitador e limitador da expressão criativa no trabalho docente. Isso caracteriza a complexidade das relações constituídas no contexto da organização do trabalho pedagógico, relações essas decisivas na definição do “ofício” de alunos e professores. A percepção do professor, com relação aos traços de sua conduta pessoal, não permite fazer generalizações de padrões que identifiquem professores criativos, pouco-criativos ou não-criativos. Tal percepção, no entanto, ilustra a influência de traços de personalidade na expressão das habilidades criativas. O mesmo ocorre com relação aos de natureza externa. Não foram observadas maiores diferenças entre professores dos dois tipos de escolas nas questões investigadas. Esse fator possibilita inferir a padronização dos problemas pedagógicos. É possível que as diferenças estruturais, de ordem física, como as que se referem aos recursos materiais, não sejam significativas para alterar as semelhanças existentes, tais como: os conflitos relacionais entre alunos e professores e entre esses e os imperativos institucionais. Alencar, E. M. L. S. (1994). Creativity in the brazilian educational context: two decades of research.Gifted and Talented International, 9, 4 -7. Alencar, E. M. L. S. (1995). Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Criatividade no trabalho docente segundo professores de história: limites e possibilidades Alencar, E. M. L. S. (1996). A gerência da criatividade. São Paulo: Makron. Alencar, E. M. L. S. (1997). Pesquisadores que se destacaram por sua produçao criativa: hábitos de trabalho, escolha profissional, processo criativo e aspirações. Cadernos de Pesquisa, 2, 11-23. Alencar, E. M. L. S. (2002). O contexto educacional e sua influência na criatividade. Linhas Críticas, 8 (15), 165-178. Alencar, E. M. L. S. & Martinez, A. M. (1998). Barreiras à expressão da criatividade entre profissionais brasileiros, cubanos e portugueses. Psicologia Escolar e Educacional, 2, 23-32. Amabile, T. M. (1999). Como não matar a criatividade. HSM Management, 12, 110-115. André, M. E. D. A. (1993). A contribuição da pesquisa etnográfica para a construção do saber didático. Em M. R. N. S. Oliveira (Org.), Didática, ruptura, compromisso e pesquisa (pp. 111-112). Campinas: Papirus. Bardin, L. (1995). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bittencourt, C. (1998). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Cortez. Bruno-Faria, M. F. & Alencar, E. M. L. S. (1996). Estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho. Revista de Administração, 31 (2), 50-61. Castanho, M. E. L. M. (2000). A criatividade na sala de aula universitária. Em I. P. A.Veiga & M. E. L. M. Castanho (Orgs.), Pedagogia universitária: aula em foco (pp.7589). Campinas: Papirus. Cerna, M. Á. C. (1999). Aspectos importantes de la creatividad para trabajar en el aula. Educar Revista de Educación, 10, 10-18. Craft, A. (1998). Educator perspectives on creativity: An English study. The Journal of Creative Behavior, 32, 244-233. Cropley, A. J. (1997). Fostering creativity in the classroom: General principles. Em M. A. Runco (Org.), The creativity research handbook (pp. 83-114). New Jersey: Hampton Press. Csikszentmihalyi, M. (1997). Creativity: Flow and the psychology of discovery and invention. New York: Harper Perennial. Cunha, M. I. (1996). A relação professor-aluno. Em I. P. A. Veiga (Org.), Repensando a didática (pp. 145-158). Campinas: Papirus. 35 Freitas, L. C. (1995). Crítica da organização do trabalho pedagógico e da didática. Campinas: Papirus. Gardner, H. (1996). Mentes que criam. Porto Alegre: Artes Médicas. Karnal, L. (2003). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Editora Contexto. Libâneo, J. C. (1996). Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola. Miel, A. (1972). Criatividade no Ensino. São Paulo: IBRASA. Necka, E. (1994). Teaching creativity in the classroom. General principles and some pratical methods. Comunicação apresentada no Congresso Internacional Educação para o Futuro, São Paulo. Nikitiuk, S. (2001). Repensando o ensino de história. São Paulo: Cortez. Oliveira, M. R. N. S. (1992). A reconstrução da didática: elementos teóricos metodológicos. Campinas: Papirus. Pagano, A. L. (1979). Learning and creativity. Journal of Creative Behavior, 13, 127-137. Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora. Perrenoud, P. (1999). Avaliação, da excelência à regulação das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas. Renzulli, J. S. (1992). A general theory for the development of creative productivity in young people. Em P. W. F. Monks (Org.) Talent for the future (pp 51 - 72). Netherlands: Van Gorcum. Runco, M, A., Nemiro, J, & Walberg H. J. (1998). Personal explicit theories of creativity. The Journal of Creative Behavior, 32 (1), 1-17. Torrance, E. P. (1974). Pode-se ensinar criatividade? São Paulo: E.P.U. Torrance, E. P. (1995). Why fly? A philosophy of creativity. Norwood: Ablex. Wechsler, S. M. (1993). Criatividade: descobrindo e encorajando. Campinas: Editorial Psy. Recebido em: 28/11/03 Revisado em: 05/12/03 Aprovado em: 01/06/05 Endereços para correspondência: Maria de Fátima Magalhães Mariani: Quadra II Cj B-2 bl A ap 206 – Ed Rio Araguari – CEP: 73015-202 – Sobradinho - DF – e-mail: [email protected] Eunice M. L. Soriano de Alencar: Programa de Mestrado em Educação, Universidade Católica de Brasília, SGAN 916 Módulo B, Asa Norte – CEP: 70790-160 Brasília – DF – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 27-35 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 37-46 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA UNIVERSIDADE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM Katya Luciane de Oliveira 1 Acácia Aparecida Angeli dos Santos2 Resumo Este estudo objetivou caracterizar quais os tipos de avaliação utilizados em cursos universitários e verificar quais deles os estudantes citam como sendo os que seriam mais adequados para avaliar o seu desempenho. Participaram 270 alunos ingressantes dos cursos de administração, direito e psicologia de uma universidade particular do interior paulista. Foi utilizado um questionário que investigava quais as estratégias de avaliação mais freqüentemente empregadas. A participação foi voluntária e a aplicação do instrumento foi coletiva e em uma única sessão. Os resultados evidenciaram que o tipo mais utilizado pelos docentes é a prova dissertativa individual e que tal estratégia aparece como a segunda mais citada pelos universitários como a que eles julgam mais adequada para a avaliação de seu desempenho. Sugere-se que outros estudos sejam realizados com um número maior de participantes de diferentes instituições para que o conhecimento sobre o tema possa ser ampliado. Palavras-chave: Estratégias de avaliação; Universitários ingressantes; Ensino superior. LEARNING EVALUATION IN THE UNIVERSITY Abstract This research studied the different kinds of evaluation most used in higher education and it was also analysed which of them the students believe that were better to evaluate their academic performance. The participants were 270 freshman students from business, law and psychology courses from a private university in São Paulo. The questionnaire used focalysed which were the assessment strategies more frequently applied. The students’ participation was voluntary and the data was collected in a collective session. The results showed that the most common evaluation was the individual dissertation, wich has also been appointed as the second more effective to measure their academic performance. It makes necessary other researches with a bigger participants number from different universities to extend the scientific knowledge in this field. Keywords: Assessment strategy; Freshman students; College. INTRODUÇÃO A avaliação da aprendizagem tem sido tópico de debates entre estudiosos da psicologia e da educação, mas poucas pesquisas vêem sendo desenvolvidas sobre o assunto. Especialmente no Brasil, constata-se a falta de congruência tanto no que se refere ao arcabouço teórico, com base nos quais as questões têm sido geradas, como com relação aos resultados dos poucos trabalhos realizados sobre o tema (Almeida, 1992; Souza, 1995; Camargo, 1997; Martins, 1999). Buriasco (2000) observa que a avaliação está presente nas diversas áreas da atividade humana e que, de 1 uma ou outra forma, todas as pessoas avaliam e são inevitavelmente avaliadas. Qualquer forma de avaliação pressupõe fundamentalmente um julgamento, com base em uma concepção explícita ou implícita. Ao longo da história, mesmo sem ter a noção exata do que seja avaliar, o homem utiliza a avaliação para alcançar o melhor resultado. O ato de avaliar é algo antigo na história, desde 2205 A. C., na China, o imperador chinês Shun, examinava seus oficiais com a finalidade de promovê-los ou demiti- Psicóloga, Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco e Docente da Universidade de Alfenas-MG. 2 Psicóloga, Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP, docente da graduação no curso de psicologia e no Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco-SP. 38 los. O termo avaliação da aprendizagem surge mais especificamente nos Estados Unidos da América no século XIX, quando foi criado um sistema de testagem por Horace Mann. Nesse momento houve a institucionalização da prova escrita e uma grande discussão sobre a possibilidade de testar os programas educacionais em grande escala, visando a promoção de algumas melhorias no padrão educacional tradicional da época, tais como a utilização de questões específicas ao invés de questões gerais e a busca por padrões educacionais mais objetivos. Desde então, avaliar tornou-se um termo empregado em diversos contextos, com diferentes juízos, objetos e significados (Pinto, 1996; Depresbiteris, 1997). O homem emite dois tipos de juízos ao avaliar, conforme ressalta Almeida (1997). O primeiro é o juízo da realidade o outro, diz respeito ao juízo de valor. Com o juízo da realidade, por meio da avaliação, o homem atribui significado à realidade, como ele a percebe. Já o juízo de valor, possibilita ao homem avaliar e emitir um juízo sobre o significado daquilo que ele observa ou vivencia. Buriasco (2000) considera que a emissão de um juízo sobre algo, implica na utilização de padrões estabelecidos, que são os fios condutores que direcionam uma avaliação, fazendo com que ela não se afaste de seus grandes eixos que são o ‘teórico metodológico’, o ‘ético’ e o ‘político’. São três os objetivos da avaliação destacados por Hadji (1994), que considera que pelo inventário pode-se averiguar se o aluno tem bom domínio das competências e habilidades necessárias para a aprendizagem de um determinado conteúdo. O segundo, é o diagnóstico, que assume o significado de situar o aluno no seu processo de aprendizagem, identificando suas dificuldades. O último, é o prognóstico, cuja função é avaliar e orientar o aluno nas escolhas e possíveis caminhos que decida seguir em relação ao seu aprimoramento. Contudo, observa-se que o significado do termo avaliar está associado a palavras que têm sentidos sinônimos, tais como, provas, testes, trabalhos e resultados alcançados. Enfocando a avaliação na área escolar, Sousa (1995, 1997) afirma que a avaliação do rendimento permite verificar se os objetivos de determinado curso foram atingidos, considerando que é o planejamento e o ensino que vai determinar o caminho a ser seguido. Para Almeida (1992) há duas funções estabelecidas para a avaliação do rendimento escolar. A primeira, diz respeito às funções gerais que visam o planejamento, a tomada de decisão, a seleção, a classificação e o ajuste das práticas peda- Katya Luciane de Oliveira e Acácia A. Angeli dos Santos gógicas. A segunda, engloba funções específicas que buscam, por meio do diagnóstico, um avanço no processo pedagógico com o intuito de adequar e agrupar os alunos em função dos resultados obtidos. No que se refere aos modelos de avaliação do rendimento acadêmico, Almeida (1997) elege três modelos como os mais importantes, a saber, a ‘avaliação tradicional’, na qual a ênfase está na verificação, apuração e interpretação dos resultados alcançados, a ‘avaliação por objetivos comportamentais’ que busca a verificação, a apuração e a interpretação das mudanças ocorridas no comportamento do aluno decorrentes do conteúdo ensinado e a ‘avaliação qualitativa’ que inclui as funções diagnósticas e formativas. Todavia, independentemente do modelo de avaliação adotado, Franco (1997) sugere que deve haver uma redefinição desse construto, levando-se em consideração o vínculo social e histórico do aluno, de forma a priorizar a objetividade, sem descartar a subjetividade. Por um lado, o aluno deve ser considerado como parte integrante de uma estrutura social que tem uma parcela de influência no seu rendimento acadêmico. Por outro, o professor deve conhecer os motivos e objetivos da avaliação, para que, com o resultado do processo avaliativo, ele possa discutir com o aluno uma alternativa para melhorar o desempenho de ambos. Sobre esse aspecto, Esteban (2000) afirma que a avaliação é a leitura que o professor faz do conhecimento do aluno, com base nas respostas dadas em uma prova, o que a remete à classificação e à comparação por padrões previamente definidos. O professor avalia os erros que são interpretados como não saber e deficiência, e os acertos, que assumem o significado de saber e conhecimento e indicam uma boa aprendizagem. Avaliando erros e acertos o professor obtém a medida do que foi ensinado e do que foi efetivamente aprendido. Dessa forma, restringe-se o caráter pedagógico da avaliação e configura-se uma relação de controle, visto que impera uma conotação excludente, não havendo consideração dos entornos estabelecidos pelos diversos contextos sociais dos quais os alunos advêm. Buriasco (2000) ressalta que os erros não são discutidos com o aluno e nem utilizados para que o professor reformule sua metodologia e leve os alunos a um resultado satisfatório. Tal atitude não respeita um dos um dos principais papéis da avaliação que é a promoção de um feedback, que tem a função de informar os sujeitos avaliados, quanto ao seu progresso. 39 Avaliação da aprendizagem na universidade No mesmo sentido, Bzuneck (2001) observa que o feedback é importante para o processo de ensino-aprendizagem, sendo que a maneira e a forma de avaliação constituem peças importantes na motivação do aluno. Nesse contexto, o feedback que o professor fornece deveria possibilitar ao estudante reconhecer os erros não como fracasso, mas como algo que pode ser trabalhado e melhorado, favorecendo seu crescimento pessoal e social. Este tipo de avaliação auxiliaria o aluno a adquirir sua própria concepção do mundo, por meio da consciência daquilo que foi aprendido. Para tanto, deveria levar em conta, além do conteúdo trabalhado, as aprendizagens que se deram fora do contexto escolar e o contexto social no qual o aluno está inserido (Almeida, 1992, 1997; Silva, 2001). A pesquisa realizada por Souza (1997) demonstrou que, na concepção dos professores que dela participaram, a avaliação da aprendizagem dos alunos consiste em verificar se os alunos aprenderam o que foi explicado. O objetivo é que os alunos sejam capazes de reter o conteúdo dado, sendo a nota um meio de controle. Ao lado disso, faz com que os alunos realizem as tarefas solicitadas durante o curso e funciona como elemento de manutenção da disciplina. Gronlund (1979) ressalta que o sistema de atribuição de notas fundamenta-se no julgamento feitos por professores em relação ao desempenho do aluno, não havendo como escapar dele. De forma geral, o desempenho dos alunos é resumido num escore final, que pode ser emitido por símbolos diversos, que variam de uma escala numérica (de 0 a 10 ou 0 a 100), letras (sendo as mais empregadas A, B, C, D e E), ou ainda por conceitos que se restringem a categorias do tipo ‘aprovado’ ou ‘reprovado’; ‘satisfatório ou ‘insatisfatório’. O desempenho do aluno pode ser julgado com referência à norma (desempenho da classe), com referência ao critério (padrão de desempenho absoluto) e em função do potencial de aprendizagem do próprio aluno. Seja qual for o critério adotado, grande parte dos estudiosos da avaliação consideram que o aluno fica em desvantagem, pois cabe ao professor, que exerce a função de poder, estabelecer qual a forma de avaliação a ser empregada. O conhecimento do aluno é medido pelo professor por meio da avaliação, que passa a ser, para o aluno, a única alternativa para a obtenção da aprovação. A avaliação pode tornar-se, então, um fator interferente na aprendizagem, pois o aluno estudará apenas os conteúdos que serão cobrados, não se aprofundando em outros assuntos. Para Buriasco (2000) os alunos dedicam-se a decorar conteúdos para conseguirem obter boas notas, o que resulta numa memorização pouco duradoura, visto que logo esquecem o que foi assim aprendido. A nota não representa, nesse caso, o real conhecimento do aluno e a avaliação adquire um cunho negativo com os professores cobrando, de um lado, e os alunos decorando, de outro. Corroborando com essa idéia, Esteban (2000) e Kasai (2000) declaram que a avaliação pode ficar presa a padrões pré-determinados e que deveria assumir um novo sentido, enfatizando menos os erros e buscando entender melhor o caminho adotado pelo aluno. Tais mudanças poderiam favorecer a professores e alunos o êxito no processo avaliativo. Na concepção de Kasai (2000), as mudanças na avaliação somente são possíveis, no dia a dia escolar, com negociação, reflexão e auto-crítica da própria prática pedagógica. Para tanto, a alteração no parâmetro de avaliação de aprendizagem poderá ocorrer à medida que haja uma convergência de professores e alunos, assumindo a responsabilidade por uma transformação transparente e criteriosa, na qual prevaleça o diálogo. A avaliação da aprendizagem funcionaria como um instrumento para alcançar a autonomia do aluno, assumindo um papel ainda mais importante no ensino superior, que inquestionavelmente é responsável pela formação técnica e profissional do aluno. Muitos estudos, como Almeida (1992), Martins (1999), Esteban (2000), Sordi (2000) e Silva (2001) apontam que a avaliação é importante para orientar tanto o aluno quanto o docente, pois proporciona ao estudante a revisão de sua atuação e ao professor uma contínua melhora de sua metodologia. A avaliação é o primeiro passo para que ocorra um diagnóstico do rendimento escolar e do nível de conhecimento, sendo que sua importância na educação superior é evidente. No que concerne ao papel da universidade na avaliação dos alunos, Silva (2001) insiste que a instituição deve assumir sua responsabilidade quanto ao fracasso ou sucesso do aluno. A avaliação da aprendizagem merece um lugar de destaque, visto tratar-se de uma prática indispensável, especialmente, no nível superior, no qual se espera domínio de conteúdo e de práticas profissionais necessárias a quem pretende ingressar no mercado de trabalho. Camargo (1997) realizou uma análise do discurso escolar sobre a avaliação no ensino universitário, Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 37-46 40 concluindo que certos tipos de avaliação geram indignação nos alunos e os induzem a uma submissão com a qual não concordam. Para Almeida (1992) é fato que a avaliação gera insatisfação nos universitários, sendo esse descontentamento observado pelas manifestações de desaprovação quanto às formas de avaliação que seguem o modelo tradicional, que estabelecem uma relação de poder que exclui o diálogo. Desse modo, muitos são os episódios em que alunos se unem e recusam-se a realizar prova de determinada disciplina. De acordo com Ronca e Terzi (1995), muitas vezes os alunos recorrem à cola, que passa a ser um fenômeno normal do cotidiano escolar, tornando-se até motivo de orgulho e conquista, sendo usado, freqüentemente, com impunidade. Os estudantes que recorrem à cola não têm um desvio de personalidade, mas de conduta, que foi eliciada pela situação aversiva que é a prova. O momento da prova pode desencadear rigor e medo, especialmente quando acompanhado de postura restritiva na sua aplicação, fazendo com que a avaliação perca a sua essência e se configure em uma situação de conflito entre professor e aluno. Nesse sentido, Sordi (2000) destaca que no ensino superior a avaliação deve assumir um papel de transformação, que proporcione ao aluno uma voz ativa, não se submetendo ao seu controle e que o erro não deve ser visto como uma forma de fracasso, mas como uma possibilidade de melhora. O aluno deve deixar de centrar no professor a figura de poder, para que a avaliação seja vivenciada com tranqüilidade, pois conforme afirma Silva (2001) ela não deve ter um caráter negativo, mas ser considerada como um processo que envolve coletas de evidências, a fim de que sejam realizadas as mudanças necessárias. A avaliação deve ser entendida como um recurso que requer referência a um padrão explícito, que estabeleça os diversos níveis de aproveitamento, havendo um canal de liberdade e comunicação na relação professor/aluno. Observa-se, então, a necessidade de se caracterizar os tipos de avaliações mais freqüentemente utilizados por docentes na universidade. Verificar como a avaliação da aprendizagem dos diferentes conteúdos e disciplinas vem sendo realizada, resulta em forma de controle eficaz da função do ensino, verificando se esse está realmente sendo efetivo no seu papel, que é a formação de um aluno com uma bom conhecimento técnico e uma visão crítica, como se espera de um estudante com nível universitário. Katya Luciane de Oliveira e Acácia A. Angeli dos Santos Ao final dessas considerações, há que se deixar claro que existem múltiplas visões sobre a avaliação e que, de um modo geral, seu foco tem sido voltado para as implicações causadas no aluno. Procurou-se refletir aqui sobre as contradições, incoerências e falta de entendimento existente no campo da avaliação da aprendizagem, o que inspirou a proposição deste estudo, buscando a ampliação do conhecimento sobre as questões aqui abordadas. Com base nessas questões, os objetivos deste trabalho foram caracterizar quais os tipos de avaliação mais freqüentemente utilizadas pelos professores que ministram as disciplinas de conteúdos específicos em cursos superiores, bem como, verificar quais os tipos de avaliação que os universitários indicam como sendo aquelas que eles acreditam que seu desempenho seria melhor avaliado. MÉTODO Participantes Participaram 270 alunos ingressantes de uma universidade particular do interior paulista, dos cursos de administração (27,8%; N=75), direito (29,3%; N=79) e psicologia (43%; N=116), dos períodos diurno (10,4%; N=28) e noturno (88,9%; N=240), vale ressaltar que dois estudantes deixaram de colocar o período em que estudavam. A média de idade do curso de administração foi de 21 anos e seis meses (DP=4,1), do curso de direito foi de 26 anos e três meses (DP=7,4) e do curso de psicologia foi de 22 anos e nove meses (DP=6,9). Portanto, a média de idade dos estudantes dos três cursos analisados foi de 23 anos e seis meses (DP=6,73), variando de 17 a 53 anos. Considerando o total da amostra, 10% (N=27) dos estudantes do curso de administração eram do gênero masculino e 17,8% (N=48) do feminino; 15,2% (N=41) dos estudantes do curso de direito eram do gênero masculino e 14,1% (N=38) do feminino; 5,6% (N=15) dos estudantes do curso de psicologia eram do sexo masculino e 37,4% (N=101) do feminino. Desse modo, o gênero masculino representou 30,7 % (N=83) do total de estudantes e o feminino 69,3 % (N=187). Desse modo, o gênero masculino representou 30,7 % (N=83) do total de estudantes e o feminino 69,3 % (N=187). 41 Avaliação da aprendizagem na universidade Instrumento Questionário elaborado pelas autoras que visou à caracterização dos meios de avaliação freqüentemente utilizados. As questões foram fechadas, contendo as formas de avaliação mais comuns no ensino superior, a saber: apresentação de seminários em grupo, debates em sala de aula, estudos de caso, participação em sala de aula, provas dissertativas em grupo, provas dissertativas individuais, provas objetivas (testes) em grupo, provas objetivas (testes) individuais, provas orais em grupo, provas orais individuais, resenhas de livros, resumos de capítulos de livros, trabalhos dissertativos em grupo, trabalhos dissertativos individuais. Havia também uma questão aberta com a seguinte afirmação: ‘Aponte uma estratégia que você acredita que o seu desempenho seria melhor avaliado nessa disciplina’. Critério de Avaliação Foi considerada a freqüência das respostas dadas pelos alunos no questionário de caracterização dos meios de avaliação mais utilizados pelos professores das disciplinas cursadas no semestre imediatamente anterior. A cada alternativa assinalada era atribuído um ponto. Procedimento As provas foram aplicadas em uma sessão, em horário de aula previamente cedida pelo professor, aos sujeitos que assinaram o termo de consentimento esclarecido. Depois de explicados os objetivos da pesquisa, solicitou-se aos alunos que assinalassem com um X as estratégias de avaliação, das quais as notas nas disciplinas cursadas foram predominantemente obtidas (não havendo necessidade de apontar nenhuma ordem de preferência). Ao lado disso, pediu-se aos estudantes que respondessem a questão aberta no espaço em branco disponível para tanto, caso isso fosse pertinente. RESULTADOS Os tipos de avaliação mais utilizados pelos professores que ministram as disciplinas de conteúdos específicos nos cursos analisados podem ser observados na Tabela 1. Vale acrescentar que foi considerado como resposta válida quando o sujeito assinalou até três alternativas para cada disciplina. Considerando-se as respostas dos alunos observase, em geral, que o tipo de avaliação mais indicado foi a prova dissertativa individual. Verificou-se também que o tipo menos utilizado foi a prova objetiva em grupo. Utilizando-se o qui-quadrado verificou-se que a distribuição entre as citações não era eqüitativa [χ 2(10, 1533)=1,169,84; p<”0,001]. Tabela 1 – Freqüência e porcentagem das respostas correspondentes aos tipos de avaliação mais citados pelo total de estudantes, como utilizados pelos docentes que ministram conteúdos específicos (N=270). Tipos de avaliação Número de vezes que % correspondente ao número foi escolhida de vezes que foi citada Provas dissertativas individuais 505 32,9 Provas objetivas (testes) individuais 163 10,6 Apresentação de seminários em grupo 154 10 Trabalhos dissertativos em grupo 140 9,2 Participação em sala de aula 118 7,7 Provas dissertativas em grupo 98 6,4 Trabalhos dissertativos individuais 97 6,3 Resumos de livros/capítulos 91 5,9 Debates em grupo em sala de aula 80 5,3 Estudo de caso 57 3,8 Provas objetivas (testes) em grupo 30 1,9 1533 100,0 Total de citações Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 37-46 Katya Luciane de Oliveira e Acácia A. Angeli dos Santos 42 Procurou-se também explorar as respostas dos alunos por curso, visto que poderia haver diferenças entre eles em razão de características específicas que apresentavam. A análise das respostas sobre o tipo de avaliação mais utilizada pelos professores encontra-se ilustrada na Tabela 2. escolhidas eram altamente significativas. As respostas referentes à questão aberta, que solicitava ao estudante que apontasse uma estratégia pela qual o seu desempenho seria melhor avaliado em cada disciplina, permitiram a identificação do tipo de avaliação que o estudante acreditava ser mais adequa- Tabela 2 – Freqüência e porcentagem dos três tipos de avaliação mais utilizados pelos professores, citadas pelos alunos de cada curso (N=270). Curso N Tipos de avaliação Número de citações % correspondente ao número de citações vezes que foi citada Administração Direito Psicologia 75 79 116 Provas dissertativas individuais 138 34,9 Trabalho dissertativo em grupo 49 12,4 Trabalho dissertativo individual 39 9,9 Provas dissertativas individuais 134 30,9 Participação em sala de aula 45 10,9 Apresentação de seminários em grupo 42 10,4 Provas dissertativas individuais 233 33,0 Provas objetivas (testes) individuais 94 13,3 Apresentação de seminários em grupo 87 12,3 Vale observar que foram consideradas apenas as modalidades de avaliação mais citadas pelos alunos e que o número de citações é muito maior que o número de alunos porque cada um assinalava, pelo menos, uma modalidade para cada uma das disciplinas. Merece destaque o fato da prova dissertativa individual ser a mais freqüentemente citada em todos os cursos. Os tipos de avaliação que apareceram como as segundas e terceiras mais citadas variaram de curso para curso, possivelmente porque as escolhas refletem as características das disciplinas específicas neles ministradas. Recorreu-se ao qui-quadrado para analisar se as citações referentes a cada um dos cursos apresentavam uma distribuição eqüitativa. Assim, para o curso de administração encontrou-se χ2(2, 229)=75,05; p<”0,001; para o curso de direito obteve-se χ2(2, 266)=44,71; p<”0,001; e, para o curso de psicologia observou-se χ2(2, 414)=98,28; p<”0,001. Os resultados demonstraram que para todos os cursos as diferenças entre as alternativas do para medir o seu desempenho e suas freqüências estão ilustradas na Figura 1. Cabe acrescentar que só foram consideradas válidas as respostas em que o sujeito assinalava até duas alternativas. Nota-se que o tipo de avaliação mais citado como aquele cujo desempenho do aluno seria melhor avaliado foi o trabalho dissertativo em grupo. É importante ressaltar que a prova dissertativa individual não foi descartada pelo estudante, ficando em segundo lugar como a mais citada, juntamente com a modalidade debates em grupo em sala de aula. Grande parte dos estudantes respondeu a questão com um comentário que não se enquadrava em nenhum tipo de avaliação. Ao invés de responder sobre o tipo de avaliação que acreditava ser o mais adequado em cada uma das disciplinas, o estudante escrevia comentários, muito diversificados e, às vezes, bastante extensos. Ao que parece, o estudante utilizou o espaço da questão aberta para expor suas idéias e opiniões. Apesar dos 43 Avaliação da aprendizagem na universidade Figura 1 – Distribuição percentual de freqüência, por curso, dos tipos de avaliação pelas quais os alunos julgavam que seriam melhor avaliados (N=270). comentários serem numerosos, eles não foram aqui categorizados, considerando que merecerão uma análise mais aprofundada e criteriosa a ser apresentada em um trabalho futuro. Novamente é importante destacar que foram consideradas apenas as três modalidades de avaliação mais citadas pelos alunos e que o número de citações é muito maior que o número de alunos porque cada um assinalava, pelo menos, uma modalidade para cada uma das disciplinas. A análise da freqüência das respostas em cada curso mostrou que para os alunos de administração os tipos de avaliação mais citados como aqueles que julgavam ser os mais adequados para medir o seu desempenho são totalmente diferentes daqueles mais freqüentemente utilizado pelos professores para avaliálos. Este curso também foi o que apresentou um percentual maior de comentários na questão aberta que permitia essas considerações. Também para os estudantes de direito as modalidades pelas quais julgam que poderiam ser melhores avaliados são diferentes das que aquelas mais utilizadas pelos professores. Cabe observar que o trabalho dissertativo em grupo e os debates em grupo em sala de aula obtiveram a mesma porcentagem de citações, ficando ambos em segundo lugar como os mais citados. Mesmo assim, os comentários foram menos freqüentes que os dos alunos de administração. No curso de psicologia dois dos tipos de avaliação mais citados coincidiram com as estratégias já bastante utilizadas pelos professores (prova dissertativa individual a apresentação de seminários em grupo). Acrescenta-se o fato de que foram os alunos que apresentaram o menor percentual de comentários, o que poderia permitir a inferência de que são aqueles que se sentem mais adequadamente avaliados pelos procedimentos habitualmente utilizados pelos professores. DISCUSSÃO No que concerne à caracterização dos tipos de avaliação mais freqüentemente utilizados pelos professores que ministram as disciplinas de conteúdos específicos nos cursos analisados, os resultados evidenciaram que o tipo mais apontado pelo estudante como aquele que o docente utiliza para mensurar o seu desempenho foi a prova dissertativa individual e o menos utilizado foi a prova objetiva em grupo. As atividades individuais foram mais utilizadas em relação às tarefas que exigiam trabalho em grupo. Vale ressaltar que a prova dissertativa individual foi o tipo mais citado em todos os cursos e na maioria das disciplinas. Certamente a prova dissertativa individual é um elemento primordial na avaliação do estudante, tendo em Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 37-46 44 vista que envolve um empenho individual do aluno e uma produção escrita, a fim de formular uma resposta adequada. Esse tipo de prova evita uma situação referida por Buriasco (2000), na qual os estudantes decoram o conteúdo, para obter uma boa nota. Para formular uma boa resposta os estudantes têm que recorrer à criatividade e à crítica, de modo que a compreensão em leitura está atrelada ao bom desempenho. Com a utilização da prova dissertativa individual, observou-se que os docentes enfatizam a realização de uma avaliação tradicional, cuja ênfase está respaldada na verificação, apuração e interpretação dos resultados alcançados, tal como ressaltado por Almeida (1997). Esse dado foi considerado positivo neste trabalho, pois a objetividade, a mensuração e o estabelecimento de padrões devem ser encarados como desejável para uma boa formação universitária. Almeida (1992) e Martins (1999) observam que a avaliação no ensino superior está relacionada às experiências tradicionais que classificam o estudante e que os docentes apresentam dificuldades em ser coerentes quanto ao tipo de avaliação. Mas, o que foi observado nesta pesquisa é que houve uma concordância entre os docentes que ministram disciplinas específicas nos cursos analisados, na qual prevaleceu um tipo de avaliação, que foi a prova dissertativa individual. Acrescenta-se que toda avaliação, mesmo a de cunho subjetivo, pressupõe uma classificação. A classificação é inevitável, pois senão todos os estudantes poderiam ser considerados medíocres, visto que não haveria parâmetros para se comparar os desempenhos. Sugerese, porém, que a avaliação seja utilizada não somente visando mensurar o desempenho do aluno, mas também como uma perspectiva de prognóstico com o objetivo final de orientar o estudante na melhor forma de aprimorar seu conhecimento (Hadji, 1994). Resultados interessantes surgiram quando se solicitou, na questão aberta, que o estudante apontasse uma estratégia pela qual o seu desempenho seria melhor avaliado em cada disciplina. Surpreendentemente, os dados mostraram que a prova dissertativa individual não foi uma possibilidade desconsiderada pelo estudante, visto que aparece em segundo lugar como a mais citada, juntamente com debates em grupo em sala de aula. No curso de psicologia, em especial, a prova dissertativa individual aparece como a mais citada pelos estudantes. Todos esses dados contrariam, de certo modo, o que Almeida (1992) e Camargo (1997) afirmam, que certos Katya Luciane de Oliveira e Acácia A. Angeli dos Santos tipos de avaliações geram a indignação nos alunos o que resulta em manifestações de desaprovação quanto às formas de avaliação que seguem o modelo tradicional. Hipotetiza-se que a prova dissertativa individual seria uma séria candidata a gerar o inconformismo nos estudantes, que muitas vezes, preferem atividades em grupo e de menor exigência. Entretanto, o que foi observado é que os estudantes não estão reprimidos, tão pouco discordantes visto que quando lhes é perguntado sobre formas de avaliação mais adequadas, respondem que acreditam que o seu desempenho seria melhor avaliado por prova dissertativa individual. Assim, verificase que o estudante ainda considera este tipo de prova (considerada como tradicional) a que melhor avalia seu conhecimento sobre o assunto específico. Cabe saber, entretanto, o rigor com que as provas dissertativas individuais estão sendo elaboradas. Não se pretende fechar a questão de que a prova dissertativa individual é o melhor método para avaliar o conhecimento do aluno, visto que não há como ignorar que há provas objetivas e trabalhos realizados em grupo que, dependendo do grau de dificuldade, certamente podem exigir mais conhecimentos do aluno. Um aspecto que não pode deixar de ser considerado é que não há uma coerência entre os estudiosos que pesquisam a avaliação da aprendizagem. Parece haver um descontentamento geral com a forma de avaliar, sendo que os discursos, em sua maioria, tendem a vitimizar o aluno, caracterizando-o como agente passivo no processo da avaliação. O professor, por sua vez, é considerado o sujeito do poder que determina, sem consultas, como ocorrerá a avaliação. Todavia, é sabido que, principalmente no ensino superior, os alunos são bem ativos no que concerne à reivindicação de seus direitos. Muitos professores, que não desejam criar atritos com seus alunos, procuram abrir espaço para uma discussão com os alunos a melhor forma de avaliação, sendo essa uma prática comum, especialmente, em instituições privadas. Assim, seria interessante que se repensasse o discurso sobre a passividade do aluno, bem como, que os estudiosos da área buscassem pontos de convergência sobre o conceito e a melhores formas de avaliação. Atualmente, as sugestões são as mais diversas, mas ficam no campo das idéias, não são de fato soluções práticas que melhorem o dia a dia do professor e do aluno. Em suma, a falta de coerência da área também foi observada por Souza (1995) em sua pesquisa sobre a ava- 45 Avaliação da aprendizagem na universidade liação da aprendizagem nas pesquisas no Brasil de 1930 a 1980. A autora expõe que há uma urgente necessidade de consolidação de referenciais teóricos que reflitam uma concepção de avaliação que possa nortear as práticas pedagógicas decorrentes dela. Verifica-se que há muitas críticas contundentes às formas tradicionais de avaliação da aprendizagem mas que as sugestões, em geral, ficam num âmbito muito subjetivo. Os discursos falam de mudanças urgentes que devem ser realizadas, porém a utilização de técnicas inovadoras requer a respectiva fundamentação teórica, para que não seja transformada em um modismo educacional a mais. Importante seria que os estudiosos da área se debruçassem sobre as sérias questões aí envolvidas, mostrando que a avaliação precisa ser reconhecida como peça fundamental para a aprendizagem do estudante, sem a qual não é possível identificar os pontos falhos do processo. As respostas dadas pelos estudantes na questão aberta merecem destaque especial, considerando que muitos estudantes aproveitaram tal espaço para manifestações diversas. Mesmo não tendo sido categorizadas, visto não ser o foco deste trabalho, os comentários abordavam, muitas vezes, problemas ligados ao próprio aluno como a falta de tempo para estudar, suas dificuldades no modo como estuda, entre outros. Além disso, faziam críticas às estratégias de ensino do professor ou mesmo à forma como lidavam com os alunos. De forma geral, foi possível observar a necessidade de se propiciar ao estudante a oportunidade de aprender sobre estratégias de aprendizagem, a organização do tempo e condições motivacionais, entre outros aspectos. Entende-se que uma postura preventiva, em relação às dificuldades relatadas, poderia favorecer um melhor desempenho e o êxito do estudante não só na sua avaliação enquanto estudante, mas também, como futuro profissional. Sugere-se que novas pesquisas relacionadas às questões levantadas ao longo deste trabalho sejam realizadas para ampliar o conhecimento sobre essa importante temática. REFERÊNCIAS Franco, M. L. P. B. (1997). Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional. Em C. P. Sousa (Org.), Avaliação do rendimento escolar (6. ed. pp. 13-26). Campinas: Papirus. Gronlund, N. E. (1979). O sistema de notas na avaliação do ensino. Tradução Ingeborg Stracke Grunwaldt. São Paulo: Pioneira. Hadji, C. (1994). A avaliação, regras do jogo das intenções aos instrumentos (4.ed.). Portugal: Porto Editora. Kasai, R. C. B. (2000). Avaliação da aprendizagem: um projeto vivido. Revista Diálogo Educacional, 1 (2), 41-49. Martins, R. C. (1999). Avaliação crítica de uma experiência de ensino aprendizagem. Estudos de Psicologia – PUCCampinas, 16 (2), 54-64. Pinto, A. L. G. (1996). Avaliação formal e informal da aprendizagem em sala de aula. Psico-USF, 1 (2), 13-38. Ronca, P. A. C., & Terzi, C. A. (1995). A aula operatória e a construção do conhecimento. São Paulo: Esplan. Silva, Z. B. (2001). O processo avaliativo na aprendizagem baseada em problemas: um estudo com alunos de medicina. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências Humanas, Universidade São Francisco, Bragança Paulista. Almeida, A. M. F. P. M. (1992). Um estudo sobre a avaliação da aprendizagem em um curso superior de ciências agronômicas. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas. Almeida, A. M. F. P. M. (1997). Avaliação da aprendizagem e seus desdobramentos. Avaliação, 2 (2-4), 37-50. Buriasco, R. L. C. (2000). Algumas considerações sobre avaliação educacional. Avaliação Educacional, (22), 155-178. Bzuneck, J. A. (2001). O esforço nas aprendizagens escolares: mais do que um problema motivacional do aluno. Revista Educação e Ensino – USF, 6 (1), 07-18. Camargo, A. L. C. (1997). O discurso sobre a avaliação escolar do ponto de vista do aluno. Revista da Faculdade de Educação do Rio de Janeiro, 23 (1-2). [citado 26 julho 2002]. Disponível na World Wide Web: http://www.scielo.br. Depresbiteris, L. (1997). Avaliação da aprendizagem: revendo conceitos e posições. Em C. P. Sousa (Org.). Avaliação do rendimento escolar (6. ed. pp. 51-79). Campinas: Papirus. Esteban, M. T. (2000). Exigências democráticas/exigências pedagógicas: avaliação. Tecnologia Educacional, 29 (148), 3-6. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 37-46 46 Sordi, M. R. L. (2000). Problematizando o papel da avaliação da aprendizagem nas metodologias inovadoras na área da saúde. Revista de Educação PUC-Campinas, (9), 52-61. Souza, C. P. (1997). Avaliação do rendimento escolar: sedimentação de significados. Em C. P. Sousa (Org.), Avaliação do rendimento escolar (6. ed. pp. 143-151). Campinas: Papirus. Souza, S. M. Z. L. (1995). Avaliação da aprendizagem nas pesquisas no Brasil de 1930 a 1980. Cadernos de Pesquisas, (94), 43-49. Katya Luciane de Oliveira e Acácia A. Angeli dos Santos Souza, S. M. Z. L. (1997). A prática avaliativa na escola de 1º grau. Em C. P. Sousa (Org.), Avaliação do rendimento escolar (6. ed. pp. 83-108). Campinas: Papirus. Recebido em: 19/10/04 Revisado em: 03/02/05 Aprovado em: 12/04/05 Endereço para correspondência: Katya Luciane de Oliveira: Rua Maestro Sebastião Peranovich, 415 – Atibaia Jardim – CEP 12940-000 – Atibaia - SP – e-mail: [email protected] Acácia Aparecida Angeli dos Santos: Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – CEP 13251-900 – Itatiba – SP – e-mail: acá[email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 COMPORTAMENTO SOCIAL NA ESCOLA: DIFERENÇAS ENTRE GÊNERO E SÉRIES COMPORTAMENTO SOCIAL NA ESCOLA Laura Fogaça Saud 1 Josiane Maria de Freitas Tonelotto2 Resumo O objetivo deste estudo foi avaliar o comportamento social em um grupo de escolares, e verificar as diferenças entre os mesmos tendo em vista aspectos como sintomas emocionais, problemas de conduta, hiperatividade, problemas de relacionamento com colegas e comportamento prósocial, contemplados no instrumento SDQ (Strengths Difficulties Questionnaire) que avalia desordens psiquiátricas relacionadas ao comportamento social. Participaram da pesquisa crianças com idade média de 9 anos e 6 meses, cursando a 3a e 4a séries do ensino fundamental de uma escola da rede particular de ensino, sendo 24 do gênero feminino e 17 do gênero masculino. Os resultados demonstraram que para comportamento pró-social não foram observadas diferenças quanto ao gênero. Com relação às médias obtidas em dificuldades sociais de acordo com a série, foram encontradas diferenças em problemas de conduta, problema de relacionamento com colegas e total de dificuldades. Para comportamento pró-social, foram observadas diferenças com relação à série, sendo que os escolares da 3 a série se auto-avaliaram como mais “hábeis socialmente”, com relação aos estudantes da 4a série. Palavras-chave: Comportamento Social; Diferenças entre gêneros; Interação escolar; Ensino Fundamental. SOCIAL BEHAVIOUR IN SCHOOL: DIFFERENCES BETWEEN GENDERS AND GRADE Abstract The purpose of this study was to evaluate the social behavior in a group of students and verify the differences between the genders, considering the aspects such as emotional symptons, problems of behavior, hyperactivity, problems of relationship with colleagues and pro-social behavior, contemplated in the SDQ (Strenghts Difficulties Questionnaire) wich evaluates psychiatric disorders related to the social behavior. It took part of the research children at the age of 9 years and 6 months, attending the 3rd and 4th grades of the elementary course in a private school, divided into 24 female and 17 male. The results showed us that concerning the pro-social behavior, differences were not observed. However, related to the averages of social difficulties were found differences in behavior problems; problems about relationship with colleagues and total of difficulties. According to pro-social behavior were found differences related to the grades, considering that the students from 3rd grade evaluated themselves as more socially skillful than the students from the 4th grade. KeyWords: Social behavior; Differences between the genders; Pertaining to school interaction; Elementary Course. INTRODUÇÃO O ser humano nasce da relação de pessoas. Nessa relação, ele é concebido e gerado na troca mútua e na interação, cresce e desenvolve-se numa rede de relações sociais que embora se modifiquem ao longo da vida o acompanharão, e ele, será parte delas sempre. Nos últimos anos tem aumentado o interesse de pesquisadores pela forma com que as pessoas se relacionam logo no início de seu desenvolvimento. 1 Observa-se que desde o nascimento o ser humano identifica-se com um conjunto de padrões de comportamento que lhe torna possível interagir e adaptar-se ao ambiente em que vive. Mesmo antes de ter adquirido comportamentos mais complexos, existe uma predisposição para que a vinculação afetiva e social se concretize (Carvalho & Guimarães, 2002). Mestre em Psicologia Escolar pela PUC-Campinas – Instituto de Ensino Santo Antônio – IDESA. 2 Doutora em Ciência Médicas pela UNICAMP e Docente da PUCCAMP. 48 Dois sistemas interacionais são destacados no processo de socialização infantil: o sistema adulto-criança e o sistema criança-criança. Por intermédio dessas interações a criança desenvolve suas habilidades inatas, adquire linguagem, informações, aprende regras de convivência e padrões de comportamentos aceitos e valorizados pelo meio em que vive. Além disso, aprende a expressar emoções e vivenciar experiências afetivas (Carvalho & Guimarães, 2002; Ladd & Hart, 1992; Ladd, Kochenderfer & Coleman, 1996). Os comportamentos sociais podem ser manifestados de forma positiva ou negativa. Manifestações positivas são chamadas comportamentos pró-sociais e incluem requisições, gratificações, presentes. Manifestações negativas são denominadas comportamentos anti-sociais que incluem agressões, censuras, ameaças, roubos. De acordo com Ladd (1999) a forma pela qual as crianças constroem seus relacionamentos tem grande impacto sobre todo seu desenvolvimento. É na relação com seus pares que a criança aprende a dividir, a aguardar a vez e as melhores formas de respeitar e interagir com o outro (Hartup, 1996). Pesquisas sobre as relações interpessoais na infância tiveram grande ênfase a partir de 1930, quando cientistas sociais iniciaram estudos sobre grupos de crianças e associação entre características sociais e posição ocupada no grupo. Esse interesse se manteve em alta até 1950 e durante os quinze anos seguintes não foi destacado. A partir de 1960 o tema voltou à tona com grande destaque e a partir dos anos 70 as pesquisas se intensificaram, sobretudo no que diz respeito ao papel essencial que possui o relacionamento com colegas ou iguais, no processo de socialização, na competência interpessoal e no ajustamento social em longo prazo (Ladd, 1999). Miller-Johnson, Coie, Maumary-Gremaud e Bierman (2002) destacam que pesquisas sobre comportamentos sociais interessam tanto à área clinica quanto à do desenvolvimento. Kern (2001) justifica o interesse de educadores a partir da observação que muitos escolares não exibem habilidades e repertórios comportamentais necessários para que obtenham sucesso em situações acadêmicas e sociais na escola. Miller-Johnson e colaboradores (2002) estudaram o comportamento social no desenvolvimento infantil e concluíram que a agressividade é menos comprometedora do comportamento social do que a rejeição dos colegas. Em contrapartida, o comportamento pró-social Laura Fogaça Saud e Josiane Maria de F. Tonelotto é menor em crianças que se apresentaram como agressivas e rejeitadas. Além disso, observaram que os meninos apresentaram maior nível de agressão e as meninas apresentaram-se como mais competentes socialmente. Wentzel e Caldwell (1997) estudaram o comportamento social de escolares, relacionando-os com gênero. Verificaram que comportamentos anti-sociais têm maior estabilidade no tempo, quando comparados com os comportamentos pró-sociais. Meninos apresentaram maior número de comportamentos anti-sociais e as meninas maior número de comportamentos pró-sociais. Além disso, verificaram correlação significativa negativa entre agressividade e comportamentos pró-sociais. Lewin, Davis e Hops (1999) apresentaram resultados de um estudo com meninos e meninas a respeito de preditividade do comportamento anti-social. Concluíram que para as meninas o maior preditivo de comportamento anti-social é a presença de problemas de escolaridade, enquanto para os meninos é a rejeição por parte dos colegas. A presença de hiperatividade pode favorecer comportamentos anti-sociais e habitualmente está acompanhada de impulsividade, imaturidade e agressividade, e este conjunto de comportamentos produz impactos negativos sobre a aceitação da criança por seus pais, colegas e professores (Merrel, 2001). A maior incidência de exibição de comportamentos hiperativos no gênero masculino é apresentada em diversos estudos (BibouNakou, Kiosseoglou & Stogiannidou, 2002; Lindsay & Dockrell, 2000). Conforme afirma Topczewski (1999) há uma predominância nítida de sintomas hiperativos para o gênero masculino, que chega à razão de 4:1. Embora a hiperatividade se apresente de forma semelhante em ambos os gêneros, o componente agressivo é a característica que se evidencia mais no gênero masculino. Para Rohde e Benczik (1999) a proporção de 4:1 é baseada em estudos realizados em serviços de saúde mental, afirmando que na realidade a proporção é de dois meninos para uma menina. Os resultados que privilegiam o gênero masculino baseiam-se no fato de que as meninas costumam apresentar mais sintomas com predomínio de desatenção, enquanto os meninos apresentam maiores problemas de comportamento. Assim, por incomodarem mais, os meninos são mais encaminhados para atendimento especializado. Os comportamentos anti-sociais associados aos pro- Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries blemas de desempenho acadêmico foram estudados por Mcevoy (2000) que encontrou uma correlação significativa e positiva entre ambos, concluindo que o comportamento anti-social é um fator preditivo de baixo desempenho escolar. Kashani e Orvaschel (apud Marcelli, 1998) mencionam ainda outro fator ligado aos comportamentos anti-sociais que interferem nas situações escolares: são os estados ansiosos. A ansiedade, quando presente, tanto na criança pequena quanto quando se torna mais velha, pode resultar em condições negativas de relacionamento causadas mais freqüentemente pela angústia de separação patológica, que predomina no gênero feminino. Sintomas emocionais constituem-se em fatores que interferem na manifestação adequada dos comportamentos sociais. De acordo com o DSM-IV (1994); surgem em decorrência de fatores estressores identificáveis, trazendo prejuízos para a vida familiar, acadêmica e social. Manifestam-se sob a forma de depressão, choro, impotência, inquietação, ansiedade, retraimento social e queixas somáticas. Segundo Grunspun (1999) os sintomas emocionais se constituem na apresentação de queixas somáticas ou sintomas físicos que incomodam a criança e a família. Eles não são explicados por causas físicas/orgânicas e a dimensão psicológica é prevalente. Nas crianças e adolescentes, as queixas mais comuns são sintomas dolorosos: dor de cabeça, dor no ouvido, dor de garganta, dor de estômago, dor de barriga, dor ao urinar, dor nas pernas, que são mais prevalentes no gênero feminino. Avaliar o comportamento social não se constitui em tarefa simples principalmente pela complexidade relativa ao tema. No Brasil essa dificuldade é maximizada pelo fato de faltar estímulos para construção de instrumentos adequados e voltados para nossa realidade. Merecem destaques os trabalhos de Del Prette e Del Prette (1999; 2001) referentes a revisões teóricas e construção de instrumentos de medidas. Em 1994 Robert Goodman, psiquiatra inglês, elaborou um questionário denominado Strengths Difficulties Questionnaire (SDQ), que avalia desordens psiquiátricas relacionadas ao comportamento social. Sua finalidade é medir comportamentos sociais adequados (capacidades) e não adequados (dificuldades) em crianças e adolescentes, na faixa etária de 3 a 16 anos. O primeiro estudo de validação apresentado por Goodman (1997) foi realizado com 403 crianças e adolescentes ingleses (4 a 16 anos), com e sem 49 acompanhamento psiquiátrico. Os resultados obtidos foram comparados com os resultados do Questionário de Rutter (já padronizado) e se verificou alta correlação entre os resultados de ambos. As vantagens na utilização do SDQ foram evidenciadas, principalmente em relação à formatação mais compacta, maior focalização das capacidades e dificuldades, melhores informações sobre dificuldades de atenção/hiperatividade, relação com colegas e comportamento pró-social. Além disso, o SDQ possibilita avaliação de pais e professores em versões semelhantes à utilizada com a criança e/ou adolescente. O SDQ é um instrumento proposto inicialmente para avaliar desordens psiquiátricas relacionadas ao comportamento social em crianças e adolescentes. Foi padronizado e validado, suas capacidades psicométricas foram destacadas, tanto para utilização com populações de alto risco quanto de baixo risco de perturbações psiquiátricas. É um instrumento novo e tem sido traduzido para diversos idiomas e utilizado com satisfatoriedade em muitos países, com finalidade de avaliação clínica, de identificação de traços, em estudos epidemiológicos e principalmente com finalidade de pesquisa (Adams & Snowiling, 2001; Bilanakis & colaboradores. 2000; Cury & Golfeto, 2003; Diário de Navarra, 2000; Division of Psychiatry-School of Community Health Sciences, 2000; Fleitlich, Cortazár & Goodman, 2000; Garcia, Mazaira & Goodman, 2000; Goodman, 1997; Goodman, 2001; Goodman & colaboradores, 2000; Goodman & Scott, 1999; Goodman, Meltzer & Bailey, 1998; Goodman, Renfrew & Mullick, 2000; Hepper & Garralda, 2001; Klasen & colaboradores 2000; Koskelainen, Sourander & Vauras, 2001; Lindsay & Dockrell, 2000; McMunn & colaboradores 2001; Mathai, Anderson & Bourne, 2002; Saud & Tonelotto, 2002; Smedje, Broman & Hetta, 2001; Smedje & colaboradores, 1999; Thabet, Stretch & Vostanis, 2000; Vostanis & colaboradores, 2001). A maioria dos estudos publicados com o SDQ ainda se refere à sua validação, grau de confiabilidade e fidedignidade, sendo que as publicações com dados de pesquisa, para que se efetuassem comparações mais esclarecedoras ainda estão sendo produzidos (Fleitlich, Cortazar & Goodman, 2000). No Brasil, publicações sobre a utilização do SDQ são ainda incipientes. Fleitlich e colaboradores (2000) apontaram para pontos positivos da utilização do “Suplemento de Impacto, que detalha há quanto tempo as dificuldades do comportamento existem, e o quanto Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 50 Laura Fogaça Saud e Josiane Maria de F. Tonelotto interferem no cotidiano familiar e escolar, concluindo que seu uso leva a uma melhora importante do instrumento. Cury e Golfeto (2002) utilizaram o SDQ numa pesquisa com 119 crianças (63% meninos e 37% meninas) provenientes de uma escola pública, com média de idade igual a 8,18 e seus respectivos pais. Observaram pontuações elevadas e resultados considerados anormais para sintomas emocionais (17,7%), hiperatividade (16,8%) e para pontuação do total de dificuldades (18,7%). Diante de todas as considerações apresentadas, o objetivo principal dessa pesquisa foi explorar um instrumento novo para avaliar o comportamento social (dificuldades e capacidades), num grupo de escolares, e verificar a presença de possíveis diferenças entre gêneros e séries cursadas. MÉTODO Situação Os dados da presente pesquisa foram coletados numa escola de ensino infantil, fundamental e médio da rede particular de ensino, situada numa cidade do Vale do Paraíba, Estado de São Paulo. Freqüentam a escola aproximadamente 1.980 (mil novecentos e oitenta) alunos, distribuídos em salas de Educação Infantil, Ensino Fundamental (1a a 8a série) e Ensino Médio (Comum e Informática). Os alunos estão na faixa etária aproximada de dois (dois) a 18 (dezoito) anos. Participantes Escolares - Dos 140 alunos convidados (3a e 4a séries), 41 foram autorizados pelos seus responsáveis a participar, sendo 24 do gênero feminino e 17 do gênero masculino. Vinte e um participantes freqüentavam a terceira série (14 do gênero feminino e 7 do gênero masculino) e vinte participantes freqüentavam a quarta série (10 do gênero masculino e 10 do feminino). Os escolares apresentaram uma média de idade de nove anos e 6 meses. Material Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizado com a finalidade de fornecer informações a respeito dos objetivos da pesquisa e a forma de participação, além de assegurar o caráter sigiloso de tratamento das informações obtidas. Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ) (Goodman, 1999a) - O questionário apresenta três versões, indicadas para serem respondidas pelos alunos, seus pais ou responsáveis e por professores. Apresenta inicialmente instruções para preenchimento (comportamento da criança com base nos últimos seis meses) e dados identificação (iniciais e data de nascimento). As questões são objetivas, distribuídas, respectivamente, por escalas. O questionário é composto por 25 (vinte e cinco) itens contidos em 5 (cinco) escalas: Sintomas Emocionais, Problemas de Conduta, Hiperatividade, Problemas de Relacionamento com Colegas e Comportamento Pró-Social. As alternativas para resposta são expostas em cada questão, e apresentam como opções: falso, mais ou menos verdadeiro e verdadeiro. O instrumento possui uma segunda parte, somente para os pais e professores, denominada Suplemento de Impacto, com cinco (cinco) questões. Nesse estudo a escala de impacto não foi utilizada por reconhecer-se que se trata de dados que interessam mais a estudos epidemiológicos ou com populações de risco, proposta pelo autor posteriormente à criação da escala, como acessório para melhor identificação do grau de dificuldades sociais. Procedimento Coleta de dados A Escola foi informada da intenção de se realizar uma coleta de dados em suas dependências, e para isso foi formulada uma carta-pedido, solicitando autorização para a realização do estudo junto aos alunos, professores e pais. Após a anuência dos diretores, outra cartapedido foi encaminhada aos pais dos alunos, solicitando autorização e contendo informações e explicações sobre o objetivo da pesquisa. Após autorização dos pais, quanto ao envolvimento dos filhos na coleta de dados a mesma foi posta em andamento. Foram incluídas na coleta de dados, crianças de duas turmas de cada série, ou seja, alunos que estavam cursando a 3a série A e B e a 4a série A e B do ensino fundamental. No total de alunos, somando-se as quatro turmas, foram distribuídas 140 cartas-convite aos pais ou responsáveis, contendo o termo de consentimento livre e esclarecido. Retornaram, ao todo, 41 autorizações desta forma. A pesquisa foi realizada tendo como participantes estes 41 alunos. Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries A aplicação dos questionários dos alunos ocorreu em sessão coletiva que foi organizada e realizada pela pesquisadora. Após uma conversa informal com os participantes, foram oferecidas informações necessárias para que o questionário fosse respondido. Iniciada a aplicação e ao término dela não foram manifestadas dificuldades no preenchimento do questionário. Análise dos dados Os dados foram descritos e analisados por meio de provas estatísticas que oportunizaram a obtenção de freqüências, comparação de médias e análise de correlação. As cinco escalas que compõem o instrumento, quatro de dificuldades (sintomas emocionais, problemas de conduta, hiperatividade e problemas de relacionamento com colegas) e de capacidades (comportamento prósocial) foram pontuadas (25 itens), e em seguida obtevese a Pontuação Total de Dificuldades conforme definido por Goodman, 1999. Para a interpretação da pontuação obtida em capacidades e dificuldades Goodman (1999) definiu três categorias: normal, limítrofe e anormal. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise das pontuações gerais, normais, limítrofes e anormais em relação às dificuldades, conforme apresentação na Figura 01, revelou que quanto aos sintomas 51 emocionais, que apenas escolares do gênero feminino, tanto da terceira quanto da quarta série, pontuaram na indicação limítrofe. Pode-se, desta forma, observar que as meninas demonstram uma maior tendência a introjetar as dificuldades e somatizá-las, quando comparadas suas respostas com as dos meninos. Estes dados são compatíveis com os achados na literatura a respeito de sintomas emocionais, conforme afirmações de Marcelli (1998) e Grunspun (1999). A observação de maior pontuação para sintomas emocionais, por parte de escolares do gênero feminino pode relacionar-se à possibilidade deste fato refletir características do meio cultural do tipo de sociedade em que os participantes estão inseridos, que provavelmente permita à menina exibir maior número de queixas do que os meninos. Não se pode desconsiderar que a aprendizagem das regras sociais pelas meninas ocorre de forma diferenciada que para os meninos. Os pais ainda mantêm algumas regras diferenciadas para educar meninos e meninas. Meninos são criados para serem fortes e desaconselha-se que demonstrem seus sentimentos. Às meninas permitem-se maiores comportamentos emotivos e maior expressão de sentimentos. Desta forma há uma propensão em se criar formas de atuação diferenciada para meninos e meninas, bem como de comportamentos diferenciados para ambos de acordo com o que afirmam Fontana (1991), Del Prette e Del Prette (1999), Trad (1999) e Bierman (2001). SEXO: feminino 10 8 6 4 2 0 SEXO: masculino 10 8 6 4 2 0 N orm al Lim ítrofe S E R IE : terc eira A norm al N orm al Lim ítrofe A norm al S E R IE : quarta Figura 01 – Distribuição dos participantes de acordo com as pontuações normais, limítrofes e anormais em sintomas emocionais no SDQ, de acordo com gênero e com a série. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 52 Laura Fogaça Saud e Josiane Maria de F. Tonelotto Em relação aos resultados obtidos em problemas de comportamento ou de conduta, conforme dados da Figura 02, os resultados na categoria normal são mais evi- externalizados e avaliados como inadequados ou mesmo agressivos que são mais característicos do gênero masculino. 14 SEXO: feminino 12 10 8 6 4 2 0 SEXO: masculino 14 12 10 8 6 4 2 0 N o rm a l L im ítro fe A n o rm a l N o rm a l S E R IE : te rc e ira L im ítro fe A n o rm a l S E R IE : q u a rta Figura 02 – Distribuição dos participantes de acordo com as pontuações normais, limítrofes e anormais em problemas de conduta no SDQ de acordo com gênero e série. denciados por escolares do gênero feminino da terceira série, sendo que resultados anormais são mais observados para escolares do gênero masculino da quarta série. De acordo com os dados apresentados na Figura 02, é possível observar que enquanto as meninas da quarta série apresentaram maiores índices em sintomas emocionais, os meninos desta série apresentaram maiores índices em problemas de comportamento ou conduta. Estes achados estão de acordo com os achados relatados por Miller-Johnson e colaboradores (2002) e Wentzel e Caldwell (1997) quanto aos comportamentos Neste aspecto também é possível observar a influência da cultura e da sociedade na forma diferenciada de educar meninos e meninas, permitindo número maior de comportamentos agressivos aos meninos, o que pode ser determinante para a observação das diferenças (Bierman 2001; Del Prette & Del Prette, 1999; Fontana, 1991; Tradd, 1999). Em hiperatividade, as pontuações normais foram mais freqüentes para todos os escolares, mas observaram-se alguns dados que revelam a ocorrência de pontuações normais mais freqüentes em escolares 14 SEXO: feminino 12 10 8 6 4 2 0 SEXO: masculino 14 12 10 8 6 4 2 0 N o rm a l L im ítro fe S E R IE : te rc e ira A n o rm a l N o rm a l L im ítro fe A n o rm a l S E R IE : q u a rta Figura 03 – Distribuição dos participantes de acordo com as pontuações normais, limítrofes e anormais em hiperatividade no SDQ de acordo com gênero e série. Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries do gênero feminino da terceira série, e quanto à pontuação anormal as freqüências são semelhantes para escolares do gênero masculino da terceira e quarta séries, e para o gênero feminino da quarta série. Os resultados apresentados na Figura 03 apontam para uma tendência, por parte dos meninos, a exibir mais comportamentos ditos “inadequados” socialmente do que as meninas, mas as meninas da quarta série foram as que também pontuaram mais, confirmando que podem estar vivendo uma fase que está favorecendo o aparecimento de sintomas. É preciso considerar que fatores 53 opinião de Topczewski (1999), Rohde e Benczik (1999), Dumas e Pelletier (1999) e Lindsay e Dockrell (2000). Em problemas de relacionamento com colegas, também se constatou que as pontuações normais foram mais freqüentes para todos os escolares, porém foi possível perceber que um maior número de resultados normais foi detectado em escolares da terceira série com predomínio do gênero feminino, e que resultados anormais estiveram mais presentes em escolares da quarta série, de ambos os gêneros. Novamente o grupo de escolares da quarta série foi o que apresentou maior número de pontuações anormais. SEXO: feminino 12 10 8 6 4 2 0 SEXO: masculino 12 10 8 6 4 2 0 N o rm a l L im ítro fe A n o rm a l N o rm a l L im ítro fe A n o rm a l S E R IE : q u a rta S E R IE : te rc e ira Figura 04 – Distribuição dos participantes de acordo com as pontuações normais, limítrofes e anormais em problemas de relacionamento com colegas no SDQ de acordo com gênero e série. como a ansiedade e a expectativa frente à próxima etapa escolar, a 5ª série, possam ser determinantes para os resultados encontrados. A hiperatividade é uma característica essencialmente masculina conforme a Na Figura 04 é apresentada uma análise das pontuações gerais, normais, limítrofes e anormais em relação às capacidades no que se refere ao comportamento prósocial. Observa-se que as pontuações normais foram 16 14 12 10 8 6 S E X O : fe m in in o 4 2 0 16 14 12 10 8 6 4 SE XO : m ascu 2 0 N o rm a l L im ítro fe S E R IE : te rc e ira N o rm a l L im ítro fe S E R IE : q u a rta Figura 05 – Distribuição dos participantes de acordo com as pontuações normais, limítrofes e anormais em comportamento pró-social no SDQ de acordo com gênero e série. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 54 Laura Fogaça Saud e Josiane Maria de F. Tonelotto registradas para a maioria dos escolares independentemente de gênero e de série, apesar de ter-se detectado que a maior quantidade de resultados normais foram obtidos por escolares da terceira série. Dados da Tabela 01 permitem que sejam comparadas as médias obtidas pelos escolares em comportamentos sociais de acordo com o gênero. Diferenças foram encontradas em sintomas emocionais com médias superiores para o gênero feminino. Além disto, são apresentados dados referentes aos comportamentos sociais de acordo com a série. Observaram-se diferenças entre problemas de comportamento ou conduta, problemas de relacionamento com os colegas, total de dificuldades e comportamento pró-social. as meninas se apresentaram como mais competentes socialmente. Além disso, no estudo de Adams e colaboradores (1999) verificou-se que as meninas apresentaram maior número de problemas no relacionamento com os colegas, fato não observado no presente estudo. De forma geral os participantes fizeram uma autoavaliação positiva em relação ao comportamento prósocial. De 41 participantes de terceira e quarta série do ensino fundamental, 17 eram do gênero masculino e 24 do gênero feminino, detectou-se uma média 9,0 para o gênero feminino e 8,11 para o gênero masculino, sendo que a 3a série obteve média 9,42 e a 4a série uma média 7,8, conforme mostrou a tabela 4, com diferença significativa entre médias em relação à série, o que vale Tabela 01 – Comparação das médias obtidas pelos participantes de acordo com o gênero e de acordo com a série em dificuldades sociais no SDQ, utilizando-se o teste t de student. Sintomas emocionais Gênero FEM MAS 4,56 2,81 Análise estatística Série a Análise estatística a 3. 3,5 4. 4,21 1,9 3,65 t= -0,39 p=0,694 t= -0,71 p=0,476 2,9 4,1 1,9 3,1 t=2,4 p=0,021* p<0,05 t= -1,44 p=0,157 Problemas de conduta 2,37 3,37 Hiperatividade 3,37 3,64 Problemas de relacionamento com os colegas Total de dificuldades 2,30 2,75 13,04 12,07 t=0,58 p=0,564 10,56 14,66 nove 8,11 t=1,834 p=0,074 9,42 7,8 Comportamento Pró – social Os resultados apresentados na Tabela 1 corroboram os encontrados nos estudos de Marcelli (1998) e Grunspun (1999). Em relação ao gênero masculino, os resultados não acompanham o que traz a literatura, quando apontam para maior freqüência de hiperatividade e problemas de comportamento ou conduta para este gênero (Bibou-Nakou, Kiosseoglou & Stogiannidou, 2001; Lindsay & Dockrell, 2000; Miller-Johnson & colaboradores, 2002; Rohde & Benczik, 1999; Topczewski, 1999; Wentzel & Caldwell, 1997). Para comportamento pró-social não foram observadas diferenças quanto ao gênero. Esses resultados contrastam com os resultados apresentados por Adams e colaboradores (1999) e Miller-Johnson e colaboradores (2002), no quais t= -0,930 p=0,35 t= -2,745 p=0,009* p<0,05 t= -1,834 p=0,742 t= -2,075 p=0,044* p<0,05 t= -2,683 p= 0,0111* p<0,05 t= 3,881 p=0,0003* p<0,05 dizer que os escolares de terceira série se auto-avaliaram como mais “hábeis” socialmente. Neste aspecto, não podemos desconsiderar que a idade cronológica, mesmo que tendo uma diferença em linhas gerais de apenas um ano, pode influenciar no julgamento de si mesmo e na forma de perceber-se em relação ao ambiente, neste enfoque poderemos mencionar o processo de autoconceitos que se encontram de alguma forma mais elaborados, e assim, as autodescrições tornam-se mais equilibradas, e a atribuição de valores positivos ou negativos aos próprios atributos pessoais tornam-se mais consistentes, envolvendo uma auto-avaliação mais “amadurecida”, conforme citado em Newcombe (1999). Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries 55 Cabe ainda, uma ressalva de extrema importância para os achados do presente estudo. Apesar da importância dos resultados encontrados e das relações com a literatura consultada, não se pode esquecer que o número de participantes é muito pequeno para que sejam permitidas generalizações. Além disto, o número reduzido de participantes pode ter influenciado de forma significativa os resultados obtidos. REFERÊNCIAS Division of Psychiatry-School of Community Health Sciences (2000). Research Activities in Developmental Psychiatry. Disponível: http://www.nottingham.ac.uk/psychiatry/ division/devpsych.htm. Acessado em 10/2001. Dumas, D., & Pelletier, A. (1999). A study of self perception in hyperactive children. American Journal of maternal/ Child Nursing, 24, 12-19. Fleitlich, B., Cortázar, P.G., & Goodman, R. (2000). Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ). Infanto - Revista de Neuropsiquiatria da Infância e Adolescência, 8, 44 –50. Fontana, D. (1991). Psicologia para professores. São Paulo: Manole. Garcia, C.P., Mazaira, J.A., & Goodman, R. (2000). Validación inicial de la version gallega del Cuestionário de Capacidades y Dificultades (SDQ)/The initial validation study of the gallego version of the Strengths and Difficulties Questinnaire (SDQ). Revista de Psiquiatria Infanto Juvenil, 2, 95-100. Goodman, R. (1997). The Strenghts and Difficulties Questionnaire: A Research Note. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 38, 581-586. Goodman, R., Meltzer, H., & Bailey, V. (1998). The strengths and difficulties questionnaire: A pilot study on the validity of the self-report version. European Child and Adolescent Psychiatry, 7, 125-130. Goodman, R., & Scott, S. (1999). Comparing the Strengths and Difficulties Questionnaire and the Child Bahavior Checklist: Is small beautiful? Journal of Abnormal Child Psychology, 27, 17-24. Goodman, R. (1999a). Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ) Disponível: http://www. sdqinfo.com. Acessado em 15/05/2001. Goodman, R. (1999). The Extended Version of the Strenghts and Difficulties Questionnaire as a Guide to Child Psychiatric Caseness and Consequent Burden. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 40, 791-799. Goodman, R., Renfrew, D., & Mullick, M. (2000). Predicting type of psychiatric from Strengths and Difficulties Quetionnaire (SDQ) scores in child mental health clinics in London and Dhaka. European Child and Adolescent Psychiatry, 9, 129-134. Adams, J.W., Snowling, M.J., Hennessy, S., & Kind P. (1999). Problems of behavior, reading and arithmetic: assessment of comorbidity using Strengths and Difficulties Questionnaire. British Journal of Educational Psychology, 69, 571-585. Adams, J.W., & Snowling, M.J. (2001). Executive function and reading impairments in children reported by their teachers as “hiperactive”. British Journal of Developmental Psychology, 19, 293-306. American Psychiatric Association (1994). Diagnostic and Statistical Manual of mental disorders.( 4 th ed.) Washington. D.C: American Psychiatric Association. Bee, H. (1997). O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artes Médicas. Bibou-Nakou, I., Kiosseoglou, G., & Stogiannidou, A. (2002). Strengths and difficulties of school-aged children in the family and school context. Psychology: The Journal of the Hellenic Psychological Society, 8, 506-525. Bilanakis, N.D., Pappas, E.E., Lecic, T., Dusika,A., & Dimitra, B. (2000). Children of war fostered by Greek families for six months: The effect of the programme on children and foster mothers by. European Child and Adolescent Psychiatry, 13, 215-222. [Abstract ]. Bierman, K.L. (2001). Social competence. Gale Encyclopedia of Psychology. Disponível em http:// www.findarticles.com. Carvalho, A., & Guimarães, M. (2002). Desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos: natureza e cultura em interação. Em A. Carvalho, F. Salles, & M. Guimarães Desenvolvimento e Aprendizagem (Orgs). (pp. 31-50). Belo Horizonte: Editora UFMG. Cury, C., & Golfeto, J. (2002). Questionário de capacidades e dificuldades (SDQ): um estudo em escolares de Ribeirão Preto. Temas em Neurologia e Psiquiatria Infantil: uma visão multiprofissional. São Paulo: ABENEPI. Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1999). Psicologia das Habilidades Sociais. Petrópolis: Vozes. Del Prette, Z..A. P., & Del Prette, A. (2001). Habilidades sociais e educação: Pesquisa e atuacão em psicologia escolar/ educacional. Em Z.A.P. del Prette (Org.). Psicologia Escolar e Educacional. (pp.99-128). Campinas: Alínea. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 56 Goodman, R., Ford, T., Simmons, H., Gatward, R., & Meltzer, H. (2000). Using the Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) to screen for child psychiatric disorders in a community sample. British Journal of Psychiatry, 177, 534-539. Goodman, R. (2001). Psychometric Properties of the Strengths and Difficulties Quetionnaire. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 40, 13371345. Grunspun, H. (1999). Crianças e Adolescentes com Transtornos Psicológicos e do Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Atheneu. Hartup, W.W. (1996). The company they keep: Friendships and their developmental significance. Child Development, 67, 1-13. Hepper, F., & Garralda, M.E. (2001). Psychiatric adjustment to leaving school in adolescents with intellectual disability: A pilot study. Journal of Intellectual Disability Research, 45, 521-525. Klasen, H., Woerner, W., Wolke, D., Meyer, R., Overmeyer, S., Kaschnitz, W., Rothenberger, A., & Goodman, R. (2000). Comparing the German versions of the Strenghts and Difficulties Questionnaire (SDQ-Deu) and the Child Behavior Checklist. European Child and Adolescent Psychiatry, 9, 271-276. Kern, L. (2001) Improving the clsssroom behavior of students with emocional and behavioral disorders using individualized curricular modifications. Journal of Emotional and behavioral Disorders, 7, 234-245. Koskelainen, M., Sourander, A., & Vauras, M. (2001). Selfreported strengths and difficulties in a community sample of Finnish adolescents. European Child and Adolescent Psychiatry, 10(3), 180-185. [Abstract ]. Ladd, G.W., & Hart, C.H. (1992). Creating informal play opportunities: Are parents and preschooler’s initiations related to children’s competence with peers? Developmental Psychology, 28, 1179-1187. Ladd, G.W., Kochenderfer, B.J., & Coleman, C.C. (1996). Friendship quality as a predictor of young children’s early school adjustment. Child Development, 67, 1103-1118. Ladd, G.W. (1999). Peer relationships and social competence during early and middle childhood. Annual Review of Psychology, 50, 333-359. Lewin, L.M., Davis, B., & Hops, H. (1999). Childhood Social Predictors of Adolescent Antisocial Behavior: Gender Differences in Predictive Accuracy and Efficacy. Journal of Abnormal Child Psychology, 56, 234-251. Lindsay, G., & Dockrell, J. (2000). The behavior and self-esteem of children with specific speech and language difficulties. British Journal of Educational Psychology, 70, 583-601. Laura Fogaça Saud e Josiane Maria de F. Tonelotto Marcelli, D. (1998). Manual de Psicopatologia da Infância de Ajuriaguerra. Porto Alegre: ARTMED. Mathai, J., Anderson, P., & Bourne, A. (2002). The Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ) as a screening measure prior to admission to a child and adolescent Mental Health Service (CMHS). Australian e-journal for the advancement of Mental Health, 1(3), 45-58. Mcevoy, A. (2000). Antisocial bahavior, academic failure, and school climete: a critical review. Journal of Emotional and Behavioral Disorders, 20, 35-47. McMunn, A.M., Nazroo, J.Y., Marmot, M.G., Boreham, R., & Goodman, R. (2001). Children’s emotional and behavioural well-being and the family environment: findings from the Health Survey for England. Society of Scientific Medicine 53, 423-40. Merrell, K.W. (2001). An investigation of relationships between social behavior and ADHD in children and youth: construct validity of the home and community social behavior scales. Journal of Emotional and Behavioral Disorders. 52, 564-587. Miller-Johnson, S., Coie, J.D., Maumary-Gremaud, A. e Bierman, K. (2002). Peer rejection and agression and early starter models of conduct disorder. Journal of Abnormal Child Psychology, 54, 345-356. Newcombe, N. (1999). Desenvolvimento Infantil: Abordagem de Mussen. Porto Alegre: ARTMED. Rohde, L.A., & Benczik, E.B.P. (1999). Atenção/ Hiperatividade: O que é? Como ajudar? Porto Alegre: ARTMED. Saud, L.F., & Tonelotto, J.M.F. (2002). Autopercepção de Comportamentos Sociais no Ambiente Escolar. Pôster apresentado no Congresso da ABENEPI - Temas de Neurologia e Psiquiatria Infantil: uma visão multiprofissional. Curitiba, Pr. Smedje, H., Broman, J.E., Hetta, J., & VonKnorring, A.L. (1999). Psychometric properties of a swedish version of the “Strengths and Difficulties Questionnaire”. European Child and Adolescent Psychiatry, 8(2), 63-70. Smedje, H., Broman, J.E., & Hetta, J. (2001). Associations between disturbed sleep and behavioural difficulties in 635 children aged six to eight years: A study based on parent’s perceptions. European Child and Adolescent Psychiatry, 10, 1- 9. Thabet, A.A., Stretch, D., & Vostanis, P. (2000). Child mental health problems in Arab children: Application of the Strengths and Difficulties Questionnaire. International Journal of Social Psychiatry, 46, 266-280. Comportamento social na escola: diferenças entre gênero e séries Topczewski, A. (1999). Hiperatividade. Como Lidar? São Paulo: Casa do Psicólogo. Trad, L.A.B. (1999). Problematizando concepções de família e processos de interação social no contexto do Programa de Saúde da Família – PSF. Interfaces, 2, 103-106. Vostanis, P., Tischler, V., Cumella, S., & Bellerby, T. (2001). Mental health problems and social supports among homeless mothers and children victims of domestic and community violence. International Journal of Social Psychiatry, 47(4), 30-40. 57 Wentzel, K.R., & Caldwell, K. (1997). Friendships, peer acceptance, and group membership: relations to academic in middle school. Child Development, 68, 1198-1209. Recebido em: 04/05/05 Revisado em: 08/06/05 Aprovado em: 14/06/05 Endereço para correspondência: Laura Fogaça Saud: Av. Granadeiro Guimarães, nº 46 – Centro – CEP: 12020-130 – Taubaté – SP Josiane Maria de Freitas Tonelotto: Rua Antonio Prado, 116, apto. 202 – Centro – CEP: 13900-374 – Amparo – SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 47-57 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 RELAÇÃO ENTRE CRIATIVIDADE, INTELIGÊNCIA E AUTOCONCEITO EM ALUNOS MONOLÍNGÜES E BILÍNGÜES BILINGÜISMO E CRIATIVIDADE Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça 1 Denise de Souza Fleith2 Resumo Este estudo teve como objetivo estudar a relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos bilíngües e monolíngües. Participaram deste estudo 269 alunos, do gênero masculino e feminino, adolescentes e adultos, de uma instituição particular de ensino de língua inglesa, localizada em Brasília. Os instrumentos utilizados foram o Teste Torrance de Pensamento Criativo - TTCT, Teste Não-Verbal de Raciocínio para Adultos TNVRA e Escala Fatorial de Autoconceito - EFA. Os alunos bilíngües apresentaram escores superiores nas medidas de criatividade verbal e figurativa e de inteligência quando comparados aos alunos monolíngües. Os resultados indicaram, ainda, que os alunos do gênero masculino apresentaram escores superiores aos do gênero feminino apenas na medida de originalidade verbal. Não foram observadas diferenças entre adolescentes e adultos em relação à criatividade, inteligência e autoconceito. Foi observada uma correlação positiva entre criatividade e autoconceito para alunos bilíngües. Palavras-chave: Criatividade; Inteligência; Autoconceito; Bilingüismo. RELATIONSHIP BETWEEN MONOLINGUALS AND BILINGUALS’ CREATIVITY, INTELLIGENCE, AND SELF-CONCEPT Abstract This study aimed at analyzing the relationship between creativity, intelligence and self-concept with bilingual and monolingual students. The study had the participation of 269 students, male and female, adolescents and adults from a private English Binational Center in Brasília. The instruments used included the Torrance Test - TTCT, the TNVRA, a Non-Verbal Intelligence Test, and a Self-concept Factorial Scale - EFA. Higher scores in verbal and figural creativity and intelligence were obtained by bilingual students when compared to monlingual students. The results also indicated that male sytudents presented higher scores than female students in verbal originality measure. No differences were observed between adolescents and adults concerning creativity, intelligence and self-concept. A positive correlation was observed between creativity and self-concept for bilingual students. Keywords: Creativity; Intelligence; Self-concept; Bilinguals INTRODUÇÃO A linguagem é, inquestionavelmente, a faculdade de maior complexidade da mente humana (Genesee, 2001). A compreensão de como a linguagem é adquirida tem se constituído em um desafio de imensas proporções para pesquisadores e teóricos por mais de cinqüenta anos. 1 (Bates & Mac Whinney, 1987; Chomsky, 1997; Diaz, 1983; Mac Whinney, 1997; Pinker, 1994). O aprendizado de uma segunda língua predomina na maioria dos países industrializados. Com o mundo cada vez mais globalizado, com o desenvolvimento mais rápido Mestra pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento. Ph.D. em Psicologia Educacional e docente do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. 2 60 de novas tecnologias, maior será a necessidade de aprendizado de uma segunda língua, a fim de favorecer o intercâmbio econômico e social. Neste sentido, vários estudos têm investigado a relação entre a proficiência em duas línguas e diversas variáveis cognitivas e afetivas (Fleith, Renzulli & Westberg, 2002; Lambert, Just & Segalowitz 1970; Landry, 1974; Doyle, Champagne & Segalovitz, 1978; Wang, 1982; Diaz, 1983; Koulos, 1986; Kessler & Quinn, 1987; Branccini & Cianchi 1993). Diversos têm sido os aspectos considerados nos estudos da linguagem, como: o aprendizado da linguagem de crianças e adultos, o aprendizado de uma primeira e uma segunda língua, o aprendizado da linguagem oral e de sinais e o aprendizado apenas de uma língua ou de muitas línguas. Além disso, as investigações sobre a aprendizagem de mais de uma língua nos possibilita explorar os limites da linguagem na mente humana. Os seres humanos estão singularmente preparados para a aquisição desta capacidade mais complexa (Pinker, 1994). Alguns teóricos, como Chomsky (1997), defendem que esta capacidade única da linguagem reside em um módulo específico e inato no cérebro humano. Outros afirmam que a linguagem é resultado da aplicação de mecanismos de aprendizagem ao domínio específico da linguagem (Bates & MacWhinney, 1987). O que de certo sabemos é que muitos pesquisadores ainda buscam uma melhor compreensão do processo de aprendizagem de duas ou mais línguas e suas implicações (MacWhinney, 1997). Por décadas, os pesquisadores têm investigado, por exemplo, a relação entre a habilidade de expressão oral ou escrita em duas línguas diferentes, também chamado de bilingüismo, e a criatividade (Baker, 2001; Colina, 2002; Fleith, 1999; Hamers & Blanc, 2000; Kloosterman, 1997; Lopez, 2003; Martorell, 2000; Noels, Pelletier, Clément & Vallerand, 2000; Ricciardelli, 1992). Diversos autores têm encontrado resultados que indicam uma influência positiva do bilingüismo no desenvolvimento da criatividade. Martorell (2000), por exemplo, investigou a ligação entre a linguagem e expressão criativa e concluiu que “o bilingüismo não é o único fator, mas um fator benéfico e forte no desenvolvimento da criatividade” (p. 95). Também Lasagabaster (2000) afirmou que “no que diz respeito à relação entre bilingüismo e criatividade, a maioria dos estudos são semelhantes em afirmar que o bilingüismo aumenta a criatividade” (p. 214). Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith Segundo Lindholm (1995), “um número de estudos foram conduzidos com crianças bilíngües mostrando que, intelectualmente, as experiências de crianças fluentes em mais de uma língua parecem resultar em flexibilidade mental, superioridade na formação de conceitos e um conjunto de habilidades mentais mais diversificado” (p. 274). Além disso, Baker (2001) ressaltou que: As evidências sugerem que os bilíngües equilibrados, isto é, aqueles que possuem habilidades na língua materna, também denominada de L1, na mesma proporção que na segunda língua (L2), possuem habilidades de pensamento divergente superiores, se comparados com bilíngües com habilidades não equilibradas ou monolíngües. (p. 147) Outras comparações entre crianças bilíngües e monolíngües, como também comparações de crianças bilíngües em diversos níveis de desenvolvimento, indicam que o bilingüismo pode resultar em um desempenho superior em várias habilidades intelectuais (Diaz, 1983). Estas habilidades podem incluir o desempenho nos testes de inteligência, de análise de padrões visuais abstratos e medidas de conscientização metalingüística. Apesar das controvérsias no que diz respeito às condições sob as quais estas vantagens em relação ao bilingüismo ocorrem, como também aos mecanismos causadores específicos, os pesquisadores concordam que os efeitos observados são reais (Cummins, 1976; Diaz, 1985; Hakuta, 1986). As primeiras pesquisas sobre os efeitos do bilingüismo no desenvolvimento mental, ou na inteligência, datam do início do século 20 quando começaram a ser utilizados os testes de QI e se intensificou o debate sobre a política de imigração americana. Nesta época, os pesquisadores acreditavam que o bilingüismo poderia resultar em retardo mental, além de produzir diversas outras conseqüências negativas (Hakuta, 1986). Com base em resultados de pesquisas até o final da década de 70, ficou evidente que as afirmações sobre o impacto negativo do bilingüismo foram alarmistas e fundamentadas, primariamente, no preconceito social em relação aos novos imigrantes. Por mais de trinta anos, observou-se um consenso, entre os chamados construtivistas sociais, de que a linguagem desempenhava um papel fundamental na construção da identidade ou do autoconceito (May, 2001; Shotter & Gergen, 1989). Este aspecto refletia um ponto Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües de vista diferente acerca da importância da linguagem e de como ela funcionava nas interações rotineiras. Ao invés de considerar a linguagem como apenas uma ferramenta de representação de um mundo já existente ou um instrumento de comunicação, os construtivistas sociais apontam para as funções alternativas da linguagem. Para estes teóricos, a linguagem é central para a compreensão da identidade. Estes autores chamavam a atenção para o fato de que, através da linguagem, o sujeito poderia construir e desenvolver a sua subjetividade de forma dinâmica. Portanto, a linguagem apresenta um papel ativo no desenvolvimento do indivíduo, não apenas como sua ferramenta, mas como parte deste processo, proporcionando um auxílio na construção do conceito que o indivíduo possui de si mesmo. A partir do século 20, educadores e psicólogos (Brown, 1991; Cambourbe, 1993; Fiske, 1991; Harste, 1994; Resnik & Klopfer, 1989) passaram a valorizar a educação como um processo que poderia contribuir para a interação entre o indivíduo e o seu meio social, além de reconhecerem a importância de se desenvolver habilidades de construção de idéias novas e produtivas para a solução de problemas e desafios emergentes. Para Toffler (1990), já no século 21, os indivíduos com um bom nível de educação necessitarão criar redes de conhecimento e utilizar novos idiomas, imagens e relações. Reich (1991) enfatizou também a importância da análise simbólica, que permite ao indivíduo definir problemas, assimilar dados, deduzir, induzir e encontrar soluções para os problemas. O aprendizado passou a ser visto como um processo construtivo, no qual os alunos constróem o seu próprio conhecimento. Portanto, cada aprendiz cria uma estrutura cognitiva única, diferente de todos os outros e completa de associações pessoais. Com um demanda crescente de alunos com a necessidade de aprendizagem de uma segunda língua, especialmente a língua inglesa, a importância deste estudo reside na construção de um perfil deste aluno, adolescente e adulto brasileiro, no que diz respeito às relações entre características cognitivas e afetivas deste indivíduo e o processo de aprendizagem de uma segunda língua. Além disso, poucos são os estudos dos efeitos do aprendizado de uma segunda língua em nosso país, se compararmos com os estudos sendo realizados em alguns países, mais especificamente nos Estados Unidos (Mendonça, 2003). 61 O atual conhecimento e compreensão do processo de aprendizagem de uma segunda língua e o impacto resultante deste aprendizado estão longe de ser concluídos, mas o conhecimento existente aumentou substancialmente nos últimos trinta anos. Este conhecimento sobre o aprendizado de uma segunda língua não pode ser totalmente separado dos avanços em relação à compreensão geral existente entre linguagem e aprendizagem. Também, como apresentado por Graddol e Meinhof (1999), devemos estar cada vez mais atentos à natureza da educação bilíngüe implementada em diversos países, inclusive no Brasil, uma vez que a língua inglesa se espalha mundialmente, cada vez mais rapidamente, como uma língua internacional, e não mais como a língua mãe ou mestre. Portanto, o presente estudo visou investigar a relação entre criatividade, inteligência e autoconceito de alunos bilíngües e monolíngües. Neste estudo, o bilingüismo é compreendido como o domínio de uma segunda língua, neste caso específico, a língua inglesa, mas sem que aqueles que a dominam necessitem utilizá-la para o funcionamento em contextos diários de comunicação (Valdes & Figueroa, 1994). As questões de pesquisa investigadas foram: 1. Existem diferenças entre alunos bilíngües e monolíngües em relação à criatividade, inteligência e autoconceito? 2. Existem diferenças entre alunos do gênero masculino e feminino em relação à criatividade, inteligência e autoconceito? 3. Existem diferenças entre alunos adolescentes e adultos em relação à criatividade, inteligência e autoconceito? 4. Existe interação entre nível de proficiência em uma segunda língua, gênero e faixa etária em relação à criatividade, inteligência e autoconceito? 5. Existe relação entre criatividade, inteligência e autoconceito de alunos bilíngües e monolíngües ? MÉTODO Delineamento Um delineamento fatorial 2x2x2 foi utilizado neste estudo (Gall, Borg & Gall, 1996). As variáveis independentes foram gênero (masculino e feminino), nível de proficiência em uma 2a língua (bilíngues e Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 62 monolíngues) e faixa etária (adolescentes e adultos). As variáveis dependentes investigadas foram criatividade, inteligência e autoconceito. Um delineamento correlacional foi posteriormente empregado para examinar a existência de relação entre criatividade, inteligência e autoconceito de alunos bilíngües e monolíngües. Participantes Participaram deste estudo 269 alunos de um Centro Binacional Inglês-Português, instituição particular de ensino de língua inglesa, localizada em Brasília, Distrito Federal. Os alunos que freqüentam este centro binacional são provenientes de nível sócio-econômico médio e médio-alto. A idade média dos participantes do estudo era de 22,41 anos, variando entre 14 e 57 anos. Cento e vinte e um alunos eram do gênero masculino (45%) e 132 do gênero feminino (49,1%). Do total de alunos participantes, 190 estavam matriculados no último semestre do curso avançado de inglês e possuíam, no mínimo, 5 anos de estudo da língua inglesa. Os alunos que atingem este nível possuem proficiência em inglês nas habilidades escrita e oral, sendo considerados neste estudo como bilíngües. Tal proficiência é testada através de quatro testes escritos e dois testes orais realizados ao longo do semestre. A idade média destes alunos era de 20,93 anos, variando entre 15 e 57 anos. Setenta e quatro alunos (38,9%) eram do gênero masculino e 102 (53,7%) do feminino. Os demais alunos participantes do estudo (n = 79) foram selecionados em turmas de primeiro ou segundo semestre do curso de inglês. Estes alunos apresentavam muito pouco ou nenhum conhecimento da língua inglesa1, sendo considerados, no presente estudo, como monolíngües. A idade média destes alunos era de 25,63 anos, variando entre 14 e 53 anos. Quarenta e sete alunos (59,50%) eram do gênero masculino e 30 (38%) do feminino. Instrumentos Os instrumentos utilizados incluíram quatro subtestes dos Testes Torrance do Pensamento Criativo TTCT(forma A), sendo dois verbais e dois figurativos (Torrance, 1974). Foram avaliados, através dos quatro subtestes, três características do pensamento criativo: (a) fluência, o Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith número de respostas e soluções diferentes que os alunos fornecem a uma situação-problema ; (b) flexibilidade, o número de diferentes categorias de idéias ou formas diferentes de enfrentar uma situação problema; e (c) originalidade, que seria a capacidade de produzir idéias raras ou incomuns, estatisticamente infreqüentes. Os dois subtestes verbais utilizados no estudo foram: (a) Aperfeiçoamento do produto, no qual os alunos devem pensar em maneiras interessantes e diferentes de melhorar um elefante de brinquedo para que as crianças se divirtam mais com ele e (b) Usos diferentes para caixas de papelão, onde os alunos devem pensar em usos diferentes e originais que estas possam assumir. Os dois subtestes figurativos utilizados foram: (a) Completando figuras, no qual os alunos devem juntar linhas às figuras incompletas, a fim de produzirem desenhos interessantes. É pedido que os alunos inventem e escrevam títulos para cada um dos desenhos e (b) Linhas, no qual os alunos devem produzir objetos ou figuras utilizando pares de linhas retas que são apresentados. Cada subteste deve ser realizado no período máximo de 10 minutos. Quanto à validade e fidedignidade do instrumento, Torrance (1974) obteve coeficientes de fidedignidade do tipo teste-reteste variando entre 0,60 a 0,93 para os vários subtestes. Para a avaliação do nível de inteligência dos participantes, foi aplicado o Teste Não –Verbal de Raciocínio para Adultos - TNVRA (Pasquali, 1998), um teste desenvolvido e validado no Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida - LabPam, da Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia. O TNVRA é composto de 30 itens. Cada item apresenta uma configuração geométrica na qual falta uma parte, que deve ser completada por uma, dentre as seis alternativas possíveis de resposta para cada item. Cada item corretamente respondido recebe um ponto, num total de 30. O nível de fidedignidade do TNVRA foi estabelecido através da análise da consistência interna (alfa de Cronbach = 0,92). Foi também aplicada neste estudo uma escala de autoconceito, denominada Escala Fatorial de Autoconceito - EFA, desenvolvida e validada para a população brasileira (Tamayo, 1981). Trata-se de uma escala bipolar (ou seja, em suas extremidades são apresentados adjetivos com significados opostos, como, por exemplo, anárquico e organizado) de sete pontos, sendo que o número 1 significa “se aplica muito”, o número 2 “se aplica bastan- 1 Estes alunos, ao se inscreverem no curso de inglês do Centro Binacional, eram submetidos a uma avaliação para verificar que nível eles deveriam cursar. Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües te”, o número 3 “se aplica pouco”, o número 4 significa “os dois extremos se aplicam igualmente”, o número 5 “se aplica pouco”, o número 6 “se aplica bastante” e o número 7 significa “se aplica muito”. O coeficiente alfa de fidedignidade obtido para a escala foi de 0,95. A validade do EFA foi estabelecida através da análise fatorial realizada com uma amostra de 893 sujeitos. Os seis fatores gerados foram: self somático, pessoal (segurança e autocontrole), social (receptividade e atitude social) e ético-moral. O fator self somático contém 13 itens como esbelto, elegante, sexy, arrumado etc. O self somático pode ser considerado como a percepção que o indivíduo tem do seu próprio corpo, da sua aparência corporal. O self pessoal abrange dois fatores: estabilidade e autocontrole. Os 16 itens que compõem o fator estabilidade expressam a idéia de segurança pessoal e de confiança em si mesmo. Estes itens incluem adjetivos como firmeza, estabilidade, coragem e persistência. O autocontrole é composto de 17 itens como anárquico-organizado, desligado-ligado, distraído-atento, desordenado-sistemático, traduzindo o domínio do indivíduo sobre o seu comportamento, refletida em autodisciplina e autocontrole pessoal. O self social se subdivide em receptividade e atitude social. A receptividade é representada por 22 itens como retraído-expansivo, inibido-desinibido, que expressam um conjunto de traços bipolares de personalidade que, dependendo da direção, facilitam ou dificultam o relacionamento social. A atitude social é composta de 12 itens tais como agressivo-gentil, preocupado-tranqüilo, impaciente-paciente, que avaliam a atitude do sujeito com relação aos outros e aos valores dos outros; diz respeito à auto-percepção sobre a sua maneira geral de interagir com os outros. Por último, o self ético-moral é composto de 18 itens como desleal-leal, desonesto-honesto, mentiroso-sincero, expressando as auto-avaliações relativas aos princípios éticos fundamentais de honestidade, justiça, bondade, autenticidade e lealdade. Procedimentos Inicialmente foram explicados à direção do Centro Binacional os objetivos da pesquisa e procedimentos para coleta de dados. Após obtida a autorização da direção para a realização do estudo, foi enviada, a cada professor dos níveis envolvidos na pesquisa, uma carta explicativa. 63 Após o esclarecimento das dúvidas apresentadas, pelos professores, agendou-se dia e horário para aplicação dos instrumentos, de modo a não prejudicar o cronograma de atividades de cada professor. Só participaram do estudo aquelas turmas cujo professor responsável concordou e deu permissão para a coleta de dados. Alguns professores recusaram o convite, por já estarem com os seus cronogramas de aula comprometidos. Os testes foram, em seguida, aplicados coletivamente em duas etapas. A primeira etapa envolveu a aplicação do Teste Torrance de Pensamento Criativo, que levou, em média, 40 minutos. Os alunos responderam, ainda, imediatamente após realizarem o TTCT, a um pequeno questionário sobre dados demográficos como idade, gênero, estado civil, local de residência, nível de escolaridade e tempo de estudo da língua inglesa. Na segunda etapa, realizada uma semana após a primeira etapa, foi aplicado o Teste Não-Verbal de Raciocínio para Adultos-TNVRA. Em média, os alunos levaram 35 minutos para a realização do teste. Em seguida, os alunos responderam à Escala Fatorial de Autoconceito-EFA. A aplicação deste instrumento durou cerca de 15 minutos. Todos os instrumentos foram aplicados pela primeira autora no período de outubro de 2002 a maio de 2003. Análise de Dados O Programa SPSS foi utilizado na versão 10.0 para efetuar a análise dos dados. As questões de pesquisa 1, 2, 3 e 4 foram examinadas por meio de uma análise de variância multivariada (MANOVA). As variáveis dependentes foram criatividade, inteligência e autoconceito. As variáveis independentes foram nível de proficiência em uma 2a língua (bilíngüe e monolíngüe), gênero (masculino e feminino) e faixa etária (adolescentes e adultos)2. Antes da MANOVA ter sido efetuada, foram examinadas os requisitos necessários para a realização da análise, tais como normalidade, linearidade e homogeneidade de variância. Para analisar a questão de pesquisa 5, foi utilizada a Correlação de Pearson a fim de se examinar a relação entre inteligência e criatividade e autoconceito de alunos bilíngües e monolíngües. Foi também verificado se a distribuição dos dados atendia aos requisitos necessários para se efetuar esta análise. 2 Neste estudo, os alunos com idade inferior a 21 anos foram considerados adolescentes e os alunos com idade igual ou acima de 21 anos foram considerados adultos. Esta idade foi utilizada como ponto de corte por se tratar da idade em que o indivíduo atinge a maioridade. Além disso, segundo Becker (1985), podem ser considerados adolescentes indivíduos na faixa entre 10 e 20 anos. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 64 Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith RESULTADOS Questão de Pesquisa 1 Os resultados da análise multivariada indicaram diferenças significativas entre os dois grupos (bilíngües e monolíngües) em relação às variáveis criatividade, inteligência e autoconceito (Wilks’ Lambda=0,745, F[12,105]=2,653; p<0,01). Procedeu-se, em seguida, à análise univariada a fim de se verificar em quais variáveis dependentes foram observadas diferenças entre os alunos bilíngües e monolíngües. Os resultados da análise univariada apontaram diferenças significativas entre alunos bilíngües e monolíngües em relação à criatividade verbal (F[1,113]=11,262; p<0,001), fluência verbal (F[1,113]=13,485; p<0,001), flexibilidade verbal (F[1,113]=13,507; p<0,001) e originalidade verbal (F[1,113]=9,015; p<0,01). Os alunos bilíngües apresentam desempenho superior aos monolíngües em todas as medidas de criatividade verbal, conforme médias apresentadas na Tabela 1. Os resultados indicaram ainda diferenças significativas entre os dois grupos no que diz respeito à criatividade figurativa (F[1,113]=15,463; p<0,001), fluência figurativa(F[1,113]=8,697; p<0,01), flexibilidade figurativa (F[1,113]=13,403; p<0,001) e originalidade figurativa (F[1,113]=8,930; p<0,001). Os alunos bilíngües apresentaram desempenho superior aos monolíngües em todas as medidas de criatividade figurativa, conforme exposto na Tabela 1. Além disso, observou-se diferença significativa entre os dois grupos em relação à inteligência (F[1,113]=4,621; p<0,05). Os alunos bilíngües (M=19,7; DP=8,96) apresentaram desempenho superior nos teste de inteligência, quando comparados aos alunos monolíngües (M=16,63; DP=7,61). Não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos nas medidas de autoconceito. Questão de Pesquisa 2 Os resultados da análise multivariada indicaram haver diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis investigadas (Wilks’ Lambda=0,781, F[12,105]= 2,181; p<0,05). Os resultados da análise Tabela 1 - Média, Desvio-Padrão e Valor F de Alunos Monolíngues e Bilíngües com Relação à Criatividade, Autoconceito e Inteligência Monolíngüe Bilíngüe (n = 39) (n = 76) M DP M DP F Criatividade Verbal 41,2 16,78 51,1 13,88 11,262*** Fluência Verbal 14,1 7,57 20,4 9,24 13,485*** Flexibilidade Verbal 9,0 3,46 12,2 4,68 13,507*** Originalidade Verbal 3,1 3,18 4,9 3,05 9,015** Criatividade Figurativa 26,2 12,52 37,5 15,45 15,463*** Fluência Figurativa 18,6 7,79 22,5 6,13 8,697** Flexibilidade Figurativa 13,7 5,01 17,1 4,50 13,403*** Originalidade Figurativa 8,9 4,73 11,5 4,19 8,930** Autoconceito Geral 5,3 0,80 5,1 0,70 1,119 Atitude Social 5,0 1,09 4,9 1,12 0,187 Segurança 5,1 1,34 4,7 1,19 2,387 Autocontrole 5,3 0,92 4,9 1,03 3,705 Ético- social 6,2 0,70 6,0 0,96 1,970 Somático 5,1 1,01 5,2 1,14 0,175 Receptividade Social 5,1 1,11 5,1 0,93 0,191 Inteligência Não-Verbal 16,3 7,61 19,7 8,96 4,621* *p < 0,05. **p < 0,01. ***p < 0,001. Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües univariada indicaram diferenças significativas entre alunos do gênero masculino e feminino em relação à originalidade verbal (F[1,113]=4,515; p<0,05). Os alunos (M=4,9; DP=3,66) apresentaram escores superiores às alunas (M=3,7; DP=2,58). Não foram observadas diferenças significativas entre os dois grupos com relação ao autoconceito e inteligência (veja Tabela 2). Questão de Pesquisa 3 Os resultados da análise multivariada de variância não indicaram diferenças significativas entre os dois grupos em relação à criatividade, inteligência e autoconceito (Wilks’ Lambda=0,843; F[12,105]= 1,428; p>0,05). Questão de Pesquisa 4 Para verificar se havia interação entre nível de proficiência em uma segunda língua, gênero e faixa etária em relação à criatividade, inteligência e autoconceito, a MANOVA foi utilizada. Os resultados indicaram que não havia interações significativas entre proficiência em 65 uma segunda língua e gênero; entre proficiência em uma segunda língua e faixa etária; entre gênero e faixa etária; e entre proficiência em uma segunda língua, gênero e faixa etária (veja Tabela 3). Questão de Pesquisa 5 Para verificar a relação entre inteligência, criatividade e autoconceito de alunos bilíngües e monolíngües, utilizouse a Correlação de Pearson. Foram observadas correlações positivas significativas entre criatividade verbal e responsabilidade social (r=0,25; p<0,01), fluência figurativa e responsabilidade social (r=0,22; p<0,05), flexibilidade figurativa e responsabilidade social (r=0,29; p<0,01), originalidade figurativa e responsabilidade social (r=0,20; p<0,05) e flexibilidade verbal e inteligência (r=0,20; p<0,05). Para verificar se existiam relações entre criatividade, autoconceito e inteligência de alunos monolíngües, efetuou-se também uma análise de Correlação de Pearson. Não foram observadas correlações significativas entre criatividade, autoconceito e inteligência de alunos monolíngües. Da mesma Tabela 2 - Média, Desvio-Padrão e Valor F de Alunos dos Gêneros Masculino e Feminino com Relação à Criatividade, Autoconceito e Inteligência Masculino Feminino (n = 56) (n = 59) M DP M DP F Criatividade Verbal 46,7 13,60 48,8 17,29 0,530 Fluência Verbal 18,4 9,53 18,1 8,92 0,029 Flexibilidade Verbal 11,7 4,64 10,6 4,41 1,815 Originalidade Verbal 4,9 3,66 3,7 2,58 4,515* Criatividade Figurativa 35,0 16,43 32,3 14,42 0,865 Fluência Figurativa 20,9 6,24 21,4 7,61 0,177 Flexibilidade Figurativa 15,3 4,43 16,5 5,32 1,730 Originalidade Figurativa 10,5 3,91 10,8 5,07 0,187 Autoconceito Geral 5,2 0,73 5,2 0,74 0,137 Atitude Social 4,9 1,07 4,9 1,15 0,005 Segurança 4,9 1,25 4,7 1,26 0,892 Autocontrole 5,1 1,02 5,0 1,00 0,185 Ético-social 5,9 0,97 6,2 0,78 2,943 Somático 5,1 1,08 5,2 1,12 0,189 Receptividade Social 5,0 1,02 5,2 0,96 1,458 Inteligência Não-Verbal 18,6 9,10 18,7 8,30 0,070 * p < 0,05. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 66 Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith Tabela 3 - Valor de Wilk’s Lambda, Valot F e Nível de Significância das Interações entre Proficiência em uma Segunda Língua, Gênero e Faixa Etária dos Participantes Interações Wilks’ Lambda F p 0,924 0,845 0,895 0,914 0,597 1,327 0,847 0,676 0,851 0,211 0,610 0,782 Proficiência x Gênero Proficiência x Faixa Etária Gênero x Faixa etária Proficiência x Gênero x Faixa etária forma, foi investigado se havia correlação entre criatividade, autoconceito e inteligência de alunos bilíngües. Os resultados indicaram correlações positivas significativas entre autoconceito geral e flexibilidade figurativa (r=0,24; p<0,05), responsabilidade social e criatividade verbal (r=0,30, p<0,01), responsabilidade social e fluência figurativa (r=0,24; p<0,05), responsabilidade social e flexibilidade figurativa (r=0,37; p<0,001), responsabilidade social e originalidade figurativa (r=0,22; p<0,05) e entre atitude social e flexibilidade figurativa (r=0,23; p<0,05). DISCUSSÃO Os resultados obtidos no presente estudo confirmam os apresentados por Baker (1988, 2001), Bialystok (2001), Hamers e Blanc (1989), Lasagabaster (2000) e Ricciardelli (1992), dentre outros, que apontam para o desempenho superior de bilíngües nos testes de criatividade em comparação com os monolíngües. Para estes autores, o aprendizado de uma segunda língua estimula o desenvolvimento da criatividade, tanto verbal quanto figurativa. Soares e Grosjean (1984) explicam que os indivíduos bilíngües transitam em um contínuo lingüístico único e podem, até certo ponto, ativar e desativar uma língua de acordo com a situação na qual se encontram. Grosjean (1989, 1997) acrescenta que este contínuo, no qual podem ocorrer mudanças espontâneas de códigos, combinação de linguagens, compartilhamento de símbolos diferentes, favorece diversos aspectos da cognição. Também Valdes e Figueroa (1994) relatam que os indivíduos bilíngües apresentam um perfil lingüístico mais variado e complexo, diferente dos monolíngües. Esta visão enfatiza o caráter funcional do bilingüismo. Cummins (1976) sugere, ainda, que devemos distinguir entre bilingüismo aditivo e subtrativo. No bilingüismo aditivo, uma segunda língua é adquirida em adição a primeira língua, relativamente bem desenvolvida, como é o caso dos participantes do presente estudo. No bilingüismo aditivo, o indivíduo possui mecanismos de suporte sociais e econômicos fora do contexto educacional. No bilingüismo subtrativo, elementos de uma segunda língua substituem elementos da primeira língua. Cummins levantou a hipótese de que a forma aditiva resulta em um aumento do funcionamento cognitivo, ao passo que a forma subtrativa resulta em uma redução deste funcionamento. Neste sentido, seria relevante a realização de estudos comparativos envolvendo um grupo de alunos bilíngües, que emigraram ou estão residindo temporariamente em outro país, alunos que adquirem uma segunda língua em seu próprio país e um grupo de alunos nativos que são proficientes apenas na sua língua materna. Os resultados do estudo indicaram, também, que os alunos bilíngües apresentaram escores superiores aos monolíngües no teste de inteligência, corroborando os dados obtidos por Peal e Lambert (1962) e Lambert (1990), que sugerem que a aprendizagem de uma segunda língua favorece o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Os resultados deste estudo não indicaram diferenças significativas entre alunos do gênero masculino e feminino em relação à inteligência, autoconceito e criatividade, com exceção, apenas, da variável originalidade verbal, em que os alunos apresentaram melhor desempenho do que as alunas. Estes dados não convergem com os encontrados na literatura (Koulos, 1986; Landry, 1974; Price-Williams & Ramirez III, 1977). Ou seja, esta questão continua sendo um ponto de divergência entre os pesquisadores da área. É importante ressaltar, ainda, que, mais Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües recentemente, educadores e psicólogos têm procurado alertar pais e professores acerca da influência de estereótipos sexuais na educação de crianças e adolescentes, em especial os do gênero feminino. A divisão acentuada dos papéis sexuais tende a limitar o comportamento exploratório e a inibir o desenvolvimento do nível de criatividade e da auto-imagem positiva destes indivíduos (Alencar & Fleith, 2003). Os resultados do presente estudo revelaram uma correlação positiva entre criatividade, verbal e figurativa, e responsabilidade social, bem como entre flexibilidade verbal e inteligência para os participantes, independente do grupo (bilíngüe ou monolíngüe). Estes resultados confirmam os dados obtidos em estudos anteriores conduzidos por Goldsmith e Matherly (2001) e Smith e Tegano (1992). É interessante observar que o teste de inteligência utilizado neste estudo é um teste não-verbal de raciocínio. Examinou-se, também, a relação entre criatividade, inteligência e autoconceito para alunos bilíngües e monolíngües separadamente. Notou-se que enquanto não foram encontradas correlações significativas entre as variáveis para os monolíngües, foram encontradas, para os bilíngües, correlações positivas entre criatividade (verbal e figurativa) e autoconceito (atitude social e responsabilidade social), resultado semelhante ao que foi obtido para a amostra total. Tal observação sugere que as relações entre criatividade e autoconceito parecem ser mais desenvolvidas em alunos que apresentam proficiência em uma segunda língua. Neste sentido, seria interessante investigar se o nível de criatividade e autoconceito estaria associado ao número de línguas em que o indivíduo apresentasse proficiência. Entretanto, é importante ressaltar que o presente estudo apresenta um delineamento não experimental, impossibilitando, portanto, estabelecermos uma relação de causa e efeito. Os resultados do presente estudo, bem como de outros conduzidos anteriormente, apontam para o desempenho superior de alunos bilíngües em tarefas que exigem criatividade e raciocínio lógico. Neste sentido, sendo a escola uma das responsáveis em prover este tipo de educação, deveria haver, por parte desta instituição, uma preocupação em desenvolver um ensino sistematizado e de qualidade de uma segunda língua. Também, é importante promover estudos que investiguem a relação professor- 67 aluno e aluno-aluno em salas de aula de instituições de ensino de uma segunda língua, pois grande parte dos estudos na área é de natureza quantitativa. Baker e Jones (1999) relatam que a educação bilíngüe pode ter um papel central no estabelecimento da identidade em nível local, regional e nacional. Além de todas as vantagens do aprendizado de uma segunda língua já apresentadas, a educação bilíngüe implica ganhos no mercado de trabalho, onde o domínio de uma segunda língua já é visto como prérequisito para qualquer posição de destaque. A aquisição de uma segunda língua também expande as opções de leitura, disponibilizando a literatura estrangeira, sejam estas por motivos acadêmicos, profissionais ou apenas de lazer. Para Francis e Reyhnner (2002), a educação bilíngüe desenvolve uma melhor compreensão de outras culturas, como também uma visão mais solidária dos diversos valores e credos, permitindo, assim, o entendimento das diferenças associadas à linguagem e, reduzindo, portanto, a disseminação de idéias estereotipadas acerca de vários grupos sociais. Também Genesee e Gándara (1999), em estudos de avaliação e comparação de programas bilíngües no Canadá e nos Estados Unidos, ressaltaram indicativos de redução do preconceito e discriminação, favorecendo uma maior conscientização cultural e melhor relação entre grupos. Estes resultados sugerem a existência de um vínculo importante entre o aprendizado de uma segunda língua e mudanças culturais e sociais. Neste sentido, sugere-se como pesquisas futuras, por exemplo, a condução de um estudo comparativo com grupos de alunos provenientes de nível sócio-econômico desfavorecido e abastado, ambos proficientes em uma segunda língua, em relação à criatividade, inteligência e autoconceito; a investigação da relação entre bilingüismo e outras variáveis como motivação ou rendimento acadêmico; bem como o desenvolvimento de um estudo sobre a relação entre criatividade e inteligência de alunos bilíngües e monolíngües de diferentes faixas etárias, incluindo crianças, adolescentes, adultos e indivíduos na terceira idade. Finalmente, é relevante ressaltar a importância da realização de estudos interdisciplinares, envolvendo a Psicologia, Antropologia, Sociologia, Educação e Lingüística, que possam contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno do bilingüismo. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 68 REFERÊNCIAS Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2003). Criatividade: múltiplas perspectivas. Brasília: EdUnB. Baker, C. (1988). Key issues in bilingualism and bilingual education. Clevedon: Multilingual Matters. Baker, C. (2001). Foundations of bilingual education and bilingualism (3a ed.). Clevedon: Multilingual Matters. Baker, C., & Jones, M.P. (1999). Continuity in Welsh language education. Cardiff: Welsh Language Board. Bates, E., & Mac Whinney, B. (1987). Competition, variation, and language learning. Em B. MacWhinney (Org.), Mechanisms of language acquisition (pp. 157-194). Hillsdale: Lawrence. Becker, D. (1985). O que é adolescência. São Paulo: Brasiliense. Bialystok, E. (2001). Bilingualism in development: Language, literacy, and cognition. Cambridge: Cambridge University Press. Braccini, F., & Cianchi, R. (1993). The influence on some linguistic and cognitive skills of the early learning of a foreign language. Rassegna Italiana di Lingüistica Applicata 2, 53-66. [Abstract] Brown, R. G. (1991). Schools of thought: How the politics of literacy shape thinking in the classroom. San Francisco: Jossey-Brown. Cambourbe, B. (1993). Literacy in the year 2000. Teachers Networking: The Whole Language Newsletter, 12(3), 1-5. Chomsky, N. (1997). The minimalist program. Cambridge: MIT Press. Cohen, A.D. (1995). In which language do/should multilinguals think? Language, Culture and Curriculum, 8, 99-113. Colina, S. (2002). Second language aquisition, language teaching and translation studies. The Translator, 8, 1-24. Cummins, J. (1976). The influence of bilingualism on cognitive growth: A synthesis of research findings and explanatory hypothesis. Working Papers on Bilingualism, 9, 1- 42. Cummins, J. (2000). Language, power and pedagogy: Bilingual children in the crossfire. Clevedon: Multilingual Matters. Diaz, R. M. (1983). The impact of bilingualism on cognitive development. Em E. W. Gordon (Org.). Review of research in education (vol. 10, pp.23-54). Washington, DC: American Education Research Association. Diaz, R. M. (1985). Bilingual cognitive development: Addressing three gaps in current research. Child Development, 56, 1376-1388. Doyle, A., Champagne, M. & Segalovitz, N. (1978). Some issues in the assessment of linguistic consequences of early bilingualism. Em M. Paradis (Org.). Aspects of bilingualism (pp. 13-20). South Carolina: Hombean Press. Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith Fiske, E. B. (1991). Smart schools, smart kids: Why do some schools work? New York: Simon & Schuster. Fleith, D. S. (1999). Effects of a creativity training program on creative abilities and self-concept in monolingual and bilingual elementary classrooms. Tese de Doutorado, University of Connecticut, Storrs. Fleith, D. S., Renzulli, J. S., & Westberg, L. K. (2002). Effects of a creativity training program on divergent thinking abilities and self-concept in monolingual and bilingual classrooms. Creativity Research Journal, 14, 373-386. Francis, N., & Reyhnner, J. (2002). Language and literacy teaching for indigenous education. Clevedon: Multilingual Matters. Gall, M. D., Borg, W. R. ,& Gall, J. P. (1996). Educational research. An introduction (6a ed). New York: Longman. Genesee, F. , & Gandara, P. (1999). Bilingual education programs: A cross-national perspective. Journal of Social Issues, 55, 665-685. Genesee, F. (2001). Bilingual first language acquisition: Exploring the limits of the language faculty. Annual Review of Applied Linguistics, 21, 153-168. Goldsmith, R. E., & Matherly, T. A. (2001). Creativity and selfesteem: A multiple operationalization validity study. The Journal of Psychology, 122, 47-56. Graddol, D. , & Meinhof, U . H. (1999). English in a changing world. AILA Review, 13. Grosjean, F. (1989). Neurolingüistics, beware! The bilingual is not two monolinguals in one person. Brain and Language, 36, 3-15. Grosjean, F. (1997). The bilingual individual. Interpreting: International Journal of Research and Practice in Interpreting, 2 (1/2), 163-187. Haensley, P. A., & Reynolds, C. R. (1989). Creativity and Intelligence. Em J. A. Glover, R. R. Ronning & C. R. Reynolds (Orgs.). Handbook of creativity (pp.111-132). New York: Plenum Press. Hakuta, K. (1986). Mirror of language: The debate on bilingualism. New York: Basic Books. Hakuta, K. (1987). Degree of bilingualism and cognitive ability in mainland Puerto Rican children. Child Development, 58, 1372-1388. Hakuta, K., & Gould, L. J. (1987). Synthesis of research on bilingual education. Education Leadership, 44, 38-45. Hamers, J. F., & Blanc, M. H. A. (1989). Bilinguality and bilingualism, Cambridge: Cambridge University Press. Hamers, J. F., & Blanc, M. H. A. (2000). Bilinguality and bilingualism (2a ed.), Cambridge: Cambridge University Press. Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües Harste, J. C. (1994). Literacy as curricular conversations about knowledge, inquiry, and morality. Em M. R. Ruddel & R. B. Ruddell (Orgs.), Theoretical models and processes of reading (4a ed., pp. 1220-1242). Newark: International Reading Association. Harter, S. (1985). Manual for the self-perception profile for children. Manuscrito não publicado, University of Denver, Colorado. Harter, S. (1986). Processes underlying the construction, maintenance, and enhancement of the self-concept in children. Em J. Suls & A. G. Greenwald (Orgs.). Psychological perspectives on the self (Vol. 3, pp. 137-181). Hillsdale: Lawrence Erlbaum. Harter, S. (1990). Issues in the assessment of self-concept of children and adolescents. Em A. LaGreca (Org.). Through the eyes of a child (pp. 292-325). Boston: Allyn & Bacon. Harter, S. (1998). The development of self-representations. Em N. Eisenberg (Org.). Handbook of child psychology: Social, emotional, and personality development (5a ed., pp.553-618). New York: Wiley. Hermann, N. (1990). Creativity, learning and the specialized brain in the context of education for gifted and talented children. Em C. Taylor (Org). Expanding awareness of creative potentials worldwide.(pp. 31). Salt Lake City: Brain Talent Power Press. Hilgard, E. R., Atkinson, R. L., & Atkinson, R. C. (1979). Introduction to Psychology. New York: Harcourt, Brace, Jovanovich. Hill, K. G. , & Amabile, T. M. (1993). A social psychological perspective on creativity: intrinsic motivation and creativity in the classroom and workplace. Em S. G. Isaksen, M. G. Murdock, R. L. Firestein &. D. Treffinger (Orgs.). Understanding and recognizing creativity: the emergence of a discipline (pp. 400-432). Norwood, NJ: Ablex. Hoge, R. D., & Renzulli, J. S. (1991). Self-concept and the gifted child (Research-Based Decision Making Series No. 9104). Storrs: University of Connecticut, The National Research Center on the Gifted and Talented. Hornberger, N. H. (2003). Continua of biliteracy: An ecological framework for educational policy, research, and practice in multilingual settings. Clevedon: Multilingual Matters. Kern, R. G. (1994). The role of mental translation in second language reading. Studies in Second Language Acquisition, 16, 441-461. Kessler, C., & Quinn, M. E. (1987). Language minority children’s linguistic and cognitive creativity. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 8, 173-186. 69 Kloosterman, V. I. (1997). Talent identification and development in high ability Hispanic bilingual students in na urban elementary school. Tese de Doutorado, University of Connecticut, Storrs. Koulos, F. (1986). Bilingualism, sex differences and creativity. Dissertação de Mestrado, University of Adelaide, Adelaide, South Australia. Lambert, W. E. (1990). Persistent issues in bilingualism, in Harley, B., Allen, P., Cummins, J. & Swain, M. (Org,). The development of second language proficiency. (pp. 201220) Cambridge: Cambridge University. Lambert, W. E., Just, M., & Segatowitz, N. (1970). Some cognitive consequences of following the curricula of early school grades in a foreign language. Monograph Series on Language and Linguistics, 23, 229-279. Landry, R. G. (1973). The relationship of second language learning and verbal creativity. The Modern Language Journal, 57, 110-113. Landry, R. G. (1974). A comparison of second language learners and monolinguals on divergent thinking tasks at the elementary school level. The Modern Language Journal, 58, 10-15. Lasagabaster, D. (2000). The effects of three bilingual education models on linguistic creativity. International Review of Applied Linguistics, 38, 213-228. Lindholm, K. (1995). Theoretical assumptions and empirical evidence for academic Achievement in two languages. Em A. Padilla (Org.). Hispanic psychology: critical issues in theory and research (pp. 273-287). Thousand Oaks: Sage. Lindholm-Leary, K. J. (2001). Dual language education. Clevedon: Multilingual Matters. Lopez, E. C. (2003). Creativity issues concerning linguistically and culturally diverse children. Em J. Houtz (Org.). The educational psychology of creativity (pp. 107-127). Cresskill: Hampton Press. MacWhinney, B. (1997). Second language acquisition and the competoition model. In A.M. B. deGroot & J. F. Kroll (Org.). Tutorials in bilingualism: Psycholinguistic perspectives (pp.113-144). Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates. Martorell, M. (2000). Bilingualism and creativity. Em G. B. Esquivel & J. C. Houtz (Orgs.). Creativity and giftedness in culturally diverse students (pp. 83-101). Cresskill: Hampton Press. May, S. (2001). Language and minority rights: ethnicity, nationalism and the politics of language. London: Pearson Education. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 59-70 70 Mendonça, P. V. C. F. (2003). Relação entre criatividade, inteligência e autoconceito em alunos monolíngües e bilíngües. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, Brasília, DF. Noels, K. A., Pelletier, L. G. , Clément, R., & Vallerand, R. J. (2000). Why are you learning a second language? Motivational orientations, and self determination theory. Language Learning, 50, 57-85. Noller, R. (1977). Scratching the surface of creative problemsolving. New York : D. O. K. Publishers. Pasquali, L. (1998). TNVRA - Teste Não verbal de Raciocínio para Adultos. Caderno de aplicação. São Paulo: Casa do Psicólogo. Peal, E., & Lambert, W. E. (1962). The relation of bilingualism to intelligence. Psychological Monographs: General and Applied, 76, 1-23. Pinker, S. (1994). The language instinct. New York: William Morrow and Company. Price-Williams, D. R., & Ramirez III, D. (1977). Divergent thinking, cultural differences and bilingualism. The Journal of Social Psychology, 103, 3-11. Reich, R. B. (1991). The work of nations: Preparing ourselves for a 21st century capitalism. New York : Knopf. Resnick, L. B., & Klopfer, L. E. (Orgs.). (1989). Toward the thinking curriculum: Current cognitive research. Alexandria: Association for Supervision and Curriculum Development. Ricciardelli, L.A (1991). Bilingualism and cognitive development in relation to Threshold Theory. Journal of Psycholinguistic Research, 21, 301-316. Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça e Denise de Souza Fleith Ricciardelli, L.A. (1992). Bilingualism and cognitive development: A review of past and recent findings. The Journal of Creative Behavior, 26, 242-254. Smith, D. E., & Tegano, D. W. (1992). Relationship of scores on two personality. Human Development, 34, 1-31. Shotter, J., & Gergen, K. J. (1989). Texts of identity. London and Newbury Park: Sage. Soares, C., & Grosjean, F. (1984). Bilinguals in a monolingual and a bilingual speech mode: the effect on lexical access. Memory and cognition 12, 380-386. Tamayo, A. (1981). EFA: Escala Fatorial de Autoconceito. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 33, 87-102. Tankersley, D. (2001). Bombs or bilingual programme? Dual language immersion, transformative education and community building in Macedonia. International Journal of Bilingual Education and Bilingualism, 4, 107-124. Toffler, A. (1999). Powershift: Knowledge, wealth, and the violence at the end of the 21st century. New York: Bantam Books. Torrance, E. P. (1974). Torrance Tests of Creative Thinking. Norms-technical manual. Bensenville: Scholastic Testing Service. Valdes, G., & Figueroa, R. A (1994). Bilingualism and testing: A special case of bias. Norwood: Ablex Publishing. Wang, R. R. (1982). The relation between bilingualism and creative thinking. Dissertation Abstracts International, 43, 1870-A. (Microfilms University No. 82-26, 795). Recebido em: 17/06/04 Revisado em: 25/08/04 Aprovado em: 12/10/04 Endereço para correspondência: Patrícia Villa da Costa Ferreira Mendonça: SQN 111, Bloco D, apto. 105 – CEP: 70754-040 – Brasília – DF e-mail: [email protected] Denise de Souza Fleith: SQN 202 , Bloco H, apto.504 – Asa Norte – CEP: 70910- 900 – Brasilia – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 PARTILHANDO FORMAÇÃO, PRÁTICA E DILEMAS: UMA CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DOCENTE PARTILHANDO FORMAÇÃO, PRÁTICA E DILEMAS Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla 1 Mariana Wisnivesky 2 Paula Saretta2 Fernanda Costa Paulucci2 Carolina Pasquote Vieira2 Carolina de Aragão Escher Marques2 Resumo O presente trabalho objetivou analisar momentos que caracterizam a prática, a formação e os dilemas cotidianos do profissional práticoreflexivo, buscando compreender suas crenças. Foram realizados 23 encontros entre seis professoras e uma psicóloga. As falas transcritas, divididas em 11 categorias, foram submetidas a entrevistas recorrentes. Os resultados indicaram a necessidade de vincular, na formação e no cotidiano do professor, teoria e prática, a partir da reflexão sistemática, cotidiana, democrática e compartilhada entre os pares. Isto tendo em vista a formação docente como um processo multifacetado, pautado em diversas dimensões, que acabam sendo edificadoras de muitos dos saberes docentes. Palavras-chave: Reflexividade; Crenças Docentes; Formação de Professores. SHARING FORMATION, PRACTICE AND DILEMMAS: A CONTRIBUTION TO THE PROFESSOR DEVELOPMENT Abstract This paper aimed to analyse the moments that characterize the practice, the formation and the quotidian dilemmas of the practical-reflecting professional on trying to understand his beliefs. Twenty-three meetings involving six teachers and one psychologist were held. The transcribed speech was divided into 11 categories and, then submitted to recuring interviews. The data analysis indicated the need of linking theory to practice in the teacher’s formation and daily routine, through a systematic, quotidian, democratic and shared reflection among the partners, understanding the teacher’s formation as a multifaceted process, based on many dimensions which end in being constructors of much of the teacher’s knowledge. Keywords: Reflection; Teacher’s Belief; Teacher’s Formation INTRODUÇÃO FORMAÇÃO, PRÁTICA E DILEMAS DOCENTES: UMA APROXIMAÇÃO A perspectiva da reflexão na formação dos professores Quando se busca promover a reflexividade é importante que se considere o fato que ao se propor a um grupo de docentes que analise sua atuação profissional 1 significa deflagrar uma discussão, preferencialmente coletiva, sobre determinados aspectos fundamentados teoricamente. O que ocorre a partir desta proposição é um fenômeno que não pode ser observado, uma vez que está diretamente relacionado ao pensamento do- Psicóloga. Doutora em Educação. Docente do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Pesquisadora coordenadora da pesquisa. 2 Psicóloga. Foi bolsista de iniciação científica apoiada pela Fapesp no período de realização desta pesquisa. 72 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques cente. O grupo, por sua vez, permite que sejam esclarecidas suas dificuldades individuais, rompendo com estereótipos e possibilitando a identificação dos obstáculos que possam impedir seu desenvolvimento, além de auxiliar na resolução ou enfrentamento de seus próprios problemas, possibilitando a produção de conhecimento. A linha de pesquisa sobre o pensamento do professor surgiu nos Estados Unidos em 1974, com o nascimento da ISATT (International Study Association on Teacher Thinking). Lee Shulman é considerado o “pai” dessa linha de investigações, a partir da coordenação de um dos dez painéis apresentados no Congresso do National Institute of Education, em 1975. O painel coordenado por Shulman denominavase “O ensino como processamento clínico de informação” e objetivava descrever a vida mental do professor, concebido como um agente que toma decisões, reflete, emite juízos, tem crenças e atitudes (Sadalla, 1998). A pesquisa sobre as teorias implícitas dos professores constitui uma parte menor e mais recente da literatura sobre o pensamento do professor. Os estudos sobre as crenças e teorias do professor têm em comum a idéia de que a cognição docente é guiada por um sistema individual de crenças, valores e princípios. Raymond e Santos (1995) apontam que as crenças são as idéias fundamentais das pessoas a respeito de suas experiências de vida, e afetam diretamente as suas ações, quer se admita conscientemente estas crenças, quer não. Esta é a definição aqui utilizada. Neste cenário, passa-se a privilegiar o professor em sua própria formação, em um processo re-significação de saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada a partir de uma reflexão na e sobre a prática. Entretanto, refletir sobre a prática não é apenas analisá-la, mas buscar em teorias psicológicas e/ou educacionais os seus fundamentos. Ser um profissional prático-reflexivo significa, pois, apropriar-se de teorias que buscam analisar o fenômeno estudado, tomar consciência delas e debruçar-se sobre o conjunto de sua ação, refletindo sobre seu ensino e sobre as condições sociais nas quais suas experiências estão inseridas. Desta forma, os pesquisadores desta linha de pensamento consideram que as premissas que fundamentam a racionalidade técnica (que consideram o professor como cumpridor de tarefas) desfavorecem uma conduta reflexiva dos profissionais diante das situações de conflito e de indagações que vão surgindo ao longo do desenvolvimento profissional. A revisão bibliográfica a respeito das pesquisas referentes ao pensamento do professor mostrou-se especialmente importante ao revelar que numerosos estudos têm-se voltado para a investigação sobre as teorias e crenças que fundamentam o pensamento do professor e suas implicações para a ação docente (Flavell, Miller e Miller, 1999; Borsatto, 1999; Sadalla, 1998; Pacheco, 1995; Agne, Greenwood e Miller, 1994, Lynott e Folk, 1994; Agne, 1992; Sapon-Shevin, 1991; Kagan, 1991; Elbaz, 1990; Marcelo, 1987; Yinger, 1986; Marrero, 1986; Pérez, 1986). Estudos mais recentes foram desenvolvidos com o objetivo não só de compreender o sistema de crenças, mas também analisar suas implicações para o processo ensino-aprendizagem (Fregoneze, 2000; Martini, 1999; Sadalla, Davoli e Schmidt, 1999; Calderhead, 1996; Krüger, 1993). As pesquisas enfocando o professor prático-reflexivo têm sido formas de desenvolver e aprofundar a compreensão sobre a prática educacional. Através de mudanças que ocorrem em suas crenças, professores e outros profissionais da educação podem produzir mudanças em suas práticas a fim de serem efetivamente mediadores de conhecimento, deste modo, podem, também, ser considerados professores-pesquisadores. Fischer (1996 apud Zeichner e Noffke, 1998) aponta que esses professores freqüentemente possuem seus próprios interesses em sua sala de aula. São sugeridas categorias para entender algumas razões que podem levar o docente a se engajar na pesquisa, tais como interesse em conhecer mais sobre como seus alunos estão aprendendo; tentativas de aplicar alguns conhecimentos novos para inovar seu conteúdo programático; desejo de mudança, deixando de ser um a mais a ensinar; e tentativas de conexões significativas entre os significados de seu trabalho. Zeichner e Noffke (1998) acrescentam outros objetivos relacionados ao cotidiano do professor que busca pesquisar: aperfeiçoar a prática; compreender melhor um aspecto de sua prática; melhor compreender sua prática de um modo mais geral; promover, nos alunos, mais eqüidade em relação à participação; e, finalmente, influenciar as condições sociais nas quais aquela prática está inserida. Schön (1987 apud Alarcão,1996) defende essa idéia afirmando que na medida em que o profissional conversa com a situação e ouve o que ela tem a dizer, verbaliza Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente os seus próprios processos de reflexão. Ao descrever o processo da reflexividade, Schön evidencia que o conhecimento produzido pelo profissional práticoreflexivo é um conhecimento baseado em sua prática individual e ultrapassa, portanto, os limites da investigação acadêmica. Sadalla (1998) acrescenta que ao tomar decisões e escolher atitudes para resolver problemas, o professor faz mais do que escolher uma determinada forma de ação ou um caminho a seguir. Ele considera e avalia as alternativas estabelecendo critérios para selecionar a melhor opção. Faz-se, portanto, necessário que o professor esteja preparado para lidar com estas situações, pensando e analisando suas crenças, valores e teorias a respeito do processo de ensino-aprendizagem, o que lhe possibilitará reorganizar seu pensamento, fundamentado numa base sólida de conhecimentos. Reflexão sobre dilemas docentes O cotidiano do professor é constituído de uma sucessão de pequenas decisões mais ou menos importantes, as quais, muitas vezes, levam-no a deparar-se com situações a serem gerenciadas imediatamente, tendo pouco tempo para refletir simultaneamente à ação. Assim, o professor deve ter em mente que estas devem estar fundamentadas em algo que funcione como um eixo de ação, de postura em sala de aula, para que ele não fique agindo apenas nas situações de emergência. Nada deixa o professor mais perdido do que ter que tomar alguma decisão imediata quando ele não tem muita clareza de onde ele quer chegar. Deste modo, o docente deve ser auxiliado a refletir a respeito não só do que acontece naquele momento referido, mas, também, nos futuros acontecimentos que poderão surgir a partir da sua tomada de decisão. Por mais que as estratégias de aula tenham sido previstas, os conteúdos organizados de forma a promover a aprendizagem dos alunos, a dinâmica dos grupos, as relações interpessoais dentro da sala de aula podem alterar completamente o que havia sido planejado, obrigando o professor a buscar meios de resolver os eventuais problemas. O docente serve-se, então, do conhecimento que tem sobre sua sala de aula, muito mais do que do raciocínio ou dos modelos de ação. Essas decisões nem sempre são conscientes para o professor. Perrenoud (1993) acrescenta que o trabalho docente acaba seguindo uma rotina que o professor põe em ação de forma relativamente consciente e racional, mas sem 73 precisar avaliar o seu caráter arbitrário; logo, ele nem sempre escolhe ou controla verdadeiramente sua ação. Este mesmo autor aponta que ao se fecharem as portas da sala de aula, 80% do que lá ocorre não foi planejado pelo professor, e, como já foi referido, ele deve tomar decisões importantes que muitas vezes produzem os chamados dilemas. Segundo Pacheco (1995) os dilemas são situações problemáticas que se apresentam às pessoas, constituindo-se como objeto de preocupação e de reflexão constantes. A grande ênfase no surgimento dos dilemas é dada devido à dificuldade de o professor conseguir unir dois aspectos muito importantes: a teoria que possui e a sua prática cotidiana. O dilema surge quando esse profissional se defronta com a prática e absorve estas questões tão importantes quanto aquelas aprendidas em outros contextos. Esse profissional sente que tudo aquilo que foi concretizado como “a maneira correta de agir” está sendo questionado pelas questões com as quais se depara. Ao mesmo tempo em que luta para apreender estas informações, sente que a prática talvez não seja uma fonte confiável de aprendizado, por se caracterizar como sendo inconstante e individual. Então, busca um caminho que seja capaz de solucionar o dilema que está sendo vivenciado e descobre que a maneira ideal de unir as duas fontes é a teorização da prática. Isso implica na articulação dos saberes pessoais e dos outros, de reconhecimento das formas de atuação próprias e transformação das mesmas em esquemas de pensamento e de ação, surgindo então um novo procedimento (Perrenoud, 2001). Como o cotidiano do professor é algo inconstante, visto que este profissional depara-se com situações difíceis a cada dia, ocorre um questionamento intenso e contínuo sobre sua prática. Não há como fazer da concepção teórica algo menos importante do que ela realmente é. O professor precisa de um embasamento, de um referencial que o guie nas suas atividades e durante o curso de seu papel profissional. Mas, apesar de necessária, não se pode considerar a teoria suficiente para a execução de uma prática adequada. Estudar concepções e aplicá-las é algo muito importante, pois pode modificar a ação docente. Mas a transformação da prática, bem como a modificação de uma realidade já estruturada só é possível através da atuação. Porque é durante a ação que surgem os obstáculos, que são passíveis de mudança somente através de tentativas. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 74 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques Assim, busca-se transformar a relação do professor com a teoria que fundamenta suas idéias. Isto significa que não é possível que se possa formar o professor para que ele seja capaz de prever a conseqüência de cada um dos atos em sala de aula. Mas, ao contrário, pode-se contribuir para que ele, municiado de uma teoria com a qual comungue, seja capaz de atuar na direção daquilo que pretende alcançar. A formação do professor prático-reflexivo tem apontado na direção de que ele deve ser auxiliado a ter consciência da fundamentação de suas ações. Isso não quer dizer que se volte a esquemas antigos de considerar que lhe devam ser administrados cursos de capacitação, reciclagem ou similares. Estudos têm demonstrado a ineficácia desses procedimentos (Gatti, 2000; Andaló, 1995). Alguns especialistas em educação têm oferecido ao professor teorias sobre temas específicos, que muitas vezes são até mesmo consideradas interessantes pelos docentes. Acontece que isso é só uma forma de dar uma roupagem nova a velhos esquemas de “capacitação”. Deve-se considerar que não é disso que o professor precisa, até porque ele muitas vezes detém as teorias. O que ele não sabe é como aplicá-las na hora em que necessita delas. PARTILHANDO FORMAÇÃO, PRÁTICA E DILEMAS: UM ESTUDO DE CASO As formas de pensar do professor e as ações que resultam dessas reflexões são o ponto de partida para esta pesquisa realizada com um grupo de professores da rede pública municipal, coordenado por uma psicóloga, tendo o seguinte objetivo: identificar, descrever e analisar os momentos que caracterizam a prática do profissional prático-reflexivo, buscando compreender as crenças a respeito de formação docente, bem como os dilemas cotidianos que permeiam sua atividade profissional. Além disso, objetivou-se promover, nas professoras, o reconhecimento de suas crenças a respeito dos temas emergentes. De modo mais detalhado, os objetivos específicos desta pesquisa foram buscar compreender de que forma se dá o processo de desenvolvimento do profissional prático-reflexivo, voltando-se para o reconhecimento de suas crenças a respeito de sua atividade profissional; o pensamento das professoras sobre formação docente em geral, reconhecendo-se como docentes que atuam na formação e desenvolvimento profissional de seus pares; os dilemas cotidianos do professor enquanto atuante na sala de aula junto a seus alunos, bem como naquelas situações em que é responsável pelo desenvolvimento profissional de seus pares. É mister apontar que esta pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa dos dados desde a constituição do grupo de professores até a análise final. Na segunda etapa deste estudo, buscou-se promover junto às professoras o reconhecimento das crenças e teorias que foram surgindo a partir dos temas arrolados pelo próprio grupo. MÉTODO A constituição do grupo de participantes A Rede Municipal de Ensino de Campinas possibilitava a alguns docentes, apontados por especialistas como competentes para auxiliar na formação de seus pares, o planejamento e a execução de cursos fornecidos a profissionais da Rede (equipe técnica, docentes e monitores) sobre temas considerados fundamentais para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. No início do ano uma das autoras desta pesquisa foi procurada por um grupo de seis docentes da Rede Municipal de Ensino com a solicitação de que as auxiliasse no trabalho de Formação Profissional desenvolvido junto a seus pares. Deste modo, encontros semanais de duas horas de duração entre aqueles professores e a autora ocorreram no período de fevereiro a outubro daquele ano letivo. Os docentes recebiam o que eles denominavam de assessoria técnica e neste grupo buscava-se conhecer suas experiências enquanto formadores de profissionais da educação, objetivando a sua própria formação enquanto um profissional prático-reflexivo. Dos seis docentes, cinco possuíam formação superior, sendo três em Psicologia e dois em Pedagogia, e um deles concluiu o Curso de Magistério. Sua idade variava de 25 a 30 anos. Procedimento A coleta de dados desta pesquisa foram utilizados dois procedimentos descritos a seguir. Procedimento de áudio gravação A opção pela gravação dos encontros com as Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente professoras deveu-se à possibilidade que as transcrições dessas gravações oferecem: ter em mãos um registro confiável ao qual o pesquisador retorna na medida em que desenvolve suas hipóteses (Silverman, 1994). Além disso, visto que os próprios sujeitos tiveram acesso às transcrições feitas, este método viabilizou o contato do profissional com suas próprias elaborações mentais ‘intuitivas’, permitindo-lhe confrontar aquilo que pensa com aquilo que realmente diz e faz . Este movimento é facilitado pelo procedimento em questão, na medida em que torna perene a fala, viabilizando assim a reflexão sobre crenças e ações. Através da gravação de suas falas o sujeito tem a oportunidade de ouvir-se e avaliar-se como os outros o fazem, o que possibilita o aumento do nível de consciência nas tomadas de decisões que ocorrem durante o trabalho (Bhsher, Clarke, Taggart, 1988). Além disso, a linguagem não verbal e os dados extralingüísticos são deixados como fundo, trazendo-se ao primeiro plano as concepções, processos cognitivos e disposições atitudinais do docente, o que leva o sujeito a ter que construir verbalmente o objeto de discussão, de modo a poder compartilhá-lo. Neste contexto, o diálogo é fundamental para tornar possível a reflexão, pois é na interlocução com os pares que o indivíduo se apropria de sua prática, construindo modelos para descrevê-la (Tickle, 1993). Procedimento de entrevista recorrente A entrevista recorrente é um procedimento descrito por vários autores, entre eles Tunes (1981), Simão (1982a, 1982b e 1989), Zanelli (1992) e Larocca (1999). Estes pesquisadores mostram que a utilização deste procedimento permite a construção do conhecimento sobre a situação referida. A interação recorrente entre o pesquisador e o participante, em torno de um tema específico, tem como uma das resultantes o que Simão (1989, apud Zanelli, 1992), denomina construção de conhecimento, ou seja, transformação e modificação das informações sobre o tema, que ocorre na medida que as entrevistas vão sendo realizadas. É mister apontar que este procedimento não tem um roteiro pré-estabelecido de perguntas. Quase sempre, a pergunta gira em torno de “O que você pensa acerca da forma como foi redigida esta crença?” ou algo similar, mas dando sempre ao participante a possibilidade de alterar a redação da crença e a interpretação que se faz de sua fala. 75 Zanelli (1992) afirma que esta postura frente ao ato de pesquisar assume a ausência de neutralidade, já que o conhecimento é gerado em um processo de participação mútua e em um contexto de forças sociais e valores individuais. A interação entre pesquisador e participante pressupõe também autonomia de ambos os interlocutores, que têm a possibilidade de transformação do fenômeno estudado. Esta mudança está relacionada, para esta autora, à produção desse conhecimento ativo. Conhecimento e ação, portanto, estão dialeticamente associados. Simão (1982a) diz que este processo pode ser compreendido como uma interação planejada entre um “ator que pretende ‘conhecer’ o fenômeno e outro ator que detém a experiência cotidiana daquele fenômeno” (p.37), voltando-se à fonte original dos dados na medida da necessidade de sua consulta, até que ele seja considerado satisfatoriamente compreendido. A partir da fala integral do participante, o pesquisador procede a busca de significado daquilo que foi relatado até que ambos concordem com o que foi discutido. É mister lembrar que à medida que o pesquisador categoriza o relato verbal do sujeito ele está operando sobre sua fala, incluindo elementos do universo daquele que está transcrevendo e categorizando (Zanelli, 1992). Engelmann (1983 apud Zanelli, 1992) afirma que o significado é algo que se encontra por trás da fala em seu nível semântico e referir-se a este significado é fazer alusão a algo que acontece dentro do indivíduo. Assim, estudar a linguagem implica em tentar compreender eventos que são de natureza privada, através do exame exaustivo das verbalizações. Zammumer (1981 apud Zanelli, 1992) relata que a produção lingüística pode ser analisada, entre outros itens, em termos da informação que expressa, a fim de descobrir os objetivos ou para detectar as crenças e atitudes da pessoa que fala ou escreve. Parte-se do pressuposto de que, na linguagem cotidiana, o discurso tem uma coerência possível de ser compreendida. A linguagem, portanto, é um elemento central e permeia todo o processo que se estabelece na interação entre pesquisador e participante, até produzir um conhecimento significativo para o contexto em que foi construído (Zanelli, 1992). Procedimento de organização dos dados 1ª etapa No período de fevereiro a outubro daquele ano letivo, foram realizados 23 encontros semanais de duas horas Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 76 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques de duração entre os docentes a psicóloga, que foram áudio-gravados e, em seguida, transcritos. Após as transcrições, realizadas à época por três auxiliares de pesquisa, as falas dos membros do grupo eram lidas, selecionadas e organizadas em categorias. Isto significa que ao início de cada reunião semanal era apresentada às professoras a síntese do encontro anterior para que a partir daí fosse iniciado o próximo. Além disso, a íntegra das falas transcritas também era fornecida para que os membros pudessem refletir sobre o que fora dito. Deste modo assegurava-se a possibilidade de os participantes manifestarem-se, reformulando suas falas de modo total ou parcial em relação à análise realizada pela psicóloga, bem como resguardava aos membros do grupo que não puderam comparecer àquele encontro, o direito de conhecer na íntegra o que fora discutido. É importante apontar que ao final dos 23 encontros obteve-se um total de aproximadamente 600 páginas transcritas de falas, tendo uma média de 25 páginas por encontro. Este procedimento exigiu que, durante esta fase de coleta de dados, se procedesse uma análise prévia dos dados provenientes de cada encontro, organizando-os de forma a reapresentá-los aos membros do grupo no encontro seguinte. Fica pressuposto que ao transcrever e categorizar os conteúdos das falas dos participantes, a pesquisadora infere a respeito do que seus interlocutores verbalizaram, classificando-os dentro de seu próprio universo de teorias, crenças e valores. 2ª etapa Buscando satisfazer os objetivos propostos, foi realizada a análise das falas representativas obtidas na primeira etapa. Estas falas representam as crenças ou teorias das professoras a respeito dos temas do presente estudo (formação, prática e dilemas docentes). Ao final da análise dos dados da primeira etapa, as verbalizações selecionadas foram categorizadas, buscando-se identificar o que estava subjacente a elas, ou seja, suas crenças e os elementos a elas relacionados. O resultado desta análise foi organizado em três matrizes referentes aos objetivos propostos que foram entregues às docentes para que procedessem a leitura. Durante a leitura individual do material, foi resguardado às docentes a possibilidade de reformular ou concordar com a análise preliminar realizada pelas pesquisadoras. Após este momento, as seis professoras participantes se dividiram em dois grupos, de acordo com a disponibilidade de horários de cada uma delas, para a realização das entrevistas recorrentes. Nestas, as professoras foram solicitadas a opinar a respeito das três temáticas já apontadas. Ao término das entrevistas, procedeu-se a reformulação das matrizes e do início da análise final dos dados. RESULTADOS Os dados coletados foram analisados a partir do método de Análise de Conteúdo, que pode ser definido por Bardin (1979) como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (p.9). Não se refere, portanto, a um instrumento, mas a um conjunto deles, que pode ser utilizado de várias formas para atingir o seu grande campo: as comunicações. Entretanto, há um fator comum a este conjunto de instrumentos- a inferência- oscilando entre “o rigor da objetividade e a fecundidade da subjetividade” (Bardin, 1979, p.9). Este método implica em categorizar os dados (classificar elementos constitutivos do conjunto, reagrupando-os segundo um critério previamente definido), fazendo recortes das verbalizações dos sujeitos. Além disso, como a descrição literal não esgota a análise, os elementos são ainda contextualizados no conjunto das reuniões realizadas, considerando-se eventos antecedentes e conseqüentes e, buscando-se assim, estabelecer relações que viabilizem a compreensão e interpretação dos dados. As categorias de análise Após a transcrição dos encontros foi realizada uma leitura detalhada dos mesmos, desconsiderando-se as verbalizações ininteligíveis (aquelas que não foram integralmente captadas pela gravação, ou que foram interrompidas sem que houvesse informações suficientes para apreender seu significado) e as verbalizações Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente paralelas (que não diziam respeito ao tema em pauta, nem introduziam nenhum assunto novo para discussão). Em seguida, fez-se uma classificação das falas, separando-as em dois grandes grupos: Falas descritivas: pertencem a este grupo todas as verbalizações em que se descrevia alguma situação tendo como objetivo levar o grupo a compreender o que havia ocorrido. Expressam, portanto, a ocorrência de fatos, ações ou situações. Falas representativas: pertencem a este grupo todas as verbalizações que representavam as crenças das professoras a respeito de sua atividade profissional, a formação docente em geral e seus dilemas cotidianos enquanto atuantes na sala de aula junto aos alunos e demais envolvidos neste contexto. A partir disso, as falas descritivas foram desconsideradas, já que não contribuíam para a análise das crenças implícitas das professoras. Por outro lado, as falas que versavam sobre a atividade profissional foram relidas e analisadas. A seleção destas obedeceu a um critério de recorte em que foram escolhidas as verbalizações que permitiam compreender o pensamento das professoras a respeito de sua atividade profissional. Estas foram, então, agrupadas segundo seu conteúdo, buscando evidenciar o sentido implícito do que estava sendo dito. Foram realizadas várias tentativas de agrupamento, buscando-se respeitar ao máximo o conteúdo e sentido das falas, até que o sistema classificatório pudesse ser considerado adequado para a realização da análise. DISCUSSÃO Inicialmente, ao reler a totalidade das verbalizações, tudo parecia fundamental. Mas, o exercício de análise buscando realizar as entrevistas recorrentes permitiu desvendar e revelar muitos aspectos do pensamento das docentes. Há, contudo, a certeza de que alguns aspectos permanecem encobertos até mesmo após inúmeras leituras de todo o material. Não há um momento de esgotamento da análise quando se trabalha com análise qualitativa, o que há é um momento em que é necessário recortar a forma de olhar e buscar a satisfação e o gozo das descobertas. Depois das entrevistas recorrentes, a análise inicial das crenças realizada pelas pesquisadoras foi repensada 77 e/ou modificada e as categorias finais estão arroladas a seguir: Prática do profissional prático-reflexivo (relações entre concepção teórica e prática; reflexão sobre papéis sociais; atuação docente; o grupo de discussão; contribuições dos encontros de desenvolvimento profissional; e reflexões sobre a atuação em sala de aula) Formação docente (formação docente em geral; e formação de seus pares docentes) Dilemas cotidianos (encontros de desenvolvimento profissional; concepção sobre ser docente; relações entre concepção teórica e atuação prática; e relações interpessoais) A análise dos dados imbricados nas verbalizações das professoras promoveu, nas pesquisadoras, um movimento que ia de uma perplexidade inicial até a possibilidade de fazer inferências, buscando compartilhar com as docentes sua formação, sua prática e seus dilemas. No decorrer do desenvolvimento dos encontros de discussão quando as crenças das professoras iam sendo, de alguma forma, inferidas pela psicóloga que coordenava os grupos de reflexão, mas não do modo como surgem agora, a partir do desemaranhado dos dados. Buscar-se-á, a seguir, apontar o pensamento das professoras acerca das três temáticas já referidas. Prática do profissional prático-reflexivo Os resultados revelaram ter as professoras um modo de olhar para o seu desenvolvimento profissional e de seus pares bastante especial. No que se refere às relações entre concepção teórica e atuação prática, para as professoras, a apropriação da teoria não implica, necessariamente na transformação da prática. Pode-se supor que haja uma compreensão, por parte das docentes, de que não existe uma relação linear, de causa e efeito: compreensão implica na transformação. Assim, há a idéia de que a mudança da ação é um processo multifacetado, no qual vários elementos estão em relação, indo além dos conteúdos formais: exige a compreensão acerca da visão de homem, de educação e de mundo. Para elas, a compreensão teórica adequada para analisar a prática possibilita uma melhor atuação que permite analisá-las. Ao ponderar sobre os papéis sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem fica claro que, para as professoras, as condições sociais nas quais este processo está inserido podem se constituir em um obstáculo para Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 78 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques a transformação e motivação em relação ao seu papel enquanto docente. Nota-se uma contradição quanto às funções do professor e da escola. Isto parece não estar muito claro para estas docentes, uma vez que afirmam que é função da escola ultrapassar os conteúdos formais, mas ao mesmo tempo, limitam o papel do professor a estes conteúdos. Isto pode provocar um grande dilema para o professor que não tem clareza de seu papel profissional, do que pretende transmitir a seus alunos e, certamente haverá também uma incerteza em relação aos resultados que terá. Historicamente, como aponta Perrenoud (2001), a escola desenvolveu um modelo de transmitir conhecimentos específicos, enquadrando o aluno num modelo restrito. Essa tendência unitária levou a um “empobrecimento cultural”, fazendo com que todos desenvolvessem a mesma forma de pensar, limitando todos os alunos a um único objeto. Fazendo com que as pessoas não elaborassem nenhum conteúdo além daquilo que estava sendo transmitido e recebido passivamente. Sair do tradicional, do modelo transmitido através de inúmeras gerações pode ser uma alternativa para o educador sentir que seu trabalho está tendo uma influência significativa. Seria, portanto, uma prática inovadora, mas que, sem dúvida, gera conflitos e dilemas. A reflexão sobre papéis sociais deve ser considerada como um elemento a mais no processo ensinoaprendizagem, no qual as docentes precisam refletir de forma compartilhada com seus pares. Lembrando que o professor é um dos mais importantes agentes educacionais dentro da escola, se este não puder ultrapassar as barreiras curriculares, o papel da escola, de um modo geral, também ele estará restrito a estas margens. O pensamento das professoras a respeito da atuação docente aponta que a coordenação do grupo determina a maior ou a menor participação de seus integrantes. Pode-se supor que, para elas, um grupo pode ser conduzido de tal forma que seus membros não se sintam à vontade ou estimulados a participar. É sabido que existem reuniões nas quais os membros do grupo recebem informações e formas de proceder, mas não lhes é oferecido espaço para que o conteúdo transmitido seja discutido e refletido pelo grupo. O coordenador de grupos deve facilitar o diálogo e estabelecer a comunicação, incluindo o respeito aos silêncios produtivos, aquele em que os participantes do grupo possam estar se expressando também através do silêncio. Deste modo, pode-se inferir que, para as professoras, uma vez viabilizada a participação dos membros do grupo e facilitada a discussão, estas são enriquecidas, permitindo a conscientização das teorias que fundamentam a ação cotidiana. Os diálogos entre os membros do grupo não foram previstos e/ou planejados pelo coordenador, portanto, o grupo deve ter claro seu papel e seus objetivos para que o trabalho possa atingir resultados mais eficazes. As docentes, entretanto acreditam que apesar de o coordenador participar como facilitador das discussões e não subestimar ou avaliar a opinião dos membros do grupo, algumas vezes a exposição de dúvidas e a troca de experiências nas discussões ocorridas nos encontros de desenvolvimento profissional é cerceada pelo receio da avaliação por parte dos pares. As professoras identificam, também, que não é necessário recorrer a técnicas inovadoras para garantir a motivação do grupo. Pode-se supor que as professoras acreditem que o processo de motivação é algo que ocorre intrinsecamente ao indivíduo, e que o que o coordenador do grupo deve fazer é influenciar ou estimular a motivação dos docentes, não podendo garantir que eles sejam realmente motivados. No que se refere ao pensamento das professoras a respeito das reflexões ocorridas nos grupos é importante lembrar que os encontros semanais ocorridos entre a coordenadora e o grupo de discussão ao longo de todo o ano foram precedidos de leituras das sínteses dos encontros anteriores. Assim, para as docentes, a oportunidade de realizar reflexões a respeito das discussões ocorridas nos encontros anteriores, possibilitava-lhes a consciência de suas verbalizações. Pode-se supor que mesmo durante a leitura compartilhada do material verbalizado, ocorria a possibilidade de retomada de aspectos ditos ou não no interior do grupo, bem como a compreensão da teoria que estava sendo discutida. Quando esta reflexão não é compartilhada, não é plenamente aproveitada. Alguns pesquisadores, por exemplo, Zeichner (1993; 1995; 1998), Nóvoa (1992; 1995), consideram necessário e imprescindível que a prática reflexiva aconteça entre os pares, dialogicamente, para que este espaço seja propiciador de fortalecimento para o desenvolvimento do trabalho. Para esses autores, portanto, a prática do professor, embora momentaneamente individual, estará sempre Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente carregada das condições político-sociais e institucionais nas quais está inserida. O pensamento das professoras a respeito da importância da reflexão em grupos de discussão aponta para o fato de que as professoras acreditam que quanto maior o número de pessoas que efetivamente participar de um grupo, mais rica e produtiva será a reflexão. As docentes consideraram que os assuntos devem ser retomados e partilhados para que a reflexão seja suficientemente abrangente. Além disso, para as professoras, a socialização do conhecimento e das dificuldades individuais, entre os membros do grupo, é essencial para promover a reflexão e, conseqüentemente, o desenvolvimento profissional. O próprio grupo, na concepção das professoras, serve como exemplo para que a teoria discutida seja compreendida e possa fundamentar adequadamente o cotidiano da sala de aula. As professoras, assim como alguns autores que pesquisam o profissional prático-reflexivo (Zeichner, 1993; 1995; 1998) e Nóvoa (1992; 1995), consideram que as discussões são enriquecidas quando se trabalha em grupo e compreendem a necessidade do compartilhar, de trocar experiências nos grupos, favorecendo o desenvolvimento profissional. O pensamento das professoras a respeito das contribuições dos encontros de desenvolvimento profissional para as docentes que os coordenam, aponta para a crença de que o grupo constituído pelas docentes foi sendo construído num caminho de vinculações, resoluções de conflitos e empenhos em objetivos comuns. Para as docentes envolvidas nesta pesquisa, a possibilidade de coordenação dos encontros de desenvolvimento profissional permite que elas se avaliem como docentes, tornando-se mais conscientes de suas competências profissionais e responsáveis por uma parte da formação de outros profissionais. Esta conscientização, segundo elas, juntamente com a reflexão a respeito das ações docentes envolvidas na coordenação destes grupos, promoveu seu desenvolvimento profissional. É interessante perceber que as discussões deflagradas nos encontros promovem, segundo o pensamento das professoras, o desenvolvimento profissional de seus participantes, uma vez que viabilizam a tomada de consciência a respeito das teorias que fundamentam as ações docentes. Assim, para as professoras, estas discussões precisam ser retomadas cotidianamente na sala de aula e repensadas de acordo com a situação 79 presente, para que as idéias resultantes das discussões no grupo possam ser colocadas em prática. Pode-se supor que as professoras concordam com aquilo que é apontado na literatura a respeito do desenvolvimento do profissional prático-reflexivo: as discussões fazem parte da prática sistemática, devem ser cotidianas, ocorridas de forma democrática e compartilhada entre os membros de um grupo de discussão. O pensamento das professoras a respeito das reflexões sobre a atuação docente em sala de aula deixa nítido que o professor é responsável não apenas pela transmissão de conteúdos formais, mas também pela formação de seus alunos enquanto sujeitos de seu processo ensino-aprendizagem. As professoras acreditam que devam influenciar, nas crianças, a formação de suas crenças, para que suas ações sejam cada vez mais autônomas e seguras. A intervenção do educador que crê naquilo que comunica e sente, faz com que as crianças percebam isso e o respeite. Marcelo (1987) afirma que o educador tem que ser capaz de ampliar seus horizontes, de perceber o seu aluno enquanto indivíduo e ter talvez um pouco mais de compreensão para entender diferentes formas de aprendizado. Além disso, pode-se inferir que para as professoras, para que seu papel seja plenamente exercido, o professor deve ter clareza de suas funções e consciência de seu papel profissional. O professor deve se conscientizar que aquilo que provoca as mudanças que tanto deseja no processo ensino-aprendizagem é o fato de ser sujeito participante de sua própria ação. Os docentes precisam estar convencidos de que a teoria construída acerca de pensamentos e discussões sobre sua própria prática é a mais eficiente para que mudanças ocorram no processo. Formação docente No que diz respeito à concepção de formação, estas professoras consideraram as influências recebidas pelo profissional no curso de seu desenvolvimento, incluindo aí, a epistemologia, a ideologia e a cultura. Isto significa um desenvolvimento profissional nas mais diversas dimensões, que acabam sendo edificadoras de muitos dos saberes docentes. Pode-se supor que haja uma compreensão, por parte das docentes, de que não se pode mais considerar o desenvolvimento profissional como algo estanque, mas, sim, como algo que possui uma continuidade e que evolui, sendo, portanto, um processo. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 80 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques Ao ponderar sobre o desenvolvimento profissional docente, as professoras acreditam que é através do investimento na formação docente que ocorre uma melhoria na qualidade da educação. Esta formação, por sua vez, vai muito além de um simples treinamento de competências, que não atinge as reais necessidades do professor. Refere-se a algo permeado pela vivência de uma reflexão que o permita se educar enquanto compartilha a prática cotidiana com seus pares, bem como os saberes e crenças que estão entrelaçados à ação docente. Além deste aspecto, para elas, a chefia deve estar atuando de forma bem fundamentada, tendo clareza de seu objeto de estudo, para que possa realmente influenciar seus pares em busca de uma meta comum, auxiliando o professor a ter consciência da fundamentação de suas ações, implicando, assim em uma produção coletiva de conhecimentos. Deste modo, pode-se inferir que as professoras acreditam que a formação docente deve ser permeada pela reflexão, sendo uma prática cotidiana, compartilhada com seus pares e com a chefia, para que realmente seja promovido um desenvolvimento profissional. O pensamento das professoras a respeito da história de formação aponta que as crenças a este respeito são coerentes com aquelas apresentadas acerca da concepção de professor. Para as professoras, não basta concluir um curso de magistério para que o docente seja capaz de colocar em prática todos os procedimentos profissionais adequados. Pode-se supor que, para elas, o máximo que estes cursos têm a oferecer é uma boa base teórica na qual o docente pode apoiar sua prática cotidiana. Embora seja de fundamental importância que o professor tenha clareza de uma determinada teoria, se ele não souber como utilizá-la nas diferentes situações, imprevistos e dilemas da sala de aula, de nada lhe será útil. O professor deve ser capaz de tomar sua própria ação como objeto de reflexão, de análise e de desenvolvimento profissional, e isto só se torna possível, por meio da ação e da reflexão simultâneas.. Além disto, as professoras concebem o seu trabalho de formadoras de outros docentes como sendo fundamental para o seu próprio desenvolvimento profissional, diminuindo, assim, o suposto déficit causado pela formação básica do magistério. Isto pode ocorrer não de uma forma ingênua, mas se considerar, principalmente, que ao se ministrar aulas, o mínimo que o docente vai aprendendo é como resolver situações dilemáticas com as quais ele convive cotidianamente, bem como percebendo que sua trajetória exerce grande influência na sua rotina docente. Para estas professoras, estes cursos (encontros de desenvolvimento profissional) promovem tanto para quem ministra como para os professores que os freqüentam, uma oportunidade de compartilhar angústias e dúvidas. O professor não sai do curso sabendo tudo, mas vai sendo capaz de se construir cotidianamente, não se apoiando mais somente nos saberes prontos que lhe foram e ainda serão repassados. Nesta ótica, Pacheco e Flores (1999) acrescentam que o professor que compartilha seus saberes jamais deixa de aprender, uma vez que o ensino se torna uma atividade que exige uma constante evolução e adaptação a novas situações. O pensamento das professoras a respeito da relação entre concepções teóricas e a atuação prática aponta para o aspecto de que para as professoras, a rede municipal de ensino possui uma determinada concepção teórica para a atuação prática dos docentes que não é explicitada e, conseqüentemente, não é completamente compreendida por alguns deles. Porém, mesmo assim, sem questioná-la ou buscar entendê-la, muitos docentes a utilizam em sua prática profissional devido, possivelmente, a uma aceitação das imposições hierárquicas. Assim, pode-se supor a partir das verbalizações que, na concepção destas docentes, a prática cotidiana pode também ser resultado do cumprimento de tarefas sugeridas por especialistas. Isto, entretanto, é contraditório com o que elas apresentam a respeito de formação docente, quando afirmam que é fundamental que se compreenda a teoria para que seja possível atuar de modo eficaz e eficiente. Ao se partir do principio de que as crenças interferem nas práticas cotidianas e estas influenciam as escolhas pedagógicas, não é suficiente uma ação em que se cumpre o que é ditado ou sugerido por especialistas. Pode-se inferir, assim, que as docentes estão iniciando um processo de alteração de suas crenças, mas é necessário investir nisto para que seu dia-a-dia não exija sugestões prescritivas (e não reflexivas) por parte da coordenação. As teorias já foram apontadas por elas como exercendo grande influência no cotidiano do professor, sendo, portanto, fundamental que ela seja bem entendida para que seja colocada em prática. Mesmo tendo o Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente domínio da teoria, a prática exige do professor constantes reflexões e análises de sua prática a partir de suas próprias teorias e saberes informais. Sem ter o completo entendimento da concepção teórica utilizada, como é o caso de muitos docentes, segundo as professoras em questão, esta prática educativa e o ensino ocorrido em sala de aula se tornam, portanto, ainda mais dificultados. A sabedoria docente que, conforme Dias-da-Silva (1994), é construída ao longo dos tempos e portadora de crenças, concepções, ideais, modos de ação, procedimentos e hábitos, não necessariamente condizentes com as teorias pedagógicas e acabam sendo, praticamente, os únicos norteadores do dia-a-dia deste professor e justificadores de suas ações. Do mesmo modo como já foi anteriormente referido, o pensamento das professoras a respeito da formação de seus pares docentes aponta para a crença de que o processo ensino-aprendizagem é construído cotidianamente, não só a partir das teorias que fundamentam sua ação, mas também a partir de reflexões que são realizadas pelo grupo do qual elas também são membros. Desta forma, a partir das solicitações feitas pelas docentes no decorrer dos encontros de desenvolvimento profissional é que se pode ir tendo clareza de que está ocorrendo a apropriação do conteúdo ministrado, o que pode ir, de alguma forma, dando suporte para eventuais alterações tanto de estratégias como de metas a serem atingidas. Estas docentes consideram que a reflexão deve permear a formação docente e que a ação de compartilhar com os pares é a base estruturadora de um desenvolvimento profissional. Estes cursos, portanto, se tornam uma oportunidade rara no decorrer das carreiras destes profissionais, de deixarem de lado o modelo de executor de tarefas, para serem capazes de se tornar, enfim, atores principais do cenário, aqui referenciados sob o enfoque do professor práticoreflexivo. Dilemas cotidianos No que diz respeito à concepção de encontros de desenvolvimento profissional, primeiramente pode-se constatar um contraste de idéias e de ações em relação às professoras e à chefia. A partir do momento que as professoras teorizavam sobre sua prática e elaboravam a maneira de executá-la, acreditavam estar realizando seu trabalho de forma coerente com a proposta recebida. 81 Entretanto, essas mesmas teorizações não eram discutidas com a chefia, visto que estas não compartilhavam a aplicabilidade do que era discutido pelas docentes. Buscando evitar confrontos e discussões que consideravam irrelevantes, já que acreditavam que o trabalho realizado era correto, as docentes não comunicavam suas decisões e encontravam-se em um momento de executar aquilo que havia sido inicialmente planejado por elas. A chefia não proporcionava momentos de discussão sobre essas questões e, portanto, a prática era executada sem um diálogo prévio sobre esta. Naquele momento, surgiam questões referentes à validade do que estava sendo executado e a chefia apresentava justificativas que acabavam por inverter todo o processo, modificando pensamentos e atitudes e gerando sentimentos de revolta e incompreensão. As professoras acreditavam que no momento da prática, suas crenças não eram consideradas porque tinham que executar aquilo que lhes era imposto. Segundo Perrenoud (2001) os dilemas referentes a questões como estas são comuns, visto que o profissional não sente que tem autonomia suficiente para conciliar suas formulações teóricas pessoais com sua atividade profissional. A maior questão para essas docentes encontrava-se, portanto, no contraste estabelecido entre acatar as ordens recebidas pelas superioras e assim respeitar o referencial teórico ou executar a prática da maneira como acreditavam e agir de acordo com as suas experiências apreendidas do cotidiano escolar. Se escolhessem a primeira opção, as professoras estariam mais aliviadas em relação às superioras, mas esse ato geraria nas mesmas uma sensação de descredibilidade do trabalho executado. Por outro lado, se optassem pela segunda maneira de agir, teriam a certeza de estar realizando um trabalho mais eficiente e condizente com a prática reflexiva, mas enfrentariam situações com a chefia que transformaria o trabalho a ser realizado em uma obrigação e não mais fonte de desejo. Impedir a prática dessas docentes da forma como desejavam foi um ato da chefia que trouxe um sentimento de exclusão nas mesmas, pois passaram a acreditar que suas idéias não eram mais parte do projeto que se buscava instalar na rede pública de ensino. Quando o professor sente que suas idéias não são consideradas, passa a definir a sua prática cotidiana apenas pelas teorias que as embasam. E isso faz com que a credibilidade na teorização da prática seja desfeita. Inicia-se, portanto, uma crescente sensação de Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 82 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques estagnação. Segundo Pacheco (1995), é a constante tomada de decisões sobre o que fazer que torna o professor um profissional ativo. Pensando acerca dessa afirmação, conclui-se, portanto, que as docentes não encontravam mais justificativa em seu trabalho. Isso porque as decisões que tomavam previamente não podiam ser efetivadas nos encontros, ou se fossem, geravam polêmicas discussões sobre suas atitudes enquanto profissionais. O sentido em ser um profissional da educação passa, então, a ser questionado, visto que não podiam agir de acordo com suas concepções e suas crenças. Independente da influência exercida pela experiência cotidiana, qualquer profissional que use da reflexão sobre seu trabalho precisa de um embasamento teórico sobre aquilo que está praticando. Isso porque a prática deve estar justificada, bem como ter como ser comprovada caso ocorram questionamentos sobre ela. Um fato que não se concretiza com as professoras, pois afinal, as teorias que possuíam não poderiam ser usadas como justificativas para sua prática cotidiana sendo que agiam por determinações. As docentes não encontravam maneiras para colocar em prática aquilo em que acreditavam. Portanto, para elas, o que estavam fazendo praticamente não tinha o menor sentido. Não era algo em que acreditavam ou que tivessem subsídios para explicar caso fossem questionadas a respeito. Há uma quebra na dicotomia teoria e prática, e isso se deve ao fato de que apenas uma parte dessa díade era elaborada e estudada por elas. Só a teoria que essas professoras possuíam era algo realmente delas, visto que a prática era executada visando o cumprimento de ordens dadas pelas suas superioras. Segundo Pimenta (2001) é através da prática que o ser humano sente que é um agente transformador do mundo, seja ele que profissional for. A teoria é algo que sustenta aquilo que está sendo realizado, mas não pode e não deve ser a única via de atuação. Os aspectos teóricos nos fornecem dados relevantes sobre a situação, mas é muito importante lembrar que nenhum momento é igual ao outro, portanto, uma solução que foi utilizada num determinado contexto não necessariamente poderá ser em um outro. O dilema dessas profissionais instala-se na preocupação em serem pessoas transformadoras na área da Educação e sentirem através da prática que não estão sendo, nesse determinado momento, capazes de alterar nem ao menos os seus problemas cotidianos. O professor precisa sentir que sabe aquilo que está fazendo, que entende aquilo que executa e que tem referencial teórico para embasar a sua atuação. Se isso não acontece, ele sente que não há adequação nas suas decisões pois vê-se determinado a agir diferentemente de seus pensamentos.. No que se refere à concepção sobre ser docente, é exatamente o maior dilema reportado pelas professoras, pois todos os fatores que as fizeram acreditar em sua profissão estava agora sendo determinado por pessoas que não compartilhavam de suas concepções e que agiam arbitrariamente. Para Pacheco (1995) o que guia as ações do professor são os seus pensamentos acerca daquilo que reflete e constrói. E tudo aquilo que as docentes concretizavam como papel do professor estava agora sendo desfeito pela falta de diálogo entre elas e as superioras. O trabalho que realizavam não despertava interesse da chefia a não ser quando estas sentiam que suas ordens estavam sendo desrespeitadas. As professoras foram gradativamente perdendo o consenso daquilo que buscavam enquanto profissionais, visto que sua concepção despertava novamente a discordância e a discussão. Portanto, quando inseridas no contexto da prática, o sentimento que surgia era mesmo de impotência, sendo que as ações cotidianas eram dirigidas por uma falsa concepção do que é ser docente. Ser professor implica, dentre outros aspectos, em ter autonomia para buscar a sua profissionalização. Mas isso não depende apenas do docente, sendo que a equipe na qual está inserido tem um grande valor nesse momento. O professor pode se auto-desenvolver profissionalmente, mas necessita do seu grupo para aperfeiçoar seu conhecimento adquirido, melhorando também os seus procedimentos. Como toda ação profissional exige mais do que saberes a respeito do que se está fazendo, é muito importante que o docente discuta, argumente, reflita e aprenda com a sua própria prática. A troca de informações com demais professores e outros profissionais da área da Educação tende a contribuir muito nesse desenvolvimento (Perrenoud, 2001). Mas no caso da rede de ensino isso não é viável. O desenvolvimento profissional das docentes era coordenado pelas próprias professoras e por mais que se encontrasse aprimorado, não estava passível de concretização porque, para as dirigentes, a questão mais importante era que tudo fosse seguido conforme o Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente cumprimento de suas instruções. Além do fato de que se as professoras se interessassem em aperfeiçoar suas práticas e tomarem conhecimento de aspectos novos na área da Educação, teriam que fazê-lo sozinhas. E de uma forma que parece contraditória, quando agiam de acordo com suas crenças sentiam como se estivessem ultrapassando regras e limites que estavam estabelecidos. Isso porque quando exerciam a prática conforme suas concepções, tinham que explicar o que e por que tinham agido daquela maneira. Esse fato pode estar relacionado à falta de reflexão das docentes acerca de seus papéis. a imposição acabava sendo aceita por não encontrarem meios para compartilhar a sua concepção sobre o papel do professor. Conforme afirma Zeichner (1993), o docente analisa e reflete sobre sua prática profissional, o que faz dele sujeito de sua ação, que constantemente busca atingir seus objetivos traçados inicialmente. O sentimento de angústia surge nas docentes quando não se reconhecem mais enquanto produtoras de suas ações e passam a desconsiderar tudo aquilo que foi previamente proposto para atingir objetivos previamente traçados pela chefia. Quando percebem que deixaram de questionar o que é mais relevante no papel que desempenham e simplesmente passam a executar tarefas, as docentes sentem que regrediram. Afinal, é no final da década de 60 e início da década seguinte que o cotidiano das escolas era marcado pelo ideário tecnicista, que limitava a atividade docente. No que se refere às relações interpessoais em relação à chefia, as docentes demonstram uma desmotivação crescente acerca de seu trabalho. Isso se deve principalmente ao fato de as decisões não serem compartilhadas, ficando nas professoras um sentimento de imposição e arbitrariedade. A participação das mesmas é cada vez mais escassa visto que são postas como participantes passivas do processo na rede de ensino.Não sentem que são consideradas nos momentos de tomada de decisões, o que faz com que seu sentimento de inferioridade aumente e interfira no estabelecimento de relações interpessoais. Um critério determinante para que exista uma equipe pedagógica é a responsabilidade por um grupo determinado de alunos. se os interesses forem diferenciados entre os profissionais, as concepções acerca do que deve ser feito também se distanciam. Aí surge, nas equipes, um único pensar, que se volta para a prática. Este passa a ser o único elemento de preocupação de todos os 83 envolvidos, sendo que a equipe preocupa-se apenas com resultados brutos e quantitativamente válidos. Esses dados só podem ser obtidos através do intenso controle e observação da prática (Pacheco, 2001). Há, então, uma nova diferenciação entre chefia e professoras. Enquanto as primeiras voltavam-se para a solução dos problemas visando apenas colher resultados através da prática, as docentes preocupavam-se com os meios e estratégias a partir dos quais isso seria conquistado. No que se refere às relações interpessoais em relação aos seus pares, verifica-se o enfraquecimento pessoal das docentes, que surge com a minimização de seus papéis, fator de grande interferência na dinâmica do grupo formado por elas. Surgem, então, as dúvidas sobre o seu desenvolvimento profissional, visto que a fragmentação do grupo traz questões referentes ao desejo de se submeterem às concepções da chefia. Surge nesse momento uma interferência muito grande do que anteriormente só ocorria entre chefia e professora entre as próprias docentes. A estagnação das ações começa a interferir na motivação pessoal das docentes, o que faz aumentar o quadro de revolta, o que também traz a futura quebra do grupo. Enquanto discutiam por uma causa maior no qual todas acreditavam, as professoras ainda mantinham esperanças de modificar o que estava sendo imposto. Mas a partir do momento em que a discordância de opiniões passa a refletir na relação das docentes, elas adotam uma postura passiva perante às questões educacionais. Passam, então, a desacreditar de seus ideais e de suas crenças pois percebem que o grupo está se desagregando devido ao fato de algumas terem adotado uma maneira diferente de pensar sobre as questões relacionadas à Rede de Ensino. Quando sentem que não compartilham mais as mesmas opiniões percebem que chegou o momento da separação. Fato que foi gerado previamente por uma imposição arbitrária de opiniões de suas superioras, mas que só se tornou irreversível quando foi capaz de penetrar os pensamentos das companheiras e interferir nas relações que no início eram consistentes e contavam com opiniões compatíveis. A partir do momento que um grupo não possui mais os mesmos objetivos, deixa de ser um grupo para tornar-se apenas um conjunto de pessoas. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 84 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve como ponto de partida e de chegada a intervenção, a interação com as professoras participantes, para que fosse possível promover a reflexão e identificar suas crenças a respeito de sua prática. O fato de as professoras terem solicitado a uma psicóloga que as auxiliassem a discutir acerca de seu cotidiano com outras professoras já é um indício de que havia também uma idéia de que fossem discutidas possibilidades de buscar resolver problemas relativos ao seu dia-a-dia. Assim, ao aceitarem transformar os encontros de discussão em uma pesquisa favoreceu a consciência de suas crenças. Desde o seu título esta pesquisa tem a idéia de partilhar, dividir, compartilhar crenças e os pensamentos com as professoras participantes, podendo-se destacar que os procedimentos utilizados favoreceram e promoveram a reflexão a respeito do que havia sido conversado na semana anterior. Foi interessante perceber que os resumos provocavam um certo impacto nas professoras, visto que ao lerem aquilo que havia sido dito, mesmo que não houvesse indicação nominal de autoria, as professoras teciam comentários acerca da temática ou mesmo do tempo gasto para discutir e comentar certos aspectos de seu cotidiano, apresentando uma certa surpresa, e em seguida, buscavam refletir sobre o que havia sido discutido. As entrevistas recorrentes tiveram também um caráter de intervenção. Olhando para o que dizem os resultados, pode-se dizer que este procedimento favoreceu a prática reflexiva das participantes, pois fez com que elas entrassem em contato com suas crenças, que as reconhecessem e que se achassem procedente tentassem alterar seu modo de agir, na direção de seu desenvolvimento profissional. Assim, tomar a conduta docente como objeto de reflexão e análise implica em investigar seus fatores determinantes, de modo a viabilizar REFERÊNCIAS Agne, K.J. (1992). Caring: the expert teacher’s edge. Educational Horizons, 70, 120-124. Agne, K.J., Grenwood, G., & Miller, D. (1994). Relationships between teacher belief system and teacher effectiveness. The Journal of Research Development in Education, 27, 141-152. o planejamento de ações futuras coerentes com as metas traçadas. Todo o caminho percorrido permitiu identificar alguns aspectos que merecem um olhar mais atento no que se refere aos três eixos temáticos contemplados, bem como algumas possíveis generalizações para as discussões aqui apontadas. Uma discussão que aparece com muita ênfase no decorrer de todo o trabalho é a necessidade de se vincular, tanto na formação como no próprio cotidiano do professor, a prática e a teoria. O importante é que, na análise realizada junto com as professoras, não se perca de vista que as práticas cotidianas influenciam as crenças e as escolhas pedagógicas, por isto a consciência dos pressupostos e das implicações educacionais das crenças docentes deve ser sempre buscada. É também importante apontar que este estudo foi realizado durante três anos com um grupo bastante específico de professoras e que as considerações aqui feitas devem ser contextualizadas e considerados o lugar e o espaço em que se davam as discussões acerca das temáticas apontadas. Em nenhum momento as docentes foram chamadas a discutir especificamente estas temáticas. Houve, sim, um conjunto de 23 encontros em que se buscava assessorar as professoras em relação aos seus dilemas cotidianos, buscando, ao invés de fornecer estratégias mágicas de solução, um espaço privilegiado de discussão teórica sobre a prática. O fato de ter havido uma seleção e uma categorização das falas pode permitir ao leitor conhecer o que o grupo pensava sobre estas temáticas. Entretanto, é fundamental apontar que tudo o que ocorreu neste grupo (discussões mais ou menos polêmicas, teorizações que foram sendo mais ou menos apropriadas, relações interpessoais que foram sendo construídas ao longo do ano letivo) sem dúvida nenhuma, promoveu nestas professoras, bem como nas pesquisadoras, o seu desenvolvimento profissional na direção da reflexividade. Alarcão, I. (1996). Formação Reflexiva de Professores. Coimbra: Porto Editora. Andaló, C.S.A. (1995). Fala, professora!: repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: Vozes. Bardin, (1979) Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bhser, H., Clarke, S. & Taggart, L. (1988). Beginning Teachers Learning. Em M. J. Calderhead (Org). Teacher Profesional Learning. (84-96). Philadelphia: The Falmer Press. Partilhando formação, prática e dilemas: uma contribuição ao desenvolvimento docente Borsato, E. (1999). Crenças e educacionais de Licenciados: um estudo exploratório. Dissertação de Mestrado: Universidade Estadual de Londrina – PR. Calderhead, J. (1996). Teachers: beliefs and knowledge. Em D.C.Berlinger, & R.C. Calfee (Orgs.). Handbook of Research on Teaching. (pp. 709-725). New York: McMillian. Dias-da-Silva, M.H.G.F. (1994). Sabedoria docente: repensando a prática pedagógica. Cadernos de Pesquisa, 89, 39-47. Elbaz, F. (1990). Knowledge and discourse: the evolution of research on teaching thinking. Em C. Day , M. Pope & P. Denicolo (Orgs.). Insight into teachers’ thinking and practice.(pp. 15-42). Bristol : The Falmer Press. Fischer, J. (1996). Open to ideas: developing a framework for your research. Em G. Burnaford, J. Fischer & D. Hobson (Orgs.). Teachers doing research: practical possibilitie. (pp.173-190). Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates. Flavell, J.H., Miller, P.H. & Miller,S. (1999). Desenvolvimento Cognitivo. Porto Alegre: Artmed. Fregoneze, G.B. (2000). Crenças de auto-eficácia de professores em situação de alterações curriculares no ensino médio. Projeto de Qualificação ao Mestrado em Educação, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Universidade Estadual de Londrina. Gatti, B.A. (2000). Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. Campinas: Autores Associados. Kagan, D. (1991). Narrative semiotics and teacher’s beliefs regarding the relevance of formal learning theory to classroom practice: a US study. Journal Education for Teaching, 17, 245-262. KrügerR, H.R. (1993). Crenças e sistemas de crenças. Arquivos Brasileiros de Psicologia. 45 (1-2), 3-15. Larocca, P. (1999). A Psicologia na formação docente. Campinas: Alínea. Lynott, D.J., & Folk, A.E.W. (1994). Teachers’ implicit theories of intelligence and their educational goals. The Journal of Research on development in Education. 27, 253-264 Marcelo, C.G. (1987). El pensamiento del profesor. Barcelona: Ediciones CEAC. Marrero, J. A. (1986). El pensamiento del profesor y la planificacion de la enseñanza, Em Actas del I Congreso Internacional sobre “Pensamientos de los Profesores y Toma de Decisiones”. (pp. 9-22). La Rábida: Huelva. Martini, M.L. (1999). Atribuições de causalidade, crenças gerais e orientações motivacionais de crianças brasileira., Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. 85 Nóvoa, A. (1992). Diz-me como ensinas e eu dir-te-ei quem és e vice-versa. Em A. Nóvoa (Org.). As pesquisas em educação e as transformações do conhecimento. (pp.29-41). Campinas: Papirus. Nóvoa, A. (1995). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote. Pacheco, J.A., & Flores, M. A. (1999). Formação e avaliação de professores. Porto: Porto Editora. Pacheco, J.A., (1995). O Pensamento e a acção do professor. Lisboa: Porto Editora. Pérez, M.F. (1986). Evaluacion y toma de decisiones: posibles ambitos de investigación desde la economia del pensamiento de los profesores . Em Actas del I Congreso Internacional sobre “Pensamientos de los Profesores y Toma de Decisiones”. (pp. 19-21). La Rábida: Huelva. Perrenoud, P. (1993). Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Publicações Dom Quixote. Perrenoud, P. (2001). Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed Editora. Pimenta, S. G. (2001). O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez. Raymond, A.M. & Santos, V. (1995). Preservice elementary teachers and self-reflection: how innovation in Mathematics teacher preparation challengs mathematics beliefs. Journal of Teacher Education, 46, 58-70. Sadalla, A.M.F.A. (1998). Com a palavra, a professora: suas crenças, suas ações. Campinas: Alínea. Sadalla, A.M.F.A., Davoli, S.M., & Schmidt, M. A. H. (1999). Dando voz às crenças da professora: reflexão sobre sua atuação profissional. Relatório de Pesquisa, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP. Sapon-Shevin, M. (1991). As we teach, we change our students and ourselves. Teaching Education, 4, 7-16. Schön, D. (1995). Formar Professores como Profissionais Reflexivos. Em A. Nóvoa, (Org.). Os professores e a sua formação. (pp. 77-91). Lisboa: Publicações Dom Quixote. Silverman, D. (1994). Interpreting qualitative data. Thousand Oaks:SAGE Publications. Simão, L.M. (1989). Interação pesquisador-sujeito: a perspectiva de ação social na construção do conhecimento. Ciência e Cultura, 41, 1195-1202. Simão, L.M. (1982 a ). Estudo descritivo de relações professoraluno I: a questão do procedimento de coleta de dados. Psicologia, 8, 19-38. Simão, L.M. (1982 b). Estudo descritivo de relações professor-aluno II: alguns resultados. Psicologia, 8, 37-59. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 71-86 86 Ana Maria Sadalla, Mariana Wisnivesky, Paula Saretta, Fernanda Paulucci, Carolina Vieira e Carolina Marques Tickle, L., (1993). The first year of teaching as a learning experience, Em D. Bridges & T. Kerry (Orgs.). Developing teachers professionall. (pp. 79-92). London: Routledge. Tunes, E. (1981). Identificação da natureza e origem das dificuldades de alunos de pós-graduação para formularem problemas de pesquisa, através de seus relatos verbais. Tese de Doutorado.Universidade de São Paulo, São Paulo. Yinger, R. (1986). Investigacion sobre el conocimiento y pensamiento de los profesores. Hacia una concepcion de la actividad profesional. Em Actas del I Congreso Internacional sobre “Pensamientos de los Profesores y Toma de Decisiones”.(pp. 113-193). La Rábida: Huelva. Zanelli, J.C. (1992). Formação professional e atividades de trabalho: análise das necessidades identificadas por psi- cólogos organizacionais. Tese de Doutorado – Universidade Estadual de Campinas, Campinas – SP. Zeichner, K.M. (1995). Novos Caminhos para o Practicum: Uma Perspectiva para os anos 90. Em A. Nóvoa (1995). Os professores e a sua formação. (pp. 115-138). Lisboa: Publicações Dom Quixote. Zeichner, K.M. (1993). A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa. Zeichner, K.M., & Noffke, S. (1998). Practitioner Research. Em V. Richardson (Org.). Handbook of Research on Teaching. (4ª ed., pp. 193-245). Washington: American Educational Research Association. Recebido em: 13/05/04 Revisado em: 22/09/04 Aprovado em: 11/04/05 Endereço para correspondência: Ana Maria Falcão de Aragão Sadalla: Rua Engenheiro Alexandre Almeida Cavaleri, 160 casa 2 CEP: 13101-518 – Campinas – SP – e-mail: [email protected] Mariana Wisnivesky: Rua Engenheiro Alexandre Almeida Cavaleri, 33 Jardim das Palmeiras CEP: 13101-518 - Campinas - SP – e-mail: [email protected] Paula Saretta: Rua Cuba, 159 ap 52 - Bairro Girassol CEP: 13465-000 - Americana - SP – e-mail:[email protected] Fernanda Costa Paulucci: Rua Clóvis Bevilaqua, 550 bl F 3 - apto11 - Guanabara. CEP: 13075-040 - Campinas - SP – e-mail: [email protected] Carolina Pasquote Vieira: Rua 14 de dezembro, 55 - apto 720 – Centro CEP: 13015-13 - Campinas - SP – e-mail: [email protected] Carolina de Aragão Escher Marques: Rua José de Toledo, 17 - apto 52 – Jardim do Trevo CEP: 13040-034 - Campinas - SP – e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 87-93 CLÍNICA-ESCOLA: LEVANTAMENTO DE INSTRUMENTOS UTILIZADOS NO PROCESSO PSICODIAGNÓSTICO CLÍNICA-ESCOLA: LEVANTAMENTO DE INSTRUMENTOS Fernanda Andrade de Freitas 1 Ana Paula Porto Noronha2 Resumo O presente trabalho teve como objetivo fazer um levantamento da freqüência e da categoria dos testes psicológicos utilizados durante o psicodiagnóstico em uma clínica-escola. O levantamento baseou-se em 32 prontuários do arquivo. Os resultados apontaram que os instrumentos psicológicos mais utilizados foram HTP, CAT - A, T.A.T., e DFH. Quanto às faixas etárias dos sujeitos, verificou-se que as avaliações de crianças envolveram mais técnicas psicológicas, do que as de adolescentes, adultos e idosos. Ainda em relação aos dados, percebe-se que há pouca variação na utilização dos testes psicológicos, pois alguns deles foram usados em diferentes faixas etárias. Palavras-Chave: Testes Psicológicos; Avaliação Psicológica; Clínica-Escola. SCHOOL PSYCHOLOGY CLINIC: A SURVEY OF INSTRUMENTS USED IN PSYCHODIAGNOTICS PROCESS Abstract This study aims a survey about the frequency and category of the psychological tests used during the psychodiagnosis in a school psychology clinic. The survey based on 32 patients’ report cards from the file. The results indicated that the most used psychological instruments were HTP, CAT - A, T.A.T., e DFH. Related to the group age, the assessment carried out with children had involved more psychological techniques than in the assessment carried out with teenagers, adults and elderly. There are few variations in the use of psychological tests because several of them carried out with different age groups. Keywords: Psychological Tests; Psychological Assessment; School Psychology Clinic. INTRODUÇÃO Testes psicológicos Os testes psicológicos são instrumentos de uso privativo dos psicólogos, com base na Lei nº 4.119/62 (CFP, 2001). Esses instrumentos podem ser utilizados em vários contextos de atuação do psicólogo como em instituições (escolas, empresas e clínicas-escolas de universidades) com fins diagnósticos e interventivos. A avaliação psicológica em contexto clínico é denominada de psicodiagnóstico que, por sua vez é definido 1 como processo científico, limitado no tempo que utiliza métodos e técnicas psicológicas, para entender problemas à luz de pressupostos teóricos, assim como para identificar e avaliar aspectos específicos (Cunha, 2000). Ocampo, Arzeno, Felzenswalb e Piccolo (1986) definem psicodiagnóstico como um processo que configura uma situação com papéis bem definidos e com um contrato onde uma Psicóloga, Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Docente do curso de graduação em Psicologia, da Universidade São Francisco. 2 Doutora em Psicologia: ciência e profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade São Francisco. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq. 88 Fernanda Andrade de Freitas e Ana Paula Porto Noronha pessoa (paciente) pede que ajudem e outra (o psicólogo) aceita o pedido e se compromete a satisfazêlo na medida de suas possibilidades. É uma situação bi-pessoal (psicólogo-paciente ou psicólogo-grupo familiar), de duração limitada, cujo o objetivo é conseguir uma descrição e compreensão,o mais profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou do grupo familiar....Abrange os aspectos passados, presentes (diagnóstico) e futuros (prognósticos) desta personalidade, utilizando para alcançar tais objetivos certas técnicas (entrevista semidirigida, técnicas projetivas, entrevista de devolução) (p. 17). Nesse sentido, os testes psicológicos, compreendidos por esses autores como uma técnica, são utilizados no psicodiagnóstico a fim de classificar e descrever o comportamento dos sujeitos com o objetivo de enquadrá-lo em tipologias, permitindo ao profissional tirar conclusões sobre os outros e, estabelecer prognósticos (Pasquali, 2001). Os testes psicológicos apresentam características diferentes das outras técnicas, pois são compreendidos como “uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento” (Anastasi & Urbina, 2000, p. 18). Essas características dos testes psicológicos, a saber, objetividade, uniformidade de procedimento com base numa amostra de comportament, são as que os diferem de outras técnicas, tais como, entrevista, observação, dinâmicas de grupo ou de outras, por serem menos objetivas. O psicodiagnóstico compreende várias etapas que envolvem a entrevista inicial, a administração dos testes e, por último a entrevista de devolução (Nunes, conforme citado por Cunha, 2000). A administração dos testes caracteriza um momento peculiar do processo de avaliação devido à possibilidade de obter dados sobre a pessoa em questão, a fim de conhecer sua história mais detalhadamente, assim como buscar informações relacionadas ao desenvolvimento, à escolaridade, às relações familiares, aos aspectos profissionais, sociais, entre outros. No que se refere ao ensino de psicodiagnóstico também denominado de avaliação psicológica, Quelho, Munhoz, Damião e Gomes (1999) afirmam que a disciplina (psicodiagnóstico) é um dos pilares fundamentais do curso de Psicologia, cujo objetivo é desenvolver no aluno a integração dos conhecimentos. Nas clínicasescolas, o processo de avaliação psicológica é subdividido em teoria e prática, reservando ao aluno a oportunidade de experenciá-lo, desde a compreensão das queixas relatadas pelo cliente até ao encaminhamento para a terapia psicológica ou outro tratamento, se necessário. A prática do aluno está, necessariamente, embasada em disciplinas, como a Psicopatologia e Técnicas de Exames Psicológicos (TEP), consideradas imprescindíveis no processo de aprendizagem (Quelho & cols. 1999; Yukimitsu, 1999). Elas, por sua vez, abordam a administração e os testes e técnicas, a integração de dados e a compreensão dos transtornos mentais. Vale destacar que o aluno, em relação à parte prática do psicodiagnóstico, tem como respaldo o estágio supervisionado no qual o elemento central é a supervisão (Campos, 1995). Aos supervisores responsáveis pelo conteúdo prático do psicodiagnóstico, são atribuídas as responsabilidades de planejar as supervisões, para que o supervisionado tenha o mínimo de experiência e competência para a livre prática profissional, uma vez que a supervisão fornece uma orientação formalizada para suprir as necessidades de formação dos alunos (Archanjo & cols. 1998). DIFERENTES CONTEXTOS EM AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Problemas na formação do profissional na área de Avaliação Psicológica foram identificados pelo Fórum de Discussão promovido pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 1997), sobretudo no que se refere à deficiência e carência de fundamentação teórica. Um retrato dessa deficiência pode ser descrito por Quelho e cols. (1999) quando levantaram as concordâncias e discordâncias junto aos supervisores, em relação ao processo de ensino da disciplina de psicodiagnóstico. Os argumentos dos sete supervisores foram organizados em objetivos de curso, pré-requisitos e dificuldades dos alunos. A partir disso, foram apontadas as dificuldades dos alunos no que se refere à incapacidade de associar informações advindas de diversas fontes, além da falta de prática para associar teoria e prática para lidar com materiais de testes. A disciplina Técnicas de Exames Psicológicos é um dos pré-requisitos para o estágio supervisionado em psicodiagnóstico, e ainda os supervisores descrevem aspectos gerais da utilização de testes no psicodiagnóstico, a saber, o fato deles utilizarem os testes psicológicos de forma padrão, indicarem teste de acordo com a necessidade do cliente e nem sempre fazer uso deles. Clínica-escola: Levantamento de instrumentos utilizados no processo psicodiagnóstico Nesse sentido, a formação profissional deve ser eficiente e garantir uma preparação adequada aos futuros psicólogos, pois se espera que diante da utilização dos testes psicológicos, os psicólogos tenham competência suficiente para aplicar e interpretar com adequação os resultados da avaliação. Sob esta perspectiva, vale destacar que a maioria das críticas aos testes não se refere apenas às suas características intrínsecas, mas também ao uso inadequado dos resultados de testes por usuários não qualificados (Anastasi & Urbina, 2000). Com a preocupação de retratar o ensino das técnicas de exames psicológicos no Brasil, Alves, Marques e Alchieri (2001) fizeram levantamento de 65 programas de disciplinas da área de Avaliação Psicológica por meio dos coordenadores de diversas universidades e também pelos professores que ministram as disciplinas relacionados a Técnicas de Exames Psicológicos (TEP). Os resultados revelaram que em 8 cursos há apenas uma disciplina destinada à Avaliação Psicológica, sendo que o Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo - (USP) e a Universidade Gama Filho, são os cursos com maior números de disciplinas destinadas à Avaliação Psicológica, 12 e 8 respectivamente. Os pesquisadores também identificaram que os testes e técnicas mais ensinados no caso da avaliação da inteligência são: Raven (70%), WISC (69,2%), Colúmbia e o Goodenough-Harris (41,5%); dentre os testes projetivos destacam-se o T.A.T. (75,4%), CAT e o HTP (69,2) e Rorschach (58,5%); já dentre os testes de personalidade estão o PMK (47,7%), 16 PF (38,5%), MMPI (27,7%) e o Palográfico (16,9%). Na categoria de aptidões específicas, a Bateria CEPA e o DAT são os mais ensinados, ambos, com 47,7%; em relação aos testes de interesse Angelini (41,5%), Kuder (36,8%) e o LIP (24,6%). O Teste de Bender (69,2%) e o Teste Metropolitano de Prontidão (18,5%) também se destacaram dentre os mais ensinados. A média total de instrumentos ensinados por curso é de 18,7. Em contraste ao ensino de testes psicológicos, Noronha, Oliveira e Beraldo (2003) listaram os instrumentos mais conhecidos e utilizados por profissionais e alunos de Psicologia cursando o último ano. As autoras constataram que os alunos conhecem em média 37,82 instrumentos (DP 36,87), o que representa 21,82% dos 169 listados pelas autoras, enquanto os profissionais conhecem média maior do que os alunos, ou seja, 48,79 da relação apresentada a eles. As autoras concluíram que alguns dos instrumentos mais 89 conhecidos são também os mais ensinados nos cursos de formação em psicologia, demonstrando a tendência de reproduzir o conhecido, bem como a pequena abertura para o novo. Em outro contexto, Noronha e cols (2002b) investigaram os instrumentos mais conhecidos por estudantes do sul de Minas Gerais. Os resultados apontaram que o WISC é o mais citado, seguido do PMK, Bender, Raven - Escala Geral, CAT - Animais, CAT - Humanas, Bateria Fatorial CEPA, Rorschach, O Desenho da Figura Humana, Colúmbia, Wartegg, DAT, Inventário de Interesses, Teste da Árvore e o T.A.T. As autoras questionam a falta de critérios para a eleição dos instrumentos que deveriam ser ensinados. Ainda no que se refere aos testes mais conhecidos/ utilizados, Oliveira e Castro (2000) realizaram levantamento das queixas apresentadas pelos pacientes e das técnicas de exames psicológicos mais utilizadas nos atendimentos em uma clínica-escola na prática de psicodiagnóstico, de acordo com 60 prontuários analisados. Os resultados revelaram que os testes mais utilizados com crianças são: CAT (43%), WISC (27%), HTP (13%), Desenho-História (13%), Bender (10%), Raven (10%), DFH (10%), Colúmbia (7%) e o IAR (4%). Os testes de inteligência foram os mais usados, seguidos dos testes de personalidade. No caso da avaliação de adultos, os instrumentos mais usados foram: T.A.T. (47%), Rorschach (23%), DFH (13%), Wartegg (10%) e o Desenho-História (4%). A presente pesquisa levantou a freqüência e as categorias dos testes e técnicas mais utilizadas no Psicodiagnóstico de uma clínica-escola e observou se há diferença no número de instrumentos utilizados nas diferentes faixas etárias dos respectivos clientes. MÉTODO Fonte de dados documental Para a realização dessa pesquisa foram consultados 32 prontuários dos 76 mantidos no arquivo de uma clínicaescola de uma universidade particular do interior de São Paulo. Importante destacar que os prontuários levantados correspondiam aos arquivamentos realizados em dois semestres, correspondentes ao segundo semestre do ano de 2001 e ao primeiro semestre de 2002, sendo 53% (F=17) dos prontuários relativos ao primeiro ano e 47% (F=15), do segundo. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 87-93 90 Fernanda Andrade de Freitas e Ana Paula Porto Noronha Procedimento O trabalho consistiu no levantamento de todos os prontuários que tivessem o processo de psicodiagnóstico completo ou semicompleto, ou seja, o completo implicava na realização da sessão devolutiva, enquanto o semicompleto, na ausência dela. As autoras, com base em cada prontuário, anotavam os testes psicológicos (CAT-A, CAT-H, HTP, Zulliger, Fábulas, DFH, Bender, Symonds, Wartegg, G-36, T.A.T.) utilizados e também outras técnicas como a entrevista (inicial, com a mãe e a devolutiva), anamnese, Hora do Jogo. RESULTADOS Frente aos achados desse estudo, verificou-se que a maioria dos clientes que procurou por atendimento na clínica-escola era do sexo feminino (F=18), enquanto F=14 era do sexo masculino, não observada diferença significativa entre as variáveis gênero e semestre [X2 (1, N=32) = 0,395, p=0,530]. De acordo com a Tabela 1, a maioria dos sujeitos freqüentava o ensino fundamental 53% (F=17), e uma minoria tinha o ensino superior 3,1% (F=1). Em relação ao número de sessões realizadas, constatou-se que em média foram efetuadas cinco sessões, variando de uma a 13 (DP= 2,86). Tabela 1. Freqüência do nível de instrução dos sujeitos referentes aos prontuários. Nível de Instrução F F% Infantil I e II 3 9,4 Creche 1 3,1 Ensino Fundamental 17 53,1 Ensino Médio 7 21,9 Ensino Superior 1 3,1 Sem dados 3 9,4 Total 32 100 Na Tabela 2 encontram-se os testes psicológicos mais usados, a saber, HTP, CAT-A, CAT-H e Zulliger. Ainda em relação aos testes, 66,7% (F=8) eram de avaliação da personalidade, 16,7% (F=2) de inteligência, 8,3% (F=1) de prontidão para alfabetização e 8,3% (F=1) visomotores, totalizando 12 testes utilizados. Quanto à freqüência com que os testes eram utilizados, o mais requisitado foi o HTP, sendo que seis terapeutas-estagiários fizeram uso dessa técnica de avaliação. Em seguida encontrou-se o CAT-A (41,6%, F=5), o T.A.T., (33,3%, F=4) e o DFH (25%, F=3). O HTP e o T.A.T. tiveram maiores freqüências de utilização na terceira sessão e o CAT-A, na quinta sessão. As sessões em que mais se aplicaram testes psicológicos, durante o processo de psicodiagnóstico, foram da terceira sessão (3S) até a sexta sessão (6S). Tanto na primeira como na segunda sessão, observou-se uma freqüência maior de técnicas psicológicas para iniciar o processo de avaliação, tais como, entrevista inicial, e entrevista com a mãe, hora do jogo e anamnese, sendo as mais freqüentes a entrevista inicial com o paciente e a entrevista com a mãe. Já a partir da sexta sessão em diante, percebeu-se que a freqüência de utilização dos testes psicológicos e ainda o uso das técnicas, bem como a entrevista inicial, hora do jogo e anamnese. Para melhor organização da distribuição dos testes psicológicos por idade, as autoras definiram o grupo 1 correspondente a faixa etária (1 - 12 anos), na qual, concentra-se o maior número de pessoas (F=17), já no grupo 2 (13 – 20 anos) com F= 6, seguida do grupo 3 (21 - 40) com F=7 e por último o grupo 4 (41 anos em diante) com F=2 (Tabela 3). Nota-se que o grupo 1 (1 – 12 anos) utilizou mais técnicas, a saber, hora do jogo, entrevista inicial, entrevista com a mãe e a entrevista devolutiva. Os testes mais utilizados foram CAT-A, CAT-H, HTP, Fábulas, DFH e Bender. Já no grupo 2 (13 – 20 anos) a utilização da entrevista inicial, se deu numa freqüência menor em comparação com o grupo 1. O uso dos testes psicológicos, distinguiu-se bastante do grupo 1, em função da população atendida, sendo mais utilizados o T.A.T. (F=3), HTP (F=1), Symonds (F=1). No grupo 3 (21 – 40 anos), a entrevista foi a técnica mais utilizada (F=16). Os testes psicológicos para esse grupo foram o HTP e T.A.T., Zulliger e o Bender. As técnicas utilizadas no grupo 4 (41 anos em diante) obtiveram a mesma proporção comparado ao grupo 3, como: a entrevista inicial, anamnese e devolutiva (F=2). Enquanto os testes T.A.T., HTP e Zulliger apareceram com maior freqüência no grupo 4. Vale ressaltar que diante da amostra de 32 prontuários coletados, somente 13 deles, apresentaram o psicodiagnóstico completo. Clínica-escola: Levantamento de instrumentos utilizados no processo psicodiagnóstico 91 Tabela 2. Distribuição da freqüência dos instrumentos e testes psicológicos utilizados por sessão. Técnicas/Testes S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 Entrevista Inicial 13 13 10 7 4 1 2 Entrevista com a mãe 13 2 1 1 1 Hora do Jogo 5 4 4 1 1 2 1 7 3 1 1 1 5 1 1 S8 S9 S10 S11 S12 S13 TOTAL Psicológicos Anamnese Devolutiva http 3 CAT-A 1 T.A.T. 3 1 50 18 1 18 1 4 14 1 1 1 2 2 1 14 6 1 5 1 4 DFH 1 CAT-H 1 1 2 Zulliger 1 1 2 Fábulas 1 1 Bender 1 Symonds 1 Wartegg 1 2 1 2 1 2 1 1 G-36 1 1 1 Teste Metropolitano 1 1 Tabela 3. Levantamento das técnicas e testes psicológicos por idade/grupo. Técnicas e testes utilizados Entrevista Inicial Anamnese Entrevista com a mãe Hora do Jogo CAT-A CAT-H HTP Zulliger Fábulas DFH Bender Symonds Wartegg G-3 TAT Devolutiva TOTAL Grupo 1 F % 19 38 10 71,4 13 72,2 19 100 5 100 2 100 2 33,3 0 0 2 100 2 100 1 50 0 0 0 0 0 0 0 0 7 50 17 Grupo 2 F % 13 26 0 0 3 16,7 0 0 0 0 0 0 1 16,7 0 0 0 0 0 0 0 0 1 100 0 0 0 0 3 42,9 3 21,4 6 Grupo 3 F % 16 32 2 14,3 2 11,1 0 0 0 0 0 0 2 33,3 1 50 0 0 0 0 1 50 0 0 1 100 1 100 2 28,6 2 14,3 7 Grupo 4 TOTAL F % F 2 4 50 2 14,3 14 0 0 18 0 0 19 0 0 5 0 0 2 1 16,7 6 1 50 2 0 0 2 0 0 2 0 0 2 0 0 1 0 0 1 0 0 1 2 28,6 7 2 14,3 14 2 32 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 87-93 92 Fernanda Andrade de Freitas e Ana Paula Porto Noronha DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS O levantamento de dados permitiu visualizar uma homogeneidade, ou seja, pouca variação na escolha de testes, mesmo considerando as diferentes faixas etárias. O teste HTP, por exemplo, é utilizado nos diferentes grupos de idade, o T.A.T. encontra-se em adolescentes e adultos, enquanto o Bender (avaliação percepto-motora e emocional) foi descrito como sendo utilizado em crianças e adultos. Os achados estão em concordância com os de Castro e Oliveira (2000), à medida que os autores afirmam que os testes mais utilizados em crianças são o CAT, HTP e Bender, e com adultos, T.A.T., Zulliger e Rorschach. Ainda nesse sentido, observou-se que os mesmos testes aparecem como sendo utilizados tanto com crianças quanto com adultos. O estudo de Alves e cols. (2001) retrata resultados semelhantes ao abordar as técnicas e os testes mais ensinados na disciplina de TEP no curso de Psicologia. A respeito disso, Noronha e cols. (2003) afirmam que alguns dos instrumentos mais conhecidos são também os mais ensinados nos cursos de formação em psicologia. Os testes projetivos são os mais utilizados nessa realidade de clínica-escola. Para Alves (1997) há pertinência na sua aplicação no processo de avaliação, pois eles têm ampla aplicação para investigação e diagnóstico da personalidade. Em contrapartida, reconhecese que outras formas de avaliar a personalidade, tais como inventários, escalas, questionários podem ser igualmente eficientes, considerando que os padronizados “oferecem vantagens em relação aos não estru- REFERÊNCIAS Alves, I. C. B. (1997). As técnicas Projetivas no Psicodiagnóstico e sua Função na Psicoterapia. Anais do I Encontro sobre Psicologia Clínica. Universidade Mackenzie, São Paulo, p. 9-14. Alves, I. B., Marques, K. C. & Alchieri, J. C. (2001). Panorama Geral do ensino das Técnicas de Exame Psicológicos no Brasil. Anais do I Encontro sobre Psicologia Clínica. Universidade Mackenzie, São Paulo, vol I, p. 102 - 106. Anastasi, A. & Urbina, S. (2000). Testagem Psicológica. 8ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas. turados, tendo-se em vista que seus itens são selecionados empiricamente” (Meehl, conforme citado por Noronha, Sartori, Freitas, Ottati, 2002, p. 144). Contrariamente ao que se afirmou até agora, ou seja, que os instrumentos mais usados são os ensinados na graduação em Psicologia, o teste Zulliger usado no processo Psicodiagnóstico desse estudo, não tem sido identificado como ensinado nos cursos de Psicologia, assim como não figura dentre os mais conhecidos por profissionais e estudantes de Psicologia (Oliveira & Castro, 2000; Alves & cols. 2001; Noronha & cols. 2003). No que se refere à formação profissional estudos têm apontado para a sua relação com o uso adequado dos instrumentos de medida. Nesse sentido, Noronha (2002), Anastasi e Urbina (2000), Cunha (2000) e Prieto e Muñiz (1999) endossam a tese de que a Psicologia, assim como qualquer outra área de conhecimento, necessita de profissionais competentes que realizem ações seguras e pontuais. Além disso, cursos de “reciclagem” desses profissionais, assim como palestras de atualização desenvolvidas por órgãos e associações de classe podem colaborar na disseminação de informações atualizadas. Sabe-se que esse trabalho não respondeu todas as questões e nem poderia fazê-lo, considerando as muitas necessidades que a área de avaliação ainda possui no Brasil atualmente. Sugere-se que novos estudos posam abordar a relação entre a natureza da queixa (psicodiagnóstico) associada à faixa etária e aos instrumentos mais utilizados, assim como a análise da relação entre técnicas e testes empregados e abordagem teórica. Archanjo, C. M. A., Güntter, A. E. V., Camargo, C., Fabriani, C., Radomile, M. E. S., Scrich, R., Secco, E. C. T.; Panizza, A. P. G., Lima, B. G. L. (1998). Aderência aos atendimentos psicológicos em uma clínica-escola de perfil comunitário. VII Encontro Estadual de Clínicas-Escola. Construindo Identidade Profissional: Competências e Ética, p. 75. Conselho Federal de Psicologia - CFP (2003). Resolução n.º 002/2003. Disponível: . Acessado em: 07/07/2003. Conselho Federal de Psicologia - CFP (2001). Resolução n.º 25/2001. Disponível: www.pol.org.br/pesquisa/ resposta_pesquisa.cfm?_area=15. Acessado em: 04/ 10/2002. Clínica-escola: Levantamento de instrumentos utilizados no processo psicodiagnóstico Campos, L. F. L. (1995). Supervisão em terapia cognitivocomportamental. Em: B. Rangé (org.) Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas (pp. 357-364).Campinas: Editorial Psy. Cunha, J.A. (2000) Psicodiagnóstico-V: Fundamentos do psicodiagnóstico. 5 ed.. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Noronha, A. P. P., Oliveira, K. L. & Beraldo, F. N. (2003). Instrumentos Psicológicos mais conhecidos e utilizados por estudantes e profissionais de Psicologia. Psicologia Escolar e Educacional,7, 47-56. Noronha, A.P.P.; Alchieri, J. C., Primi, R., Freitas, F. A., Otati, F; Savaris, P. F., Silva, S. V. F. & Schwan, S. (2002a). Elaboração de um sistema de Referência Nacional sobre Instrumentos de Avaliação Psicológica: Implantação de uma Base de Dados relacional sobre os testes psicológicos comercializados no Brasil [Resumo]. I Congresso: Ciência e Profissão, São Paulo. Noronha, A. P. P., Oliveira, A. F., Côbero, C., Paula, L. M., Cantalice, L. M., Guerra, P. B. C., Martins, R. M. M., & Felizatti, R. (2002b). Instrumentos psicológicos mais conhecidos por estudantes do Sul de Minas Gerais. Avaliação Psicológica, 1, 151 - 158. Noronha, A.P.P., Sartori, F.A.; Freitas, F.A.; Otati, F. (2002). Informações contidas nos manuais do testes de personalidade. Psicologia em Estudo, 7, 143-149. Noronha, A. P. P. (2002). Os Problemas Mais Graves e Mais Freqüentes no Uso dos Testes Psicológicos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15, 135 - 142. 93 Ocampo, M. L. S., Arzeno, M. E. G., Felzenszwalb, M., & Piccolo, E. G. (1986). O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes. Oliveira, K. P., & Castro, P. F. (2000). Levantamento das queixas apresentadas e das técnicas de exame psicológicos utilizados nos atendimentos em Psicodiagnóstico em uma clínica-escola. XXX Reunião Anual de Psicologia. Psicologia no Brasil: Diversidade e Desafios (p. 281). Universidade de Brasília / Finatec, Brasília – DF. Pasquali, L. (2001). Testes psicológicos: conceitos, história, tipos e usos. Em L. Pasquali (org.). Técnicas de exame psicológico – TEP. (pp. 13-56). São Paulo: Casa do Psicólogo. Prieto, G. ,& Muñiz, J. (1999). Un modelo para evaluar la calidad de los tests utilizados en España. Disponível em: http:// www.cop.es/tests/modelo.htm.Acessado em: 04/11/2001. Quelho, A. M. C., Munhoz, A. M. H., Damião, J. B. B., & Gomes, L. M. (1999). Repensando em Psicodiagnóstico: a relação teoria e prática – uma questão de ensino e/ou aprendizagem. PSICO-USF, 4, (2), 13-22. Yukimitsu, M. T. C. P. (1999). A supervisão na formação do psicólogo clínico. Em C. Witter (org.). Ensino de Psicologia (pp. 169-204). Campinas: Alínea. Recebido em: 17/11/04 Revisado em: 28/04/05 Aprovado em: 20/05/05 Endereço para correspondência: Fernanda Andrade de Freitas: Rua Luís Nunes, 324 - Bairro Jacaré – CEP: 13318-000 – Cabreúva - SP e-mail: [email protected] Ana Paula Porto Noronha: Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – CEP 13251-900 – Itatiba - SP e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 87-93 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 95-104 PSICOLOGIA ESCOLAR EM EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES DE UMA ATUAÇÃO PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCAÇÃO INFANTIL Tatiana Vokoy1 Regina Lúcia Sucupira Pedroza2 Resumo O modelo de Educação Infantil tem sido alterado à medida que a criança passa a ser vista como sujeito de educação, com necessidade de atendimento qualificado. O trabalho do psicólogo escolar permeia questões relacionadas ao desenvolvimento integral da criança, abrangendo aspectos cognitivos, afetivos e motores. A pesquisa foi desenvolvida em uma instituição de Educação Infantil de Brasília com objetivo de conhecer a prática educativa e a atuação do psicólogo escolar. Foram realizadas entrevistas com a equipe psicopedagógica e observações de atividades da rotina escolar. Concluímos que o modelo de atuação do psicólogo deve ser fundamentado no paradigma interdisciplinar, contextual e crítico. Este estudo vislumbra novas possibilidades para repensar o processo de construção do papel do psicólogo escolar na Educação Infantil. Palavras-chave: Psicologia Escolar; Educação Infantil; Desenvolvimento infantil. SCHOOL PSYCHOLOGY IN CHILDHOOD EDUCATION: PROFISSIONAL INTERVENTION´S REFLEXIONS Abstract The model of childhood education has been modified as that the child is seen as the subject of education, who needs qualified attendance. The work of the school psychologist involves questions related to the whole development of the child, including cognitive, affective and motor aspects. The research was developed at an institution of childhood education in Brasilia with the purpose to get to know both educational practices and the work of the school psychologist. Interviews with the pedagogical team and observations of school routine activities have been carried through. We conclude that the model of work of the psychologist must be based on a contextual, critical and interdisciplinary paradigm. This study intends to provide new possibilities to rethink the process of constructing the role of the school psychologist in childhood education. Keywords School Psychology; Childhood Education; Child Development INTRODUÇÃO Conforme a análise histórica feita por Campos (2001), constata-se que a concepção de Educação Infantil vem se constituindo a partir de movimentos sociais que acarretam mudanças na visão da criança, do seu desenvolvimento, da família e do papel da mulher na sociedade. Com isso, o modelo de educação caracterizado anteriormente pela “creche” vem sofrendo mudanças na qualidade do atendimento e na abrangência de aspectos psicopedagógicos enfatizados nessa nova concepção. A criança se insere, atualmente, no sistema educacional cada vez mais cedo. Muitas das mudanças 1 2 referidas foram provocadas por uma maior participação feminina no mercado de trabalho, alterando a rotina de cuidados e a educação dos filhos. Esse fato é relacionado com a criação das creches. Nesse sentido, a creche estava sempre associada a um caráter assistencialista e se preocupava apenas com a alimentação, a higiene e a segurança física. Para Campos (2001), com o enfraquecimento da visão estigmatizante e assistencialista da educação, instaurou-se um movimento social e governamental pelo atendimento de novas demandas, que resultou no recente reconhecimento da educação infantil em creches e pré- Graduanda em Psicologia pela Universidade de Brasília . Professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. 96 escolas como um dever do Estado e um direito da criança, legalmente estabelecido no artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. Essa mudança foi reafirmada nos anos de 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e em 1996, pela Lei n° 9394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Com a LDB, surge a Educação Infantil, com novos objetivos, que engloba as crianças entre 0 e 6 anos. A Educação Infantil passa a olhar o momento de desenvolvimento da criança, vendo-a como sujeito integrado, sem dissociar aspectos cognitivos, afetivos, expressivos, motores ou simbólicos. Portanto, o modelo de Educação Infantil tem sido alterado à medida que a concepção de educação da criança de 0 a 6 anos atinge objetivos diferenciados, com propostas educacionais explícitas fundamentadas em teorias psicológicas do desenvolvimento infantil. A criança nessa idade passa a ser vista como sujeito de educação, com necessidade de atendimento qualificado que vise o seu desenvolvimento integral. O desenvolvimento infantil de 0 a 6 anos Tendo em vista a proposta do atendimento à criança na Educação Infantil que engloba os aspectos funcionais e relacionais, é necessário que a escola e o educador conheçam os diferentes momentos do desenvolvimento da criança de 0 a 6 anos. Segundo Wallon (1934), a criança deve ser estudada na sucessão das etapas de desenvolvimento caracterizadas pelos domínios funcionais da afetividade, do ato motor e do conhecimento, entendidos como sendo desenvolvidos primordialmente pelo meio social. Os estágios do desenvolvimento propostos por Wallon (1934) têm início na vida intra-uterina, caracterizada por uma simbiose orgânica. Após o nascimento, apresentase o estágio impulsivo- emocional no qual prevalece a emoção, caracterizado como o período da simbiose afetiva. No período seguinte, que vai até os 2 anos de idade, a criança encontra-se no estágio sensório-motor e projetivo, voltando-se para a exploração do mundo físico. Gradualmente, com a aquisição da marcha e da linguagem, a criança apresenta modificações no seu padrão de interação com o mundo. A partir dos 3 anos, ocorre o estágio do personalismo, momento da constituição do eu, no qual a criança em seu confronto com o outro passa por uma verdadeira crise de personalidade, caracterizada pelas mudanças nas suas relações com o seu entorno e pelo aparecimento Tatiana Vokoy e Regina Lúcia Sucupira Pedroza de novas aptidões. Wallon (1953) considera esse estágio, que vai até os 6 anos de idade, como sendo muito importante para a formação da personalidade. Nesse sentido, considerando a idade compreendida na Educação Infantil, ressaltam-se as características desse momento do desenvolvimento da criança como forma de oferecer subsídios para a atuação do educador e do psicólogo escolar nesse contexto. Partese do princípio da necessidade de que a escola e todos aqueles envolvidos com a Educação Infantil tenham consciência de que suas ações têm conseqüências não só no momento atual do desenvolvimento da criança, como também nos posteriores. É também nesse momento que a criança está mais propensa à formação de complexos, ou seja, atitudes que podem marcar de forma prolongada seu comportamento em relação ao meio (Deldine & Vermeulen, 1999; Mahoney, 2002). Ao ingressar na escola, a família ainda se constitui no grupo por excelência para a criança. No entanto, a escola proporciona uma diversificação dos grupos nos quais a criança poderá se inserir. O papel do grupo formado por crianças da mesma idade passa a ser o de favorecer a aprendizagem social, ou seja, o convívio com os padrões e regras sociais. Durante esse estágio, o grupo permitirá à criança diferenciar-se dos outros e descobrir sua autonomia e sua originalidade (Wallon, 1953). O estágio do personalismo divide-se em três períodos distintos, todos com o objetivo de tornar o eu mais independente e diversificado. São eles: período da negação, idade da graça e período da imitação. No primeiro, o da negação, surge na criança a necessidade de se autoafirmar, de impor sua visão pessoal e lutar para fazer prevalecer sua opinião. No período seguinte, o da idade da graça, por volta dos quatro anos de idade, a criança desenvolve maneiras de ser admirada e chamar a atenção para si através da sedução, com uma necessidade de agradar cujo objetivo é obter a aprovação dos demais. A criança passa a se considerar em função da admiração que acredita poder despertar nas pessoas. Ressalta-se a importância da oferta de oportunidades de expressão espontânea da criança, através de atividades como a música, a dança, artes, etc. Exercitar na criança as habilidades de representação do seu meio, ou seja, através do faz-deconta ou do uso da linguagem, contribui para que ela adquira uma precisão maior na expressão de seu eu (Galvão, 1992). Psicologia escolar em educação infantil: Reflexões de uma atuação O terceiro período, o da imitação, por volta dos 5 anos, é marcado por uma reaproximação ao outro, manifestada pelo gosto por imitar, que possui um papel essencial na assimilação do mundo exterior. O professor deve observar que sua figura geralmente desperta o desejo de identificação no aluno, devendo estar consciente de tal fato para estabelecer sua conduta. Wallon (1939) entende a imitação como uma “necessidade de identificar-se com a realidade percebida para identificá-la melhor” (p.231). A partir dessas considerações, verifica-se que a Educação Infantil possui um papel importantíssimo na formação da personalidade da criança, visto que permite a sua adaptação à vivência em comunidade, em grupos que vão além dos limites familiares, e contribui para a formação do eu psíquico. A escola pode estimular o desenvolvimento de valores saudáveis nas interações, tais como a cooperação, a solidariedade, o companheirismo e o coletivismo. As atividades em grupo devem alternar-se com atividades individuais fazendo assim uso das alternâncias comuns nesse estágio para promover o desenvolvimento de mais recursos de personalidade (Wallon, 1937). A Psicologia Escolar e a Educação Infantil A atuação do psicólogo escolar na Educação Infantil, assim como em outras áreas, vem sendo discutida a partir do crescimento das demandas nas diferentes instituições sociais. Conseqüentemente, o profissional de psicologia ao repensar seu modo de atuação, busca novas perspectivas para sua intervenção e questiona o conhecimento psicológico e seus instrumentos tradicionais, adaptando-os aos novos contextos, levando em consideração as limitações inerentes às instituições. Segundo Patto (1984), a psicologia escolar tem como base do seu desenvolvimento os estudos que deram origem ao nascimento da psicologia como ciência com uma demanda de prover conceitos e instrumentos “científicos” de medida. A primeira função desempenhada pelos psicólogos na escola foi a mensuração das habilidades e classificações das crianças quanto à capacidade de aprender e de progredir nos estudos. Além disso, outra forma de atuação adotada pelos psicólogos na escola foi a de orientação basicamente clínica no sentido de diagnóstico e tratamento de distúrbios. Ao reconhecer a importância da psicologia no contexto escolar, junto aos alunos, às suas famílias e aos professores, Souza (1997) aponta a necessidade de 97 mudança na atuação do psicólogo. Historicamente, ele vem desenvolvendo suas atividades pautado na individualidade do aluno e na queixa do professor da falta de condições de trabalho e das deficiências e dificuldades de aprendizagem das crianças. Dessa forma, as relações sociais existentes na escola não são consideradas como constituintes dos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Souza (2000) afirma que não existem modelos préconcebidos para se trabalhar na escola, mas “princípios norteadores de uma prática a serviço da superação da exclusão, da estigmatização e da desigualdade” (p.136). Sayão e Guarido (1997) também salientam a necessidade da mudança do foco da atuação do psicólogo escolar, para não ser restrito à orientação psicológica sobre as crianças, mas envolver os aspectos da relação entre a equipe e os educadores, contemplando os conflitos, as insatisfações e contradições inerentes às práticas sociais. A partir das idéias dessas autoras, podemos apontar como “princípios norteadores” dessa prática os seguintes pontos: trabalho com os professores; a etnografia como metodologia; interdisciplinaridade; trabalho junto às famílias; e trabalho com a criança. O psicólogo escolar deve ter como objetivo junto aos professores encorajá-los a desenvolver cada vez mais um papel ativo no processo educacional. Nesse processo, é imprescindível a estimulação do pensamento crítico, a fim de uma melhor compreensão da sua atuação profissional. De acordo com a proposta da educação libertadora de Freire (1986), a prática educativa deve ser problematizadora, realizando a superação entre as contradições existentes nas relações professor-aluno. Neste caso, a investigação é realizada de forma crítica, possui caráter reflexivo e realiza um constante desvelamento da realidade. A prática crítica contribui para o diálogo, para a criatividade e para a desmistificação de estigmas nas relações pedagógicas. Vários autores vêm estudando a questão da formação do professor. Oliveira (2001) e Pedroza (2003) entendem essa formação em termos dos processos de desenvolvimento pessoal do educador, levando em consideração seus valores, crenças, hábitos, atitudes e formas de se relacionar. Enfatiza-se, portanto, a necessidade de uma formação psicológica, a fim de desenvolver recursos de personalidade que promovam uma maior sensibilidade, criatividade e segurança, que possibilitem uma atuação em que o professor assuma as próprias contradições e Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 95-104 98 as da escola e busque a construção do novo. Além disso, é preciso garantir com esses profissionais um espaço para reflexão de sua prática educativa. O psicólogo escolar ao contribuir para a formação pessoal do professor, numa perspectiva teórica e metodológica, possibilita a compreensão das relações de extrema complexidade e contradição que envolvem o cotidiano da escola. Novas metodologias devem ser empregadas a fim de contemplar os fenômenos históricos existentes na escola. Para Machado e Souza (1997) o psicólogo escolar, ao invés de realizar anamnese familiar ou utilizar predominantemente testes, deveria conhecer como o professor entende os problemas do aluno, colher informações sobre a sala de aula e a história escolar de cada criança. Souza (1997) nos fornece sugestões de métodos etnográficos na área educacional que visam estudar a vida diária na escola, as redes de relações e a maneira como os educadores concebem a sua atuação. Dessa forma, a autora sugere uma convivência com as crianças e com a escola, a partir de observação participante, entrevistas abertas, visitas domiciliares e participação em espaços lúdicos, com objetivos de estabelecer vínculo de confiança, criar possibilidades de escuta e oportunidades de dar voz aos educadores e aos alunos. Esses espaços são preconizados por diversos autores como sendo essenciais para que os membros da escola expressem seus conflitos, repensem as relações hierárquicas e busquem determinantes históricos para os fenômenos escolares (Mamede, 2001; Aragão, 2001; Souza, 1997; Sayão & Guarido, 1997; Machado, 2000). Criam-se condições para o estabelecimento de trocas de idéias e promoção de mudanças de atuação frente às dificuldades relacionais. Sendo assim, os autores do presente estudo consideram a metodologia etnográfica mais adequada no trabalho do psicólogo escolar porque contribui para evitar a fixação de ideologias naturalizantes e de discursos institucionalizados e cristalizados, além de permitir inovações pedagógicas, por meio da reflexão e do diálogo. Propõe-se a construção de uma intensa interseção entre os diversos saberes que possam contribuir para a compreensão dos fenômenos escolares, criando e desenvolvendo um espaço interdisciplinar, em especial, entre a Psicologia e a Pedagogia. As relações entre essas diferentes áreas podem parecer óbvias; no entanto, são complexas e envolvem vários aspectos, tanto Tatiana Vokoy e Regina Lúcia Sucupira Pedroza concordantes como de oposição. A posição da psicologia na sua relação com a pedagogia tem sido muitas vezes de autoridade, ultrapassando os limites de sua competência. Conforme preconizado por Wallon (1937), não é função da psicologia normatizar a ação pedagógica, como também não é ação pedagógica uma aplicação da psicologia. A presença do psicólogo no dia-a-dia da escola constitui-se de grande necessidade para criar espaços de diálogo e reflexão a fim de contribuir para a construção de uma escola mais democrática. A presença dos diferentes profissionais deve ser de complementaridade e não de exclusão (Pedroza, 2003). A escola deve reconhecer a importância da família na constituição do sujeito, sem, no entanto, considerá-la como a única determinante dessa constituição. O trabalho junto às famílias deve questionar a atribuição das causas dos problemas de aprendizagem à dinâmica familiar. Família e escola não podem ser vistas como momentos de oposição ou de disputa na educação das crianças. São instituições diferentes e necessárias na constituição do sujeito, exigindo, pois, uma relação de apoio sem transferência de responsabilidades. Para Machado (2000), no trabalho junto aos pais, o psicólogo ao explicar e defender os objetivos educacionais, não deve impor sua visão de educação, mas orientá-los no sentido do entendimento da sua intervenção, possibilitando a formação de grupos de expressão e comunicação, para um melhor conhecimento da realidade da criança. O psicólogo escolar deve atuar junto à criança de forma problematizadora, dando-lhe voz a fim de construir sentidos históricos aos fenômenos que a envolvem, como queixas de comportamento, dificuldades de socialização, etc. A culpabilização do sujeito tem sido uma tendência de tornar natural aquilo que é historicamente determinado. O trabalho a ser desenvolvido pelo psicólogo deve ter como objeto as relações nas quais a criança circula. No entanto, existem crianças que precisam de atendimento individual pois podem estar sofrendo ou até mesmo encontrarem-se paralisadas. Contudo, não é possível estabelecer-se uma relação direta de causa e efeito entre as dificuldades escolares e suas capacidades (Machado, 2000). Uma outra possibilidade de atuação do psicólogo junto à criança é promover atividades verticais, que envolvam grupos de idades variadas. De acordo com Mamede (2001), esse tipo de atividade favorece trocas entre os adultos e as crianças e entre as próprias crianças, exigindo um ajustamento de seus Psicologia escolar em educação infantil: Reflexões de uma atuação comportamentos e aprendizados, o que contribui para o processo de desenvolvimento. Assim sendo, a partir desses “princípios norteadores”, entendemos que o papel do psicólogo na escola, desde a Educação Infantil, ultrapassa as funções tradicionalmente atribuídas, tais como, medir habilidades e classificar crianças quanto à capacidade de aprender e de progredir pelos vários graus escolares. Ele passa a exercer as funções de: consultor, especialista em educação, ergonomista, modificador do comportamento, pesquisador, estendendo sua ação à comunidade, conforme apresentado em Patto (1984). Dessa forma, a atuação do psicólogo escolar não se limita a uma ação psicometrista e clínica, no sentido de diagnóstico e tratamento, a serviço de uma ideologia de ajustamento, de eficiência, de prevenção, de adaptação e de alienação. Pode-se acrescentar ainda sugestões para a atuação do psicólogo em instituição escolar, vistas em Meira (2000), tais como: contribuir com a construção e/ou manutenção de uma gestão escolar democrática viabilizando um trabalho coletivo e solidário; ampliar a participação da comunidade na escola; e auxiliar na escolha de materiais didáticos que estimulem o pensamento crítico e criativo dos alunos. De acordo com o exposto sobre o desenvolvimento infantil, segundo Wallon (1937), o psicólogo, junto com os educadores, deve procurar entender esse processo na sucessão das etapas e dos conflitos provocados pelas crises que pontuam o crescimento. Essa etapa do desenvolvimento na Educação Infantil compreende o movimento da construção do eu psíquico e o entendimento desse processo deve auxiliar os educadores no cotidiano da sua prática pedagógica. Tendo em vista a importância da atuação da Psicologia Escolar nesse nível de escolarização, objetivouse com o presente trabalho entrar em contato com a prática educativa de uma instituição de Educação Infantil a fim de investigar o papel do psicólogo escolar. MÉTODO Participantes Psicóloga escolar que atua em uma escola de Educação Infantil no Plano Piloto de Brasília, que funciona como uma Associação de pais e professores, sem fins lucrativos. Foi fundada em 1982 por um grupo 99 de pais insatisfeitos com o modelo tradicional existente de pré-escola. Pela ligação com os novos movimentos culturais da época, ficou conhecida pela expressão “escola alternativa”. A estrutura administrativa da Associação tem como instância soberana a Assembléia Geral de todos os associados; uma Diretoria Executiva eleita anualmente, composta pelos associados; Conselhos Fiscal e Pedagógico; e Comissões de Trabalhos (Espaço Físico, Higiene e Saúde, Eventos, Comunicação e o “Pequenas Notas”, que é um informativo mensal). A equipe profissional conta com 24 professores, com formação ou em processo de formação acadêmica em diferentes áreas do conhecimento; duas coordenadoras (Psicóloga e Pedagoga); sete colaboradores na equipe de apoio, uma secretária e uma administradora. A escola funciona nos períodos matutino e vespertino, com 12 turmas, sendo 6 em cada período. Atende a 126 alunos e o máximo por sala é de 16 crianças As turmas, todas com dois professores, são denominadas de Ciclos correspondentes às idades de dois a seis anos. Instrumentos Roteiro de entrevista semi-estruturada; gravador de áudio; notas de campo. Procedimento A fim de conhecer o trabalho desenvolvido pela psicóloga da escola foram realizadas três entrevistas e sete observações em diferentes tipos de atividades da rotina escolar. A primeira entrevista foi realizada com a psicóloga e teve por objetivo levantar informações sobre sua formação profissional e sua atuação na escola. A entrevista aconteceu no galpão da escola e foi registrada em áudio e posteriormente transcrita. A segunda entrevista foi realizada com a administradora objetivando levantar dados acerca da estrutura organizacional e funcionamento da Associação. Por último, foi entrevistada a coordenadora pedagógica para conhecer o funcionamento e as atividades desenvolvidas por todos os profissionais da escola. As observações foram feitas em diferentes momentos: duas na sala de aula (roda de histórias, trabalho corporal, atividades plásticas, utilização de combinados); duas no parque e uma de atividade vertical (lanche coletivo, colagem de bandeirinhas para festa junina). Além disso, observaram-se duas reuniões de professores com a psicóloga e a construção conjunta Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 95-104 100 Tatiana Vokoy e Regina Lúcia Sucupira Pedroza entre professores e psicóloga de texto sobre a agressividade infantil. RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com a publicação da Associação Pró Educação Vivendo e Aprendendo (1999) e com o que foi observado na escola, podemos constatar que o principal objetivo da escola é desenvolver as potencialidades da criança, no que diz respeito aos aspectos físico, intelectual, psicológico, afetivo, motor, artístico e social, valorizando suas formas de expressão e ajudando-a a se sentir mais segura e feliz. Além desse objetivo, a escola visa a criação de condições para a socialização, a autonomia e o equilíbrio emocional da criança. Proporcionase a especulação e exploração dos materiais apropriados ao desenvolvimento da criança, integrando sociabilidade, representação e organização do pensamento, através da expressão verbal, corporal e criadora. O embasamento teórico da proposta pedagógica da escola foi sendo desenvolvido a partir das contribuições das teorias sócioculturais, passando pela influência do construtivismo e da psicanálise. Atualmente, existe uma forte presença das idéias de Wallon (1937) sobre o desenvolvimento da criança. Um dos princípios básicos da escola é o respeito à capacidade de responsabilidade da criança. Para tanto, antes do estabelecimento de regras, tudo é combinado entre professores e crianças. Os combinados são resgatados a cada situação de conflito ou de transgressão às regras, procurando-se o estabelecimento dos limites e das possibilidades de relações crianças-adultos e crianças-crianças. O professor encoraja a empatia, o colocar-se no lugar do outro, a conversa e estimula a expressão do “eu não gostei”. Aos poucos, a criança internaliza formas de lidar com situações de conflito baseadas nas noções de respeito e justiça, se tornando mais autônoma para superá-las. Nesse contexto, verificou-se que o professor exerce um papel de organizador das relações sociais no espaço educativo, além de estimular as experiências do grupo, acompanhando as transformações deste, conforme proposto por vários autores.(Kramer, 2000; Sayão & Guarido,1999). Os professores procuram dar oportunidades às crianças de manifestarem suas opiniões, decidirem o que fazer, desde a arrumação da sala até a disciplina do próprio grupo. Tudo isso é feito dentro de uma rotina que compreende uma atividade de concentração seguida de uma de expansão. Uma vez por semana as turmas se encontram no parque e fazem um lanche coletivo e uma atividade vertical, comum a todas as turmas. Ao proporcionar uma rotina com base no conhecimento do ritmo da criança, próprio ao seu estágio de desenvolvimento, coloca-se a questão do outro, do grupo, do social e da relação com os colegas e com os professores. A rotina é um limite e um caminho que indica uma outra forma de satisfação das necessidades da criança (Rego, 1996). Ela conhece o espaço da escola, seu limite físico e social e suas regras de relacionamento. Sendo assim, auxilia-se a organização do seu pensamento, possibilitando planejar ações a serem realizadas futuramente, imaginar eventos e a lidar com ações seqüenciais. As crianças são avaliadas diariamente por meio da observação e registro no diário do professor. São feitos relatórios individuais e do grupo que são entregues bimestralmente aos pais e discutidos em reuniões, com a presença da coordenadora pedagógica e da psicóloga. A atuação da psicóloga nesse contexto consiste no trabalho em equipe pedagógica, composta pelos professores, coordenadora pedagógica e equipe de apoio. A partir da entrevista com a psicóloga, verificamos que sua atuação é permeada pelos ideais da escola e pela utilização de várias áreas da psicologia, tais como: desenvolvimento, clínica, psicologia escolar propriamente dita e organizacional. Como referencial teórico, ela aponta o construtivismo de Piaget, a perspectiva sóciohistórica de Vygotsky e de Wallon e contribuições da psicanálise. Esses vários conhecimentos são utilizados para dar conta da complexidade que envolve o seu trabalho, visto que atua diretamente com as crianças, com os professores, com os pais, com a comunidade e com a equipe pedagógica. Com formação na Universidade de Havana, Cuba, e validação do diploma pela Universidade de Brasília, a psicóloga vem atuando na escola desde 2001, com uma carga horária de 25 horas semanais. As atividades desenvolvidas pela psicóloga relatadas na entrevista foram: Observações em sala de aula Como metodologia de trabalho, a psicóloga utiliza-se da observação participante para colher informações sobre a sala de aula e a história escolar de cada criança. Essas observações são realizadas de forma Psicologia escolar em educação infantil: Reflexões de uma atuação assistemática. Essa metodologia está de acordo com o apresentado anteriormente no item sobre etnografia (Machado & Souza,1997). Nessas observações, são levados em consideração diversos aspectos, enfatizandose as relações com os adultos e com os colegas, as atividades pedagógicas, a sociabilidade e o desenvolvimento psicomotor e emocional da criança. É a partir das informações resultantes dessas observações que a psicóloga faz o seu planejamento de atuação junto à equipe pedagógica. Orientação de professores Com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento de sua prática pedagógica, a psicóloga promove discussões com os professores sobre diferentes temas que surgem no dia-a-dia escolar, tais como, limites, atuações criativas e autoritarismo do professor. De acordo com os “princípios norteadores” referidos anteriormente neste trabalho, constatamos que sua atuação promove a formação continuada e pessoal do professor, como propõem Oliveira (2001) e Pedroza (2003), e possibilita a problematização e questionamento dos conflitos existentes nas relações com os alunos e toda a comunidade escolar. A psicóloga, nessas discussões, também relaciona as atividades pedagógicas com os aspectos do desenvolvimento infantil ao questionar seus objetivos e a sua relevância para o grupo e para cada criança individualmente. Nessas reuniões, a psicóloga cria um espaço de escuta e acompanhamento do cotidiano do professor, propiciando um conhecimento de suas necessidades. Além dessas reuniões com a dupla de professores, também são realizados encontros quinzenalmente à noite para reunir a equipe pedagógica. Nesse momento, são levantados temas para realização de palestras, discussões sobre leituras de textos previamente indicados e planejamento das atividades pedagógicas, festivas e da Associação. Atendimento individualizado de criança A partir da rotina de trabalho de observação em sala de aula, com o objetivo de conhecer as relações estabelecidas na turma, pode-se verificar uma necessidade de atendimento individual a uma determinada criança. Esse atendimento é realizado por meio do diálogo, da utilização de desenhos e de brincadeiras que permitem à criança expressar possíveis sofrimentos ou dificuldades de socialização. Dessa maneira, a psicólo- 101 ga atua de forma problematizadora, conforme apontado por diversos autores (Machado, 2000; Mamede, 2001; Meira, 2000). Quando a demanda transcende o trabalho da psicóloga no espaço escolar, ela encaminha ao profissional especialista, por exemplo, psiquiatra, neurologista, fonaudiólogo. Atendimento aos pais Ao matricular um filho na escola, os pais são chamados para uma entrevista com a psicóloga com o objetivo de promover a integração da escola com a família. Nessa entrevista, é criado um espaço onde os pais podem relatar a história de vida da criança e a dinâmica da família e expressar suas expectativas em relação à escola. Nesse momento, os pais são incentivados a contribuir nas atividades da escola, de acordo com seus interesses profissionais, e são convidados a participar de uma das Comissões da Associação. Além dessas entrevistas iniciais, a psicóloga atende os pais para orientações sobre demandas trazidas pelos professores ou mesmo a pedido da família; também indica leituras para os pais, de acordo com as necessidades. Desse modo, nota-se que o trabalho realizado pela psicóloga contempla a visão de que família e escola devem ser vistas como momentos de união que assumem conjuntamente as responsabilidades pela formação das crianças (Machado, 2000). Reunião pedagógica bimestral Os relatórios individuais e de grupo são discutidos nas reuniões bimestrais, junto com os professores, os pais e a coordenadora pedagógica e a psicóloga, que circulam nos diferentes Ciclos. A participação da psicóloga é relatada como uma atividade fundamental para o conhecimento do desenvolvimento da criança e do grupo. Também se torna um momento de intervenção para a formação dos pais, principalmente em relação ao projeto pedagógico proposto pela escola. A psicóloga comenta que há freqüentemente dúvidas e anseios sobre o papel da Educação Infantil, especialmente no que se refere ao processo de alfabetização. Esses anseios refletem a preocupação dos pais focalizada apenas no desenvolvimento cognitivo, representado como sendo a função mais importante da escola. Ao trabalhar com a concepção de desenvolvimento total, torna-se necessário um trabalho de esclarecimento de questões relacionadas aos dife- Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 95-104 102 rentes aspectos da formação da pessoa, como o psicomotor, a cognição, o afeto e o relacional. Nesse sentido, o processo de alfabetização é visto, nessa proposta, como integrado a todos esses processos. A psicóloga relatou que a única dificuldade vivenciada na sua atuação é a grande demanda de trabalho, uma vez que sua permanência na escola não é de tempo integral. Em relação às atividades desenvolvidas, não se queixa, pois percebe um amplo reconhecimento por toda a equipe da importância do papel do psicólogo escolar. Mesmo assim, a psicóloga considera necessário ter sempre clara a definição do seu trabalho, fundamentando sua atuação nas teorias que construíram a proposta pedagógica da escola. Foi possível observar dois encontros da psicóloga com o grupo de professores, reunidos com a equipe pedagógica. No primeiro encontro, a intervenção da psicóloga referiu-se a orientações sobre temas sugeridos pelos professores, tais como comportamentos de alunos dentro e fora de sala de aula, agitação, violência, além de dificuldades encontradas no dia-a-dia de sala de aula, que vão desde a atuação pedagógica até a relação com a família. A psicóloga forneceu orientações aos professores que abrangeram questões relacionadas à necessidade de uma atuação mais criativa e menos autoritária em sala de aula, a fim de transformar os acontecimentos cotidianos que geram conflitos em momentos pedagógicos. Essa atuação condiz com as idéias de Wallon (Pedroza, 1993). Também se discutiu a percepção dos professores sobre a falta de comprometimento de alguns pais com a educação dos seus filhos bem como estratégias para aumentar o vínculo deles com a escola. A queixa principal dos professores diz respeito à frustração gerada pelo distanciamento da família, que acarreta em uma construção de uma relação de cobrança mútua. Outro assunto levantado foi a inclusão de alunos com necessidades especiais. Os professores relataram as dificuldades encontradas em flexibilizar sua prática docente para atender essas necessidades e pediam ajuda para encontrar estratégias de intervenção em sala de aula assim como encaminhamento a outros profissionais. Após a escuta dos problemas expostos pelos professores, a psicóloga propôs uma discussão com a equipe a fim de encontrar respostas a partir das experiências de cada profissional. Deixou claro que as soluções para essas dificuldades seriam construídas no coletivo, nos diferentes momentos, tais como as reuniões Tatiana Vokoy e Regina Lúcia Sucupira Pedroza pedagógicas e os encontros individuais com os professores que trouxeram aquela demanda específica e estudo de textos sobre o assunto. No segundo encontro, observou-se a construção grupal de um texto sobre a agressividade infantil. Essa atividade explicita o caráter de coletividade da equipe pedagógica. A psicóloga indicou uma bibliografia sobre o tema para que os professores pudessem se preparar para a elaboração final do texto. O tema da agressividade infantil suscitou a discussão sobre o papel do professor como mediador, assim como o desenvolvimento da moral infantil e de valores como justiça, regras e limites. Reconheceu-se a necessidade de acolher as crianças envolvidas em uma situação de agressão, possibilitando o diálogo, a verbalização dos fatos e das emoções, numa conversa sem julgamento e que favoreça um espaço para se pensar alternativas de soluções que exclua o confronto físico. Dessa maneira procura-se evitar rótulos de agressor e de vítima e estimula-se a introjeção do “eu não gostei”. Foi discutida a necessidade da postura do professor frente essa situação para não se envolver emocionalmente, não assumir o papel de juiz e nem cristalizar o conflito. Foi possível observar a constante lembrança da necessidade de se repetir os “combinados” junto aos alunos, com o objetivo de reforçar as regras que regem as relações na escola. A construção desse texto em conjunto fornece uma oportunidade de reflexão, de troca de experiências e de discussão entre os profissionais da escola, em busca de soluções coletivas mediadas pela intervenção da psicóloga escolar. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das entrevistas e das observações sobre a atuação da psicóloga escolar em uma instituição de Educação Infantil, pôde-se constatar a importância da presença desse profissional no desenvolvimento das atividades nesse contexto. A observação do trabalho dessa psicóloga evidencia a relevância da contribuição da Psicologia sem, no entanto, corroborar a noção da onipotência dessa profissão frente aos demais profissionais. Considerou-se relevantes as características particulares dessa instituição para o desenvolvimento do trabalho dessa psicóloga. Contudo, percebemos que esse trabalho evidencia a possibilidade de uma Psicologia escolar em educação infantil: Reflexões de uma atuação 103 intervenção condizente com as nossas propostas de atuação da Psicologia Escolar, fundamentadas numa perspectiva sócio-histórica. A partir dessa perspectiva, acredita-se que o psicólogo escolar deve refletir criticamente sobre as condições sociais para não recorrer ao mecanismo da naturalização como justificativa dos fenômenos psicológicos. Esse modelo mais crítico de atuação deverá substituir o modelo clínico de intervenção. Dessa forma, o modelo clínico deve ser superado por um paradigma interdisciplinar, subjetivador e contextual. Sua atuação deve contemplar todos os envolvidos no complexo relacional existente na escola, como professores, funcionários, família e comunidade. Considerou-se a escola como um espaço em que os diversos saberes são complementares de forma a maximizar a interdisciplinaridade, principalmente na intersecção entre o trabalho dos profissionais da psicologia e da pedagogia. Conclui-se que é fundamental a atuação do Psicólogo na Educação Infantil, a fim de contribuir para o desenvolvimento de recursos da personalidade das crianças, visando a formação de indivíduos autônomos, críticos e solidários. Concordamos com Souza (1997), quando aponta a necessidade da presença do psicólogo no dia-a-dia da escola para criar espaços de diálogo e reflexão a fim de contribuir para a construção de uma escola mais democrática. Considerou-se a relevância deste estudo por vislumbrar novas possibilidades para a construção do papel do psicólogo escolar na Educação Infantil, numa perspectiva teórica e metodológica que permita a compreensão das relações de extrema complexidade e contradição que envolvem o cotidiano da escola. REFERÊNCIAS Machado, A. M. & Souza, M.P.R. (1997). As crianças excluídas da escola. Um alerta para a Psicologia. Em: A.M. Machado & M.P.R de S. Souza (Orgs.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. (pp.35-50). São Paulo: Casa do Psicólogo. Mahoney, A. A. (2002). Contribuições de H.Wallon para a reflexão sobre questões educacionais. Em: V.M.N.de S., Placco (Org.). Psicologia & Educação: revendo contribuições.(pp.09-31). São Paulo: Educ. Mamede, M.M. (2001). Caminhando para a construção de uma pedagogia interativa na creche. Em aberto, 18, (73), 41-53. Meira, M.E.M. (2000). Psicologia Escolar: Pensamento crítico e práticas profissionais. Em: E. de R. Tanamachi; M.L. da Rocha & M.P.R. Souza, (Orgs). Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos. (pp. 35-72). São Paulo: Casa do Psicólogo. Oliveira, S.M.L. (2001). Crenças e valores dos profissionais de creche e a importância da formação continua na construção de um novo papel junto à criança de 0 a 3 anos. Em aberto, 18, (73), 89-97. Patto, M.H.S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A.Queiroz Pedroza, R.L.S. (1993). Freud e Wallon: contribuições da psicanálise e da psicologia para a Educação. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília-DF. Pedroza, R.L.S. (2003). A Psicologia na formação do professor: uma pesquisa sobre o desenvolvimento pessoal de professores do ensino fundamental. Tese de doutorado, Universidade de Brasília, Brasília-DF. Aragão, R. (2001). A psicanálise no campo da educação infantil: uma aplicação possível. Em aberto, 18, (73), 70-77. Associação Pró-Educação Vivendo e Aprendendo. (1999). Escrevendo e Aprendendo. (2a. ed.). Brasília: A Associação. Campos, A.P.S.F.M. (2001). O Psicólogo Escolar e a Educação Infantil: um olhar sobre a inserção desse profissional nas escolas de Brasília. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Brasília-DF. Deldine, R. & Vermeulen, S.(1999). O desenvolvimento psicológico da criança. Bauru: Edusc. Freire, P. (1986). Educação “bancária” e educação libertadora. Em M. H. S. Patto (Org.). Introdução à Psicologia Escolar. (pp.54-70). São Paulo: T.A.Queiroz. Galvão, M.I. (1992). O espaço do movimento: investigação no cotidiano de uma pré-escola à luz da teoria de Henri Wallon. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP. Kramer, S.(2000). Infância e Educação Infantil: reflexões e lições. Em: C.D.P.Leite; M.D.L. de Oliveira; L.M.F. Salles. (Orgs.). Educação, psicologia e contemporaneidade. Novas formas de olhar a escola.(pp. 29-46). Taubaté: Cabral Ed. Universitária. Machado, A. M. (2000). Avaliação Psicológica na Educação: mudanças necessárias. Em: E. de R. Tanamachi; M.L. da Rocha, & M.P.R. Souza (Orgs). Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos. (pp. 143-167). São Paulo: Casa do Psicólogo. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 95-104 104 Rego, T.C.R. (1996). A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. Em: Aquino, J.G.(Org.) (1996) Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas.(pp.83-101). São Paulo: Summus. Sayão, Y. & Guarido.(1997). Intervenção Psicológica em creche/ Pré- escola. Em: A.M. Machado & M.P.R de S. Souza (Orgs.), Psicologia Escolar: em busca de novos rumos.(pp.79-88). São Paulo: Casa do Psicólogo. Souza, M.P.R. (1997) As contribuições dos estudos etnográficos na compreensão do fracasso escolar no Brasil. Em: A.M. Machado & M.P.R de S. Souza (Orgs.), Psicologia Escolar: em busca de novos rumos. (pp.139156). São Paulo: Casa do Psicólogo. Souza, M.P.R. (2000). A queixa escolar na formação de psicólogos: desafios e perspectivas Em: E. de R. Tanamachi; M.L. da Rocha, & M.P.R. Souza, (Orgs). Psicologia e Tatiana Vokoy e Regina Lúcia Sucupira Pedroza Educação: desafios teórico-práticos. (pp.105-142). São Paulo: Casa do Psicólogo. Wallon, H.(1934). Les origines du caractère chez l’enfant. Paris: P.U.F., 1949. Wallon, H.(1937). Psychologie et éducation de l’enfance. Enfance, 3-4, 195-202. Wallon, H. (1939). El personalismo. Em: J. Palácios.(org.) (1987), Psicologia y educacion del niño. (pp. 229-232). Madrid: Aprendizaje Visor/MEC. Wallon, H. (1953). As etapas da socialização da criança. Em: H. Wallon, (1979). Psicologia e Educação da criança.(pp. 183-197). Lisboa: Editorial Veja. Recebido em: 04/06/04 Revisado em: 29/10/04 Aprovado em: 17/11/04 Endereço para correspondência: Tatiana Yokoy: QN 07 conjunto 09 casa 21– CEP: 71805-709 – Riacho – Fundo-DF e-mail: [email protected] ou [email protected] Regina L.S. Pedroza: Colina Bloco H – apto. 302 – CEP: 70.910/900 – Brasília -DF e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 INCLUSÃO ESCOLAR: VISÃO DE ALUNOS SEM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS INCLUSÃO ESCOLAR Nilza Sanches Tessaro1 Ana Sayuri Ribeiro Waricoda² Renata Cristina Marques Bolonheis² Ana Paula Barletta Rosa2 Resumo O presente estudo trata de questões referentes à inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do ensino regular. Teve por objetivo geral verificar a visão de alunos sem necessidades educativas especiais sobre a inclusão escolar. Participaram da pesquisa 40 alunos de escolas públicas de ensino básico com vivências diferentes quanto à inclusão (20 alunos que participavam da inclusão escolar e 20 que não participavam). Foi utilizado um questionário composto por três questões abertas. Os dados foram examinados mediante análise de conteúdo e análise estatística (qui-quadrado). Tais resultados revelaram que a maioria dos participantes demonstrou credibilidade à inclusão escolar, e apontaram várias dificuldades envolvidas nesse processo, destacando-se a discriminação social. Os sentimentos decorrentes da inclusão que predominaram entre os participantes foram positivos. Palavras-chave: Educação; Aluno; Excepcionalidade SCHOLAR INCLUSION: VIEW OF STUDENTS WITHOUT SPECIAL EDUCATIVE NECESSITIES Abstract The present study refers to the inclusion of students with special needs in classrooms of regular schools. The purpose was to assess the opinion students without disability have about inclusive education. A total of 40 students with different experiences regarding inclusion (20 from special schools and 20 from public primary schools) participated in the research. A questionnaire containing three open questions was employed to collect data. The data was examined for content and statistical significance (chi-squared). The results revealed that most of the students have a satisfactory opinion about inclusion. However they have pointed out several difficulties regarding inclusion, in particular, social discrimination. The feeling of most students towards inclusion were positive ones. Keywords: Education; Student; Disability. INTRODUÇÃO O preconceito e a discriminação dos indivíduos diferentes, fundamentalmente os portadores de deformidades físicas e mentais, podem ser observados no decorrer de toda história da humanidade (Bernardi, 2004). Segundo Moussatché (1997), nas sociedades primitivas os deficientes eram condenados à morte. Na Europa medieval, ora eram considerados enviados do divino, ora como obras do demônio. Já no fim da Idade Média os deficientes foram livrados do assassinato, mas se tornaram culpados 1 2 pela própria deficiência. Pessoti (1984) lembra que no período anterior a era cristã os deficientes eram considerados como “coisas” e não como pessoas, sendo negligenciados, maltratados e até eliminados. No final do século XVIII, conforme discute Amiralian (1986), surgiram atitudes mais humanitárias, que, por meio de estudos e pesquisas, buscavam compreender as especificidades do indivíduo portador de necessidades especiais. Bernardi (2004) aponta que os hospícios, nessa Doutora em Psicologia e docente do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Acadêmicas do 5º ano do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. 106 Nilza Sanches Tessaro, Ana Sayuri R. Waricoda, Renata Cristina Marques Bolonheis e Ana Paula Barletta Rosa época, passaram a abrigar não só os deficientes, mas todos aqueles que causavam incômodo à sociedade. Ainda nesse período, iniciou-se uma defesa pelo direito à educação dos desprezados e excluídos pela família e sociedade; com isso, a educação especial, visando a escolarização de crianças anormais, desponta nesse contexto. De acordo com Karagiannis, Stainback e Stainback (1999a), durante o século XIX e grande parte do século XX, a educação especial para alunos com deficiência ocupou lugar de destaque, observando-se uma tendência muito grande à segregação para o controle dos deficientes, consideradas pessoas “indesejáveis”. Já nas últimas décadas do século XX, em função das modificações nas concepções envolvendo a deficiência e a educação especial, foi surgindo uma nova forma de entender a problemática dos deficientes na perspectiva pseudoeducativa. Assim, por volta das décadas de 80 e 90 do século passado, a educação inclusiva, em busca de um único sistema educacional para todas as pessoas, ganha repercussão. Visando melhorias para as condições educacionais, documentos como a Declaração Mundial de Educação para todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) foram criados. Esses documentos têm como objetivo garantir o atendimento das necessidades de aprendizagem de todas as crianças e proporcionar a inserção da educação especial dentro da estrutura ampla da educação (Sant’Ana, 2003). Segundo Fonseca (1995), só se pode falar de integração quando há uma efetiva interação entre deficientes e não deficientes. Os programas de ensino especial devem estar compatibilizados com os do ensino regular; faz-se necessário o convívio social entre os alunos, professores e demais profissionais da escola; e a participação da família é importante nesse processo. A integração é um processo complexo que envolve a adaptação de todas as partes: população geral, profissionais, familiares e a própria pessoa a ser integrada. Torna-se importante, então, não se ter uma visão simplista da educação inclusiva. Sartoretto (2001) a compreende como um processo muito amplo de reforma do sistema escolar. A escola deve abrir espaço para a diversidade humana; os professores devem estar continuamente em busca do aprendizado sobre como se deve ensinar, para que possam proporcionar um ensino de qualidade a todos. Infelizmente como alerta Santos (2001), ainda hoje muitos entendem, erroneamente, a inclusão como simplesmente a prática de colocar pessoas com deficiência estudando com outras não portadoras de necessidades especiais. Vale ressaltar que o princípio básico da educação inclusiva implica na possibilidade de que todas as crianças aprendam juntas, independentemente de suas dificuldades ou diferenças. As escolas devem reconhecer e responder às diversas necessidades dos alunos, acomodando tanto estilos como ritmos de aprendizagem, assim assegurando um ensino de qualidade a todos (Mendes, 2002). Para Glat, Magalhães e Carneiro (1998) a escola inclusiva apenas poderá se concretizar a partir de condições muitos especiais de recursos humanos e pedagógicos. Para esses autores, o despreparo dos professores para receber o aluno com deficiência em sua sala de aula constitui um dos principais óbices para a efetiva inserção desse aluno no sistema regular de ensino. Tesini e Manzini (1999) alertam que integração/ inclusão envolve professores mais capacitados em relação às necessidades especiais, bem como uma pedagogia que se ajuste às necessidades de cada criança e a definição de uma política que venha subsidiar princípios e práticas para as necessidades educativas especiais. Para Gotti (1998), inclusão escolar significa um novo marco conceitual e ideológico, o qual precisa envolver políticas, serviços sociais e comunidade. Implica considerar, aceitar e reconhecer a diversidade na vida e na sociedade, isto é, identificar que cada indivíduo é único, com suas necessidades, desejos e peculiaridades próprias. Atualmente existem várias pesquisas que abordam a temática da inclusão escolar do deficiente. Faleiros (2001), em seu estudo sobre educação inclusiva, verificou que os alunos incluídos apresentaram ganhos quanto à socialização e a aprendizagem, contudo, a escola não fornece o apoio necessário para a inclusão desses alunos. Uma pesquisa desenvolvida por Hemmingson e Borell (2001), com escolas que tinham alunos com deficiência física estudando em classes comuns, mostrou a falta de estrutura das mesmas para atender esse tipo de aluno. Os resultados revelaram barreiras físicas ao acesso às dependências das escolas, representadas pela falta de rampas, elevadores e portas com trinco automático. Também apontaram que muitos alunos tinham Inclusão escolar: Visão de alunos sem necessidades educativas especiais sua participação nas atividades escolares restringida; eram excluídos de algumas atividades manuais, de esporte ou atividades ao ar livre. Concluiu-se, assim, por meio dessa pesquisa, que a maneira como são organizadas as atividades, na maioria das vezes, não conseguem promover a participação de alunos com deficiência física. Martins (1997) aponta, como resultado de sua pesquisa sobre a inclusão do aluno portador de Síndrome de Down, a necessidade de se desenvolver planos e projetos que enfatizem a integração social e escolar dessas crianças, a preparação da comunidade escolar para compreender e atuar frente às diferenças individuais, e a sensibilização da comunidade em geral quanto à integração escolar e social desses indivíduos. Mattos (2000) observou em seu estudo a existência de uma inadequação do paradigma da inclusão e a ausência de um trabalho participativo, entre os educadores e a família, que oriente e esclareça o processo de inclusão de deficientes. Esta autora acredita que este processo se apresenta inadequado a quem necessita dele, e compromete a proposta do sistema escolar brasileiro, que visa assegurar a todos uma educação que considera a cultura da adversidade. Pesquisas têm evidenciado diferenças de opiniões entre alunos não deficientes quanto à inclusão escolar. Sacaloski (2001), ao investigar as opiniões de alunos deficientes auditivos, de alunos ouvintes, de pais e de professores sobre inclusão de alunos deficientes auditivos, verificou que a maioria dos participantes é favorável à inclusão escolar, expressando que os deficientes auditivos devem estudar em classe comum e podem trabalhar e ser bem-sucedidos. Em contrapartida, o estudo desenvolvido por Cambra (2002) mostrou resultado diferente, ou seja, os alunos não deficientes manifestaram que os surdos poderiam ser mais bem assistidos numa escola especial, e expressaram que eles não tinham o mesmo desempenho mostrado pelos ouvintes. Uma pesquisa desenvolvida por Batista (2001), que envolveu alunos de 1ª série do ensino fundamental que tinham alunos com deficiência mental incluídos em sua sala, também revelou que o aluno não deficiente tem dificuldades em aceitar e conviver com os alunos deficientes. Os resultados desse estudo revelaram que os alunos deficientes são aceitos com menos freqüência, passam a maior parte do tempo sozinhos, demonstrando 107 dificuldades tanto para iniciar como para manter e finalizar o contato com os colegas. Esses dados revelam o quanto ainda se faz necessário pesquisas na área. É imprescindível ampliar o conhecimento, desenvolver e testar formas que realmente viabilizem a inclusão escolar. Deve-se ter claro que inclusão não significa apenas transferir o aluno da escola ou da classe especial para a classe comum. Significa, como muito bem expõem Karagiannis, Stainback e Stainback (1999b), incluir todas as pessoas, independentemente de seu talento, deficiência, nível socioeconômico ou cultural, em salas de aula com todas as suas necessidades sendo atendidas.Com isso, pensar em uma escola inclusiva significa, em um primeiro momento, pensar em uma escola para cada um, isto é, em uma escola em que cada aluno seja atendido de acordo com suas necessidades e dificuldades, com recursos e metodologias que propiciem o seu aprendizado e desenvolvimento (Miranda, 2001). Pode-se afirmar que a educação inclusiva é algo que vem se efetivando, mesmo que a duras penas, buscando superar toda uma história de isolamento, discriminação e preconceito. Tem provocado muitos questionamentos, principalmente quando se pensa na escola regular e sua infra-estrutura física e particularmente de recursos humanos. O interesse das autoras pelo tema surgiu, então, a partir de alguns questionamentos que estão presentes principalmente no meio acadêmico (curso de Psicologia), como: a escola possui infra-estrutura adequada para participar da inclusão escolar? Qual é a opinião dos alunos que não possuem deficiência sobre inclusão escolar? Os alunos estão preparados para fazerem parte da inclusão escolar? Os professores estão capacitados para educação inclusiva etc. O tema discutido neste trabalho esteve então centrado na expectativa de responder a algumas destas questões, bem como contribuir para o processo de inclusão escolar e para o bem-estar das pessoas com deficiência. Para tanto, procurou-se conhecer pesquisas, estudos e discussões sobre essa temática, como também verificar a visão de alunos sem necessidades educativas especiais sobre o processo de inclusão escolar, identificando quais são suas expectativas em relação a esse processo, o que pensam acerca das dificuldades envolvidas na inclusão escolar e como se sentem diante da inserção do aluno com deficiência na classe comum do ensino regular. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 108 Nilza Sanches Tessaro, Ana Sayuri R. Waricoda, Renata Cristina Marques Bolonheis e Ana Paula Barletta Rosa MÉTODO Participantes Para a realização dessa pesquisa foi utilizada uma amostra constituída por dois grupos, num total de 40 participantes. O primeiro grupo (G1) foi formado por 20 alunos sem deficiência, que estudavam no ensino regular e participavam da inclusão em escolas públicas de ensino básico de um município localizado no interior do Estado do Paraná. Cinco desses participantes tinham em sua sala de aula colega com deficiência mental, cinco possuíam colega com deficiência visual, cinco tinham colega com deficiência auditiva e cinco estudavam com colega com deficiência física. Dos participantes desse grupo, 50% eram do gênero feminino e 40% do masculino, com idades entre 10 a 20 anos (um participante), sendo que 50% deles encontravam-se na faixa de idade entre 10 e 15 anos e 50% entre 16 e 20 anos. Quanto à escolaridade cinco (25%) cursavam a 3ª série do ensino fundamental, igual número estava cursando a 5ª série do ensino fundamental, cinco o 2º ano do ensino médio e igual número o 3º ano do ensino médio. O segundo grupo (G2) foi constituído por igual número de alunos, que também não possuíam deficiência e que estudavam em classes sem inclusão do ensino básico do mesmo município. Destes alunos, 50% eram do sexo feminino e os demais do masculino, com idades que variavam entre 18 (N=9) a 22 anos (N=2). Todos cursavam o 3º ano do ensino médio. Esses participantes foram selecionados pela própria direção das escolas a que pertenciam, com base no interesse e disponibilidade de cada um em participar da pesquisa. Material Foram utilizados durante a pesquisa documento de anuência da escola, solicitando a autorização da Direção para a coleta dos dados. Termo de consentimento livre e esclarecido, entregue aos pais ou responsáveis dos alunos com menos de 18 anos e aos alunos que já haviam atingido a maioridade, para que pudessem confirmar o recebimento de informações sobre o objetivo do estudo e dar o seu consentimento para a participação na pesquisa e uma ficha de identificação dos participantes, por meio da qual foi possível obter dados relativos à idade, sexo, grau de escolaridade etc. Além disso, foi utilizado um questionário, solicitando a opinião sobre a inclusão escolar (o que pensam em relação à inclusão de alunos com deficiência em salas de aula do ensino regular), a opinião sobre as dificuldades envolvidas no processo de inclusão escolar (dificultadores do processo) e a manifestação dos próprios sentimentos em relação à inclusão (como se sentem diante da inclusão – sentimentos positivos, sentimentos negativos e sentimentos às vezes positivos). Procedimento Primeiramente foram realizados os contatos com as direções das escolas, solicitando a autorização para a coleta dos dados e explicando o trabalho que se pretendia realizar. Após a autorização do Comitê de Ética, para avaliação de pesquisas envolvendo seres humanos, foram feitos os contatos com os participantes ou responsáveis, por meio dos quais foram explicados os objetivos do trabalho. Posteriormente ao consentimento de cada um deles, foi entregue o questionário, o qual foi respondido individualmente na presença da pesquisadora. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados foram organizados com base nos questionários aplicados e examinados mediante análise de conteúdo. Dentre as várias técnicas que contemplam a análise de conteúdo, a análise categorial foi a empregada para trabalhar com os dados desta pesquisa. Destarte, dados foram categorizados, apresentados em tabelas e trabalhados quantitativamente por meio de teste estatístico, no nível de 0,05 como margem de erro. Para a validação da categorização foram usados dois juízes independentes, fazendo-se o cálculo de correlação entre suas avaliações (Siegel, 1956). Foi obtido como resultado uma alta concordância entre os juízes. Opiniões sobre inclusão escolar Dimensões 1- Aspectos negativos: incluíram as respostas dos participantes que apontaram problemas e dificuldades e negaram a inclusão como forma de Inclusão escolar: Visão de alunos sem necessidades educativas especiais solução. Exs.: “a escola do ensino regular não está preparada”, “ruim”, “errado” etc. 2- Aspectos positivos: dimensão em que os participantes apresentaram as vantagens, os benefícios, à aceitação da inclusão escolar. Exs.: “ótimo”, “Ideal”, é “Importante”, “Forma de perceber que a deficiência não é impedimento” etc. 3- Às vezes é positivo: dimensão em que o participante indicou uma condição ou uma parcialidade envolvendo a questão da inclusão. Exs.: “alguns casos sim”, “com deficiência profunda não”, “mais ou menos”, etc. 4- Aspecto legal: dimensão em que os participantes se referiram aos direitos, aos deveres etc. da pessoa deficiente, tanto no âmbito social como no cultural. Exs.: “é um direito”, “está previsto na lei”, “educação para todos” etc. 109 alunos deficientes incluídos na sala de aula comum. Exs.: “é gritante o pouco investimento na educação”, “falta de estrutura física”. Os dados que pertencem à Tabela 1 mostram que 55,3% das respostas apresentadas pelos participantes sobre o que acham de incluir aluno com deficiência na classe comum do ensino regular referem-se à dimensão aspectos positivos, que incluiu as vantagens, os benefícios, credibilidade e aceitação da inclusão escolar, seguida de 32,4% para a dimensão aspectos negativos, referentes a problemas, dificuldades, falta de credibilidade e aceitação da inclusão escolar. Por meio do teste de homogeneidade, verificou-se que as respostas emitidas pelos grupos nas dimensões são similares, sendo χ²o = 0,88 para o χ²c = 3,84; portanto, a Ho não foi rejeitada. Tabela 1: Opinião sobre inclusão escolar entre os alunos. Dimensões G1 G2 Total F % F % F % 1- Aspectos negativos 2- Aspectos positivos 3- Às vezes positivo 4- Falta de estrutura da escola e investimento na educação 5- Falta de preparo/capacitação profissional 6- Aspecto legal 22 30 1 1 35,5 48,4 1,6 1,6 15 33 1 1 28,8 63,5 1,9 1,9 37 63 2 2 32,4 55,3 1,8 1,8 3 4,8 – – 3 2,6 5 8,1 2 3,9 7 6,1 Total Média das respostas 62 3,1 100 – 52 2,6 100 – 114 2,9 100 – 5- Falta de formação/capacitação profissional: incluiu as respostas em que os participantes mencionaram o despreparo dos profissionais para participarem da inclusão escolar. Exs.: “a maioria dos profissionais não são especializados nessa função”, “os professores do ensino regular não estão preparados” etc. 6- Falta de estrutura da escola e investimento na educação: essa dimensão envolveu as manifestações em que os participantes apontaram as dificuldades, os problemas, a pouca estrutura e investimento na escola para poder realizar um trabalho adequado com os Ao considerar cada grupo isoladamente, observase que a dimensão prevalente nos dois grupos (G1 e G2) foi aspectos positivos. A prevalência foi de 48,4% para o grupo dos alunos que participavam da inclusão e 63,5% para o grupo dos alunos que não participavam da inclusão. O teste de homogeneidade aqui utilizado mostrou que as respostas emitidas pelos participantes dos dois grupos são muito similares nesta dimensão (sendo χ²o = 1,32 para o χ²c = 3,84). Esses dados sugerem que a maioria dos alunos que participaram da pesquisa se mostrou confiante e favorável à inclusão escolar. Resultado similar a esse foi identificado por Sacaloski (2001) em um estudo Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 110 Nilza Sanches Tessaro, Ana Sayuri R. Waricoda, Renata Cristina Marques Bolonheis e Ana Paula Barletta Rosa desenvolvido com alunos ouvintes sobre inclusão escolar, em que os mesmos acreditavam que os deficientes auditivos deveriam estudar na classe comum, pois poderiam ter um bom desenvolvimento. O fato de a maioria dos alunos sem necessidades educativas especiais demonstrar credibilidade na educação inclusiva pode ser entendido como positivo, principalmente quando se considera que inclusão representa também respeito e aceitação à diversidade. Nesse momento, é imprescindível destacar que só se pode falar em integração, como aponta Fonseca (1995), quando há uma efetiva interação entre deficientes e não deficientes. Para tanto se faz necessário o convívio social entre os alunos, professores e demais profissionais da escola. A integração é um processo complexo que envolve a adaptação de todas as partes: população geral, profissionais, familiares e a própria pessoa a ser integrada. Torna-se importante destacar que educação inclusiva trata-se de um processo complexo que, segundo Gotti (1998), envolve um novo paradigma conceitual e ideológico, o qual precisa envolver políticas, programas, serviços sociais, comunidade etc. Com isso, é necessário aceitar e reconhecer a diversidade na vida e na sociedade, isto é, identificar que cada indivíduo é único, com suas necessidades, desejos e peculiaridades próprias. Acredita-se, portanto, que a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em classe comum do ensino regular apenas terá condições de se concretizar quando realmente houver respeito e aceitação à diferença; ou seja, quando não existirem mais o preconceito, a discriminação e a ignorância. Enfim, quando as pessoas que não possuem necessidades educativas especiais conseguirem aceitar, conviver, interagir e acreditar que os deficientes possuem não apenas limites, mas também potencialidades. Opiniões sobre os dificultadores da inclusão Dimensões 1- Falta de estrutura das escolas: dimensão em que os participantes indicaram as dificuldades, os problemas, ou seja, a falta de estrutura das escolas para participar da inclusão escolar. Exs.: “falta de estrutura física da escola”, “número elevado de alunos em sala”, “espaço físico inadequado”, “salas lotadas” etc. 2- Falta de preparo/capacitação dos profissionais: incluiu as dificuldades, ou seja, o pouco preparo dos profissionais para trabalhar com alunos deficientes em sala de aula comum. Exs.: “falta de esclarecimento do professor sobre a deficiência”, “falta de preparo do professor”, “falta de preparo do diretor” etc. 3- Falta de preparo dos demais alunos: dimensão em que as emissões verbais evidenciaram as dificuldades, os problemas, ou seja, o despreparo, o pouco conhecimento do aluno não deficiente sobre a inclusão e sobre o deficiente e a deficiência. Exs.: “a não-preparação do aluno sem deficiência quanto à integração”, “falta de preparo dos alunos para receber o aluno deficiente” etc. 4- A não-aceitação da inclusão: essa dimensão incluiu as manifestações indicativas de resistência ou oposição à inclusão do deficiente no ensino regular. Exs.: “resistência do pai”, “a falta de aceitação” etc. 5- Discriminação social: refere-se às respostas que versaram sobre as situações que evidenciam a falta de aceitação, ou seja, o preconceito com o deficiente e a deficiência. Exs.: “a rejeição”, “o fato do aluno se ver como diferente”, “a ignorância de certas pessoas”, “discriminação”, “preconceito” etc. 6- Não sei e nada: incluiu as respostas em que os participantes não mencionaram nenhum dificultador da inclusão. Exs.: “não sei”, “nada”. 7- Falta de apoio dos colegas: dimensão em que o participante apontou como barreia à inclusão a falta de apoio dos colegas aos alunos deficientes. Ex.: “falta de apoio dos alunos” . Os dados apresentados na Tabela 2 revelam que 56,3% das respostas emitidas pelos participantes sobre os dificultadores/barreiras da inclusão escolar referemse à dimensão discriminação social, seguida da dimensão falta de preparo dos profissionais (14,1%) e da dimensão falta de estrutura das escolas (9,4%). Os grupos também emitiram respostas que pertencem a outras dimensões, como pode ser observado na respectiva tabela. Para testar a significância destas ocorrências, recorreu-se ao teste de homogeneidade, em que os resultados mostram serem as respostas emitidas Inclusão escolar: Visão de alunos sem necessidades educativas especiais 111 Tabela 2: Opiniões sobre os dificultadores da inclusão escolar entre os alunos. Dimensões G1 G2 Total F % F % F % 1- Falta de estrutura das escolas 2- Falta de preparo dos profissionais 3- Falta de preparo dos demais alunos 4- Discriminação social 5- Falta de apoio/auxílio dos colegas 6- A não-aceitação da inclusão 7- Não sei 8- Nada 4 5 5 21 2 1 – – 10,5 13,2 13,2 55,2 5,3 2,6 – – 2 4 – 15 – 2 13,8 2 7,7 15,4 – 57,7 – 7,7 1 7,7 6 9 5 36 2 3 1,5 2 9,4 14,1 7,8 56,3 3,1 4,7 Total Média das respostas 38 1,9 100 – 26 1,3 100 – 64 1,6 100 – pelos grupos similares - o χ²o = 2,26 para o χ²c = 3,84; portanto, a Ho não foi rejeitada. Esses resultados evidenciam que a maioria dos participantes considera a discriminação social como o principal empecilho para efetivação da inclusão escolar. O fato dos participantes terem considerado a discriminação social como o principal óbice ao processo de inclusão escolar torna-se muito interessante, principalmente quando se considera que nesse estudo eles se mostraram confiantes e favoráveis à inclusão escolar. Talvez esse resultado possa ser justificado pelo fato dos participantes identificarem quão preconceituosas ainda são as pessoas que não possuem necessidades educativas especiais e quanta dificuldade elas têm para aceitar e conviver com a diversidade. Acredita-se, ainda, que a discriminação social foi apontada pelos participantes como o principal dificultador da inclusão escolar pelo fato de o deficiente ainda ser visto como incapaz e limitado. Torna-se importante ressaltar que o preconceito e a discriminação dos indivíduos diferentes, fundamentalmente os portadores de deformidades físicas e mentais, conforme alerta Bernardi (2004), podem ser observados no decorrer de toda história da humanidade. As atitudes em relação às pessoas com deficiência na maioria das vezes foram negativas. No período anterior a era cristã, os deficientes, como mostra Pessotti (1984), nem mesmo pessoas eram considerados, mas sim “coisas” que não possuíam alma. É no século XX, mais especificamente a partir da segunda metade, que se verifica uma melhor aceitação do deficiente, bem como uma tendência à sua inserção na sociedade. 3,1 Ao aplicar o teste de homogeneidade para testar a significância entre as respostas emitidas pelos grupos em cada dimensão, verificou-se que os grupos emitiram respostas semelhantes na maioria das dimensões. A exceção foi a dimensão falta de preparo dos demais alunos (χ²o = 5,0 para χ²c = 3,83). Esse resultado revela que as respostas emitidas pelos grupos nessa questão não são semelhantes. Apenas o G1 apresentou respostas que pertencem a essa dimensão. Um aspecto que também deve ser considerado é o fato de boa parte dos participantes acharem que o principal óbice ao processo de inclusão escolar é a não-capacitação dos profissionais. Assim como esses participantes, verificamse autores, como Glat e colaboradores (1998), Tesini e Mazini (1999), que também apontam a falta de preparo dos profissionais/professores como o principal dificultador da inclusão escolar. Esses autores são categóricos ao afirmar que a inclusão escolar apenas terá possibilidade de acontecer se essas barreiras forem superadas. Destarte, parece evidente que um projeto dessa natureza requer, no mínimo, escolas bem estruturadas e professores capacitados para lidar e atender as necessidades e especificidades de cada aluno. Tornase claro que se essas barreiras/dificultadores não forem eliminadas a inclusão não deixará o plano imaginário. Manifestação do próprio sentimento quanto à inclusão escolar Dimensões 1- Sentimento negativo: envolveu as respostas em que os participantes manifestaram sentimentos Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 112 2- 3- 4- 5- Nilza Sanches Tessaro, Ana Sayuri R. Waricoda, Renata Cristina Marques Bolonheis e Ana Paula Barletta Rosa “desagradáveis” emergidos da inclusão. Exs.: “medo”, “mal”, “angustiada”, “impotente”, “insegura” etc. Sentimento positivo: Incluiu as respostas em que os participantes se mostraram receptivos e favoráveis à inclusão escolar. Exs.: “tranqüila”, “uma proposta interessante”, “acho normal” etc. Sentimentos às vezes positivos: dimensão em que o participante indicou uma condição ou uma parcialidade quanto ao sentimento sobre inclusão escolar. Exs.: “se aluno possui potencial acho bom”, “tem que ser muito bem avaliado caso a caso”, “depende da família” etc. Falta de preparo dos profissionais: aglutinou as respostas em que os argüidos manifestaram preocupação com a formação e capacitação dos professores, diretores, ou seja, de todos os envolvidos nesse processo. Exs.: “professores sem habilidade para trabalhar” , “ professores não capacitados” etc. Não sei: aglutinou-se as respostas em que os participantes não conseguiram manifestar nenhum sentimento. dimensões, portanto a Ho não foi rejeitada, sendo χ²o = 0,66 (χ²c = 3,84). Os alunos, ao serem indagados sobre seu próprio sentimento em relação à inclusão escolar, apresentaram também respostas que se referem à dimensão falta de preparo do professor (5,5%), o que evidencia sua preocupação com essa questão. Ao considerar cada grupo, observaram-se algumas diferenças que podem ser consideradas significativas. O grupo dos alunos que não participavam da inclusão (G2) obteve um percentual menor na dimensão sentimentos negativos (12,1%) do que o grupo de alunos que participavam da inclusão (37,5%). Ao aplicar o teste de homogeneidade verificou-se que os grupos emitiram respostas diferentes nesta dimensão, portanto a Ho foi rejeitada, sendo χ²o = 6,36 (χ²c = 3,84). Esse resultado sugere que um número maior de alunos que participavam da inclusão (G1) possuem sentimentos negativos em relação à inclusão escolar. Talvez isso tenha ocorrido pelo fato de que os alunos do G2 não tiveram a experiência de estudar com alunos deficientes, portanto, não sentiram de perto o quanto ainda se discrimina e exclui o aluno com necessidades educativas especiais em uma sala de aula, que na maioria das vezes não foi preparada para recebê-lo e Tabela 3: Manifestação do próprio sentimento sobre inclusão entre os alunos. G1 G2 Total Dimensões F 15 18 2 2 % 37,5 45,0 5,0 5,0 F 4 22 2 2 % 12,1 66,6 6,1 6,1 F 19 40 4 4 % 26,0 54,8 5,5 5,5 3 7,5 3 9,1 6 8,2 Total 40 100 33 100 73 100 Média das respostas 2,0 1,8 - 1234- Sentimento negativo Sentimento positivo Às vezes positivos Falta de preparo profissional 5- Não sei Os dados da Tabela 3 revelam que as respostas prevalentes entre os participantes pertencem à dimensão sentimentos positivos (54,8%), sugerindo que os alunos, ao expressarem esses sentimentos, sentemse bem com a inclusão escolar. No entanto, vale destacar que um número significativo de respostas (26,0%) pertence à dimensão sentimentos negativos. O teste de homogeneidade aqui aplicado mostra que os grupos emitiram respostas semelhantes sobre as 1,7 - muito menos para lhe possibilitar um bom desenvolvimento acadêmico. Merece destaque aqui um estudo desenvolvido por Batista (2001) com alunos portadores e não portadores de deficiência de uma escola de ensino fundamental. O estudo observou que os alunos deficientes não eram bem aceitos pelos demais colegas e passavam a maior parte do tempo sozinhos, apresentando dificuldades tanto para iniciar como para finalizar contatos com os colegas. Inclusão escolar: Visão de alunos sem necessidades educativas especiais Outro aspecto digno de nota é o fato de um percentual significativo de respostas dos participantes pertencerem à dimensão sentimentos negativos (26,0%). Isso indica que, apesar de um número alto de alunos se sentirem bem com a inclusão escolar, um número considerável deles manifestou sentimentos negativos. Portanto, não se pode generalizar e afirmar que os alunos sem deficiência se sentem bem com a inclusão escolar. Esses resultados deixam evidente a complexidade de se efetivar a educação inclusiva. Autores como Santos (2001), Carvalho (1997) Sartoretto (2001) dentre outros, também apontam essa complexidade. Sartoretto (2001) é categórica ao afirmar que educação inclusiva envolve um processo muito amplo de reforma do sistema escolar. Para essa autora, a escola deve abrir espaço para a diversidade humana; os professores devem estar continuamente em busca do aprendizado sobre como se deve ensinar, para que possam proporcionar um ensino de qualidade a todos. CONCLUSÃO O estudo apresentou dados que permitem algumas reflexões sobre o processo de inclusão de alunos com deficiência em classes comuns do sistema regular de ensino. Pois o intuito desse trabalho foi conhecer a visão de alunos sem necessidades educativas especiais de escolas públicas de ensino básico sobre educação inclusiva. Os principais resultados indicam que a maioria dos alunos que participaram dessa pesquisa se mostrou favorável à inclusão escolar, demonstrando credibilidade nesse processo. Os participantes expressaram várias dificuldades envolvidas no processo de inclusão de alunos com deficiência no sistema regular de ensino, destacando-se: a discriminação social e falta de preparo dos profissionais. Os sentimentos decorrentes do processo de inserção do aluno com deficiência em classe comum do ensino regular que predominaram entre os participantes do estudo foram positivos do tipo: “é normal”, “tranqüilo” . Esses resultados evidenciam que a maioria dos alunos sem necessidades educativas especiais é favorável à inclusão escolar e possuem sentimentos positivos em relação a esse processo. O que é muito interessante do 113 ponto de vista da inclusão escolar, a aceitação e a credibilidade dos alunos sem necessidades educativas especiais no processo de inserção do aluno com necessidades educativas especiais no ensino regular é sem dúvida importante e imprescindível para o sucesso desse processo. Entretanto, os dados deixam explícitos que ainda se faz necessário muito investimento, bem como estudo e conhecimento. Isso porque a inclusão é um processo complexo que, conforme lembra Tesini e Manzini (1999), necessita da definição de uma política que subsidie princípios e práticas para as necessidades educativas especiais, construindo normas uniformes sobre a igualdade de oportunidades para as pessoas portadoras de deficiência, além de uma pedagogia que atenda as necessidades de cada aluno. Torna-se importante destacar que um processo dessa natureza requer não apenas a aceitação e a credibilidade das pessoas, mas também que as escolas se preparem, ou seja, se estruturem tanto no âmbito físico como de recursos humanos para receber um aluno com necessidades educativas especiais. O professor, no contexto da educação inclusiva, como aponta Glat e colaboradores (1998), deve estar preparado para lidar com as diferenças, com a singularidade e a diversidade de todos os alunos. Deve-se ter claro que os princípios norteadores da inclusão defendem que as escolas devem estar preparadas para identificar e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem, assim garantindo uma educação de qualidade a todos (Mendes, 2002). Conclui-se, assim, que a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em classe comum do ensino regular pode ser viável, desde que se tenha presente à complexidade de tal processo, o qual requer muito investimento e comprometimento, principalmente dos órgãos governamentais. Igualmente se faz necessário muito estudo e pesquisa para ampliar o conhecimento, desenvolver e testar formas que viabilizem a verdadeira inclusão escolar. Enfim, este estudo deixa evidente a complexidade e a abrangência do tema, sendo por isso impossível encerrá-lo, ou melhor, esgotá-lo nas dimensões desse estudo, sugerindo-se que outras pesquisas sejam feitas. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 114 REFERÊNCIAS Nilza Sanches Tessaro, Ana Sayuri R. Waricoda, Renata Cristina Marques Bolonheis e Ana Paula Barletta Rosa Karagiannis, A.; Stainback, W. & Stainback, S. (1999b). Fundamentos do ensino inclusivo. Em S. Stainback (Org.), Inclusão um guia para educadores (pp. 21-34). Porto Amiralian. M. L. T. M. (1986). Psicologia do excepcional. São Alegre: Artes Médicas Sul. Paulo: EPU. Martins, L. A. R. (1997). Integração escolar do portador da Batista, M. W. (2001). Inclusão escolar e deficiência mental: Síndrome de Down – um estudo sobre a percepção dos a análise da interação social entre companheiros. educadores. Tese de Doutorado não publicada, Dissertação de Mestrado não publicada, Universidade Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN. Federal do Espírito Santo, ES. Mattos, E. A. de (2000). Contribuições do estudo e proposta Bernardi, E. S. (2004). Inclusão escolar: opinião de pais de para o processo de inclusão do aluno com necessidades crianças sem necessidades educacionais especiais. educacionais especiais – deficiente mental – na escola Dissertação de Mestrado não publicada, Pontifícia regular. Tese de Doutorado não publicada, Universidade Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP. de São Paulo, SP. Brasil (1994). Declaração de Salamanca e linha de ação sobre Mendes, E. G. (2002). Perspectivas para construção da escola as necessidades educativas especiais. Brasília. CORDE. inclusiva no Brasil. Em M. S. Palhares & S. C. F. Marins Cambra, C. (2002). Acceptance of deaf students by hearing (Orgs.), Escola Inclusiva (pp. 61-85) São Carlos: students in regular classrooms. American Annals of the EduFSCar. Deaf, 147 ( 1), 38 - 43. Miranda, M. J. de (2001). Educação, deficiência e inclusão Carvalho, R.E. (1997). Falando da integração da pessoa deficino município de Maringá. Dissertação de Mestrado ente: conceituação, posicionamento, aplicabilidade e não publicada, Universidade Estadual de Maringá, viabilidade. Em M. T. E. Mantoan (Org.), A integração de Maringá, PR. pessoas com deficiência: contribuições para uma Moussatché, A. H. (1997). Diversidade e processo de reflexão sobre o tema (pp. 202-210) São Paulo: Memnon: integração. Em M. T. E. Montoan (Org.), A integração de Editora SENAC. pessoas com deficiência (pp. 10-12) São Paulo: Memnon: Faleiros, M. H. S. (2001). A inclusão de alunos com deficiência SENAC. mental na perspectiva de suas professoras e produções Pessoti, I. (1984). Deficiência mental: da superstição à acadêmicas. Dissertação de Mestrado não publicada, ciência. São Paulo: T. A. Queiroz. Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP. Sacaloski, M. (2001). Inserção do aluno deficiente auditivo Fonseca, V. (1995). Educação Especial: programa de no ensino regular: a comparação entre o desempenho estimulação precoce. Uma introdução às idéias de dos alunos ouvintes e deficientes auditivos e a visão Feurstein. Porto Alegre: Artes Médicas. dos pais, professores e alunos. Tese de doutorado não Glat, R., Magalhães, E. F. C. B. de & Carneiro, R. (1998). publicada, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP. Capacitação de professores: primeiro passo para uma Sant’ana, I. M. (2003). Educação Inclusiva: Concepções de educação inclusiva. Em M. C. Marquezine; M. A. Almeida; Professores e Diretores. Dissertação de Mestrado, E. D. O. Tanaka; N. N. R. Mori & E. M. Shimazaki (Orgs.), Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Perspectivas multidisciplinares em educação especial SP. (pp. 373 - 378) Londrina: Ed. UEL. Santos, M. S. (2001). O desafio de uma experiência. Em M. T. Gotti, M. O. (1998). Integração e Inclusão: nova perspectiva E. Mantoan (Org), Caminhos pedagógicos da inclusão sobre a prática da educação especial. Em M. C. (pp. 113-134), São Paulo: Memnon. Marquezine; M. A. Almeida; E. D. O. Tanaka; N. N. R. Santos, M. S. (2001). O desafio de uma experiência. Em M. T. Mori & E. M. Shimazaki (Orgs.), Perspectivas E. Mantoan (Org.), Caminhos Pedagógicos da inclusão: multidisciplinares em educação especial (pp. 365 – 372) como estamos implementando a educação (de Londrina: Ed. UEL. qualidade) para todos nas escolas brasileiras (pp.16Hemmingson, H. B. L. & Borell, L. (2001). Environmental 123) São Paulo: Memnon. barriers mainstream schools. Accepted for publication , 22,8 Santos, M. T. C. da (2001). Caminhos interrompidos. Em M. T. Karagiannis, A., Stainback, S., & Stainback, W. (1999a). Visão E. Mantoan (Org.), Caminhos pedagógicos da inclusão: geral histórica da inclusão. Em S. Stainback & W. como estamos implementando a educação para todos Stainback (Orgs.), Inclusão: um guia para educadores nas escolas brasileiras (pp.195- 122) São Paulo: Memnon. (pp. 35 – 47). Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Inclusão escolar: Visão de alunos sem necessidades educativas especiais Sartoretto, M L. M. (2001). Uma conquista de pais, professores e alunos. Em M. T. E. Mantoan (Org.), Caminhos pedagógicos da inclusão: como estamos implementando a educação (de qualidade) para todos nas escolas brasileiras (pp. 95-134) São Paulo: Memnon. Siegel , S. (1956). Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York: McGraw Hill. Tesini, S. F. & Manzini, E. J. (1999). Perspectivas de professores que trabalham com deficientes mentais sobre a proposta 115 de inclusão na rede oficial de ensino. Em E. J. Manzini (Org.), Integração do aluno com deficiência: perspectiva e prática pedagógica (pp. 85-96) Marília: UNESP. Recebido em: 22/09/04 Revisado em: 20/10/04 Aprovado em: 29/10/04 Endereço para correspondência: Nilza Sanches Tessaro: Av. Parigot de Souza, 184 – apto 101 – CEP: 87013-300 – Maringá - Paraná e-mail: [email protected] Ana Paula Barletta Rosa: Avenida Mário Clapier nº 724 – Bloco K apto. 17 – Jardim Universitário – CEP: 87020-260 – Maringá – Paraná e-mail: [email protected] Ana Sayuri Ribeiro Waricoda: Rua 7 de setembro nº 432 – Jardim Ferrari – CEP: 18405060 – Itapeva – SP e-mail: anasayuriw @pop.com.br, [email protected] Renata Cristina Marques Bolonheis: Rua Fernandes Vieira nº 128 Zona 2 – CEP: 87010340 – Maringá – Paraná e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 105-115 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 O PROFESSOR E O ALUNO EM LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO PAPEL DO PROFESSOR Jeyse Martins 1 Caroline Catozzi1 Flávia Sayegh1 Isabel Cristina Dib Bariani2 Resumo Liberdade Assistida é uma medida sócio-educativa que visa reintegrar na sociedade o adolescente que cometeu ato infracional e, como critério para essa condição, é necessário que esse adolescente esteja freqüentando regularmente uma instituição escolar. Diante disso, esse trabalho investigou as possíveis dificuldades identificadas por professores na relação com esse aluno em situação especial. Participaram dessa pesquisa oito informantes, todos professores de alunos em Liberdade Assistida (LA), de ambos os gêneros e com consciência prévia da condição legal do aluno, aos quais foi solicitado que respondessem individualmente a um questionário com 12 perguntas. As informações obtidas foram analisadas quantitativa e qualitativamente. Os resultados indicam que os professores encontram dificuldades na relação com o adolescente em LA, explicitando, nesse sentido, a necessidade de cursos de orientação para esses professores, além de um investimento maior de pesquisas relacionadas a essa problemática. Palavras-chave: Medidas Sócio-educativas; Relação Professor-aluno; Adolescentes TEACHER AND THE STUDENT IN ASSISTED FREEDOM: AN EXPLORATORY STUDY Abstract Assisted freedom is a social-educational measure that has the purpose of reintegrating the violator teenager in the society and, as a criterion for this condition, this teenager must be attending in a regular school. Therefore, this work investigated the possible difficulties which were identified by the teachers in the relationship with these students in Assisted Freedom condition. The eight teachers of both genders who participated in this research, working with students in Assisted Freedom, who were previously aware of the student’s legal condition, were asked to answer a questionnaire with 12 questions individually. The information obtained was analized quantitative and qualitatively. The results indicate that the teachers have difficulties in the relationship with the violator teenager, which emphasize the necessity of guidance to these teachers, in adition more investment in researches related to this problem. Keywords: Social-educational Measure; Student-teacher Relationship; Teenagers INTRODUÇÃO De acordo com Sêda (1998) o adolescente que transgredir a lei deverá ser julgado de acordo com a gravidade de seu ato, podendo ser designado a cumprir uma das seis medidas sócio-educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), das quais duas são ministradas em meio fechado (internação em unidades de semiliberdade e reclusão em casa de 1 2 internação) e quatro em meio aberto (advertência, obrigação de reparação ao dano, prestação de serviço à comunidade e Liberdade Assistida). O ECA foi implantado em 1990, incorporando novos princípios, tais como a desestatização -atribuindo a responsabilidade por seu cumprimento ao governo e comunidade-; desjudicialização -criando conselhos de Graduandas do curso Psicologia da PUC-Campinas. Doutora pela Faculdade de Educação da UNICAMP e docente da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas. 118 Jeyse Martins, Caroline Catozzi, Flávia Sayegh e Isabel Cristina Dib Bariani direito da criança e do adolescente, os quais devem controlar como as políticas públicas cumprem ou não aquilo que foi convencionado- e descentralização municipalizando e favorecendo que possíveis questões sejam resolvidas ao nível mais próximo da comunidade (Cecom, 2000). Além disso, ele propicia aos jovens que infringiram a lei a possibilidade de readaptação social, ao afastar o adolescente do Código Penal e adotar uma liberdade vigiada, longe das prisões de adultos e criminosos comuns (Moreira, 1997). Assim, a Liberdade Assistida é uma medida sócio-educativa, prevista nos artigos 112, 118 e 119 do ECA, que tem como objetivo reintegrar à sociedade os adolescentes que transgrediram a lei. Segundo esse mesmo estatuto, verificada a prática do ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente a medida de Liberdade Assistida, que será adotada sempre que se afigurar como a mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. Ao definir a medida que deverá ser aplicada, a autoridade levará em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (CMDCA, 2000). Caso se decida pela Liberdade Assistida, será designada uma pessoa, o orientador, capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. O orientador, com o apoio e supervisão da autoridade, deve promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendolhes orientação e inserindo-os, se preciso, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; deve promover sua matrícula escolar, supervisionar a freqüência e o aproveitamento acadêmico do adolescente; além disso, deve, também, incentivar a profissionalização e a sua inserção no mercado de trabalho. Por fim, o orientador tem o encargo de apresentar o relatório do caso às autoridades competentes (CMDCA, 2000). Segundo dados da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (FEBEM), há apenas 200 técnicos para trabalhar com cerca de 15 mil adolescentes em Liberdade Assistida no Estado de São Paulo; assim, em tese, cada profissional precisaria orientar 75 jovens; no entanto, na cidade de São Paulo esse número sobe para 133, pois mais da metade dos infratores em Liberdade Assistida estão nessa cidade (Squeff, 2000). O programa de Liberdade Assistida é uma alternativa considerada progressista para ressocializar o jovem que cometeu ato infracional dentro da sua comunidade. O programa cresceu muito no Estado de São Paulo, porém, enfrenta um sério problema, pois para funcionar é necessário uma estrutura de atendimento personalizado e constante: acesso à escola, trabalho e apoio familiar. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), não há, no Brasil, alguma instituição que possa ser apontada como modelo ideal para a recuperação de jovens. Isso ocorre, pois a prática é diferente do que está definido no arcabouço teórico e na proposta de funcionamento dessas instituições, como por exemplo, a FEBEM. Essa instituição foi denunciada pela Anistia Internacional como centro de tortura sistemática; ainda, outras entidades afirmam que os jovens são tratados como presos adultos, amontoados e sem acompanhamento especializado (Squeff, 2000). Dados da FEBEM indicam que, entre 1997 e 1999, o número de mortes de adolescentes no seu programa de Liberdade Assistida cresceu 68%; em 1997 81 jovens morreram, contra 136 em 1999. A instituição justifica o aumento do número de mortes e reincidentes pelo crescimento do número de jovens no programa. Em 1997, eram 12.145 adolescentes atendidos e em 1999 eram 16.665. Dezenas de jovens em Liberdade Assistida estão sendo assassinados a cada mês. De maio de 1999 a maio de 2000 foram 184 mortes, sendo que desses, 67 teriam sido mortos por envolvimento com drogas e 13 pela polícia. Segundo Conceição Paganele, presidente da Associação de mães da FEBEM, essas mortes são reflexo da dificuldade dos adolescentes em arrumar um emprego devido ao preconceito que sofrem (Squeff, 2000). A Fundação Telefônica, desde janeiro de 2005, desenvolve um projeto com cerca de 50 adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativas, com idade entre 12 e 18 anos, na cidade do Guarujá/SP. Esses adolescentes contam com o apoio do projeto “Medida Legal – Inclusão Digital”, cujo objetivo é promover a inclusão digital favorecendo a inclusão social, para isso oferece acompanhamento individual, apoio sóciofamiliar, encaminhamento escolar, matricula em cursos de iniciação profissional, além de disponibilizar um laboratório de informática, com 12 computadores, ligados em rede e com acesso à internet (Fundação Telefônica, 2004). Em Londrina/PR, tem sido implementado o projeto “Murialdo”, o qual tem por objetivo integrar jovens que cumprem medidas sócio-educativas à escola. A iniciativa desenvolvida com professores da rede pública atende O professor e o aluno em liberdade assistida: Um estudo exploratório 250 adolescentes em conflito com a lei na prestação de serviços à comunidade, na inserção em cursos profissionalizantes e na reintegração desses ao ensino regular. Desde sua implementação em março de 2005, o projeto acompanhou 90 casos, sendo que desses houve apenas três reincidências (Avancini, 2005). Sabe-se que a Liberdade Assistida pode ser uma medida válida para reintegrar o adolescente que transgrediu a lei. No entanto, de um modo geral, vê-se a necessidade de uma melhor reorganização e empenho para que a medida traga ainda mais benefícios, tanto ao adolescente quanto à sociedade. O adolescente que cometeu ato infracional Sabe-se que o indivíduo não se torna infrator aleatoriamente, ele é impulsionado ao mundo do crime por diversos fatores, dentre eles: êxodo rural, migração interna, crescimento demográfico, desagregação familiar, pobreza e os meios de comunicação de massa. Esse conjunto de situações acaba contribuindo para que, determinados adolescentes, tenham uma percepção falha da realidade, dessa forma, eles são expostos constantemente aos perigos da sociedade que os incorpora no mundo do crime (Queiroz, 1984). A maioria dos adolescentes que cometem ato contrário à lei provém de famílias paupérrimas e desorganizadas. O pai é, em geral, uma figura ausente, principalmente devido ao alcoolismo, abandono, prisão, uso de tóxicos e falecimento. Já a mãe é uma figura mais presente, no entanto, os casos de ausência dessa decorrem de abandono, falecimento, prostituição, psicose e prisão (Violante, 1984). Diante dessa estrutura familiar, o adolescente vivencia agressões e pressões para trabalhar e ajudar a família, o que o leva a buscar na rua a complementação das carências sofridas dentro de casa (Edmundo, 1987). É nesse momento que convive e incorpora valores ilegitimados socialmente e inicia-se em pequenos crimes. Ainda, há adolescentes que são apresentados ao mundo do crime por seus próprios familiares (Queiroz, 1984). O adolescente que cometeu ato infracional, além de ser um retrato da sociedade marginalizada do sistema capitalista, representa também uma resposta à esse sistema, agindo muitas vezes por meio de condutas antisociais (Violante, 1984). Sabe-se que é característica do sistema capitalista o acúmulo de riquezas, assim, o adolescente influenciado pela mídia, tem a necessidade de fazer parte dessa sociedade de consumo que lhe 119 “garante” a conquista de sua felicidade. Dessa forma, pertencendo a uma classe social marginalizada e sem recursos financeiros, a saída encontrada por esse adolescente, muitas vezes, é o ingresso na criminalidade (Queiroz, 1984). Após essa explanação sobre o contexto em que se insere o adolescente transgressor da lei, é interessante destacar a sua vivência dentro de uma instituição como a FEBEM, cuja principal proposta é isolá-lo, recuperálo e reintegrá-lo a sociedade, colocando-o dentro dos considerados padrões normais de comportamento (Edmundo, 1987). A vivência do adolescente na FEBEM é determinada por um processo de ressocialização que enfatiza a educação e a profissionalização por meio da disciplina e punição. É importante apontar que, nem sempre, a profissionalização garante ao adolescente sua reinserção, apesar dela ser uma alternativa individual e corresponder a uma oportunidade de trabalho. Ademais, a rapidez do avanço tecnológico contribui para a obsoletização dessa, visto que não existem programas de reciclagem profissional para os egressos da instituição (Queiroz, 1984). Nessa instituição, o adolescente está sujeito constantemente à agressões físicas, morais e psicológicas por parte dos monitores. Surge, nesse contexto, a imposição da chamada lei do silêncio, ou seja, os adolescentes não delatam o monitor que cometeu maus tratos, pois esse e sua equipe são os responsáveis pela avaliação de sua conduta. Instala-se, assim, um processo educativo bastante diferente do divulgado na teoria. (Queiroz, 1984). Frente a essa realidade, não é surpreendente que o adolescente tenha uma visão negativa da instituição, conforme é explicitado nas suas próprias falas: ...A FEBEM não recupera ninguém, ao contrário, aqui se aprende coisas com os outros... e pelo tratamento que dão ao menor.... Não recupera porque não tem educação certa... ninguém se importa com o menor, não há compreensão, troca de idéias.... A gente sai com bronca, depois de levar uma vida de cachorro, preso, de apanhar, dá vontade de aprontar mais..... ...Isso não é jeito de tratar, a borrachada ...os caras saem pior, mais revoltados.... ...Se recupera, recupera lá fora.... A FEBEM não está com nada... é uma besteira! (falas de acordo com Violante, 1984, p. 166). Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 120 Jeyse Martins, Caroline Catozzi, Flávia Sayegh e Isabel Cristina Dib Bariani Por sua vez, a visão que os funcionários da instituição têm dos adolescentes é que eles são provenientes das dificuldades da vida, da situação financeira da família, do mundo das drogas e de problemas psicossocias genéricos (Queiroz, 1984). Além disso, os técnicos da instituição, em geral, apresentam um forte sentimento de estar lidando com pessoas de alta periculosidade, fato esse comprovado no momento da avaliação individual do adolescente, que, na maioria das vezes, é realizada com as portas abertas (Violante, 1984). A egressão desses é marcada, principalmente, por um estigma permanente de criminoso. A representação sócio-cultural é caracterizada por órgãos de repressão e falta de assistência no processo de reintegração desse adolescente. A própria família e a vizinhança reforçam sentimentos de rejeição e conflitos psicológicos. Em consequência, ele interioriza uma visão negativa de si e desacredita que com o trabalho honesto conseguirá o sucesso sonhado, ou seja, a participação nos benefícios da sociedade (Cunha, 1999). A polícia representa um importante papel no processo de marginalização do adolescente que cometeu ato infracional. Isso porque ela incentiva e é cúmplice na prática criminal, aceitando e, às vezes, solicitando suborno para ocultar crimes e soltá-los da delegacia (Edmundo, 1987). A polícia é vista, pelo adolescente que cometeu ato infracional, como aquela que o persegue e o ameaça com a lei e a força. Essa situação justifica sua forma de vida contraditória, isto é, ele acredita que se não fosse perseguido, estigmatizado, se tivesse uma família boa, se alguém o ajudasse, ele poderia estudar e trabalhar para vencer na vida. Essa explicação sempre vem acompanhada por outra: que ele não suporta a escola. Isso pode ser observado na fala de um adolescente: “... não se aprende nada, só leva bronca da professora...” (Queiroz, 1984, p. 112). Esse autor aponta que, o que os jovens odeiam, fundamentalmente, é o não reconhecimento de sua humanidade, de sua potencialidade como ser humano. Tal rejeição se expressa por meio de suas carências mais variadas: afetivas (não conhecem a amizade desinteressada, o amor sem interesse), sociais (são vistos como marginais, bandidos ou pobres, desclassificados), psicológica (não impõem respeito, nem despertam simpatias, respeito “só de arma na mão”) e material (não têm acesso aos bens de consumo necessários à sua sobrevivência e à caracterização de um estilo de vida digno perante a sociedade). Assim, uma breve discussão sobre a relação do professor-aluno e, em especial do adolescente em LA, é abordada a seguir com o intuito de compreender de forma mais abrangente essa visão do adolescente para com a escola e vice-versa. A Relação Professor-Aluno A sala de aula não se resume apenas a um espaço de transmissão de conhecimento, pois nela ocorrem interações de caráter social, político, econômico, filosófico, psíquico e teológico (Moraes, 1996). No entanto, nem sempre essas interações ocorrem de forma consciente, sendo que, o professor, às vezes, até rejeita a idéia de que exerce influência no seu fazer pedagógico (Cunha, 1989). Existe, entre o aluno e o professor, um jogo de expectativas relacionadas aos respectivos desempenhos. Parte da relação professor-aluno já é pré-determinada socialmente e isso é explicado pela teoria da representação social, ...que são saberes populares do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida modificam os dois... (segundo Oliveira e Werba, 1998, p. 105). Nesse sentido, supõe-se uma expectativa negativa do professor em relação ao adolescente que cometeu ato infracional, podendo esse relacionar a figura do aluno com o atual quadro de violência no Brasil. Além disso, sobre o professor e o aluno há todo o peso das relações institucionais (Cunha, 1989). Há, ainda, os estereótipos, que são idéias pré-concebidas com pouca ou nenhuma base real, sendo que ambos, estereótipos e expectativas, levam ao agir de forma a provocar nos outros reações que os confirmam e validam (Maia, 1995). Segundo Coll e Miras (1996), existe uma “profecia de autocumprimento”, ou seja, um conjunto de expectativas que o professor tem sobre o aluno ideal, a saber: atenção, participação, motivação, responsabilidade, interesse pelo trabalho, constância, respeito às normas de relação com os colegas e com o professor. O professor e o aluno em liberdade assistida: Um estudo exploratório Outros fatores que interferem no comportamento do professor estão especialmente ligados ao contexto social e institucional. De acordo com Cunha (1989) as principais influências dos professores são: a vivência do professor enquanto ex-aluno, a sua experiência profissional, a sua formação pedagógica e a sua prática social mais ampla (sua história de vida, seus valores, sua atuação política partidária ou engajamento associativo - e suas atitudes perante a atual realidade social). O que produz uma diferença qualitativa de uma sala de aula para outra é o grau de consciência do professor acerca da realidade das relações (informais) das pessoas em grupo e a conseqüente utilização dela como instrumento de promoção do crescimento integrado dos alunos (Hernandez, 1997). Outras diferenças qualitativas no desempenho do docente são o domínio do conteúdo, a capacidade de interpretá-lo e localizá-lo histórica e socialmente, a preocupação que a instituição escolar tem com sua própria competência, o gosto pelo estudo e honestidade no trato do conhecimento e dos alunos (Cunha, 1989). Em relação ao aspecto econômico, a variável que pode interferir na prática docente é a questão salarial. Segundo muitos professores a baixa remuneração é apontada como maior desestímulo para a constituição de um professorado competente e entusiasta, o que remete a uma desvalorização profissional. Segundo Cunha (1989) as condições de trabalho, tais como local inadequado para as atividades escolares, material disponível, principalmente bibliotecas, e imobilismo da própria escola enquanto instituição social, são apontadas como fatores de dificuldade na atuação do profissional. Contudo, uma pedagogia baseada na relação entre as pessoas se apresenta como uma tentativa de síntese entre o trabalho de instrução e de socialização dos indivíduos, que utiliza o grupo como uma alavanca da formação e, ao mesmo tempo, como o objetivo dessa formação em si. Dessa maneira, o temor respeitoso do estudante pela autoridade, representada pelo professor, e/ou sua rebelião contra a mesma serão gradativamente substituidos pelo efetivo respeito e pela cooperação à medida que for desvelado que professores são, afinal de contas, igualmente humanos (Hernandez, 1997). Nesse sentido, as propostas em geral privilegiam a idéia de que é necessário um professor consciente das questões sociais e competente tecnicamente para engajar-se na luta em favor da melhoria das condições de vida da população 121 (Cunha, 1989). Diante desse quadro teórico fica claro que a Liberdade Assistida é uma boa alternativa no processo de reintegração do adolescente que cometeu ato infracional, desde que coordenada e planejada por profissionais capacitados e sensíveis à realidade social do país. No Brasil, onde existe uma grande discrepância entre as classes sociais, é comum que o índice de criminalidade seja alto. Dessa forma, também, não se torna incomum a presença de crianças e adolescentes envolvidos no mundo do crime. É nesse contexto que a Liberdade Assistida adquire um caráter alternativo, pois, estando sob esse regime, o adolescente, obrigatoriamente, terá que freqüentar a escola durante todo o processo. Assim, sabendo-se que o professor representa um importante papel no desenvolvimento e formação sóciocognitivo-emocional do aluno, é evidente que será um grande precursor e motivador na regeneração do adolescente que cometeu ato infracional. O objetivo deste trabalho foi identificar e descrever as possíveis dificuldades que professores encontram na relação com alunos em Liberdade Assistida, considerando-se o autoconceito, as perspectivas de futuro e o conceito que o adolescente, que cometeu ato infracional, tem sobre as instituições sociais e vice-versa; e a importância da relação professor-aluno. MÉTODO Participantes O critério adotado para a participação nesse estudo foi que os professores de alunos em regime de Liberdade Assistida (LA) tivessem conhecimento prévio da condição desses. Assim, contou-se com a colaboração de oito professores, com idade média de 34,8 anos, os quais tinham como alunos adolescentes que cometeram ato infracional, provenientes de diversas séries da escola regular e que estavam em regime de Liberdade Assistida. Todos trabalhavam em um externato, sem fins lucrativos, de uma cidade do interior paulista, que mantém um programa sócio educativo de LA, oferecendo cursos profissionalizantes a adolescentes, em horário oposto ao que freqüentam a escola regular. Desses professores, somente um era do gênero masculino, ou seja, 87,5% dos informantes eram do gênero feminino. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 122 Jeyse Martins, Caroline Catozzi, Flávia Sayegh e Isabel Cristina Dib Bariani Material O instrumento utilizado na presente pesquisa foi construído após a revisão da literatura, sendo que optouse pela elaboração de um questionário, com questões fechadas e abertas, devido à praticidade de utilização dessa técnica frente ao assunto tratado e a escassa disponibilidade de tempo dos profissionais. A fim de verificar a clareza do material, foi realizada uma testagem piloto com cinco professores da rede pública, os quais afirmaram ser o instrumento inteligível e coerente aos objetivos propostos. O questionário contém um total de 17 questões, que buscam atender aos objetivos propostos nesse trabalho, sendo 12 são fechadas e cinco abertas. Essas questões permeiam assuntos como: dados pessoais; realização de curso (aperfeiçoamento, especialização ou pós-graduação); tempo de experiência como professor; tempo de experiência como professor de aluno em Liberdade Assistida; instituições que adquiriu experiência como professor de adolescentes em situação de Liberdade Assistida; participação de curso que visava ajudá-lo a lidar com alunos em Liberdade Assistida; aspectos positivos e negativos quanto à formação e preparo profissional para o trabalho com adolescentes em Liberdade Assistida; percepção de diferenças entre os alunos em Liberdade Assistida em relação aos demais; influências do professor na vida dos seus alunos; influência do professor na vida do adolescente em Liberdade Assistida, da mesma forma e sob os mesmos aspectos que na vida dos demais alunos; completar a frase: Para mim, o adolescente em regime de liberdade assistida é ...; dificuldades para lidar com o aluno em situação de Liberdade Assistida; ter informação sobre o crime cometido pelo adolescente infrator em Liberdade Assistida; inserção do aluno em situação de Liberdade Assistida na sociedade”. Procedimento A aplicação do questionário ocorreu individualmente, em lugar reservado e em horário previamente agendado com cada professor. Antes de responder ao questionário foi solicitado que cada informante assinasse um Termo de Consentimento para Participação da Pesquisa, conforme recomendação da Resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde (Conselho Nacional de Saúde, 1996), a respeito de pesquisas envolvendo seres humanos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Constatou-se que 87,5% dos participantes trabalharam em apenas uma instituição com alunos em Liberdade Assistida e, desses, 42,8% participaram de algum curso de orientação e aperfeiçoamento para lidar com esse adolescente, ou seja, apenas três professores realizaram esse tipo de preparação. Nas questões relativas à experiência profissional, notou-se que o tempo médio de experiência como professor foi de 9,3 anos (vale ressaltar que apenas dois dos sujeitos tinham experiência superior a 15 anos) e o tempo médio de experiência como professor de adolescentes em Liberdade Assistida foi de 1,4 anos. Embora os dados obtidos indiquem que 62,5% dos informantes afirmaram não encontrar dificuldades no trabalho com adolescente em Liberdade Assistida (LA), 75% apontaram que esses alunos são diferentes dos outros, caracterizando-os como inseguros, agressivos, revoltados, com grande necessidade de chamar atenção, além de pertencentes a um ambiente familiar problemático, no qual existe uma dificuldade de estabelecer e respeitar limites, conforme observa-se em suas afirmações: “São mais revoltados”; “Eles querem sempre chamar a atenção”; “A dificuldade está no espaço em que os mesmos foram criados, onde eles fazem o que bem entendem, não havendo limites” Os comportamentos acima apontados pelos professores como uma diferenciação entre o aluno em Liberdade Assistida e os demais, são indicados por Queiroz (1984) como atitudes que expressam as carências mais variadas desses adolescentes. Os demais professores (37,5%), que afirmaram encontrar dificuldades no trabalho com alunos em LA, indicaram, no geral, a falta de motivação e o preconceito social sofrido pelos mesmos como fatores que dificultam seu trabalho. Isso pode ser observado na resposta de um dos informantes ao referir-se à participação desses estudantes às atividades escolares: “Na maioria das vezes eles participam devido à situação com a justiça, não vestindo a camisa” O professor e o aluno em liberdade assistida: Um estudo exploratório A partir das dificuldades indicadas pelo professor pode-se concordar com Coll e Miras (1996) quando esse afirma que a “profecia de autocumprimento” está presente na relação ensino-aprendizagem. Segundo a maioria dos informantes, o adolescente em LA é uma pessoa que errou em algum momento, mas deve ter a chance de redimir-se de seu erro. Isso pôde ser identificado em frases, tais como: “Para mim o adolescente em regime de liberdade assistida é igual a todos os outros, que um dia errou e tenta se reabilitar, contando com a ajuda de todos nós”; “O adolescente em regime de liberdade assistida é uma pessoa com o direito de reestruturarse socialmente e psicologicamente” Pode-se notar que apesar das representações sociais descritas por Oliveira e Werba (1998) presentes na interação entre o professor-aluno em LA, esses educadores acreditam na possibilidade de reabilitação desses adolescentes, buscando, de alguma forma, auxiliar sua reinserção social; mesmo assim, é possível identificar no professor comportamentos e sentimentos que demonstrem expectativas negativas em relação ao adolescente que cometeu ato infracional conforme citado acima. Nesse sentido, é provável que esses professores relacionem a figura de seus alunos ao atual quadro de violência no Brasil. Foi solicitado que os professores apontassem aspectos positivos de sua formação profissional, no entanto, apenas 25% responderam adequadamente à essa questão e, desses, todos indicaram a realização de curso de graduação como um aspecto positivo. Responderam sobre os aspectos negativos 62,5% dos informantes; todos citaram o pouco conhecimento sobre diversos aspectos que tangenciam as questões do adolescente em LA e problemas na graduação (falta de estudos sobre o tema especificamente, falta de preparo prático e insegurança). Quando questionados sobre as principais influências do professor sobre a vida de seus alunos em geral, todos apontaram de que modo influenciam esses alunos. Assim, 37,5% dos informantes apontaram o amor, a paciência, o respeito e a confiança como formas de aproximar o aluno do professor e assim influenciá-lo positivamente. A maioria das respostas (62,5%) indicou que o professor é um modelo para o aluno, conforme explicitado nas seguintes frases dos informantes: 123 “O professor deve ser o segundo pai ou mãe; mostrando para o aluno a importância do estudo na vida” “O professor, muitas vezes, serve como exemplo (bom ou mal). Cabe a nós (professores) saber usar esses “benefícios” a favor da educação” “No caso do aluno em LA, eles procuram referência” Também, foi questionado se eles acreditam influenciar o adolescente em Liberdade Assistida da mesma forma e sob os mesmos aspectos que os demais alunos. Nesse caso, 75% das respostas foram afirmativas e 25% disseram que esse aluno busca alguma referência, podendo ele, enquanto professor, contribuir ainda mais para sua formação. Vale ressaltar que a maioria dos informantes (75%) afirmou que não busca identificar qual o crime cometido pelo adolescente em LA. Hernandez (1997) indicou que o que diferencia qualitativamente as produções na sala de aula é a existência das relações informais entre as pessoas do grupo, e os professores dessa pesquisa apontaram que a criação de vínculos afetivos favorece sua influência sobre os alunos. Conforme indicado acima, 62,5% dos informantes disseram que o professor é um modelo para os estudantes utilizando como justificativa, na maioria dos casos, que esses adolescentes provém de famílias desestruturadas, sem muita referência. Nesse sentido, esses docentes apresentaram uma visão bastante próxima à dos funcionários da FEBEM identificada por Queiroz (1984) e apontada no estudo de Violante (1984), ou seja, eles acreditam que esses adolescentes são usuários de substâncias psicoativas, e que provêm das dificuldades da vida e da situação financeira da família. Todos responderam que o professor deve promover a inserção do adolescente em LA, sendo que 43% indicaram que isso deve ocorrer pela criação de novas oportunidades de estudo e trabalho; 28,6% sugeriram que essa inserção é favorecida na ausência de preconceitos e 28,6% mostraram que o bom desempenho de seu papel de professor (promoção de atividades extraclasse, orientação de trabalhos em grupos, reforçamento de comportamentos adequados) já é suficiente para promover a inserção do adolescente em LA. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 124 Jeyse Martins, Caroline Catozzi, Flávia Sayegh e Isabel Cristina Dib Bariani Verificou-se que a totalidade dos informantes afirmou que promovem a inserção do adolescente em LA, sendo que 25% não explicaram como o fazem, outros 25% afirmaram levar para a sala de aula anúncios com propostas de emprego, 37,5% realizam atividades em grupo para promover a sociabilidade, e 12,5% oferecem atividades extra-classe (concursos, passeios, etc). Portanto, não foram observadas discrepâncias quando questionados sobre o que eles acreditam que possa ajudar na reintegração social do aluno e o que realmente é feito por eles. Levando-se em consideração o objetivo desse trabalho, os resultados obtidos demonstram que os professores apresentam-se despreparados, de alguma forma, pela falta de orientação direcionada para o trabalho com Liberdade Assistida, sendo que todos apontaram a falta de conhecimento sobre o assunto como um aspecto negativo em seu trabalho. Esse fato pode estar relacionado tanto à recente criação dessa medida sócio-educativa, quanto, conforme apontado por Cunha (1999), à escassez de produção científica acerca do assunto, dificultando, assim, a criação de cursos e palestras eficazes sobre o tema especificamente. Como consta na literatura, a sala de aula não é um espaço apenas para transmissão do conhecimento, é, também, um local onde ocorrem interações, trocas de conhecimento e vivências entre o professor e o aluno (Moraes, 1996). Observou-se que o professor tem esta consciência: de que deve influenciar e exercer um papel importante na reintegração social do adolescente em Liberdade Assistida. Ainda, Hernandez (1997) coloca a necessidade de se ter um professor consciente de seu papel e das questões sociais para uma melhoria de toda a população. Com base nesse trabalho pode-se afirmar que, conforme apontado por autores como Moreira (1997) e por instituições como CMDCA (2000) a Liberdade Assistida é uma forma bastante interessante e viável de reabilitação do jovem que cometeu ato infracional. No entanto, fica claro na presente pesquisa que todos os professores desses adolescentes encontram dificuldades nessa interação. Tratando-se de uma relação social é necessário a conscientização por parte do professor e do aluno para que exista um convívio mais produtivo e saudável, sem conflitos e estereotipias; ademais, é necessária uma maior preparação profissional e emocional do professor para lidar com esse tipo de situação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esse trabalho, um primeiro passo foi dado no sentido de sistematização de dados sobre uma importante realidade – a educação formal de adolescentes em Liberdade Assistida – constituindo-se na abertura de um campo promissor para pesquisas teóricas e aplicadas. Dentre as diferentes possibilidades e necessidades de investigações pode-se apontar a necessidade de pesquisas que analisem as expectativas de um número maior de professores nessa condição, de diferentes instituições, que adotem variadas propostas pedagógicas; pesquisas longitudinais, que descrevam a trajetória educativa desses alunos, seus anseios e realizações; e pesquisas aplicadas, que verifiquem o efeito nos adolescentes em LA de diferentes condições de ensino-aprendizagem. Considerando que a Liberdade Assistida é uma medida sócio-educativa, é mister destacar a necessidade de se preparar adequadamente os profissionais responsáveis pelo processo de readaptação social dos adolescentes submetidos a essa medida. Em particular, destaca-se a importância de criação de cursos de reciclagem profissional, que propiciem o aperfeiçoamento de professores que recebem alunos em LA, que os auxiliem a compreender a condição do aluno e a possibilidade de sua reinserção social, o que, conseqüentemente, favorecerá a realização de um trabalho educativo de qualidade. No entanto, frente à situação salarial do professorado brasileiro, considerase que o ideal seria que tais cursos fossem viabilizados financeiramente por instituições governamentais e disponibilizados, especialmente, em áreas de maiores incidências de casos de Liberdade Assistida. Em suma, o término do presente estudo evidenciou que, à despeito da relevância, o tema aqui abordado é carente de investimentos. Espera-se, portanto, que os resultados aqui apresentados sirvam para alertar profissionais da área e para encorajar outros pesquisadores a se aprofundar na problemática. O professor e o aluno em liberdade assistida: Um estudo exploratório REFERÊNCIAS Avancini, C. Clipping Paraná: Projeto integra jovens que cumprem medidas sócio-educativas à escola em Londrina-PR. Disponível em http:www.ciranda.org.br/ 2004/clippingfull.php?mode=ver&idego=435. Acessado em 13/06/2005. Cecom, C. (2000). Construindo o Futuro: Ação e Articulação pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Porto Alegre: Artmed Editora. CMDCA – Campinas-SP (2000). Estatuto da Criança e do Adolescente. 10ª. Ed., São Paulo:CMDCA. Coll, C. & Miras, M. (1996). A representação mútua professor/ aluno a suas repercussões sobre o ensino e a aprendizagem. Em C. Coll, J. Palácios, & A. Marchesi (Orgs.) Desenvolvimento Psicológico e Educação – Psicologia da Educação.(pp. 265-280) Porto Alegre: Artes Médicas. Conselho Nacional de Saúde. Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996. Disponível em: http:// www.datasus.gov.br/conselho/resol96/res19696.htm. Acessado em 24/02/2003. Cunha, A. C. (1999). O dia seguinte: A vida além dos Muros de Adolescentes Egressos do Programa Casas de Convivência – FEBEM/DT2. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP. Cunha, M. I. (1989). O bom professor e a sua prática. Campinas: Papirus. Edmundo, L. P. (1987). Instituição: Escola da Marginalidade. São Paulo: Editora Cortez. 125 Fundação Telefônica (2005). Notícias: Funcionários Telefônica contribuem com o projeto de atendimento a jovens no Guarujá. Disponível em http:// w w w. t e l e f o n i c a . c o m . b r / i n t e r n a s / l i n k s / link_fundacao_home.htm. Acessado em 13/06/2005. Hernandez, J. A. E. (1997). Relações interpessoais e processos grupais no ensino. Aletheia, 5 (1), 51-55. Maia, D. S. (1995). Refletindo sobre as relações interpessoais na escola. Revista do Professor, 42(11), 44-45. Moraes, R. (1996). Sala de aula: Que espaço é esse? Campinas:Papirus. Moreira, D. (1997). Os direitos individuais e as garantias processuais do adolescente infrator, e o procedimento de apuração da prática do ato infracional. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo-SP. Oliveria, F. O. & Werba, G. C. (1998) Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Editora Vozes. Queiroz, J. J. (1984). O mundo do menor infrator. São Paulo: Editora Autores Associados. Conselho Nacional de Saúde. (1996). Resolução No 196/96 Sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Brasília, Ministério da Saúde. Seda, E. (1998). A criança e sua convenção no Brasil. São Paulo: Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. Squeff, L.; (2000). Children’s Rights. Folha Online [On-line]. Disponível: http://www.brazilnetwork.org/child2.htm. Violante, M. L. (1984). O dilema do Decente Malandro. São Paulo: Editora Cortez. Recebido em: 11/01/05 Revisado em: 08/06/05 Aprovado em: 23/06/05 Endereço para correspondência: Jeyse Martins: Av. Presidente Kennedy, 299 – Vila Suíça – CEP: 13334-170 – Indaiatuba – SP e-mail: [email protected] Caroline Catozzi: Avenida Washington Luis, 2700 – apto. 81 – Bloco B – CEP: 13043000 – Campinas – SP e-mail: [email protected] Flavia Sayegh: Rua Cap. Pinto Ferreira, 65 – apto. 61– CEP: 01423020 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Isabel Cristina Dib Bariani: Rua Uruguaiana, 646 – apto. 72 – CEP: 13026001 – Campinas – SP e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 127-134 TELEAVALIAÇÃO DA HABILIDADE DE LEITURA NO ENSINO INFANTIL E FUNDAMENTAL TELEAVALIAÇÃO DA HABILIDADE DE LEITURA Elizeu Coutinho de Macedo1 Fernando César Capovilla2 Carolina Cunha Nikaedo3 Fernanda Tebexreni Orsati3 Katerina Lukasova3 Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla4 Cléber Diana3 Resumo O desenvolvimento da Internet possibilitou criar instrumentos computadorizados para avaliação psicológica no contexto escolar, porém é necessário verificar a eficácia dessas tecnologias. Este estudo avaliou a viabilidade de aplicar via Internet o Teste de Competência de Leitura Silenciosa On-line para avaliar a habilidade de decisão lexical. Participaram 415 crianças de Ensinos Infantil (EI) e Fundamental (EF), com idade média de 8,24 anos (DP=1,23). O teste foi aplicado via Internet e os dados armazenados automaticamente. Resultados mostram que a pontuação aumentou em função da série, com diferenças significativas entre séries sucessivas, exceto entre 3a e 4a série. Análise dos erros em função do tipo de itens revelou que crianças de EI3 apresentaram dificuldade de acesso ao léxico ortográfico. O padrão de respostas na aplicação via Internet foi semelhante ao da versão tradicional. Tais resultados mostram que é viável usar a Internet para coletar dados de testes baseados em constructos teóricos. Palavras-chaves: Leitura; Avaliação; Computadores; Internet. LONG DISTANCE ASSESSMENT OF READING ABILITY IN SCHOOLARS Abstract Technological advances have permitted devising new Internet-mediated psychological assessment tools for the school context. It is necessary to evaluate the efficacy of such instruments. This study analyses the validity of The Silence Reading Skills Test-On-line for assessing lexical decision skills. The study involved 451 children with mean age of 8,24 (SD=1,23) from pre-school and primary school. The test was administered through Internet with automatic result recording. Results showed that scores increased significantly over successive school levels (except from 3rd to 4th grade). Error analysis revealed that pre-school children have difficulty with orthographic lexicon. The Web-based application produced response patterns equivalent to those obtained in the typical paper and pencil application. Results corroborated the feasibility of using the Internet for collecting data of tests based on theoretical constructs. Keywords: Reading; Assessment; Computers; Internet. 1 Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Docente Faculdade de Psicologia e Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2 PHD em Psicologia pela Temple University, Livre docente em Psicologia Clínica pela USP e Docente do Programa de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo. 3 Mestrandos em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. 4 Doutora e Pós-Doutorada em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e Docente do programa de Avaliação Psicológica da Universidade São Francisco. 128 Elizeu Macedo, Fernando Capovilla, Alessandra Capovilla, Carolina Nikaedo, Fernanda Orsati, Katerina Lukasova e Cléber Diana INTRODUÇÃO O desenvolvimento da Internet e o uso de instrumentos computadorizados como ferramentas pedagógicas possibilitaram criar programas de ensino e avaliação de habilidades acadêmicas à distância (Alderson, 2000). O ensino por meio de computadores, conhecido como e-learning, permite aprender em contextos dinâmicos sem limites temporais e espaciais (Asselmeyer, 2004). Watts e colaboradores (2004), usando conceitos de e-learning, conduziram um estudo para avaliar a eficiência do programa “Expresso Para Escolas”. Desenvolvido com a finalidade de aumentar habilidades literárias, esse programa era transmitido por Internet via satélite para escolas. Resultados revelaram um aumento nas habilidades avaliadas pelo programa e na autonomia de execução pelas crianças avaliadas. Psicólogos e psicometristas podem usar a Internet para conduzir coleta de dados à distância de modo eficaz e compreensivo (Buchanan 2002; Maheu & Gordon, 2000), seguro e preciso (Naglieri col al., 2004), econômico e rápido (Epstein & Klinkenberg, 2001), além de amplo e compreensivo. A Internet permite avaliar simultaneamente, de maneira rigorosamente precisa, um vasto número de habilidades de um grande número de pessoas distribuídas num vasto território, e obter os resultados em tempo real; tudo a um custo muito baixo. A elevada acessibilidade à população e o baixo consumo de recursos materiais e humanos requeridos por esse tipo de avaliação decorrem da facilidade de aplicação. Esta pode ser feita a partir de qualquer computador conectado a rede, além da análise automática dos resultados em tempo real (Birnbaum, 2004). A elevada precisão da avaliação computadorizada decorre de características como a padronização das instruções, interação entre o conteúdo do teste e seu delineamento, tabulação e análise automática dos resultados por meio da aplicação de tabelas de dados normativos previamente armazenadas (Epstein & Klinkenberg, 2001). A coleta à distância também permite assegurar o anonimato, além de um menor impacto da situação de avaliação. Dentre as desvantagens no uso da Internet destacam-se a necessidade de recursos tecnológicos nem sempre universalmente acessíveis, a ansiedade gerada no contexto de aplicação e a falta de familiaridade com o computador, principalmente por indivíduos de nível socioeconômico e cultural baixos (Buchanan, 2002). Outras dificuldades dizem respeito à menor garantia de representatividade amostral, uma vez que não há registro central dos usuários; falta de controle sobre o ambiente experimental e sobre o estado psicológico dos participantes; possível variação na forma de apresentação de acordo com tipo de computador e versão de software; risco na integridade dos dados, já que são enviados On-line e possibilidade de violação na segurança (Epstein & Klinkenberg, 2001). Estudos comparativos entre as formas tradicional e computadorizada de avaliação vêm sendo conduzidos a fim de minimizar as desvantagens do uso da Internet (Bressani & Downs, 2002; Epstein col al., 2001). Epstein e Klinkenberg (2001) descrevem estudos que obtiveram altas correlações entre as versões tradicional e computadorizada de instrumentos que avaliam a habilidade de leitura por meio do Children´s Reading Skills Test; a inteligência por meio do teste WAIS (Wechesler Adult Inteligence Scale); a personalidade por meio do Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade; bem como uma série de funções neuropsicológicas (Duchesne & Mattos, 1997; Macedo col al., 2002). Nos últimos anos, o número de computadores nas escolas brasileiras tem aumentado de modo significativo e o acesso à Internet tem sido garantido a um número cada vez maior de alunos. Dados do ProInfo revelam que, em 2002, existiam 400 mil computadores nas escolas públicas e particulares, com metade deles permitindo acesso à Internet (www.proinfo.gov.br/upload/img/ relatorio_died.pdf). A ampla disponibilidade de computadores nas escolas e de testes computadorizados de leitura e escrita (e.g., Capovilla col al., 2004; Macedo col al., 2004) baseados em constructos teóricos torna possível a avaliação de leitura e escrita de crianças brasileiras por meio da Internet. Na avaliação da leitura são relevantes a precisão e a fluência da decodificação grafofonêmica, bem como a compreensão do significado do texto (Capovilla col al., 2005; Grégoire & Piérart, 1997). De acordo com Santos e Navas (2002), a análise do tempo consumido pela criança na leitura de palavras permite avaliar as competências lingüísticas relacionadas com a prevalência de rota ao longo das séries escolares. Segundo modelo de “dupla rota”, a leitura pode ser feita por meio da rota fonológica ou da lexical (Capovilla & Capovilla, 2004). A leitura pela rota fonológica envolve mediação pela fala interna e se caracteriza pelos processos de segmentação da seqüência grafêmica, Teleavaliação da habilidade de leitura no ensino infantil e fundamental conversão dos grafemas em fonemas, e junção fonética, sendo que a pronúncia é construída segmento a segmento. Em contraste, a leitura pela rota lexical não envolve mediação pela fala interna, se caracteriza pelo reconhecimento visual direto da representação ortográfica de palavras familiares previamente armazenada no léxico ortográfico, sendo que a pronúncia é resgatada como um todo a partir do léxico. Crianças em séries iniciais tendem a ler de forma mais lenta uma vez que o processamento se dá pela rota fonológica de conversão grafema-fonema. Contudo, à medida que elas vão se tornando decodificadoras fluentes e lendo a velocidades cada vez maiores, elas passam a ler mais e acabam se familiarizando com a forma visual geral das palavras que tendem a encontrar mais freqüentemente. Ou seja, a familiaridade com as palavras acaba por constituir progressivamente um léxico ortográfico que contém a representação ortográfica das palavras mais familiares, e lhes permite passar a fazer reconhecimento visual direto dessas palavras, sem a necessidade de decodificação grafofonêmica para a construção da pronúncia e o acesso ao significado. A fim de avaliar o processamento de leitura, Capovilla e colaboradores (2004) desenvolveram a versão de papel e lápis do Teste de Competências de Leitura de Palavras (TCLP). O TCLP é um instrumento psicométrico e neuropsicológico cognitivo utilizado para o diagnóstico diferencial de distúrbios relacionados à aquisição de leitura. Como teste psicométrico, é acompanhado de tabelas normativas que permitem avaliar o grau de desvio entre o padrão de leitura de um examinando e o padrão de leitura normal de seu grupo de referência, de acordo com o nível de escolaridade. Como teste neuropsicológico, permite interpretar dados do padrão de leitura específico apresentado por cada criança no que concerne ao modelo do desenvolvimento de leitura e escrita e inferir o estágio de desenvolvimento em que a criança se encontra. O TCLP foi normatizado para leitores surdos e ouvintes. A validação para surdos foi feita a partir da avaliação de 805 crianças, jovens e adultos surdos de 6 a 45 anos de idade, estudantes da 1a série do Ensino Fundamental até a 1 a série do Ensino Médio. Já a validação para ouvintes foi feito a partir da avaliação de 1000 crianças da 1a a 3a série do Ensino Fundamental. Capovilla, Capovilla, Macedo e colaboradores (no prelo) compararam o padrão de respostas entre leitores surdos e ouvintes na versão lápis e papel. 129 Macedo e colaboradores (2004) desenvolveram a versão computadorizada do TCLP que faz parte de uma Bateria de Avaliação de Leitura e Escrita para Internet (BALS Online). A bateria é composta por sete testes, sendo que cada um deles avalia componentes específicos de leitura ou escrita. O objetivo do presente trabalho foi verificar a funcionalidade da aplicação do TCLP via Internet a partir da análise do padrão de respostas e da comparação com dados normativos de 1000 crianças obtidos na versão papel e lápis (Capovilla, Capovilla, Macedo col al., no prelo). MÉTODO Participantes Participaram 415 crianças (211 meninas e 204 meninos) provenientes de escolas particulares da grande São Paulo, e de cinco séries (3a série do Ensino Infantil e 1a a 4a séries do Ensino Fundamental). A idade média das crianças foi de 8,24 anos (DP=1,23). Instrumento Teste dec competência de Leitura de Palavras – TCLP On-line (Macedo col al., 2004) contém 78 itens, cada qual composto de uma figura e uma palavra ou pseudopalavra escrita abaixo, além das opções “CERTO” e “ERRADO”. Destes 78 itens, os oito primeiros itens são de treino. Os demais 70 itens são divididos em sete tipos, com dez itens cada, sendo dois tipos com itens corretos e cinco incorretos. Os tipos com itens corretos são: 1) palavras corretas regulares (CR), como FADA sob a figura de uma fada; 2) palavras corretas irregulares (CI), como TÁXI, sob a figura de um táxi. Os cinco tipos com itens incorretos são: 3) palavras semanticamente incorretas, que diferem das figuras às quais estão associadas, ou seja, vizinhas semânticas (VS), como TREM, sob a figura de um ônibus; 4) pseudopalavras estranhas (PE), como RASSUNO sob a figura de uma mão; 5) pseudopalavras homófonas (PH), como PÁÇARU sob a figura de um pássaro; 6) Pseudopalavras pseudo-homógrafas com trocas fonológicas, ou seja, vizinhas fonológicas (VF), como CANCURU sob a figura de um canguru; 7) Pseudopalavras pseudo-homógrafas com trocas visuais, ou seja, vizinhas visuais (VV), como CAEBÇA, sob a figura de uma cabeça. A tarefa da criança consiste em criança clicar com o mouse sobre a opção de “CERTO” Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 130 Elizeu Macedo, Fernando Capovilla, Alessandra Capovilla, Carolina Nikaedo, Fernanda Orsati, Katerina Lukasova e Cléber Diana ou “ERRADO” conforme o julgamento sobre a correspondência da palavra e da figura. Assim, como há sete subtestes, cada qual com um tipo de par, e dez itens por subteste, a pontuação por subteste é de 10 pontos, e a pontuação máxima no teste é de 70 pontos. Destes 70 pontos, 20 pontos devem ser obtidos por aceitação apropriada de itens corretos (i.e., CR e CI) e 50 pontos devem ser obtidos por rejeição apropriada dos itens incorretos (i.e., VS, VF, VV, PH e PE). TCLP On-line foi desenvolvido em linguagem de programação PHP (Hypertext Preprocessor) utilizando Macromedia Flash MX® com a base de dados MySQLTM (http://www.reabcognitiva.com.br/teste). O teste foi aplicado nas crianças que apresentaram o termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pais. Todas as crianças freqüentavam aulas de informática na escola e tinham familiaridade no uso do computador. As aplicações coletivas foram realizadas com a presença de um dos autores nos laboratórios de informática das escolas durante os meses de junho e agosto de 2004. RESULTADOS O desempenho dos 412 estudantes variou de 24 a 70 pontos, com média de 60,77 pontos (DP=8,05). A análise de variância do escore total como função da série escolar revelou efeito significativo da série F (4,408) = 54,983, p<0,000). Conforme sumariado na Tabela 1, a pontuação média no teste aumentou em função da série escolar. Análises post hoc indicaram diferença significativa entre todas as séries, exceto entre a 3a e 4a série. Assim, a pontuação aumentou da seguinte forma: 3aEI<1aEF<2EFa<3aEF=4aEF. Em termos de detecção correta das malformações ortográficas e semânticas em função do grupo de palavras, o teste t de medidas repetidas (p<0,001) revelou que o grau de dificuldade dos grupos variou, das mais fáceis para as mais difíceis na seguinte ordem: PE>VS>CR>VV>CI=VF>PH. Embora a pontuação total do teste tenha discriminado as séries, análises post hoc (p<0,05) foram conduzidas a fim de identificar a contribuição de cada grupo na pontuação total do teste entre as séries. A freqüência de acerto dos alunos da 3ª série do EI foi semelhante à da 1a série do EF para todos os grupos, com exceção das palavras corretas irregulares. A freqüência de acerto dos alunos da 3ª série do EI foi significativamente menor que as da 2ª, 3ª e 4ª séries do EF em todos os grupos, exceto para itens do tipo VS, quando comparado com a 2a série. A comparação dos julgamentos corretos dos alunos da 1a série do EF foi menor que as demais séries do EF (2ª, 3ª e 4ª) em todos os tipos de pares. A freqüência de acerto dos alunos da 2ª série do EF foi menor que as dos alunos Tabela 1: Número médio de itens corretos e desvio-padrão em função da série escolar e dos tipos de subteste: Corretas Regulares (CR); Corretas Irregulares (CI); Vizinhas Semânticas (VS); Pseudopalavras Estranhas (PE); Pseudopalavras Homófonas (PH); Vizinhas Visuais (VV); e Vizinhas Semânticas (VS). 3ª série EI 1ª série EF 2ª série EF 3ª série EF 4ª série EF Total Comparações CR 8,06 (1,75) 8,56 (2,18) 9,45 (0,77) 9,57 (0,70) 9,25 (1,06) 9,21 (1,30) b, c, d, e, f, g CI 4,88 (2,00)1 7,23 (2,14) 8,72 (1,20) 8,80 (1,33) 8,85 (1,45) 8,36 (1,79) a, b, c, d, e, f, g VS 8,94 (1,75) 8,97 (1,96) 9,36 (1,07) 9,58 (1,01) 9,60 (0,74) 9,40 (1,23) c, d, e, f, g PE 8,94 (1,25) 9,10 (1,97) 9,77 (0,63) 9,81 (0,48) 9,85 (0,50) 9,66 (1,02) b, c, d, e, f, g PH 3,41 (1,77)2 4,51 (2,70)1 6,29 (2,71) 7,78 (2,57) 8,95 (1,65) 7,01 (2,92) b, c, d, e, f, g, h, i, j VV 7,41 (1,97) 7,87 (1,88) 8,75 (1,46) 9,24 (1,05) 9,15 (1,54) 8,78 (1,59) b, c, d, e, f, g, h, i VF 6,59 (2,43) 7,01 (2,64) 8,09 (2,35) 9,02 (1,59) 9,03 (1,53) 8,35 (2,18) b, c, d, e, f, g, h, i MDP 48,23(5,07) 53,26(8,97) 60,43(6,23) 63,79(5,41) 64,64(6,15) 60,78(8,06) a, b, c, d, e, f, g, i Comparações de pares (Bonferroni): a) 3ª série EI X 1ª série EF; b) 3ª série EI X 2ª série EF; c) 3ª série EI X 3ª série EF; d) 3ª série EI X 4ª série EF; e) 1ª série EF X 2ª série EF; f)1ª série EF X 3ª série EF ; g) 1ª série EF X 4ª série EF ; h) 2ª série EF X 3ª série EF ; i) 2ª série EF X 4ª série EF ; j) 3ª série EF X 4ª série EF ; p<0,05. 1) Número de erros em nível do acaso; 2) Número de erros maior que o acaso. Teleavaliação da habilidade de leitura no ensino infantil e fundamental de 3a e 4a do EF nos itens do tipo PH, VF e VS. A única diferença entre alunos de 3ª e 4ª séries do EF foi em itens do tipo PH. O poder discriminativo de cada um dos subtestes de discriminar entre as séries, de modo geral, foi proporcional ao grau de dificuldade do subteste, de modo que subtestes mais difíceis discriminaram mais que os mais fáceis. A ordem decrescente do poder de discriminação dos itens foi: VS<PE=CR<CI<VF=VV<PH. O subteste de itens do tipo PH discriminou entre todas as séries, exceto entre a 3a série do EI e a 1a série do EF. Como a chance de acerto ao acaso de cada um dos subtestes é de 50%, foram conduzidos Testes t para uma amostra a fim de avaliar, para cada série, se o número de acertos para cada um dos subtestes foi acima do acaso. 131 A análise de variância do tempo total como função da série escolar revelou efeito significativo da série, F (4,407)=151,572, p<0,000. O tempo médio de execução do item foi uma função decrescente da série escolar. O tempo de execução total do teste aumentou significativamente da 3ª série do EI para a 1a série do EF e desta para todas as demais. Não foram observadas diferenças significativas no tempo de execução entre as séries mais avançadas. Em termos de tempo de execução dos itens em função do tipo de subteste, o teste t de medidas repetidas (p<0,001) revelou que o tempo despendido em cada tipo de subteste variou, dos mais difíceis para os mais fáceis na seguinte ordem: PH > CI = VV > PE = VF > VS > CR. A fim de identificar a contribuição de cada tipo de subteste para o tempo de Tabela 2: Tempo médio dos itens (em segundos) e desvio padrão em função da série e do tipo de subteste: Correta Regular (CR); Correta Irregular (CI); Vizinha Semântica (VS); Pseudopalavra Estranha (PE); Pseudopalavra Homófona (PH); Vizinha Visual (VV); e Vizinha Semântica (VS). 3ª sérieEI 1ª série EF 2ª série EF 3ª série EF 4ª série EF Total Comparações CR 11,56(4,82) 5,74(2,78) 3,91(1,86) 3,72(1,79) 3,38(1,59) 4,33(2,73) a, b, c, d, e, f, g CI 15,28(5,50) 6,55(3,34) 4,56(2,24) 4,18(2,38) 3,47(1,59) 4,93(3,48) a, b, c, d, e, f, g, i, j VS 16,37(6,57) 6,26(3,68) 3,77(1,66) 3,53(1,49) 3,05(1,33) 4,44(3,61) a, b, c, d, e, f, g, i PE 16,76(5,63) 7,02(4,01) 4,14(1,84) 3,67(1,57) 3,31(1,40) 4,79(3,71) a, b, c, d, e, f, g, i PH 15,82(3,93) 7,50(3,94) 5,05(2,37) 4,38(2,03) 3,75(1,84) 5,36(3,59) a, b, c, d, e, f, g, i VV 15,62(6,04) 7,34(4,03) 4,62(2,22) 3,67(1,35) 3,33(1,43) 4,92(3,64) a, b, c, d, e, f, g, h, i VF 16,20(5,88) 6,55(3,27) 4,24(1,91) 3,79(1,52) 3,39(1,54) 4,76(3,48) a, b, c, d, e, f, g, i MDP 16,59 4,27 7,09 3,64 3,64 1,98 3,94 1,54 3,57 1,48 4,81 3,56 a, b, c, d, e, f, g Comparações de pares (Bonferroni): a) 3ª série EI X 1ª série EF; b) 3ª série EI X 2ª série EF; c) 3ª série EI X 3ª série EF; d) 3ª série EI X 4ª série EF; e) 1ª série EF X 2ª série EF; f) 1ª série EF X 3ª série EF ; g) 1ª série EF X 4ª série EF; h) 2ª série EF X 3ª série EF ; i) 2ª série EF X 4ª série EF ; j) 3ª série EF X 4ª série EF ; p<0,05. Resultados revelam que o número de acertos foi próximo ao acaso para o subteste com itens do tipo CI da 3a série do EI , e para o subteste com itens do tipo PH da 1a série do EF. Já o número de erros da 3a série do EI para subteste com itens do tipo PH foi maior que o esperado ao acaso. O tempo médio de resposta aos subtestes variou de 1,04 a 25,63 segundos, sendo os tempos menores observados nas séries mais avançadas. O tempo médio de resposta a cada item foi de 4,81 segundos (DP=3,56). O tempo total do teste foi de 6 minutos e 15 segundos. A Tabela 2 sumaria os tempos médios para cada um dos subtestes em função do tipo de item. execução médio foram conduzidas análises post hoc (p<0,05). O tempo de execução foi significativamente maior na 3ª série do EI e na 1ª série do EF do que nas demais séries. O tempo de execução na 2ª série do EF foi significativamente maior do que na 3ª série do EF apenas para o subteste com itens do tipo VV. No entanto, comparando a 2a série do EF com a 4ª série do EF foram notadas diferenças para todos os tipos de subteste, exceto para o subteste com itens do tipo CR. Foram observadas diferenças entre a 3ª série do EF e a 4ª série do EF apenas para o subteste com itens do tipo CI. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 132 Elizeu Macedo, Fernando Capovilla, Alessandra Capovilla, Carolina Nikaedo, Fernanda Orsati, Katerina Lukasova e Cléber Diana A fim de comparar os resultados obtidos a partir da versão computadorizada via Internet com os dados normativos de 1000 crianças da 1a a 3a série, os dados das crianças da 3ª série do EI e da 4a série do EF foram excluídos. Analisando a distribuição de acertos nos subtestes computadorizados e comparando a distribuição de acertos de 1000 leitores ouvintes de 1a a 3a série, foi encontrado que o padrão de escore na versão computadorizada (i.e., [PE=9,61] > [VS=9,34] > [VV]=8,71] > [VF=8,17] > [PH]=6,41]) foi similar ao da versão papel e lápis (i.e., [PE=9,23] > [VS=8,81] > [VV=7,94] > [VF=6,92] > [PH=5,90]). Embora o padrão de escore tenha sido similar, a pontuação na versão computadorizada foi em média de 0,69 pontos, sendo as maiores discrepâncias observadas para VF (1,25) e VV (0,77). DISCUSSÃO O desenvolvimento da Internet nos últimos anos tem possibilitado construir instrumentos para avaliar diversas dimensões psicológicas. Instrumentos computadorizados têm sido desenvolvidos e validados para avaliação vocacional, forense, clínica (Kaldo col al., 2004; Carlbring & Andersson, no prelo), atitudes de professores (Joly & Silveira, 2003), além de funções neuropsicológicas (Erlanger col al., 2003) e para recursos humanos (Salgado col al., 2003). Além da avaliação nestes contextos, a aplicação de testes de leitura e escrita via Internet abre espaço para novas pesquisas em avaliação psicológica. No entanto, tais instrumentos devem ser criados com base em modelos teóricos do desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, tais como o Teste de Competência de Leitura de Palavras On-line (TCLP On-line) descrito neste estudo. O modelo teórico de processamento cognitivo de leitura subjacente ao TCLP On-line preconiza que subtestes avaliam diferentes habilidades de processamento de palavras isoladas, como a logográfica, a fonológica e a lexical (Capovilla col al., no prelo). Assim, as diferenças de erros dos subtestes ao longo das séries podem ser explicadas como função de diferentes habilidades. O desempenho nos testes, avaliado em termos de freqüência de acerto e do tempo de execução dos testes, discriminou entre as séries escolares sucessivas. Crianças das séries iniciais apresentaram menores escores e maiores tempos de execução no teste. No entanto, não foram observadas diferenças entre a 3a e a 4a séries do EF em decorrência de efeito de teto já a partir da 3a série do EF. Capovilla e colaboradores (2004) avaliaram 850 crianças surdas na versão papel e lápis, e não encontraram tal efeito nem mesmo nos estudantes da 8a série do ensino fundamental. No presente estudo, a consecução da pontuação máxima já na 3a série do EF decorre da procedência dos alunos avaliados, todos de escolas particulares, e do nível socioeconômico e cultural dos pais que, em sua maioria, têm curso superior. Segundo Capovilla e colaboradores (no prelo) os sete subtestes avaliam o uso diferencial das três diferentes rotas de leitura de palavras isoladas, a logográfica, a fonológica e a lexical. Assim, diferentes padrões de falhas nos subtestes, podem revelar: 1) ausência de qualquer tipo de processamento de leitura; 2) leitura no nível meramente logográfico; 3) leitura no nível meramente perilexical, com falta de acesso ao léxico ortográfico; bem como 4) falta de acesso semântico. A ausência de qualquer tipo de processamento de leitura é revelada por falha em obter pontuação significativamente acima do acaso no subteste com itens do tipo PE, isto é, por falha em rejeitar apropriadamente pseudopalavras estranhas que não têm qualquer semelhança, quer de natureza visual, quer de natureza fonológica, com palavras reais que fazem parte do léxico da Língua Portuguesa. No presente estudo, mesmo as crianças da 3a série do EI apresentaram freqüência de acerto significativamente acima do acaso. Não foi observado para nenhuma das séries leitura no nível meramente logográfico, com falta de processamento perilexical de decodificação, pois não foi observada falha em obter pontuação significativamente acima do acaso no subteste com itens do tipo VV, isto é, por falha em rejeitar apropriadamente essas pseudopalavras cuja gestalt (i.e., aspecto visual global) guarda certa semelhança geral com a de palavras reais que fazem parte do léxico da Língua Portuguesa. A leitura no nível meramente perilexical, com falta de acesso ao léxico ortográfico, é revelada por falha em obter pontuação significativamente acima do acaso no subteste com itens do tipo PH, isto é, por falha em rejeitar pseudopalavras homófonas; e é, também, revelada por falha em obter pontuação significativamente acima do acaso no subteste com itens do tipo CI, isto é, por falha em aceitar palavras corretas irregulares, as quais só podem ser lidas pela leitura lexical de reconhecimento das formas ortográficas. Tais expectativas foram efetivamente confirmadas no presente estudo pelas crianças da 3a série do EI, sendo Teleavaliação da habilidade de leitura no ensino infantil e fundamental 133 que a freqüência de acertos no subteste com itens do tipo CI foi no nível do acaso e no subteste com itens do tipo PH a freqüência de erros foi até maior do que esperado ao acaso. Em suma, a pontuação total do TCLP aplicado via Internet em estudantes dos Ensinos Infantil e Fundamental de escolas particulares, discriminou entre séries escolares sucessivas na faixa da 3a série do EI até a 3a série do EF. As freqüências dos tipos de erros observadas na aplicação pela Internet foram semelhantes àquelas observadas na aplicação papel e lápis (Capovilla col al., no prelo). Assim, a aplicação via Internet, além de apresentar resultados similares aos da aplicação tradicional, possibilita o registro de medidas importantes como o tempo que a criança leva para ler as palavras. Além do TCLP On-line, outros testes fazem parte da Bateria de Avaliação de Linguagem On-line (Macedo et al., 2004). Novos estudos de aplicação do TCLP On-line, juntamente com os demais testes que compõem a bateria, possibilitarão analisar correlações do TCLP com provas como os Testes de Nomeação de Figuras por Escolha e por Escrita; o Teste de Competência de Leitura de Sentenças e o Teste de Vocabulário Receptivo. Além disso, essa bateria permite conduzir em todo o território nacional e em países de Língua Portuguesa, de modo a acompanhar o desenvolvimento dos escolares em todos os estados da federação e obter, assim, subsídios para o aperfeiçoamento constante de procedimentos e materiais para a alfabetização e a elaboração de procedimentos, materiais e métodos que possam ser usados no contexto escolar. REFERÊNCIAS Fundamental ao Médio. São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Capovilla, F. C.; Viggiano, K. Q.; Capovilla, A. G. S.; Raphael, W. D.; Mauricio, A. C. & Bidá, M. C. P. R. (2004). Como avaliar o desenvolvimento da competência de leitura silenciosa de palavras em surdos do Ensino Fundamental ao Médio, e analisar processos de reconhecimento e decodificação: Versão original do Teste de Competência de Leitura de Palavras (TCLP1.1). Em F. C. Capovilla, & W. D. Raphael (Orgs.), Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: O mundo do surdo em Libras, Vol. 1: Sinais da Libras e o universo da Educação; e Como avaliar o desenvolvimento da competência de leitura de palavras (processos de reconhecimento e decodificação) em escolares surdos do Ensino Fundamental ao Médio. São Paulo, SP: EDUSP, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Capovilla, F. C.; Capovilla A. G. S.; Macedo, E. C.; Bidá, M.; Neves, M. V., Giacomet, A.; Ameni, R.; Ribeiro Do Valle, L. E. R. & Mazza, C. (no prelo). Processos de decodificação e de reconhecimento visual direto na competência de leitura de surdos do Ensino Fundamental ao Médio: Avaliação da habilidade de decisão lexical por meio do TCLP1.1. Em E. C. Macedo & F. C. Capovilla (Orgs.). Tecnologias em (Re)habilitação cognitiva: modelos de avaliação e intervenção. Carlbring, P. & Andersson, G. (no prelo). Internet and psychological treatment. How well can they be combined? Computers in Human Behavior. Duchesne, M. & Mattos, P. (1997). Normatização de um teste computadorizado de atenção visual. Arquivos de Neuropsiquiatria, 55, 62-69. Alderson, J. C. (2000). Technology in testing: the present and the future. System, 28, 593-603. Asselmeyer, H. (2004). Trends, current developments, and concepts in distance learning and e – learning International Journal of Computerized Dentistry, 2, 145-57. Birnbaum, M. H. (2004). Human research and data collection via the Internet. Annual Review of Psychology, 55, 803-832. Bressani, R. V. & Downs, A. C. (2002). Youth independent living assessment: testing the equivalence of web and paper/ pencil versions of the Ansell-Casey Life Skills Assessment. Computers in Human Behavior, 18, 453-64. Buchanan, T. (2002). Online assessment: desirable or dangerous? Professional Psychology: Research and Practic, 33, 148–154. Capovilla, A. G. S. & Capovilla, F. C. (2004). Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica (4a. ed.). São Paulo: Memnon. Capovilla, F. C.; Viggiano, K. Q.; Capovilla, A. G. S.; Raphael, W. D.; Bidá, M. C. P. R.; Neves, M. V. & Mauricio, A. C.; (2005). Como avaliar o desenvolvimento da compreensão de leitura de sentenças em surdos do Ensino Fundamental ao Médio, e analisar processamento sintático para extração de significado: Versão original validada e normatizada do Teste de Competência de Leitura de Sentenças (TCLS1.1). Em F. C. Capovilla, & W. D. Raphael (Orgs.), Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: O mundo do surdo em Libras, Vol. 3: Sinais da Libras e o universo da Família, Relações familiares, e Casa; e Como avaliar o desenvolvimento da compreensão de leitura de sentenças em surdos do Ensino Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 117-125 134 Elizeu Macedo, Fernando Capovilla, Alessandra Capovilla, Carolina Nikaedo, Fernanda Orsati, Katerina Lukasova e Cléber Diana Epstein, J. & Klinkenberg, W. D. (2001). From Eliza to Internet: a brief history of computerized assessment. Computers in Human Behavior, 17, 295-314. Epstein, J.; Klinkenberg, W. D.; Wiley D. & Mckinley, L. (2001). Insuring sample equivalence across internet and paperand-pencil assessments. Computers in Human Behavior, 17, 339-346. Erlanger, D.; Feldman, D.; Kutner K.; Kaushik, T.; Kroger, H., Festa, J.; Barth, J., Freeman J. & Broshek, D. (2003). Development and validation of a web-based neuropsychological test protocol for sports-related return-to-play decision-making. Archives of Clinical Neuropsychology, 18, 293-316. Grégoire, J. & Piérart, B. (1997). Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas. Joly, M.C.R.A & Silveira, M.A. (2003). Avaliação preliminar do questionário de informática educacional (QIE) em formato eletrônico. Psicologia em Estudo, 8, 85-92. Kaldo, V.; Larsen, H. C.; Jakobsosn, O. & Andersson, G. (2004). Cognitive behavior therapy via Internet. Patients with tinnitus are helped to manage their problem—simpler and cheaper. Lakartidningen,101, 556-60. Macedo, E. C.; Capovilla, F. C.; Diana, C. & Covre, P. (2002). Desenvolvimento de instrumentos computadorizados de avaliação de funções cognitivas na WWW: O possível e o necessário. Em E. C. Macedo; M. J. Gonçalves; F. C. Capovilla; A. L. Sennyey (Orgs.), Tecnologia em (re) habilitação cognitiva: Um novo olhar para avaliação e intervenção. São Paulo: Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, Edunisc. Macedo, E. C.; Capovilla, F.; Diana, C.; Orsati, F. & Nikaedo, C. (2004). Development of a test battery to assess deaf language skills via WWW. Em congresso. WebMedia & LA-Web Joint Conference. (pp. 118-124). Ribeirão Preto SP. Maheu, M. M. & Gordon, B. L. (2000). Counseling and therapy on the Internet. Professional Psychology: Research and Practise, 31, 484-489. Naglieri, J. A.; Drasgow, F.; Schmit, M.; Handler, L.; Prifitera, A. Margolis, A. & Velasquez, R. (2004). Psychological testing on the Internet: New problems, old issues. American Psychologist, 59, 150-162. Salgado, J. F & Moscoso, F. (2003). Internet-based personality testing: Equivalence of measures and assess perceptions and reactions. International Journal of Selection and Assessment, 11, 593-205. Santos, M. T. M. & Navas, A. L. G. (2002). Distúrbios de leitura e escrita. São Paulo: Manole. Watts, M & Lloyd, C. (2004). The use of innovative ICT in the active pursuit of literacy. Journal of Computer Assisted Learning, 20, 50–58. Recebido em: 22/03/2005 Revisado em: 19/05/2005 Aprovado em: 16/06/2005 Endereço para correspondência: Elizeu Coutinho de Macedo: Rua da Consolação, 876; Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP: 01302-907 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Fernando César Capovilla: Av. Prof. Mello Moraes, 1721 – Psicologia Experimental – Cidade Universitária – CEP: 055508-900 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Carolina Cunha Nikaedo: Rua da Consolação, 876 – Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP 01302-907 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Fernanda Tebexreni Orsati: Rua da Consolação, 876 – Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP 01302-907 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Katerina Lukasova: Rua da Consolação, 876 – Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP 01302-907 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Alessandra Gotuzo Seabra Capovilla: Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 – CEP: 13251-900 – Itatiba – SP e-mail: [email protected] Cléber DianaRua da Consolação, 876 – Prédio Amantino Vassão, sala 62 – CEP 01302-907 – São Paulo – SP e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 CULTURA DA PAZ E PSICOLOGIA ESCOLAR NO CONTEXTO DA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA CULTURA DA PAZ E PSICOLOGIA ESCOLAR Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi1 Claisy Maria Marinho de Araújo2 Marisa Maria Brito da Justa Neves3 Resumo O presente artigo visa estabelecer uma interface entre a Cultura da Paz declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Psicologia Escolar, enquanto área de pesquisa e prática no contexto das instituições educativas. A Cultura da Paz é definida, conforme as considerações da ONU, como processo construtivo e dinâmico. A instituição escolar é abordada como espaço de relevo para a promoção do desenvolvimento humano e canalização cultural. Apresenta-se, também, as contribuições e atribuições da Psicologia Escolar no desenvolvimento de seus objetivos educativos e formativos, especificamente no que compete ao conhecimento psicológico. A interface entre a Cultura da Paz e a Psicologia Escolar apontou concepções e estratégias convergentes e complementares, de âmbito preventivo e interventivo, promotoras de reflexões e ações construtivas de uma Cultura de Paz no ambiente escolar. Palavras- chave: Relações interpessoais; Socialização; Aprendizagem. PEACE CULTURE AND SCHOOL PSYCHOLOGY IN THE CONTEXT OF EDUCATIVE INSTITUTIONS Abstract The following article aims to establish an interface between the Peace Culture declared by the United Nations (UN) and School Psychology, as research and practical areas in the context of educative institutions. The Peace Culture is defined, in agreement with the considerations of the UN, as a constructive and dynamic process. The school institution is approached as an important location to the promotion of human development and cultural canalization. It is presented, also, the contributions and attributions of School Psychology in the development of its educative and formative objectives, specifically in what concerns psychological knowledge. The interface between the Peace Culture and School Psychology showed convergent and complementary conceptions and strategies, with preventive and interventionist scope, promoters of reflections and constructive actions of a Peace Culture in the school environment. Keywords: Interpersonal relations; Socialization; Learning. INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva estabelecer uma interface entre a Cultura da Paz, difundida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a Psicologia Escolar, enquanto área de pesquisa e prática no contexto da instituição educativa. A Cultura da Paz será apresentada sob sua ótica construtiva, tal como definida nos documentos oficiais 1 2 3 da ONU. A Psicologia Escolar, cuja atuação visa à coerência dos discursos e práticas dos diferentes atores educacionais, apresenta-se como área de conhecimento interfaceada com as proposições de construção de uma Cultura de Paz no contexto da escola. Visto que “as guerras nascem na mente dos homens, e é na mente dos homens que devem erguer-se os balu- Psicóloga da Secretaria de Educação do Distrito Federal e Mestranda em Psicologia pela Universidade de Brasília. Doutora em Psicologia e professora adjunta da Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia. Doutora em Psicologia e professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal e da Universidade de Brasília. 136 Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi, Claisy Maria Marinho de Araújo e Marisa Maria Brito da Justa Neves artes da paz”, conforme preconiza a Declaração sobre uma Cultura de Paz (ONU, 1999, nº 53/243), ressaltase, nesse trabalho, a necessidade do estudo acerca da constituição do sujeito e da construção dos processos que possibilitam sua vivência pacífica com o mundo. A escola, enquanto palco de desenvolvimento subjetivo do indivíduo, e a psicologia, enquanto área de conhecimento incluída no processo escolar, evidenciam-se como espaços e meios promotores da construção da Cultura de Paz. Cultura de Paz A Declaração dos Direitos da Criança, proclamada em 20 de novembro de 1959 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, constitui uma enumeração dos direitos a que, segundo o consenso da comunidade internacional, faz jus toda e qualquer criança. Aos pais, às organizações voluntárias, às autoridades locais, aos governos e a todos os indivíduos, apela-se no sentido de reconhecer os direitos enunciados visando ao empenho efetivo para sua concretização e observância. O Princípio 2º da citada Declaração, referindo-se às crianças, aduz que “(...) ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade” (Declaração dos Direitos da Criança, ONU, 1959). Ressaltando os direitos humanos fundamentais, a dignidade e o valor do ser humano, as Nações Unidas alertam quanto à necessidade da criança criar-se “num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal (...)” (Declaração dos Direitos da Criança, ONU, 1959, Princípio 10º – grifo nosso). A Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz (ONU, 1984, nº 39/11) proclama solenemente que os povos do planeta têm o direito sagrado à paz, declarando que proteger tal direito e fomentar a sua realização constitui uma obrigação fundamental de todo o Estado, o qual deve promover ações de “cooperação bilateral e multilateral” com outros Estados (item II-b), tal como consta da Declaração sobre a Preparação das Sociedades para Viver em Paz (ONU, 1978, nº 33/73). A Resolução nº 53/243, referente à Declaração sobre uma Cultura de Paz, foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1999 como expressão de profunda preocupação com a persistência e proliferação da violência e dos conflitos nas diversas partes do mundo, reconhecendo a necessidade de se eliminar todas as formas de discriminação e manifestação de intolerância. Tal Declaração foi solenemente proclamada com o objetivo de que os Governos, as organizações internacionais e a sociedade civil pudessem orientar suas atividades por suas disposições, a fim de promover e fortalecer uma cultura de paz no novo milênio. A paz é reconhecida não somente como a ausência de conflitos, mas como um processo positivo, dinâmico e participativo em que se promove o diálogo e a solução dos conflitos em um espírito de entendimento e cooperação mútuos. A cultura de paz é definida como um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito pleno à vida e na promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, propiciando o fomento da paz entre as pessoas, os grupos e as nações (Declaração sobre uma Cultura de Paz, ONU, 1999, artigos 1 e 2). A paz envolve uma visão de construção, de ação e de investimento pessoal na auto-transformação e na transformação do meio com vistas à dignidade e ao desenvolvimento. Desta forma, a paz não corresponde apenas a um intervalo entre guerras (Milani, 2004), mas a um processo ativo de interação saudável com o meio social, no qual o sujeito se insere como importante agente de transformação e de ação cidadã. Abordando a cidadania para a conquista da paz, Milani (2000) aponta as restrições decorrentes de uma postura reativa, na qual cobram-se direitos e exigem-se soluções de problemas sociais pelo governo, ressaltando a necessidade de se exercer uma cidadania proativa, definida como uma postura individual caracterizada pelo exercício consciente de seus direitos e deveres, pela participação ativa no processo de busca de melhorias coletivas e pela responsabilidade para com tudo o que afeta a sua vida e/ou as vidas de outras pessoas. A paz passa a ser construída nas ações e interações cotidianas, das mais simples às mais elaboradas, envolvendo as relações consigo, com o outro e com o ambiente, caracterizando um movimento não reduzido ao ‘combate à violência’, mas ampliado à ‘promoção da cultura da paz’. Conforme afirma Milani (2000), ser um cidadão de paz transcende a visão de não ser um indivíduo violento, visto que fazer o bem assume um caráter mais amplo que não fazer o mal. Segundo o autor, a prática da paz implica o envolvimento de cada cidadão, família, Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa organização e comunidade na vivência e construção de relações baseadas no respeito, na unidade na diversidade e na empatia. O vínculo existente nas relações sujeito-ambiente torna a construção e a vivência da paz a sua mais efetiva e eficaz forma de promoção e difusão. A Instituição Escolar e a sua Função Construtiva de Paz Referindo-se à educação, o Princípio 7º da Declaração dos Direitos da Criança (ONU, 1959) aborda: ...Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade. À escola, enquanto instituição formativa, compete a tarefa da promoção da paz, de sua vivência e difusão através de metodologias específicas, bem como através de ações efetivas que representem as práticas preconizadas no Princípio 7º da Declaração supracitada. O Artigo 4 da Declaração sobre uma Cultura de Paz reafirma a posição educacional, considerando-a como um dos meios fundamentais para a edificação da cultura de paz, particularmente na esfera dos direitos humanos. O contexto escolar, enquanto espaço de manifestação e vivência da realidade subjetiva do sujeito, a despeito do reconhecimento e da relevância dos demais campos nos quais esse se insere, apresenta-se como locus privilegiado de observação e intervenção frente a esta realidade. Espaço de formação e aprendizagem, a instituição educativa envolve uma ação para além do aspecto cognitivo ou da prática curricular, constituindo um campo de interações sociais, crescimento integral e construção cultural. A cultura, segundo Cole (1992), atua como mediadora no desenvolvimento humano, contribuindo fundamentalmente na constituição do sujeito. Para este autor, a cultura surge sob a forma de sistemas semióticos e conceituais, práticas e instituições sociais, promovendo determinadas formas de comportamento. Segundo Valsiner (2001), a cultura é uma qualidade da relação em curso entre pessoas e ambientes, não correspondendo a uma ‘entidade’, mas a uma construção de estruturas conceituais por atividades de pessoas, 137 incluindo-se símbolos, significados e maneiras de ação. Considerando as dimensões cognitiva e afetiva nas relações estabelecidas entre o indivíduo e o meio, o autor faz referência aos ‘modelos de ação’ externalizados no ambiente e promovidos pelas diversas instituições sociais. Trazendo as contribuições do construtivismo históricocultural, Vygotsky (1994) afirma que o ambiente não pode ser considerado como uma condição que, objetivamente, determina o desenvolvimento da criança, mas deve ser estudado do ponto de vista do relacionamento que existe entre esta e seu meio específico, em determinado estágio do seu desenvolvimento. A dimensão sociocultural do desenvolvimento humano envolve a cultura enquanto ‘palco de negociações’, caracterizando um processo dinâmico de interação entre o mundo cultural e o mundo subjetivo individual. Segundo o autor, o homem é um ser histórico-social que, sem os processos de interação com a sócio-cultura, não poderá desenvolver as características que tem sido construídas ao longo da evolução da humanidade. A culturalização, sob a perspectiva sócio-construtivista, é concebida não como um processo de absorção passiva, mas como um processo bidirecional de transformação. Valsiner (1989, 1994a), ampliando tal perspectiva na direção de incluir o papel do sujeito ativo e construtivo, assegura que o desenvolvimento psicológico é social, relacionado às – mas não determinado pelas – interações sociais que o indivíduo estabelece ao longo do seu desenvolvimento. Em ambos os aspectos - biológico e social - o desenvolvimento consiste na transformação de uma organização, em um processo através do qual novas formas de organização surgem das que as precederam no tempo. Dessa forma, as influências ambientais e as condições internas do organismo participam do processo de desenvolvimento, possibilitando-o ou dificultando-o, a depender das interações específicas de tais condições em cada momento. Os participantes do processo de transmissão cultural transformam ativamente as mensagens culturais, organizando e reorganizando as informações que perpassam uma experiência social, caracterizando um modelo de transmissão bidirecional da cultura. O processo de internalização/externalização representa um processo ativo de alternância entre as culturas pessoal – singular e original do indivíduo – e coletiva – indicativa de uma rede de significados historicamente construídos e coletivamente partilhados pelo grupo social (Martins & Branco, 2001). Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 138 Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi, Claisy Maria Marinho de Araújo e Marisa Maria Brito da Justa Neves A participação na escola, dessa forma, possibilita à criança o contato com um mundo de relações interpessoais, inseridas em uma rede de significados, crenças e valores culturalmente estabelecidos e socialmente compartilhados (Valsiner, 1989). Como processo bidirecional, o aluno oferece, igualmente, à escola, um mundo subjetivo que vem a enriquecer-lhe a ‘cultura escolar’ e, conseqüentemente, as interações que lá se estabelecem. Segundo Lima (1992), a experiência escolar se insere em um processo contínuo de desenvolvimento do sujeito, iniciado antes de sua entrada na instituição, tornandose, a escola, cada vez mais, uma das possibilidades de desenvolvimento para o ser humano. Conforme afirma a autora, “a escola não é um espaço independente de socialização e aprendizagem, mas um espaço que vem se somar aos outros nos quais o ser humano transita” (p.4), para onde a experiência acumulada do sujeito é levada e irá influenciar a sua inserção no contexto. Ressalta-se, assim, a co-construção do processo de escolarização: o indivíduo constrói a sua relação com a escola com base nas suas experiências, ao passo que a escola constrói a sua relação com o indivíduo com base nas elaborações sociais das experiências culturais. Lima (1992) ainda destaca que: enquanto as aprendizagens na vida cotidiana trazem inerentes a si mesmas seus significados, uma vez que decorrem das práticas sociais e culturais, das condições de vida e da organização de cada coletivo humano, as aprendizagens na escola encontram seu significado na história das idéias e no complexo processo de desenvolvimento da consciência humana. (p.5) Desta forma, a importância do conhecimento se guia pelos elos estabelecidos entre os processos de construção dos conceitos e o processo global do desenvolvimento, devendo-se considerar o eixo epistemológico da escolarização como “resultante da articulação entre desenvolvimento, aprendizagem, socialização e formação da personalidade” (Lima, 1992, p.7). Araújo (2003) aborda o espaço educacional e os vínculos estabelecidos entre a Educação, a escola e os professores, ressaltando a amplitude da ação educativa, que não se limita aos conhecimentos, informais ou científicos, mas envolve inúmeros outros aspectos ligados às construções afetivas, relacionais e criativas. “Entender que a escola não é nem a fonte essencial das desigualdades sociais, nem reflete passivamente a ideologia dominante (...) é defender que há, na instituição escolar, intencionalidades, finalidades, utilidades que lhe permitem re-interpretar e resignificar a ideologia ao difundi-la ou transmiti-la.” (Araújo, 2003, p.21) Esse encontro representa o momento da construção e resignificação cultural, que pode aproximar-se ou afastar-se dos preceitos de paz e valores sociais, a depender das construções já existentes e das condições ambientais promotoras de sua transformação. A instituição escolar assume a dimensão mediadora da ações oriundas do processo educativo em função das complexas e multideterminadas influências ideológicas, históricas, econômicas, políticas e sociais, constituindo um local privilegiado de contradições e antagonismos, bem como de articulação dos interesses sociais mais justos, democráticos e solidários (Araújo, 2003). De acordo com a afirmação da autora: A contribuição da escola à redução das desigualdades sociais não se efetivará sem o enfrentamento crítico e corajoso dos inúmeros impedimentos que se colocam à construção da cidadania e que comparecem tanto no interior dos muros da escola (pelo currículo – formal, real, oculto), quanto fora dela, por meio de políticas públicas que atestam o descaso com necessidades, desejos e demandas concretas oriundas no contexto escolar. (p.23) Branco (2003) ainda ressalta a importância de se estabelecer uma recognição recíproca entre os indivíduos acerca da aceitação das diferenças étnicas e culturais enraizadas “que vão realçar as possibilidades de respeito mútuo e da co-construção de uma sociedade mais rica em termos de alternativas criativas para resolver os difíceis problemas que surgem, e acima de tudo, aumentar as possibilidades de um mundo pacífico” (p.252). Milani (2004) identifica e analisa práticas exitosas desenvolvidas por organizações educacionais brasileiras, cujo trabalho focalizou a prevenção da violência interpessoal e/ou a promoção da cultura de paz aos adolescentes. Nessa pesquisa, o autor pôde constatar diferentes modelos de prevenção e priorização de estratégias de ação, destacando a necessidade de uma intencionalidade educativa consciente através do engajamento Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa efetivo dos atores sociais. Segundo o autor, os processos dialógicos e interacionais, bem como os conteúdos programáticos das experiências estudadas, oportunizaram a reflexão e o exercício de valores, como o respeito às diferenças e o serviço à coletividade, por meio do fortalecimento da identidade pessoal e cultural. Tais contribuições somam-se às considerações de Meira (2000), quando afirma que “a Educação, enquanto um processo ao mesmo tempo social e individual, genérico e singular, é uma das condições fundamentais para que o homem se constitua de fato como ser humano, humanizado e humanizador” (p.60). Freire (1996), abordando acerca do papel da instituição escolar no mundo presente, afirma que: o mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não só o de quem constata o que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. (p. 76-77) Dessa forma, assumindo-se como agente de transformação social e como palco privilegiado de negociações culturais e de desenvolvimento humano, a instituição escolar ocupa posição de relevo para a vivência, promoção e difusão da Cultura de Paz. A Psicologia Escolar Historicamente, a Psicologia esteve vinculada à Educação desde o seu início no Brasil através das Escolas Normais e Institutos de Educação, sendo respaldada e construída, prioritariamente, por um visão médica. Os trabalhos de atendimento psicológico desenvolvidos no âmbito educacional eram realizados e/ou orientados por médicos, com forte influência da ciência experimental e da psicometria, caracterizando uma migração, para o interior da instituição escolar, de um modelo clínico de atuação. Conforme bem descreve Araújo (2003), tal situação garantiu o destaque da Psicologia na Educação, ao passo que evidenciou a fragilidade do conhecimento psicológico acerca da ação educacional. Caiu-se na armadilha, não da Psicologia, tampouco da Educação, mas dos vácuos resultantes de espaços mal articulados entre ambas as áreas, de explicar o fracasso escolar em concepções 139 deterministas e reducionistas sustentadas pela causalidade biológica, organicista, psicológica ou ambientalista, não se assumindo a natureza multideterminada da dificuldade de aprendizagem e as inúmeras articulações profissionais para combatê-la. A figura do psicólogo escolar ou psicólogo educacional surgiu, desta forma, com uma identidade tênue, pouco definida, marcada por tendências adaptacionistas e por subjugação ideológica aos interesses hegemônicos do poder capitalista. Discursos críticos por parte de psicólogos favoreceram, historicamente, uma reorganização social e política da sociedade brasileira e promoveram uma atuação diversificada da Psicologia em relação à Educação através de novas reflexões teóricometodológicas. A partir deste histórico, intensificam-se as reflexões com vistas a uma maior criticidade quanto à formação e atuação do psicólogo escolar, de forma coerente e condizente com a demanda que se apresenta, visando contribuições efetivas para o estreitamento do vínculo entre ambas as áreas. A Psicologia Escolar constitui, atualmente, uma área de conhecimento e prática em construção. Historicamente, verifica-se um posicionamento da Psicologia com a escola na busca de soluções das demandas existentes. Veio a lotar-se na escola, ocupando os então existentes espaços de ação clínica na tentativa de sobrepor a Psicologia à Educação, e a trabalhar para a instituição escolar, prioritariamente para o aluno, na busca de intervenções eficazes. Assumir-se, contudo, como profissional da escola, como recurso humano pertencente ao quadro, real e subjetivo, da instituição educativa, representa um passo significativo na construção da identidade, formação e atuação do psicólogo escolar. A história dessas preposições e conjunções apontanos um movimento progressivo similar ao processo de construção da identidade escolar: da exclusão à integração, da integração à inclusão. Sentir-se parte da totalidade escolar simboliza, atualmente, a base que sustenta a ponte (em construção) entre a Psicologia e a Educação, áreas de conhecimento interdependentes e complementares, que visam ao desenvolvimento e ao sucesso do aluno, do professor e da escola. Segundo Lima (1990), “não cabe à Psicologia normatizar a ação pedagógica” (p.17), mas compreender as condições e motivos que constituem a conduta do indivíduo na instituição escolar em sua especificidade. Quando encarada como ciência em movimento, com Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 140 Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi, Claisy Maria Marinho de Araújo e Marisa Maria Brito da Justa Neves paradigmas caminhando para a complexidade, a Psicologia assume um compromisso teórico e prático com a Educação na busca da compreensão do e atuação no processo de constituição do indivíduo, em particular de sua vivência na instituição educativa. A autora afirma que “não será através da aplicação de uma determinada teoria ou um determinado conhecimento sociológico, antropológico, genético, psicológico ou médico, parcialmente considerado, que a questão educacional poderá ser encaminhada” (p.3), alertando quanto à interdisciplinaridade e complementaridade necessárias para a compreensão do processo de desenvolvimento e educação. Araújo (2003) afirma que: a relação entre a Psicologia e a Educação deve refletir, nas produções e atuações contemporâneas, uma interdependência entre processos psicológicos e processos educacionais referendada em um conjunto teórico que privilegia essa concepção histórica da constituição humana.” (p.10) Essa autora defende que a identidade do Psicólogo Escolar se constitui a partir da sua imersão na escola, enquanto locus privilegiado para a ocorrência do processo de canalização cultural, enquanto espaço institucional de efetivação da condição humana dos sujeitos participantes e, ainda, enquanto campo de incoerências que desafiam e formam o psicólogo escolar. Mostra-se possível e necessário, portanto, articularse interesses sociais refletores da justiça, da democracia e da solidariedade em um espaço que tende a explicitar contradições e antagonismos, por meio de um enfrentamento fundamentado na criticidade, coragem e cidadania. Analisando-se as relações entre o currículo e a ideologia, a cultura e o poder, através da face oculta e subliminar dos discursos, pode-se verificar que estes aspectos permeiam o cotidiano escolar sem a criticidade necessária por parte dos vários segmentos envolvidos. São muitas as contradições que constituem o fundo sobre o qual as ações figurativas se manifestam. E é exatamente este fundo subjetivo que deverá surgir nos espaços de interlocução escolar visando a uma consciência do processo no qual seus membros estão inseridos, bem como à construção de competências para uma atuação coerente. Legitimar mediações que não só explicitem a desigualdade e a divergência presentes na escola, mas, também, vislumbrem sua transformação, é sustentar ações no interior do sistema educacional, revisitando práticas, criticando limites coercitivos, orquestrando vozes nos espaços de interlocução, denunciando a opressão e a desigualdade nas oportunidades. (Araújo, 2003, p.28) Para tanto, Araújo e Almeida (2003) afirmam que a formação acadêmica, tanto inicial quanto continuada, deve direcionar-se a capacitar o psicólogo para as especificidades que a atuação na área escolar exige, sugerindo que a ação formativa contemple: o a conscientização das possibilidades e competências em desenvolvimento, em função das habilidades prospectivas; o a construção de capacidades de iniciativa e autonomia frente a situações de conflito ou decisões; o o desenvolvimento das capacidades de análise, aplicação, re-elaboração e síntese do conhecimento psicológico relativo ao contexto de intervenção profissional; o a clareza da relação entre as concepções teóricas sobre o conhecimento psicológico e o trabalho a ser adotado; o a postura crítica, lúcida e reflexiva acerca do homem, do mundo e da sociedade, no contexto social em que está inserido; o o planejamento de estratégias interdisciplinares de comunicação e ação que integrem e legitimem a intervenção; e o o comprometimento com o exercício de uma função político-social transformadora de sua profissão, exercendo-a eticamente no campo educacional. A ética profissional na atuação da Psicologia Escolar pressupõe a revisão de crenças, conceitos e concepções sobre a especificidade da ciência psicológica que, efetivamente, proporcione o desenvolvimento de novas atitudes e comportamentos. A capacitação continuada dos psicólogos busca articular a expressão e a manifestação das competências necessárias com orientações e propostas de intervenção prioritariamente preventivas (Araújo & Almeida, 2003). Segundo Araújo (2003), “o psicólogo escolar, ao aprofundar competências para sua atuação, estaria se Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa preparando para uma dupla responsabilidade: a autocapacitação e a capacitação dos professores e equipe escolar” (p.109). Com base nas considerações expostas, Araújo e Almeida (2003) apontam a necessidade de uma vinculação política e ética a favor da consolidação da especificidade da Psicologia Escolar no cenário sócio-políticonacional, a fim de se construir uma identidade e favorecer uma participação ativa (e interativa) de sujeitos conscientes de seus papéis e funções. A Cultura de Paz e a Psicologia Escolar Estabelecendo uma interface com a Cultura de Paz, a Psicologia Escolar prima por uma coerência de ações que promovam a sua construção no contexto escolar através da articulação das vozes escolares e da criação de um espaço de escuta para re-significação de suas concepções e práticas. Segundo Milani (2003), o primeiro passo de qualquer educador ou unidade escolar que deseje atuar de forma eficaz e consistente na promoção da Cultura de Paz, é identificar as premissas que fundamentam o seu modelo mental a respeito dessa temática. Visto que, na maioria das vezes, o indivíduo não está consciente das premissas sobre as quais seu próprio raciocínio e comportamento são construídos, faz-se imprescindível questionar os pressupostos que, explícita ou implicitamente, servem de fundamento a algumas das posturas e propostas de ação. Reconhecendo a importância de se construir uma Cultura de Paz, Milani (2003) afirma que “para que relações de paz, respeito e cooperação prevaleçam numa escola ou comunidade não bastam boas intenções e belos discursos” (p.31), mas transformações indispensáveis para que a paz seja o princípio governante de todas as relações humanas e sociais. O autor alerta quanto ao discurso da paz que permeia o senso comum, que tende a assumir o caráter abstrato de um ideal que todos desejam mas que raros se dispõem a construir: Quando isso acontece, a proposta corre o risco de tornar-se uma mera expressão de boas intenções, ingênua em sua consistência e reduzida, em sua abrangência, à ação do indivíduo nas suas relações interpessoais. (p.39) Com vistas à construção da Cultura de Paz no contexto educativo, Milani (2003) destaca a necessidade de se analisar os discursos escolares e a forma como 141 seus atores compreendem e enfrentam o fenômeno da violência. O autor apresenta três abordagens que, implícita ou explicitamente, estão presentes nos discursos dos diversos atores sociais – a da repressão, a estrutural e a da cultura de paz - abordagens estas que servem de base às explicações que professores e diretores dão ao fenômeno da violência intra-escolar e, consequentemente, às estratégias adotadas pelas instituições de ensino. A repressão, adotada como solução para o problema da violência, constitui medidas de força, como o policiamento, o endurecimento das regras, a expulsão de alunos com comportamentos indesejáveis, dentre outras ações que tendem a desconsiderar as especificidades de cada aluno, da escola ou da situação, oferecendo uma aparente resolução de problemas. A segunda abordagem enfoca a estrutura socioeconômica como causa da violência, assumindo-se uma posição acomodativa, impotente e determinista frente a uma realidade ‘inevitável’. O autor destaca que alguns professores e atores escolares se apegam a tais crenças de modo a não reconhecer as diversas possibilidades à sua disposição e as inúmeras experiências exitosas de escolas que, a despeito das dificuldades e limitações, cumprem sua missão, formando crianças e adolescentes cidadãos. O terceiro paradigma constitui a cultura de paz, que “propõe mudanças inspiradas em valores como justiça, diversidade, respeito e solidariedade, por parte de indivíduos, grupos, instituições e governos” (Milani, 2003, p.38). Esse modelo enfatiza a viabilidade de se reduzir os níveis de violência através de intervenções fundamentadas na educação, saúde, participação cidadã e melhoria da qualidade de vida. Desta forma, enquanto o primeiro enfoque tende a interpretar a violência como uma expressão exclusiva de pessoas incapacitadas para o convívio social; e o segundo tende a considerar o indivíduo violento como vítima da sociedade; o terceiro, correspondente ao modelo da Cultura de Paz, analisa a violência como “um fenômeno multidimensional e multicausal, que se manifesta por expressões individuais, grupais e/ou institucionais, e cujo enfrentamento exigirá mudanças – culturais, sociais, econômicas, morais – de parte de todos” (Milani, 2003, p.39). Um dos aspectos da atuação da Psicologia Escolar refere-se à criação de espaços para a conscientização de professores e atores escolares sobre os seus papéis, Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 142 Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi, Claisy Maria Marinho de Araújo e Marisa Maria Brito da Justa Neves funções e responsabilidades, promovendo uma ação reflexiva e intencionalmente direcionada à construção de relações e estratégias coerentes com a demanda e os objetivos educacionais. As concepções de sucesso e fracasso, paz e violência permeiam os discursos e as práticas cotidianas, cujas vozes necessitam ser validadas, ‘devolvidas’ e ‘ecoadas’ de forma a promover a conscientização das ações e do caráter sintomático dos comportamentos no contexto escolar. Neste sentido, as relações interpessoais constituem uma unidade de análise da prática pedagógica, criando com e entre os professores um espaço de interlocução que promova a conscientização das complexas redes interativas que permeiam o contexto escolar (Araújo, 1995). Segundo Kupfer (1997), a Psicologia busca atender à demanda escolar de forma a recolocar as palavras em circulação, a “oxigenar” os organismos da educação, a escutar a linguagem como forma do indivíduo ouvir a e estruturar-se com sua própria fala. Segundo a autora, a falta de circulação do discurso é o início e o fim da instituição, ao passo que sua circulação possibilita uma participação ativa e responsável do profissional pela sua ação e pelo seu discurso. Conforme afirma Meira (2000), o sujeito consciente assume um papel ativo no processo histórico, visto que “as tendências objetivas que se apresentam no curso da história por si mesmas não provocam transformações, motivo pelo qual necessitam da ação humana para se concretizarem (...)” (p.51). A observação, o estudo, a análise e o conhecimento da realidade da escola, realizados pelo psicólogo escolar através de um mapeamento institucional, favorecem o levantamento das necessidades e expectativas de seus diferentes atores, possibilitando a identificação das demandas e uma intervenção eficaz, promotora de reais transformações no contexto escolar. Conforme apresentado por Araújo (2003) e Araújo e Almeida (2003), o mapeamento e a reflexão sobre os aspectos institucionais evidenciam as convergências e incoerências em aspectos como: influências ideológicas e filosóficas presentes na proposta pedagógica; concepções de desenvolvimento e aprendizagem, educação e ensino, subjacentes aos planejamentos, projetos e práticas educacionais; concepção de currículo e sua expressão através das rotinas, atividades e projetos; experiências de gestão coletiva e participativa através das relações estabelecidas entre os grupos da escola; e análise documental comparativa das normas, valores, procedimen- tos e formas de avaliação previstos em estatutos e regimentos internos. A identificação das incoerências e a busca das compatibilidades ampliam, consideravalmente, a consciência do contexto e do poder de ação dos diferentes atores escolares. Machado (2000) afirma que o próprio aluno pode aparecer, sintomaticamente, como o mobilizador de um conflito de ambigüidades escolares já existentes previamente, tornando-se o sinalizador de que algo incoerente se apresenta em um sistema maior e que necessita de reparos. Weiss (1992) ressalta que “quanto mais a escola fizer a sua auto-avaliação, quanto menos mantiver estereótipos e ambigüidades, mais ela livrará o aluno de ser o responsável pelo fracasso em sua aprendizagem” (p.104). O aluno, nesta concepção, deixa de ser ‘o problema’ para ser o ‘indicador de um problema existente’ e, a partir deste enfoque, muda-se o objeto e a forma de intervenção. É sob esta perspectiva que Neves e Almeida (2003) ressaltam a necessidade de se integrar modalidades de atuação, essencialmente preventivas, que visam à promoção da saúde e do sucesso escolar. A ação eficaz da Psicologia Escolar, através da desmistificação de ações psicologizantes (Meira, 2000) e da diluição de discursos e práticas cristalizados institucionalmente deve, segundo Almeida e cols. (1995), abranger aspectos formativos que subsidiem sua prática, envolvendo a análise das relações entre desenvolvimento e aprendizagem; a relação professor-aluno; o papel da afetividade na transmissão e aquisição do conhecimento; as representações sociais do sucesso/insucesso escolar; a relação família-escola-comunidade; as práticas pedagógicas do professor; as teorias e metodologias educacionais; os procedimentos teórico-metodológicos de atendimento psicopedagógico; a análise crítica e reflexiva sobre teorias e práticas psicológicas; a sensibilidade para atitude interdisciplinar; e as habilidades criativas e de comunicação. A abordagem da Cultura de Paz, por sua vez, ressalta algumas estratégias que tendem a viabilizar a sua prática na instituição escolar, conforme apresentadas por Milani (2003): uma relação educador-educando fundamentada no afeto, respeito e diálogo; um ensino que incorpore a dimensão dos valores éticos e humanos; processos decisórios democráticos, com a efetiva participação dos alunos e de seus pais nos destinos da comunidade Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa escolar; implementação de programas de capacitação continuada de professores; aproveitamento das oportunidades educativas para o aprendizado do respeito às diferenças e a resolução pacífica de conflitos; abandono do modelo vigente de competição e individualismo por outro, fundamentado na cooperação e trabalho conjunto... (p.39). Destacando a Cultura de Paz como cultura promotora da diversidade pacífica Boulding (apud Milani, 2003), complementa e questiona: “As melhores vacinas para a violência dentro da escola são uma boa relação educador-educando, baseada em afeto, diálogo e respeito mútuo, normas de convívio resultantes de discussão e consenso entre todos integrantes da comunidade escolar, justiça e imparcialidade por parte da direção no trato com alunos e professores, participação máxima dos pais, envolvimento com a comunidade, e um ambiente de valorização, alegria e flexibilidade. Isso demora mais e dá mais trabalho de que as medidas repressivas, mas só assim a escola cumprirá a sua missão. Se desistirmos dela, o que nos restará?” (p.51) Milani (2003) apresenta, ainda, alguns programas que se tendem a promover a Cultura de Paz, como o fortalecimento da identidade pessoal e cultural; a promoção do auto-conhecimento e auto-estima; o desenvolvimento da comunicação interpessoal; a educação para o exercício da cidadania; a vivência e reflexão a respeito de valores éticos universais; o reconhecimento da alteridade e respeito à diversidade; a sensibilização em questões de gênero; a sensibilização em questões étnicas; o aprendizado da prevenção e resolução pacífica de conflitos; a promoção do protagonismo juvenil; a mobilização e participação comunitária em prol do bemestar coletivo e com métodos não-violentos; e a educação ambiental. O trabalho em prol da promoção de uma Cultura de Paz implica, desta forma, um processo de transformação individual e social, exigindo ações em níveis micro e macro (Milani, 2003). O nível micro refere-se às transformações intra e inter-relacionais, envolvendo valores, atitudes, estilos de vida e ações pacíficas cotidianamente evidenciadas em diferentes contextos. A atuação em nível macro implica repensar os processos sociais, definir estratégias de mudança coletiva e criar políticas públicas, estruturas institucionais e programas educativos condizentes com os valores da paz, nível que exige a 143 qualificação e a capacidade de articular e integrar esforços dos mais diversos atores sociais. Assim sendo, aponta-se, como importante estratégia na elaboração de medidas conscientes e eficazes no processo de construção de uma Cultura de Paz, a capacitação por competências, concebendose competência como a capacidade de agir de forma reflexiva e eficaz em um determinado tipo de situação, apoiada em um conjunto articulado e dinâmico de conhecimentos, saberes, habilidades, esquemas mentais, atitudes e posturas (Perrenoud, 1999b). Visto que, no contexto escolar, a atuação do psicólogo escolar envolve intervenções voltadas ao desenvolvimento de competências individuais e coletivas, a capacitação para a prática dos diferentes atores de forma reflexiva, intencional e planejada, articulada aos conhecimentos, habilidades e saberes, tende a promover a construção da competência nas inúmeras zonas indeterminadas da prática (Plantamura, 2002) que clamam por ações pontuais, promotoras de soluções pacíficas. No que tange à construção da Cultura de Paz, as habilidades interpessoais, pessoais e éticas destacamse frente às necessárias articulações demandadas nos contextos sociais. As habilidades interpessoais, conforme apresentadas por Araújo (2003), envolvem características de relacionamento social desdobradas em ações coletivas e na construção de espaços férteis de interlocução através da disponibilidade de colaboração e socialização de saberes e respeito aos diferentes pontos de vista. As habilidades pessoais representam recursos individuais, envolvendo a disponibilidade para rever a sua própria atuação, o empenho continuado para aperfeiçoamento e o desenvolvimento de estilos e atitudes que permitam vencer desafios de forma planejada e intencional. As habilidades éticas, por sua vez, abrangem a capacidade de identificar as várias verdades existentes da intersubjetividade das relações, o desenvolvimento da sensibilidade para considerar a singularidade das situações e a disponibilidade para o questionamento e a interrogação reflexivos, críticos e constantes sobre suas próprias decisões, ações e atitudes, “exercitando a ética da tolerância e da solidariedade” (Araújo, 2003, p. 104). Tais habilidades constituem importantes ferramentas a serem ampliadas e desenvolvidas continuamente, favorecendo a construção de relações intra e interpessoais significativamente pacíficas e capazes de articulações promotoras de transformações culturais. Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 144 Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi, Claisy Maria Marinho de Araújo e Marisa Maria Brito da Justa Neves CONSIDERAÇÕES FINAIS Verifica-se, desta forma, a coerência entre instrumentos, programas e ações oferecidos pela Psicologia e pela Cultura da Paz no contexto educativo, favorecendo a construção de estratégias que visem ao sucesso escolar em sua totalidade. Aponta-se uma convergência de enfoques, de âmbito preventivo e interventivo, em direção ao desenvolvimento de seus diferentes atores, aos seus processos intra e intersubjetivos, e à instituição educativa enquanto órgão de promoção social e de construção da cidadania. Sua ação transcende espaços institucionais e intervenções pontuais, constituindo estratégias que REFERÊNCIAS Almeida, S. F. C. de, Rabelo, L. M., Cabral, V. S., Moura, E. R. O., Barreto, M. S. F. & Barbosa, H. (1995). Concepções e práticas de Psicólogos escolares acerca das dificuldades de aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Brasília, 11, 117-134. Araújo, C. M. M. (1995). Relações interpessoais professoraluno: uma nova abordagem na compreensão das dificuldades de aprendizagem. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília. Brasília, DF. Araújo, C. M. M. (2003). Psicologia Escolar e o Desenvolvimento de Competências: Uma Opção para a Capacitação Continuada. Tese de Doutorado: Universidade de Brasília, Brasília-DF. Araújo, C. M. M., & Almeida, S. F.C. (2003). Psicologia Escolar Institucional: Desenvolvendo Competências para uma Atuação Relacional. Em: S. F. C. Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação relacional (pp.59-82). Campinas: Alínea. Branco, A. U. (2003). Social development in social contexts: cooperative and competitive interation patterns in peer interactions. Em: J. Valsiner & K.J. Conolly (Orgs.). Handbook of developmental psychology. (pp. 238-256) London: Sage. Cole, M. (1992). Culture in Development. Em: M. H. Bornstein & M. E. Lamb (Orgs.), Developmental Psychology: An Advanced Textbook (3rd Edition) (pp. 731-788). Hillsdale, Lawrence Earlbaum Associates. Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. (28º ed.) São Paulo: Paz e Terra. objetivam, primordialmente, a coerência entre posicionamentos ideológicos e práticas verdadeiramente educativas. A Psicologia Escolar apresenta-se, desta forma, como uma área de atuação promotora da Cultura de Paz no contexto educativo, por meio de construções, em níveis micro e macro, de ações direcionadas ao respeito pleno à vida, aos Direitos Humanos, à dignidade e ao desenvolvimento. Paz esta que, co-construída pelos demais atores sociais, caracteriza um importante passo “entre as pessoas, os grupos e as nações” (Declaração sobre uma Cultura de Paz, ONU, 1999, nº53/243) rumo à “paz e fraternidade universal” (Declaração dos Direitos da Criança, ONU, 1959). Kupfer, M. C. M. (1997). O que toca a/à Psicologia Escolar. Em: A. M. Machado, M. P. R. Souza (Orgs.). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos (pp.55–65). São Paulo, Casa do Psicólogo. Lima, E. C. A. S. (1990). O Conhecimento Psicológico e suas Relações com a Educação. Em Aberto. Brasília: INEP, ano 9, (48). Lima, E. C. A. S. (1992). Desenvolvimento e Aprendizagem na Escola: aspectos culturais, neurológicos e psicológicos. São Paulo, Sobradinho 107, GEDH. Lourenço, O.M. (1998). Psicologia de Desenvolvimento Moral: teoria, dados e implicações. Coimbra: Livraria Almedina, 2ª ed. Machado, A. M. (2000). Avaliação Psicológica na Educação: Mudanças Necessárias. Em E. Tanamachi, M. Rocha & M. Proença (Orgs.). Psicologia e educação: desafios teórico-práticos (pp.143-168). São Paulo: Casa do Psicólogo. Martins, L. & Branco, A. (2001). Desenvolvimento Moral: Considerações Teóricas a Partir de uma Abordagem Sociocultural Construtivista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17 , 169-176. Meira, M. E. M. (2000). Psicologia escolar: pensamento crítico e práticas profissionais. Em E. Tanamachi, M. Rocha & M. Proença (orgs.), Psicologia e educação: desafios teórico-práticos (pp.35-72). São Paulo: Casa do Psicólogo. Milani, F. (2000). Cidadania: Construir a Paz ou Aceitar a Violência?. Em M. Freitas (org.). Cidadania Mundial, a Base da Paz. (pp.51-57). São Paulo: Ed. Planeta Paz. Milani, F (2003). Cultura da Paz x Violências: papel e desafios da escola. Em: Milani, F. & Jesus, R.C.D.P (Orgs.). Cultura de Paz: Estratégias, Mapas e Bússolas (pp.31-60). Salvador: INPAZ. Cultura da paz e psicologia escolar no contexto da instituição educativa Milani, F. (2004). Violências versus cultura de paz: a saúde e cidadania do adolescente em promoção. Tese de doutorado, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. Neves, M. M. B. da J. & Almeida, S. F. C. (2003). A Atuação da Psicologia Escolar no Atendimento aos Alunos Encaminhados com Queixas Escolares. Em: S. F. C. Almeida (Org.). Psicologia Escolar: Ética e competências na formação e atuação relacional (pp.83-103). Campinas: Alínea. ONU (1999). Comitê Social, Humanitário e Cultural da Assembléia Geral. Declaração dos Direitos da Criança.(Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil através do art. 84, inciso XXI da Constituição, e o disposto nos arts. 1º da Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935, e 1º do Decreto nº 50.517, de 2 de maio de 1961). Disponível em www.onu.org. ONU (1978). Declaração sobre a Preparação das Sociedades para Viver em Paz. Assembléia Geral de 15 de dezembro de 1978, nº 33/73. (Original: Declaración sobre la preparación de las sociedades para vivir en paz -tradução da autora). Disponible em www.onu.org). ONU (1999). Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz. Assembléia Geral de 12 de novembro de 1984, nº 39/11. Original: Declaración sobre el Derecho de los Pueblos a la Paz (tradução da autora). (Home page www.onu.org). ONU. Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz. Resolução aprovada por Assembléia Geral em 06 de outubro de 1999, nº 53/243. Original: Declaración y 145 Programa de Acción sobre uma Cultura de Paz (tradução da autora). (Home page www.onu.org). Perrenoud, P. (1999b). Construir competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. Plantamura, V. (2002). Zonas de inovação e contextos formativos para competências crítico-reflexivas. Boletim Técnico do SENAC – publicação quadrimestral eletrônica. Volume 28, número 02, maio/agosto 2002 (Home page www.senac.com.br). Valsiner, J. (1989). Human Development and Culture – The social nature of personality and its study (pp.1-42). Lexington: Lexington Books. Valsiner, J. (1994a). Bidirectional cultural transmission and constructive sociogenesis. Em W. de Graff & R. Maier (Orgs.), Sociogenesis reexamined (pp.47-70). New York: Springer. Valsiner, J. (2001). Affective fields and their development. Em J. Valsiner, Comparative study of human cultural development (pp.159-181). Madrid: Fundación Infancia y Aprendizaje. Vygotsky, L. (1994). The problem of the environment. Em: R. Van der Deer & J. Valsiner (orgs.), The Vygotsky reader . (pp. 338-354). Oxford. UK: Basil Blackwell Ltd. Weiss, M. (1992). Psicopedagogia Institucional: Controvérsias, Possibilidades e Limites. Apresentado no II Congresso de Psicopedagogia e V Encontro de Psicopedagogos. São Paulo: Associação Brasileira de Psicopedagogia. Recebido em: 02/04/2005 Aprovado em: 05/06/2005 Endereço para correspondência: Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi: Universidade de Brasília – Instituto de Psicologia – Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul – Cep: 70910-900 – Brasília/DF e-mail: [email protected] Claisy Maria Marinho De Araújo: Universidade de Brasília – Instituto de Psicologia – Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul – Cep: 70910-900 – Brasília/DF e-mail: [email protected] Marisa Maria Brito Da Justa Neves: Universidade de Brasília - Instituto de Psicologia – Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Sul – Cep: 70910-900 - Brasília/DF e-mail: [email protected] Miriam Lúcia Herrera Masotti Dusi: (61) 3202-6200 / 8124-4080 – SQN 311 – Bloco A – apto. 307 – Cep: 70757-010 – Brasília/DF e-mail: [email protected] Psicologia Escolar e Educacional, 2005 Volume 9 Número 1 135-145 Resenhas PRÁTICAS EM PSICOLOGIA ESCOLAR Antunes, M. A. M. & Meira, M. E. M. (org.) 2003. Psicologia Escolar: Práticas Críticas. São Paulo: Casa de Psicólogo, 128 p. A Psicologia Escolar é considerada não somente uma área de estudo da Psicologia, mas também de atuação e formação do psicólogo, tendo o contexto educacional como foco de sua atenção. A revisão crítica dos conhecimentos da área tem possibilitado a superação de indefinições teórico-práticas que se colocam nas relações entre a Psicologia e Educação. O livro escrito por Maria Eugênia M. Meira, Mitsuko Aparecida M. Antunes e colaboradores, apresenta o resultado de um trabalho de reflexão teórico-prática desenvolvido ao longo de trajetórias marcadas pelo compromisso de colocar a Psicologia a serviço da transformação social. Os textos mostram possibilidades de intervenção que se constituem em expressões concretas do pensamento crítico já construído em Psicologia escolar e educação, indicando direções para que os psicólogos escolares possam ajudar à escola a cumprir sua função social. O livro é composto por quatro textos, escrito por autores ligados à área da Psicologia e Educação, que elucidam claramente o conteúdo tratado. No primeiro texto, A Atuação do Psicólogo como Expressão do Pensamento Crítico em psicologia e Educação, as autoras Elenita de Rício Tanamachi e Marisa Eugênia Melillo Meira apontam possibilidades de intervenção que se constituem em expressões do pensamento crítico construído em Psicologia e Educação. O psicólogo escolar é situado como mediador no processo de elaboração das condições necessárias para a superação da queixa escolar que se trata de uma demanda freqüente. Este item é abordado no sentido de descrição e análise da relação entre processo de produção da queixa escolar e os de subjetivação e objetivação dos indivíduos nele envolvidos, como mediação necessária à superação das histórias de fracasso escolar, exemplificando um caso. E por último as autoras destacam a atuação do psicólogo em instituições de ensino, como o encontro entre os sujeitos e a educação. A finalidade central do seu trabalho é a de contribuir para a construção de um processo educacional, sendo capaz de socializar o conhecimento histórico acumulado e de contribuir para a formação ética e política dos sujeitos. O segundo texto, Os psicólogos trabalhando com a escola: intervenção a serviço do que?, Adriana Marcondes Machado, apresenta um exemplo do percurso traçado pelo serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, por meio de trabalhos realizados em escolas publicas da cidade de São Paulo visando problematizar a função estabelecida na relação entre psicólogos e escolas. A autora apresenta algumas intervenções realizadas junto a crianças portadoras de queixas escolares, a alunos de classe especial e um trabalho com estudantes encaminhados para avaliação psicológica. Dessa forma, a autora e os profissionais da instituição tinham como objetivo problematizar as concepções, as práticas e as políticas presentes nos casos, nas histórias e nos discursos analisados, referindo-se ao funcionamento da instituição como um todo. Intervenção junto a professores da rede pública: potencializando a produção de novos sentidos, o terceiro texto, apresenta algumas reflexões sobre a formação de professores segundo a concepção das autoras Verusk Galdini e Wanda Maria Juqueira Aguiar. Basearam-se na experiência que tiveram em estágios que orientaram na área de psicologia educacional. São apresentados pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam o trabalho fazer-agir em educação junto a professores. A tarefa de formar e capacitar professores requer a clareza de que qualquer pratica que vise à atuação sobre a realidade escolar implica numa profunda reflexão sobre as concepções de homem, escola, educação. Isto posto uma vez que a escola, local onde as atividades docentes acontecem, é um espaço institucional e de mediação social. 148 No quarto texto, A Psicologia Escolar na implantação do projeto Político-Pedagógico da Rede Municipal de Ensino de Guarulhos: construindo um trabalho coletivo, Mitsuko Aparecida Makino Antunes e colaboradores, relatam o trabalho em psicologia escolar que vem sendo realizado na rede municipal de ensino do interior paulista. O projeto Político-pedagógico fundamentase no princípio de que todos têm direito à escolarização e que esta deve garantir efetivo acesso aos bens culturais produzidos historicamente pela humanidade. Este, segundo as autoras, só pode ser efetivado se alicerçado num processo sistemático e contínuo de formação dos educadores nele envolvidos. Alguns relatos de ações desenvolvidas pelos profissionais que compõem os núcleos de educação infantil, educação fundamental, educação de jovens e adultos e educação inclusiva, são apresentados e revelam que esses núcleos funcionam num intercâmbio constante. Resenhas A leitura é indicada a estudantes e profissionais das áreas de Psicologia e Educação devido ao seu atual e articulado embasamento teórico e prático. Além de um posicionamento crítico claro e enriquecido com muitas experiências práticas. Pode-se notar a clareza com que os autores participantes descrevem os assuntos, colaborando para torná-los de grande valia, dando uma boa visão do construto e de suas implicações em diversos contextos. Desse modo, o livro pode ser recomendado, sendo uma fonte de referência importante para reflexões e como parâmetro para o desenvolvimento de projetos voltados à Psicologia Escolar. Nayá Bellintani Caparrotti Mestranda em Avaliação Psicológica no Programa de pós-graduação stricto sensu em Psicologia da Universidade São Francisco PROCESSOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS NA APRENDIZAGEM Boruchovitch, E.; & Bzuneck, J.A. (orgs.) (2004). Aprendizagem: Processos Psicológicos e o Contexto Social na Escola., Petrópolis: Editora Vozes. A aprendizagem envolve uma integração de fatores contextuais e internos do aluno que podem tanto favorecer como afetar de maneira negativa o processo de aprender. Assim, o presente livro apresenta uma coletânea de temas da Psicologia Educacional com o objetivo de analisar e discutir os processos psicológicos e sociais na aprendizagem, dentro de uma perspectiva cognitiva e sociocognitiva. Fornece dados de pesquisas, bem como uma vasta revisão de literatura a respeito do assunto, tratando-se, portanto, de uma referência bastante contemporânea e valiosa para aqueles que estão envolvidos na educação. No livro, os aspectos internos do indivíduo são privilegiados e o estudante deixa de ser visto como passivo e receptor de informações e passa a ter uma participação mais ativa no próprio processo de aprendizagem. De uma forma geral, o livro traz a tona a discussão de que a escola não é apenas um ambiente para a aprendizagem formal, mas também uma rica fonte de experiências emocionais e sociais para os alunos. A partir dessa idéia, o conjunto de capítulos aborda tanto os aspectos intra-individuais na aprendizagem como variáveis sociais do contexto escolar. O livro reúne nove capítulos que estão organizados em duas partes, sendo que os cincos primeiros capítulos discutem importantes aspectos relacionados aos processos intra-individuais na aprendizagem, enquanto a segunda se concentra na análise de fatores relacionados ao contexto social que exercem forte influência no processo de aprendizagem. Embora os contextos social e individual estejam divididos no livro, vale ressaltar que se tratam de aspectos estreitamente relacionados e essa inter-relação é cuidadosamente contemplada na obra. No primeiro capítulo, a teoria do processamento da informação é discutida considerando a literatura na área. O desenvolvimento histórico, bem como todo o processo pelo qual a informação se processa são detalhadamente descritos por José Aloyseo Bzuneck. Evely Boruchovitch descreve, no capítulo 2, o conceito de auto-regulação de acordo com as diferentes abordagens teóricas, com atenção especial à teoria do processamento da informação. Além disso, a autora discute a auto-regulação nas faixas etárias, particularmente entre as crianças da pré-escola e do ensino fundamental, enfatizando a importância da aprendizagem auto-regulada desde o início da escolarização. A autora aponta algumas sugestões para a promoção da aprendizagem autoregulada que podem ser empregadas pelos educadores. No capítulo 3, Maria Aparecida Gomes e Evely Boruchovitch exploram as possibilidades do uso de jogos segundo o referencial teórico da psicologia cognitiva, baseada no processamento da informação. Primeiramente, as autoras discutem o emprego de jogos como um recurso de diagnóstico, bem como de intervenção psicopedagógica. Em seguida as autoras focalizam a utilização do jogo para uma aprendizagem mais consciente e auto-regulada. A importância da compreensão de leitura em universitários é analisada no capítulo 4 pelas autoras Acácia Aparecida Angeli dos Santos e Katya Luciane de Oliveira. Formas de avaliação da compreensão de leitura e suas conseqüências na aprendizagem dos estudantes de ensino superior são discutidas pelas autoras. Analisam o importante papel das universidades no desenvolvimento de bons leitores. As dificuldades de aprendizagem são apontadas pela literatura como condições adversas que podem prejudicar o desenvolvimento infantil. Sob a perspectiva de uma abordagem desenvolvimentista Sonia Regina Loureiro e Paula Cristina Medeiros discutem, no capítulo 5 que a dificuldade de aprendizagem, quando presente no período inicial da escolarização pode favorecer a vulnerabilidade ao desenvolvimento infantil, sendo necessário a 150 elaboração de programas de suporte visando o enfrentamento de tais situações consideradas críticas para o desenvolvimento. Dessa forma, conceitos como vulnerabilidade, resiliência e fatores de proteção são analisados neste capítulo. Em um segundo momento deste capítulo, aspectos relacionados as dificuldades de aprendizagem como as crenças de auto-eficácia são avaliados. A partir disso, as autoras relatam também os benefícios de uma intervenção psicopedagógica realizada em pequenos grupos e de curta duração com crianças brasileiras que apresentam dificuldades de aprendizagem. Assim como os processos internos ao indivíduo são extremamente relevantes para uma aprendizagem de qualidade, as interações sociais têm sido apontada pela literatura como um fator essencial para o aprender. A segunda parte do livro é composta pelos quatro capítulos finais, sendo que nos capítulos 6 e 7 são focalizadas as interações sociais enquanto processo facilitador do desenvolvimento humano, e mais especificamente, da aprendizagem. Sueli Edi Rufini Guimarães, no capítulo 6, inicia o texto com aspectos teóricos relativos à necessidade de pertencer e de estabelecer vínculos para o desenvolvimento humano. Alguns resultados de pesquisas sobre o tema são relatados e discute algumas alternativas para propiciar um ambiente escolar seguro e facilitador de interações sociais positivas. O importante papel desempenhado pela escola no desenvolvimento social dos estudantes é apresentado Resenhas por Carolina Lisboa e Silvia Helena Koller no capítulo 7. As autoras discutem que o papel da escola transcende a aprendizagem de conteúdos, devendo a escola ser também um contexto que favoreça o desenvolvimento emocional e social de seus alunos. Temas como amizade, vitimização e rejeição são abordados neste capítulo. No capítulo 8, Fermino Fernandes Sisto aborda, dentro de uma vertente construtivista piagetiana, as relações entre relacionamento social, aprendizagem e desenvolvimento social. O autor apresenta resultados de um conjunto de pesquisas, principalmente relacionados ao papel da intervenção psicoeducacional. O livro é finalizado com o capítulo 9 de José Aloyseo Bzuneck e Sueli Edi Rufini Guimarães, no qual são apontadas a competitividade no contexto escolar e as crenças que os professores possuem em relação a competição. Muitas vezes, a competição é vista como uma estratégia motivadora, no entanto as conseqüências negativas dessa prática são apresentadas neste capítulo. Percebe-se, durante toda a obra, a expectativa de se otimizar a aprendizagem humana, valorizando o desenvolvimento psicológico e social do aluno, sendo este um dos importantes papeis da escola. Dessa forma, acredita-se que o presente livro possa contribuir para aqueles que se preocupam com a aprendizagem do aluno e mais especificamente, valorizam o indivíduo enquanto uma pessoa única, sendo, portanto recomendado para professores, educadores e pesquisadores da área da educação e psicologia. Miriam Cruvinel Doutoranda em Educação pela Unicamp DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES DO PENSAMENTO ACADÊMICO Zwiers,J. (2004). Developing Academic Thinking Skills in grades 6 – 12: a handbook of multiple intelligence activities. Newark: IRA, xii + 260 p. Jeff Zwiers é consultora e professora que trabalha com linguagem e leitura estando envolvida com formação de professores especialmente em termos de desenvolvimento da linguagem acadêmica e de conteúdos específicos. O livro aqui resenhado tem um suporte teórico conceitual mas é predominantemente prático. Constituído por prefácio três partes, apêndices e índices é uma ferramenta de grande utilidade para professores não só de leitura mas de todas as matérias que integram o currículo. A validade de tecnologias e procedimentos que apresenta esta livre de cegueira teórica o que indica uma posição moderna, atitude eclética e um grande potencial de generalização. São formas de assegurar o desenvolvimento de habilidades cognitivas importantes na formação não apenas do leitor, embora a ênfase no livro seja as suas relações com a vida acadêmica. A preocupação de Zwiers é com as habilidades a serem ensinadas e como ensiná-las, o que faz com clareza e competência. Cabe aos professores a tarefa de propiciar o desenvolvimento destas habilidades nos seus alunos. A primeira parte do livro é constituída por dois capítulos de cunho teórico sendo que no primeiro deles é feita uma apresentação comparativa entre linguagem e pensamento acadêmicos. Há consenso na maioria dos pesquisadores de que existem muitas habilidades de pensamento e que elas devem ser desenvolvidas na escola. Para tanto, há necessidade de instrumentar os docentes não só com informações sobre estas habilidades e como elas se relacionam entre si mas como fazer para que se desenvolvam. Vale lembrar que pensamento, linguagem e aprendizagem de conteúdo são simbólicos, devendo haver uma adequação da vida acadêmica. As habilidades de pensar não são igualmente requeridas nas várias áreas de conteúdo sendo necessário recorrer a formas distintas para que se desenvolvam adequadamente em Ciências, História, Estudos Sociais e nas várias linguagens. As principais habilidades do pensamento acadêmico são: analisar, comparar, identificar causa e efeito, categorizar e classificar, solucionar problemas, persuadir, empatizar, sintetizar, interpretar, avaliar, comunicar, e aplicar. Seqüências e atividades diversas específicas de cada área de conhecimento são consideradas em cada caso. No segundo capitulo são enfocados os hábitos que um professor precisa ter para que possa propiciar ao aluno o desenvolvimento requerido. As pesquisas mostram que os hábitos docentes mais poderosos e necessários para o desenvolvimento das habilidades de pensar academicamente são: (1) ir da avaliação para a instrumentação; (2) oferecer possibilidade de escolhas para aprender; (3) relacionar o novo com o já existente; (4) modelar o pensamento; (5) gradualmente passar a responsabilidade para o aluno (modelagem); (6) dar miniaulas sobre pensamento acadêmico e linguagem; (7) usar linguagem acadêmica apropriada para eliciar e cultivar o pensamento acadêmico; (8) estabelecer transição entre as lições e atividades; (9) cuidar tanto dos aspectos verbais como dos não verbais do ensino e (10) manter uma coleção crescente de exemplos das melhores práticas acadêmicas. A parte seguinte do livro enfoca 12 habilidades do pensamento acadêmico, sendo a maior e a mais central da obra. O capitulo 3 traz informações básicas sobre o analisar e como desenvolver esta habilidade no pensamento acadêmico, como por exemplo a análise de modelos de escrita, o uso de organizadores e mapeamento semânticos, cartas biológicas e outras técnicas de ensino de eficiência já comprovada. O capítulo 4 enfoca as habilidades de fazer comparações e, após breve conceituação, várias tecnologias são disponibilizadas para que o professor possa ter êxito. 152 Pode-se exemplificar com a grade de comparação, uso de simulações de sinestezias, uso de músicas e textos. Categorizar e classificar implica em uma habilidade básica na vida sendo necessário desenvolvê-la de forma útil às diversas áreas de conteúdo, nas várias tarefas acadêmicas. Sugere o uso de colunas de classificação, classes de sentenças e orações, estocagem da idéia principal, classificação de músicas etc. No capitulo seguinte são feitas propostas que condições para que os alunos aprendam e desenvolvam a habilidade de pensar sobre causa e efeito. Entre elas aparecem: criação de diagramas, uso de organizadores visuais, levantamento de hipóteses, uso da linha do tempo etc. A habilidades de solução de problemas é o foco do sétimo capítulo no qual são sugeridas atividades como uso dos lados direito-esquerdo do cérebro, planejamento de vídeo games, solução de classificações, solução por emparelhamento, solução pelo método científico, entre outros. Como bem lembra Zwiers (p: 105) a vida é cheia de persuasão “sendo necessário desenvolver esta habilidade nos alunos”. Para tanto, recomenda estratégias como: balão cheio de ar quente, reestruturação, reconstrução, busca das razões etc. (capitulo 8). No capitulo 9 é enfocada a habilidades de empatia, útil não só para as habilidades sociais uma vez que perpassa toda a capacidade de pensar e se sair bem na escola. Ela tem sido uma habilidade muito valorizada na aprendizagem de conceitos, na compreensão de outras pessoas e de como pensam e sentem. Pode ser desenvolvida recomendando estratégias como desempenho de papéis, cadeira quente, encontro para o chá, redação científica, interpretação e análise de texto literário. Fazer síntese é a habilidade complexa considerada no décimo capitulo. Implica em extrair informações de diferentes fontes, combiná-las com as já conhecidas, fazendo emergir novos padrões e conceitos. É considerada uma das habilidades mais criativas do pensamento e possivelmente uma das mais difíceis de ensinar. Entre as atividades propostas para desenvolver a habilidade de síntese aparecem: criar jogos educacionais, reformular jogos e regras, fazer notas de síntese, transformar texto etc. A interpretação (capitulo 11) é uma habilidade requerida constantemente na vida posto que é usada para dar sentido tanto a pequenos como a grandes indícios, criando o mundo pessoal de cada um. A Resenhas interpretação é muito requisitada na vida acadêmica enfocando textos, dados observáveis, figuras, números, mapas etc. Práticas que a desenvolvem são: arte de interpretação triangular, técnica de interpretação de figura, representação de metáforas (textos ou outra forma) etc. No capitulo seguinte, a avaliação é o foco da atenção. Ela é importante para que o aluno tenha êxito na vida acadêmica, implicando em saber atribuir valor a alguma coisa ou parte dela de acordo com algum critério, o que é ao mesmo tempo sua característica mais marcante e difícil de ser estabelecida. Pode ser desenvolvida pelo uso de gráficos, pontuações de avaliações, diagramas, simulações diversas. O objeto de atenção do capitulo 13 é a comunicação, a qual como lembra Zwiers, nem sempre aparece nas listas de habilidades do pensamento. Todavia, muito do pensamento e da criatividade requer a habilidade de fazer comunicação oral, escrita ou não verbal. Está diretamente ligada ao desenvolvimento da linguagem acadêmica (processo e produto). Pode ser desenvolvida usando-se várias técnicas de trabalho em grupo, de experiências verbais, de discussões de diversos tipos, técnica do professor “não veio”, pares de pensadores, código colorido de escrita, entre outras. O último capítulo da segunda parte trata da aplicação que requer saber o que, o quanto e o como aplicar o que se aprendeu. Tem papéis diferentes nas várias áreas de conhecimento mas é considerada o coração ou responsável pelo êxito das habilidades do pensar. Sem aplicação do aprendido não se pode dizer que o processo se completou. Procedimentos diversos de generalização auxiliam no desenvolvimento desta habilidade. Exemplo: desempenho em tarefas planejadas com o auxilio dos estudantes, projetos no mundo real, ensinar estudantes mais jovens, desempenho de papéis etc. A terceira parte contém uma série de documentos, fichas, esquemas, quadros que o professor tem autorização para reproduzir e usar em suas aulas, facilitando o emprego das sugestões e orientações para o desenvolvimento das atividades propostas no livro. Elas também facilitam dispor de material para pesquisar as técnicas e procedimentos. Como são atividades não exploradas no Brasil, sem dados científicos colhidos em sua realidade social cultural e educacional, seria muito importante pesquisar a validade, a precisão e a eficácia nas escolas brasileiras. Resenhas Os três apêndices são muito úteis para se repensar o processo educativo. O primeiro traz um rol de atividades para o desenvolvimento das inteligência múltiplas nos campos artísticos-viso-espacial, musical, cinestésicocorporal, socio-interpessoal, auto-intrapessoal, matemático-lógico, científico-natural e verbal. O segundo apêndice arrola questões para trabalhar tópicos controversos filosóficos, culturais, verbais, históricos, políticos, científicos e comerciais. O último apresenta uma lista de sons que podem servir de base para canções. As referências usadas incluem clássicos mas predominam obras recentes, várias publicadas em 153 periódicos, que poderiam ser em maior número, mas se justifica pelo caráter predominantemente prático da obra. Há ainda uma relação com obras literárias citadas e outra com sugestões de textos complementares para quem desejar se aprofundar. A consulta à obra é facilitada por um índice de autores e conteúdo e por uma lista das atividades organizadas por capítulos e por ordem alfabética. O livro abre perspectiva para ensino e pesquisa, sugestões devidamente sustentadas em dados podem renovar substancialmente a educação. Cabe formar docentes com competências para tanto. Geraldina Porto Witter Universidade Mogi das Cruzes O ALUNO UNIVERSITÁRIO E SUAS QUESTÕES Joly, M.C. R. A., Santos, A. A. A. & Sisto, F. F. (orgs.), (2005). Questões do Cotidiano Universitário. São Paulo: Casa do Psicólogo, 264 p. Tendo como pressuposto que todos os envolvidos com o processo de aprendizagem no ensino superior devem assumir a responsabilidade de fazer não apenas o possível, mas o melhor, os organizadores deste livro Maria Cristina R. A. Joly, Acácia Angeli A. dos Santos e Fermino F. Sisto, apresentam por meio dos 12 capítulos que compõem o livro, pesquisas recentes conduzidas por profissionais de Psicologia e áreas afins. Estas desvelam questões do atual cotidiano do ensino superior e suas relações com estudante universitário. Na apresentação os organizadores tecem reflexões sobre a atual crise da educação superior, que passa por transformações na busca de uma nova identidade envolvendo seus principais atores, a saber alunos e professores. Destacam que as escolhas feitas para compor os capítulos do livro foram norteadas pelo objetivo de convidar o leitor a pensar no espaço universitário não tão somente como um transmissor de conteúdo e práticas, mas primordialmente um local de formação profissional. O capítulo inicial “Barreiras a criatividade e traços de personalidade em universitários”, de autoria dos organizadores, relata pesquisa realizada com alunos universitários, tendo como pressuposto teórico que personalidade e criatividade estão correlacionados. Os resultados indicam que os fatores tempo, falta de oportunidade e inibição/timidez criam barreiras a criatividade, pois dificultam a expressão da mesma. Quanto ao traço de personalidade verifica-se que os estudantes ingressantes apresentam tendência a serem amistosos, apresentando alta pontuação no fator extroversão.. O tema continua no capítulo 6 “Investigando barreiras à criatividade com universitários ingressantes”, no qual as autoras Paula B.C. Guerra e Maria Cristina R. A. Joly, relatam a investigação das barreiras à criatividade em universitários ingressantes. Destaca-se que dentre os fatores identificados, o fator tempo aparece novamente como uma das mais importantes barreiras externas que influenciam a criatividade. O uso de estratégias de aprendizagem com o objetivo de melhorar a competência e a compreensão em leitura dos alunos é apresentado em “Avaliação do uso de estratégias de aprendizagem e a compreensão em leitura de universitários”, titulo do capítulo dois. O assunto volta a ser discutido no capítulo 12 “Estratégias de Aprendizagem: Contribuições para a formação de professores nos cursos superiores”. Nestes as autoras enfocam a importância das estratégias metacognitivas, tanto na identificação do seu uso pelos alunos, como apresentam ao leitor os princípios gerais de um modelo de intervenção em estratégias de aprendizagem, que os professores podem ensinar aos alunos, para ele possa escolher as estratégias que se adequam ao seu perfil pessoal e usá-las para o melhor entendimento dos textos acadêmicos. “Estilos cognitivos dependência e independência de campo: análise de sua relação com a compreensão da leitura”, é o título do capítulo 3. O estilo cognitivo dependência de campo caracteriza o individuo que prefere uma estrutura externa de referência. Já os indivíduos que dão preferência a uma independência de campo, contam com uma estrutura interna de referência. A habilidade de compreensão em leitura entre universitários e a possibilidade dela estar relacionada com os estilos cognitivos pessoais, neste capítulo as autoras exploram as relações entre estes dois construtos. Preocupados com o cenário que os professores universitários se deparam no que tange a dificuldade dos alunos em debater, criticar, ler e produzir textos utilizando um raciocínio coerente e bem elaborado, no 156 capítulo 4 “Produção de texto e inteligência fluída”, os autores apontam as possíveis relações entre as medidas de produção de texto e a escala de inteligência fluida. A escrita é também o assunto do capítulo seguinte “Habilidade em escrita: um estudo com universitários ingressantes”. Os autores relatam estudo realizado com universitários ingressantes, neste confirmaram o que a literatura sobre a área apontava, detectaram que os alunos que chegam ao nível com sérios problemas quanto as habilidades de produção escrita, apresentando grandes e elevados números de erros gramaticais em suas produções. No capítulo 7 “Condutas agressivas e gênero: Uma questão de estilo de agressividade”, os autores trazem contribuições provenientes da literatura e de estudo realizado sobre a agressividade com estudantes universitários, cabe destacar que neste nível escolar são poucas as pesquisas realizadas no Brasil e quando realizadas geralmente é o professor que discorre sobre as condutas agressivas dos alunos, neste estudo foram os próprios alunos que relataram suas condutas. O estudo indica que as condutas agressivas autopercebidas pelos universitários homens são importunar outras pessoas, destruir coisas que não lhe pertencem, enganar e violar regras, desrespeitar a segurança própria e a alheia. Entre as mulheres estudantes as principais características são a manipulação, a irritabilidade, ataques de birra para alcançar os objetivos, brigas excessivas, humor deprimido e baixa tolerância a frustrações. Identificar como universitários os ingressantes vivenciam o processo de integração acadêmica nas dimensões pessoais, interpessoais e institucionais, possibilita aos envolvidos na condução do ensino superior uma melhor compreensão e condução da transição do aluno do ensino médio para o nível superior, buscando sua melhor adaptação, permanência e realização acadêmica. Esta é a contribuição que os autores do capítulo 8 “Questionário de vivência acadêmica: estudo de consistência interna do instrumento no contexto brasileiro” nos trazem. O capítulo seguinte “Percepção de estudantes evadidos sobre sua experiência no ensino superior” descreve a percepção que os estudantes evadidos têm sobre sua experiência no ensino superior. A pesquisa das autoras aponta que a evasão do ensino superior é um processo que envolve complexas interações entre fatores relacionados ao estudante, a instituição e aos Resenhas eventos externos. O conhecimento e identificação destes fatores possibilitarão a universidade promover um ambiente que desperte no estudante confiança, empenho e bom rendimento, buscando diminuir o alto índice de evasão no ensino superior. “Concepção e prática do lazer em alunos universitários” é o titulo do capítulo 11. Nele diante da escassez de pesquisa no Brasil sobre o tema nesta área, Miguel Cardozo do Lago e Fermino Fernandes Sisto apresentam os resultados de pesquisa realizada com estudantes da área de Educação Física. Para os universitários deste curso o lazer é considerado um fator de grande importância, relatam que praticam atividades de lazer até duas vezes ao dia, média acima do verificado em pesquisas com estudantes de outras áreas, destaca-se no entanto, que devido as características do próprio curso a atividade física teve maior conotação dentre as demais categorias de lazer, destoando do que é sugerido na literatura para que haja um equilíbrio entre as atividades de lazer manual, intelectual, social, artístico, físico e turístico. O capítulo seguinte “A motivação dos alunos em cursos superiores”, é resultado de um levantamento bibliográfico realizado pelo autor José Aloyseo Bzuneck. Baseado nos resultados de um conjunto de pesquisas sobre motivação escolar, é traçado um esboço da produção cientifica no Brasil e exterior, identificando suas contribuições e limitações. Constata-se que nos estudos internacionais os construtos mais focalizados são metas de realização, motivação intrínseca e motivação extrínseca, o mesmo ocorre no Brasil. Como contribuições destacam-se os dados descritivos, a relação encontrada entre motivação e estratégias de aprendizagem, e o fato de as pesquisas contemplarem diversos cursos superiores. No âmbito das limitações é apontado no aspecto metodológico a ausência de observações diretas, o largo uso de escalas likert, com tendência à analise fatorial e aplicação do alpha de Cronbach. Questões do cotidiano universitário é um livro que revela a preocupação dos pesquisadores em compreender as dificuldades que os estudantes apresentam ao chegar ao nível superior e seus déficits escolares, propõem ações efetivas que melhorem o desempenho acadêmico, mas que acima de tudo, que possibilitem a estes que ao concluírem seus cursos, possam integrar plenamente o mercado de trabalho. Resenhas É notória a preocupação dos autores de todos os capítulos de tratar os assuntos com profundidade, localizando suas fontes, permitindo ao leitor ampliar os temas discutidos. Constitui-se de um instrumento 157 de informação útil a docentes, coordenadores e administradores do ensino superior, pesquisadores e todos os interessados no processo de ensinoaprendizagem. Janete Ap. Silva Marini Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Francisco. História ENTREVISTA COM ELCIE APARECIDA FORTES SALGADO MASINI Entrevistadora: LUCICLEIDE MARIA DE CANTALICE Entrevista com a professora Elcie Aparecida Fortes Salgado Masini para a ABRAPEE Profª Elcie Aparecida Fortes Salzano Masini é livre docente em Educação Especial pela Universidade de São Paulo. Atualmente, compõe a equipe do Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde ministra as disciplinas “Metodologia de pesquisa em Ciências Humanas” e “Deficiências Sensoriais – percepção e cognição”; coordena os cursos lato sensu deste Programa “Psicopedagogia” (criado em 1998) e “Formação de Educadores de Pessoas com Deficiências sensoriais e múltiplas” (criado em 2000 - curso este realizado em convênio com o “Programa Hilton Perkins para a educação do surdocego e da pessoa com múltipla deficiente sensorial”). Iniciou a sua prática na Pedagogia como orientadora educacional num colégio vocacional, sendo convidada posteriormente a lecionar no curso de Psicologia. Aprofundou seus estudos nessa área ampliando – os com trabalhos na Psicologia da Comunicação, na Avaliação do Deficiente Visual e Orientação Educacional do Deficiente Visual. A partir de 1983 seu trabalho direcionou-se a formar professoras especializadas no ensino do deficiente visual. Aposentouse em 1994 na USP, porém, continuou a participar ativamente do Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre as Deficiências (LIDE), do qual é sócia fundadora, locado no Instituto de Psicologia da USP. Sua atuação em Psicologia Educacional concentra – se no ato de aprender e na área da excepcionalidade: e continua orientando doutorados e mestrados na USP e mestrados no Mackenzie; desenvolvendo pesquisas junto ao CNPq e Mackpesquisa, e publicações em livros e artigos, merecendo destaque pelas suas valiosas contribuições. Lucicleide: Profª Elcie, por que escolheu a Pedagogia por profissão e direcionou seu trabalho para a área de psicologia escolar educacional? Profª Elcie: Minha escolha pela Pedagogia, creio, irrompeu de motivos profundos que emergiram de diversas vivências: de minha experiência no início da escolarização, que ficou emersa em tons sombrios, conservando em mistério passagens da própria vida e 160 em esquecimento processos próprios importantes, como por exemplo o de aprender a ler; da propulsão de destrinçar o que transforma, na escola, uma criança plena de excitação e curiosidade pelo que a rodeia em alguém passivo e entediado; da crença de que a escola poderia ser um ambiente em que o aluno se sentisse bem e as condições favorecessem seu desenvolvimento, ampliasse suas potencialidades e respeitasse sua maneira própria de organizar, elaborar e realizar. A Pedagogia encontra seus fundamentos na Sociologia, História, Biologia, Psicologia, Filosofia. Embora o conhecimento dessas áreas fosse indispensável e, no meu Curso os professores das disciplinas fossem autoridades reconhecidas, cada uma das áreas permanecia em um domínio isolado. Naquela época as três áreas de atuação do pedagogo eram: a da administração escolar, que se voltava a atividades ligadas à direção cuidando da estrutura organização e funcionamento da instituição; a área do ensino que se voltava a atividades ligadas à coordenação pedagógica, didática e práticas dos professores; a área da orientação educacional focalizando o aluno, (por meio de atividades com grupos de estudantes, de professores, de pais) para acompanhamento do seu processo de participação, relacionamentos e aprendizagem. Optei pela orientação educacional. Comecei a atuar como orientadora educacional, após uma especialização de dois anos na Faculdade de Educação da USP. Na função de orientadora educacional tive o privilégio de compor a equipe do Colégio Vocacional “Oswaldo Aranha”- colégio experimental estadual - sob a coordenação geral da educadora Maria Nilde Mascellani. Esse colégio propiciava condições educacionais realizando um trabalho interdisciplinar que surgia de planejamento das áreas e discussões da equipe de professores para ministrarem os conteúdos levando os alunos a refletirem sobre o contexto social e problemática da comunidade em que estavam inseridos; respeitava – se a individualidade, ampliando as potencialidades do aluno organizar, elaborar e atuar coletivamente. Tive aí oportunidade de compartilhar da formação de jovens, hoje cidadãos de meia idade, que prestam serviços significativos em diferentes áreas como Jornalismo, Medicina, Educação e muitas outras. São exemplos vivos de que a sociedade pode contar com homens de responsabilidade, mentalidade independente e atuantes, quando são oferecidas condições educacionais, que consideram os alunos em suas História individualidades e as características do contexto social e da sua época. Aprendi muito nesse trabalho sobre condições requeridas para o desenvolvimento e psicologia educacional. Devido a essa minha atuação no Colégio Vocacional, fui convidada a lecionar no Curso de Psicologia da antiga Faculdade Sedes Sapientiae, na formação do psicólogo escolar; na Faculdade de Psicologia São Marcos, hoje Universidade São Marcos; e no Curso de Psicologia da PUCSP. A partir daí passei a aprofundar meus estudos na área de Psicologia. Lucicleide: Conte-nos um pouco de sua trajetória profissional. Profª Elcie: Durante aproximadamente 15 anos (de 1972 a 1986) estive participando da formação de psicólogos. A preocupação central era de que estes tivessem uma visão crítica sobre o significado de sua atuação na escola, no uso de recursos, técnicas e instrumento frente ao papel da escola pública no contexto social, dos anos 70 a meados de 80. Organizei dados dessa experiência de trabalho no livro que publiquei em 1978 “Ação da Psicologia na Escola”, prefaciado pelo Dr. Joel Martins, e re editado em 1982. As questões que os alunos traziam em supervisão dos estágios realizados nas escolas mostraram – me a necessidade de aprofundar meus estudos, o que me levou ao Mestrado em Psicologia Educacional e ao Doutorado em Psicologia (área de concentração Educação). Na tentativa de superar o despreparo referente aos processos de aprendizagem, que encontrei entre professores da escola pública, como também entre os psicólogos formados e os que lecionavam na Universidade, optei por este tema em minha Dissertação. Fiz a sistematização da Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) de Ausubel e sua aplicação em sala de aula numa pesquisa em escola pública estadual de São Paulo. (publicada no livro “Aprendizagem Significativa – a teoria de David Ausubel” em co – autoria com Marco Antonio Moreira, em 1982). As conclusões dessa investigação, bem como sua utilização por professoras nas escolas, assinalaram dúvidas quanto a segurança de atingir com a sistematização e aplicação da TAS o que Ausubel considerava o fator isolado mais importante para a aprendizagem “aquilo que o aprendiz já sabe”. Elucidou – se na prática, que o “saber” em Ausubel ficava restrito ao aspecto História intelectual (denotativo) e o “saber” que o aluno dispõe vem de sua experiência, composta de sentimentos, emoções, valores, hábitos (conotativo/existencial). Essa constatação levou – me no Doutorado a buscar a forma requerida para o “aproximar – se” do aluno e de seu “saber” (conotativo/existencial), fundamentada na Daseinsanalyse - interpretação de Boss e Spanoudis sobre a Análise Existencial de Heidegger. Do entrelaçamento das experiências de investigação fundamentadas na TAS e do “aproximar – se” daseinsanalítico surgiu o conceito de “Äprendizagem Totalizante”, publicado em livro com o mesmo título, em 1999. Em 1980, fui convidada pela Dra Elza Dias Pacheco para ministrar Psicologia da Comunicação, na Escola de Comunicações e Artes (ECA), na USP. Foi uma experiência desafiadora participar da formação de futuros comunicólogos ( jornalistas/ cineastas/ programadores de atividade de rádio e TV/ publicitários ) e das questões éticas a serem enfrentadas e discutidas conforme segue. Como discutir teorias de personalidade e as necessidades básicas que movem o homem com aqueles alunos que teriam nas mãos os recursos para manipular o público a partir dessas necessidades? Como examinar os ideais da cultura do século XX, de Morin e a utilização desses ideais nos meios de divulgação, introduzindo outro referencial de valores além dos da habilidade técnica e do sucesso? Ministrar essa disciplina ampliou minha visão sobre questões psicológicas imbricadas na cultura de massas: a relatividade da autonomia das escolhas, os recursos de persuasão e manipulação, a cooperação e a competição com a educação formal e o processo de aprendizagem dos alunos. Foi uma experiência bastante rica, que deixei em 1983, quando fui convidada a assumir aulas nas disciplinas “Avaliação do deficiente visual” e “Orientação educacional do deficiente visual”, na Faculdade de Educação da USP Minha experiência com deficientes visuaisinício de minha carreira profissional - estava muito distante. Parecia – me, por um lado, temerário reassumir encargos ligados à Educação Especial, por outro lado desafiante saber no que minha experiência e conhecimentos, com alunos sem deficiência visual, poderiam contribuir para a educação e o desenvolvimento de pessoas com deficiência visual. A linha central da programação das disciplinas sob minha responsabilidade enfatizava: ter clareza sobre as especificidades do 161 desenvolvimento da pessoa com deficiência visual, sobre os recursos para avaliá-lo para definir a orientação educacional apropriada. A consulta à bibliográfica especializada nacional e estrangeira, bem como a consulta a especialistas em deficiência visual para compor meu planejamento das disciplinas causou – me enorme impacto: o referencial de desenvolvimento e de aprendizagem utilizados em pesquisas e atendimento da pessoa com deficiência visual eram os utilizados com pessoas videntes (sem deficiência visual). Assim a pessoa com deficiência visual permanecia oculta, ao ser estudada por um referencial comparativo. Daí nasceu a pergunta diretriz de minha pesquisa de livre docência, inspirada na “Fenomenologia da Percepção” de Merleau - Ponty: como saber sobre a percepção do deficiente visual, sobre seus processos de organização e elaboração de dados, para um orientação educacional apropriada? A partir de meu concurso de Livre Docência na USP, em 1990, estive formando professoras especializadas no ensino do deficiente visual enfatizando a importância de partir do referencial perceptual do aluno deficiente visual para que ele possa compreender e elaborar dados do mundo que o cerca e das informações recebidas. Aposentei – me em 1994. Continuei, porém, a participar ativamente do Laboratório Interdisciplinar de Estudos sobre as Deficiências (LIDE), do qual sou sócia fundadora, locado no Instituto de Psicologia da USP. Entre atividades de eventos, debates de pesquisas, projeção e discussão sobre filmes, publicação de livro junto à equipe do LIDE realizei, também, várias investigações junto ao CNP, sobre aprendizagem e condições para a inclusão escolar do aluno com deficiência visual. Em 1998, a convite da Dra Maria Eloisa Famá D‘Antino, passei a compor a equipe do Programa de Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde ministro as disciplinas “Metodologia de pesquisa em Ciências Humanas” e “Deficiências Sensoriais – percepção e cognição”; coordeno os cursos lato sensu deste Programa “Psicopedagogia” (instalado em 1998) e “Formação de Educadores de Pessoas com Deficiências sensoriais e múltiplas” (instalado em 2000 curso este realizado em convênio com o “Programa Hilton Perkins para a educação do surdocego”) Neste programa venho realizando pesquisas, financiadas pelo CNPq e pelo Fundo de Pesquisa Mackenzie, sobre aprendizagem de pessoas com deficiências sensoriais e 162 História sem deficiências sensoriais. Sobre as área de atuação e pesquisa nesta Universidade de 1998 até o momento temos realizado eventos e publicações (seis livros e organização de duas revistas da pós – graduação). sua pergunta e à questão que me parece prioritária para a realidade educacional brasileira: a Psicologia Educacional tem contribuído para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos das escolas públicas? Lucicleide: Se pudesse refazer a trajetória de sua vida profissional, escolheria outra área da Psicologia para atuar? Por quê? Lucicleide: Qual a contribuição que a Psicologia Escolar pode dar à sociedade brasileira? Profª Elcie: Não mudaria minha área. A Psicologia Educacional tem respondido ao meu interesse em compreender o ser humano - como percebe, sente, organiza, elabora e age. Há ainda muito a caminhar e aprofundar, porém sem mudar os velhos rumos. Lucicleide: O que considera mais marcante no estágio atual da Psicologia Escolar no Brasil? Profª Elcie: Não tenho acompanhado o que está sendo realizado em psicologia nas escolas, portanto não me sinto com autoridade para opinar. Tenho tido, apenas, oportunidade de emitir parecer a respeito de projetos de pesquisas encaminhados pelo CNPq. Há projetos de pesquisa bem estruturados, com metodologia coerente com a fundamentação, apresentando continuidade na investigação. Porém, não tenho dados, nem condições para responder à Profª Elcie: Sem desconsiderar a necessidade de mudanças básicas na educação, envolvendo a estrutura social- política – econômica, para beneficiar um número maior de crianças e jovens, as questões sobre o desenvolvimento e aprendizagem na escola é um dos maiores desafios que o psicólogo pode enfrentar. Realizar um trabalho no contexto escolar, junto à equipe de técnicos e professores, assessorando – a, e lidando com as relações conflitantes nessa instituição para a realização de um trabalho compartilhado da equipe técnica e docente e dos discentes não é tarefa fácil. Creio, porém que a contribuição da psicologia escolar só poderá ser avaliada a partir de dados de registros longitudinais de atividades desenvolvidas no contexto da escola. Parece- me que a psicologia escolar brasileira terá sua identidade se for desenvolvida na instituição escolar pública. Assim registrará sua própria história e as diretrizes para o seu futuro. Sugestões Práticas FOCOS DE INTERVENÇÃO EM PSICOLOGIA ESCOLAR Edla Grisard Caldeira de Andrada1 Atualmente o Psicólogo Escolar é um profissional muito requisitado por educadores, equipe escolar e famílias, porém, é ainda compreendido, na maioria das vezes, como “aquele que pode tratar os alunos problemas e devolvê-los à sala de aula bem ajustados”. Essa visão caracteriza e fundamenta a intervenção clínica, uma prática que precisa ser abolida das Escolas, e revela a necessidade do estabelecimento de matrizes teóricas que fundamentem a prática deste profissional tão requisitado e tão pouco compreendido. Entre as tarefas descritas pelo CFP na resolução nº 014/00 destaco as seguintes possibilidades de atuação do psicólogo escolar: a) aplicar conhecimentos psicológicos na escola, concernentes ao processo ensino-aprendizagem, em análises e intervenções psicopedagógicas; referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais e à integração famíliacomunidade-escola, para promover o desenvolvimento integral do ser; b) analisar as relações entre os diversos segmentos do sistema de ensino e sua repercussão no processo de ensino para auxiliar na elaboração de procedimentos educacionais capazes de atender às necessidades individuais. A partir das possibilidades acima descritas, alguns focos de intervenção na escola revelam-se como fundamentais e precisam estar embasados em conhecimentos da psicologia científica, tal qual propagada no curso de Psicologia. FOCO 1 - As implicações do fazer pedagógico: Todo fazer pedagógico precisa estar embasado em teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, sendo 1 2 que a prática do educador precisa estar coerente com tais teorias. Isso implica em material e atividades adequadas, clima de sala de aula, papel do professor e do aluno e concepção de ensino. Assim, o psicólogo escolar precisa estar atualizado quanto às teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, especialmente com aquelas que embasam o corpo teórico da escola em que trabalha, focalizando os processos cognitivos. Conhecimento necessário: Teorias do desenvolvimento e aprendizagem - inatismo, ambientalismo, construtivismo e psicologia histórico-cultural (Santos, 1997; Zanella, 2001; Davis & Oliveira, 1994). Possibilidade de intervenção • Uma reunião inicial com a equipe pedagógica (orientadores e supervisores e direção, assim como professores) é mais que necessária. Faz-se importante deixar claro qual visão de sujeito o psicólogo tem (Andrada, 2005), o que pensa acerca da aprendizagem e quais estratégias diferenciadas tem a oferecer além do esperado atendimento individual na sala do psicólogo. • Faz-se necessário conhecer o Projeto Político Pedagógico da Escola e participar da sua atualização. • Trabalhar junto à equipe pedagógica em espaços semanais ou quinzenais de diálogo com os professores (intervenção mediada) a fim de juntos criar novos significados as situações cotidianas de sala de aula, eliminando a possibilidade de estigmatizar os alunos com dificuldade de aprendizagem (Curonici & MacCulloch, 1999). • Criar espaços de discussão acerca das teorias de aprendizagem em Paradas Pedagógicas, sempre vislumbrando o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola e a prática pedagógica. Psicóloga e docente da Universidade Federal de Santa Catarina Estudante do Curso de Psicologia da USF e bolsista da iniciação científica PROBAIC-USF. Sugestões Práticas 164 FOCO 2 - O envolvimento de pais e educadores no processo de formação e educação das crianças e adolescentes: Quando pensamos em processo de formação dos alunos não podemos excluir a participação ativa das famílias e, certamente, dos educadores. Envolver a família, co-responsável no processo de educação de seus filhos e filhas, a fim de que se possa colher dados acerca do outro sistema direto em que participa o aluno é mais que necessário (Andrada, 2003). Conhecimento necessário: história das famílias no Brasil (Costa, 1983); teorias sobre a dinâmica familiar e teorias sobre o desenvolvimento das famílias (Carter & Mcgoldrick, 1995). Possibilidade de Intervenção • Em entrevista com a família levantar dados acerca das seguintes questões: autonomia X dependência; limites; autoritarismo X autoridade; relacionamento cognitivo e emocional na família, com o objetivo de resignificar os relacionamentos intra-familiar (Papp, 1992; Minuchin, 1982). • Junto com a família, em encontros sistematizados, refletir sobre a função da dificuldade de aprendizagem neste momento do ciclo de vida familiar (Carter & Mcgoldrick, 1995), criando estratégias com pais e cuidadores que possibilitem o sucesso escolar da criança. • Confrontar família e professor quando necessário, criando um espaço de dialogo franco acerca das dificuldades de todos, não só do aluno, diluindo no s sistemas a “culpa” pelo fracasso escolar. Assim, outra armadilha é enfraquecida: “a culpa sempre é da família”. • Unir pais e professores no processo educacional das crianças em estratégias cognitivas que contem com a participação de ambas as partes. • O Psicólogo Escolar, questionador, curioso e acima de tudo assumindo uma posição investigativa, pode criar junto à equipe uma estratégia de intervenção colaborativa, na qual todos têm influência sobre o aluno, assim como sofrem influência mutuamente (Andrada, 2005; Curonici & McCulloch, 1999). FOCO 3 - O esclarecimento das dimensões psicológicas implicadas no processo de ensino e aprendizagem. O processo de ensino e aprendizagem implica em várias áreas do conhecimento humano, sendo que nenhuma área se sobrepõe a outra. A educação é um fenômeno muito complexo para ser vislumbrada somente pela pedagogia, ou pela psicologia, ou medicina. Dessa forma, é preciso reconhecer que a dificuldade de aprendizagem tem origem, causas e desenvolvimento múltiplos o que exige do profissional pesquisa em áreas distintas do conhecimento (Polity, 2001; Fernandez, 1990). Faz-se necessário um trabalho que considere todas as dimensões implicadas, dentre as quais a psicologia se faz presente. Conhecimento necessário: Processos cognitivos; teorias sobre memória, atenção, concentração, apropriação do conhecimento e linguagem (Antunes, 1998; Rezende, Tronca & Tronca, 2004; Antunes, 2002). Problemas de aprendizagem: hiperatividade, déficit de atenção, dislexia, dislalia, disgrafia, entre outros (Ciasca, 2003; Neves & Almeida, 2003). Possibilidades de intervenção • Diagnóstico e encaminhamento das crianças com suspeita de dificuldades de aprendizagem para especialistas da área. • Acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos com dificuldades de aprendizagem. • Criação de estratégias psicopedagógicas junto à equipe escolar e professores envolvidos. • Ouvir os professores, suas demandas e fazê-los participar em alguns dos atendimentos com as crianças, repensando novas práticas e novos olhares sobre o aluno que chama de “problema”. • Participar das reuniões e conselhos de classe, nas quais o psicólogo poderá estabelecer novas maneiras de perceber o processo educacional dos alunos, evitando rótulos, diagnósticos imprecisos e hipóteses únicas e fechadas. FOCO 4 - Os sistemas de interações existentes no interior da Escola. Os problemas de aprendizagem podem ser fruto de falhas nas inter-relações do sistema direto do qual a criança participa. A criança precisa ser compreendida dentro de seu sistema social de interação, como parte inseparável do seu sistema social, o qual inclui família, escola, entre outros. Dentro da escola, fazse necessário procurar entender os problemas que a criança está apresentando relacionando-os aos diferentes sujeitos envolvidos, com o objetivo de planejar as intervenções necessárias (Del Prette, 2001; Souza, 1997). Sugestões Práticas Conhecimento necessário: Teoria sistêmica (Vasconcellos, 2002; Moraes, 1997); teoria de grupos, papéis e atitudes sociais (Gayotto, 1992; Osório, 2003; Yozo, 2001). Possibilidade de intervenção Criar espaços para escutar as demandas dos sujeitos da escola e pensar maneiras de lidar com situações que são cotidianas. Faz-se necessário circular pelos corredores, estar atento aos movimentos dos sujeitos. REFERÊNCIAS Andrada, E.G.C. (2003). Família, escola e a dificuldade de aprendizagem: intervindo sistemicamente. Em: Psicologia Escolar e Educacional, Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, v.7, n.2, jul-dez,. Antunes, C. (2002). A memória: como os estudos sobre o funcionamento da mente nos ajudam a melhorá-la: fascículo 9, Petrópolis, RJ: Vozes. Antunes, C. (1998). As inteligências múltiplas e seus estímulos. Campinas, SP: Papirus. Carter, B., & Mcgoldrick,M. (1995). As mudanças do ciclo de vida familiar. POA: Artes Médicas. Ciasca, S.M. (org.) (2003). Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. SP: Casa do Psicólogo. Costa, J.F. (1983). Ordem médica e norma familiar. 2ed, Graal. Curonici, C., & McCulloch, P. (1999). Psicólogos e Professores: uma visão sistêmica acerca dos problemas escolares. SP: EDUSC. Davis, C; Oliveira, Z. (1994). Psicologia na Educação, 2ed.; SP: Cortez. Del Prette, Z.A.P. (org.) (2001). Psicologia Escolar e Educacional, saúde e qualidade de vida. SP: Editora Alínea. Fernández, A. (1990). A Inteligência Aprisionada. 2.ª ed, Porto Alegre: Artes Médicas. Gayotto, M.L.C.(Org) (1992). Creches: desafios e contradições da criação coletiva da criança pequena. São Paulo: Ícone. 165 • Criar formas de reflexão em conjunto com todos os sujeitos (alunos, professores e especialistas) para que se possa trabalhar com suas relações e paradigmas (Andrada, 2003). • Faz-se necessário ouvir os alunos, o que pensam sobre sua escola e sua turma. Isso pode ser feito através de desenhos, entrevistas, ou mesmo que escrevam o que pensam, sentem, como percebem sua turma e sua escola. Minuchin, S. (1982). Famílias, funcionamento e tratamento. POA: Artes médicas. Moraes, M. C. (1997). O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, SP: Papirus. Neves, M.M.B.J; Almeida, A.F.C. (2003). A atuação da psicologia escolar no atendimento aos alunos com queixas escolares. Em: Almeida, S.F.C. (org) Psicologia Escolar: ética e competências na formação e atuação profissional. SP: Ed. Alínea. Osório, .L.C. (2003). Psicologia Grupal. Porto Alegre: Artmed Papp, P. (1992). O processo de mudança. Porto Alegre: Artes Médicas. Polity, E. (2001). Dificuldade de Aprendizagem e Família: Construindo Novas Narrativas. São Paulo; Vetor. Rezende, E.S., & Tronca, F.Z.; Tronca, G.A. (2004). A ciência psicopedagógica: pressupostos fundamentais para o trabalho transdisciplinar. Tubarão: Ed. UNISUL. Santos, M.A. (1997). Psicologia escolar no Brasil: fazeres e saberes. Dissertação de mestrado, Programa de Pósgraduação em Educação. UFSC/SC. Souza, M.P.R. (1997). Psicologia Escolar: em busca de novos rumos 3ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. Vasconcellos, M. J. E. (2002). Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas, SP: Papirus. Yozo, R.Y.K. (1996). 100 Jogos para Grupos: uma abordagem psicodramático para empresas, escolas e clínicas. 5ed, SP: Ágora. Zanella, A.V., & Vygotsky, L. (2001). Contribuições à psicologia e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Itajaí: Univali. Endereço para correspondência: Edla Grisard Caldeira de Andrada: Largo Benjamin Constant, 691 – apto 403 – CEP 88015-390 – Florianópolis - SC e-mail: [email protected] Informativo NOTÍCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida,M.(2004), Escola e modernidade. Campinas: Alínea, 203p. Em uma perspectiva de história da educação enfoca aspectos relevantes para o educador tais como a evolução da escola secundária, o ensino de língua, a modernidade, a legislação e a tecnologia de ensino. Ellery, V. (2005). Creating strategic readers. Newark: IRA. Apresenta técnicas para o desenvolvimento de competência em consciência fonológica, fonêmica, vocabulário, fluência verbal e compreensão. Trata-se de obra de grande utilidade para psicólogos escolares, fonoaudiólogos escolares e professores. São tecnologias fáceis de adaptar ou já usadas e testadas para outras línguas, inclusive a portuguesa. Hutz, C. S. (org.). (2005). Violência e risco na infância e adolescência: pesquisa e intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo, 224 p. O livro trata de assunto atual e de grande relevância, contando com autores que fazem análises interessantes envolvendo pais e família, o problema da adoção, a orientação profissional, o enfrentamento da agressão, estratos sociais e modelos de intervenção parental. Joly, M. C. R. A., Santos, A. Ap. A. dos, Sisto, F. F. (orgs.). (2005). Questões do cotidiano universitário. São Paulo: Caso do Psicólogo. Trata-se de livro de interesse para administradores, docentes e pesquisadores de vida universitária. Enfoca criatividade, personalidade, estratégias de compreensão, estilos cognitivos, produção de texto, inteligência, agressividade, vivência acadêmica, evasão, lazer, motivação e estratégias de aprendizagem. Roser, N. L., Martinez, M. G. (orgs.). (2005). What a character!: character study as a guide to literary meaning making in grade 8. A importância dos personagens, especialmente os principais, tem conduzido pesquisadores e educadores a estudar a questão do impacto dos mesmos em crianças e adolescentes. O presente livro reflete esta preocupação, pesquisas e tecnologias desenvolvidas. Mais especificamente trata da importância dos personagens, de sua criação, técnicas para ajudar as crianças a compreendê-los, analisá-los e perspectivas futuras para a área de ensino e pesquisa enfocando os personagens de obras literárias. Wheatley, J. P. (2005). Strategic spelling: moving beyond word memorization in the middle grades. Newark: IRA, x + 140p. A soletração é uma prática de ensino muito usada em vários países notadamente os de língua inglesa, germânica e francesa. No Brasil é uma tecnologia ignorada. O presente livro mostra como ela pode ser uma estratégia útil para melhorar não só o domínio das palavras mas a competência para pensar, analisar, discutir, criar. Traz muitas formas de usar estas estratégias úteis não só para professores de inglês, mas para todos que atuam na educação, especialmente, com crianças com problemas de linguagem. Informativo 169 INFORMES Julho/2005 – dias 1e 2 V CONGRESSO IBEROAMERICANO DE EVALUACIÓN PSICOLÓGICA Local: Buenos Aires, Argentina Contato: www.aidep.org Julho/2005 – dias 14 a 16 7º FÓRUM DE ESTUDOS: LEITURAS DE PAULO FREIRE Local: São Leopoldo, RS Contato: e-mail - [email protected] Julho/2005 – dias 17 a 22 57ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC Local: Fortaleza, CE Contato: www.sbpcnet.org.br/eventos/57ra Agosto/2005 – dias 27 a 30 IV CONGRESSO MUNDIAL DE PSICOTERAPIA Local: Buenos Aires, Argentina Contato: www.4cmp.org.br Setembro/2005 – dias 8 a 10 V CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO Local: IPUSP, SP Contato: www.sbpd.org.br Outubro/2005 – dias 26 a 29 XXXV REUNIÃO ANUAL DE PSICOLOGIA - SBP Local: PUC Paraná – Curitiba, PR Contato: www.sbponline.org.br Novembro/2005 – dias 7 a 10 CONGRESSO BIENAL DE PSICOLOGIA Local: SANTIAGO DE Cuba, Cuba Informativo 171 Forma de Apresentação dos Manuscritos Psicologia Escolar e Educacional adota as normas da APA (4a edição, 1994), exceto em situações específicas onde há conflito com a necessidade de se assegurar o cumprimento da revisão cega por pares, regras do uso da língua portuguesa, normas gerais da ABNT, procedimentos internos da revista, inclusive características de infra-estrutura operacional. A omissão de informação no detalhamento que se segue implica em que prevalece a orientação da APA. Os manuscritos devem ser redigidos em português, espanhol, inglês e francês nas seguintes categorias: 1. Artigos – trabalhos originais teóricos, de revisão de literatura e de relatos de pesquisa (até 25 laudas); Comunicação de Pesquisa – relatos originais sucintos de pesquisas realizadas; Resenhas – apresentação e análise de livros publicados na área nos últimos dois anos (até 5 laudas) 2. História – reimpressão ou impressão de trabalhos ou documentos de difícil acesso relevantes para a pesquisa e a preservação da história da Psicologia Escolar; entrevistas com personagens relevantes da área e trabalhos originais sobre esta história; 3. Sugestões Práticas – apresentação de procedimentos, tecnologias, propostas de trabalhos úteis para a solução de problemas psicoeducacionais ou para a atuação do psicólogo escolar, de vivência do autor de novos instrumentos e de outras sugestões relevantes para a área (até 5 laudas); 4. Registro Informativo – dados sobre eventos, publicações na área, assuntos diversos de interesse de psicólogos escolares e educacionais (até 2 laudas); 5. Cartas dos leitores – inclui cópias de cartas, ou parte de cartas de leitores à direção da revista e aos seus autores, bem como respostas aos mesmos. Os manuscritos originais deverão ser encaminhados em quatro vias impressas em papel e uma em disquete, digitadas em espaço duplo, em fonte tipo Times New Roman, tamanho 12, não excedendo o número de laudas da categoria em que o trabalho se insere, paginado desde a folha de rosto personalizada, a qual receberá número de página 1. A página deverá ser tamanho carta ou A4, com formatação de margens superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). Em caso de reformulação, a nova versão deve ser encaminhada em três vias em papel e uma via no formato de disquete, sendo que a formatação de texto e de página deve obedecer às mesmas características indicadas para a primeira versão. Todo e qualquer encaminhamento à revista deve ser acompanhado de carta assinada pelos autores, na qual deve estar explicitada a intenção de submissão ou re-submissão do trabalho a publicação. Além disso, devem conceder à Psicologia Escolar e Educacional o direito autoral do artigo, se publicado, bem como responsabilizando-se pelos procedimentos éticos necessários quando da realização de pesquisas com seres humanos. A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem: Informativo 172 1. Folha de rosto despersonalizada contendo apenas: 1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 palavras. 1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 4 palavras. 1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em português. 2. Folha de rosto personalizada contendo: 2.1. Título pleno em português. 2.2. Sugestão de título abreviado. 2.3. Título pleno em inglês. 2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e titulação por ocasião da submissão do trabalho. 2.5. Indicação de endereço para correspondência postal e eletrônica, seguido de endereço completo, de acordo com as normas do correio de todos os autores. 2.6. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito, incluindo fax, telefone e, se disponível, endereço eletrônico. 2.7. Se necessário, indicação de atualização de afiliação institucional. 2.8. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro, colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição distinta daquela informada no item 2.4), e outros fatos de divulgação eticamente necessária. 2.9 Endereço postal completo e endereço eletrônico de todos os autores. 3. Folha contendo Resumo, em português. O resumo deve ter o máximo de 150 palavras para trabalhos na categoria de Artigos. Ao resumo devem-se seguir 3 a 5 palavras-chave para fins de indexação do trabalho - devem ser escolhidas palavras que classifiquem o trabalho com precisão adequada, que permitam que ele seja recuperado junto com trabalhos semelhantes, e que possivelmente seriam evocadas por um pesquisador efetuando levantamento bibliográfico. No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: descrição sumária do problema investigado, características pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta de dados, resultados e conclusões, suas implicações ou aplicações. O resumo de uma revisão crítica ou de um estudo teórico deve incluir: tópico tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões. 4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo. O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a versão em português, seguido de key words, compatíveis com as palavras-chave. Informativo 173 5. Texto propriamente dito. Em todas as categorias de trabalho original, o texto deve ter uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá, obrigatoriamente, apresentar: introdução, metodologia, resultados e discussão. As notas não bibliográficas deverão ser reduzidas a um mínimo e colocadas ao pé das páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA, exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada por aspas e a citação do autor seguida do número da página citada. Uma citação literal com 40 ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio, começando em nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto. 6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título, desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome, exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem; o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas. Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de editoração - além de espaço duplo e tamanho de fonte 12, parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada para a fase final de editoração do artigo. 7. Anexos, apenas quando contiverem informação original importante, ou destacamento indispensável para a compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos. 8. Figuras, incluindo legenda, uma por página em papel, ao fina do trabalho. Para assegurar qualidade de reprodução as figuras contendo desenhos deverão ser encaminhadas em qualidade para fotografia; as figuras contendo gráficos não poderão estar impressas em impressora matricial. Como a versão publicada não poderá exceder a largura de 8,3 cm para figuras simples, e de 17,5 cm para figuras complexas, o autor deverá cuidar para que as legendas mantenham qualidade de leitura, caso redução seja necessária. 9. Tabelas, incluindo título e notas, uma por página em papel e por arquivo de computador. Na publicação impressa a tabela não poderá exceder 17,5 cm de largura x 23,7 cm de comprimento. Ao prepará-las, o autor Informativo 174 deverá limitar sua largura a 60 caracteres, para tabelas simples a ocupar uma coluna impressa, incluindo 3 caracteres de espaço entre colunas da tabela, e limitar a 125 caracteres para tabelas complexas a ocupar duas colunas impressas. O comprimento da tabela não deve exceder 55 linhas, incluindo título e rodapé(s). Para outros detalhamentos, especialmente em casos anômalos, o manual da APA deve ser consultado. TIPOS COMUNS DE CITAÇÃO NO TEXTO Citação de artigo de autoria múltipla 1. Dois autores O sobrenome dos autores é explicitado em todas as citações, usando e ou & conforme abaixo: “ A revisão realizada por Guzzo e Witter (1987)” mas “a relação do psicólogo-escola pública foi descrita com base num estudo exploratório na região de Campinas” (Guzzo & Witter, 1987)” 2. De três a cinco autores O sobrenome de todos os autores é explicitado na primeira citação, como acima. Da segunda citação em diante só o sobrenome do primeiro autor é explicitado, seguido de “e cols.” e o ano, se for a primeira citação de uma referência dentro de um mesmo parágrafo: Vendramini, Silva e Cazorla (2000) verificaram que [primeira citação no texto] Vendramini e cols. (2000) verificaram que [citação subsequente, primeira no parágrafo] Vendramini e cols. verificaram [omita o ano em citações subsequentes dentro de um mesmo parágrafo] Na seção de Referências todos os nomes são relacionados. 3. Seis ou mais autores No texto, desde a primeira citação, só o sobrenome do primeiro autor é mencionado, seguido de “e cols.”, exceto se este formato gerar ambigüidade, caso em que a mesma solução indicada no item anterior deve ser utilizada: Primi e cols. (2001). Na seção de referências todos os nomes são relacionados. Citações de trabalho discutido em uma fonte secundária O trabalho usa como fonte um trabalho discutido em outro, sem que o trabalho original tenha sido lido (por exemplo, um estudo de Taylor, citado por Santos, 1990). No texto, use a seguinte citação: Taylor (conforme citado por Santos, 1990) acrescenta que a avaliação da compreensão em leitura... Na seção de Referências informe apenas a fonte secundária, no caso Santos, usando o formato apropriado. Informativo 175 Exemplos de Tipos Comuns de Referência 1. Trabalho apresentado em congresso, mas não publicado Serpa, M.N.F. & Santos, A.A.A. (1997, outubro). Implantação e primeiro ano de funcionamento do Serviço de Orientação ao Estudante. Trabalho apresentado no XI Seminário Nacional das Universidades Brasileiras, Guarulhos - São Paulo. 2. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação seriada regular Tratar como publicação em periódico, acrescentando logo após o título a indicação de que se trata de resumo. Silva, A.A. & Engelmann, A. (1988). Teste de eficácia de um curso para melhorar a capacidade de julgamentos corretos de expressões faciais de emoções [Resumo]. Ciência e Cultura, 40 (7, Suplemento), 927. 3. Trabalho apresentado em congresso com resumo publicado em publicação especial Tratar como publicação em livro, informando sobre o evento de acordo com as informações disponíveis em capa. Todorov, J.C., Souza, D.G. & Bori, C.M. (1992). Escolha e decisão: A teoria da maximização momentânea [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas, XXII Reunião Anual de Psicologia (p. 66). Ribeirão Preto: SBP. Witter, G.P. (1985). Quem é o psicólogo escolar: Sua atuação prática. [Resumo]. Em Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XVII Reunião Anual de Psicologia, Resumos (p. 261). Ribeirão Preto: SBP. 4. Teses ou dissertações não publicadas Polydoro, S.A.J. (2001). O trancamento de matrícula na trajetória acadêmica do universitário: Condições de saída e de retorno à instituição. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. 5. Livros Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes Mdicas. 6. Capítulo de livro. Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic view of basic processes in reading comprehension. Em P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.) Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New York: Longman. Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento (pp. 173-195). Brasília, INEP. 7. Livro traduzido, em língua portuguesa Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1990) História 176 Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra língua é usada como fonte, citar a tradução em português e indicar ano de publicação do trabalho original. No texto, citar o ano da publicação original e o ano da tradução: (Salvador, 1990/1994). 8. Artigo em periódico científico Kintsch, W. (1994). Text comprehension, memory, and learning American Psychologist, 49 (4), 294-303. 9. Obra no prelo Não forneça ano, volume ou número de páginas até que o artigo esteja publicado. Respeitada a ordem de nomes, é a ultima referência do autor. Sonawat, R. (no prelo). Families in India. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 10. Autoria institucional American Psychiatric Association (1988). DSM-III-R, Diagnostic and statistical manual of mental disorder (3a ed. revisada). Washington, DC: Autor. A remessa de manuscritos para publicação, bem como toda a correspondência de seguimento que se fizer necessária, deve ser enviada para a Revista Psicologia Escolar e Educacional, conforme endereço abaixo ou enviada para o endereço eletrônico [email protected] : Universidade São Francisco Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Profª Drª Maria Cristina Joly Rua Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 13251-900 – Itatiba/SP Procedimentos de submissão e avaliação dos manuscritos Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de trabalho especificadas acima, passarão pelo seguinte procedimento: 1. Encaminhamento para emissão de parecer a membros do Corpo Editorial da revista e/ou consultores ad hoc 2. Recepção dos pareceres, com recomendação para aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso de aceitação com modificações, os autores serão notificados com a maior brevidade possível das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos autores, exceto quando houver restrição expressa por parte do consultor). História 177 3. No caso de aceitação para publicação, o Conselho Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas alterações para efeito de padronização conforme os parâmetros editoriais da Revista. 4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão cega por pares, preservando a identidade dos autores e consultores. 5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito é sempre do Conselho Editorial. Direitos autorais Os direitos autorais das matérias publicadas são da revista Psicologia Escolar e Educacional. A reprodução total ou parcial (mais de 500 palavras do texto) requererá autorização por escrito do Editor. O autor principal da matéria receberá três exemplares da edição em que esta foi publicada. Os originais não-publicados não serão devolvidos. FORMULÁRIO PARA PAGAMENTO DA ANUIDADE 2005 Nome: _________________________________________________________________________________________ Forma de pagamento: ( ) Cheque nº__________________________Banco nº__________________Data ________/________/_______ VALOR: R$ ___________________________________ ( ) Depósito em conta bancária: Banco Itaú - ag. 1025 CC: 04716-6 - VALOR: R$ ______________________ (enviar cópia do recibo do depósito com esta ficha). A anuidade da ABRAPEE é de R$95,00 para sócios efetivos e associados. Para sócios aspirantes (estudantes de graduação e pós-graduação) o valor da anuidade é de R$45,00. Obs: esses valores são validos até o dia 01/05/2005 após essa data os valores são de R$50,00 (estudantes) e R$100,00 (profissional). O cheque deve ser enviado para o núcleo da ABRAPEE no estado de sua residência, ou para a central nacional no seguinte endereço: ABRAPEE Av. Nossa Senhora de Fátima, 1128 – Bloco. 32 – CEP 13090-001 – Campinas-SP . Fone: (19) 9127-9566 – [email protected] Data _______/________/________ assinatura sócio __________________________________________ ____________________________________________________________ Por favor, atualize os dados abaixo: Endereço: ______________________________________________________Bairro:__________________________ Cep:_________________________Cidade:____________________________________________UF:_____________ Tel.: (_____) ____________________________________Fax: (_____) _____________________________________ CRP nº: ___________________________________________ (para atualização do cadastro) E-mail: ______________________________________________________________________(incluir ou atualizar) (PARA USO DA ABRAPEE) ———————————————————————————————————————————— (Devolveremos o recibo após carimbo e assinatura da Secretaria da ABRAPEE) ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL CNPJ 66 068 818 / 0001- 54 RECIBO DA ANUIDADE DE 2005 Recebemos de ____________________________________________________________CODAB_______________ o valor de R$ ______________________________________________________________________________________________, referente à anuidade de 2005. Campinas, ________de ______________________ de 2005. Tesouraria da ABRAPEE ENDEREÇO DA ABRAPEE: Av. Nossa Senhora de Fátima, 1128 – Bloco. 32 – CEP 13090-001– Campinas/SP Fone: (19) 9127 9566 Site: http://www.abrapee.psc.br Fale conosco: [email protected] ALGUNS TÍTULOS DA CASA DO PSICÓLOGO Título Autor/Organizador Educação, Pedagogia Cinco Estudos de Educação Moral Computador no Ensino e a Limitação da Consciência Crianças de Classe Especial Crianças Querem Saber, e Agora?, As Difusão Das Idéias de Piaget No Brasil, A Encontros com Sara Paín Ensaios Construtivistas Era Assim ... Agora Não Ética e Valores: Métodos para um Ensino Transversal Formas Elementares da Dialética, As Guia de Orientação Sexual Histórias de Indisciplina Escolar Introdução à Psicologia Escolar Jean Piaget Sobre a Pedagogia Oficina Criativa e Psicopedagogia Pelos Caminhos da Ignorância e do Conhecimento Professores e Alunos – Problema: um círculo vicioso Produção do Fracasso Escolar, A Programa de Leitura Silenciosa Psicanálise e Educação – Laços Refeitos Psicologia e Educação Psicologia Escolar: em Busca de Novos Rumos Psicopedagogia: Uma Prática, Diferentes Estilos Saúde e Educação. Muito prazer! Quatro Cores, Senha e Dominó Quatro Cores, Senha e Dominó – Caderno para Atividades Reunião de Pais: Sofrimento Ou Prazer? Tecnologia no Ensino:Implicações para a Aprendizagem, A Macedo, Lino de (Org.) Crochik, Jose Leon Machado, Adriana Costa, Moacir Vasconcelos, Mario Sérgio Parente, Sonia Maria Macedo, Lino de Scarpa, Regina Puig, Josep Maria Piaget, Jean Gtpos – Abia – Ecos Cíntia Copit Freller Patto, Maria Helena S. Parrat, Sílvia Allessandrini, Cristina Parente, Sonia Maria Mantovanini, Maria Cristina Maria Helena S. Patto Condemarin, Mabel Bacha, Márcia Neder Marilene Proença Machado, Adriana M. (Org.) Rubinstein, Edith Maria Salum e Morais; Beatriz Souza (Orgs.) Macedo, Lino (Org.) Macedo, Lino (Org.) Althuon, Beate G. Joly, Maria Cristina Rodrigues (Org.)