1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA
UMA ABORDAGEM PARA O ENSINO DE FÍSICA A ALUNOS
DEFICIENTES VISUAIS: “UM OLHAR DIFERENTE PARA O ESPELHO”
Maurisete Fernando Ferreira
BELO HORIZONTE
2014
2
UMA ABORDAGEM PARA O ENSINO DE FÍSICA A ALUNOS
DEFICIENTES VISUAIS: “UM OLHAR DIFERENTE PARA O ESPELHO”
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Ensino de
Ciências e Matemática.
Orientador: Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira
Co-orientadora: ProfªDra Adriana Gomes Dickman.
Belo Horizonte
2014
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
F383u
Ferreira, Maurisete Fernando
Uma abordagem para o ensino de física a alunos deficientes visuais: “um
olhar diferente para o espelho” / Maurisete Fernando Ferreira. Belo Horizonte,
2014.
81f.: il.
Orientador: Amauri Carlos Ferreira
Coorientadora: Adriana Gomes Dickman
Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática.
1. Física - Estudo e ensino. 2. Deficientes visuais - Orientação e mobilidade.
3. Óptica geométrica. 4. Material didático. 5. Representação (Filosofia). I.
Ferreira, Amauri Carlos. II. Dickman, Adriana Gomes. III. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ensino
de Ciências e Matemática. IV. Título.
CDU: 53:376.32
3
Maurisete Fernando Ferreira
UMA ABORDAGEM PARA O ENSINO DE FÍSICA A ALUNOS
DEFICIENTES VISUAIS: “UM OLHAR DIFERENTE PARA O ESPELHO”
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Ensino de
Ciências e Matemática.
______________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Amauri Carlos Ferreira
_______________________________________________________
Co-Orientadora: Profa. Dra. Adriana Gomes Dickman
______________________________________________________
Profa. Dra. Sandra Maria Mourão Cardinalli
______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Scheid Gazire
Belo Horizonte, 1 de abril de 2014
4
A meus pais Adalir de Freitas Ferreira e Maximiano
Ferreira (in memorian) que sempre me incentivaram,
me apoiaram e me amaram de forma incondicional.
À minha Esposa Helena que está sempre ao meu
lado me apoiando e incentivando. E aos meus filhos
que me inspiram. Dedico este trabalho a eles com
todo o meu amor.
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores do Instituto São Rafael por me darem as primeiras orientações que me
permitiram iniciar todo este trabalho.
À professora Judith Vilas Boas do Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI) da PUC Minas.
Pelos seus ensinamentos e por compartilhar de suas vivências comigo iluminando grande
parte desta jornada. Agradeço a estas pessoas que muito me ensinaram.
Aos meus amigos e colegas que demonstraram muito empenho e dedicação, a esta
turma que era especial no sentido melhor da palavra.
À primeira turma que me marcou bastante e sob diversos aspectos, vejo o quanto me
ensinaram, inspirando mais a mim do que eu a eles.
A Associação Pré-UFMG que acreditou no sonho de uma universidade para todos e
que me permtiu estar à frente deste projeto.
Aos meus orientadores por acreditarem em mim, pelo apoio e pela orientação tão
valorosa.
6
“Sou o que quero ser, porque possuo apenas uma vida e nela
só tenho uma chance de fazer o que quero. Tenho felicidade bastante
para fazê-la doce, dificuldades para fazê-la forte, tristeza para fazê-la
humana e esperança suficiente para fazê-la feliz. As pessoas mais
felizes não têm as melhores coisas, elas sabem fazer o melhor das
oportunidades que aparecem em seus caminhos!”
Clarice Lispector
7
RESUMO
Neste trabalho foi desenvolvido um Curso de Óptica geométrica adaptado para alunos com
deficiência visual. O Curso é composto por um conjunto de atividades para introduzir
conceitos e fenômenos relacionados às propriedades da luz. As atividades tiveram como apoio
três componentes práticos: Construção de materiais concretos; Desenvolvimento de uma
linguagem baseada em representações; Participação e avaliação das aulas por estudantes
cegos. Antes de iniciar o Curso, os alunos foram entrevistados, de acordo com a metodologia
de história oral de vida e temática, buscando identificar informações sobre sua deficiência
visual, vivência escolar e conceitos prévios de Óptica geométrica. O processo de avaliação foi
realizado em duas etapas, a primeira consistiu de uma entrevista aos alunos participantes
sobre a opinião deles em relação à metodologia do curso, além de uma pré-sondagem de
conceitos assimilados; na segunda etapa um teste de conhecimentos foi respondido pelos
alunos. A análise dos dados indica que os alunos avaliaram o Curso e o material desenvolvido
positivamente. Uma comparação dos dados da entrevista inicial com o desempenho final
mostra que houve um ganho conceitual considerável em todos os alunos que participaram dos
testes. De acordo com nossos resultados, alunos com um histórico de estudos marcado pelo
apoio familiar e escolar tiveram um aproveitamento melhor.
Palavras-chave: Ensino de física. Deficientes visuais. Óptica geométrica. Representação.
Material didático adaptado.
8
ABSTRACT
In this work we develop a course on basic geometrical optics adapted for blind students. The
course is composed by a set of activities designed to introduce concepts and phenomena
related to the properties of light. The elaboration of the activities was based on three practical
components: Construction of tactile materials and models; Development of a proper language
based on representations; Participation and evaluation of the course by blind students. Before
starting, the blind students were interviewed, according to the oral history methodology (life
history and thematic), to seek information about their visual ability, school experience and
previous concepts about geometrical optics. The evaluation process was performed in two
steps, the first consisted of an interview about the course methodology and general
understanding of light; in the second step, the students answered a knowledge test. The
students evaluated positively the course and the adapted material. A data comparison, from
the initial interview and the final test and interview, shows a considerable conceptual gain of
all the participants. Acccording with our results, we noted a better performance in students
with a study historic characterized by family and school support.
Keywords: Physics education. Blind students. Geometrical optics. Representation. Adapted
didactic material.
9
INDICE DE FIGURAS
FIGURA 1 - ALUNO USANDO UM MATERIAL FEITO DE BARBANTES, PREGOS E MIÇANGAS EM UMA
TÁBUA..............................................................................................................................................................42
FIGURA 2 - ALUNO EXPLORANDO O APARATOQUE REPRESENTA O ECLIPSE SOLAR..................................44
FIGURA 3 - REPRESENTAÇÃO TRADICIONAL DE UM RAIO DE LUZ..............................................................55
FIGURA 4- MAQUETE REPRESENTANDO UM RAIO DE LUZ...........................................................................57
FIGURA 5 – REPRESENTAÇÃO DO RAIO DE LUZ PELA MAQUETE E RAIO DE LUZ REAL.............................58
FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO DE UM FEIXE PARALELO PELA MAQUETE....................................................58
FIGURA 7 – REPRESENTAÇÃO DE UM FEIXE CONVERGENTE PELA MAQUETE............................................59
FIGURA 8 – REPRESENTAÇÃO DE UM FEIXE DIVERGENTE PELA MAQUETE...............................................60
FIGURA 9 – REPRESENTAÇÃO DA PROPAGAÇÃO RETILÍNEA DA LUZ PELA MAQUETE...............................58
FIGURA 10 – INDEPENDÊNCIA DOS RAIOS LUMINOSOS E SUA REPRESENTAÇÃOPELA MAQUETE............59
FIGURA 11 – ALUNO MANUSEANDO A MAQUETE QUE REPRESENTA A INDEPENDÊNCIA DOS RAIOS
LUMINOSOS.....................................................................................................................................................59
FIGURA 12 – REPRESENTAÇÃO DA REVERSIBILIDADE DOS RAIOS LUMINOSOS.........................................60
FIGURA 13 – REPRESENTAÇÃO DA REVERSIBILIDADE DOS RAIOS LUMINOSOS.........................................60
FIGURA 14 - REPRESENTAÇÃO DE UMA FONTE PUNTIFORME......................................................................61
FIGURA 15 – REPRESENTAÇÃO DE UMA FONTE EXTENSA...........................................................................61
FIGURA 16 – ESQUEMA MOSTRANDO A FORMAÇÃO DE SOMBRA E PENUMBRA........................................62
FIGURA 17 – REPRESENTAÇÃO DE SOMBRA E PENUMBRA NA MAQUETE...................................................62
FIGURA 18: REPRESENTAÇÃO DE UM MEIO TRANSPARENTE NA MAQUETE...............................................63
FIGURA 19: REPRESENTAÇÃO DE UM MEIO TRANSLÚCIDO NA MAQUETE.................................................64
FIGURA 20: REPRESENTAÇÃO DE UM MEIO OPACO NA MAQUETE..............................................................64
FIGURA 21 – ESQUEMA DE UM ECLIPSE SOLAR...........................................................................................65
FIGURA 22 – REPRESENTAÇÃO DO ECLIPSE SOLAR NA MAQUETE..............................................................66
FIGURA 23 – REPRESENTAÇÃO DA REFLEXÃO DIFUSA NA MAQUETE........................................................67
FIGURA 24 – REPRESENTAÇÃO DA REFLEXÃO ESPECULAR NA MAQUETE.................................................67
FIGURA 25 – REPRESENTAÇÃO DAS LEIS DA REFLEXÃO NA MAQUETE......................................................67
FIGURA 26 – ESQUEMA DA IMAGEM FORMADA POR UM ESPELHO PLANO E A REPRESENTAÇÃO FEITA NA
MAQUETE........................................................................................................................................................69
FIGURA 27 – FOTO DA IMAGEM DA MÃO DIREITA FORMADA POR UM ESPELHO PLANO...........................69
FIGURA 28 – DIAGRAMA DA IMAGEM DE UM CORPO EXTENSO POR UM ESPELHO PLANO........................70
FIGURA 29 – REPRESENTAÇÃO DA IMAGEM DE UM CORPO EXTENSO EM UM ESPELHO PLANO..............70
10
LISTA DE QUADROS E TABELAS
QUADRO 1 - ROTEIRO PARA A ENTREVISTA SOBRE A HISTÓRIA DE VIDA DOS
ALUNOS...............................................................................................................................................................30
QUADRO 2- DADOS REFERENTES À HISTÓRIA DE VIDA DOS ALUNOS
ENTREVISTADOS............................................................................................................................................ 34
QUADRO 3 – ROTEIRO PARA A ENTREVISTA SOBRE ÓPTICA GEOMÉTRICA ............ 36
QUADRO 4 – RESPOSTAS DOS ALUNOS SOBRE LUZ ............................................................ 37
QUADRO 5 – QUESTIONÁRIO APLICADO APÓS O TÉRMINO DO CURSO ................ 46
QUADRO 6 – RESPOSTAS DOS ALUNOS ÀS PERGUNTAS 6, 7 8 E 9 DA ENTREVISTA .. 49
QUADRO 7 - TESTE APLICADO AOS ALUNOS APÓS O TÉRMINO DO CURSO...............76
QUADRO 8 - GABARITO DO TESTE.............................................................................................81
QUADRO 9 - RESULTADO DO TESTE APLICADO AOS ALUNOS APÓS O CURSO........81
11
Sumário
1
2
3
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 13
1.1
FORMAÇÃO DO PROFESSOR ................................................................................................... 16
1.2
EXPERIÊNCIA PESSOAL: PRÉ-VESTIBULAR ............................................................................. 17
1.3
PROPOSTA DE ENSINO ........................................................................................................... 20
REVISÃO DA LITERATURA ................................................................................................... 23
2.1
DEFICIÊNCIA VISUAL ............................................................................................................ 23
2.2
ENSINO DE FÍSICA A DEFICIENTES VISUAIS ............................................................................ 24
2.3
HISTÓRIA ORAL..................................................................................................................... 26
ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL ................................................................ 29
3.1
ENTREVISTAS ........................................................................................................................ 29
3.2
CONHECENDO OS ALUNOS: HISTÓRIA DE VIDA ..................................................................... 30
3.2.1
Roteiro da entrevista: primeira parte ............................................................................. 30
3.2.2
Recortes da História de vida .......................................................................................... 31
3.3
3.3.1
Roteiro da entrevista: segunda parte.............................................................................. 35
3.3.2
Recortes dos conhecimentos prévios de Óptica Geométrica .......................................... 36
3.4
DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS.............................................................................. 38
3.5
ENSINANDO ÓPTICA GEOMÉTRICA ....................................................................................... 39
3.5.1
Elaboração dos instrumentos e desenvolvimento de uma linguagem ............................. 40
3.5.2
Planejamento geral das aulas ........................................................................................ 43
3.6
4
CONHECIMENTOS PRÉVIOS DE ÓPTICA GEOMÉTRICA ............................................................ 35
AVALIAÇÃO DO CURSO DE ÓPTICA GEOMÉTRICA .................................................................. 45
3.6.1
Elaboração e aplicação dos instrumentos de avaliação ................................................ 46
3.6.2
Primeira etapa: O que os alunos pensam do curso ........................................................ 47
3.6.2.1
A opinião dos alunos sobre o teste, o professor e o método aplicado ................................ 47
3.6.2.2
Identificando as dúvidas e os conceitos aprendidos pelos alunos ...................................... 48
3.6.3
Segunda etapa: Teste sobre Óptica geométrica ............................................................. 48
3.6.4
Discussão dos resultados ................................................................................................ 50
CURSO DE ÓPTICA GEOMÉTRICA PARA DEFICIENTES VISUAIS ............................ 52
4.1
UNIDADE I: RAIOS DE LUZ, PRINCÍPIOS DA ÓPTICA GEOMÉTRICA E APLICAÇÕES .................. 54
4.1.1
Primeira aula: Raios de luz ............................................................................................ 54
4.1.2
Segunda aula: Feixe luminoso........................................................................................ 56
4.1.3
Terceira aula: Princípios da Óptica geométrica ............................................................ 57
4.1.4
Quarta aula: Fontes de luz ............................................................................................. 60
4.1.5
Quinta aula: Meios ópticos ............................................................................................ 63
12
4.1.6
4.2
UNIDADE II: REFLEXÃO DA LUZ ............................................................................................ 66
4.2.1
Primeira aula: Tipos de reflexão .................................................................................... 66
4.2.2
Segunda aula: Leis da reflexão ...................................................................................... 67
4.3
5
Sexta aula: Eclipse solar ................................................................................................ 64
UNIDADE III: FORMAÇÃO DE IMAGEM EM ESPELHO PLANO ................................................... 68
4.3.1
Primeira aula: Imagem de um ponto em um espelho plano ........................................... 68
4.3.2
Segunda aula: Imagem de um corpo extenso em um espelho plano ............................... 69
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 73
APÊNDICE ......................................................................................................................................... 76
13
1
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos dominava-se a noção de que a cegueira restringia o
desenvolvimento das crianças com deficiência visual. Pais e educadores afligiam-se diante da
escolarização e aprendizagem destas crianças. Hoje sabe se que uma criança cega pode ter a
mesma potencialidade de aprendizagem que uma criança vidente. A grande diferença está no
fato de que a visão torna-se o maior veículo para a busca do aprendizado, isto é, a visão é um
instrumento, uma via que leva ao cérebro as informações e sensações. Se uma criança é cega,
mas possui boas condições externas e internas, ela se torna tão capaz de aprender quanto um
vidente; tem potencialidade e capacidades que lhe possibilitam receber estímulos do
ambiente, elaborá-los e construir conhecimentos pertinentes a partir da interação com eles
(OCHAÍTA; ESPINOSA, 2004).
O fato da principal via de informação em nossa sociedade, ou seja, a visão, não existir
no caso de cegueira, leva os deficientes visuais a trilharem outros caminhos estabelecendo
sinapses para tornar possível a aprendizagem. O desafio de nós, educadores, é encontrar
caminhos alternativos, que desafiem as formas de aprendizagem instituídas como “normais”.
Vygotsky(1995) considera que a evolução histórica da concepção da deficiência visual
compreende três estágios:
1. Período místico - da idade média à metade da idade moderna, a cegueira era
considerada uma desgraça, porém conferia ao cego uma espiritualidade só a
ele acessível, sobrenatural.
2. Período biológico ingênuo - próprio do iluminismo do sec. XVIII marcado
pelo grande desenvolvimento da ciência, neste período a educação passa a ser
um ideal devendo ser compartilhado por todos. Louise Braille acreditou na
capacidade de aprendizado da pessoa deficiente visual pelo auxílio e estímulo
dos sentidos intactos com grande salto no desenvolvimento da ciência
abandonando as forças sobrenaturais.
3. Período científico – reflexão sobre a educação e nesta abordagem o homem
não é mais concebido como indivíduo biológico e sim como indivíduo social e
histórico, a partir das relações entre os homens e da ação dos homens sobre a
natureza, pelo trabalho, que o indivíduo internaliza conhecimentos. Em seus
estudos sobre cegueira verifica que a cegueira provoca no indivíduo um
14
processo de compensação a esse comprometimento. Compensação essa
compreendida como processo social e não orgânico, como atribuído no
período anterior.
A educação brasileira vive hoje um grande desafio: garantir a todos os brasileiros o
direito à escola de qualidade. A legislação brasileira contém um marco legal avançado em
termos de garantia de direitos às pessoas com deficiência. O considerável número de
dispositivos legais na forma de leis, decretos, portarias, resoluções, instruções e medidas
provisórias, no âmbito das legislações federais, estaduais e municipais representam um
avanço significativo na área jurídica e na busca de direitos que vêm sendo historicamente
negados aos cidadãos que apresentam algum tipo de deficiência. Mas isto, por si só, não altera
a realidade social dessas pessoas. É preciso fazer acontecer um trabalho de educação de
qualidade a estes cidadãos.
Como é de nosso conhecimento as diversas leis sobre a inclusão atestam a necessidade
de que a aprendizagem deve ocorrer em espaços sem segregação social. A educação inclusiva
é um grande desafio enfrentado pelo sistema educacional, pois deve garantir o acesso a uma
escola de qualidade para todos, incluindo nesta escola toda criança e/ou jovem com
necessidades educacionais especiais.
A proposta da educação inclusiva é ampla e inclui o acesso e a permanência de todas
as crianças, jovens e adultos em todas as etapas e modalidades do sistema educacional,
independente de suas condições pessoais, físicas e intelectuais, bem como sua raça ou classe
social. A Lei de Diretrizes e Bases 9.394 (1996) assegura que a criança deficiente física,
sensorial e mental, tem o direito de estudar em classes comuns. Dispõe no art. 58, que a
educação escolar deve situar-se preferencialmente na rede regular de ensino e determina a
existência, quando necessário, de serviços de apoio especializado. Enfim, a educação
inclusiva remete à escola inclusiva, que se encontra em processo de construção.
Antes, a escola regular não abria espaço para crianças com necessidades educativas
especiais, que eram consideradas doentes, pacientes. Assim, surgiram as escolas especiais
como espaços exclusivos daqueles, cuja deficiência motivou a rejeição na escola regular. Esta
rejeição era justificada pela necessidade de um atendimento médico, clínico e especializado,
porém não pedagógico (SASSAKI, 2010).
A escola especial representa um esforço inicial, empreendido pelas famílias dessas
crianças, como tentativa de assegurar a educação das mesmas. A construção de um sistema de
educação inclusivo deve começar pela ruptura entre dois sistemas: o sistema de educação
15
regular e o de educação especial. Estes caminham paralelamente e distantes um do outro. As
chamadas escolas regulares não assumiram como sua responsabilidade os alunos considerados
diferentes; com isso, fortaleceram o fluxo de encaminhamentos indevidos para a educação
especial. As escolas e classes especiais se organizaram como espaços clínicos, marcados pela
ausência de um projeto pedagógico, pela inexistência de objetivos curriculares e pela falta de
compromisso com o percurso acadêmico dos alunos. Estes eram tratados como doentes ou
pacientes, e considerados incapacitados para o processo ensino-aprendizagem.
O modelo de escola inclusiva, cuja construção representa um desafio, pressupõe uma
verdadeira e efetiva organização de todo o sistema educacional, envolvendo, sobretudo,
governantes, dirigentes, educadores das escolas comuns e especiais, as famílias, os próprios
alunos e a sociedade em geral. A educação inclusiva pressupõe muito mais do que a garantia
de vaga no sistema comum de ensino para o aluno com deficiência. Pressupõe garantir
respostas pedagógicas efetivas às necessidades deste aluno, e promover o desenvolvimento
social através da convivência com seus pares não deficientes.
A educação de cegos no Brasil foi marcada pela criação, em 1854, do Imperial
Instituto de Meninos Cegos, iniciativa de D. Pedro II. É evidente que nesse instituto o
processo de segregação se instaurava, mas foi um marco que desencadeou a criação do
Instituto Benjamim Constant1, referência em todo o país. Três estudantes desse Instituto
criaram em Belo Horizonte, em 1926, o Instituto São Rafael2. O instituto é hoje uma
referência para o ensino de alunos cegos em Minas Gerais.
É importante salientar que a educação inclusiva pressupõe a melhoria em relação ao
acesso educacional daqueles que se encontram em necessidades educativas especiais.
Segundo Sassaki (2010), o movimento de inclusão está ocorrendo em várias partes do mundo
e em diferentes segmentos sociais e educacionais, ocupando o lugar da integração social,
pautando-se nos princípios da aceitação das diferenças individuais, de valorização de todas as
pessoas, na convivência dentro da diversidade humana, na aprendizagem através da
cooperação. Esse movimento iniciou-se na década de 1980, primeiramente nos países
desenvolvidos, tomando força na década de 1990, nos países em desenvolvimento.
1
Centro de Referência nacional para atendimento deficiência visual. Dentre as suas da atribuições estão
capacitação de profissionais da área da deficiência visual, assessoria a escolas e instituições, realização de
consultas oftamológicas à população, reabilitação, produção de material especializado, impressos em Braille e
publicações científicas.
2
O Instituto São Rafael oferece atendimento educacional especializado aos alunos matriculados na escola e às
20 superitendências regionais de ensino vinculadas à Secretaria de Estado de Educação, sendo uma referência
para a formação de estudantes cegos como também para a capacitação de professores dedicados à deficiência
visual.
16
No Brasil, a década de 1990 foi considerada a de grande avanço no que se refere ao
processo de inclusão de pessoas com necessidades educativas especiais, a LDB 9.394/96, em
seu capítulo V, postula essa nova concepção no atendimento de integração dessas pessoas na
educação regular (BRASIL, 1996).
O documento de maior polêmica a respeito da inclusão é a “Declaração de Salamanca”
de 1994, documento resultante da Conferência Mundial de Educação, no qual foi definido o
princípio fundamental da escola inclusiva “Todas as crianças devem aprender juntas, sempre
que possível, independentemente de qualquer dificuldade ou diferença que possam ter.” Se
por um lado, a Declaração de Salamanca (1994) aponta para o processo de inclusão quando
postula que:
Todas as escolas regulares com orientação para a educação inclusiva são as mais
eficazes no combate às atitudes discriminatórias, proporcionando condições para o
desenvolvimento de comunidades integradoras, base da construção da sociedade
inclusiva e obtenção de uma real educação para todos. (UNESCO, 1994).
A discriminação maior ocorre quando os estudantes não se igualam em termos de
aprendizagem com os demais, o que leva à evasão escolar. Tal perspectiva com estudantes
cegos é real, tendo em vista que certos conteúdos exigem um tempo de aprendizagem
diferente dos demais. Nessa perspectiva, com base na experiência docente de um dos
pesquisadores e investigações no tema, pode-se afirmar que o processo de aprendizagem do
conteúdo de Óptica para estudantes cegos exige um tempo e uma dedicação maior, tendo em
vista, que para a compreensão de um processo óptico é fundamental o reconhecimento do
objeto a partir do tato (DICKMAN; FERREIRA, 2008).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), devem-se
considerar adaptações curriculares e didáticas segundo as necessidades dos alunos com
deficiência. No caso da deficiência visual, sugere-se que os textos sejam transcritos para o
Braille e que, quando possível, haja ilustrações táteis para melhorar a compreensão dos alunos
cegos. Alunos com baixa visão necessitam do auxílio de recursos didáticos e equipamentos
específicos para acompanhar as aulas.
As Normas Técnicas para Produção de Textos em Braille (BRASIL, 2006) têm como
objetivo a padronizaçãodas formas de aplicação do Sistema Braille. Dessa maneira, garante-se
que os livros didáticos em Braille possam transmitir aos alunos cegos as mesmas informações
e experiências transmitidas aos demais alunos.
1.1
Formação do professor
17
A necessidade de novas práticas que proporcionem uma educação para todos, a
importância de se adotar um currículo aberto e propostas curriculares diversificadas, em lugar
de uma única concepção, demanda uma diversidade didática do professor para que alunos
com necessidades especiais de aprendizado possam, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e
Bases (BRASIL, 1996), estar, preferencialmente, na rede pública de Ensino.
No entanto, a lei não resolve o problema, pois é preciso condições reais que
possibilitem o processo de inclusão gradativa e ao mesmo tempo de conhecimento da
necessidade educativa especial do estudante. No que se refere aos estudantes cegos, em seu
processo de aprendizagem, o professor deve aprender a conhecer as características da
deficiência visual para melhor atender a este aluno. Os estudantes cegos são como quaisquer
outros e respondem bem quando sabem o que é esperado deles. Quando o esperado está de
acordo com suas habilidades. (AMARAL, 2000)
É visível a insuficiência da formação oferecida aos professores quando se trata da
preparação para o trabalho com a diversidade (CAMARGO; NARDI, 2007). Vários trabalhos
discutem essa lacuna nos cursos de licenciatura, haja vista que, em geral, “a formação de
professores é estruturada para estudantes que não possuam necessidades educativas especiais
e que, ao mesmo tempo, acompanhem a explicação a partir do quadro e com os vícios de
quem utiliza a visão”. (DICKMAN; FERREIRA, 2008, p.5)
O professor, inicialmente, deveria avaliar as possíveis dificuldades de aprendizagem
da turma e buscar sanar os problemas identificados. Mas muitas vezes, faltam ao professor
recursos e materiais didáticos adequados para aprendizagem, tanto para alunos videntes,
quanto mais para alunos com deficiência visual. Cabe ao professor utilizar técnicas,
estratégias e recursos didáticos que possibilitem aos alunos cegos ou com baixa visão terem
acesso ao conhecimento. Mas, isto requer do professor um constante aprendizado,
criatividade, competências, habilidades e uma mudança de paradigma.
1.2
Experiência pessoal: pré-vestibular
Esse trabalho surgiu a partir da vivência do autor desta dissertação ao lecionar para
estudantes cegos no ano de 2000, quando então recém-coordenador pedagógico da associação
pré-UFMG3. Nesse ano, a associação pré-UFMG iniciou a proposta de preparação de
3
A associação pré-UFMG é um curso preparatório para vestibular, fundado em 1996 por integrantes, na época,
do DCE-UFMG. O objetivo do curso é proporcionar formação específica para o processo seletivo da UFMG
com mensalidades acessíveis para alunos oriundos de escolas públicas.
18
estudantes cegos para o vestibular, que foi transformado em um projeto de nome São Rafael
(em referência ao Instituto São Rafael) e posteriormente “Universidade à Vista”.
O projeto nasceu da necessidade de preparar alunos cegos que já estudavam na
associação para o vestibular, e da preocupação dos professores destes alunos com sua situação
de aprendizado, os quais se sentiam incapazes sem poder de ajudá-los de forma efetiva.
Destes professores veio a proposta de se criar uma turma dedicada a estes alunos. Procurou-se
o apoio pedagógico do Instituto São Rafael, cuja parceria permitiu que os professores da
associação aprendessem a trabalhar de forma mais eficiente com os alunos cegos.
A criação de uma turma de deficientes visuais não constituiu um processo de exclusão,
mas uma maneira objetiva e eficiente de sanar as deficiências de formação e preparação para
o vestibular desses estudantes. Sabe-se que na ausência de um dos sentidos apuram-se outros.
No entanto, para “aprender a ver com as mãos” é preciso de um tempo maior e uma dedicação
do professor na criação de materiais didáticos alternativos que atendam às suas demandas.
Pensando assim, foi criada uma turma apenas para alunos deficientes visuais, pois era
uma das maneiras de tratar de forma objetiva e eficiente as necessidades pedagógicas destes
alunos. Além disto, eles frequentavam as turmas dos alunos videntes. O contrário também era
permitido, ou seja, estes podiam frequentar a turma dos deficientes visuais. O projeto contava
com um coordenador e uma equipe de professores, monitores e uma estagiária de psicologia.
Esta turma tinha vinte seis aulas por semana, além de acesso às monitorias e aulas em outras
turmas. A grade curricular era comum às das demais turmas. Tudo isto com o objetivo de
preparar estes alunos deficientes visuais para o vestibular. Nossa proposta pedagógica era
inicialmente de fazer uma revisão em todo conteúdo cobrado no vestibular. Mas, constatamos
que estes nossos alunos não haviam apreendido durante seus anos escolares a maioria dos
conteúdos cobrados no vestibular. Daí, mudamos nossa estratégia e passamos a ensinar estes
conteúdos para eles.
A área de Física foi dividida em duas etapas: Física I tratando dos temas de Mecânica
e Termologia, e Física II tratando dos temas Óptica, Ondas, Eletromagnetismo e Física
moderna, conforme exigência do vestibular. A responsabilidade do conteúdo de Física II
pertencia ao autor deste trabalho, e por essa razão, o interesse em entender os problemas e
desafios em ensinar o conteúdo de Óptica para estudantes cegos.
Há, na área de formação de professores, um hiato no que se refere ao ensino de
qualquer disciplina para estudantes com necessidades educativas especiais. Em particular,
para estudantes cegos, esse hiato tem sido minimizado pelo interesse dos próprios cegos em
exigir que seus direitos sejam respeitados e a lei da inclusão seja cumprida. No entanto, as
19
tentativas para solucionar esse hiato são insuficientes, tendo em vista que a formação dos
licenciados, em geral, não contempla discussões e teorias sobre o processo de ensino e
aprendizagem de pessoas com necessidades educativas especiais. Dessa forma, o professor
aprende a lidar com a situação na prática. A experiência não foi diferente e ensinar Óptica a
estudantes cegos foi e tem sido um desafio, e como todo desafio exige perseverança, seu
processo é mesclado de problemas.
Lembro-me ainda de minha primeira aula para os alunos cegos. Estava com o
“espírito” preparado, pois estava ciente das minhas limitações, enquanto professor para tal
aula. Mas, ainda assim continuei em frente e a experiência, eu diria, foi inusitada uma vez que
me deparei com uma turma com 18 alunos, com objetivo de ensinar Óptica, algo que era
completamente novo para aqueles alunos (bom, assim eu achava). Meu primeiro objetivo foi
conhecer estes alunos, procurar compreender a sua história, sua dinâmica e a singularidade do
grupo. Além de conhecer o modo como esses alunos foram alfabetizados e o que eles
conheciam e compreendiam como sendo física. Confesso que me comportei instintivamente,
por ignorar como iria iniciar o curso.
Surpreendentemente, foram os alunos que me direcionaram e nortearam diante das
múltiplas faces da deficiência. Alguns eram completamente cegos, outros enxergavam
somente sombras e sabiam indicar apenas se o ambiente estava escuro ou iluminado. Alguns
dentre eles nasceram cegos, outros adquiriram a deficiência quando criança, e um deles ficou
cego depois de adulto. Ou seja, a turma era bastante heterogênea. Diante de tal experiência,
me vi completamente aturdido, mas ao mesmo tempo imbuído de grande entusiasmo, movido
por uma enorme vontade de ensinar àqueles alunos. Decidi-me por enfrentar este desafio.
Certa vez, cobri meus olhos e vivenciei a experiência próxima de não enxergar, e
percebi que teria que tomar alguns cuidados, principalmente ao explicar o conteúdo e
desenvolver diferentes instrumentos que os alunos pudessem tocar. Ou seja, o ideal seria
trabalhar maneiras para que eles pudessem usar os outros sentidos, principalmente o tato e a
audição.
Para explicar o conceito de raios de luz, feixes divergentes, convergentes e paralelos, e
os princípios da Óptica geométrica, utilizei canudinhos de refrigerantes, fita adesiva e
barbantes como instrumentos para representar estes fenômenos para o grupo. Este tipo de
abordagem promoveu interatividade entre professor e aluno.
Ao longo do curso percebia-se que muitas dificuldades poderiam não existir caso
houvesse maiores recursos didáticos e tecnológicos. A falta de livros e impressoras em
Braille, programas de computador que transcrevem os textos escritos em textos falados, além
20
da ausência de implementação das políticas públicas que tratam o problema da inclusão destes
alunos nas escolas.
Nessa experiência estes alunos foram colocados em salas de aulas com os alunos
videntes, com um discurso de inclusão, mas na verdade não tinha nada disto, porque eles
ficavam isolados, sem receber uma orientação adequada por parte dos professores. Esses, por
sua vez, em sua grande maioria não tinham orientação ou recursos pedagógicos para lidar com
a barreira da falta de visão. Sem contar o preconceito, que sem dúvida, é ainda a maior
barreira na educação de alunos com necessidades educativas especiais. Nas palavras de
Franco e Denari, “Historicamente, o relacionamento social das pessoas cegas em relação às
pessoas videntes tem se caracterizado por atitudes quase sempre de discriminação e exclusão
da sociedade em relação à cegueira.” (FRANCO; DENARI, 2011, p.5)
Não se pode ignorar o problema. É preciso buscar caminhos que contornem esta
barreira. As pessoas são diferentes, aprendem de formas diferentes. Colocar estes alunos em
uma sala de aula somente, não é incluí-los. É necessário lidar com a diferença e buscar novos
caminhos para ensiná-los.
A pessoa cega não é um ser privado de imagens, pois estas são construídas a partir do
contato direto com o objeto. Pela observação do que está próximo, ele pode, por analogia,
chegar ao conhecimento das coisas longas, pequenas, grandes e/ou perigosas. Assim, ao longo
do aprendizado é necessário um treinamento intenso dos sentidos que o aluno possui. Esta
prática pode levar o aluno cego a compensar a falta de estímulos e conhecimentos puramente
visuais, utilizando meios, recursos, técnicas, criatividade e talento.
O desenvolvimento deste trabalho, que gerou esta dissertação, teve raízes no ano de
2000, cujo fator motivador é a possibilidade de contribuir para que os professores, ao se
depararem com um aluno com deficiência visual ao entrar em uma sala de aula, saibam por
onde direcionar e não se sintam sós e perdidos.
Esse trabalho insere-se no contexto dessa experiência pedagógica, que desde seu início
trouxe as seguintes indagações: É possível ensinar física a estudantes cegos? É possível
ensinar Óptica a estudantes cegos? Como? Foi a partir do sim às duas primeiras indagações
que a terceira indagação tornou-se o problema central dessa pesquisa, levando à construção de
um produto, que foi elaborado e testado junto a estudantes cegos, conforme poderá ser
percebido.
1.3
Proposta de ensino
21
Este trabalho busca registrar a vivência do autor ao longo dos anos à frente de turmas
formadas por alunos deficientes visuais que buscavam a preparação para vestibular. A turma
em especial de 2008 foi a que proporcionou os dados e as entrevistas aqui citados. A
metodologia aplicada vem sendo desenvolvida desde a primeira turma do ano 2000. Além de
Óptica, ao longo dos anos de 2000 a 2008, o autor lecionou vários tópicos de física para
alunos deficientes visuais.
Esta dissertação pretende mostrar a metodologia aplicada pelo autor ensinar luz,
formação de imagens, espelhos, a alunos que não enxergam. Ela trata também da inclusão dos
alunos deficientes visuais em turmas de alunos videntes e suas consequências, o problema do
ensino de Óptica aos alunos deficientes visuais, e, por fim, discutea falta de capacitação dos
professores para ensinar alunos deficientes visuais.
É importante salientar que o curso pré-vestibular “Pré-UFMG”, agora então
denominado “Pré Federal”, inovou criando uma turma de alunos deficientes visuais. Esta
ideia nasceu após percepção de que havia vários alunos deficientes visuais em nossas salas de
aula e que estes alunos não estavam alcançando suas expectativas, ou seja, passar no
vestibular.
Para a realização das entrevistas utilizou-se a metodologia de história oral. A história
oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com
pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de
vida ou outros aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos 1950,
após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e desde então se
difundiu bastante. Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre
os que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos, pedagogos,
teóricos da literatura, psicólogos e outros.
Este trabalho está dividido da seguinte forma. Neste primeiro capítulo aborda-se a
inclusão do aluno deficiente visual, o que levou o autor a escolher o tema Óptica para ensinar
aos alunos deficientes visuais, e qual a proposta de ensino.
No capítulo 2 é feita uma revisão breve da literatura que norteou este trabalho,
discutindo-se também a metodologia da história oral utilizada como ponto de partida desta
investigação.
No capítulo 3 descrevem-se as etapas metodológicas seguidas para elaboração do
produto educacional.
No capítulo 4 são apresentadas a discussão e análise dos resultados da aplicação do
trabalho desenvolvido. E no capítulo 5 são apresentadas as considerações finais. No Apêndice
22
tem-se o guia para orientar o professor a ensinar Óptica geométrica para alunos deficientes
visuais.
23
2
REVISÃO DA LITERATURA
Neste capítulo é apresentada uma revisão da literatura discutindo os tipos de
deficiência visual e a relação com os materiais táteis que podem ser utilizados em sala de aula.
Discutem-se também trabalhos publicados sobre o Ensino de física para deficientes visuais
em que são apresentadas propostas que têm o intuito de colaborar com o ensino e a
aprendizagem de estudantes deficientes visuais. Finalmente é apresentada uma justificativa
para a utilização da metodologia de história oral em suas vertentes temática e história de vida
junto às pesquisas realizadas com alunos com deficiência visual.
2.1
Deficiência Visual
A inclusão de estudantes cegos em salas de aula regulares tem sido o motivo para
compreender e buscar metodologias didáticas alternativas. Segundo os dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), mais de 6,5 milhões de pessoas
apresentam algumtipo de deficiência visual. Neste contexto, é importante considerar quais são
os graus de deficiência visual e como esta condição pode afetar a compreensão de conteúdos
pelo estudante.
A deficiência visual consiste em uma diminuição irreversível da resposta visual,
devido a causas congênitas ou hereditárias. Esta diminuição da resposta visual pode ser
classificada como leve, moderada ou severa. No caso de ausência total da resposta visual temse a cegueira. Uma diminuição profunda da resposta visual caracteriza o grupo de visão
subnormal ou baixa visão. Pedagogicamente, de acordo com Conde (2011), o estudante,
mesmo possuindo baixa visão, é considerado cego se necessita de instrução em Braille4, e o
estudante com visão subnormal é aquele que lê tipos impressos ampliados ou com auxílio de
potentes recursos ópticos.
4
Processo de leitura e escrita em relevo, com base em sessenta e quatro símbolos resultantes da combinação de
seis pontos, dispostos em duas colunas de três pontos que substitui o alfabeto convencional. Este método foi
desenvolvido por Louis Braille.
24
A inclusão de alunos cegos requer que o professor conheça os diversos graus de
deficiência visual, e adotem práticas educativas que utilizem recursos didáticos que atendam
às particularidades de cada aluno. É importante que, no caso de alunos com baixa visão, o
material tenha cores contrastantes, e no caso de alunos cegos, deve-se atentar para as texturas.
A representação do objeto deve ser próxima do modelo real. Os materiais não devem ser
pequenos demais, pois estes se perdem com facilidade, e se forem grandes demais podem
prejudicar a compreensão do todo. O relevo deve ser trabalhado com texturas variadas
permitindo que o estudante cego possa destacar as partes componentes do todo. As texturas
devem ser escolhidas com cuidado, assegurando-se que elas possam ser distinguidas pelo tato.
Contrastes do tipo liso/áspero, fino/espesso são excelentes estimuladores táteis. O material
não deve provocar rejeição ao manuseio e ser resistente à exploração tátil. (PÁSCOA;
DICKMAN; FERREIRA, 2013)
Se a formação de conceitos5 ocorre por meio da interação entre sujeito e objeto de
estudo, o contato dos estudantes com deficiência visual com o experimento, através do tato,
constitui em mais uma via para o desenvolvimento de conceitos. Vale ressaltar que a interação
com o objeto permite também a ampliação da percepção tátil.
2.2
Ensino de física a deficientes visuais
“É possível ensinar física para alunos deficientes visuais?” Ou ainda: “O que o cego é
capaz de apreender em uma aula?” Estas são as perguntas que vem à mente ao entrar pela
primeira vez em uma sala de aula em que algum aluno é, em algum grau, deficiente visual. A
resposta a elas é sim. É possível ensinar física a alunos deficientes visuais. Até mesmo ensinar
Óptica para os alunos cegos. A forma como o cego percebe a realidade não é igual a do
vidente. Isto não quer dizer que é melhor ou pior, apenas diferente, pois o cego depende de
uma organização sensorial diferente do vidente na obtenção de conhecimento. Há um senso
comum que tenta relacionar o deficiente visual, mais especificamente o cego, à incapacidade.
5
Segundo Vygotsk, a questão relativa à formação de conceitos é uma extensão do processo de internalização,
caracterizando-se pelo confronto entre o conhecimento espontâneo e o científico. O conhecimento espontâneo é
o resultado do que se aprende no dia a dia, no contato com objetos e suas derivações no seu próprio ambiente de
convivência. O conhecimento científico se dá de forma sistematizada, transmitido intencionalmente por
metodologias específicas decorrentes do processo ensino aprendizagem desenvolvido no ambiente escolar.
25
Um estudante deficiente visual tem capacidade de aprender igual a de um vidente. A
limitação, pela visão, a princípio, não é um fator que o impeça de aprender, mas sim, o
preconceito, a falta de interesse, de método, de estímulo e de qualificação por parte do corpo
docente. Sendo assim, para ensinar os alunos deficientes visuais devem-se buscar alternativas
de aprendizagem que possam explorar outros sentidos da corporeidade, que não a visão como
eixo principal de aprendizagem. A linguagem tátil sensorial ocupa o lugar da linguagem
visual.
Em geral, todo o desenvolvimento escolar de um aluno com deficiência visual se dá a
partir de padrões adotados para alunos videntes, não sendo levadas em conta as diferenças de
percepção. Em especial, o ensino de física utiliza-se de laboratórios didáticos e demonstrações
que são planejadas e feitas para alunos videntes. É preponderante uma mudança. E não basta
fazer adaptações técnicas, mas, além disso, desenvolver uma metodologia que atenda as
necessidades dos alunos deficientes visuais. O desafio é fazer da sala de aula, do laboratório
didático e todo e qualquer espaço escolar, um local adequado para o aprendizado de física
tanto para o aluno vidente como para o aluno deficiente visual.
Um levantamento dos trabalhos sobre o ensino de física a alunos deficientes visuais
indica que há pouca iniciativa neste sentido. Anjos e Camargo (2011) e Machado (2010)
investigaram o panorama das pesquisas em ensino de física nos principais encontros e
periódicos da área e contabilizaram que apenas 1% dos trabalhos publicados referem-se ao
ensino de física a deficientes visuais. Diante destes números, pode-se inferir que ainda há a
necessidade de pesquisas que relacionem o Ensino de Física e a Deficiência Visual, visto que
na última década houve um aumento da presença de alunos com deficiência visual nos bancos
escolares e é fundamental que se garanta um aprendizado efetivo destes alunos. (ANJOS;
CAMARGO, 2011, p.8)
É interessante observar que um grande número de trabalhos discute práticas
envolvendo a construção de maquetes para representar os fenômenos ou montagem de
experimentos adaptados. Em geral, o ensino de física para deficientes visuais se baseia em
experiências táteis e sonoras, vários experimentos são projetados para explorar esses sentidos.
Alguns trabalhos discutem o ensino de Óptica para alunos deficientes visuais.
Paranhos e Garcia (2009) tratam de uma montagem experimental para a verificação do
fenômeno de difração da luz, adaptada para pessoas com deficiência visual. No trabalho de
Camargo, Viveiros e Nardi (2006) é utilizada uma sequência didática para ensinar conceitos
de Óptica e Eletromagnetismo a alunos videntes e um aluno deficiente visual. Dentre as
26
atividades desenvolvidas, foi utilizada uma representação entre cor-luz e som-notas musicais
para exemplificar as diferenças entre as ondas eletromagnéticas no espectro, inclusive para a
região visível, na qual é possível perceber as diferentes frequências através da observação
visual das cores.
2.3
História oral
A experiência de ensinar física a alunos deficientes visuais mostrou a importância, no
caso dos professores, do reconhecimento da individualidade do aluno. Desta maneira, estudos
que envolvem o processo de ensino e aprendizagem de estudantes cegos devem evitar a
padronização das pessoas cegas, como relata Franco e Denari (2011). Para tanto é
fundamental o conhecimento das condições que envolvem a cegueira: causa da cegueira, grau
de visão, eficiência visual, idade em que perdeu a visão (muito importante), diagnóstico,
escolaridade recebida antes de perder o sentido da visão, entre outras informações relevantes à
potencialidade do aluno.
Neste contexto, é essencial adotar metodologias que contribuam para a apreensão do
quadro de relações que envolvem o sujeito dessa pesquisa. Essas informações direcionam a
elaboração de estratégias voltadas para uma aprendizagem efetiva de física por alunos
deficientes visuais.
Baseado nestes apontamentos, a metodologia da história oral, em nossa opinião, é a
que mais se adequa às interações com estudantes com deficiência visual. As abordagens da
história oral em sua vertente temática6 são referenciais utilizados no desenvolvimento de
vários trabalhos (FERREIRA; DICKMAN, 2007; DICKMAN; FERREIRA, 2008;
ANDRADE; DICKMAN; FERREIRA, 2012; CREPPE, 2009), que mostram que a tentativa
de compreender as dificuldades de estudantes cegos e seus professores no processo de ensino
e aprendizagem. Assim, escutar suas narrativas tornou-se central para o desenvolvimento das
pesquisas, como afirma Ferreira e Dickman (2014, p.3) “[...] buscou-se uma metodologia
6
A história oral temática está voltada para atividades que envolvam tópicos relacionados ao tema do projeto
desenvolvido. Parte-se de entrevistas utilizando o método de história oral, em sua vertente temática, na qual
elege-se um tema específico de investigação. Para José Carlos Sebe Meihy (1998, p.145) a história oral temática
é a que mais se aproxima de soluções comuns e tradicionais de apresentação de trabalhos analíticos em
diferentes áreas do conhecimento acadêmico.
27
capaz de dar voz a estudantes que nunca foram escutados, e a partir daí abrir possibilidades
para um melhor entendimento desse não aprendizado”.
Para caracterizar a situação de ensino e aprendizagem e elaborar propostas de ensino
engajadas é fundamental conhecer o sujeito, situando-o nos contextos familiar e educacional,
compreendendo
aspectos
da
deficiência,
habilidades
e
possibilidades
cognitivas.
(FERREIRA; DICKMAN, 2014)
Na história oral a narrativa é fundamental para conhecer o mundo do indivíduo e suas
relações, que ao conduzir à compreensão de fatos da existência do narrador, indica os desafios
enfrentados em sua experiência escolar. Meihy e Ribeiro afirmam que:
A história oral é campo aberto à produção do conhecimento sobre diferenças. O
trabalho com o diverso, não reconhecido, com os excluídos por motivos plurais ou
com os interditados, é um dos mais importantes exercícios presentes em projetos
com entrevistas. Isso se coloca na perspectiva da valorização da diversidade social e
reforça o caráter democrático, de luta pela inclusão, provocado segundo a agenda
social ligado ao conhecimento humanístico (MEIHY; RIBEIRO, 2011).
A ferramenta básica da história oral é a entrevista ou depoimentos gravados. A análise
da narrativa registrada do entrevistado, de acordo com um roteiro ligado aos objetivos da
pesquisa, contribui para construir uma relação intersubjetiva, situando o sujeito no mundo,
mostrando sua inter-relação com ele mesmo e com o outro. No contexto do ensino de física a
estudantes com deficiência visual, essa metodologia permite a identificação das relações que
permeiam a sua vida escolar, aproximando pesquisador e entrevistado em uma perspectiva
subjetiva. Esse acesso à subjetividade e à utilização da história oral tem permitido situar
melhor a relação deficiência-escola dos estudantes. Esse processo de confiança mútua em
quem entrevista é gerador de proximidades que facilitam o acesso a questões ligadas à relação
professor-aluno, aluno-aluno e aluno-conteúdos. (FERREIRA; DICKMAN, 2014)
A metodologia de história oral permite a construção de realidades individuais dentro
do mundo coletivo através da memória da experiência vivida. Para Ferreira e Grossi (2004,
p.46), “há uma polissemia de sentidos que o documento oral engendra: expressões faciais,
gestos, timbre e tonalidade de voz, formas de respiração, regularidade das pausas etc.”.
Assim, neste trabalho utiliza-se o método de história oral em sua vertente temática e
história de vida, entrevistando alunos com deficiência visual seguindo um roteiro
semiestruturado. Este roteiro serve apenas como um guia para o entrevistador, realçando a
28
narrativa do sujeito que mostra a sua trajetória, relacionando fatos extraescolares à sala de
aula.
29
3
ELABORAÇÃO DO PRODUTO EDUCACIONAL
Neste capítulo são descritas as etapas seguidas, bem como os critérios estabelecidos,
para a elaboração do curso de Óptica geométrica para deficientes visuais. A pesquisa
compreende três momentos: entrevista, desenvolvimento de instrumentos e linguagem, aula
expositiva.
A primeira ação junto aos alunos com deficiência visual é a entrevista. O objetivo é
conhecer o aluno, obtendo o máximo de informações sobre os conhecimentos adquiridos por
ele ao longo da vida. A estratégia consiste em buscar respostas de como e quando o aluno
adquiriu a deficiência, estabelecendo uma relação entre a deficiência visual e o
desenvolvimento do aprendizado. Os dados coletados por meio da entrevista visam também a
identificação das dificuldades destes alunos durante as aulas de física e suas interpretações
dos conceitos inerentes à Óptica geométrica. Dessa maneira, pode-se levar em consideração a
experiência prévia de cada aluno na elaboração da proposta de ensino.
Os outros dois momentos às vezes se alternavam ou se misturavam ao longo do curso.
A necessidade de desenvolver instrumentos e também uma linguagem própria para aplicação
nas aulas é fundamental para ensinar os conteúdos de Óptica aos alunos deficientes visuais.
Assim, foi desenvolvida, ao longo do curso, uma metodologia própria para ensinar Óptica
geométrica a esses alunos. Finalmente, durante a aula expositiva foram registrados e
transcritos na íntegra os momentos de aplicação das atividades. Além de avaliar a
aprendizagem dos alunos levando-se em conta o processo como um todo.
Aos educadores e professores é fundamental o conhecimento das condições que
envolvem a deficiência visual. Além disso, é importante também identificar o nível dos
conhecimentos prévios trazidos pelo aluno, neste caso especificamente o conhecimento sobre
Óptica geométrica. Assim, a primeira parte da pesquisa leva em conta principalmente dois
fatores: a história de vida do aluno e seu conhecimento prévio a respeito de Óptica.
3.1
Entrevistas
Ao iniciar um trabalho em sala de aula é importante que o professor faça um
reconhecimento de sua nova turma, buscando, dentro do possível, conhecer a bagagem que os
30
alunos trazem consigo. A primeira etapa deste trabalho foi a realização da entrevista. Nesta
pesquisa são relatadas as entrevistas dos alunos que participaram do curso desde o início.
O professor ao deparar com um aluno deficiente visual precisa ir além de somente
conhecer o que este aluno traz consigo a respeito do conteúdo que será lecionado. É preciso
conhecer também sobre a deficiência deste aluno, procurando saber o grau desta, quando
começou a se manifestar, se antes ou depois de iniciada sua alfabetização, se foi alfabetizado
em braille. Em suma, deve-se procurar saber o máximo de detalhes e com isto traçar uma
linha do tempo da relação entre a deficiência visual e seu aprendizado até aquele momento.
3.2
Conhecendo os alunos: História de vida
Para coletar informações relativas à vivência dos estudantes com deficiência visual
utilizamos a metodologia de história oral na vertente história de vida. Um ponto importante da
entrevista é fornecer informações para traçar um “mapa” da vida destes estudantes dentro e
fora das instituições de ensino pelas quais passaram e sua relação com o desenvolvimento da
deficiência visual. Como também relacionar suas respectivas dificuldades quanto aos métodos
de ensino que experimentaram, bem como as características das relações interpessoais entre
professor e aluno e sua inserção em um grupo determinado, dentro de regras institucionais
estabelecidas. Todos estes dados permitem formar uma ideia da inserção deste aluno dentro
da sociedade com seus respectivos códigos de ensino-aprendizagem.
As entrevistas envolveram questões sobre a experiência de vida dos alunos e os
conhecimentos prévios de Óptica geométrica. Foram entrevistados seis alunos, com idade
entre 20 e 40 anos. As entrevistas foram gravadas e transcritas, com duração média de 40
minutos. Neste primeiro momento discute-se a parte relacionada com a história de vida dos
alunos.
3.2.1 Roteiro da entrevista: primeira parte
O trabalho com a metodologia de história oral compreende todo um conjunto de
atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos. Exige, antes, a pesquisa e o
levantamento de dados para a preparação dos roteiros das entrevistas. Nesta metodologia são
utilizados roteiros semiestruturados, que permitem uma maior flexibilidade do narrador ao
compor sua trajetória de vida.
31
Sendo assim, após um contato inicial informal com os estudantes foi elaborado o
roteiro que seria utilizado na entrevista. As questões, direcionadas pelas conversas, buscam
extrair de suas falas o máximo de informações, proporcionando um conhecimento mais
preciso de sua história de vida.
O objetivo da primeira parte da investigação é saber: causa da cegueira, grau de visão,
eficiência visual, idade em que perdeu a visão (muito importante), diagnóstico médico,
escolaridade recebida antes de perder o sentido da visão, e se possível traçar um paralelo da
vida estudantil do aluno e sua deficiência visual. A entrevista seguiu o roteiro mostrado no
quadro 1.
Quadro 1 – Entrevista sobre a história de vida dos alunos.
Roteiro: História de vida
Nome:
Data de nascimento:
Como surgiu a deficiência ou quando ela começou a se manifestar?
Quando surgiram os sinais de sua deficiência, qual série escolar você estava cursando?
Quando você teve aulas de ciências pela primeira vez? E de física?
Nas aulas de física, você já manifestava seu problema visual?
Qual é o grau de seu problema visual? Fale sobre ele.
Como os seus professores, especialmente os de física, atuaram com você e como eles
lidaram com a sua deficiência? Que recursos didáticos eles utilizaram?
Fonte: Elaborado pelo autor.
3.2.2 Recortes da História de vida
Nesta seção são analisados os dados referentes à história de vida dos sujeitos
participantes da pesquisa, sendo descritas na sequência algumas características peculiares de
cada aluno. Por motivos éticos, os alunos serão identificados neste texto pelas letras (A), (B),
(C), (D), (E) e (F). O professor que aplicou as atividades é também o pesquisador e autor da
presente dissertação (P).
A aluna A, 28 anos, nasceu cega. Aos oito anos foi estudar no Instituto São Rafael
onde aprendeu o Braille. Teve aula de ciências e de física no Ensino fundamental, e de física
no Ensino médio, em escola regular. Menciona dificuldade em entender gráficos, o professor
tentava explicar usando canetas, não tinha material didático apropriado. Relata em sua fala a
32
inexperiência do professor, que segundo ela afirmava que: “ó..eu...por mais que eu te dou
atenção...como é que eu te explico...eu não sei como te...te explicar...eu não sei como
preparar o material”. (Professor da aluna A)
A aluna B, 26 anos, nasceu cega, mas à medida que foi crescendo a visão foi
desenvolvendo, até fazer um transplante de córnea. Sempre foi alfabetizada em braille. De
acordo com a entrevistada, é possível distinguir cores, mas não consegue enxergar o quadro.
Os professores tentavam explicar o assunto utilizando algum objeto, ou detalhando um
desenho, mas a aluna B afirma: “só que era...era muito difícil de entender...” Em relação à
experiência com física: “Física...foi no primeiro ano do segundo grau...né...mas assim
era...foi muito complicado...era muito difícil pra entender...porque o professor não sabia
como explicar né, de jeito que eu entendesse.”
A aluna B afirma que os professores não procuravam alternativas para ensinar física
aos alunos deficientes visuais. Os alunos sugeriam que fossem feitos desenhos em alto relevo,
mas o professor alegava que a escola não disponibilizava recursos. Mas, a aluna relata a boa
vontade da professora de química: “... é igual minha professora de Química...ela assim...ela
arrumava não pela escola, por força de vontade dela... que ela arrumava alguns objetos
né...pra mostrar como que é o átomo e tal. Então, creio eu que se o professor de Física
tivesse...quisesse...né...ele conseguiria...”. A aluna ainda relata que
[...] igual no meu terceiro ano professor de Física não falava com a gente...igual na
minha turma era eu e mais duas deficientes visuais...aí ele falava assim com a
gente: “ah, não preocupa não que no final do bimestre eu dou os pontos”...isso até
gerou um conflito lá na escola porque a gente não tá na escola não é pra ganhar
pontos pra passar né? A gente tá lá pra aprender né...e aí ele falava: “ah, mas não
tem como”.
A Aluna C, 31 anos, nasceu com deficiência visual parcial. Teve visão subnormal até
os 18 anos, hoje enxerga apenas vultos, claridade. Foi alfabetizada lendo e escrevendo em
tinta, e em Braille na quinta série. No Instituto São Rafael teve aula de ciências no Ensino
fundamental e depois de física na oitava série do Ensino fundamental e no Ensino médio.
Estudou no Colégio Marconi, e relata que os alunos a ajudavam muito, mas o
professor a ignorava. Segundo ela o professor não dava muita atenção nem para os videntes,
afirmando “Ele dava a aula dele”. No primeiro ano ela conseguia ver imagens, desenhos,
gráficos, e com a ajuda dos colegas, dava para acompanhar. No segundo ano, ela perdeu a
visão, o professor tentava, mas não conseguia explicar. Esse professor mostrava o gráfico com
33
o dedo da aluna no formato do desenho. Ela sugeriu que ele fizesse os gráficos em alto-relevo,
mas ele não fez.
A aluna D, 41 anos, nasceu cega. Começou a estudar com 23 anos na Associação de
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), uma aula semanal de cinquenta minutos, pois a
escola regular não aceitava aluno deficiente. Aprendeu o Braille. Estudou ciências em uma
escola regular. Na escola regular a professora não queria aceitar os alunos deficientes. Os
alunos eram jogados do primeiro ano para o segundo, os professores queriam se livrar deles.
Os colegas cooperavam, apesar da diferença de idade. Os professores não sabiam lidar com os
cegos. Eram os alunos cegos que ensinavam o que fazer, ditar ao escrever no quadro, etc.
No ensino médio estudou em uma escola inclusiva, mas afirma que alguns professores
não têm interesse em ensinar. Os que tinham, não tinham preparo para lidar com estudantes
cegos, como afirma a estudante D: “O professor era até bom sabe? Ele...assim...ele
parece....que ele tinha interesse da gente aprender...mas o problema dele é que ele não
sabia....às vezes ele não sabia muito como passar e...não tinha como ele...passar...porque...é
muito desenho né...muitas coisas...”
A aluna E, 44 anos, nasceu com a deficiência, fez uma cirurgia e teve visão parcial
(20%) até os treze anos. Em suas palavras: “Ah...eu fazia tudo... dava pra mim andar nas
ruas... éh, via cores...via a natureza...via tudo...via o mundo em geral...dava pra ver...não
dava pra ver distante né...mas próximo...dava pra ver tudo...”Entrou para escola com sete
anos, mas não passava de ano, pois não conseguia ler no quadro, repetiu a primeira série por
cinco anos. Até que ficou completamente cega. Entrou para a APAE e aprendeu o Braille aos
19 anos. Os professores da escola regular diziam que ela não deveria estar lá, e sim no
Instituto São Rafael. Os professores queriam fornecer a prova pronta para os alunos
deficientes, e a própria escola autorizava isto, ela não aceitou e saiu da escola. Depois voltou,
estudou física apenas no primeiro ano do Ensino médio.
O aluno F, 26 anos, nasceu com glaucoma, enxergou até os oito anos, via cores, vultos
e claridade. Entrou para escola com sete anos e aprendeu o braille. No início os alunos com
deficiência ficavam separados até aprender o Braille, depois iam para a sala regular. Aos oito
anos foi para o Instituto São Rafael onde concluiu o Ensino fundamental. Estudou um pouco
de física no final da oitava série. Estudou no Colégio Frei Orlando os três anos do Ensino
médio com o apoio itinerante do São Rafael. Mas não tinha material em braille, quando o
material ficava pronto, as provas já tinham passado. Na física o problema eram os gráficos.
Os dados coletados são colocados de forma sintetizada no quadro 2.
34
Apenas as alunas A e D são completamente cegas, os alunos B, C, E e F enxergaram
(baixa visão) em algum momento. Todos os alunos entrevistados aprenderam a ler utilizando
o sistema Braille. As alunas D e Eaprenderam o Braille já adultas, os outros alunos
aprenderam quando crianças.
A alfabetização em Braille contribui para o aluno apreender os conteúdos discutidos na
sala de aula, pois o desenvolvimento da escrita e da leitura em Braille é uma importante
ferramenta para expressão e organização do pensamento do aluno. O desenvolvimento dessa
habilidade possibilita o desenvolvimento da autoestima e a reconstrução do paradigma da
aprendizagem. (NICOLAIEWSKY; CORREA, 2008)
QUADRO 2- DADOS REFERENTES À HISTÓRIA DE VIDA DOS ALUNOS ENTREVISTADOS .
Aluno
Idade
Deficiência
Nasceu cega.
A
B
28 anos
E
F
Professores
Aos oito anos no
Instituto São Rafael.
Tinham dificuldades para
ensinar
aos
alunos
deficientes.
Não
tinha
material adaptado.
O professor não sabia
explicar do jeito que ela
entendesse, a professora de
Química fazia adaptações e
ela entendia.
O professor a ignorava, não
tinha material adequado
disponível.
26 anos
Nasceu cega, mas a
visão
desenvolveu
parcialmente.
Sempre soube.
31 anos
Nasceu
com
deficiência.
Visão
subnormal até os 18
anos, enxerga apenas
vultos, claridades.
Foi
alfabetizada
lendo e escrevendo
em tinta. Aprendeu
Braille no ginásio, na
quinta série.
41 anos
Nasceu cega.
Aprendeu Braille aos
23 anos na APAE.
Os professores não queriam
deficientes na sala de aula.
Aprendeu o Braille
aos 19 anos.
Os
professores
não
aceitavam
deficientes,
queriam que fossem para o
São Rafael. Facilitavam a
aprovação
dos
alunos
deficientes.
Não tinha material em Braille
disponível, quando ficava
pronto as provas já tinham
passado.
C
D
Braille
44 anos
26 anos
Nasceu
com
deficiência, enxergou
(20%) até os treze
anos.
Enxergou até os oito Aprendeu o Braille
anos, depois apenas com sete anos.
vultos, claridade e
cores.
Fonte: Dados da pesquisa.
Os dados revelam que no processo de aprendizagem, particularmente de física, em
suas respectivas escolas, todos os professores se mostram despreparados para ensinar alunos
com deficiência visual, mesmo tendo boa vontade e interesse. Isto leva a constatação de que o
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professor de física na sua grande maioria não está apto a lecionar a alunos com deficiência
visual, revelando-se a necessidade de capacitar-se para esta tarefa. Segundo os relatos destes
alunos percebe-se que, na maioria das vezes, eles foram colocados de lado no processo
ensino-aprendizagem na sala de aula.
O despreparo do professor o leva a cometer equívocos no processo ensinoaprendizagem tais como: Não buscar conhecer o aluno, não estabelecer analogias apropriadas,
não elaborar atividades de ensino de física com características sensoriais e pedagógicas
adequados aos invisuais. A maioria destes equívocos acontece por falta de capacitação.
Os dados mostram também a inexistência de material adaptado aos deficientes visuais.
Vale ressaltar que estes relatos são semelhantes aos relatos dos vários alunos que
passaram pelo pré-vestibular ao longo de cinco anos. A experiência de ensinar estes alunos,
somada à experiência adquirida com outros alunos com deficiência visual no passado,
nortearam a busca por uma metodologia mais adequada. Esta vivência mostra o quanto os
professores estão despreparados para ensinar alunos com deficiência visual, revelando nossa
fragilidade para tratar do problema da inclusão.
3.3
Conhecimentos prévios de Óptica Geométrica
O objetivo da segunda parte da entrevista é investigar o conhecimento que os alunos
trazem sobre física, especificamente sobre Óptica geométrica. A entrevista foi desenvolvida
seguindo a metodologia de história oral na vertente temática, tendo como orientação um
roteiro semiestruturado com questões que buscam identificar os conhecimentos prévios mais
fundamentais de Óptica.
3.3.1 Roteiro da entrevista: segunda parte
Para esta parte da entrevista foi utilizado o roteiro mostrado no quadro 3. As duas
primeiras perguntas têm como objetivo identificar a noção que o aluno com deficiência visual
tem de luz de uma maneira geral. As perguntas seguintes remetem ao conhecimento obtido
nos livros didáticos ou em aulas típicas de Óptica, buscando uma conceituação de raios
luminosos e dos princípios da Óptica geométrica, informações sobre a velocidade da luz e sua
propagação nos meios, conceitos sobre a reflexão da luz e suas propriedades, e conhecimentos
sobre a formação de imagem em espelhos planos.
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QUADRO 3 –
ENTREVISTA SOBRE ÓPTICA GEOMÉTRICA.
Roteiro: Conhecimentos prévios de Óptica geométrica
Fale sobre o que você entende sobre luz?
A luz tem uma forma? Como ela se propaga?
O que você entende por raio luminoso?
A seu ver, o que são raios paralelos, raios convergentes e raios divergentes?
Explique em que consiste a independência de propagação dos raios luminosos?
A velocidade da luz é infinita, muito grande, pequena? Explique.
A Luz propaga-se no vácuo? E em outros meios materiais?
Qual a velocidade da luz no vácuo?
A velocidade de propagação da luz em um meio material qualquer é maior, menor ou igual à
sua velocidade no vácuo?
Fale sobre o que você entende sobre reflexão da luz.
O que você entende como reflexão especular e reflexão difusa.
O que você entende por imagem?
O que você entende por espelho plano?
Quais são as características de uma imagem formada por um espelho plano?
Fonte: Elaborado pelo autor.
3.3.2 Recortes dos conhecimentos prévios de Óptica Geométrica
Nesta subseção são apresentados os dados coletados sobre os conhecimentos prévios
dos alunos deficientes visuais sobre Óptica geométrica. Para fazer a análise dos dados, foi
utilizada a análise de conteúdo (BARDIN, 2011), que é um processo de tratamento e análise
de dados qualitativos em que se busca encontrar unidades comuns nas falas dos alunos. A
análise de conteúdo de acordo com Bardin é
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência deconhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens
(BARDIN, 2011, p. 48).
37
A maneira como os alunos compreendem luz pode ser expressa nas seguintes
categorias: Reta, Raios, Claridade, Lâmpadas, Não sabe. No quadro 4 são mostradas as
categorias, exemplos de respostas que as caracterizam e o número de alunos que a citaram. A
resposta de cada aluno é classificada em mais de uma categoria.
Pelas respostas percebe-se que a maioria dos alunos relaciona luz com a sua
representação de raio luminoso ou uma reta orientada, conhecimento adquirido na sala de
aula. Os alunos com visão subnormal ou que já enxergaram relacionaram luz com claridade
ou com lâmpada, objeto do cotidiano. Dois alunos disseram que não sabem explicar o que é
luz. Um aluno respondeu que a “luz se propaga em todas as direções” (Aluna B), e outro que
é “um conjunto de moléculas”. (Aluna C)
QUADRO 4 – RESPOSTAS DOS ALUNOS SOBRE LUZ.
Categoria
Número de citações
Natureza das respostas
Reta
4
A luz tem forma de uma reta. (Alunos D; F)
Raios
3
Luz: diversos raios, são em linha reta. (Aluna B)
Claridade
3
Ela clareia o ambiente. (Aluna B)
Lâmpadas na parede, apaga e acende. (Aluna C)
Lâmpadas
2
A luz de uma lâmpada clareia tudo. (Aluna B)
Não sabe
2
Não sei o que é. (Aluna A e E)
Fonte: Dados da pesquisa.
Os alunos associam raio luminoso ao reflexo da luz, (Alunas C e D), com duas
citações, à relâmpago, (Aluna A) com uma citação. Uma aluna (Aluna B) definiu raio
luminoso como “propaga em apenas uma direção”, e outro como “algo que sai de uma fonte
e espalha” (Aluno F). Dois alunos afirmaram não saber o que é um raio luminoso. (Alunas A
e E).
Apenas o aluno F soube responder às definições de raios paralelos, convergentes e
divergentes. Ele entende que raios paralelos andam juntos e nunca se encontram, embora
tenha dificuldade de entender isto. Para ele tudo o que se vê em um certo ponto se encontra.
Convergir é quando elas se encontram, dois raios saem de uma fonte e chegam ao mesmo
ponto. E quando divergem os raios vão para lados diferentes. Dois outros alunos responderam
apenas que os raios paralelos não se encontram, ou que são raios “um do lado do outro”. O
restante, ou seja, a maioria afirma que não sabe responder à questão.
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Em relação à independência de propagação dos raios luminosos, apenas a aluna B
respondeu que “Os raios passam um pelo outro sem desviar”. Dois alunos disseram que não
sabem explicar e três não mencionaram nada a respeito durante a entrevista.
As respostas sobre a velocidade da luz foram divididas nas seguintes categorias: muito
grande, com três citações; média, uma citação; pequena, uma citação; não sabe, duas citações.
Apenas o aluno F sabe que a velocidade da luz é menor em outros meios. Três alunos
mencionaram que a luz se propaga no vácuo.
A maioria dos alunos não sabe explicar o que é reflexão da luz. Apenas o aluno F
respondeu dizendo que é “Quando a luz encontra um corpo e não o atravessa, volta na
mesma direção em que veio.”
Três categorias classificam as respostas que definem imagem: não menciona, com três
citações; espelho/TV, com duas citações; cópia; com uma citação. Os exemplos das respostas
que justificam a categoria espelho/TV são: “a pessoa tá olhando no espelho e vê a imagem
dela” (Aluna B), ou “pra um espelho ou pra um objeto, ou mesmo pra uma televisão, que eles
falam imagem da televisão, é mais visual mesmo.” (Aluna A). Para a categoria cópia tem-se a
resposta “cópia ou imitação de um objeto”. (Aluno F).
Apenas um aluno (F) sabe o que é formação de imagens, mas afirma que não entende
suas características. Relata que decorou as características das imagens por que não consegue
se imaginar olhando em um espelho e se vendo maior, menor, invertido ou direto.
Cinco alunos afirmam saber o que é um espelho, e um não menciona nada sobre
espelhos na entrevista. Em geral, os alunos associam com o espelho de casa, mencionam que
o espelho é reto, que tem uma superfície lisa e regular que reflete a luz. A aluna D afirma que
o vidro reflete a luz.
3.4
Discussão e análise dos resultados
Os princípios da Óptica geométrica são apresentados na escola e estes princípios
fazem parte de um modelo sobre luz que nos ajuda a entender uma série de fenômenos que
nos cerca relacionados à luz e à visão. Frequentando a escola o aluno é submetido e exposto a
este modelo conceitual, que confronta com seu modelo mental sobre a luz e a visão. O aluno
cego de nascença não tem um modelo mental de luz formado a partir da experiência concreta
com a luz e fenômenos relacionados. Assim sendo, não podemos aferir que ele construiu um
modelo espontâneo. Diferente de um aluno que se tornou cego ao longo da vida. Pois este,
39
mesmo que tenha se tornado cego muito cedo, tem em sua memória imagens de luz e
fenômenos relacionados, que lhe permitem formar um conceito sobre luz e visão.
A fala dos alunos que já nasceram cegos demonstra que o modelo que eles possuem
sobre a luz é baseado em conceitos criados a partir de “dizeres e conceitos” das pessoas
próximas e por conhecimentos trazidos da escola.
Os alunos que se tornaram cegos ao longo de suas vidas tiveram em algum momento
experiências concretas, vivenciadas pelo sentido da visão e possuem algum tipo de conceito
sobre luz mais elaborado que os cegos de nascença. Estes alunos, a princípio, terão maior
facilidade de compreender os conceitos relacionados à luz e a visão. Em ambos os casos devese ter cuidado e desenvolver um processo de ensino para todas as idades.
Os resultados indicam que os conceitos referentes à luz e a visão não foram
desenvolvidos pelas três alunas que nasceram cegas de forma espontânea, e também que elas
não apreenderam na escola o modelo conceitual. Duas alunas (A e D) nunca enxergaram,
enquanto que os alunos B, C e F já enxergaram em algum ponto da vida. De acordo com os
dados, apenas os alunos que já enxergaram associam luz com claridade. Enquanto que quatro
alunos associam luz com uma reta ou raios, conceitos provavelmente provenientes da escola.
É interessante observar que a aluna A (cega de nascença) associa luz com “lâmpada que
acende e apaga”, informação adquirida pela convivência com pessoas videntes.
3.5
Ensinando Óptica Geométrica
Nesta seção são descritos os processos de elaboração dos instrumentos utilizados para
a visualização dos modelos e fenômenos discutidos, bem como o desenvolvimento e a
implementação de uma linguagem adequada para descrever a representação dos conceitos nas
maquetes.
A análise dos dados orientou a montagem da sequência do Curso de Óptica geométrica
para alunos deficientes visuais. Teve-se o cuidado de elaborar atividades com determinadas
características pedagógicas e sensoriais. A construção ou adaptação de equipamentos,
dispositivos ou maquetes permitem estabelecer interações não visuais. Procurou-se registrar
os momentos de aplicação das atividades, sendo aplicada também uma avaliação de
aprendizagem levando em conta todo o processo de atividades realizadas. A elaboração e a
aplicação do curso ocorreram simultaneamente.
40
3.5.1 Elaboração dos instrumentos e desenvolvimento de uma linguagem
Este trabalho não visa uma imitação do olhar, mas uma reelaboração de exercícios
práticos de aprendizagem que visam à compreensão do comportamento de um fenômeno
natural, alargando assim a compreensão de mundo dos alunos que não podem enxergar.
Assim, esta proposta de ensino baseia-se na representação concreta de conceitos, em
maquetes que podem ser exploradas por meio do tato, nas quais são feitas representações do
comportamento da luz no limite da Óptica geométrica.
O processo de aprendizagem é alicerçado na experimentação de outros sentidos que
não a visão. A ideia é gerar significados a partir de um processo de simbolização de objetos
percebidos pelo tato, pois somente a descrição oral não é suficiente, na maior parte das vezes,
para gerar uma compreensão do conceito ou da ideia que se quer definir.
É necessário o uso de recursos como maquetes, gráficos de alto relevo, barbantes
colados no papel, ou seja, elementos ou estados de coisas referentes, os quais os alunos
deficientes possam usar para construir significados. Todo este processo e abordagem
metodológicos têm o objetivo de ensinar o conteúdo de Óptica geométrica. Foi utilizado como
material de referência sobre o tema, a apostila usada no curso preparatório pré-UFMG de
Física 2, modulo I, elaborada pelo autor deste trabalho, e o livro Física 2 (ALVARENGA;
MÁXIMO, 2000).
As maquetes foram construídas a partir de barbantes dispostos por pregos e miçangas
em uma tábua. Para tornar viável a utilização deste material é necessário que o professor
desenvolva uma linguagem de apoio junto aos alunos, definindo termos e representações para
descrever os fenômenos.
Para estabelecer uma linguagem própria entre o professor e o aluno com deficiência
visual é fundamental conhecer melhor o aluno. Por meio desta linguagem compartilhada pela
fala e pelo tato, novos meios e modalidades de compreensão próprias são disponibilizados ao
aluno. A partir daí, a comunicação se torna mais próxima e significativa.
O processo de construção de significados e de ideias se inicia com a convenção
interpessoal de que determinadas coisas e elementos serão representados por determinados
objetos. No entanto, se não houver este momento de convenção, não é possível estabelecer
uma linguagem apropriada às condições sensoriais do aluno deficiente, e os elementos
materiais das maquetes simplesmente não teriam sentido. É necessário, portanto, que o
professor explique e defina o que o aluno está experimentando como sendo dotado de um
41
significado, estabelecendo assim, entre aluno e professor, uma linguagem mediada pelas
maquetes ou coisas perceptíveis pelo tato. Desta maneira, foi elaborado um código primário
para orientar as discussões da turma sobre os fenômenos representados nas maquetes.
Ao dar início a um curso de Óptica geométrica, o professor inicia geralmente
demonstrando algum fenômeno que evidencie a propriedade da luz de se propagar em linha
reta. Isto pode ser feito, por exemplo, observando um feixe de luz ao atravessar um meio
refringente - como água com sabão líquido - ou escurecendo a sala, e espalhando pó de giz no
ar para visualizar a propagação da luz de uma lanterna, demonstrando tal propriedade.
Complementa-se que, de um modo geral, este é o tratamento dado pelos livros textos, citando
algum fenômeno que evidencie a propriedade em questão. Após este primeiro momento, fazse imediatamente uma representação do raio de luz com um segmento de reta graficamente
orientada, seja no quadro ou sobre uma folha de papel. A partir deste momento, em que esta
representação é feita, o raio de luz tal qual é percebido no nosso cotidiano passa a ser então
efetivamente representado por uma seta. Esta representação é muito útil, principalmente
quando se discute formação de imagens por meio de desenhos graficamente reproduzidos.
Mas, sabe-se bem que a luz não é uma seta, esta representação da ideia de luz sob a forma de
um desenho é apenas um ponto de partida para o aluno compreender e elaborar a passagem do
conteúdo concreto para um conteúdo conceitualmente orientado. Desta forma, os alunos
transformam o comportamento de um fato objetivo, a luz, para uma linguagem científica
sobre o comportamento da luz.
Deve-se salientar que, enquanto em um aluno vidente a elaboração de uma ideia faz-se
por meio de um deslocamento da imagem ao conceito, no caso uma reta desenhada
graficamente, em um aluno cego o deslocamento se faz por meio de uma percepção tátil
motora para um conceito.
Assim, é utilizado o elemento da representação, mas de um modo completamente
diferente. Um modo de apreensão não mais calcada sob a forma de imagens e não mais
orientada para o sentido da visão, mas para o sentido tátil concreto perceptível. A partir deste
outro modo de percepção e de construção de uma ideia explica-se aos alunos deficientes
visuais o comportamento da luz. Trata-se, portanto, de outro modo de representação. Uma
representação que permite o deslocamento da percepção concreta sensorial e motora para uma
elaboração conceitual, teórica e abstrata de um conceito.
No material elaborado, um raio luminoso é representado por um barbante esticado
sobre uma placa de madeira, fixado por pregos ou parafusos como mostrado na figura 1. Uma
42
maneira alternativa ao uso de barbante, tábua, pregos e parafusos, é o uso de barbantes ou
linha colados no papel ou uma tinta de alto relevo para fazer as representações. Nos dois casos
são utilizadas miçangas de tamanhos diferentes para indicar a direção de propagação do raio
de luz.
O professor tem o papel de intermediar o processo utilizando representações de forma
clara e adequada. Importante ressaltar que o uso das representações é temporário, sendo estas
abandonadas à medida que o aluno entenda e abstraia os conceitos ensinados. À medida que
há esta abstração por parte do aluno, o professor passa a trabalhar os conceitos de forma mais
abstrata e matemática. Porém, quando houver necessidade de retomar as representações para
resolver problemas, ele deverá fazê-lo com os devidos cuidados.
Figura 1 - Aluno usando um material feito de barbantes, pregos e miçangas em uma
tábua para representar um raio de luz.
Fonte: Foto do autor.
As representações têm suas limitações e devemos ficar muito atentos a elas. Como o
próprio nome diz é representação e não o fenômeno. Quando usamos, por exemplo, um
barbante esticado e preso entre dois pregos como representação de um raio de luz, tem que
ficar muito claro para o aluno deficiente visual de que se trata somente da representação de
uma propriedade da luz, a propagação retilínea da luz.
Durante o curso de Óptica geométrica para alunos deficientes visuais utilizamos vários
tipos de representações, cabendo aqui alguns esclarecimentos sobre os materiais usados.
Foram utilizados barbantes e linhas coladas numa folha ou presas por pregos ou parafusos em
tábuas, bem esticadas para representar um raio de luz. Usamos miçangas para representar as
fontes puntuais ou secundárias de luz (esta última podendo ser um ponto de reflexão da luz).
As miçangas têm tamanhos e formas diferentes para dar orientação no sentido que a luz
propaga. Usamos um CD para representar a Lua em um painel construído para explicar o
43
eclipse solar para os alunos deficientes visuais. Para representar superfícies refletoras usamos
E.V.A e filetes de madeira. Estes também foram usados para representar o espelho plano. Esta
última representação não se mostrou adequada pelo fato dos filetes de madeira não serem
lisos como um espelho. Porém, serviu ao propósito, pois isto foi explicado detalhadamente
aos alunos.
3.5.2 Planejamento geral das aulas
Após a realização das entrevistas e análise dos dados, passa-se para segunda etapa
deste processo, de acordo com o plano de ensinar conceitos fundamentais de Óptica
geométrica a alunos com deficiência visual. Nas etapas descritas a seguir enumeram-se os
passos que possibilitaram a elaboração da nossa proposta de ensino: Delimitar o conteúdo a
ser abordado. Para cada conteúdo e conceito de física a ser ensinado a um aluno deficiente
visual estabelecer representações para que o conteúdo possa ser trabalhado por meio do tato;
Construir ou adaptar equipamentos e dispositivos que permitem estabelecer interações não
visuais; Trabalhar a construção de uma linguagem adequada ao material elaborado junto aos
alunos; Orientar cada aluno na percepção do material e do conceito representado; Registrar os
momentos de aplicação das atividades; Transcrever na íntegra as atividades; Realizar
avaliação da aprendizagem dos alunos levando-se em conta todo o processo de aplicação de
atividades.
Cabe aqui esclarecer ao leitor que o curso foi dividido em etapas que necessariamente
não correspondem a uma aula. Cada aula tem um objetivo a atingir que faz parte de uma etapa
maior. Sendo assim, uma etapa pode ocupar várias aulas. Outra informação importante para o
leitor é saber que em cada etapa houve uma atividade lúdica envolvendo a participação dos
alunos.
As atividades descritas para ensino de Óptica geométrica teve como referência básica
a Unidade 7 – Ótica e Ondas do livro Física, dos autores Antônio Máximo e Beatriz
Alvarenga (ALVARENGA; MÁXIMO, 2000), e a apostila de Física 2 da associação préUFMG do autor deste trabalho.
No curso, primeiramente foi trabalhada a ideia de “raios de luz” através de um novo
modelo de representação, não mais orientado para o sentido da visão, mas para o sentido tátil.
Nesta etapa foi utilizado barbante para representar concretamente o raio de luz. Colando este
barbante em uma folha de papel ou prendendo-o esticado com pregos em uma tábua, o aluno
44
ao tocá-lo, explora concretamente o material para, posteriormente representá-lo sob a forma
de um conceito científico adquirido com o auxílio do professor.
Nesta etapa enfatiza-se que a luz propaga-se em linha reta quando em um meio
homogêneo dentro do limite da Óptica geométrica. Neste momento é feita pelo professor a
descrição dos três princípios da Óptica geométrica por meio da interpretação da representação
de vários raios luminosos na maquete.
Explorando mais esta atividade, o professor prendeu vários barbantes à tábua de forma
que eles pudessem representar os feixes de luz: paralelos, convergentes e divergentes. A partir
do mesmo procedimento, o professor orienta os alunos a tocar os “feixes”, descrevendo e
explicando os conceitos de fontes primárias e secundárias, puntiformes ou extensas para os
alunos. Todos estes conceitos são fundamentais para se entender a formação de imagem em
espelhos planos e curvos.
Vencendo esta etapa, ou seja, o aluno entendendo os princípios fundamentais da
Óptica geométrica, o professor passa a trabalhar problemas e fenômenos ópticos que se
baseiam nesses princípios. Desta maneira, discutiram-se os fenômenos da formação de
sombra e penumbra com base em maquetes construídas especialmente para representar estes
fenômenos.
Nesta etapa, durante a introdução da ideia de sombra e penumbra, os alunos
levantaram outro questionamento: “Como ocorre o eclipse?” Este questionamento levou à
construção de um aparato para mostrar e explicar, baseando-se nos conceitos já trabalhados
nas etapas anteriores, o fenômeno do eclipse solar. Observe que na foto da figura 2 o aluno
explora com as mãos o aparato. Todos os alunos fizeram o mesmo. E cada um, no momento
da exploração, era instruído sobre as representações contidas na maquete. Após o
entendimento do funcionamento do aparato, o fenômeno foi explicado, sendo que a todo o
momento os alunos voltavam ao aparato para observar com cuidado os pontos discutidos pelo
professor.
Estas representações permitiram explicar aos alunos com deficiência visual o eclipse
solar. Foi construído um painel utilizando linha, pregos, parafusos e um CD. Na extremidade
da direita as linhas partem de parafusos que por sua vez representam fontes pontuais. As
fontes pontuais emitem feixes divergentes. Estes conjuntos de fontes pontuais formam uma
fonte extensa que no nosso modelo representa o Sol. Na outra extremidade os parafusos foram
colocados formando um semicírculo, representando a Terra. Entre o Sol e a Terra está a Lua
que é representada pelo CD.
45
Figura 2 - Aluno explorando o aparato que representa o eclipse solar.
Fonte: Foto do autor.
As regiões de sombra e penumbra foram explicadas a partir da definição dada de raio
de luz e sua representação neste contexto (fio de barbante esticado e preso por miçangas).
Todas as linhas que passavam na direção do CD eram interrompidas e presas nos pregos
juntos ao CD, que representa a Lua. Assim, a área atrás do CD, que não passa nenhuma linha,
é a região de sombra. A região de penumbra é onde passam somente algumas linhas.
3.6
Avaliação do curso de Óptica geométrica
Nesta seção discutem-se os resultados obtidos durante a avaliação do curso de Óptica
geométrica e assimilação dos conhecimentos pelos estudantes cegos. O processo de avaliação
foi dividido em duas etapas. A primeira etapa consistiu na realização de entrevistas com os
alunos cegos participantes, explorando a opinião deles em relação ao curso aplicado, além de
uma tentativa de identificar se houve uma assimilação do conteúdo. Na segunda etapa, foi
aplicado um questionário para medir o desempenho destes alunos em um teste de múltipla
escolha, típica dos vestibulares, sobre o conteúdo estudado durante o curso.
46
3.6.1 Elaboração e aplicação dos instrumentos de avaliação
A avaliação do curso pelos estudantes cegos foi realizada por meio de entrevistas,
utilizando um roteiro semiestruturado, seguindo a metodologia da história oral. Neste roteiro,
mostrado no quadro 5, as quatro primeiras perguntas têm como objetivo identificar o que os
alunos pensam a respeito da metodologia aplicada, da postura do professor e do material
usado durante as aulas. As outras questões (quinta questão em diante) foram direcionadas para
identificar as dúvidas dos alunos e o que foi apreendido durante as aulas. Assim, para verificar
o que aluno com deficiência visual apreendeu sobre a luz de uma maneira geral, foram feitas
perguntas que remetem ao conteúdo discutido nas aulas de Óptica, sobre raios luminosos, os
princípios da Óptica geométrica, e conceitos sobre a reflexão da luz e suas propriedades.
QUADRO 5 – QUESTIONÁRIO APLICADO APÓS O TÉRMINO DO CURSO
QUESTIONÁRIO
1. Qual foi sua impressão do teste? (Se a resposta não for específica, completar a pergunta: Como você
descreveria as questões?)
2. Você já tinha estudado óptica antes? Em caso afirmativo faça uma comparação entre os métodos usados antes e
agora.
3. Comente o papel do professor durante as aulas.
4. Comente sobre o material de apoio utilizado.
5. Fale sobre as dúvidas que você tem. Quais são?
6. Comente sobre a luz. (Conceitos, propagação e propriedades.)
7. Dê exemplos caracterizando os três princípios básicos que a luz obedece. Explique.
8. Fale o que você sabe sobre reflexão da luz.
9. Explique, com suas palavras, a lei de reflexão da luz?
Fonte: Elaborado pelo autor.
Para a segunda etapa foi elaborado um questionário sobre Óptica geométrica, referido
no presente trabalho como teste. O teste, apresentado no Apêndice A, é composto por quinze
questões, sendo que treze questões são de múltipla escolha e duas questões são abertas. As
questões do teste abordam os seguintes conteúdos: Princípios básicos da luz (questões 2, 4 e
5); Reflexão da luz (questões 1, 6, 7); Características dos feixes luminosos (questão 3);
Eclipse solar (questões 8 e 9); Formação de imagem em espelhos planos (questões 10, 11, 12,
13, 14, 15).
47
As questões são típicas de vestibulares, e justificam-se pela intenção do curso como
preparatório para o vestibular. Acredita-se que a aplicação deste questionário possa dar uma
ideia do grau de preparo destes alunos para o vestibular.
3.6.2 Primeira etapa: O que os alunos pensam do curso
Observando que nosso trabalho foi aplicado a um grupo de alunos que se preparavam
para o vestibular, e não uma turma regular do ensino médio, o número de faltas e desistência
foi relativamente grande, justificando assim, um número menor de participantes no processo
final de avaliação do curso. Desta maneira, somente os alunos A, D e F participaram da
avaliação. A seguir apresenta-se uma análise qualitativa de suas respostas.
3.6.2.1 A opinião dos alunos sobre o teste, o professor e o método aplicado
Todos os três alunos tiveram impressão positiva do teste. A aluna A relata que apesar
de não ter tido um grande número de acertos no teste, sente que aprendeu muito com as aulas.
A aluna D gostou muito do teste apesar das dificuldades de aprendizagem, ela achou as
questões difíceis, e por último o aluno F relata que encontrou inicialmente dificuldades em
identificar as representações de alguns desenhos, cujo formato era novidade para ele.
Para a aluna D, este curso de Óptica representa a sua primeira experiência com o
assunto, portanto, não há parâmetros para comparação. Os alunos A e F, que já estudaram o
assunto anteriormente, compararam os métodos aplicados pelos seus professores do colégio
com os nossos. A aluna A relata que seus professores não estavam preparados para ensinar
física a estudantes cegos, e que “no projeto, o professor tenta como experiência passar uma
informação que possamos entender sobre seu trabalho”. O aluno F relata que o método atual
possibilitou uma visualização tridimensional e dinâmica, mas que “o anterior foi de maior
rendimento por sua simplicidade e eficaz”.
Os três alunos deram um depoimento elogiando o professor pela forma como as aulas
foram conduzidas. A aluna A ressaltou que os professores devem fazer com que os alunos
entendam mais a matéria, e que os desenhos em alto-relevo ajudam a entender melhor a
matéria. A aluna D ressaltou também a importância da presença do professor para orientar os
alunos. Na opinião do aluno F, o professor ajudou “a ampliar os conceitos adquiridos,
esclarecendo pontos obscuros e aplicar conceitos e introduzindo ideias”.
48
Todos os alunos afirmaram que o material de apoio auxiliou bastante nas explicações
do conteúdo durante as aulas, sendo classificado como útil. A aluna A em seu depoimento diz
que “foi de boa utilização e que com ele soube transmitir uma informação sobre tipos de
espelhos e luz”.
Pelo depoimento dos três alunos podemos concluir que o material aliado a uma
metodologia adequada para ensinar alunos cegos teve um impacto positivo. É interessante
ressaltar que os alunos sempre tiveram um papel ativo nas aulas. Uma conclusão importante
da fala destes alunos indica que este método é mais dinâmico e interativo, podendo ampliar o
processo de ensino e aprendizagem.
3.6.2.2 Identificando as dúvidas e os conceitos aprendidos pelos alunos
Nesta parte da entrevista, que corresponde à quinta questão em diante do roteiro, temse como foco o aprendizado do aluno durante o curso.
As dúvidas relatadas pelos alunos A e F remetem-se para as representações gráficas de
fenômenos não estudados neste curso como refração, arco-íris. A aluna D menciona que tem
dúvidas “no aprendizado de braille e consequentemente na assimilação do conteúdo”.
Nas questões sobre luz, suas características e propriedades, nota-se que as alunas A e
D tiveram um desempenho similar, não sendo capazes de responder com clareza as perguntas
feitas, embora a aluna A tenha mencionado a propagação retilínea da luz e citado o princípio
da reversibilidade, sem explicá-lo. Ambas mostram saber que a luz é refletida, mas não
explicam o fenômeno.
Por outro lado, o aluno F respondeu bem às perguntas, mostrando ter um
conhecimento sedimentado sobre o assunto discutido. Na questão sobre luz ele discorre sobre
a dualidade onda-matéria, e cita algumas propriedades da luz. É capaz de citar e explicar os
princípios básicos de propagação da luz, relatando corretamente o fenômeno da reflexão da
luz e a lei de reflexão. No quadro 6 são mostradas as respostas dos alunos às questões 6, 7, 8 e
9.
3.6.3 Segunda etapa: Teste sobre Óptica geométrica
49
O teste (Apêndice A), com cinco questões, foi aplicado em braile aos alunos: A, D e F.
A análise das respostas mostra que as alunas A e D obtiveram cinco acertos, sendo que D não
respondeu as questões abertas, 3 e 9; e o aluno F obteve quatorze acertos.
A única questão que o aluno F não acertou foi sobre eclipse solar (questão 8 do teste),
assunto trabalhado em sala de aula, inclusive com a montagem de uma maquete para explicar
o fenômeno. Vale mencionar, no entanto, que a questão 9, também sobre eclipse solar, e o
aluno F a respondeu corretamente.
Uma análise dos acertos da Aluna A indica que esta associou corretamente a formação
de sombra com a propagação retilínea da luz; classificou corretamente os feixes luminosos em
paralelos, convergentes e divergentes; respondeu corretamente sobre a independência de raios
que se cruzam; entende alguns aspectos da formação de imagem em espelho plano.
No caso da aluna D, a análise dos acertos mostra que esta respondeu corretamente
sobre a independência de raios que se cruzam; entende a reversibilidade dos raios de luz, a
reflexão da luz por superfície não polida, o eclipse solar e alguns aspectos da formação de
imagem em espelho plano.
QUADRO 6 – RESPOSTAS DOS ALUNOS ÀS PERGUNTAS 6, 7 8 E 9 DA ENTREVISTA.
Questões
Aluno
A
A luz se propaga e ela é refletora e se propaga em linha reta e tem
princípios. Principais da reversibilidade.
D
Não sei definir. Pois estou aprendendo agora. A luz tem reflexo.
F
A luz , ao meu ver, tem um comportamento dual, age como onda ou
matéria. Como matéria, pode sofrer mudança de direção ao
propagar em dois meios diferentes de índices diferentes de refração.
Ela se propaga em linha reta, não sofre mudança de direção, ou
intensidade ao cruzar com outro raio.
A
A luz obedece os 2 princípios que da reversibilidade.
D
Reflexo, não sei.
F
Os raios luminosos se cruzam mas não se alteram. O princípio da
reversibilidade dos raios luminosos pode ser ilustrado com o fato de
uma pessoa conseguir visualizar o raio refletido no mesmo espelho.
O princípio da propagação retilínea é ilustrado pela existência da
sombra.
A
Reflexão da luz, reflete em todo lugar.
D
A luz clareia a luz é bom para nós, sem a luz não enxerga. O reflexo
da luz é forte, ela ajuda muito.
Luz
Princípios básicos da
luz
Respostas
50
Reflexão da luz
Lei de reflexão da luz
F
A reflexão da luz ocorre a partir do contato deste com meios opacos
e regulares. Essas superfícies não absorvem os comprimentos de
ondas, devolvendo-os ao meio, gerando a imagem ou reflexo, que
varia em acordo com a superfície refletora.
A
A luz de reflexão da luz é refletora.
D
Não sei.
F
A lei de reflexão diz que a o ângulo de incidência dos raios e o de
reflexão são iguais.
Fonte: Elaborado pelo autor.
3.6.4 Discussão dos resultados
Ao comparar os resultados dos alunos entrevistados antes e após a aplicação do curso
de Óptica geométrica, percebe-se que houve um progresso, de maneira geral, na assimilação
dos conceitos relacionados. É interessante mencionar, que em todos os casos, principalmente
com as alunas A e D, há uma forte tendência em tentar recuperar dados da memória, sendo
comum frases como “Eu sabia...” ou “não me lembro das explicações”. Assim, confirma-se
que estes alunos já tinham ouvido falar sobre vários dos assuntos tratados neste curso em sala
de aula.
No caso da aluna A, na entrevista inicial, observa-se que os conceitos foram definidos
com pouca clareza com suporte de termos do cotidiano. Por exemplo, sobre luz ela disse que
“Eu entendo que luz assim... é uma parte que fica... [...] que fica dentro de uma reta né... tipo
assim.... é igual umas... umas lâmpadas mesmo que você...coloca lá na parede...fica como se
fosse uma reta né... […] … que apaga… acende...”. Na entrevista final, a resposta da aluna A
indica sinais de um melhor entendimento em relação à luz, sua propagação e aos princípios
que esta obedece. Sobre a reflexão da luz, embora bastante incompleta, a resposta da aluna A
indica que ela compreende agora que a luz é refletida nas superfícies, enquanto que no início
ela demonstrou desconhecer o assunto. O desempenho da aluna A no teste final mostra que
houve um ganho no entendimento de raios convergentes e divergentes, na entrevista inicial
ela soube definir apenas raios paralelos; e um indício de entendimento sobre formação de
imagens, que anteriormente foi relacionada à imagem da televisão ou à imagem da própria
pessoa no espelho.
A aluna D, nos dois momentos, apresentou bastante dificuldade ao discutir conceitos
relacionados à luz e suas propriedades. Na entrevista final, pode-se perceber uma pequena
51
melhora no entendimento quando ela cita que a luz deixa os lugares claros e é refletida,
embora não saiba explicar o que isto significa. No teste final, entretanto, o seu desempenho
foi igual ao da aluna A indicando que há entendimento dos princípios básicos de propagação
da luz e formação de imagem.
No caso do aluno F, os dados da entrevista inicial mostram que é um aluno bem
preparado, que já dominava vários aspectos relacionados à Óptica geométrica. Pelo resultado
obtido após a participação no curso, percebe-se que houve um ganho na discussão do caráter
dual da luz, no entendimento da lei da reflexão e uma sedimentação nas características das
imagens formadas em espelhos.
Assim, o aluno F teve um aproveitamento excelente no curso de Óptica geométrica,
enquanto que as alunas A e D evoluíram em relação ao início do curso, mas ainda têm muitas
dúvidas sobre o assunto. Verificando o histórico dos três, o aluno F, tem uma história de
estudos bem maior que as demais. Ele teve um bom acompanhamento familiar e escolar desde
as séries iniciais, fato que não ocorreu com as outras duas. Observa-se que as histórias de vida
deles dão indicativos das diferenças de desempenho, mais do que este curto período de
convívio com eles. Este convívio nos fez perceber que, apesar do desempenho fraco, que
houve atitude por parte delas, e com isto adquiriram alta estima e reconheceram que têm
capacidade para aprender. Este método também tem o objetivo de despertar o desejo e a
vontade de aprender.
52
4
CURSO DE ÓPTICA GEOMÉTRICA PARA DEFICIENTES VISUAIS
Neste capítulo são apresentados os planos das aulas elaboradas, descrevendo em
detalhes as etapas a serem seguidas pelo professor, ficando claro que o professor tem plena
autonomia de fazer adaptações de acordo com suas necessidades, usando de criatividade para
somar ideias e alterar os planos a sua maneira. Os planos de aulas descritos possuem ementa,
objetivos e métodos didáticos.
O curso foi elaborado a partir das observações e investigações feitas, adaptando o
ensino de Óptica geométrica para estudantes com deficiência visual. O conjunto de atividades
apresentadas constitui procedimento de um curso que foi aplicado no período de 16/05/2008 a
27/11/2008. Participaram da aplicação do referido curso um grupo de nove alunos com apenas
deficiência visual, frequentadores da instituição Associação Pré-UFMG. Os alunos
participantes da atividade possuem idades variando de 20 a 40 anos.
As atividades foram elaboradas com determinadas características pedagógicas e
sensoriais, a partir da construção ou a adaptação de equipamentos e dispositivos que permitem
estabelecer interações não visuais. Assim, o professor deverá estabelecer representações para
que o conteúdo possa ser trabalhado por meio do tato.
Ao iniciar um trabalho de ensino e aprendizagem com alunos com deficiência visual é
primordial procurar conhecer a história de vida deste aluno. Sugere-se que o professor utilize
a metodologia de história oral e faça uma entrevista com cada aluno, registrando-a. Estes
dados são um passo fundamental para conhecer o aluno, contribuindo na forma como
trabalhar com eles. É importante também desenvolver uma linguagem própria para o conteúdo
que será lecionado, definindo símbolos, gráficos e outros tipos de representações. E só a partir
deste momento, traçar uma estratégia de trabalho que tenha um planejamento diário para cada
aula e conteúdo.
53
Caro professor,
Buscamos neste trabalho desenvolver uma metodologia voltada para você, professor
do ensino médio, cuja intenção é promover um aprendizado mais efetivo e significativo para o
aluno, conforme prevê a proposta curricular para o Ensino Médio, difundida pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais.
Nessa direção, apresentamos um roteiro com planejamento de aulas abordando tópicos
de Óptica geométrica que foram ministrados a uma turma de alunos com deficiência visual
que se preparavam para prestar o vestibular.
As atividades têm o intuito de propiciar discussões acerca do assunto estudado durante
todo o processo de ensino-aprendizagem, ampliando o diálogo aluno-aluno e aluno-professor.
Ressaltando que este material é uma introdução ao estudo da Óptica geométrica, ou seja,
aborda os princípios de Óptica geométrica, as leis da reflexão e espelhos planos.
Os recursos utilizados foram maquetes feitas de madeira, pregos, parafusos, linhas e
miçangas, em algumas situações também foram usados barbantes, papel e tintas de alto
relevo. Estes materiais, todos de baixo custo, foram utilizados com a finalidade de ilustrar e
auxiliar na compreensão do assunto tratado.
Esperamos que a proposta, apresentada nesse material, possibilite situações de
aprendizagem que permitam ao aluno pensar o seu cotidiano, a partir de diferentes pontos de
vista, desenvolvendo competências necessárias para entender e intervir na sua realidade.
Esperamos também que, a partir deste material, o professor possa desenvolver seu próprio
curso, dando prosseguimento ao conteúdo de Óptica geométrica e outros assuntos.
Bom trabalho!
54
Nas seções seguintes são apresentados os planos de aula elaborados sobre tópicos de
Óptica geométrica para alunos deficientes visuais. O roteiro é composto por três unidades,
sendo que na Unidade I discutem-se os temas: raios de luz, princípios da Óptica geométrica e
algumas aplicações (dez aulas); na Unidade II abordam-se em duas aulas os tipos de reflexão
da luz e suas leis; e na Unidade III é discutida em duas aulas a formação de imagens em
espelhos planos por objetos puntiformes e extensos.
4.1
Unidade I: Raios de luz, princípios da Óptica geométrica e aplicações
Ementa: Raio de luz, feixe de luz, princípios da Óptica geométrica, meios ópticos, fonte
extensa e fonte pontual, eclipse solar.
Objetivo geral: Permitir que o aluno com deficiência visual possa conhecer, identificar e
compreender o conceito de raio e feixe de luz, e os princípios da óptica geométrica.
Objetivos específicos: Estabelecer com o aluno deficiente visual uma representação da luz,
tendo como questão fundamental a definição de raio de luz. Utilizar esta representação como
ponto de partida para entender os três princípios da Óptica geométrica e outros fenômenos
ópticos.
Metodologia: Aula expositiva dialógica. Utilização de recursos instrucionais elaborados com
barbante, madeira, cola, papel. Utilização de apostila em braille.
4.1.1 Primeira aula: Raios de luz
Problema: Como representar raios de luz para alunos com deficiência visual?
Em Óptica geométrica – parte da física que estuda os fenômenos luminosos – o
conceito de raio de luz é básico para o entendimento de várias situações. Considere a fresta de
uma janela num cômodo escuro, atravessada por uma luz, ou um farol marítimo emitindo luz
durante a noite. Estes fenômenos sugerem ao observador que o caminho percorrido pela luz
pode ser representado por uma reta orientada denominada raio de luz. (MÁXIMO;
ALVARENGA; 2000). Esta reta orientada é representada para os videntes como uma seta
cuja orientação indica a direção em que o raio de luz está propagando-se, como mostrado na
figura 3.
55
Figura 3 - Representação tradicional de um raio de luz.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Na figura 4 é mostrada a maquete elaborada para representar um raio de luz por meio
de um barbante esticado, preso por dois pregos. Em uma das extremidades do barbante foi
colocada uma miçanga grande, simulando a extremidade de onde partiu o raio de luz. Assim,
a miçanga permite que o aluno deficiente visual saiba em qual direção a luz está se
propagando. Para dar orientação ao raio de luz, utilizam-se miçangas de tamanhos diferentes
presos nas extremidades do barbante. Define-se com eles o sentido que a luz propaga, ou seja,
de onde ela parte e aonde ela chega. Análogo a uma seta desenhada que foi utilizada para
mostrar a um aluno vidente, de onde parte e para onde segue o raio de luz.
Figura 4- Maquete representando um raio de luz.
Fonte: Fotos do autor.
O uso de barbante é adequado para mostrar ao aluno deficiente visual que a luz
propaga-se de forma retilínea e possui orientação. Desta forma, os alunos cegos podem
visualizar por meio do tato a representação de um raio de luz.
Na foto à esquerda da figura 5 é mostrado um aluno usando um material feito de
barbante, pregos e miçangas em uma tábua, e à direita é mostrada uma foto da luz de um laser
propagando em linha reta em um meio homogêneo.
Figura 5– Representação do raio de luz pela maquete e raio de luz real.
Fonte: Fotos do autor.
56
4.1.2 Segunda aula: Feixe luminoso
Feixe luminoso é um conjunto de raios luminosos, podendo ser de três tipos: paralelos,
convergentes e divergentes. Para representá-los em um painel de madeira utilizam-se pregos,
barbante e miçangas. É importante sempre descrever, detalhar e explicar para o aluno que as
maquetes são representações que auxiliam na visualização do modelo utilizado para o
fenômeno, e a partir dessas representações o professor pode explicar os conceitos.
Explorando mais esta atividade, foram disponibilizados vários barbantes presos à
tábua de forma que os estudantes pudessem representar os feixes de luz: paralelos,
convergentes e divergentes. A partir do mesmo procedimento, os alunos foram orientados a
tocar os “feixes”, descrevendo e explicando os conceitos de feixes paralelos, divergentes e
convergentes. Todos estes conceitos são fundamentais para se entender os fenômenos da
Óptica geométrica, principalmente a formação de imagem em espelhos planos.
Figura 6 – Representação de um feixe paralelo pela maquete.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Em um feixe paralelo, os raios são retas paralelas, como mostrado na figura 6.
Observe que o barbante reproduz a representação tradicionalmente feita dos feixes paralelos,
com setas paralelas apontando na mesma direção e sentido. O aluno poderá perceber com as
mãos a propriedade em questão. O professor deve explicar detalhadamente que os raios de luz
podem ter esta propriedade, ou seja, ser paralelos e citar como exemplo a luz do laser, a luz de
um farol de carro ou a luz do Sol que chega à Terra.
Em um feixe convergente, os raios convergem para um mesmo ponto, como mostrado
na figura 7.
57
Figura 7 – Representação de um feixe convergente pela maquete.
Fonte: Elaborado pelo autor.
O aluno ao tatear a maquete perceberá que os barbantes (representação do raio de luz)
estão chegando a um ponto vindo de direções diferentes. O ponto de chegada é representado
por um prego na madeira. A ideia é mostrar que raios de luz, assim como os barbantes,
convergem para um ponto e estes raios são denominados feixe convergente. O professor pode
citar como exemplo prático, os raios de luz ao atravessar uma lente convergente.
Em um feixe divergente, os raios divergem de um mesmo ponto, como mostrado na
figura 8. O feixe divergente é representado por uma maquete em que os barbantes partem de
um ponto central. Ao tatear a maquete, o aluno percebe que os barbantes vão se afastando um
do outro à medida que se afastam do ponto central, marcado por uma miçanga pregada no
centro. Este ponto central será a representação de uma fonte pontual. O professor pode citar o
exemplo da propagação da luz de uma vela acesa.
Figura 8– Representação de um feixe divergente pela maquete.
Fonte: Elaborado pelo autor.
4.1.3 Terceira aula: Princípios da Óptica geométrica
Para abordar o princípio de propagação retilínea da luz os alunos com deficiência
visual exploram a tábua com as mãos, enquanto o professor descreve e orienta o aluno quanto
58
aos fenômenos. O aluno ao tocar o barbante com as mãos verifica a propagação retilínea e a
orientação do raio de luz através de miçangas diferentes presas nas extremidades do barbante.
Propagação retilínea da luz: De acordo com o primeiro princípio da Óptica geométrica em
meios transparentes e homogêneos, a luz se propaga em linha reta. Observação: A luz se
propaga no vácuo.
Figura 9 – Representação da propagação retilínea da luz pela maquete.
Fonte: Fotos do autor.
Na figura 9 tem-se um aluno tateando a maquete que representa um raio de luz,
evidenciando a propriedade retilínea da luz. Nesta etapa utiliza-se um barbante para
representar concretamente, através do tato, o raio de luz. Colando este barbante em uma folha
de papel ou prendendo-o esticado com pregos em uma tábua, o aluno ao tocá-los e apalpá-los,
explorando o material, passa a representá-lo posteriormente sob a forma de um conceito
científico adquirido com o auxílio do professor.
O princípio da independência dos raios de luz pode ser explicado cruzando os
barbantes esticados na tábua. Neste momento é importante o professor explicar que os raios
de luz, assim como os barbantes, se cruzam e seguem suas trajetórias de forma independente.
Independência dos raios luminosos: De acordo com o segundo princípio da Óptica
geométrica se dois ou mais raios de luz, vindos de fontes diferentes, se cruzam, e seguem
suas trajetórias de forma independente como se os outros não existissem. (MÁXIMO;
ALVARENGA, 2000)
A figura 10 mostra à esquerda feixes de luz coloridos se cruzando e cada um seguindo
sua trajetória independente um do outro. Na mesma figura, à direita, é mostrada a
59
representação de dois feixes se cruzando e cada um seguindo a sua trajetória
independentemente.
Figura 10 – Independência dos raios luminosos e sua representaçãopela maquete.
Fonte: (esquerda) (ALUNOS ONLINE, 2012) e (direita) fotos do autor.
Figura 11– Aluno manuseando a maquete que representa a independência dos raios luminosos.
Fonte: Fotos do autor.
As fotos da figura 11 mostram o aluno tateando e identificando o princípio da
independência dos raios de luz seguindo a sequência: início da propagação, ponto de
interseção e depois de se cruzarem.
O princípio da reversibilidade da luz pode ser mostrado utilizando um barbante e três
pregos, cada prego representa um ponto onde o raio passará como mostra a figura 12.
Reversibilidade dos raios de luz: O terceiro princípio da Óptica geométrica diz que se um
raio luminoso se propaga em uma direção e em sentido arbitrário, outro raio poderá
propagar-se na mesma direção em sentido contrário. (MÁXIMO; ALVARENGA, 2000)
O barbante representa o trajeto de um raio de luz. Dessa maneira, se o raio de luz parte do
ponto A (representado pelo prego de uma das extremidades), passa pelo ponto B (prego do
meio) e chega ao ponto C (prego da outra extremidade), então, pelo princípio da
60
reversibilidade, tem-se que se o raio de luz partir do ponto C, e passar por B, ele chegará ao
ponto A.
Figura 12 – Representação da reversibilidade dos raios luminosos.
Fonte: Foto do autor.
O professor ao explicar este fenômeno deve conduzir o aluno pela mão seguindo a direção do
barbante e descrevendo o fenômeno. O objetivo é que o aluno perceba que o caminho que a
luz faz quando sai de um ponto A ou C passando por B é o mesmo.
Figura 13 – Representação da reversibilidade dos raios luminosos.
Fonte: www.idelfranio.blogspot.com
4.1.4 Quarta aula: Fontes de luz
Nesta aula é muito importante relatar as características de uma fonte, se ela é primária
ou secundária, extensa ou pontual. Estes conceitos são fundamentais para entender o que é
sombra e penumbra.
Fonte de luz é todo corpo que tem a capacidade de emitir luz, todo corpo visível.
Alguns corpos emitem luz própria e por isso são denominados de fonte de luz primária, como
o Sol, lâmpadas elétricas, vela acesa. As fontes secundárias são corpos iluminados por fontes
61
primárias, ou seja, que não possuem luz própria. As fontes secundárias constituem a classe de
todos os objetos que, por reflexão, retransmitem a luz que recebem. Exemplos de fontes
secundárias são os planetas e satélites do sistema solar, e de um modo geral todos os objetos
que enxergamos que não emitem luz própria.
As fontes de luz podem ser classificadas como puntiforme ou extensa. Uma fonte é
considerada puntiforme quando suas dimensões são desprezíveis em relação à distância em
que são observadas. As estrelas observadas da Terra são consideradas fontes puntiformes de
luz. Na figura 14 é mostrada a foto de uma vela como exemplo de uma fonte puntiforme e a
sua representação na maquete. A miçanga representa a fonte de luz de onde partem os raios.
Figura 14 - Representação de uma fonte puntiforme.
Foto ilustrando a luz proveniente de uma vela (esquerda) e sua representação na maquete utilizando
barbantes e prego (direita). Fonte: Fotos do autor.
Uma fonte emissora de luz é denominada fonte extensa quando suas dimensões não
podem ser desprezadas em relação à distância em que são observadas.
Figura 15 – Representação de uma fonte extensa
.
Foto ilustrando a luz proveniente de uma lâmpada fluorescente (esquerda) e sua representação na
maquete utilizando barbantes e prego (direita). Fonte: Fotos do autor .
A figura 15 mostra uma lâmpada fluorescente, que se for observada no teto da sala
pode ser tratada como uma fonte extensa de luz, e a sua representação na maquete feita com
62
com linhas e miçangas. Cada miçanga representa uma fonte puntual e o somatório delas
formam a fonte extensa. Observe que de cada miçanga saem raios em todas as direções.
A figura 16 mostra de forma esquemática como se ocorre a formação de sombra e
penumbra. Quando a luz proveniente de uma fonte de luz extensa incide sobre um obstáculo é
formada no anteparo uma região de sombra e penumbra, conforme mostrado nas situações à
esquerda e no meio da figura 16.
Figura 16 – Esquema mostrando a formação de sombra e penumbra.
Fonte: Foto retirada de (GONÇALVES FILHO; TOSCANO, 2011)
Quando a fonte é puntiforme haverá somente a região de sombra, como mostrado no
quadro direito da figura 16. Na figura 17 são mostradas as maquetes elaboradas para
representar a formação de sombra e penumbra.
Figura 17 – Representação de sombra e penumbra na maquete.
Fonte: Fotos do autor.
63
Ao tatear as duas maquetes (figura 17), com a orientação do professor, o aluno
perceberá que sombra é a região em que não chega nenhum raio de luz (no caso nenhum
barbante) e penumbra é a região em que chegam alguns raios de luz (alguns barbantes).
4.1.5 Quinta aula: Meios ópticos
Deixar a luz passar, devolvê-la ou absorvê-la, são efeitos resultantes da interação entre
matéria e luz. Em algumas situações, um desses efeitos pode ser predominante sobre os
demais. Assim sendo, os meios ópticos são classificados como: transparentes, translúcidos e
opacos.
Os meios transparentes permitem a passagem da luz e uma visualização nítida dos
objetos. A figura 18 mostra um raio de luz vermelho (laser) atravessando um copo com água
(meio transparente), e sua representação na maquete. Os barbantes atravessam o filete de
madeira colocado como obstáculo para os raios de luz. O objetivo da representação é mostrar
que a luz ao atravessar um meio transparente descreve trajetórias regulares e bem definidas.
São exemplo de meios transparentes o ar, a água, vidro e os cristais perfeitamente polidos.
Neste ponto é importante esclarecer ao aluno que um bloco de madeira é opaco, e que a sua
utilização na maquete é representar um bloco de vidro, por exemplo.
Figura 18: Representação de um meio transparente na maquete.
Fonte: Fotos do autor.
Meios translúcidos são aqueles que permitem a passagem de uma parte da luz
incidente, e por essa razão não há uma visualização nítida do meio. Isto é, são meios pelos
quais os feixes de luz descrevem trajetórias irregulares com intensa difusão, assim, a luz se
espalha sobre o meio no qual está se propagando. Nesses meios a luz consegue passar, porém
seus feixes sofrem desvios na orientação por causa da constituição do material sobre o qual a
luz está incidindo.
64
A foto à esquerda da figura 19 mostra um raio laser atravessando um vidro fosco,
observe que ele é espalhado, ou seja, a luz atravessa o meio, mas não permite uma
visualização nítida deste. Na foto à direita da figura 19 tem-se uma maquete que representa
um feixe paralelo que sofre desvios ao atravessar um meio opaco, representado pelo filete de
madeira. Exemplos de meios translúcidos são vidro fosco e papel vegetal.
Figura 19: Representação de um meio translúcido na maquete.
Fonte: Fotos do autor.
Os meios opacos não permitem a passagem da luz. A luz, após incidir sobre os meios
opacos, é parcialmente absorvida e parcialmente refletida. A parte que é parcialmente
absorvida é transformada em energia, como a energia térmica.
Figura 20: Representação de um meio opaco na maquete.
Fonte: Fotos do autor.
Na figura 20 são mostradas fotos de um objeto opaco iluminado pela luz de uma vela,
e sua representação na maquete. Nesse tipo de meio a luz não se propaga, assim, os barbantes
não atravessam o filete de madeira. Exemplos de meios opacos são parede de concreto,
madeira, folhas das plantas e os objetos de cor escura, incluindo o preto, que apresentam a
característica de absorverem, pelo menos, parte da luz neles incidentes.
4.1.6 Sexta aula: Eclipse solar
65
Uma região no eclipse solar fica totalmente escura, porque nenhuma luz solar atinge-a.
Esta região é denominada de sombra. Entretanto, uma região de eclipse parcial é atingida por
uma fração da luz solar. Nesta região, o observador poderá ver parte do Sol, razão pela qual
essa
região
é
denominada penumbra.
No esquema da figura
21 são mostradas estas
regiões.
Os
fenômenos
eclipses
solar
que
e
lunar
são
evidenciam o princípio
da propagação retilínea
da
evidenciar que o sol é
uma
luz,
fonte
além
de
de
luz
extensa.
Figura 21 – Esquema de um eclipse solar.
Fonte: Foto retirada de (GONÇALVES FILHO; TOSCANO, 2011)
Esta aula permite explicar aos alunos um fenômeno astronômico. A escolha de
trabalhar o eclipse solar partiu de questionamentos feitos pelos alunos durante as aulas. Na
figura 22 é mostrado um aluno tateando a maquete que representa o eclipse solar. O Sol é
representado como uma fonte extensa de luz, em que cada prego da extremidade direita
(formando uma fileira de pregos) representa uma fonte puntiforme de luz, da qual se
propagam os barbantes, iluminando o ambiente. Ao incidir na Lua, meio opaco, os barbantes
não podem propagar mais. Desta maneira, um observador na Terra pode perceber regiões de
sombra ou penumbra. Durante o procedimento, o professor deve descrever detalhadamente o
que é o eclipse e os conceitos físicos relacionados com o fenômeno.
Depois de trabalhar a teoria da Unidade I com os alunos são feitos exercícios. Alguns
exercícios foram transcritos em Braille, enquanto outros foram ditados pelo professor e feitos
em conjunto.
66
Figura 22 – Representação do eclipse solar na maquete.
Fontes: Fotos do autor.
4.2
Unidade II: Reflexão da luz
Ementa: Reflexão da luz, tipos de reflexão, leis da reflexão.
Objetivo geral: Permitir que o aluno com deficiência visual possa conhecer, identificar e
compreender o conceito de reflexão da luz, raio incidente, raio refletido, normal, reflexão
especular e difusa.
Objetivos específicos: Estabelecer com o aluno deficiente visual uma representação da
reflexão da luz, tendo como questão fundamental as leis da reflexão e os tipos de reflexão.
Utilizar esta representação como ponto de partida para entender a formação de imagens em
espelhos planos.
Metodologia: Aula expositiva dialógica. Utilização de recursos instrucionais elaborados com
barbante, madeira, cola, papel. Utilização de apostila em braille.
A reflexão da luz é o fenômeno no qual um raio luminoso, após incidir sobre uma
superfície polida, retorna ao meio de origem. A reflexão pode ser difusa ou especular.
4.2.1 Primeira aula: Tipos de reflexão
A reflexão difusa ocorre quando um feixe de raios paralelos incide sobre uma
superfície irregular, espalhando o feixe em todas as direções, não permitindo formação de
imagens. É a reflexão difusa que permite que os objetos que não possuem luz própria sejam
vistos. Na figura 23 é mostrada a representação da reflexão difusa utilizando barbante, pregos
e papel picotado, juntamente com o esquema que serviu de modelo.
67
Figura 23 – Representação da reflexão difusa na maquete.
Fonte: desenho e foto do autor.
A reflexão especular ocorre quando um feixe de raios paralelos incide sobre uma
superfície polida, assim o feixe refletido não se espalha, propiciando a formação de imagens.
Na maquete é feita uma representação por meio de pregos, barbante e papel, do esquema da
reflexão especular mostrado na figura 24.
Figura 24 – Representação da reflexão especular na maquete.
Fonte: Desenho e foto do autor.
4.2.2 Segunda aula: Leis da reflexão
A reflexão de um raio luminoso que incide uma superfície obedece a duas leis. A
primeira lei diz que os raios incidentes, os raios refletidos e a reta normal à superfície de
reflexão são coplanares. De acordo com a segunda lei o ângulo de reflexão é igual ao ângulo
de incidência, i = r.
Figura 25 – Representação das leis da reflexão na maquete.
68
Fonte: Elaborado pelo autor.
Na figura 25 é mostrado um artefato de madeira, em que cada ripa larga representa os
feixes de luz incidente e refletido, e a ripa mais fina representa a normal. Na sequência da
figura 25 é mostrado um aluno manuseando a maquete e um esquema geralmente utilizado
nos livros didáticos para representar a reflexão para alunos videntes. O objetivo é o aluno
perceber a relação entre os ângulos de incidência, de reflexão e a normal.
4.3
Unidade III: Formação de imagem em espelho plano
Ementa: Formação de imagem em espelhos planos.
Objetivo geral: Permitir que o aluno com deficiência visual possa conhecer, identificar e
compreender como ocorre a formação de imagens em espelhos planos.
Objetivos específicos: Estabelecer com o aluno deficiente visual uma representação da
formação de imagens de objetos puntiformes e extensos em espelhos planos, tendo como
questão fundamental as leis da reflexão.
Metodologia: Aula expositiva dialógica. Utilização de recursos instrucionais elaborados com
barbante, madeira, cola e papel. Utilização de apostila em braille.
4.3.1 Primeira aula: Imagem de um ponto em um espelho plano
Um espelho plano é uma superfície lisa e plana. Os raios de luz que incidem sobre esta
superfície sofrem uma reflexão especular. Se um objeto puntiforme é colocado próximo a um
espelho plano, os raios de luz emitidos pelo objeto são refletidos pelo espelho, e o
prolongamento destes raios converge para um ponto, formando a imagem do objeto. Um
espelho plano produz sempre uma imagem virtual direta e de dimensões iguais às do objeto.
A distância do objeto ao espelho é igual à distância da imagem ao espelho.
69
Figura 26 – Esquema da imagem formada por um espelho plano e a representação feita na maquete.
Fonte: Apostila de física da
Associação pré UFMG- modulo 2 e
foto do autor.
No
diagrama
da
figura 26 um raio de luz sai do
objeto O e incide no espelho
plano, sofre uma reflexão
especular, atingindo os olhos do observador. O prolongamento do raio refletido encontra-se
com o raio que incide perpendicularmente ao espelho. Neste ponto de encontro forma-se uma
imagem I virtual do objeto. O observador tem a impressão que os raios luminosos divergem
do ponto I. Ou seja, o espelho plano dá a impressão de que existe outro objeto semelhante,
colocado atrás do espelho. No diagrama pode-se observar a simetria na distância do objeto O
e da imagem I à superfície do espelho.
Figura 27 – Foto da imagem da mão direita formada por um espelho plano.
Fonte: Foto do autor.
Na figura 27 é mostrada a foto de uma mão e de sua imagem em um espelho plano.
Observe que a imagem da mão direita muda a lateralidade, dando a impressão de que existe
uma mão esquerda dentro do espelho.
4.3.2 Segunda aula: Imagem de um corpo extenso em um espelho plano
70
Para determinar a imagem de um objeto extenso em um espelho plano, deve-se
determinar a imagem de cada ponto do objeto. A figura 28 é um diagrama explicativo
mostrando como os raios de luz de um objeto extenso são refletidos por um espelho plano e
formam a imagem do objeto, dando a impressão de que o objeto está atrás do espelho.
Observe que a altura do objeto (H0) é igual à altura da imagem (HI).
Figura 28 – Diagrama da imagem de um corpo extenso por um espelho plano.
B
HO
B'
lápis
A
imagem H
i
do lápis
espelho visto
por cima
A'
Fonte: Apostila de física da Associação pré-UFMG: módulo 2.
A figura 29 é uma maquete feita na madeira que representa um espelho plano e a
imagem de um objeto extenso, reproduzindo o modelo do diagrama mostrado. Os barbantes
representam dois raios de luz saindo do objeto situado à direita e refletindo no espelho, um
raio incide perpendicularmente sobre o espelho e volta sobre ele mesmo, enquanto que o outro
raio incide em um ângulo i com a normal e é refletido no mesmo ângulo com a normal. O
prolongamento destes dois raios luminosos é feito por barbantes que “atravessam” o espelho e
se encontram atrás deste. O ponto de encontro destes raios define a imagem do objeto. Esse
procedimento é feito com a extremidade inferior e superior do objeto.
Figura 29 – Representação da imagem de um corpo extenso em um espelho plano.
Fonte: Elaborado pelo autor.
71
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foi desenvolvido um Curso de Óptica geométrica adaptado para alunos
com deficiência visual. O Curso é composto por um conjunto de atividades para introduzir
conceitos e fenômenos relacionados às propriedades da luz.
O desenvolvimento deste trabalho teve como fator motivador gerar um ponto de
partida para outros professores que, ao deparar com um aluno com deficiência visual ao entrar
em uma sala de aula, saiba por onde direcionar a sua prática docente.
Esse trabalho encontra suas raízes na experiência pedagógica na associação Pré
UFMG, que desde seu início trouxe as seguintes indagações: É possível ensinar física a
estudantes cegos? É possível ensinar Óptica a estudantes cegos? Como? Foi a partir do sim às
duas primeiras indagações que a terceira indagação tornou-se o problema central dessa
pesquisa, levando-nos à construção de um produto, que foi elaborado e testado junto a
estudantes cegos.
A experiência de ensinar física a alunos deficientes visuais mostrou a importância, no
caso dos professores, da individualidade do aluno. Assim, foi essencial adotar metodologias
diferenciadas que contribuam para a apreensão do quadro de relações que envolveram os
sujeitos dessa pesquisa. Essas informações direcionaram a elaboração de estratégias voltadas
para o aprendizado efetivo de física por alunos deficientes visuais.
Neste contexto, as atividades tiveram como apoio três componentes práticos:
Construção de materiais concretos; Desenvolvimento de uma linguagem baseada em
representações; Participação e avaliação das aulas por estudantes cegos.
Antes de iniciar o Curso, os alunos foram entrevistados, de acordo com a metodologia
de história oral de vida e temática, buscando identificar informações sobre sua deficiência
visual, vivência escolar e conceitos prévios de Óptica geométrica. A utilização dessa
metodologia foi crucial e a que mais se adequa às interações com estudantes com deficiência
visual.
A construção de instrumentos e a utilização de uma linguagem adequada foram
elaboradas a partir da vivência da prática pedagógica com estes alunos. Assim, foi
desenvolvida ao longo do curso uma metodologia própria para ensinar Óptica geométrica.
72
O uso de barbantes e construtos que permitiram fazer as representações para explicar o
processo de visão levou a discussões ricas, permitindo ao professor discutir e debater de
forma sistemática os diversos níveis de deficiência visual, possibilitando também ao professor
a desconstruir o senso comum que liga o cego a uma incapacidade.
Este procedimento mostra que o uso de uma linguagem tátil sensitiva pode ocupar o
lugar de uma linguagem visual. A linguagem tátil faz uso de uma prótese para a compreensão
de uma linguagem conceitual.
Embora, o uso de maquetes tenha se mostrado muito útil para o ensino de Óptica
apresentou algumas limitações. Ela só pode ser usada por um aluno deficiente visual de uma
vez, então se o professor tiver mais de um aluno, como no nosso caso, ele terá de explicar
para cada um individualmente. Isto toma tempo. Desta forma a limitação é somente inicial e
necessária. Outra informação importante é quanto o uso de madeira. O professor deve tomar o
cuidado e lixar toda a madeira para não deixar ferpas. Para evitar as ferpas é necessário que
toda a madeira esteja bem lixada.
O processo de avaliação foi realizado em duas etapas, a primeira consistiu de uma
entrevista aos alunos participantes sobre a opinião deles em relação à metodologia do curso,
além de uma pré-sondagem de conceitos assimilados; na segunda etapa um teste de
conhecimentos foi respondido pelos alunos. A análise dos dados indica que os alunos
avaliaram o Curso e o material desenvolvido positivamente. Em relação à assimilação de
conceitos, apenas um aluno, com um histórico de estudos marcado pelo apoio familiar e
escolar, obteve mais de 90% de acertos no teste. As outras alunas obtiveram 33% de acerto.
Uma comparação dos dados da entrevista inicial com o desempenho final mostra que houve
um ganho conceitual considerável em todos os alunos que participaram dos testes.
É importante resaltar que neste trabalho os alunos não eram estudantes de uma escola
regular, sendo assim não ficaram presos a questões referentes a notas e reprovações. O
objetivo e o fator motivador dos alunos desta pesquisa é serem aprovados em uma boa
universidade. Isto por um lado era bom e por outro era ruim, por que não havia obrigação de
frequência. Isto foi um dos fatores que prejudicou o aprendizado de alguns alunos.
Esperamos que a proposta, apresentada nesse material, possibilite situações de
aprendizagem que permitam ao aluno pensar o seu cotidiano, a partir de diferentes pontos de
vista, desenvolvendo competências necessárias para entender e intervir na sua realidade.
Esperamos também que, a partir deste material, o professor possa desenvolver seu próprio
curso, dando prosseguimento ao conteúdo de Óptica geométrica e outros assuntos.
73
REFERÊNCIAS
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panorama das pesquisas apresentadas nos principais encontros e revistas da área a partir do
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São Paulo: Sociedade Brasileira de Física, 2011.
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BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
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74
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Definindo
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75
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[Adotada pela Conferência Mundial sobre Educação para Necessidades Especiais: Acesso e
Qualidade, realizada em Salamanca, Espanha, em junho de 1994]. Genebra: UNESCO, 1994.
76
APÊNDICE
QUADRO 7- TESTE APLICADO AOS ALUNOS APÓS O TÉRMINO DO CURSO
TESTE
1) Através de uma lâmina de vidro de uma janela, podemos perceber a presença de
luz vinda do exterior sem, entretanto, podermos ver com nitidez através da mesma. O vidro
dessa janela é, com certeza:
a) Transparente
b) Opaco
c) Translúcido
d) Semi-opaco
2) A formação de sombra evidencia que:
a) A luz se propaga em linha reta.
b) A velocidade da luz não é dependente do referencial.
c) A luz sofre refração
d) A luz é necessariamente fenômeno de natureza corpuscular.
e) A temperatura do obstáculo influi na luz que o atravessa.
3) Esta figura representa uma lente de vidro cuja face voltada para o Sol coleta
energia luminosa (luz). Observando-a, classifique os feixes luminosos A, B e C nela
representados.
77
4) Duas fontes de luz emitem feixes que se interceptam. Após o cruzamento dos
feixes:
a) Há reflexão do feixe menos intenso.
b) Há reflexão do feixe mais intenso
c) Há refração do feixe mais intenso
d) Há refração do feixe menos intenso.
e) Os feixes continuam sua propagação como se nada tivesse acontecido.
5) Um observador A, visando o espelho, vê um segundo observador B,. Se B visar o
mesmo espelho, ele verá o observador A. Este fato se explica pelo:
a) Princípio da propagação retilínea da luz.
b) Princípio da independência dos raios de luz.
c) Princípio da reversibilidade dos raios de luz.
d) Absorção da luz na superfície do espelho.
e) Nenhuma das respostas é correta.
6) A difusão da luz é um fenômeno devido à:
a) Passagem da luz de um meio para outro.
b) Passagem da luz por uma fenda estreita.
c) Reflexão da luz em uma superfície muito lisa (especular).
d) Reflexão da luz em uma superfície irregular.
e) Não existe tal fenômeno
7) Se um feixe constituído de raios luminosos paralelos entre si incide sobre uma
superfície opaca e não polida, como mostra a figura, podemos afirmar que:
78
a) Se a superfície for metálica, o feixe refletido é constituído de raios luminosos
paralelos entre si.
b) Sendo a superfície não polida, os raios refletidos não serão paralelos entre si.
c) Sendo a superfície opaca, não ocorrerá reflexão.
d) Sendo a superfície não polida, não haverá feixe refletido.
e) Se a superfície tiver grande poder refletor, os raios luminosos refletidos serão
paralelos entre si.
8) Durante um eclipse solar, um observador:
Sol
Lua
Terra
a) No cone de sombra, vê um eclipse parcial.
b) Na região da penumbra, vê um eclipse total.
c) Na região plenamente iluminada, vê a Lua eclipsada.
d) Na região da sombra própria da Terra, vê somente a Lua.
e) Na região plenamente iluminada, não vê o eclipse solar.
9) A figura abaixo mostra uma situação de eclipse do Sol. Três pessoas olham na
direção do Sol: uma do ponto A, uma do ponto B e uma outra do ponto C.
Os observadores utilizam filtros para não ferir a retina (por exemplo, um
negativo de filme fotográfico queimado).
C
B
Lua
Sol
A
Terra
79
a) Qual das opções abaixo representa o que é observado do ponto A?
(I)
(III)
(II)
(IV)
b) Qual das opções abaixo representa o que é observado do ponto B?
(I)
(II)
(III)
(IV)
c) Qual das opções abaixo representa o que é observado do ponto C?
(I)
(III)
(II)
(IV)
10) Em um dia ensolarado um aluno de 1,70m mede sua sombra encontrando 1,20m.
Se naquele instante a sombra de um poste nas proximidades mede 4,80m, qual é a altura do
poste?
a) 3,40m
b) 4,30m
d) 6,80m
e) 5,30m
c) 7,20m
11) Você está a uma distância de 2,0m de um espelho plano vertical reparando sua
“maquiagem”, quando você observa através do espelho a imagem de um quadro situado na
parede de trás, a 3,0m do espelho. A que distância a imagem se encontra de você?
a) 5,0m
b) 7,0m
d) 4,0m
e) 1,0m
c) 6,0m
12) Quanto a um espelho plano pode dizer-se que ele forma:
a) Sempre imagens virtuais de objetos reais
b) Sempre imagens reais
d) Imagens virtuais invertidas
c) Imagens reais de objetos reais
e) Imagens reais diretas
80
13) Um homem se aproxima de um espelho plano com uma velocidade de 2,0m/s.
Quanto à imagem do homem formada pelo espelho, podemos afirmar.
a) A imagem afasta-se do espelho com uma velocidade de 2,0m/s
b) A imagem permanece imóvel em relação ao espelho
c) A imagem aproxima-se do espelho com uma velocidade de 4,0m/s
d) A velocidade da imagem em relação ao homem (objeto) é 4,0m/s
e) Todas as afirmativas acima são falsas
14) Daniela, uma linda menina de oito anos, ficou completamente desconcertada
quando, ao chegar em frente ao espelho do seu armário, vestindo uma blusa onde havia seu
nome escrito, viu a seguinte imagem do seu nome:
a)
b)
c)
d)
e)
15) Um homem se aproxima de um espelho plano, e depois se afasta. Qual dos
gráficos é o que representa o tamanho real h de sua imagem em função do tempo.
a)
b)
h
t
d)
t
e)
h
t
c)
h
h
t
h
t
Fonte: Elaborado pelo autor.
81
QUADRO 8- GABARITO DO TESTE
Questões
1
Respostas
C
2
3
4
A
5
E
Questão 3
6
C
7
D
8
B
9
E
10
11
12
13
14
15
D
A
A
D
D
C
A- paralelo; B-convergente; C-divergente
Questão 9
A-IV; B-II; C-I
Fonte: Elaborado pelo autor
QUADRO 9- RESULTADO DO TESTE APLICADO AOS ALUNOS APÓS O CURSO
QUESTÕES
1
1
RESPOSTA
CORRETA
Aluna A:
Tassia;
Aluna B:
Milene;
Aluna C:
Simone;
Aluna D:
Vera;
Aluna E:
Luzia;
Aluno F:
Carlito.
2
2
3
4
C
A
A
3
4
5
5
6
6
7
8
9
10
9
1
11
1
12
1
13
1
14
1
1
7
8
15
E
C
D
B
E
D
A
A
D
D
C
A
E
D
A
C
B
B
A
B
C
D
A
A
B
E
C
C
B
E
A
D
B
B
B
C
C
A
E
C
D
B
B
D
A
A
D
D
C
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