1
ROGÉRIO FERNANDES DA SILVA
A PRAÇA DOS EX-COMBATENTES:
MEMÓRIA E ESQUECIMENTO.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
FFP/2003
2
ROGÉRIO FERNANDES DA SILVA
A PRAÇA DOS EX-COMBATENTES:
MEMÓRIA E ESQUECIMENTO.
Monografia
apresentada
como
exigência parcial para obtenção do
título de graduação em Licenciatura
Plena em História, pela Faculdade de
Formação
de
Professores
da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Marcelo de Souza Magalhães.
São Gonçalo/2003
3
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 4
APRESENTAÇÃO .............................................................................................................. 6
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 7
CAPÍTULO I A CONSTRUÇÃO DA FEB. A modernização das Forças Armadas.......... 9
CAPITULO 2 A PRAÇA E OS SEUS DISCURSOS. O civismo militarizado .......... 16
CAPÍTULO 3 OS EX-COMBATENTES EM SÃO GONÇALO. Leis, lutas e projetos .. 27
CAPÍTULO 4 A MEMÓRIA MONUMENTAL. Suas apropriações ................................ 39
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 45
FONTES ............................................................................................................................. 48
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 48
ANEXOS ............................................................................................................................ 52
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois sem ele nada do que eu fiz seria possível, por
isso minha eterna confiança é depositada Nele.
A minha família, minha mãe Maria das Graças Fernandes da Silva e ao meu irmão
Fabio Fernandes da Silva, a este apoio primeiro, mesmo que muita das vezes não
compreendam sua extensão. A minha tia Sônia e sua família pelas recepções em sua casa
quando eu precisava de descanso ou alimentação. Agradeço também aos meus amigos de
faculdade que me incentivaram, em especial ao Bruno, Alexandre, Fátima, Lídia, Daniela,
Rui, Elizângela, Vanessa e muitos outros que passaram por minha vida acadêmica aos quais
não lembro.
Aos meus colegas de turma, por me agüentarem nesses quatro anos de formação
acadêmica, eu sei que não é fácil. A todas as senhoras do grupo de Oração Esperança, que
me ajudaram de todas as maneiras possíveis, em especial a Dona Ana Santos e a Dona
Guiomar.
Agradeço ao presidente da associação dos ex-combatentes de São Gonçalo, o senhor
Silvio Matos, que prontamente me recebeu e me ajudou em minhas indagações e também
aos demais ex-combatentes vivos que a todo custo tentam manter sua memória para a
posteridade. Às Donas Maria Alzira Correa de Mello Gomes e Maria Lúcia Soares dos
Santos Couto, funcionárias da Câmara dos Vereadores, que me auxiliaram no manuseio dos
Anais da Câmara Municipal, sem elas não seria possível uma boa análise da história de São
Gonçalo. Dona Alzira, principalmente, é uma figura recorrente na busca de informações
sobre o município, seja esta busca feita por pesquisadores formados ou graduandos. Não
poderia deixar de mencionar os professores de minha faculdade, que me orientaram e
serviram de modelos para minha produção historiográfica e, principalmente, meu
orientador o professor Marcelo Magalhães, um dos responsáveis pela escolha do tema.
Aos ex-combatentes da secção de São Gonçalo, principalmente a seu Silvio de
Matos, atual presidente. Também ao meu amigo Vanderson, por me deixar ficar horas e
horas escrevendo em seu computador, ao meu primo Carlos Alberto pela mesma graça.
5
6
APRESENTAÇÃO
O objetivo do deste trabalho monográfico é fazer um estudo sobre a história local da
cidade de São Gonçalo em um determinado no período que vai de 1968 até 1996, época da
tentativa de criação do museu do ex-combatente.
Meu objeto de estudo foi motivado pela minha familiaridade com este, pois usufrui,
durante muitos anos do logradouro público que pesquisei: a Praça do ex-combatente. Logo
no início de minha pesquisa eu tinha algumas concepções que se demonstraram erradas. Eu
achava que a criação da praça dos ex-combatentes foi motivada pelos grupos políticos
locais da cidade que estavam mais interessados em demonstrar sua aliança política com o
regime militar do que preservar uma simples lembrança comemorativa. Com as análises das
fontes escritas e as entrevistas, eu vi que estava errado, pois as motivações foram bem
diferentes do que se pensava. A praça e a sua associação nasceram do interesse de alguns
indivíduos que queriam preservar uma memória e passá-la para a coletividade. As relações
de amizade possibilitaram as lutas para a construção do memorial gonçalense.
7
INTRODUÇÃO
Meu estudo tem como objeto de análise a praça e sua associação, ambas dedicadas
aos ex-combatentes da 2º Guerra Mundial, a praça possui uma seção da associação dos excombatentes do Brasil, que fica ao seu lado.
Considero os dois objetos, a praça e a associação, como monumentos unidos num
mesmo fim, para a preservação de uma memória, e como documentos de uma história
particular da cidade. Estes dois monumentos seriam frutos das lutas dessa preservação
memorial específica.
A praça e a associação estão localizadas na rua Francisco Portela, tendo ao fundo a
rua Jaime Figueiredo, no bairro do Patronato, município de São Gonçalo, RJ.
A sua localização é muito importante pois demonstra que tipo de associações e
grupos tentou atingir e o trabalho de pesquisa tentará demonstrar quais foram.
A praça
está de frente a uma via principal de acesso à cidade, ao lado de uma linha férrea, uma
escola estadual (Walter Orlandini) e a Faculdade de Formação de Professores (UERJ-São
Gonçalo), sua influência está presente atingindo determinados grupos específicos da
sociedade gonçalense. Dificilmente paramos para refletir sobre o valor simbólico do que
nos cerca e a praça em questão precisa ser compreendida.
Investiguei a idéia da construção do monumento aos pracinhas, procurando
compreender quais foram às razões e as alianças formadas para o estabelecimento do
monumento e como essas lutas políticas aconteceram. A análise dos monumentos
mostraram que estes são frutos das lutas de um grupo na tentativa de preservação de sua
memória.Para que tal fato fosse possível, os interesses locais (municipal e estadual) se
envolveram num projeto. Certamente este projeto seria a forma visível de sua aliança com o
governo Federal da época. Os grupos políticos da localidade também estavam interessados
8
em sua construção, pois esta permitiria uma urbanização do local com objetivos históricos.
Os laços de amizades políticas permitiram o andamento do projeto.
O recorte cronológico começa pouco antes da fundação da praça e da associação de
São Gonçalo, num período que corresponde a 1968 e vai até 1996, época da criação da
nova sede e do museu.
Analiso o poder simbólico desse monumento, em específico, para tentar demonstrar
que foi utilizado nele a concepção de que existe espírito de sacrifício cívico de nossas
forças armadas, e com isso foi utilizado para legitimar assim nas consciências dos pessoas a
certeza de a Pátria estava sendo bem governada. A força de seu significado tem um
objetivo a cumprir mas isso não quer dizer que todos tiveram o mesmo sentido dele, os
usuários do local, poderão encontrar vários sentidos.
Um é de um grupo que pretende preservar sua memória, outro sentido é o da
vigilância, este objetivo será atingido pelo olhar que se reafirmar com contato diário, pois o
monumento está bem localizado estrategicamente. E, por último, o monumento passa a ser
uma narrativa histórica para São Gonçalo.
A proposta secundária desse trabalho de pesquisa é demonstrar como esse
monumento serviu, simbolicamente, para que o poder estabelecido demonstrasse sua
presença vigiando o quotidiano das pessoas. Outro aspecto da monografia é de questionar
se o significado inicial foi preservado e como atualmente as pessoas se apropriam do
monumento. A praça e a associação dos ex-combatentes são locais de encontro da
população, onde há eventos cívicos, recreativos e religiosos.
Procuro demonstrar através do estudo desse monumento que há diversas
possibilidades de análise para a história local de minha cidade.
9
CAPÍTULO I - A CONSTRUÇÃO DA FEB
A modernização das Forças Armadas
A criação da FEB
Para começarmos a análise é preciso então conhecer um pouco da história que
motivou a criação da FEB, porem não é este meu objetivo principal por isso no me
aprofundarei em por menores.
No início da Segunda Guerra o Brasil possuía uma população com cerca de quarenta
milhões de habitantes. O regime republicano brasileiro era instável e não trouxe o progresso
que prometera. A infra-estrutura do país era deficitária não atendia toda a população. O seu
sistema de educação não funcionava, por isso níveis alarmantes de analfabetismos. O Brasil
era um país essencialmente agrícola, monocultor e totalmente dependente das taxas
internacionais do café 1 . O país era extremamente atrasado em todas as áreas e necessitava
de apoio externo para se desenvolver e o parceiro que se demonstrou mais próximo foi os
Estado Unidos. O Brasil, no início da 2ª Guerra, adotar uma posição de neutralidade, pois
comercializava tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha. As duas potências
compravam grandes quantidades de produtos agrícolas, especialmente o café.
Porém, desde o início do século XX os EUA haviam ampliado sua influência
econômica, política e cultural sobre a América Latina. A ajuda em termos de material
bélico e, também, financeira americana influenciou na nossa participação na 2ª Guerra
Mundial. Proposta na Conferência Pan-Americana de 1933, em Montevidéu, a Política de
Boa vizinhança só foi adotada oficialmente na Conferência de Cuba, em 1940, no momento
1
WAACK, Alexandre Paulo Auler. Entre a Glória e a infânia: novas perspectivas para a Força
Expedicionária Brasileira. 2002. 128 f. Monografia (graduação de Licenciatura em História) – Faculdade de
Formação de Professores, UERJ, São Gonçalo, 2002. p 114.
10
que os americanos necessitavam expandir mercados na América Latina para seus produtos
industrializados. Tentaram assim esquecer, ou deixar de lado, a política do Big Stick, mas
isso não durou muito tempo, pois o velho porrete voltaria nos anos de Guerra Fria. Nos
anos de 1930, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt foi o porta-voz das novas
relações pretendidas. Os americanos também desejavam diminuir a influência do Eixo na
América Latina, visto que muitos países simpatizavam com a Alemanha. Franklin
Roosevelt visitou cinco vezes a América Latina, sendo que duas vezes o Brasil,
aumentando as relações culturais. Em 1943, o nosso país declarou guerra ao Eixo.
A entrada efetiva do Brasil no conflito foi provocado pelo massacre promovido
pelos submarinos nazistas. Até julho de 1942 o país já havia perdido, 13 navios que faziam
comércio com os Aliados, afundados por submarinos alemães. Contudo, no mês de agosto,
um fato provocou comoção nacional, o afundamento de cinco navios e um veleiro, obra de
um único submarino, o U-507, quando houve muitas vítimas fatais. As rádios e os jornais
noticiaram exaustivamente, com os relatos emocionados das famílias das vítimas e dos
sobreviventes. A população exigiu a participação do país no conflito, foi a justificativa que
o Estado precisava. Em 31 de agosto, o presidente Getúlio Vargas baixo um decreto
declarando estado de guerra em todo território nacional.
A fragilidade e a falta de estrutura das Forças Armadas brasileiras eram evidentes.
Os militares estavam mal-preparados psicologicamente e operacionalmente e tiveram que
receber treinamento, armamento, munição, fardamento e alimentação, dos norteamericano 2 .
As Forças Armadas que voltaram da 2ª Guerra pouco tinham a ver com as de antes
de 1939, devido às transformações que ocorreram nas instituições militares, contagiadas
pelo militarismo norte-americano mais profissional e democrático 3 . Em acordo com o
comando militar norte-americano, decidi-se que o Brasil enviaria, em 1944, um contigente
de 25 mil homens, que ficou conhecido como FEB (FORÇA EXPEDICIONÁRIA
BRASILEIRA).
Foram as únicas tropas latino-americanas que lutaram no conflito
4
mundial . Dando apoio às forças de terra, seguiram 400 pilotos treinados pelos americanos.
2
SOARES, Leonércio. Verdades e Vergonha da Força Expedicionária Brasileira. Curitiba, Edição do Autor.,
1985. p 77.
3
BETHEL, Leslie e ROXBOROUGH, Ian (org).A América Latina entre a Segunda Guerra e a Guerra Fria.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p 86.
4
Ibid. p 88.
11
As Forças Armadas brasileiras não possuíam a estrutura necessária para combater o Reich,
sendo preciso fazer uma aliança de quase dependência total com os Estados Unidos,
visando à modernização da aparelhagem militar brasileira 5 .
As Forças Armadas brasileiras aprenderam a admirar os norte-americanos,
aproximaram-se ainda mais deles, mantendo vínculos políticos e ideológicos que
continuaram no pós-guerra.
A partir do final da 2ª da Segunda Guerra Mundial, verificamos que o regresso da
FEB influenciou na abertura política. A FEB havia passado por transformações de cunho
democrático, em que a rigidez foi colocada de lado (modelo disciplinar do exercito
francês) 6 . Este foi um dos motivos que levaram Getúlio Vargas a extinguir a FEB e
espalhar seus membros por todo o país. As tropas foram desmanteladas pelo medo de que
elas se voltassem contra o próprio Vargas.
As Forças Armadas brasileiras foram muito modificadas, mudanças que foram tão
radicais que podemos pensar num exército antes outro depois da FEB. Tanto sua estrutura
horizontal (modelo organizacional), como sua estrutura vertical (a mentalidade dos
militares) foram remodeladas. Mas as “novas” Forças Armadas foram apenas um dos
elementos que ajudaram no fim do Estado Novo.
A participação dos ex-pracinhas no golpe de 64
Vários militares que lutaram nos campos da Itália deram o seu apoio ao Golpe de
64. Castelo Branco, o primeiro presidente do governo militar, foi um ex-expedicionário,
servindo como tenente-coronel na campanha da Itália 7 . Muitos dos reservistas brasileiros
que combateram na Itália deram apoio a ditadura. A Ditadura que era de interesse do
governo dos EUA, entendida como meio de manter sua influência sobre a América do Sul.
O Brasil tornou-se aliado natural dos EUA na região, conforme se consolidavam os
interesses imperialistas norte-americanos na América Latina.
5
BONALUME NETO, Ricardo. A nossa Segunda Guerra: Os brasileiros em combate, 1942-1945. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. pag 14.
6
Ibid. p 217.
7
Ibid. p 218.
12
Os militares que voltaram da Guerra tinham, a partir daí, uma forte influência
ideológica e política norte-americana. Isto se deve a profissionalização do exército em
moldes norte-americanos. Os ex-combatentes tornaram-se admiradores da civilização e
desenvolvimento dos Estados Unidos. Os militares governistas estavam interessados no
uso político que a campanha da FEB podia proporcionar. Esta foi utilizada para
engrandecer a glória militar vista como o seu mais extremado sacrifício, o de morrer pela
pátria. Um sacrifício que cabia somente aos militares.
A construção da Praça do Ex-Combatente foi uma das formas de expressão política
a aliança com o poder municipal, sua construção só foi possível graças ao dinheiro público.
Os ex-combatentes aproveitaram dessa aliança para poderem preservar sua memória, além
disso, os grupos políticos locais tentaram demonstrar a aliança com o governo federal, que
era governado por militares. A construção do monumento beneficiou mutuamente os
diversos grupos envolvidos, mas principalmente os ex-pracinhas, que desde a volta da
Itália estavam em condições de abandono, muitos deles tendo sido relegados à indigência.
Sua luta por reconhecimento foi, portanto, por muitas vezes inglória. Logo que chegaram
ao país, seus pertences foram violados e roubados no Cais do Porto do Rio de Janeiro 8 . Isto
poderia ser considerado como um anúncio dos tempos que viriam, em que os combatentes
não obtiveram o devido reconhecimento pelo seu sacrifício em campos de batalha no
exterior. Muitos dos ex-pracinhas morreram na sarjeta ou em hospitais psiquiátricos do
país 9 .
Quando do retorno, ocorreram diversas comemorações. Muitos dos monumentos
aos pracinhas foram logo construídos 10 . O sentimento Nacional se intensificou ainda mais
com o retorno da FEB. A vitória na Itália fez crescer uma tendência presente na opinião
pública em relação ao ideal nacionalista, tema que desenvolvi no próximo capítulo. Esse
nacionalismo cresceu muito e entrou na pauta das lutas que vieram após. Lutas que
defendiam interesses patrióticos, como as nacionalistas da década de 1950, que foram
primordiais para a Campanha de Nacionalização do Petróleo 11 . O discurso nacionalista se
preserva até hoje nas falas dos ex-combatentes, visto que nas entrevistas atuais esse
8
WAACK, Alexandre Paulo Auler. Entre a Glória e a infâmia... op.cit. p 108.
Ibid.p 110.
10
Cerca de 50% dos monumentos aos ex-combatentes foram inaugurados logo em 1945 e os demais nas duas
décadas seguintes.
11
WAACK, Alexandre Paulo Auler. Entre a Glória e a infâmia... op.cit. p 111.
9
13
sentimento se demonstra ainda muito vivo. O sentimento pela Pátria ainda não esvaeceu,
apesar de todas as dificuldades iniciais e o esquecimento atual, tanto das autoridades
políticas quanto da comunidade. O discurso nacionalista atingiu diversos setores de nossa
sociedade e a FEB tem um papel importante na construção desse discurso. Não podemos,
contudo, exagera a importância da FEB.
O historiador Gérson Moura verifica, em seu estudo, essa importância e a coloca em
seu devido lugar:
“Apesar da dedicação dos soldados brasileiros na Itália, e de seu
reconhecido valor como combatente, o papel da FEB na guerra foi
bastante modesto e não podia resultar no capital político esperado
por muitas autoridades brasileiras... Esta defasagem, de certo
modo, foi responsável pela participação direta do Brasil na guerra
e suas conseqüências foram, sobretudo internas: as forças
armadas brasileiras foram abastecidas de armamentos, ganharam
experiência de combate como exército moderno e no geral
emergiram da guerra como as mais importantes da América
Latina”. 12
Não podemos deixar de relacionar a construção da Praça do Ex-Combatente com o
momento da sua construção, em plena ditadura militar. Com certeza a conjuntura política
privilegiou a concepção do monumento. O regime militar teve apoio de vários expracinhas, pois o regime satisfazia os interesses econômicos norte-americanos, porém não é
possível generalizar esse apoio. Mas a maior satisfação dos ex-pracinhas, tanto no
monumento, como na associação estudada, foi o de ter sua memória preservada na
localidade. Os grupos de ex-combatente da localidade de São Gonçalo queriam um
monumento e uma associação pra uni-los entre si e assim manter sua história viva. Apesar
de reclamarem do atual esquecimento pelas autoridades civis, os febianos sabem que o
exército brasileiro não nega os seus valores.
12
MOURA, Gérson. Sucessos e Ilussões. Editora FGV, Rio de Janeiro, 1991. p 39.
14
As conjecturas para o Golpe de 64
Não é possível falar da construção dos monumentos sobre as ações da FEB sem
dizer que os monumentos estudados neste trabalho foram construídos na época do regime
militar. Os ex-pracinhas somente conseguiram viabilizar certos projetos de construção de
memória na localidade através da ajuda das Forças Armadas, que forneceram materiais para
o museu e para serem expostos ao ar livre. Muito se tem dito sobre a influência
democratizante da FEB sobre a sociedade brasileira. Porém, através dos trabalhos
historiográficos, como as pesquisas de Ricardo Bonalume ou as de Gerson Moura, fica
claro que a FEB influenciou na aceleração do processo de abertura política do Estado
Novo. Tem-se dito também, alguns autores extremados, que somente através dela foi
possível essa abertura política no tempo do Estado Novo, mas ao meu ver, ela foi apenas
um dos diversos fatores para isso.
Mas apesar da influencia das idéias da democracia norte-americana incorporadas
pelos pracinhas, as liberdades não ficaram asseguradas por muito tempo. As idéias
democráticas, que penetraram através do seio do exército brasileiro, fizeram muitos dos
defensores das liberdades constitucionais, mas estes defensores não conseguiram se manter
por muito tempo. Ao apoiarem os golpistas, burlaram as leis do país conforme os interesses
envolvidos, tudo isto culminou no Golpe de 1964.
Após a queda de Vargas, a sociedade brasileira tomou novos rumos e a experiência
democrática foi retomada. O modelo desenvolvimentista adotado na década de 1950
efetuou mudanças e provocou rupturas com o projeto nacional-estatista de Vargas 13 . As
transformações nas estruturas da política, da economia e da sociedade brasileira que
ocorreram após a Segunda Guerra definiram os rumos das ações. Na década de 1950 os
interesses das multinacionais e de seus associados (nacionais) cresceram enormemente no
governo de Juscelino Kubitschek, os grupos econômicos antes dominantes foram
substituídos pelo capital internacional. Estes novos agentes formaram um bloco político
civil e militar para defender seus interesses, pois houve um grande crescimento na
economia brasileira, mas apesar disso a economia já demonstrava sinais de cansaço; o
13
REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2000. p
19.
15
ritmo de crescimento, a inflação galopava, e os desajustes sociais tornavam-se claros por
que antes estavam obscurecidos pela euforia das transformações aceleradas.
Em outubro de 1960Jânio Quadros foi eleito com discurso ambíguo, tentando
articular um leque de forças conflitantes (oligarquias, classes médias urbanas e um amplo
contingente de trabalhadores). Havia grandes expectativas de mudanças, mas não foram
satisfeitas pelas ações do governo de Jânio, este se apoiava em seu carisma para se manter
no poder, o que não ocorreu. Jânio Quadros teve que renunciar abrindo uma crise política,
pois seu sucessor direto não agradava a diversos interesses. Os ministros militares tentaram
impedir a posse do vice, João Goulart, líder do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
representava a sombra da volta de Vargas, do seu projeto nacionalista que julgavam morto
com ele, isso era algo temido pelas forças associadas ao capital internacional. João Goulart
aproximou-se dos anseios populares, podendo reatualizar o projeto nacional-estatista.
Uma pequena parcela dos militares estava partilhando das mesmas ideais dos
tecno-empresários, algumas das figuras do setor empresarial conseguiam colocar seus
valores desenvolvimentistas nas publicações militares. Procurava-se uma aproximação
ideológica entre militares brasileiros e empresários para eliminação das barreiras e
incentivar a empresa privada no Brasil, objetivando seu desenvolvimento. A forja desse
grupo militar havia começado já na experiência do combate da 2ª Guerra, em que estes
voltaram impressionados com o poderio norte-americano, mais tarde essa aliança é
reforçada pela participação em cursos de instrução e treinamentos nos Estados Unidos.
O movimento civil-militar que derrubou João Goulart, pois fim ao projeto político
nacional-estatista que o líder trabalhista representava 14 . Enfim os militares brasileiros
estavam influenciados pelos norte-americanos na luta contra a ameaça do comunismo no
pós-guerra. Os Estados Unidos havia se tornado uma das duas potências hegemônicas. Os
norte-americanos não deixariam que a América latina escapasse de suas mãos, devido à
radicalização política e/ ou revolucionária, por isso suas intervenções na imposição de
governos militares neste continente.
14
Ibid. p 14.
16
CAPÍTULO II - A PRAÇA E OS SEUS DISCURSOS
O civismo militarizado
O monumento
Osmar Leitão Rosa começa a construir a praça dos ex-combatentes em seu governo.
Mas a praça dos ex-combatentes de São Gonçalo foi fundada no dia 24 de outubro de
1970 15 , pelo então prefeito da cidade José Alves Barbosa (1970) que havia assumido a
prefeitura. O estilo de política não permitiu que muitas das decisões não fossem para no
papel, no caso desta construção parte da história não está escrita da época nos documentos
oficiais. As fontes que esclareceram as principais dúvidas foram as dos relatos orais. O
local onde foi construída a praça dos ex-combatentes pertence até hoje a CEDAE, não
pertence realmente a prefeitura, o local foi cedido pelo Governador Geremias Fontes, primo
de um dos ex-combatentes.
As representações da Segunda Guerra obedecem a certos critérios especificados
pelo uso público dos espaços nas cidades. A antiga estatuária do século XIX, na sua
maioria, homenageava os grandes generais, ou cenas espetaculares de confrontos, tornando
preservadas para as futuras gerações. Nos monumentos da Segunda Guerra a homenagem
recai sobre o soldado desconhecido, o anônimo, assim esse anonimato pode ser absorvido
pelo restante da população. Este personagem pode ser relacionado a qualquer sujeito, todo
cidadão deve ou deveria assumir para si o espírito cívico a qual os militares achavam no
direito de ser guardiões. O último levantamento de monumentos feitos para homenagear a
FEB, feito em 1960, relata que já havia cerca de 109 construídos por todo o Brasil. O
17
monumento de São Gonçalo não esta relacionado nesse levantamento, por lhe ser posterior,
logo, é possível que de lá pra cá muitos outros foram construídos.
O principal monumento em homenagem aos ex-combatentes é o Monumento
Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, localizado na cidade do Rio de Janeiro.
Inaugurado em 1960, o principal articulador para a construção de tal monumento foi o
Marechal Mascarenhas de Morais, comandante das forças expedicionárias brasileiras na
Itália. Este monumento foi uma das últimas grandes obras do Rio de Janeiro antes de deixar
de ser a capital federal. O estilo modernista foi adotado em suas linhas. Estilo estava sendo
utilizado nas construções públicas e que se impôs no Brasil através do patrocínio do Estado.
As obras relacionadas no levantamento, em sua maioria foram patrocinadas pelo poder
público, mas algumas também tiveram participação de particulares. E a obra de São
Gonçalo apesar de contar com o apoio do Estado, possuiu também ampla participação de
pessoas fora do poder público.
A homenagem aos ex-combatentes de São Gonçalo segue padrões próprios, apesar
de possuir formas canônicas estabelecidas também em outras construções paralelas, como:
o obelisco, a placa e o marco 16 , mas a característica de ser uma exposição ao ar livre dos
objetos de guerra foge ao padrão dos demais monumentos. Além disso, a praça tem uma
associação ao seu lado, que cuida de sua preservação memorial, isto é uma das suas
especificidades.
A praça dedicada ao ex-combatente é uma expressão de uma memória que se
pretende perpetuar, por isso tem os antecedentes de um passado onde vários grupos agiram
para essa preservação. Procurou-se expressar nessa memória a idéia de que os militares são
os guardiões da nação e que os seus sacrifícios não poderiam ser esquecidos. A construção
da praça e da associação pode ser considerada uma herança tardia do discurso estadonovista apropriado pelo governo militar pós 64 17 . Com o fim da guerra, o discurso cívico
apropriou-se do tema. Diz o texto de Ana Maria Maud e Daniela Ferreira Nunes, que:
15
Jornal O São Gonçalo. 10/10/1970. p 1.
Knauss, Paulo (coord). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:Sette
Letras, 1999. p 90
17
Ap. Knauss, Paulo (coord). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. . Rio de
Janeiro:Sette Letras, 1999. p 73
16
18
O Estado, até então “dadivoso”, passou, após a Guerra, a
construir em sua oratória a imagem de um povo capaz de cometer
sacrifícios pela Pátria como forma de retribuição pelas dadivas
recebidas. Como um “batalhão”, o povo deveria demonstrar
disciplina, manter ordem e vigilância. Soldado e cidadão passam a
fazer parte de um enunciado político como faces de uma
ideologia 18 .
Havia interesse do governo militar do Pós-Golpe de 64 em sua luta para manter sua
influência sobre o imaginário da sociedade, engrandecer os heróis militares era um desses
meios. Em específico, na localidade em que se encontra o monumento aqui estudado, ele
serviu como uma forma de estabelecer um contato diário do Poder do Estado sobre as
pessoas, porém, isto não se faz sem a força das alianças locais que iram garantir a
governabilidade, pois não existe um Estado globalizante, ele não consegue ser total, por
isso este precisa afirmar seus compromissos com as lideranças locais, mais próximos dos
cidadãos. Estes micro-grupos locais ajudam o Estado a se impor e governar.
A praça como um ponto de encontro
O monumento em questão além de ser um local de luta para preservação da
memória também é um dos centros da cidade, um ponto de encontro19 onde a população
gonçalense carente de entretenimento usufrui o espaço público para o lazer.
Então o espaço serviu para diversas finalidades e apropriações, porém o objetivo
primeiro foi construído em cima do sacrifício patriótico e da tentativa de extravasa-lo para
a comunidade.
Brasil, Grandeza, Sacrifício e Nação.
Na análise utilizei um artigo que analisa o uso das propagandas do regime militar,
onde este fala de si mesmo, especialmente na década de 1970 20 , as palavras de ordem e
18
Ibid. p 78.
BARTHES, Roland. .A aventura semiológica. Lisboa. Edições, 70. 1987. p 87.
20
CERRI, Luís Fernando. CERRI, Luís Fernando. Imagens publicitárias como fonte para o estudo e o ensino
de História na ditadura militar (1969 – 1973). Área do conhecimento História. Publicação destinada aos
19
19
amor a Pátria, as idéias estavam cheias de ufanismo. Era época do “ame ou deixe-o”. Parte
desse discurso cívico-patriótico pode ser visto impresso nas palavras confeccionadas em
placas de bronze, fixadas nos artefatos da praça, como memória e reafirmação do discurso
que os ex-pracinhas queriam preservar.
Os termos “Brasil, Grandeza, Sacrifício e Nação” estavam presentes na fala oficial
do governo militar, estes estão reproduzidos no espaço da Praça do Ex-Combatente, como
forma de criar nos cidadãos a idéia coletiva de unicidade e patriotismo nacional 21 . Como
demonstrativo de discurso coloco exemplos do que esta escrito em cada artefato exposto na
praça.
O monumento é uma inscrição do homem no espaço urbano, uma inscrição que, no
monumento aqui estudado, se faz no cimento e no bronze, a escrita complementa a pedra,
não há rivalidades. Sua significação projeta-se por diversos ângulos.
O monumento por ser uma inscrição humana tem um relacionamento íntimo com o
olhar, neste caso um olhar específico sobre cidade. No planejamento de uma obra que
servirá para um fim histórico a ordenação das de seus objetos segue uma ordem procurando
disciplinar o olhar do transeunte para enche-lo de significação.
Todo monumento tem um ponto central, no monumento dos ex-combatentes de São
Gonçalo, o ponto central esta nos mastros das bandeiras junto com os brasões e o mapa.
Essa centralidade demonstra preocupação com o discurso cívico-patriótico que os
responsáveis pela construção queriam preservar 22 , pois o olhar fica dirigido aos símbolos
militares (os brasões) e da unidade nacional (o mapa). Colocando os pavilhões no centro
do monumento o discurso de sacrifício patriótico fica ordenado em torno das bandeiras.
Toda a organização da praça converge para os pavilhões e brasões onde os eventos cívicos
podem ser comemorados tendo a visão ampla dos demais objetos que compõem a praça,
reforçando a idéia de sacrifício por uma Pátria representada nos seus símbolos. Procura-se
com essa centralidade demonstrar a preocupação para que a dinâmica do olhar viesse a
perceber sem muito esforço caráter nacionalista.
professores de História do Ensino Fundamental. Impressão equipe IBEP. São Paulo. n ª 3. P. 48 – 52. Julho
de 2001. p 52.
21
Ibid. p 52.
22
Foto nº 1, cartão postal comprado na papelaria São Gonçalo.
20
As relações de tratamento espacial no monumento tornam-se um tanto conflituosas,
pois seu centro possuir dois locais próximos para os pavilhões. Um possui o nome da praça
e o outro possui o mapa do Brasil e os brasões das três Forças Armadas, considero este
último como o centro da praça. A praça passou por duas pseudo-reformas que somente
mudaram os objetos de guerra de lugar, considero então que tais reformas não influíram na
centralidade dos mastros dos pavilhões.
A origem do discurso patriótico
A questão de patriotismo é a temática recorrente no monumento estudado, os
próprios pracinhas nas entrevistas demonstraram com fervor seu amor pela nação, apesar
do indiferente tratamento dos poderes públicos para com eles. Esse patriotismo é uma
construção ideológica muito recente na História da humanidade, essa concepção tem menos
de duzentos anos, e está atrelado ao desenvolvimento das civilizações Ocidentais
capitalistas. Os discursos de patriotismo estão vinculados claramente a sua periodização
histórica e a construção do conceito de “Nação”, o historiador inglês Eric Hobsbawam
propõem um método para classifica-la, em 1830 a idéia de “Nação” surge no vocabulário
político, em seguida houve três mudanças nesta concepção ideológica: entre 1830 a 1880,
fala-se em “principio da nacionalidade”; entre1880 a 1918, fala–se em “idéia nacional” e
de 1918 aos anos 50-60 do século XX, fala-se em “questão nacional”.A primeira etapa
vincula a nação e território, a segunda etapa a articula à língua, à religião e à raça e
terceira a consciência nacional, definida pelo conjuntos de lealdades políticas 23 .
A terceira fase da idéia de Nação contou com os grandes meios de comunicação de
massa (que surgiram no séc. XX como o rádio e cinema) para unir as populações em um
único ideal de nacionalidade, também os grandes espetáculos esportivos, as passeatas e os
grandes comícios passaram a servir como meios de imbuir na população lealdades
nacionais 24 . As idéias e conquistas das democracias liberais só se consolidaram depois da
Segunda Guerra mundial como resultado das lutas populares, mas idéia de patriotismo foi
um dos meios mais eficazes para controlar as tensões sociais e desviar as atenções dos
23
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 3ª edição. São Paulo: Editora Perseu
Abrano, 2001. p 20.
24
Ibid. p 20.
21
problemas reais ou dos interesses econômicos. Os grupos dominantes do capital usaram do
ideal de patriotismo como instrumento político de dominação. O estudo do assunto possui
uma dimensão global, eu traço um paralelo entre a particularidade histórica da cidade de
São Gonçalo, e assim leva-la para uma contextualização na história local.
De um outro lado da praça esta um obelisco feito em mármore, isto demonstra que
este monumento da praça tem sua relação com os demais construídos pelo país. Porem a
praça do ex-combatente de São Gonçalo tem seu caráter diferencial por ser um museu
aberto. As peças de combates estão ao ar livre, são estas: um canhão antiaéreo, uma mina
marítima, uma carga de profundidade (anti-submarino), um lança morteiros, um tanque de
guerra, uma âncora e uma hélice de avião. Todos estes objetos foram conseguidos pelos expracinhas gonçalenses.
Fica claro que o discurso preservado no monumento é um tipo especifico de
narrativa histórica entrelaçada com o poder vigente 25 , e as relações da história e do poder
político se fazem sentir dentro de sua perspectiva patriótica e militar.
As comemorações da FEB e o espírito de sacrifício
As comemorações da FEB seguiram-se imediatamente após o retorno da 2ª Guerra,
muitos dos monumentos aos pracinhas foram logo construídos, cerca de 50%
dos
monumentos aos ex-combatentes foram inaugurados logo em 1945 e os demais nas duas
décadas seguintes 26 . O monumento em questão não foge a regra, ele é uma obra do final da
década de 60.
Fica claro que os militares governantes se apropriaram de uma memória heróica
específica, em comum acordo com os ex-combatentes e as elites políticas locais afim de
usá-la como símbolo da presença do Estado federal vigiando o cotidiano dos cidadãos.
As análises demonstram que as inscrições nos monumentos procuram sobressaltar o
discurso de patriotismo que os Febianos adquiriram no treinamento e forjaram nos campos
de batalhas da Itália.
No monumento do morteiro está escrito:
25
CARDOSO, Ciro Flamarion S e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e
metodologia. Rio de Janeiro: Ed.Campus,1997. p 61.
26
KNAUSS, Paulo (coord). Cidade vaidosa: imagens...op. cit. p 90.
22
“Na guerra e na paz, a grandeza da nação repousa no trabalho
ordeiro e fecundo do seu povo e na unidade patriótica das suas
classes armadas. Eternas guardiães das liberdades democráticas e
da integridade Pátria”.
No monumento do Brasil, mostra-se o mapa do Brasil (da época que foi construída a
praça) que diz: “como eles... amem e defendam esta terra”.Neste monumento estão os três
símbolos das nossas Forças Armadas. E a direita o brasão do Brasil. Os mastros para as
bandeiras ficam no centro da praça, lá nos eventos cívicos são hasteadas as bandeiras da
cidade de São Gonçalo, do Estado do Rio de Janeiro e a do Brasil.
Também no monumento da hélice do avião se tem dizeres: “FAB, orgulho da nação
heróica na guerra e gloriosa na paz”.Tenta-se perpetuar um discurso que diz ser preciso
aderir ao um espírito de sacrifício, generalizando este espírito para o coletivo social, a
história de um grupo específico, então, passa se tornar de todos.
A praça é um monumento funerário
O orgulho, a ordem e amor pela Pátria são identificados dentro desses dizeres
perpetuados no metal. Outros exemplos, para ilustrar o espírito de sacrifício pela Pátria têm
nos dizeres do monumento do soldado morto as seguintes inscrições: “Aos que em
holocausto à Pátria tiveram como túmulo às águas do atlântico ou a terra fria da Itália. A
morredoura gratidão e imperecível saudade dos que ficaram”.
Fica claro que um dos objetivos da construção da praça dos ex-combatentes é o de
ser, também, um monumento funerário, uma obrigatoriedade que se deve aos nossos
heróis, valoriza-se aqui seu sacrifício. Le Goff diz que o monumento (no sentido amplo da
palavra) está ligado a memória coletiva, ele é uma tentativa de perpetuação de um passado
e para entender o monumento é necessário estudar as relações de força que motivaram sua
construção 27 .A história da nação é apoiada pelos seus documentos/monumentos e os grupos
no poder determinam sua utilização.
27
LE GOFF, Jacques. História e memória. 4ª edição da Unicamp. Campinas, 1996. p 537
23
O exercício do poder possui nele um ponto central, pois a construção desse
monumento está relacionada com sua ótima visibilidade, estrategicamente localizado,
funciona simbolicamente como um sentinela que vigia o cotidiano dos cidadãos. Esse do
olhar vigilante garante o exercício da controle para um grupo privilegiado pelo poder, os
militares. A praça também tem é um museu a céu aberto, e este museu serve para perpetuar
uma memória específica para a coletividade 28 .
Toda construção monumental erguida no país tem sua periodização histórica e esta
relacionada com a construção do Estado nacional brasileiro numa época de lutas para o
controle da população. O imaginário urbano serve como alegoria para a interpretação do
ideal nacionalista imposta pelos militares. A praça e a sua associação se compõem de
maneira simples no ambiente urbano, não possuem adornos, o prédio foi uma doação do
governo do Estado do Rio de Janeiro e foi reconstruído no governo do prefeito João Bravo.
A praça e a sua associação estão ligados a história municipal, pois os dois servem como
instrumentos de identidade local com o qual os cidadãos se identificam.
O caráter autoritário do monumento
O governo municipal de São Gonçalo estava em sintonia com o regime militar. Em
vários editorias do jornal “O São Gonçalo” as comemorações da semana da pátria eram
levadas a sério no mês de setembro, muitas atividades eram programadas pela prefeitura e
contavam com a colaboração dos ex-combatentes da cidade 29 .
As representações patrióticas da cidade estão relacionadas ao militarismo. Vários
são os símbolos dessa união gonçalense com o regime, os políticos da área e os expracinhas goncalenses as sobressaltaram, para que fossem bem perceptíveis. Um exemplo
significativo é a inauguração de um colégio municipal com o nome em homenagem a
Castelo Branco, que foi um ex-pracinha e presidente militar. Numa manchete de jornal o
presidente da associação dos ex-combatentes da secção São Gonçalo elogia Osmar Leitão
pelo ato 30 .
28
FOUCALT, Michel. Microfisica do Poder. São Paulo. Brasileense, 1987. p 211.
Manchetes do jornal O São Gonçalo anos 1968/69/70.
30
Jornal O São Gonçalo, 04/12/1969. p 1.
29
24
Os governos autoritários aprenderam que a violência direta para o controle da
sociedade não era eficiente, aconteciam diversas revoltas, isso era muito custoso para a
máquina governamental. Então era preciso influir no plano simbólico, no cultural, neste
caso no imaginário urbano.
Mas apesar da força desse olhar, ele não consegue ser vencedor. Claro que existem
resistências, e o objetivo desse projeto monográfico será procurar estudar como elas se
fazem, porque a vigilância constante é sempre resistida e os grupos sociais envolvidos irão
se apropriar dos monumentos de maneiras diferentes 31 . Umas das formas de resistência a
esse caráter disciplinador são os atos de vandalismo contra os objetos expostos na praça ou
a própria associação (um exemplo disto foi que logo após a reinauguração foi pichada). Os
ex-combatentes não tinham uma preocupação com a vigilância que o Estado Federal
tentava impor ao conjunto da sociedade.
Seu caráter de monumento funerário demonstra que seu objetivo principal era a
preservação da memória de um grupo específico e a luta deste grupo para manter sua
influência sobre a política municipal. O caráter de vigilância de lado e foi perdendo espaço
com o tempo. O objetivo principal também perdeu força por causa do abandono do poder
público (principalmente por causa da perda de poder político e espaço dos militares na
sociedade) relegando a praça e a associação a um ostracismo. Muitos dos associados com o
tempo foram morrendo e a associação tende acabar por falta de membros.
O monumento como uma parte dos melhoramentos urbanísticos
A cidade de São Gonçalo passou por processo de concentração populacional
extremamente rápido, após a crise de 1929 e a 2º Guerra Mundial houve uma crise agrícola
que transferiu mão-de-obra para a indústria. Isso abaixo o preço da terra na cidade. Como a
cidade do Rio de Janeiro estava saturada de pessoas e os preços dos terrenos começaram a
encarecer, muitos vieram para São Gonçalo como
alternativa barata de moradia. As
fazendas e sítios da cidade foram parcelados, pois seus proprietários precisavam de uma
nova fonte de renda, para isso foi criado diversos loteamentos. No governo de Joaquim de
Almeida Lavoura (1955/59), procurou-se ordenar o crescimento urbano da cidade.
31
FOUCALT, Michel. Microfisica do Poder... op.cit. p 217
25
Diante do rápido crescimento de São Gonçalo, muitas obras foram feitas por esse
prefeito. Ele construiu uma escola política local e os seus herdeiros receberam o nome de
Lavouristas. Em outro mandato ele continuara as obras de melhorias, neste mandato
começara a luta dos ex-combatentes de preservação de sua memória.
No decreto de nº 27/64, Lavoura, homenageou os pracinhas mortos colocando seus
nomes nas ruas de São Gonçalo, aproveitando que muitas ruas foram construídas e
urbanizadas. Os políticos locais precisavam urbanizar a cidade, embeleza-la. Nos anos que
se seguiram os políticos locais tiveram que fazer obras que melhorassem a qualidade de
vida na cidade.
Nas entrevistas com os moradores mais antigos, em suas memórias ficaram as
lembranças das atividades de Joaquim Lavoura dentro do poder público. Este prefeito criou
muitas praças em São Gonçalo, pois acreditava que elas eram uma alternativa barata de
lazer para a população. Sua preocupação era de promover uma urbanização que desse a
cidade um ar cidade mais desenvolvida e retirasse a impressão de interiorana, eliminar o
seu ar rural. O grupo herdeiro político de Lavoura seguiu a mesma filosofia de construção.
Na entrevista feita com o ex-prefeito de São Gonçalo, Osmar Leitão, ele descreve
que sua preocupação inicial com o local da construção da praça dos ex-combatente era o
embelezamento da área. O local era da CEDAE e as tubulações de água estavam expostos
enfeando o local.
Osmar é um dos herdeiros políticos de Lavoura, pertencente a um grupo político
local conhecido como grupo lavourista. As praças foram e são vistas como opções baratas
para o lazer das populações mais pobres da cidade, de baixo poder aquisitivo. Lavoura
pensava assim e seus herdeiros continuaram com suas idéias, tanto que no governo de
Osmar, que foi de 1967 a 1970, este construiu cerca de 11 praças pelo município.
A cidade de São Gonçalo possui seus centros econômicos descentralizados.
Conforme a cidade crescia os centros nasceram, cresceram e morreram em certas
localidades, ou então mudaram de locais. A cidade possui diversos centros (decadentes ou
prósperos) e isto atrapalha a sua identidade provocando várias tentativas de rupturas 32 . A
praça permanece como um dos centros da cidade, por causa de sua concentração
populacional e o espaçamento amplo envolta deste monumento que serve para eventos
26
grandes (carnavais, desfiles, etc). Serve também como um elemento de união dos cidadãos
gonçalenses com a história do município. Assim o monumento da praça desempenha mais
um aspecto importante na construção cívica, seja nacional ou local, pois constrói e
realimenta uma memória.
Sua posição estratégica permite sua influencia múltipla na vida dos cidadãos
envolvidos, sua força simbólica é rica e atingem objetivos diversos, como os três já
relacionados. O olhar afirma-se e reafirma-se no cotidiano, sendo disciplinado pelos
discursos que o monumento, em questão, é portador. Os transeuntes estão em contato com
o monumento através do lazer dos cidadãos, pois é um logradouro público ou de passagem
pelo local por causa das via principal em que se localiza tal obra. . A praça está de frente a
uma via principal de acesso à cidade, a Francisco Portela.
32
Como as tentativas do bairro do Alcântara de se emancipar, descrito na manchete do Jornal ‘NOSSO
27
CAPÍTULO III - OS EX-COMBATENTES EM SÃO GONÇALO
Leis, lutas e projetos.
I PARTE
A associação
Os ex-combatentes do nosso país possuem um estatuto próprio, que aprovaram na II
Convenção Nacional Extraordinário, feita na cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro,
nos dias 24 e26 de julho de 1972. A Associação do Brasil é vinculada a Federação Mundial
dos Ex-combatentes da 2º Guerra, com sede Mundial na França. A Associação do Brasil é
uma sociedade civil de direito privado, de âmbito nacional, que visa reunir todos os excombatentes do país. Associação do Brasil foi fundada em 1º de outubro de 1945 e
unificada em 15 de novembro de 1946 na I Convenção Nacional, que foi realizada na
cidade do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. Diz seu estatuto que a finalidade da
associação é de reunir ex-combatentes brasileiros, sem distinção de cor, sexo, idéias
político-partidárias, filosóficas ou religiosas.
As associações têm um regimento interno que estabelecem suas condutas,
unificadas pelo estatuto que serve de modelo. A Associação de São Gonçalo em seu
regimento estabelece uma diretoria composta por diversos elementos, são estes; o
presidente, o vice-presidente, o secretário geral, o secretário adjunto, o tesoureiro, o 2º
tesoureiro, o diretor de patrimônio, o diretor de educação e cultura, o diretor de esportes e
lazer, o diretor de relações públicas, o diretor de assistência, o conselheiro e o orador
oficial. Como pude notar, hoje em dia não existe elementos suficientes para formar tal
JORNAL’ de 15 a 21/12/95, p 3.
28
quadro. O presidente da associação na época de sua fundação da secção de São Gonçalo era
o senhor Rubem Baptista da Silva. Quando a praça estava para ser inaugurada uma nova
diretoria havia assumido sendo o novo presidente o senhor Geraldo de Athayde 33 .
A fundação da praça dos ex-combatentes
Osmar Leitão Rosa mandou construir a praça dos ex-combatentes no finalzinho de
seu governo 34 , essa iniciativa foi logo elogiada pela presidência da associação de São
Gonçalo, exercida pelo pres. Rubem Baptista da Silva. Tal ato representava uma vitória na
luta dos ex-pracinhas 35 . As noticias do Jornal “O São Gonçalo” sobre os ex-combatentes
ocupam logo a primeira pagina, isto se deve ao fato do antigo dono do jornal ser o irmão de
Silvio de Matos, Cezar Augusto de Matos. Novamente as relações de parentesco
influenciaram para que os ex-combatentes de São Gonçalo tentassem assumir um lugar de
destaque na sociedade gonçalense. O jornal deu muita importância aos assuntos dos expracinhas, relatando seus atos, reivindicando benefícios, denunciando atos de políticos que
prejudicassem o bem público.
Vários políticos e militares estiveram presentes, a inauguração seria em 10 de
outubro mais foi adiada para que alguns políticos estivessem presentes 36 . A praça dos excombatentes de São Gonçalo foi fundada no 24 de outubro de 1970 37 , pelo então prefeito
da cidade José Alves Barbosa (1970) que havia assumido a prefeitura, Osmar Leitão
afastou-se para fazer nova campanha política.
Doação do local da sede
A sede de São Gonçalo tinha a guarda provisória do local até 13 de janeiro 1969 38 .
No oficio nº 1015/1968 do Secretário de Comunicações e Transportes, esta a permissão
para a ocupação da antiga sede, situada numa propriedade do Estado. Antes da ocupação,
33
Jornal O São Gonçalo, 17/09/1970. p 1.
Jornal O São Gonçalo, 01/02/1970. p 1.
35
Jornal O São Gonçalo. 07/02/1970. p 1.
36
Jornal O São Gonçalo, 26/09/1970. p 1.
37
Jornal O São Gonçalo, 10/10/1970. p 1.
38
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 04/02/1969. p 3.
34
29
feita pelos pracinhas, a antiga sede era uma oficina abandonada de bondes. A ocupação do
local foi uma luta dos ex-combatentes, reclamando junto ao Estado um local para efetuarem
suas atividades.
A doação do terreno definitiva foi uma concessão do governador do Estado do Rio
de Janeiro, Geremias de Matos Fontes, primo de Silvio de Matos. Conforme o Oficio nº
320/1975 a escritura do local foi transmitida a Associação de São Gonçalo dos excombatentes de acordo com a lei 7636, de 07 de janeiro 1975 39 . Isto aconteceu na gestão de
Geraldo de Athayde na presidência da secção de São Gonçalo, o seu vice-presidente era
Silvio de Matos. A lei nº 7636, autorizava o Poder executivo do Estado do Rio De Janeiro
doar o imóvel a Associação de São Gonçalo. A própria Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro decreta e o governador sanciona a lei. Na publicação do Diário Oficial
consta o tamanho do terreno da associação que é 534.39 m² 40 .
Secção de São Gonçalo dos ex-combatentes foi fundada em 2 de março de 1968,
portanto ela é quem vai lutar pela construção da praça. O monumento em forma de praça
foi uma luta dos pracinhas gonçalenses, que queriam assim preservar sua memória. A
conquista se deve à associação com o poder público municipal, foi através da ligações de
amizade que foi possível tal empreendimento, como demonstra as entrevistas feitas com
Osmar Leitão Rosa e os ex-combatentes.
Desde a sua construção a praça foi reformada duas vezes, uma no governo de
Hairson Monteiro, em 1986, outra foi em 1991, no governo de Edson Ezequiel. Porém, os
membros da Associação comentam que essas obras foram apenas de fachada, apenas
mudaram alguns objetos dos lugares ou fizeram algum pedaço de jardim.
II PARTE
As leis em benefícios aos ex-combatentes
São Gonçalo não foi à única cidade a estabelecer leis que privilegiassem os excombatentes. Esse grupo desde de cedo reivindicou a proteção do poder público, foram
muito ativos em suas lutas, motivados principalmente pelo seu próprio abandono pós a 2ª
39
Decreto nº 16718 de 13 de 13/03/1975.
30
Grande Guerra. Muitas leis foram aprovadas logo após a volta dos pracinhas e outras foram
conseguidas com o passar do tempo. Por todo país foram aprovadas leis, tanto em âmbito
estadual como municipal.
Luis Ribeiro Mello elaborou um compendio com todas as leis existentes sobre os
ex-combatentes até 1978. Um livro que foi usado como base por Osmar Leitão, então
deputado federal, quando este lutou pela aprovação da lei que dava um soldo igual ao de 2º
tenente aos ex-combatentes 41 . Osmar estudou as leis existentes até 1978 para criar uma
nova lei em 1980, em beneficio aos ex-combatentes. Osmar se envolveu de tal forma com
os ex-combatentes a ponto de lutar para que estes tivessem um amparo maior do governo.
No projeto de lei esta escrito que a nova lei concederia vantagens aos ex-combatentes, no
artigo 1º, estava estabelecido que o Congresso Nacional decretaria que os ex-combatentes
passariam da condição de pensionistas militares para de reformados e com proventos
equivalentes aos de 2º tenente.
Leis de imposto predial do município em favor dos ex-combatentes
Antes da construção da associação ou da praça, os ex-combatentes já haviam
conseguido alguns direitos no município, algumas leis foram aprovadas em beneficio dos
pracinhas. Como lei de nº 419/63, de Lavoura (1963/66), que foi aprovada sem discussão 42
na Câmara Municipal, que concedeu isenção de imposto predial aos ex-combatentes da
Grande Guerra Mundial. A deliberação era extensiva as viúvas dos ex-combatentes. Os
políticos municipais tentaram ajudar os ex-combatentes com leis que os beneficiassem,
visto que o poder Federal não o fazia. Já a lei nº 186 de 11 de novembro de 1988, de
autoria de Antonio Raposo, também trata da mesma isenção, só que era ainda mais
extensiva. A ementa isenta sobre a propriedade predial os imóveis que servem de residência
dos ex-combatentes e dão outras providências. Esta lei revogava a anterior, de 1963.
40
Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 08/01/1975. p 1.
Lei federal nº 4034, de 1980.
42
Ata da Câmara dos vereadores. 1963.
41
31
O decreto-lei do prefeito para colocar nomes nas ruas recém-construídas
A participação política dos pracinhas influenciou nas homenagens dentro da cidade,
graças as suas amizades e os parentescos dentro do Poder público. As homenagens
começaram no 2º governo de Lavoura (1963/66), em seu decreto de nº 27/63 43 , que
considerava sobre as áreas loteadas achou-se por bem colocar nomes nas ruas, recémconstruídas nomes do ex-combatentes já falecidos. Estas ruas tinham apenas números ou
letras para denomina-las, dificultando sua localização. Este decreto foi um ato do prefeito
por isso não passa pela aprovação da Câmara.
Numa parte do decreto esta escrito;
“ considerando que, a atual administração é contrária, salvo
motivo excepcional, se dar denominções de pessoas vivas aos
logradouros oficiais do município, pois lhe cumpre o dever
imperioso de render suas mais justas homenagens póstumas,
aqueles que, em vida, souberam sob qualquer título e de qualquer
forma honrar o nome tão glorioso de nossa querida Pátria.
considerando que, poucos anos são passados do ultimo conflito
mundial e, já vivem em lamentável esquecimento os valorosos e
inolvidáveis componentes da Força Expedicionária Brasileira,
especialmente, aqueles que tombaram no campo de batalha na
defesa intransigente da democracia e da Pátria, procurando
conservar intangível a nossa terra tão hospitaleira; “
Havia necessidade de dar nomes as ruas e ao mesmo tempo homenagear, tudo isto
motivado pelas amizades políticas que os ex-combatentes tinham com Lavoura e os
políticos aliados a ele.
O discurso cívico-patriótico é evocado na fala do prefeito Lavoura, a homenagem
foi para os heróis mortos e esquecidos, seus nomes agora estariam gravados nas placas
indicativas dos logradouros oficiais. O tipo de narrativa em que o monumento está
associado e o de uma História política tradicional, baseada nos grandes acontecimentos e
ações dos heróis. O documento/monumento não é algo transparente, ele está relacionado ao
tempo em que foi confeccionado, pois o homem e a sua cultura são um produto desse
43
Livro 286 dos Anais da Câmara dos vereadores.
32
tempo. O monumento do ex-combatente de São Gonçalo não é exceção, sua concepção
possui esses valores.
A prefeitura continuou a conceder mais benefícios aos pracinhas, essas concessões
foram frutos da atuação da Associação de São Gonçalo. Desde sua fundação a Associação
serviu como núcleo agregador dos ex-combatentes que viviam em São Gonçalo,
reivindicando direitos e se fazendo presente na vida social do município.
A lei de isenção de pagamento de sepultura
A lei nº 02/81, de 8 de maio de 1981, é um exemplo dessas lutas, esta concede a
família do ex-combatente, cujo último domicílio fosse na cidade de São Gonçalo, isenção
de pagamento de sepultura em qualquer cemitério da cidade, esta é um decreto do prefeito
Arismar Dias (também um lavourista, 1980/81).
A lei que tornava associação uma utilidade publica
Porém, a Associação em São Gonçalo tomou uma dimensão maior com a lei que a
tornou de utilidade pública, um projeto de Antonio Raposo, pleiteado pelos ex-combatentes
de São Gonçalo. Isto aconteceu no 2º governo Hairsom Monteiro (1985/88), a partir desse
momento ela ficava isenta de vários impostos municipais 44 .
A Associação com o passar do tempo começou a ter dificuldades financeiras, pois
seus membros passaram a morrer, dificultando a manutenção da própria associação. Os
associados até hoje contribuem economicamente para a sua manutenção. Por terem poucos
membros, conseqüentemente possuem dificuldades para se manter. Novamente, essa lei foi
uma conquista dos membros da Associação, principalmente do mais empenhado, o senhor
Silvio de Mattos.
44
Lei nº 172/1988.
33
A lei da criação da Biblioteca e museu do Ex-combatente
Essa lei preparava a possibilidade de uma participação maior da prefeitura na
manutenção da associação e na construção de um projeto maior para a preservação da
memória dos ex-combatentes em São Gonçalo, que analisarei no próximo capitulo.
III PARTE
As entrevistas
O recuso das entrevistas
Utilizei também como uma das metodologias de pesquisa os métodos de História
Oral (fonte não-escrita). As entrevistas não foram apenas um complemento na minha
pesquisa, mas se demonstraram essenciais para o meu estudo.
A entrevista com Osmar Leitão Rosa
No dia 02 de novembro de 2002, entrevistei o senhor Osmar Leitão Rosa, exprefeito de São Gonçalo, este senhor foi um incansável defensor dos interesses dos excombatentes. Graças a sua intervenção junto com alguns outros personagens foi possível a
instalação da sede da associação no bairro do
Paraíso. Osmar também conseguiu a
aprovação de uma lei que amparasse melhor os ex-combatentes, amenizando a situação
deles, visto que desde a volta da guerra o poder público pouco havia feito. Osmar sempre
foi muito ligado aos ex-combatentes, principalmente por que duas pessoas que estiveram no
conflito trabalhavam com ele, na época em que estava na Prefeitura de São Gonçalo.
Os nomes dos mortos da guerra foram usados, através da ação de Osmar,
juntamente com os dos ex-combatentes, quando a cidade precisou nomear as ruas que
foram construídas na época dos grandes loteamentos Este feito estreitou ainda mais a
amizade de Osmar com os ex-combatentes e influenciou sua vida política. Osmar ainda
34
intercedeu ao governador do estado (Geremias de Matos fontes) para que houvesse a
doação de uma sede apropriada para os ex-combatentes.
Um dos motivos da construção da praça, relatado na entrevista, foi que o local antes
pertencia a CEDAE, e estava esteticamente maltratada, precisava ser embelezada,
urbanizada. Esta preocupação foi recorrente na cabeça dos representantes do grupo
lavourista.
Quando a idéia de construir uma praça surgiu pensou-se que esta poderia ser uma
ótima maneira de homenagear os ex-combatentes. Pois no local ao lado do terreno da
CEDAE, estava antigo prédio que servia para associação. O prédio antigo foi uma doação
do governo estadual para a associação de São Gonçalo, este prédio pertencia a uma
companhia de bondes já extinta. A idéia de associar os ex-combatentes com a construção da
praça se relaciona com as lutas empreendidas pelo grupo de pracinhas do local ao lado. A
prefeitura fez a obra toda da praça e os ex-combatentes requisitaram as Forças Armadas os
objetos bélicos que estes ficaram expostos.
Na época da construção da praça o presidente da Associação de São Gonçalo era o
senhor Geraldo de Athayde e o tesoureiro era Itamar Meirelhes, este último trabalhava com
Osmar Leitão. Geremias de Matos Fontes, então governador, ajudou no projeto, pois este
político tinha diversas ligações de parentesco com militares que moravam em São Gonçalo,
a família Matos, e também pertencia a ARENA, partido político situacionista que o grupo
lavourista pertencia.
A entrevista com Silvio de Matos, ex-combatente gonçalense
A entrevista foi no dia 18 de dezembro de 2002, com o senhor Silvio de Matos atual
presidente da Associação de São Gonçalo. O senhor Silvio de Matos, serviu como cabo
escrevente na FEB. A entrevista coincidiu com um dia triste para os ex-combatentes, pois
havia sido enterrado naquele dia o General Plínio Pitaluga, herói de guerra e presidente da
Associação dos Ex-combatentes do Brasil. A entrevista seguiu com um certo pesar, tristeza
e um pouco de frustração.
Seu Silvio logo se queixou do desprestigio que se encontrava a associação, no país e
especificamente na cidade. Silvio foi um batalhador pelas causas dos ex-combatentes, mas
35
se diz cansado da pouca atenção do poder público e indiferença da população. Na sua fala
ele diz que pleiteou ao Ministério da Cultura e Educação incentivos fiscais para a
associação e nunca conseguiu 45 .
Ele diz que já haviam se passado 61 anos do fim da 2ª Grande Guerra e pouco foi
feito em pró dos ex-combatentes. Silvio diz: “Os ex-combatentes estão no fim, e o que
fizemos ficou como uma passagem obscura na História”, essa mensagem já revela um
sentimento de abandono. Continuando seu discurso diz que os ex-combatentes estão
desprestigiados e que hoje só servem para que os governantes batam palmas em dias de
solenidade. É interessante notar que na época da criação da FEB esta foi uma importante
para a modernização do país, e depois da Guerra, os febianos tiveram uma importância
política relevante no Brasil. Nos tempos atuais seu reduzido número de membros e a idade
avançada destes, limitaram sua importância na sociedade, isso com certeza influenciou
para que os antigos pracinhas fossem esquecidos pelo conjunto da sociedade.
No decorrer da entrevista falamos sobre a fundação associação na cidade em 1968.
Os ex-combatentes acreditavam que após a da Associação teriam um papel mais
proeminente em São Gonçalo. Foi uma vã ilusão. Os ex-combatentes já estavam em
situação precária, pois muitos já tinham morrido,comprometendo o bom funcionamento da
associação já de início.
E quando, enfim, a prefeitura teve a idéia de colaborar (na década de 1990) com os
pracinhas, a ação foi desprestigiada pela população local. Enquanto a obra da nova sede
acontecia à comunidade surrupiava os materiais que iriam ser usados para a construção.
A originalidade da praça
Para os ex-combatentes a praça de São Gonçalo é considerada o monumento mais
representativo da atuação do Brasil na Segunda Guerra. Não existe no país nenhuma outra
praça totalmente dedicada aos ex-combatentes. A praça de São Gonçalo é original, pois é a
única que possui expostos em seus quatro quantos objetos bélicos que serviram na Guerra.
O presidente da Associação de São Gonçalo diz que em Curitiba há exposto um
objeto bélico, um avião thunderboard, mas este
45
pertence ao jardim da casa do
Como tentar vincular a associação na Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986.
36
Expedicionário de Curitiba. Portanto não pode considerado parte de uma obra pública,
como acontece em São Gonçalo.
A entrevista foi interrompida várias vezes em que o entrevistado emitiu
considerações sobre a situação atual do exército e do país. O entrevistado também
demonstrou conhecer bem a história da cidade.
Nessa entrevista ficou esclarecido que São Gonçalo enviou um bom contingente de
soldados, nascido na cidade, cerca de 110 homens. Isto se deve ao fato de que na época do
embate a cidade contava com um Regimento de Infantaria (o 3º RI, que depois mudou o
nome para 3º BI, Batalhão de Infantaria) este contava com soldados das três Forças
Armadas que lá treinavam. Antes da Guerra, o coronel Zenóbio da Costa comandava a
unidade; quando foi designado para FEB, então como General, vinha pessoalmente a
unidade escolher os melhores homens para se tornarem expedicionários.
O fim da associação
Hoje em dia no quadro de membros da Associação gonçalense o número total é
cinco integrantes. A Associação em todo país já havia contado com cerca de seis mil
sócios. O numero atual dos membros não consegue suprir os gastos funcionais da
associação, visto que cada membro contribui com cinco reais, dando um total de 25 reais.
E para integrar a associação é preciso ter servido na Guerra, e ter protegido as ilhas
oceânicas e o litoral. Logo a Associação tende a desaparecer, pois seus quadros não podem
se repostos por causa do próprio estatuto. Quando o último combatente morrer, a prefeitura
municipal assumira a administração da associação.
O discurso cívico-patriotico é ainda bem vivo
Os ex-combatentes preservam ainda muito o discurso patriótico que receberam de
seu treinamento, ficou gravado em seus corações o espírito de sacrifício pela nação. Isso se
deve ao fato das perdas sofridas na Guerra, o senhor Silvio de Matos faz questão de relatar
o número de mortos da Marinha de Guerra (mais de 2600) e do Exército (554) e no total
cerca de 3000 feridos.
37
Espaço para recreação e celebração da vida
O local da associação tem duas mesas de sinuca (compradas com o dinheiro deles),
a única recreação no prédio.
Como não pode entrar novo sócio foi criada a categoria de sócio cooperativo, são
pessoas que ajudam no funcionamento da associação, geralmente são senhoras. Como falou
seu Silvio, é necessário trazer pessoas para o local para alegrar o ambiente. O excombatente precisa se alegrar para continuar vivendo.
Na quinta há uma seresta dançante, no domingo acontece uma domingueira à tarde
(17: 00 h) para pessoas da terceira idade.
Os objetos dentro da associação
São poucos os objetos dentro da associação, seus poucos recursos não permitiram a
criação de um grande acervo pois eles não teriam como preservá-los devidamente.
Os ex-combatentes de São Gonçalo e o regime militar
Durante o regime militar, os pracinhas nunca deixaram de ter apoio dos militares,
estes sempre estiveram presentes nas solenidades promovidas pelos ex-combatentes. Nas
solenidades da tomada de Monte Castelo, da comemoração do fim da 2ª Segunda Guerra e
de 07 de setembro os militares da ativa sempre estiveram presentes.
Há exemplos de como essa aliança se estabeleceu na cidade, no Jornal oficial da
cidade, a Câmara faz saudações a Revolução (O Golpe) 46 , em outra matéria do em dia
diferente O governador Geremias de Matos Fontes elogia a revolução como a expressão
que irar liga os brasileiros na construção de uma nação mais democrática 47 , num discurso
proferido na Câmara municipal de Barra do Piraí. O governador era filiado ao partido
ARENA, partido da situação no país, partido do governo federal. Este partido dominava a
46
47
Jornal O São Gonçalo, 02/05/1968. p 1.
Jornal O São Gonçalo, 21/05 1968. p 1.
38
política no Estado do Rio de Janeiro e também em São Gonçalo, o grupo lavourista era todo
pertencente à ARENA.
Hoje, com o quadro reduzido de membros, os ex-combatentes não fazem mais estas
solenidades na praça, apesar de ainda participarem dos desfiles cívico-militares de São
Gonçalo. Os ex-combatentes sempre abriram o desfiles comemorativos da cidade, mas
como eles mesmo dizem só são aplaudidos e logo esquecidos. A nossa sociedade é outra,
não há interesse mais na preservação e/ou utilização do discurso que os ex-combatentes
ofereciam, no regime militar havia essa preocupação por isso o monumento era importante.
O 3º BI mandava soldados para a praça, para cuidar de sua conservação, pintando-a e
capinando seus jardins. Mas isso foi em outra época.
O medo do esquecimento público
Os ex-combatentes estão cansados da luta por reconhecimento do poder público do
município, a Associação mandou mais de 50 Ofícios convidando vereadores para as
solenidades, nunca algum compareceu a qualquer evento. O medo é que com a morte do
último combatente a praça e a associação fiquem abandonadas. A praça e a associação são
bens inalienáveis que não podem ser usadas para outros fins, que não o de utilidade pública.
39
CAPITULO IV - A MEMÓRIA MONUMENTAL
Suas apropriações
João Bravo é quem realizar o projeto
Os ex-combatentes são personagens presentes na vida política de São Gonçalo,
eram eles que abriam o desfile cívico-militar pela comemoração da emancipação política da
cidade. Durante muitos anos a praça foi palco de eventos cívico-militares em que havia
participação de escolas e populares. O projeto de um museu e de uma biblioteca não nasceu
do acaso, os pracinhas estão presente nas história municipal. O projeto do museu é uma
idéia antiga dos ex-combatentes, essa construção começou a ser planejada no governo
Hairson Monteiro (1985/88). Mas foi consolidado na administração do prefeito João Bravo
(1992/96).
Os ex-combatentes procuraram João Bravo para a construção da biblioteca histórica
e do museu, além construção da nova sede, pois o antigo prédio estava em um estado
lastimável. O idealizador e planejador da obra foi seu Silvio de Matos, que incansavelmente
lutou por sua realização. A idéia foi bem aceita, mas não se concretizou totalmente, pois as
Secretárias do governos municipal não deram nenhum amparo posterior, após o fim da
obras.
O projeto de construir um prédio para abrigar uma biblioteca histórica e um museu
foi idealizado por Silvio de Matos 48 , presidente da Associação. Desde o 2º governo de
Hairson Monteiro estava sendo analisado o projeto pela divisão de planejamento, tentando
adequá-la a lei de incentivos culturais da lei federal nº7505. Osmar esteve envolvido nesta
48
Jornal O São Gonçalo, 22/09/1992. p 3.
40
negociação, porém, a resposta de Brasília foi negativa porque a Associação não se
adequava as cláusulas da lei 49 , o pedido foi indeferido.
Com o impasse das autoridades públicas, os ex-combatentes agilizaram a construção
da nova obra através de doações de particulares, conseguidas na década de 1990, através de
festas e venda de convites de almoços.
A idéia era que a Associação contasse com eventos físicos esportivos, com um
atleta para organiza-los, também com cursos de musica para um numero de 28 pessoas,
organizados por um maestro. A associação contaria também com cursos profissionalizantes,
como de datilografia, corte e costura e artesanato, além de cursos de violão, canto e flauta.
Nenhuma dessas idéias se concretizaram, não havia interesse público com a Associação.
A criação do museu agradou representantes das Forças Armadas e ex-combatentes
do país, um general da reserva, que foi um ex-combatente, agradeceu a idéia de tal
empreendimento, o seu nome era Plínio Pitaluga, presidente do Conselho Nacional dos ExCombatentes do Brasil 50 .
Na ocasião do 50º aniversário 51 do final da Segunda Guerra, o prefeito João Bravo e
o secretário de Educação, prof. Marcos Souza Costa e Franco, deram apoio integral para a
construção da nova sede e do museu. Novamente a mobilização dos
membros da
Associação deu resultado. O projeto incluía a implantação de uma biblioteca e de um
museu do ex-combatente, estes serviriam para mostrar e preservar a memória do heroísmo
dos pracinhas 52 . No projeto também estava idealizado um salão que teria múltiplas
utilidades (reuniões, conferencias, projeções de filmes educativos, slides e vídeo).
Na ata da 12º sessão do 2º período legislativo, no dia 24 de agosto de 1995, foi
colocada em votação a mensagem do governo municipal, que pede autorização para que o
governo municipal entrassem em acordo com associação dos ex-combatentes, a mensagem
foi aprovada imediatamente. Nesta mensagem 53 inicial para a Câmara verificamos que a
intenção era de implantar o museu e a biblioteca;
49
Ofício da Coordenadoria do cadastro nacional de pessoas jurídicas de natureza cultural, para a Associação
secção de São Gonçalo. 26/09/1989.
50
Jornal O São Gonçalo, 01/01/1995. p 4.
51
Jornal O São Gonçalo, 02/05/1995. p 3.
52
Jornal O São Gonçalo, 03/01/1995. p 4.
53
Mensagem do prefeito. nº 016/1995.
41
“Tenho a honra e a satisfação de encaminhar a essa Casa
Legislativa o projeto de lei que autoriza o Poder Executivo a
pactuar Convênio com Associação do Ex-combatentes-secção São
Gonçalo, com vistas a possibilitar a instalação da Biblioteca
Histórica e do Museu do Ex-combatente.“
Na mesma mensagem já é relacionada à preocupação de desenvolver a cultura na
cidade através da obra, e através de parceria a obra seria completada;
“Trata-se de iniciativa em regime de parceria envolvendo a
prefeitura de São Gonçalo e a Associação do Ex-combatentessecção São Gonçalo. Esta cederia a área física (área de terreno e
benfeitorias já existentes), em regime de comodato (prazo a ser
estabelecido de comum acordo entre as partes), aquela realizaria
as intervenções necessárias (de recuperação, adaptação e obras de
ampliação), visando ao futuro funcionamento, na atual sede da
associação dos Ex-combatentes, secção São Gonçalo, de (1) sede
da associação dos Ex-combatentes, secção São Gonçalo; (2) de
Biblioteca Histórica; (3) Museu do Ex-combatente; (4)
Administração da Biblioteca Histórica e do Museu; (5) auditório
polivalente (espaço para palestras, conferências, reuniões sócioculturais, projeções de imagem/som e eventos culturais-recreativos
destinados ao cidadão de terceira idade”.
A mensagem continua fazendo referências aos ex-combatentes, como sendo
depositário de acervo precioso importante para história do Brasil e de São Gonçalo. Ainda
trata da possibilidade de tal empreendimento poder ser uma alternativa turística-cultural
para a cidade.
O exercito, a marinha e a aeronáutica iriam cooperar para a construção das
instalações. Estava previsto que o patrimônio pertenceria a prefeitura como bem
inalienável, o projeto conseguiu aprovação sem muitas discussões.
A nova fachada do prédio e o projeto de arquitetura foram de Angelita Maria
Rezende Guedes 54 .O projeto foi bem aceito pelo ex-combatentes, em uma manchete de
jornal o prefeito João Bravo é alegremente recepcionado pelos membros da secção do
42
Paraíso. 55 Uma das resoluções de Bravo foi à retirada dos 20 trailers que invadiram a área
da praça. Resolução que não agradou muitos moradores, pois estes achavam mais segura a
praça quando os trailers estavam na área. Já os ex-combatentes gostaram, pois não queriam
seu monumento manchado por um comércio irregular. Mas Bravo retirou todos os trailers
de áreas públicas, e não somente da Praça dos ex-combatentes
Os ex-combatentes reivindicavam na época dessa visita uma laje a ser construída na
área de lazer, a pista de dança, o calçamento envolta da Associação e uma rede de esgoto.
A idéia dos ex-combatentes era preservar o seu patrimônio para serviço de estudantes e a
própria população, mantendo a imagem dos que defendiam a Pátria dos seus inimigos.
Esse projeto alegrou demais os ex-combatentes aumentando muito suas expectativas
de verem sua memória preservada para as futuras gerações. A obra começou a ser muito
elogiada 56 , o então deputado federal Hairson Monteiro (um dos interessados no projeto) fez
um pronunciamento na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro elogiando o projeto e
citou Osmar Leitão como o intercessor junto ao governador Geremias Fontes para a
concessão da área para associação, em 1968.
Com a perspectiva de uma nova sede e de criação de projetos para a associação, as
comemorações dos pracinhas , em São Gonçalo, tiveram um novo ânimo. Como a
solenidade de comemoração do dia da Vitória 57 , 18 de maio, o externato Santa Teresinha
de Jesus, no centro de São Gonçalo, tornou-se palco de políticos. Estavam presentes várias
autoridades civis e militares, inclusive o vice-cônsul de Portugal, um brigadeiro
comandante, um sub-tenente, o senhor Silvio de Matos, presidente da Associação de São
Gonçalo, e o prefeito João Bravo.
A nova sede foi inaugurada no dia 30 de dezembro de 1996, no final do governo
Bravo 58 . O prédio anterior foi uma doação do governo do Estado do Rio de Janeiro e
funcionava como sede da Associação desde 1968, e foi demolido pela prefeitura. A
Associação contava agora com uma nova fachada, um salão de festas, secretaria, área de
lazer, cantina, biblioteca, banheiros e garagem. A inauguração quase foi prejudicada por
54
Jornal.O São Gonçalo, 03/01/1995. p 3.
Jornal O São Gonçalo, 14/02/1995. p 2.
56
Jornal O Nosso Jornal, 13 a 19/05 de 95. p 4.
57
Jornal O São Gonçalo, 10 a 16/06/1995. p 3.
58
Jornal O São Gonçalo, 7 a 8/01/1997. p 2.
55
43
uma pichação feita na madrugada anterior, a nova sede teve que ser repintada antes da
solenidade.
O projeto não foi cumprido totalmente
Apesar de tudo, as esperanças dos membros da Associação
acabaram sendo
frustradas pela péssima obra feita e muitas de suas aspirações não foram realizadas. As
intervenções foram incompletas, mal acabadas e insuficientes para realização do museu e
biblioteca, sem ajuda do município os ex-combatentes não tiveram recursos para concluir
todo o projeto inicial. O museu vive de forma precária, mantido pelos poucos membros e a
biblioteca não existe, já as demais áreas não são plenamente aproveitadas.
Fotos sobre a associação e da praça hoje em dia
Atualmente os dois monumentos sofrem com o abandono público e a falta de
recursos dos ex-combatentes. Os monumentos permanecem pichados e depredados em
algumas áreas. O monumento da âncora, no bloco em forma de V esta danificado
aparecendo uma parte da viga. No do canhão anti-aéreo a placa de metal foi roubada. O
monumento dos brasões esta imundo por causa das pichações, precisando ser recuperado.
Sem contar que os demais monumentos externos (isto é, os da praça) encontram-se mal
conservados precisando de restaurações. Mas o terreno da praça não pertence à prefeitura,
mas a CEDAE por isso do governo do Estado, então a prefeitura não se sente muito na
obrigação de conservar a praça.
A associação por dentro está muito mal conservada, principalmente porque a obra
não foi realizada como deveria ter sido. A associação precisa de uma laje, coisa que deveria
ter sido construída na época mas não foi. O chão da associação é de cimento colorido,
demonstrando que a prefeitura não fez um bom acabamento na obra. As promessas da
construção da biblioteca e do museu não foram cumpridas, interessante notar que o término
e inauguração da obra foi no final do mandato de João Barbosa Bravo. Com o final deste
governo quem poderia então reclamar com ele, pois já não estava no poder.
44
Os objetos que estão expostos na associação precisam ser realocados no espaço de
uma maneira mais eficaz. As balas do canhão estão num canto da sala em que os excombatentes usam para jogar sinuca, o quadro do roteiro de campanha da FEB estava no
chão escondido atrás de uma mesa. O expositor de fotos precisa ser preenchido.
45
CONCLUSÃO
LEVANTAMENTO GERAL
Os projetos permanecem
Considerações
As lutas pela preservação da memória dos ex-combatentes em São Gonçalo
constituem uma parte importante da história da cidade, mas o poder público municipal
atualmente não tem interesse de preservar esta memória, pois existem outras prioridades
maiores dentro da cidade. A pouca documentação e as dificuldades de se ter acesso a elas
desanimam a concretização dos trabalhos de pesquisa. Porém, é gratificante a descoberta
das linhas do passado em que os seus personagens históricos atuaram.
O monumento foi construído através das lutas políticas de um determinado grupo,
os ex-combatentes de São Gonçalo, que queriam estabelecer na cidade uma referência
monumental de sua identidade. O grupo de São Gonçalo era um reflexo dos demais grupos
de ex-combatentes do país que também lutavam em suas causas tanto que estes
conseguiram várias aprovações de leis que amenizassem sua situação de penúria. A
construção da sede e da praça são conquistas do grupo local mas também são fontes de
preocupação, pois a preservação dos monumentos ainda não está, para eles, assegurada.
Diante do estado atual dos monumentos esse medo não parece infundado.
Um dos símbolos para a unidade de São Gonçalo
46
Os monumentos são marcos históricos visíveis que servem para integração política
da cidade. As construções servem para lembrar que um grupo de gonçalenses heróico
deram sua vida na Itália, lutando pela democracia, como diz vários documentos municipais.
Esta mesma democracia firmada pela prefeitura da cidade. Esse discurso consegue ser
anacrônico no tocante à parte em que diz que a os pracinhas lutaram pela preservação da
democracia no exterior enquanto o regime interno do país não era nada democrático.
Os discursos patrióticos fazem parte das construções em torno dos monumentos, o
patriotismo é exaltado como uma única maneira de amar a nação brasileira. A força desses
dircusos é mantida pelos ex-combatentes, ainda muito vivo em seus comentários.
O poder simbólico de vigilância exercido pelos dois monumentos ficou em segundo
plano. Foi exaltado dentro das construções a concepção do espírito de sacrifício cívico
assumido pelas forças armadas, sendo usado para legitimar a certeza de que a Pátria estava
sendo bem governada. O caráter de vigilância nunca foi muito forte e se extinguiu com a
abertura política.
Meu interesse
Meu interesse pela praça se deve ao fato de ser um morador local e ter passado parte
de minha infância aproveitando dos recursos do monumento. Com minha entrada no meio
acadêmico minha forma de olhar o monumento modificou-se, não sendo um olhar apenas
emotivo, mas voltado para o interesse científico motivado pelas novas formas de
conhecimento adquiridas. Meu olhar em relação aos monumentos passa agora por um novo
prisma: o da descoberta prazerosa. Procurei descobrir as motivações da construção de tais
símbolos usando métodos da ciência histórica.
Descobrir que as lutas pela preservação memorial do grupo dos ex-combatentes
foram conseguidas através das relações de amizade políticas entre os ex-combatentes e os
poderes públicos municipais e estaduais. Essas lutas não acabaram, elas continuam, apesar
deles estarem cansados devido, principalmente as suas idades avançadas. No momento , a
preocupação é com o fim do último ex-combatente de São Gonçalo sua memória não seja
preservada para a posteridade.
47
A historia local da cidade de São Gonçalo é pouco explorada por isso pouco
conhecida. Ao longo do tempo muitos agentes foram ativos para a construção de uma
sociedade gonçalense com características próprias, singulares na maneira de fazer política
para cidade. Há muitas possibilidades do uso da história local, de forma pedagógica, como
um meio de trabalhar a identidade de grupos relacionados com os monumentos, coisa que
pretendo fazer.
48
FONTES
FONTES PRIMÁRIAS
As fontes primárias usadas foram estas:
Arquivo da associação dos ex-combatentes, seção de São Gonçalo. Este arquivo
possui documentação e iconografia sobre a praça e a associação.
Arquivo do ICBEU – MEMOR: recortes de jornais sobre a História de São
Gonçalo.
Entrevista com ex-prefeito Osmar Leitão Rosa
Entrevistas com os ex- combatentes de São Gonçalo.
Prefeitura de São Gonçalo; Arquivo da secretária de Patrimônio (atos dos
Prefeitos, 1931–1980) discursos, decretos, leis e doações.
Periódicos do jornal “O São Gonçalo”; 1968-1996 59 .
FONTES SECUNDÁRIAS
BIBLIOGRÁFIA
BARTHES, Roland. A aventura semiológica. Lisboa. Edições, 70,1987.
BETHEL, Leslie e ROXBOROUGH, Ian (org). A América latina entre a Segunda Guerra
Mundial e a Guerra Fria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
59
GONÇALVES, Márcia de Almeida e RESNIK, Luis. Guia de fontes para História e São Gonçalo. Rio de
Janeiro: Ed. Gráfica da UERJ, 1999.p 46.
49
BONALUME NETO, Ricardo. A Nossa Segunda Guerra: Os brasileiros em combate,
1942-1945. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma introdução a História. São Paulo. Brasileense, 1986.
CARDOSO, Ciro Flamarion S e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de
teoria e metodologia. . Rio de Janeiro: Ed. Campus,1997.
CERRI, Luís Fernando. Imagens publicitárias como fonte para o estudo e o ensino de
História na ditadura militar (1969 – 1973). Área do conhecimento História. Publicação
destinada aos professores de História do Ensino Fundamental. Impressão equipe IBEP. São
Paulo. n ª 3. P. 48 – 52. Julho de 2001
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. 3ª edição. São Paulo:
Editora Perseu Abrano, 2001.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O breve século XX: 1914-1991. São Paulo,
companhia da Letras, 1994.
GONÇALVES, Márcia de Almeida e RESNIK, Luis. Guia de fontes para História de São
Gonçalo. Rio de Janeiro: Ed. Gráfica da UERJ, 1999.
FOUCALT, Michel. Microfisica do poder. São Paulo. Brasileense, 1987.
JOUTARD, Philipe. “História oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25
anos”, in FERREIRA, Marieta de Moraes e Amado, Janaína. Usos e abusos da história
oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.
LE GOFF, Jacques .História e memória. 4ª edição da Unicamp. Campinas, 1996.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história oral. 3ª edição. Edições Loyola. São
Paulo, 1996.
MELLO, Luis Ribeiro. A Legislação do Ex-combatente. Editora Expedicionário Ltda. Rio
de Janeiro, 1978.
MOURA, Gerson. Sucessos e Ilusões. Editora FGV, Rio de Janeiro,1991.
POLLAK, Michel. ‘memória, esquecimento, silêncio’, Estudos Históricos, vol.2, n.º 3,
1989.
______________. Memória e identidade social”, Estudos Históricos, vol. 5, n.º 10, 1992.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Jorge Zahar Editor, Rio de
Janeiro. 2000.
50
KNAUSS, Paulo (coord). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1999.
_______________. Imagens urbanas e o poder simbólico. Niterói: PPGH-UFF, 1998 (tese
de doutorado).
SOARES, Leonércio. Verdades e Vergonha da Força Expedicionária Brasileira. Curitiba.
Edição do autor, 1985.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral/ Paul Thompson ; tradução Lólio
Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
WAACK, Alexandre Paulo Auler. Entre a Glória e a infânia: novas perspectivas para a
Força Expedicionária Brasileira. 2002. 128 f. Monografia (graduação de Licenciatura em
História) – Faculdade de Formação de Professores, UERJ, São Gonçalo, 2002.
Download

ROGRIO FERNANDES DA SILVA