Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
“
* Francisco Serralvo
* Wilson Weber
20
”
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
Q
uantas vezes já ouvimos a frase “isso é puro marketing”?
Geralmente, ela é empregada
erroneamente, principalmente por leigos,
com a conotação de irresponsabilidade,
inconseqüência, más-práticas ou qualquer forma que apresente o marketing
como algo que busca simplesmente “levar vantagem”.
A revisão da literatura que se segue
procura retomar os princípios históricos
resgatando as principais linhas dos pensadores em marketing. Essa revisão
centra-se nos principais autores da literatura norte-americana, não se estendendo aos demais países por ater-se apenas
à evolução histórica do marketing.
A evolução do pensamento do
marketing foi mapeada por Bartels
(1965), que identificou os seguintes períodos: descoberta (década de 1900),
conceituação (década de 1910),
integração (década de 1920 ), desenvolvimento (década de 1930), reavaliação
(década de 1940) e reconceituação (décadas de 1950 e 1960).
Sheth, Gardner e Garrett (1988) desenvolveram um estudo mais profundo,
discorrendo sobre as escolas de pensamento em marketing. Elas foram formadas segundo a linha de pensamento dos
seus principais autores com base nas propostas de investigação escolhidas, sendo diferenciadas em função da época em
que surgiram (refletiam as variantes dos
ambientes de negócios como meios de
comunicação, desenvolvimento tecnológico, mudanças dos hábitos e comportamento das sociedades, e assim por diante) e das propostas ou campo de investigação apresentados (foco nas vendas, no produto, na comunicação, na distribuição, entre outros). Várias escolas
coexistiram, com diferentes perspectivas, enquanto outras diferiram no tempo, mas aproximaram-se em suas propostas ou objetos de investigação.
Essa contextualização histórica,
mostrada a seguir, reforça os conhecimentos mostrados nos bons livros de
marketing atuais, que na sua visão
gerencial consideram os conceitos cria-
“O consumidor
era uma
referência para
classificar os
produtos e não o
foco conceitual
da disciplina,
mas já estava
presente.”
dos e aprimorados ao longo desse um século de desenvolvimento, não os identificando conforme suas correntes de pensamento, mas fazendo uso do que de melhor e mais útil cada uma delas forneceu.
A Escola de
Commodities
O Marketing emergiu como disciplina independente no início do século XX.
Seus primeiros estudiosos acreditavam
que para ela evoluir seria necessário obter não só o respaldo científico, mas também o apoio dos profissionais, que assim
garantiriam a disseminação das idéias.
Buscando referências em outras disciplinas, constataram que as bem conceituadas baseavam-se em alguma forma de
classificação de eventos, utilizada para
prever acontecimentos em razão dessa
classificação. Mesmo sem saber claramente o que buscar, fundaram a primeira
escola de pensamento, a qual denominaram Escola de Pensamento de
Commodities. Apesar de o nome refletir
a força da economia agrícola da época,
seus fundadores já estavam envolvidos
com bens de consumo (embalados), não
com produtos agrícolas. Nessa época, o
marketing relacionava-se à movimentação de bens dos produtores aos consumidores, assim, seria natural sua concentra-
ção nas transações, ou, por aproximação,
nos produtos transacionados. Havia então um foco e o que classificar: produtos, mercados, funções do mercado e
como os produtos chegavam a ele.
Na busca do sistema de classificação,
procuraram agrupar os produtos em categorias que permitissem adotar processos operacionais semelhantes para cada
uma delas. Buscavam um “procedimento padrão”, ou “livro de receitas”. Melvin
Copeland é considerado o criador do primeiro sistema classificatório. Dessas primeiras classificações resultaram alguns
grupos encontrados nos livros atuais de
Marketing, na abordagem das classificações de bens de consumo, como os bens
de conveniência (já aparecia em 1912,
no trabalho de Charles Parlin), de compra comparada, de especialidade e não
procurados. Suas caracterizações foram
alteradas ao longo do tempo e outros grupos foram criados e reclassificados. Grupos como Bens de Emergência, de Compra Rotineira e Bens de Preferência perderam parte do destaque. Essas classificações consideravam os mais variados
aspectos da transação, como disponibilidade do produto, grau de esforço do
comprador, nível de preço, preferência
por marcas, disposição em retardar a satisfação de uma necessidade,
perecibilidade do produto... O consumidor era uma referência para classificar
os produtos e não o foco conceitual da
disciplina, mas já estava presente.
A Escola
Funcional
Nem todos os estudiosos se engajaram
nas teorias da Escola de Commodities.
Um grupo expressivo criou a Escola Funcional, também considerando ser essencial buscar a legitimidade acadêmica e
demonstrar a aplicabilidade prática da disciplina. Em vez de buscar classificar produtos, focaram as atividades necessárias
para efetivar as transações, buscando estabelecer referenciais em “como” elas se
realizavam.
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O “pai” da escola funcional é considerado Arch
Shaw (1912), que num artigo no
Quarterly Journal of Economics
abordava os aspectos da utilização de intermediários na distribuição de mercadorias e nas funções genéricas que deveriam desempenhar, como, por exemplo, a divisão dos riscos, o transporte de mercadorias, o financiamento das operações, as
vendas (comunicação de idéias sobre
produtos), o recebimento, a classificação
e o reenvio.
Weld (1917) ofereceu uma alternativa de análise com funções básicas que
não seriam necessariamente realizadas
apenas pelos intermediários. Elas seriam:
operações, que envolve todos os serviços de aquisição, fabricação, estocagem
e assunção do risco; vendas, que se refere à criação da demanda dos bens (propaganda e promoção de vendas) e, por
fim, o transporte, com o deslocamento
e a disponibilização dos produtos para
os consumidores finais.
Alguns temiam que essas classificações transformassem as funções em estanques, perdendo-se a noção de suas
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inter-relações. Para Franklin Ryan
(1953), qualquer consideração que se
fizesse tinha no final o objetivo de
encontrar respostas para as funções
gerais de distribuição que acrescentavam utilidades como de
tempo, lugar, propriedade e posse para bens físicos, enquanto
estes se moviam para o ponto
de venda e esto-cagem, e para
as funções distintivas, realizadas
pelas
empresas
(assunção de risco
e financiamento).
Edmund
McGarry (1950)
sugeriu uma
classificação que
previa as funções
de contato (prospecção e negociação com
fornecedores e clientes
potenciais);
comercialização
(atividades para
adaptar o produto
às idéias concebidas pelos
compradores); definição de preço
(preços aos quais os produtos são oferecidos, ou aos quais serão aceitos); propaganda (todos os métodos utilizados
para persuadir o usuário potencial a se-
“Em vez de buscar
classificar produtos,
focaram as
atividades
necessárias para
efetivar as
transações,
buscando
estabelecer
referenciais em
‘como’ elas se
realizavam.”
lecionar o produto e gostar dele quando
o tiver); distribuição (transporte e
estocagem de produtos) e finalização
(troca efetiva na custódia e responsabilidade dos produtos e encerramento do
processo). Uma derivação de classificações apresentadas por teóricos como
Shaw, Weld, Ryan e, especialmente
McGarry, está refletida nos 4P’s, popularizados por McCarthy (1960).
Para Lewis e Erickson (1959), o
marketing tinha apenas duas funções: gerar demanda (propaganda, venda pessoal, promoção de vendas, planejamento de produto e definição de preços) e
atender a demanda (estocagem,
gerenciamento de inventários, transporte, processamento de pedidos e manuseio). Esses conceitos estão presentes na
gestão de processos e administração da
cadeia de fornecimento.
A Escola
Institucional
Acompanhando a evolução social,
criou-se a escola institucional, fruto da
percepção dos consumidores de que os
preços pagos no varejo eram injustificadamente elevados. Seus teóricos acreditavam que deviam prestar mais atenção
nas organizações que efetivamente participassem da movimentação dos bens aos
consumidores. Seu fundador foi Weld
(1916), que escreveu The Marketing of
Farm Products, mostrando sua preocupação com a eficiência dos canais de distribuição. Se os intermediários eram muito
importantes, deveriam ser considerados
em quantidades justificáveis para não
inviabilizar o canal.
Ralph Starr Butler (1923) escreveu
Marketing and Merchandising, considerando a importância dos intermediários na
criação de utilidade, pois eles traziam produtos de onde eram fabricados para onde
seriam consumidos, disponibi-lizando-os
quando necessários (tempo e local). Paul
D. Converse e Harvey W. Huegy (1940),
no texto Elements of Marketing, já mos-
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travam os riscos e benefícios potenciais
da integração vertical nos canais, pois enquanto ela oferecia vantagens na redução das despesas de marketing e garantia o fornecimento das mercadorias, apresentava falhas quando envolvia muitas
matérias-primas diferentes ou mesmo nas
tentativas de um produtor operar no competitivo universo do varejo. Consideravam ser relativamente simples integrar
atacado e varejo, mas não produção e varejo.
A escola institucional atingiu seu ápice no período 1954-1973, quando passou a utilizar teorias econômicas para assuntos críticos como o surgimento dos
canais de marketing, sua evolução e o
desenho de estruturas institucionais eficazes e eficientes. Wroe Alderson (1954)
escreveu Factors Covering the Development of Marketing Channels, onde se
pode destacar:
“...os intermediários crescem no processo de troca porque podem aumentar
a eficiência do processo(...) Enquanto os
economistas assumem, por certos propósitos, que a troca é feita sem custos, no
mundo real as transações tomam tempo
e utilizam recursos(...) Os intermediários criam as utilidades de tempo, lugar e
posse porque as transações podem ser
feitas por meio deles de forma mais barata do que na troca direta” (p.13-14).
Bert McCammon (1963), um dos líderes dessa escola, mostrou que a eficiência não deveria ser o critério único no
desenho dos canais. Preocupações excessivas com custos e receitas não explicavam o fato de algumas instituições resistirem às mudanças mesmo com vantagens econômicas aparentes, nem a persistência de canais não econômicos. Para
explicá-las, McCammon sugeriu que se
investigassem fatores sociológicos e psicológicos, e ofereceu algumas hipóteses,
ainda válidas. No aspecto inovações, defendia que seu grau de difusão dependia
da própria inovação, sendo mais facilmente aceitas as que não interferissem
demais na situação atual; o inovador era
um “estranho no ninho” dentro da organização; a velocidade e intensidade da
adoção dependiam do risco ao negócio,
sendo maiores as probabilidades de aceitação, quanto maiores as aspirações do
empreendedor e sua adequação aos hábitos de decisão existentes. Lembrava
que influenciadores e inovadores não seriam sempre as mesmas empresas. Ao advogar a inclusão de variáveis
comportamentais na análise da evolução
dos canais, McCammon (1965) buscava
livrar seus colegas da prisão da perspectiva econômica.
Ele adotou o tema da integração e
apresentou três formas de canais centralmente coordenados: o sistema
corporativo, pelo qual se combinavam
vários estágios de produção e distribuição sob um mesmo proprietário; os administrativos, que coordenavam o fluxo
de bens e serviços buscando economias
sistêmicas, e os acordos contratuais, pelos quais empresas independentes podiam coordenar suas atividades buscando
economias sistêmicas e impactos no
mercado, impossíveis de serem obtidos
individualmente. Essa abordagem se justificava pelos aumentos das exigências
de capital e custos fixos mais elevados,
pelo declínio das margens de lucro e retorno de investimentos, pelo aumento da
complexidade dos processos de
marketing e pelas economias potenciais
da centralização do sistema.
Mallen (1973) propôs o desmembramento funcional (Stigler, 1951) pelo
qual a manutenção das atividades de
marketing na empresa, ou sua transferência para intermediários, dependeria de
quem as executasse melhor e mais eficientemente. Vários aspectos da escola são
bastante atuais.
A Escola
Regional
A escola regional é normalmente negligenciada quando se discutem teorias
de marketing. Seus estudiosos percebiam o marketing como uma forma econômica de unir o espaço geográfico entre
compradores e vendedores. Concordando que os produtos trocados mereciam
ser estudados (commodities) e que as atividades de facilitação da troca deveriam
ser investigadas (funcional), devotaram
mais atenção para a separação física entre compradores e vendedores, tentando
explicar que papel essa distância representava na decisão do consumidor de favorecer uma loja e não outra, ou como
explicar o fluxo de bens entre várias regiões com recursos e necessidades diferentes.
Era uma escola quantitativa originada de trabalhos anteriores em geografia
e economia que relacionavam atividade
econômica e espaço físico, e não uma
criação da disciplina de marketing.
Ela preocupou-se não só com a área
de varejo, mas também com a de atacado. É a precursora dos estudos sobre a
teoria da atratividade do varejo e da formação dos pólos de consumo.
A Escola do
Macromarketing
Essa escola foca o papel e o impacto
das atividades de marketing e das instituições na sociedade e vice-versa, e emergiu como conseqüência do crescente interesse pelo papel dos negócios na sociedade. No início dos anos 60, ganhavam
fôlego expressões como fixação de preços, complexos industriais-militares e
monopólios, e a opinião pública duvidava das intenções das empresas. Acidentes como o da Talidomida e os problemas com automóveis defeituosos e inseguros levaram as escolas a encorajar os
seminários sobre limites e ética.
Boa parte da imagem negativa do
marketing vem da idéia de que ele é uma
atividade de vendas, que envolve muitas
práticas condenáveis, oriundas dessa
época. Robert Holloway e George Fisk
fizeram os primeiros trabalhos para tentar compreender essa percepção nas pessoas comuns. Holloway (1967) fez uma
coleção de trabalhos sobre os ambientes
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sociológico, político, econômico, legal, ético, competitivo e tecnológico.
Fisk (1981) buscou o entendimento do papel do
marketing na sociedade,
descrevendo as inter-relações entre a economia da
equalização, a estratégia e
os mecanismos da gerência de marketing e as conseqüências sociais da atividade de marketing, fazendo também a distinção
entre
macro
e
microssistemas.
Zif (1980) procurou
demonstrar que a abordagem gerencial aplicada no
micromarketing é aplicável às situações e problemas do macromarketing.
“Gerentes do setor público, a cargo de problemas
sociais, podem e devem se
comportar de maneira semelhante aos seus pares
do setor privado, a cargo
de produtos e serviços comerciais”. As variáveis
principais dessa atividade
são: responsabilidades,
objetivos, orientações, estratégias e tomada de decisão. Com algumas adaptações podem ser aplicadas aos fenômenos macro,
que apresentam competição reduzida e aumento da
cooperação. O estrategista passa a ser o integrador.
Essa colocação ecoa
no conceito ampliado de
marketing desenvolvido
por Philip Kotler (1972).
O conceito de marketing
evoluiu da percepção que
considerava serem os negócios o objetivo de
marketing, que se ocuparia de vendedores, compradores e produtos e ser-
24
viços “econômicos”, para a que considerava ser ele relevante para qualquer
organização que oferecesse produtos e
serviços (que tivessem valor) para seus
grupos de consumidores, mesmo que
gratuitamente, e, finalmente, para a que
reconhecia sua relevância para todas as
organizações no relacionamento com
seus públicos, não apenas com clientes.
O foco disciplinar de marketing era então a transação (troca de valores entre
duas partes).
A obra sobre macromarketing é vasta. Nos anos 70, houve grande interesse
pelo marketing social, no seu papel nas
mudanças sociais e no gerenciamento do
seu próprio ambiente. Hutt, Mokwa e
Shapiro (1986) examinaram a política
no marketing e sugeriram que paralelamente aos canais de distribuição existia
uma rede política. “Sistemas de
marketing devem ser definidos em termos de partes, relacionamentos e ações
que ampliam e facilitam a performance
e evitam ou proíbem trocas em
marketing.” Arndt (1979) e Kotler
(1986) argumentaram que os profissionais de marketing que quisessem operar
com sucesso no ambiente de mercado
deveriam adquirir habilidades políticas.
Kotler abordou as dificuldades de entrar
em mercados bloqueados ou protegidos,
que transformavam essa entrada em um
exercício político, no qual devia-se considerar mais benefícios às partes do que
ao target, agentes, distribuidores e vare-
“É a precursora
dos estudos
sobre a teoria
da atratividade
do varejo e da
formação dos
pólos de
consumo.”
jistas. Deviam-se incluir governos, sindicatos e outros grupos de interesse. Para
Kotler, isso exigia o mega-marketing, que
além dos quatro P’s considerava mais dois:
poder e relações públicas.
A Escola
Funcionalista
Essa escola concebia o marke-ting
como um sistema de relacionamentos estruturais e de relações dinâmicas interdependentes. Sua abordagem também foi
proposta por um pesquisador da linha
econômica, mas que via o marketing da
perspectiva sistêmica, na qual os processos econômicos eram apenas uma das
partes inter-dependentes. Foi a escola de
apenas um e produtivo estudioso, Wroe
Alderson (publicações de 1945 a 1965).
Hunt, Mun-cy e Ray (1981) tentaram esclarecer e integrar os trabalhos de Alderson formalizando sua teoria
funcionalista a partir dos seus elementos
básicos (grupos, comportamentos e expectativas). Merece destaque a afirmação de
que “dada a heterogeneidade da demanda e do suprimento o propósito do marketing é efetuar as trocas combinando segmentos de demanda e fornecimento” (p.
89).
Alderson (1954) afirmou que o
funcionalismo “não hesita em utilizar outras disciplinas como economia, psicologia ou qualquer outra
para fatos ou modelos conceituais
que possam ajudar a encontrar a
solução de um problema” (p. 40).
Ele não foi o único a ver o marketing
como sistema, mas foi o único que
utilizou as ciências comportamentais
na conceituação das relações entre
suas várias unidades. Seus conceitos
eram definidos considerando “as entidades que operam no ambiente de
mercado” (Alderson, 1956, p. 7). Em
um sistema de comportamento organizado, o elemento de organização é
a expectativa dos membros que, como
integrantes do sistema, irão obter um
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excedente além do que poderiam conseguir com uma ação individual e independente. Sua fronteira é o senso comum
de manutenção das condições vitais da
organização. Como os sistemas de comportamento organizado interagem com
o mercado, eles “fornecem a força motriz que mantém os processos de
marketing em movimento” (Alderson,
1965, p. 37) de forma a maximizar seus
interesses e sobrevivência. Alderson
considerava os canais de marketing um
pseudo-sistema, por haver senso de cooperação, mas sem comprometimento de
longo prazo. Faltava-lhe o senso de sobrevivência.
A empresa, como sistema organizado, está diretamente relacionada
com mercados heterogêneos, cada vez
mais complexos e diversificados, o
que a leva a desenvolver habilidades
e conhecimentos especializados para
facilitar a troca e combinar suas necessidades com seus recursos. Essa
heterogeneidade é a base da mudança.
Seu princípio de mercado heterogêneo baseava-se no fato de que as
necessidades de um indivíduo são diferentes das de outros, numa visão de
mercado diferente da visão econômica de mercados homogêneos. Dada
essa hetero-geneidade, propunha que
a “diferenciação de produtos e serviços era a chave para definir o valor
criado pelo marketing” e “o processo
econômico básico era a diferenciação
gradual dos bens...” (Alderson, 1957,
p. 69). Era uma definição mais completa do que a que afirmava que
marketing criava utilidades de local,
tempo e posse. Se os mercados são
heterogêneos, a demanda será heterogênea, e os processos de marketing
serão os mecanismos que as combinem. Para Alderson, o processo de
marketing era a série de escolhas e
transformações pelas quais essa combinação era obtida, havendo a busca
constante do equilíbrio entre o processo de marketing e o mercado heterogêneo.
“Enquanto escolhas
e transformações
eram conceitoschave para o
entendimento do
mercado
heterogêneo, a
chave para sua
análise era o
conceito de
“transvecção”.”
Enquanto escolhas e transformações eram conceitos-chave para o entendimento do mercado heterogêneo,
a chave para sua análise era o conceito de “transvecção”, termo cunhado
por Alderson, que é a soma das escolhas e transformações ocorridas desde a escolha das matérias-primas até
o produto final chegar ao consumidor.
O conceito de heterogeneidade focava
a sucessiva diferenciação, e o da
transvecção a análise da eficácia e eficiência do processo.
A Escola
Comportamental
É a escola de maior impacto no
marketing depois da gerencial. Além das
questões demográficas nos negócios,
buscava-se entender por que o consumidor agia de determinada forma. A escola
focou então no “porquê”. Seu florescimento ocorreu da percepção da necessidade de entender o consumidor e sua
popularidade deveu-se à valorização do
conceito de marketing e ao estabelecimento do corpo de conhecimento das
ciências comportamentais. Nesse desenvolvimento, teve grande importância a
passagem de economia de compra para
economia de vendas após a Segunda
Guerra Mundial, quando a
competição acirrou-se em
função dos excessos gerados
pela excepcional capacidade
produtiva. Instituições como
a Fundação Ford alocaram
somas consideráveis com o
objetivo de ampliar o conhecimento nas ciências
comportamentais e matemáticas que pudessem ser utilizados no conhecimento das
áreas de negócios. Várias áreas, como a Antropologia, a
Psicologia Cognitiva, a Psicologia Clínica e a Sociologia, ofereceram contribuições que, aliadas a processos
matemáticos, foram muito
importantes.
Os pioneiros da escola
foram George Katona
(1953), que mostrou as diferenças entre os comportamentos econômico e psicológico e foi também pioneiro
nas técnicas de intenções e
sentimentos de compra para
previsão de comportamento;
Lazarsfeld e Katz (1955)
com a pesquisa em liderança
de opinião e influência pessoal (boca em boca), que contribuiu também para a
metodologia dos painéis
como método de coletar dados e fazer tabulações cruzadas e hierarquizadas; Everett
Rogers (1962) com seu livro
sobre difusão de inovações;
Leon Festinger (1957) com
sua teoria da dissonância
cognitiva, que é parte integrante da teoria de comportamento de compra; e March e
Simon (1958) e Cyert e
March (1963), que focaram
o comportamento de compra
organizacional. Outros trabalhos foram desenvolvidos,
mas de forma fragmentada e
não voltados ao marketing.
25
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Nos anos 50, foram identificadas três
áreas de pesquisa: determinantes psicológicos racionais e emocionais do comportamento de compra (as compras são
feitas por motivos emocionais e razões
profundas que os consumidores não querem discutir, e muitas vezes nem percebem que existem, e que são conhecidos
apenas por meio da psicologia clínica);
determinantes sociais do comportamento de compra (um dos mais importantes
é a influência dos grupos de referência
na escolha de produtos e marcas, outro é
a da força da palavra – boca em boca); e
decisão doméstica (estudo do comportamento de compra familiar – como seus
membros se ajustam no processo). A escola cresceu com estudos importantes
como o da lealdade de marca entre compradores em supermercados, experimentos em laboratórios e o estudo dos riscos percebidos no comportamento do
consumidor (Raymond Bauer defendia
que os consumidores não maximizavam
utilidades – economia – e sim reduziam
seus riscos).
A teoria mais abrangente do comportamento do consumidor foi proposta por
Howard e Sheth (1969) utilizando conceitos conhecidos da psicologia que incluíam a teoria do aprendizado, o comportamento exploratório e as representações simbólicas. Daí sugeriram alguns
axiomas: os consumidores gostam de
simplificar situações de escolha complexas e complicar situações de escolha
muito rotinizadas e/ou não-desafiadoras;
experiências com produtos e marcas são
determinantes de escolha mais fortes que
as informações, estímulos provocados
pelo produto físico são menos filtrados
por mecanismos perceptuais de exposição, atenção e retenção que os estímulos provocados pela propaganda e venda pessoal; as informações de fontes sociais e neutras são menos filtradas que
as das fontes comerciais; a satisfação do
consumidor é psicológica e função direta da discrepância entre as expectativas e a experiência; fatores exógenos influenciam e controlam o processo de
simplificação e complicação (caracterís-
26
“Arndt (1979) e
Kotler (1986)
argumentaram que
os profissionais de
marketing que
quisessem operar
com sucesso no
ambiente de
mercado deveriam
adquirir habilidades
políticas.”
ticas pessoais, ambientes sociais, escassez de tempo e recursos).
Simplificação e complicação diferem
em função das características do produto, da importância ou envolvimento, e
da percepção do risco associado às escolhas erradas. Essa teoria tornou-se
mais popular por ter sido mais rigorosamente desenvolvida em termos científicos, ter validade por incorporar descobertas de marketing, psicologia e outras
ciências comportamentais, e por ter sido
comprovada em pesquisas de campo.
Dada a grande evolução da escola,
foi formada em 1969 a Association for
Consumer Research – ACR –, para oferecer um fórum de discussão, estimular
a pesquisa e disseminar as descobertas
através de seminários, conferências e
publicações. Tornou-se a alternativa à
American Marketing Association – AMA
– para os estudiosos do assunto. Em
1974, foi fundado o Journal of
Consumer Research – JCR. Caracterizava-se assim o comportamento do consumidor como disciplina independente.
Nos anos 70, uma das pesquisas mais
importantes foi a do comportamento de
compra organizacional (Robinson, Faris
e Wind, 1967). Surgiram linhas com foco
mais limitado e aplicação das teorias
cognitivas em serviços públicos e educação, entre outros, na tentativa de aplicar conceitos de marketing em organi-
zações sem fins lucrativos, ou focados
nas integrações culturais (marketing internacional). Teve grande destaque o
comportamento de compra familiar, no
qual os comportamentos de compra individuais eram ao mesmo tempo influenciados e influenciadores.
Martin Fischbein (1963 e 1967),
reforçado pela posição de Fischbein
Ajzen (1975), dizia que:
“...a intenção de uma pessoa para
dado comportamento é função de dois
fatores: crenças pessoais sobre as conseqüências daquela ação, ou, crenças
sobre as normas do seu grupo de referência serem a favor ou contra aquele
ato (crenças pessoais ou normativas)”.
(Fischbein, 1967, p. 71)
Emergiu como corrente independente a linha do processamento de informações tendo como objeto de estudos o fato
de como os consumidores utilizam, assimilam e fazem seus julgamentos sobre
produtos e marcas.
Os anos 80 caracterizaram-se como
a nova era do comportamento do consumidor. Surgiram novas áreas de pesquisa interativas como as dos rituais e simbolismos, comportamento experiencial e
de fantasia, impactos religiosos no consumo e preocupações multi e subcultural.
A riqueza da escola sempre deu margem a
novas idéias como a do exame da expertise
do consumidor (dimensões inter-relacionadas: esforço cognitivo, estrutura
cognitiva, elaboração, análise e memória)
e semiótica. Suas maiores contribuições
ainda são as teorias de consumo e o foco
no consumidor.
A Escola
Gerencial
O isolamento que alguns estudiosos
de economia sentiam do mundo prático
dos negócios no final dos anos 40 levou
alguns deles, como Joel Dean e William
Baumol, a desenvolver a “economia
gerencial” para buscar traduzir as teorias
freqüentemente abstratas dos acadêmicos
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em princípios da prática de negócios que
pudessem ser utilizados no dia-a-dia
gerencial.
Seguindo essa liderança econômica,
alguns teóricos de marketing adotaram
uma abordagem semelhante. John
Howard (1957) publicou um texto
intitulado Marketing Management, e
Eugene Kelly e William Lazer (1958)
editaram Managerial Marketing:
Perspectives and Viewpoints. O núcleo
da escola, entretanto, emergiu de uma
série de artigos publicados entre os anos
50 e 60 por escritores como Theodore
Levitt, Neil Borden e Wendell Smith, que
introduziram conceitos como miopia em
marketing, mix de marketing e
segmentação de mercado (com semelhanças com o conceito de marketing
heterogêneo de Alderson). Um dos marcos conceituais foi o conceito de
marketing mix, que enfatizava a necessidade de se ver as tarefas de marketing
como o processo de combinar ou integrar funções diferentes. Seus pioneiros
foram Ed Lewis, E. Jerome McCarthy e
Neil Borden (1964), que descreveu a filosofia do marketing mix da perspectiva
da eficácia da propaganda.
Foi extremamente importante a discussão nessa escola da miopia da busca
da eficiência de produção. Era necessário considerar mais as necessidades e
desejos dos consumidores antes de tomar
decisões para o aproveitamento de oportunidades de produção. J. B. McKitterick
(1957) afirmava que:
O objetivo principal da função de
marketing, num conceito gerencial, não é
tanto ser especializado em fazer o consumidor agir como interessa ao negócio
quanto ser especializado em conceber e
então fazer o negócio agir para se adaptar
aos interesses dos consumidores (p. 78).
Franklin Houston (1986) defendia ser
“tempo de reaprender que o conceito de
marketing é um conjunto de três conceitos,
marketing, vendas e produção, que formam
a base do seu gerenciamento” (p. 49).
Um dos artigos mais influentes da
escola foi Marketing Myopia de
Theodore Levitt (1960), que alertava
para a crença ingênua de que uma situação lucrativa no presente seria eterna,
pois qualquer empresa teria vulnerabilidades. Explicações para os ciclos de
expansões generosas e decadências não
detectadas, que atingiram muitas empresas, contemplaram a crença errônea de
que o crescimento estava garantido por
uma população crescente e mais afluente, por não haver substituto competitivo
para o produto, por acreditar demais na
produção em massa e suas economias de
escala, e por concentrar-se demasiadamente nos produtos, negligenciando
quem os consumia.
Perceber o consumidor como motivo dos esforços de marketing permitiu
entender que nem todos possuíam as
mesmas motivações e objetivos. A primeira proposta de que os consumidores
deveriam ser segmentados, e diferentes
compostos de marketing utilizados, foi
feita por Wendell Smith (1956). A
segmentação de mercado consiste em “ver
um mercado heterogêneo como um número de mercados menores, homogêneos, em resposta a produtos de diferentes
preferências entre segmentos importantes”. É imputável aos desejos dos consumidores ou usuários finais o atendimento
mais preciso da satisfação de seus desejos
variados. Esse conceito foi muitas vezes
interpretado erroneamente, levando à consideração dos diferentes níveis de demanda e não dos tipos de demanda. A preocupação com a aplicação da segmentação
para mercados industriais surgiu apenas
com Doyle e Saunders (1985).
Nessa época também, vários estudiosos concentraram-se na forma como os
elementos do marketing mix deveriam ser
utilizados. Na área do produto, um conceito importante foi o do ciclo de vida,
apoiado na fundamentação biológica intuitiva de nascimento, crescimento, maturidade e declínio. Sua simplicidade gerou focos de crítica por não permitir prever mudanças necessárias e nem quando
um estágio sucederia o outro. Falhava
também como modelo normativo que tentava prescrever estratégias alternativas
para cada estágio. Gardner (1987) foi mais
27
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
incisivo, concluindo que o CVP não era
uma teoria e tinha grandes fraquezas que
exigiam a revisão do conceito. Apesar das
críticas e fraquezas, continua sendo um
elemento de orientação.
Na área de preços, Joel Dean (1950)
e Alfred Oxenfeld (1960) traduziram
teorias econômicas em recomendações
gerenciais. Das contribuições de Dean,
as mais importantes foram os conceitos
de desnatamento de preços (os preços são
levados ao extremo, com fortes gastos
de comunicação nos estágios iniciais, e
depois reduzidos), sendo indicado para
produtos que representem conceitos de
ruptura. Obtém lucros rapidamente, mas
dificulta a adoção imediata em larga escala) e preços de penetração (utilizamse preços mais baixos para chegar mais
rapidamente ao mercado de massa) para
produtos novos. Oxenfeld defendia a
abordagem multiestágios para a definição de preços: seleção do target, escolha da imagem da marca, composição do
marketing mix, seleção da política de
preços, definição da estratégia de preços
e definição do preço específico.
Na área de distribuição John F.
Magee (1960) escreveu um artigo clássico encorajando os gerentes a tratar a
distribuição como um sistema e com a
mesma importância dada a produto, preço e comunicação. As condições-chave
eram o reconhecimento de que distribuição significava examinar o sistema completo de distribuição física, o uso de
métodos quantitativos para analisar os
trade-offs e as relações entre a operação,
as políticas e o trabalho cooperativo de
pessoas com conhecimento de vendas,
marketing, transporte, manuseio e controle de materiais, e, por fim, o tratamento de informações. Neste ponto, vale
mencionar que outras escolas preocuparam-se mais profundamente com aspectos da distribuição: a Funcional, a
Institucional e a da Dinâmica
Organizacional.
Na área de comunicação, a escola
ofereceu sugestões referentes à venda
pessoal e propaganda. Em artigo no
Journal of Marketing, Robert J. Lavidge
28
“Seu princípio de
mercado heterogêneo
baseava-se no fato de
que as necessidades
de um indivíduo são
diferentes das de
outros, numa visão de
mercado diferente da
visão econômica de
mercados
homogêneos.”
e Gary A. Steiner (1961) argumentaram
que o objetivo da propaganda deveria ser
conduzir os consumidores por uma série
de estágios que, eventualmente, levariam à compra do produto. Os níveis dos
compradores eram baseados na sua distância até o caixa: os potenciais, que desconheciam a existência do produto/serviço; os que tinham mera consciência da
sua existência; os que sabiam o que o
produto oferecia; os que tinham atitude
favorável em relação ao produto; os que
chegavam a ter preferência; os que combinavam a preferência com o desejo de
comprar; os que tinham convicção na
compra, e os que a efetivavam.
O marketing foi penalizado por táticas inconseqüentes e decepcionantes
empregadas por vendedores mais
afoitos. Por isso Cash e Crissy (1958)
defendiam a adoção da teoria da “necessidade-satisfação” na venda pessoal. Por
ela o vendedor evitaria falar de um produto até que tivesse descoberto as necessidades do cliente, num processo
mais demorado, mas mais eficaz.
A escola gerencial tem conteúdo
muito vasto e inclui outros tópicos como
posicionamento e inter-relacionamento
funcional da organização encontrados
nos inúmeros livros atuais. Ela exerce
grande influência nos profissionais de
marketing e ofereceu excelentes contribuições como o conceito de marketing
que considera as necessidades dos clientes, e o marketing mix, que integra as
funções e tarefas de marketing.
A Escola Ativista
Essa escola representa pensamentos
e pesquisas relacionadas ao bem-estar e
satisfação dos consumidores que focam
o desequilíbrio de forças entre compradores e vendedores e as más-práticas de
marketing. Originou-se nos movimentos
consumeristas iniciados nos anos 30, e
ganhou corpo no final dos anos 60, quando as reações dos consumidores se fizeram sentir mais fortemente. No início, os
movimentos dos consumidores foram
sustentados por várias instituições e publicações que mostravam os problemas
com as práticas de marketing, mas seu
desenvolvimento veio com as atividades
de consumidores e políticos como John
K. Galbraith, Vance Packard, Rachel
Carson e o Presidente Kennedy. O mais
popular defensor dos direitos dos consumidores foi Ralph Nader (1966), que
denunciou o desrespeito aos consumidores às instâncias governamentais e legais,
enfrentando a poderosa indústria automobilística norte-americana.
As pesquisas referentes ao
consumerismo podem ser divididas em
várias áreas, sendo a maior delas a que
envolve as más práticas de marketing,
referentes à segurança e informações;
outra aborda as minorias ou consumidores em desvantagem e outra a satisfação e
insatisfação dos consumidores. Peter
Drucker (1969) dizia que o consumerismo
era a vergonha do marketing e que os elementos do marketing mix poderiam ser
mais bem utilizados. Entre outras coisas,
dizia que “é nosso trabalho fazer coisas
simples que se adaptem à realidade do
consumidor, não ao ego dos nossos engenheiros” (p. 60).
Kotler (1972) defendeu que satisfazer o consumidor não era suficiente para
gerar uma situação de “ganha-ganha”.
Isso ocorria pela dificuldade de definir
essa satisfação e pelo fato de às vezes o
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
consumidor desejar algo que não seja
bom para ele, afastando a possibilidade
de agradá-lo no médio ou longo prazo.
Mais recentemente, a escola tocou na ética do marketing. Robin e Reidenbach
(1987) enfatizavam a necessidade de incorporar as preocupações éticas no processo estratégico de marketing:
Apesar de eficiência e lucratividade
deverem permanecer como valores centrais na cultura organizacional, elas devem ser balanceadas por outros valores
que auxiliem na definição dos limites das
atividades definidas para atingir aqueles
objetivos e por valores que descrevam
outros comportamentos éticos e socialmente responsáveis
No final dos anos 80, Garret estudou
os boicotes e descobriu que os dos anos
60, baseados em pressão econômica,
imagem e políticas eram o sinal da emergência dos movimentos consumeristas.
A Escola
Sistêmica
Como outras escolas, ela surgiu de
respostas a um ambiente mutante. É considerada dos anos 60, mas antes disso vários estudiosos já enfatizavam a necessidade de se ver o marketing como sistema. A palavra sistema foi popularizada na
literatura gerencial pela influência das pesquisas de técnicas operacionais em outras
disciplinas de negócios, e o uso crescente
de mainframes poderosos. Em 1967, o
tema da conferência da AMA foi
“Changing the Marketing Systems”, enquanto até 1965 nenhum trabalho apresentado trazia a palavra sistema no título.
Segundo a visão de Forrester (1958), que
desenvolveu um trabalho multidisciplinar e
mesclava ciências quantitativas e
comportamentais baseado nas pesquisas
operacionais adotadas na Segunda Guerra:
A empresa era reconhecida não como
uma coleção de funções separadas, mas
como um sistema no qual o fluxo de informações, materiais, mão-de-obra, equipamentos e dinheiro se ajustam às forças que deter-
“Várias áreas, como
a Antropologia,
a Psicologia
Cognitiva, a
Psicologia Clínica
e a Sociologia,
ofereceram
contribuições que,
aliadas a processos
matemáticos,
foram muito
importantes.”
minam a tendência básica em direção ao crescimento, flutuações e declínio (p. 18).
Ludwig von Bertalanffy (1968), na
sua publicação General Systems Theory,
propôs uma teoria para explicar qualquer
sistema, abordando sistemas abertos que
interagem com o ambiente recebendo
inputs, processando-os, exportando
outputs ao ambiente e trocando com ele
informações e energia.
Para Katz e Kahn (1966), que contribuíram muito com a perspectiva
sistêmica no livro The Social Psychology
of Organizations, os sistemas organizacionais são complexos, abertos e
comportamentais. Identificaram nove
“Várias áreas, como
a antropologia,
“Sua
simplicidade
a psicologia
gerou
focosa de
cognitiva,
psicologia
clínica
crítica por
não
e a sociologia,
permitir
prever
ofereceram
mudanças
contribuições
necessárias eque,
nem
aliadas
a
processos
quando um
matemáticos,
estágio sucederia
foram muito
o outro.”
importantes.”
características importantes dos sistemas:
importação de energia do ambiente,
processamento, saídas, ciclo de eventos,
entropia negativa, entrada de informações, feedback negativo e processo de
codificação, estabilidade e homeostase
dinâmica, diferenciação (sistemas abertos movem-se na direção da diferenciação e elaboração, no qual padrões gerais
são substituídos por funções mais
especializadas) e eqüifinalidade (um sistema pode atingir o mesmo estado final
com diferentes condições iniciais e por
vários caminhos).
Mesmo antes de qualquer definição
formal sobre sistemas, estudiosos das
escolas de commodities, funcional, regional e institucional entenderam que os
vários elementos de marketing eram
interdependentes. Mackenzie e Nicósia
(1968) mencionaram que no período de
1920-1950 “grandes esforços foram
orientados para a obtenção de uma
imagem de todo o sistema de marketing”
(p. 17). Da mesma forma, Wroe Alderson
(1957), da escola funcionalista, via o
marketing pela perspectiva sistêmica.
Usando técnicas de estimativa matemática, Farley (1967) demonstrou como
a análise do sistema de marketing poderia ser utilizada, e Howard (1983) adotou a abordagem sistêmica integrando
conceitos descritivos de ciclos de demanda e suprimento, hierarquia de produtos,
estrutura competitiva e modelos de decisão do consumidor para formar a teoria de marketing da empresa. Ele julgava que os executivos de marketing sentiam falta de um corpo sistemático de
conhecimentos para guiar suas decisões.
Em um artigo que se tornou clássico,
Dowling (1983) classificou a evolução
dos sistemas de marketing conforme suas
filosofias: produção, vendas, marketing
e marketing social dentro dos ambientes
propostos originalmente por Emery e
Twist (1965).
Ridgeway (1957) sugeria que o fabricante e seus intermediários poderiam
ser considerados uma única organização,
e ser administrados como um sistema.
Staudt (1958) observou que a empresa
29
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
deveria ser vista como um sistema integrado com o mercado. Goldstucker
(1966) apresentou o desenvolvimento da
estrutura sistêmica para o varejo. Uhl
(1968) abordou a necessidade de um sistema de informações de marketing com
três subsistemas apropriados: disseminação seletiva, retrospectiva e espontânea.
Na mesma linha de pensamento, porém
com diferentes abordagens, vieram
McNiven (1968) e Brien e Stafford
(1968). Gardner (1973) trouxe para o
marketing o conceito de homeostase dinâmica. Reidenbach e Oliva (1981) discutiram a teoria geral dos sistemas vivos.
Há muito a oferecer pela visão
sistêmica ao marketing, e bons indicadores da possibilidade de classificação
dos conhecimentos e sistematização de
relacionamentos foram os trabalhos de
Michael Porter (1980 e 1985).
A Escola das
Trocas Sociais
Apesar de os estudiosos de várias perspectivas teóricas reconhecerem que o propósito de marketing era facilitar as trocas
entre compradores e vendedores, apenas
na metade da década de 1960 um grupo
deles advogou a ênfase mais explícita nas
trocas sociais. Essa nova perspectiva era
de Wroe Alderson e William McInnes.
McInnes (1964) argumentava que:
“Marketing é qualquer movimento ou
atividade que concretize a relação potencial entre produtores e consumidores. A
tarefa básica do marketing está, portanto, sempre relacionada ao mercado em
primeiro lugar. O trabalho de marketing
inicia sempre com a descoberta do mercado potencial” (p. 57).
Defendeu ainda que “o modelo básico de marke-ting consiste de um conjunto de relacionamentos reais e potenciais em cinco dimensões: espaço, tempo, percepção, avaliação e propriedade...” (p. 53).
O segundo grande impacto na escola veio no início da década de 70, com
30
Philip
Kotler
(1972) e seu conceito genérico de
marketing com o
foco na transação.
Em suas próprias
palavras:
“Uma transação é uma troca de
valores entre duas
partes. As coisas
de valor não estão
limitadas a bens,
serviços e dinheiro. Incluem outros
recursos como
tempo, energia e
sentimentos... O
profissional de
marketing busca
encontrar meios de aumentar a percepção na troca entre o que se receberá e
se perderá adotando determinado comportamento.” (p. 48).
Esse profissional é especialista no
entendimento dos desejos e valores humanos, e sabe o que leva alguém a agir.
Na metade da década de 70, Richard
Bagozzi (1974) assumiu a liderança nessa escola de pensamento. Ele definiu o
sistema de trocas como “um conjunto de
atores sociais, seus relacionamentos com
os outros e as variáveis exógenas e
endógenas que afetam o comportamento dos atores nesses relacionamentos” (p.
“
“O mais popular
defensor dos direitos
dos consumidores foi
Ralph Nader (1966),
que denunciou o
desrespeito aos
consumidores às
instâncias
governamentais e
legais, enfrentando a
poderosa indústria
automobilística
norte-americana.”
”
79). Analisando as várias posições de
Alderson, Bagozzi e Kotler, Shelby Hunt
(1991) afirmou que “o objeto básico de
marketing é o relacionamento de troca
ou a transação” (p. 8).
Houston e Gassenheimer (1987) seguiram a linha de que o conceito central de marketing é a transação, dizendo que o relacionamento de troca é um
conceito mais rico que a troca como ato
isolado, fazendo a seguinte colocação:
“A força motriz da troca é a satisfação das necessidades. Expressamos isso
como a conscientização da utilidade,
onde a função da utilidade é uma descrição geral de qual produto será usado
para satisfazer necessidades...” (p. 59).
Sem dúvida, a busca da delimitação
do objeto de estudo do marketing,
focado na transação, é uma das maiores
contribuições que essa escola proporcionou ao campo do estudo do marketing.
A Escola da
Dinâmica
Organizacional
É descendente direta da escola
institucional. Ambas buscam explicar o
trabalho dos canais de distribuição, mas
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
com diferentes perspectivas. A escola
institucional utilizava princípios econômicos para analisar como um canal de
distribuição poderia ser desenvolvido
mais eficientemente para beneficiar o
consumidor e a da dinâmica organizacional mudou o foco do bem-estar do
consumidor para a análise dos objetivos
e necessidades dos membros do canal de
distribuição. Viam o canal como uma
coalizão competitiva baseada nos interesses comuns dos seus membros, que
ao mesmo tempo em que deviam trabalhar em harmonia, lutavam para ficar
com a maior fatia dos resultados. A escola buscava entender como o canal poderia funcionar efetivamente, tendo seus
membros um conjunto contraditório de
objetivos cooperativos e competitivos.
É uma escola relativamente nova,
com trabalhos a partir de 1970, mas com
sementes plantadas no final dos anos 50.
Um dos primeiros artigos sobre relacionamento do canal utilizando a orientação comportamental foi Administration
of Manufacturer-Dealer Systems, de
Valentine Ridgeway (1957). Nele
Ridgeway considerava que o fabricante
estava em melhor situação para administrar o canal, dado seu maior conhecimento do produto e sua operação com vários
revendedores. Com a quebra de comando
originada na transferência de propriedade
o produtor “buscava o poder de administrar o sistema por meio de recompensas e
punições aos revendedores”.
O grande momento da escola aconteceu com a publicação de Louis Stern
(1969) denominada Distribution
Channels: Behavioral Dimensions, no
qual criticava a perspectiva econômica
da escola funcional. Em suas palavras:
“Está ficando mais e mais aparente,
entretanto, que é necessária uma
conceituação, além daquela oferecida pela
teoria econômica, se os estudantes, acadêmicos e profissionais de marketing buscam insights para a crescente complexidade e diversidade dos canais” (p. 1).
Vários autores analisaram os aspectos poder, conflito, cooperação e barganhas, e seus impactos no canal, argumen-
“A palavra sistema
foi popularizada na
literatura gerencial
pela influência das
pesquisas de
técnicas
operacionais em
outras disciplinas de
negócios, e o uso
crescente de mainframes poderosos.”
tando que formas não econômicas de
poder seriam mais eficientes por conseguir adesões e reconhecimento de sua
validade. Kasulis e Spekman (1980) propuseram que o administrador de canal
deveria “buscar cultivar bases de poder
que tendessem a extrair a internalização
e identificação com os sistemas de metas e valores” (p. 147). Outros teóricos
buscaram a criação de modelos de relações interorganizacionais. Stern e Reve
(1980) e Achrol (1983) advogavam que
os canais de distribuição deveriam ser
classificados como economias políticas:
“basicamente a abordagem político-econômica vê um sistema social como um
conjunto de forças econômicas e
sociopolíticas que afeta o comportamento e o desempenho coletivos” (p. 112),
mas por outro lado, buscavam também
uma ligação com a escola institucional.
“... a teoria do canal é fragmentada em
duas orientações incompatíveis: uma
econômica e outra comportamental” (p.
156). A primeira tenta aplicar a teoria
microeconômica e a análise da organização industrial ao estudo da distribuição, e
tem sido essencia1mente orientada à “eficiência” focada em custos, diferenciação
funcional e desenho do canal. A segunda
usa as teorias da psicologia social e das
organizações e tem sido essencialmente
orientada ao “social” focada nos fenômenos de conflito e poder.
Dwyer e Welsh (1985) desenvolveram um modelo baseado na crença de que
a estrutura econômica permitia a
interação entre as forças sociais e econômicas (internas e externas) do canal, e
era recomendado para responder às “incertezas e restrições do ambiente do
cana1”. Graham (1987) assumiu uma
perspectiva sociopsicológica, propondo
que restrições situacionais (relações de
poder) e características de barganha (cultura, nacionalidade, orientação
interpessoal e habilidade em ouvir) influenciariam o processo de negociação,
que por sua vez afeta os resultados das
negociações.
Conclusão
“Esse
profissional é
especialista no
entendimento
dos desejos e
valores
humanos, e sabe
o que leva
alguém a agir.”
A retrospectiva das escolas de pensamento permite visualizar a evolução
do Marketing à medida que várias linhas de pensamento foram em relação
às outras ao mesmo tempo influenciadas e influenciadoras. Cada escola contemplou o marketing com foco no que
julgou mais importante em sua época
conforme suas concepções, como na eficiência dos canais de distribuição (ora
com foco nos resultados para o consumidor, ora para os seus membros), na preocupação com o consumidor e no entendimento de sua heterogeneidade, na visão sistêmica da atividade, na definição
31
Revista da ESPM – Setembro/Outubro de 2001
de ferramentas próprias e na utilização
de conceitos e ferramentas de outras disciplinas, na adequação do mix mais apropriado, na imposição de limites de ação,
na preocupação com a ética.
A preocupação dos teóricos com o
respaldo científico e as influências das
linhas de pensamento moldaram o conceito de marketing até chegar-se à definição oficial da American Marketing
Association, AMA, que considera o
marketing como o processo de planejar
e executar a concepção, a determinação
de preços, a promoção e distribuição de
idéias, bens e serviços para criar negociações que satisfaçam a metas individuais e organizacionais.
Se, todavia, com toda a abragência
“A escola buscava
entender como o
canal poderia
funcionar
efetivamente, tendo
seus membros um
conjunto
contraditório de
objetivos
cooperativos e
competitivos.”
das concepções teóricas e ferramentas
disponíveis, alguma má prática persistir, má prática essa que, definitivamente, não faz parte das práticas de
marketing, a sociedade dispõe de todos
os meios para coibi-la, seja por decisões
e ações de instituições oficiais, por movimentos consumeristas, pelo aparato
legal que regula as relações entre compradores e vendedores, e, sobretudo, por
atitudes várias que reflitam a consciência de cidadania, pois o Marketing não
existe a não ser na sociedade.
Por isso, ao ouvir “isso é puro
marketing”, e se for puro marketing
mesmo, só poderá haver um entendimento: ótimo, alguém está se preocupando mesmo com você.
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* Francisco Antônio Serralvo - Doutor em CiênciasSociais - Professor da ESPM
e da PUC-SP
* Wilson Weber - Pós-graduado em Marketing - Mestrando em Administração de
Empresas - Professor da ESPM
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