ELEVANDO A AUTO-ESTIMA Maria de Fátima Silva Ribeiro – [email protected] E.E. “Américo Alves” Relato de Experiência RESUMO Um dos principais objetivos da feira cultural / 2003 da Escola Estadual “Américo Alves” __ turmas 800 e 801, tema cinema__ não foi alcançado: exibir um filme produzido pelos alunos. Os recursos materiais eram poucos, o tempo escasso e a ousadia grande. Características dos alunos que formavam a equipe: “desinteressados”; “os mais fracos”; “não querem nada”. Com esforço conseguimos (eu e o professor de Geografia) que a turma desenvolvesse o tema por ela escolhido: cinema. Não foi fácil, já que a turma realmente não tinha alguns pré-requisitos para um projeto de tão elevada projeção. Reuniões, testes, muito trabalho. Quanto à idéia do filme, subestimei a capacidade dos alunos. Levei o projeto pronto para a reunião. Surpresa: um grupo de alunos já havia traçado o tema, o cenário e os personagens. Maior surpresa foi encontrar a turma produzida: maquiada e vestida a caráter, no dia da primeira filmagem. Eles não tiveram dificuldade alguma para se deslocar da realidade.Sonharam, vibraram se identificando com seus novos personagens. A auto-estima de uma turma “desinteressada” estava agora no auge. Eles eram os donos da escola, da cidade, do mundo. Embora o filme não tenha sido exibido no dia da feira, os alunos não se mostraram desanimados. RELATO DE EXPERIÊNCIA ELEVANDO A AUTO-ESTIMA Maria de Fátima Silva Ribeiro* Justificativa - Refletir a prática educativa em Arte (Educação Artística) é indispensável como também é imprescindível divulgar e socializar os conhecimentos adquiridos__ mesmo que pela experiência__ para apreciação e referendo aos estudos do pólo de Patos de Minas (Rede Arte na Escola). Objetivo - Colocar em discussão a importância que a auto-estima do aluno representa na educação de modo geral e principalmente nas aulas de Educação Artística. Referencial teórico De acordo co a Constituição Federal, Art.227 a criança e o adolescente têm “direito à vida (...) à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, (...) além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Partindo-se desse pressuposto e aceitando o aluno como um ser individual a escola precisa reconhecer as diversidades de seus alunos. A escola ao considerar a diversidade tem como valor o respeito às diferenças e não o elogio à desigualdade. As diferenças não são obstáculo para o cumprimento da ação educativa, mas, ao contrário, fator de seu enriquecimento.(...) Deve-se dar especial atenção ao aluno que demonstrar a necessidade de resgatar a auto* Professora de educação artística na Escola Estadual Américo Alves – Lagamar, MG. estima. Trata-se de garantir condições de aprendizagem a todos os alunos seja por meio de incrementos na intervenção pedagógica ou de medidas extras que atendam às necessidades individuais.(PCN. 1998:92-93) A respeito da individualidade Edgar Morim diz que A noção de sujeito vai além do individuo e remete-nos à idéia de que cada ser vivo é um ser único e indiscutivelmente impar.(...) é importante que cada ser vivo conheça a si mesmo, pois, quando o individuo não conhece a si mesmo ele não pode conhecer nada que o cerca.(...) o ser humano deve viver para construir sua identidade,a qual deve conter a liberdade e a autonomia. (SOUZA.2001:82-83) Nestes termos a escola como formadora do indivíduo deve proporcionar aos alunos, condições para esse desenvolvimento individual de conhecimento de si mesmo;de construção de auto-respeito e conseqüentemente de auto-estima que também é pressuposto para a interação com os outros indivíduos e para a construção do conhecimento. Theodor Wiesengrund Adorno (in Souza. (2001:81) argumenta a respeito do assunto e do direito à cultura. Diante de todo o processo de dominação e irracionalidade existe a cultura que é o protesto do particular frente á generalização.Assim sendo, cultura è o protesto do particular contra a barbárie que anula a individualidade.O papel da educação é construir uma nova realidade que se oponha à dominação.(...) a educação tem que atingir os seus objetivos que são: libertar os homens do medo e transforma-los em verdadeiros senhores da natureza interna e externa; Neste contexto não se pode deixar de lado o pensamento de Paulo Freire segundo Souza: A presença do homem no mundo, com o mundo e com os outros, implica em ter conhecimento de si mesmo.Quanto mais o homem se conhece tanto mais possibilidades terá de saber que também é feito pela história.(...) A partir do momento que a educação provoca a consciência crítica, passa a trabalhar para destruir todos os mitos responsáveis pela nossa deformação.(idem: 96) Pressupõe-se, portanto que a educação precisa levar em conta, o indivíduo na totalidade de seu desenvolvimento, principalmente para que ele possa sobreviver com dignidade. Célestin Freinet defendia em sua teoria que a tarefa do educador é descobrir as tendências naturais do indivíduo e não oferecer obstáculo a esse crescimento natural do ser. Da mesma forma, a escola precisa desenvolver a concepção crítica da sociedade.Segundo Freinet, a crítica é importante porque é pré-requisito para construir o novo. Ademais, educação é um ato de criatividade onde exige transformação, problematização e ligação com o mundo em que vive.Educação para Paulo Freire é a superação da situação opressora; para Edgar Morin, é o rompimento com o estático e a valorização do movimento que é este ir e vir que vai permitir a criação, e com ela a construção do conhecimento; para Piaget, é um envolvimento com pessoas que querem descobrir, reconstruir através do redescobrimento; para John Dewey, é mostrar que estamos em um mundo finito, transitório e relativo, onde o começo deve surgir sempre, é oferecer oportunidade para a reconstrução; para Wallon, a educação deve ser a materialização do oferecimento de todas as oportunidades e possibilidades para o desenvolvimento da individualidade; para Agnes Heller, educação é desenvolver uma racionalidade comprometida com o bem estar de todos e a realização individual; para Richard Rorty, a educação é simplesmente a ampliação da consciência.Para Vigotsky, é a satisfação das necessidades que levam o indivíduo a trabalhar, transformar a natureza, estabelecer relações com os semelhantes, produzir conhecimentos, construir a sociedade e fazer história.E, finalmente, para Rubem Alves, é preciso educar na cidadania e não para a cidadania. É por isso que a auto – estima do aluno precisa está sempre elevada. A escola deve ser um lugar para se ser feliz e não para se preparar para ser feliz no futuro, como diz Rubem Alves. Experiência – Como professora contratada, fiquei algum tempo fora da sala de aula. Retornando, em 2003 trabalhei com três turmas de 1º ano e quatro turmas de 2º ano do ciclo avançado (7ª e 8ª séries), com uma aula semanal. A turma 800, da qual eu fui coordenadora, mostrou se desde o início, um nível muito baixo de auto – estima tanto individual quanto grupal. Podia sentir o quanto era discriminada, rejeitada, rotulada. Ali estavam os alunos repetentes, os que já tinham abandonado a escola várias vezes, alunos com os mais variados problemas. Com dificuldades de vários níveis e espécies, procurei conquistar a confiança da turma. Foi então que em meados de maio deu - se início aos preparativos para a feira cultural / 2003. Como em muitas escolas, a Escola Estadual “Américo Alves” ainda não conseguiu elaborar a feira cultural dentro das atividades trabalhadas no currículo. Geralmente escolhem – se os temas e os alunos desenvolvem os projetos num determinado espaço de tempo até o dia da feira. Estes, quase sempre, são escolhidos nas reuniões com os professores. Se há alguma interferência dos alunos, é muito pequena, e acontece informalmente a direção da escola. Em 2003, nós os professores falamos da possibilidade ouvir os alunos na escolha dos temas.Depois de vários questionamentos a idéia foi aceita. Cada professor coordenado iria ouvir sua turma e trazer a proposta de seus alunos para a direção.Assim que pude (ou seja, seis dias depois) tratei do assunto com a turma 800.Mais que depressa um aluno tomou a palavra e disse do seu desejo de trabalhar o tema Cinema.Surgiram outros temas mas, ninguém foi tão convincente quanto o primeiro.Rodiney se transformou quando tentava convencer os colegas de sua idéia.Pude presenciar uma das poucas empolgações da turma até então. Uma semana depois, ao levar o tema escolhido para a direção,constatei que já haviam escolhido os temas e distribuíam-nos às turmas,uma vez que não houve muito interesse na discussão com os alunos.Protestei.Expliquei que era impossível tê-lo feito antes,já que só encontro com a turma uma vez por semana. Tive de ser bastante convincente,quase quanto o Rodiney,mas enfim consegui sensibilizar a direção.Afinal, se uma turma de alunos tão desinteressados, (como eram vistos), se empolgaram tanto com o assunto, era necessário lhes dar esta chance. Tendo ganho a causa a turma 800 ia, agora, fazer Cinema,em vez de Religiões.Ganhamos, como parceiros a turma 801 coordenada pelo professor de Geografia, Sr. Antônio Rodrigues Caixeta. Mãos à obra. Foram intensos e cansativos encontros e reuniões, (já que o tempo era curto para tanto trabalho) definindo estratégias,formulando com os alunos o projeto, dividindo tarefas,direcionando as pesquisas, procurando patrocinadores,etc Em meio às discussões, surgiu a idéia de se produzir um filme.Já que a escola não possui filmadora, procuramos o Sr. Renes Alves Ferreira, presidente da Câmara municipal que tem projetos de atendimento à comunidade nesse sentido.Ele seria o nosso patrocinador e padrinho, o apoio moral e técnico. Ele aceitou e nos incentivou muito.Até sonhamos alto.Pensamos em filmar e depois mandar a fita para um laboratório especializado, para os detalhes finais. Quando fizemos a reunião para discutir as possibilidades do filme, levei prontos alguns scripts, Já que a turma era tão fraca.Tive um a grande surpresa. Compareceu um grupo pequeno de alunos, mas as idéias iam brotando com uma facilidade enorme e uma eficiência ainda melhor. Vendo o entusiasmo e criatividade, não mostrei a minha idéia e deixei que eles criassem a história, os personagens com seus respectivos nomes (todos tiveram um nome novo, até mesmo os figurantes: aqueles que não quiseram assumir nenhum papel, mas, consentiram em ser filmados em algumas cenas), os cenários, os figurinos, etc. O filme acontecia na escola e contava uma tragédia por envolvimento de droga Começamos as filmagens, delírio total.Já no primeiro dia encontrei a escola em festa, os alunos maquiados, resolvendo problemas de troca de horário (já que eram duas turmas), cenários sendo organizados, trilhas sonoras completas. Aliás, deixaram a vice-diretora em apuros __ esses alunos estão insubordinados! Onde já se viu essa turma fazendo esta toda algazarra! O que se podia ver era um êxtase juvenil de quem era tratado como “os alunos da última turma”. Agora eles sobressaiam, se igualavam aos outros alunos. Afinal estavam produzindo um filme! Com dificuldade conseguimos a filmagem. Porem descobrimos havia várias falhas na produção final. Seria necessário organizar as cenas, e encaixar um texto explicativo, para dar mais sentido às cenas (que ficaram muito reais e assustava pela idéia das drogas).Estando já nas vésperas da feira,não foi possível resolver esse problema.Tivemos que exibir alguns filmes produzidos por outros alunos dos anos anteriores (curta metragem), já que não podíamos ter seções muito longas. Contudo isso não tirou o entusiasmo dos alunos. Eles fizeram camisetas; conseguiram pôsteres de filmes e atores famosos; conseguiram patrocínio para o material de organização do local. A divisão de equipes no revezamento de horário no dia da feira foi inútil. Todos queriam ficar lá o tempo todo. Limpando a sala a cada seção, organizando a entrada dos visitantes e o livro de assinaturas, distribuindo balas e pipocas.(doadas pelo professor Antônio,que não tendo muito tempo para acompanhar nos trabalhos, ajudava financeiramente). Quanto ao resultado da feira, foi muito bom. Ficamos em destaque na iniciativa, participação e principalmente na organização do local. Não pude concluir o ano letivo com a turma. Em agosto os professores excedentes tiveram que assumir as aulas de contrato. Como auxiliar de secretaria, (cargo efetivo) acompanhei os alunos até o final do ano e verifiquei que apesar de algumas evasões e duas reprovações a turma teve um bom resultado, o que indica que conservaram a auto – estima bastante elevada. Considerações finais – Se a auto-estima dos alunos foi elevada por terem participado da feira cultural com o tema escolhido por eles, temos duas vitórias: comprovamos mais uma vez que é necessário que o aluno seja feliz na escola, que poça ser ouvido, que poça ter liberdade para decidir seus sonhos; e, que alunos das piores turmas também fazem Grandes empreendimentos e alcançam grandes conquistas. O cinema nos fascinou a todos, alunos e professores. Talvez pela falta de um na nossa cidade. Bem comenta MORAN em o vídeo na sala de aula: O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens que interagem superpostas, interligadas, somadas, não separadas. Daí é sua força. Nos atingem por todos os sentidos e de todas as maneiras.O vídeo nos seduz,informa,entretém,projeta em outras realidades (no imaginário) em outros tempos e espaços.O vídeo combina a comunicação sensorial – cinestésica, com a lógica, a emoção com a razão. A sétima arte, portanto, inebriante para assistir, seduziu e envolveu a quem pode experimentar atuando: alunos rotulados experimentam a ilusão cinematográfica e se confundem com os grandes atores. Finalmente as palavras de Carlos Cartaxo: “o primeiro passo do professor em qualquer área é resgatar a auto – estima do aluno, Elogiar sempre. Bibliografia – ALVES, Rubem A. Conversas com quem gosta de ensinar.SP Cortez 9ª ed. ________________o Prazer na escola. In Moacir Gadoti. História das idéias Pedagógicas. 2ª ed. São Paulo. Editora Ática; l994. BRASIL, Câmara dos Deputados. Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília.Centro de Documentação e Informação C e D.I. l998 Cap. VII Art. 227. BRASIL. Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais.CEB. Parâmetros Curriculares Nacionais.1998. SOUZA,Marcos Spagnuolo.Pensando em Educação.Revista Pedagógica Educação .Faculdade do noroeste de Minas, junho de 2001:69-92.