OPINIÃO OPINIÃO Por CLÁUDIO MONTEIRO, presidente APISOLAR “O futuro do setor solar está muito dependente da capacidade dos consumidores exigirem políticas energéticas efetivamente orientadas para os seus interesses. Os sistemas energéticos servem simplesmente para servir os interesses dos consumidores, a política energética deve servir os interesses de quem paga o sistema e não de quem explora”. Energia solar, a energia dos consumidores Quando pensamos em edifícios e energia, numa perspectivas de aproveitamento de recursos renováveis, pensamos de imediato na energia solar. T anto a tecnologia de solar térmico como a tecnologia solar fotovoltaica são por excelência as tecnologias de produção energética renovável dos consumidores e dos edifícios. Por um lado, na perspectivas do consumidor, são tecnologias de caráter distribuído e grande simplicidade funcional, adequadas à integração nos edifícios. São das poucas tecnologias disponíveis com capacidade de captar no edificado recurso energético renovável grátis e de forma eficiente. Por outro lado, numa perspectivas de produção fotovoltaica, são tecnologias modulares cuja relação custo benefício é muito mais interessante quando integrado nos sistemas de consumo em vez das grandes produções centralizadas. Apesar do crescente interesse mundial na energia solar, do favorável recurso solar nacional, da evolução das tecnologias solares para níveis de competitividade com as tecnologias energéticas concorrentes e poluentes, o setor solar em Portugal está a passar tempos difíceis. A razão é precisamente por ser uma tecnologia do consumidor. Havendo retração do consumidor, tanto ao nível de investimento como ao nível das preocupações ambientais, essa retração far-se-á sentir no setor solar. Adicionalmente, no setor energético, o consumidor é visto simplesmente como o pagador passivo do sistema, não tem capacidade de influência de decisão nas políticas energéticas, como consequência as alternativas energéticas para o consumidor, como é o caso do solar, são ignoradas e até bloqueadas, de forma a que estes consumidores continuem a sustentar os agentes dos sistemas energéticos que exploram estes pagadores passivos. Existem atualmente em Portugal cerca de 500 empresas, a maior parte PME, com atividade no setor solar. Estas empresas asseguram cerca de 5000 empregos diretos, a trabalhar no setor solar, o que é mais que o número de empregados da EDP em Portugal. No entanto o volume de negócios anual do setor solar é apenas de 100 m2, divididos entre solar térmico e fotovoltaico, o que está muito longe do volume de negócio necessário para garantir a sustentabilidade do setor. Consequentemente tem-se assistido no último ano à falência de muitas destas PME. Aquelas 28 empresas que vão conseguindo resistir estão a reorientar-se para outros serviços, reduzindo os seus recursos humanos, ou reorientando estratégias para a internacionalização, que raras vezes resultam bem-sucedidas. Pior que a evidência das dificuldades é a ausência de expectativas. A falta de definição de política energética para o setor funciona como uma força de bloqueio para os negócios e resulta em estratégias de abandono do setor por parte das empresas e investidores. A política energética do setor tem-se resumido a ações bloqueadoras. No fotovoltaico é o caso da redução de tarifas, limitação de cotas, introdução de fiscalidade confusa e desadequada, alteração de expectativas futuras para o regime geral. No setor solar térmico é o caso do FEE, a complexidade dos processos, a falta de confiança nos programas, o limitado valor de financiamento e os atrasos na gestão dos processos têm causado danos de bloqueio de mercado, tendo reduzido 50% relativamente a 2012, o que leva mesmo as empresas do setor solar a pedir que terminem e não gastem mais tempo com iniciativas deste tipo. No setor fotovoltaico são várias as ameaças. A tendência de redução e possivelmente eliminação das tarifas ao fotovoltaico é inevitável tendo em conta a incapacidade do sistema em suportar os sobrecustos. Esta descida das tarifas é na verdade um processo natural, sendo bem compreendido pelo setor que a descida das tarifas deve seguir a redução dos custos da tecnologia. Numa política de tarifa feed-in adequado o sobrecusto a pagar deve colocar as tecnologias no limiar da viabilidade, para o momento do investimento, dando garantias de tarifa para um período futuro correspondente ao tempo de retorno desse investimento. O volume global do incentivo é controlado através das cotas anuais, que neste momento é 10 MW para micro-produção e 30 MW para mini-produção. Ou seja, a título comparativo com o setor da grande eólica, a máxima atividade anual que é permitida ao setor solar fotovoltaico é o equivalente à instalação de 20 aerogeradores, o que mostra bem a insuficiência para a sustentabilidade das empresas do setor e o bloqueio a que este setor está sujeito com estas restrições de cotas. Para garantir a sustentabilidade do setor seria necessária uma atividade de instalação de pelo menos 100 MW por ano de fotovoltaico integrado no edificado. O fotovoltaico centralizado é uma ameaça ao fotovoltaico integrado no edificado, a capacidade de integração de fotovoltaico na rede é limitada, pelo que cada MW de fotovoltaico centralizado reduz o mesmo valor de fotovoltaico integrado no edificado que a rede é capaz de gerir. Na verdade é bastante mais fácil gerir na rede a integração de fotovoltaico integrado no edificado do que o fotovoltaico centralizado. Parte das dificuldades do setor poderiam ser ultrapassadas se o mercado passasse a não depender das feed-in-tarifs, ou seja se os custos da tecnologia baixassem ao ponto de se atingir a paridade com a rede. Mas a tendência de redução de preços parece ter invertido na Europa, o que compromete o grande esforço económico que a própria Europa fez ao longo da última década, suportando o desenvolvimento mundial da tecnologia e do mercado de fotovoltaico. A problemática atual está na política europeia de protecionismo, incompreensivelmente apoiada por Portugal, relativamente a preços baixos dos painéis chineses. Estas medidas antidumping tem como consequência a subida dos preços dos painéis na Europa, e provavelmente nos afastará do objetivo de atingir a paridade com a rede, pelo menos durante os próximos anos. Como consequência, com este cenário de tendência de preços crescentes, ou o setor fica totalmente inviável, ou será necessário subir as tarifas, o que é certamente pouco provável. A segunda grande dificuldade é a inexistência de um enquadramento legal para o netmetering, em que o consumidor tenha a possibilidade de reduzir o seu consumo líquido de eletricidade por recurso à auto-produção. Aparentemente, seria uma solução boa para todas as partes já que não traz sobrecustos para o sistema e por seu lado o consumidor tem possibilidade de, através de tecnologias instaladas com o seu próprio investimento, reduzir os custos associados à energia comprada da rede. Acontece que tutela vê a redução de consumo líquido como uma ameaça para a garantia de proveitos dos agentes do setor elétrico, e portanto, está a conceber formas de aplicar penalizações sobre a energia auto-produzida, o que tornará a auto-produção um processo complexo e ainda mais inviável, tendo em conta as tendências de preço das tecnologias. O consumidor, que é o único pagador do sistema, não está a pedir que lhe paguem um sobrecusto, como acontece com os atuais mecanismos de feed-in-tarifs das restantes renováveis, está apenas a pedir que lhe deem a possibilidade de competir diretamente com esse sistema, em igualdade de circunstâncias, mas esse direito é-lhe negado, paradoxalmente com a argumentação de que o sistema é mais caro que a alternativa de auto-produção que o consumidor tenta encontrar com o sistema fotovoltaico. Com o netmetering, o consumidor pretende ter a possibilidade de reduzir consumo, mas sem deixar de pagar o mesmo custo da potência de ligação à rede que já pagava como consumidor. Por questões de eficiência, o consumidor quer ter a possibilidade de receber, a preço de mercado, o excesso de produção injetado na rede, que é na verdade o valor que recebe uma grande central térmica, que é um terço do que pagamos pela energia da rede. Na verdade isto é pedir pouco já que na verdade a redução de consumo líquido implica uma redução de 10% em perdas, perdas estas que curiosamente são pagas por todos os consumidores. O futuro do setor solar está muito dependente da capacidade dos consumidores exigirem políticas energéticas efetivamente orientadas para os seus interesses. Os sistemas energéticos servem simplesmente para servir os interesses dos consumidores, a política energética deve servir os interesses de quem paga o sistema e não de quem explora o sistema. Os consumidores devem ter o direito de instalar e investir nas suas próprias soluções energética, em especial se essas soluções são economicamente competitivas e ambientalmente valorizáveis. A revolução dos consumidores de energia está a chegar e a sua maior arma é a energia solar. n 29