Nossa
Revista do Memorial da América Latina N°44 - Ano 2012 | 1º trimestre - R$9,00
GUERRA E PAZ
Portinari NO memorial
InflaÇÃO
E DÍVIDA pública
BRASIL,
uM país dOADOR
REELEIÇÃO
DE CRISTINA KIRCHNER
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Nossa
Revista do Memorial da América Latina N°44 - Ano 2012 | 1º trimestre - R$8,00
Número 44
ISSN 0103-6777
EDITORIAL
04
Antonio Carlos Pannunzio
EDUCAÇÃO
Helgio Trindade
Mãe, 1955. Candido Portinari. Pintura a óleo/madeira compensada. 160 x 110cm
ANÁLISE
GOVERNADOR
GERALDO ALCKIMIN
SECRETÁRIO DA CULTURA
ANDREA MATARAZZO
FUNDAÇÃO MEMORIAL
DA AMÉRICA LATINA
CONSELHO CURADOR
PRESIDENTE
ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO
SECRETÁRIO DA CULTURA
ANDREA MATARAZZO
SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CIÊNCIA E
TECNOLOGIA
PAULO ALEXANDRE BARBOSA
REITOR DA USP
JOãO GRANDINO RODAS
REITOR DA UNICAMP
FERNANDO FERREIRA COSTA
REITOR DA UNESP (em exercício)
REVISTA NOSSA AMÉRICA
DIRETOR
ANTONIO CARLOS PANNUNZIO
LEONOR AMARANTE
EDITORA ADJUNTA
ANA CANDIDA VESPUCCI
DIAGRAMAÇÃO (ESTAGIÁRIO)
FELIPE DE PAULA LOPES
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
ESTAÇÃO DAS ARTES/SILVIA SATO
TRADUÇÃO E REVISÃO
FERNANDA LIMA
COLABORARAM NESTE NÚMERO
REITOR DA FACULDADE ZUMBI DOS PALMARES
JOSÉ VICENTE
PRESIDENTE DO CIEE
RUI ALTENFELDER SILVA
DIRETORIA EXECUTIVA
DIRETOR PRESIDENTE
ANTONIO CARLOS PANNUNZIO
DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA
ADOLPHO JOSÉ MELFI
DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS
FERNANDO CALVOZO
Helgio Trindade, Everaldo de Oliveira Andrade, Enrique
Amayo Zevallos, Sergio Guerra, Eduardo Rascov, Julia
P. Herzberg, Leonor Amarante, Rubens Barbosa, Ibis
Hernández Abascal, Maria Lucia Fattorelli, Luis Fernando
Ayerbe, Reynaldo Damazio, Bruno Perón Loureiro, Dario
Pignotti.
CONSELHO EDITORIAL
Aníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso Lafer, Davi
Arrigucci Jr., Eduardo Galeano, Luis Alberto Romero, Luis
Felipe Alencastro, Luis Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga
Belluzzo, Oscar Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano,
Roberto Retamar, Roberto Romano, Rubens Barbosa,
Ulpiano Bezerra de Menezes.
IRINEU FERRAZ
NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral da Fundação
Memorial da América Latina. Redação: Avenida Auro Soares
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CHEFE DE GABINETE
MARCOS ANTONIO MONTEIRO
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Eduardo Rascov
CRÍTICA
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CULTURA
Leonor Amarante
POLÍTICA
Rubens Barbosa
REFLEXÃO
MARIA FELISA MORENO GALLEGO
DIRETOR DE GESTÃO DE NEGÓCIOS
JOSÉ ALEXANDRE PEREIRA DE ARAÚJO
32
37
40
43
Ibis Hernández Abascal
ECONOMIA
46
Maria Lucia Fattorelli
ELEIÇÕES
52
Luis Fernando Ayerbe
LIVRO
Reynaldo Damazio
DEBATE
56
59
Bruno Peron Loureiro
COMENTÁRIO
Dario Pignotti
AGENDA
Da Redação
TEIJI TOMIOKA
DIRETOR FINANCEIRO
24
ARTE
ESTAÇÃO DAS ARTES/DEISE ANNE RODRIGUES/
PRESIDENTE DA FAPESP
18
ENSAIO
REVISÃO (ESTAGIÁRIO)
ELIAS CASTRO
14
Enrique Amayo Zevallos
ASSISTENTE DE REDAÇÃO
MÁRCIA FERRAZ
10
OPINIÃO
EDITORA EXECUTIVA/DIREÇÃO DE ARTE
JÚLIO CEZAR DURIGAN
CELSO LAFER
Everaldo de Oliveira
Andrade
06
POESIA
Xavier Villarrutia
Gonzáles
3
62
65
66
EDITO
Neste número inaugural de
2012, a revista Nossa América registra
o passo significativo que o Brasil está
dando para a integração latino-americana. Trata-se da Unila (Universidade
Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, na Tríplice
Fronteira. A instituição já está em atividade, em sede provisória, e quem explica os propósitos da iniciativa é seu
reitor Helgio Trindade. No outro extremo do Continente corre a seguinte
questão: o que o presidente boliviano
Evo Morales pode fazer pelas comunidades indígenas. Na opinião do historiador Everaldo de Oliveira Andrade,
pode fazer muito, com sua política de
promoção de um Estado plurinacional.
Por sua vez, Ollanta Humala, presidente do Peru, também ganha avaliação positiva com seu governo de ações
4
conciliadoras, segundo o historiador
Enrique Amayo Zevallos.
Na esfera das artes plásticas, quatro temas. Um deles, Nossa América foi
buscar na Colômbia: convidou a crítica
norte-americana Júlia P. Herzberg para
escolher quatro talentos do país e registrar sua opinião sobre a importância deles no cenário contemporâneo. Outro é
a exposição de obras de Portinari, que o
Memorial realiza entre fevereiro e abril,
com uma seleção dos mais importantes
momentos do autor. Já o ensaio fotográfico desta edição reúne imagens de
Sérgio Guerra, “baiano” que mora em
Angola, com o intuito de lembrar a relevância dos afrodescendentes, cujo aniversário foi comemorado no ano passado. Por fim, um panorama da Bienal
Vento Sul de Curitiba, traçado por Leonor Amarante, editora de Nossa América,
ORIAL
para quem o evento carrega o mérito da
persistência.
Um assunto bastante atual: gradualmente o Brasil aumenta sua presença
no exterior, ao se tornar um dos maiores doadores de assistência técnica e financeira a países menos desenvolvidos,
artigo de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. Também
pertinente é a questão da geoestética da
visualidade caribenha, que Ibis Hernández Abascal desenvolve a partir do nexo
com a área etnocultural.
Como a inflação afeta o “sistema
da dívida” brasileira? Quem responde é
Maria Lucia Fattoreli, colaboradora do
Le Monde Diplomatique, que defende a
redução das taxas de juros e a adoção
de outros mecanismos de controle inflacionário. No país vizinho, a Argentina,
a questão é o fenômeno Cristina Kirsh-
ner, “provada” e aprovada pelo eleitor
com uma quantidade de votos insuspeitada. A análise é do especialista Luís
Fernando Ayerbe.
Para encerrar, uma resenha do livro Responsabilidade do Estado, de Sônia Sterman, dissertação de mestrado da
autora, já em segunda edição. E um artigo do jornalista Bruno Perón Loureiro
sobre a reserva de lítio de Uyuni, conhecida como a Pérola dos Andes. Além da
agenda, sobre eventos realizados pelo
Memorial, e a tradicional poesia que fecha a edição, neste número assinada por
Xavier Villarrutia Gonzáles.
Boa leitura!
Antonio Carlos Pannunzio
Presidente do Memorial da América Latina
5
educação
UNILA
Universidade federal da integração Latino-Americana
Helgio Trindade
P
ara promover a integração, o desenvolvimento e a cooperação solidária entre os países da
América Latina, a partir do conhecimento e
da formação de recursos humanos de alto
nível, o Ministério da Educação do Brasil
(MEC) enviou ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, em dezembro de 2007, o Projeto de Lei de Criação da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila)
que foi sancionado por meio da Lei 12.189, de 12 de janeiro
de 2010.Trata-se de uma proposta inédita, que pela primeira
vez no contexto latino-americano previu a criação de uma universidade nacional dirigida à integração do Continente, com o
princípio de trabalhar de forma programada a vocação integracionista das instituições de educação superior. Presidida pelo
professor Hélgio Trindade, ex-reitor da Universidade Federal do
6
Rio Grande do Sul (UFRGS), ex-membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), a Comissão de Implantação
(CI) da Unila, formada e investida pelo
MEC, com 13 especialistas em educação superior e integração, trabalhou por
dois anos no desenvolvimento e na estruturação do plano político- pedagógico da Universidade.
Apesar de a Unila ser uma universidade do sistema federal de educação
superior do Brasil, sua especificidade
decorre de sua missão própria: a integração latino-americana. Nesta perspectiva está a sua vocação institucional
original. Financiada pelo MEC, como as
demais universidades federais, seu olhar
esta voltado de forma prioritária para
a América Latina, com o objetivo de
desenvolver uma cooperação solidária
com os países na região. O seu campus
deverá ser um local de experiência da
integração em termos acadêmicos, científicos e culturais, por meio do convívio
entre professores e alunos.
O Anteprojeto estipula que a metade dos 10.000 alunos previstos e dos
500 professores seja selecionada nos
diversos países latino-americanos e a
outra metade no Brasil. Para promover
esta integração, a Unila será bilíngue
(português e espanhol). Alem disso, tem
como objetivo a formação de redes de
cooperação com universidades de toda
a América Latina.
A localização da cidade de Foz do
Iguaçu, na Tríplice Fronteira, foi fator
determinante por dois aspectos. De um
lado correspondente à política do atual governo, de expansão superior e interiorização até as regiões de fronteira.
Também por ser fronteira trinacional, o
que sem dúvida enriquece o projeto e o
caráter multiétnico da formação histórica da região. A hidrelétrica de Itaipu
Binacional apoiou a criação da Unila,
doando uma área de 40 hectares para
a construção do futuro campus e cooperou na elaboração do projeto arquitetônico de Oscar Niemayer. Atualmente
o PTI abriga a sede provisória da Unila
até a conclusão do Campus, que está em
fase de construção.
O fato de que Niemayer tenha
desenhado o projeto do campus foi
uma grata surpresa, pois a ideia inicial
era ter do arquiteto somente o prédio
da biblioteca. Seu projeto para a Unila é majestoso, como são todas as suas
obras, e os seus traços simbolizam a
integração latino-americana. No total,
serão cerca de 150 mil metros quadra-
7
A universidade já
funciona em prédio
provisório e deve ser
transferida para um
complexo projetado
por Oscar Niemeyer.
dos, divididos em seis edifícios: prédio
central, biblioteca, anfiteatro, restaurante universitário e dois edifícios para
aulas e laboratórios. Foi decidida pela
Comissão de Implantação a utilização
múltipla dos espaços, e procurou-se
adaptar o projeto para uma maior convivência entre alunos e professores.
O projeto de uma Biblioteca de
referência na América Latina (Biunila)
sobre integração regional e comparada prevê um moderno centro de documentação e informação virtual, com
capacidade para 300 mil volumes. A
biblioteca estará integrada com o Instituto Mercosul de Estudos Avançados
(Imea). Este é um centro interdisciplinar de pesquisa e pós-graduação que
atualmente atua por meio de Cátedras
Latino-Americanas nos diferentes
campos do saber. Já com o apoio da
Associação de Universidade do Grupo
de Montevidéu (AUGM), pretende-se
formar uma rede de pesquisas avançadas que se organize a partir da integração do Imea. A proposta da Biunila e
do Imea tem o apoio do governo brasileiro por meio do Focem (Fundo para
a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul). A
Biunila e o Imea deverão atender a região e ser referência em pesquisa sobre
a América Latina.
Quanto à seleção de alunos brasileiros e estrangeiros, esta é realizada de
forma diferenciada. Os brasileiros são
selecionados por meio do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) enquanto os estrangeiros são selecionados em
seus países de origem de acordo com
critérios definidos pela Unila em acordo
com os seus Ministérios da Educação.
O corpo docente brasileiro (250
professores) é selecionado por meio
de concurso público, como se faz em
qualquer outra universidade federal brasileira, mas com banca internacional.
Entretanto, foram criadas modalidades
8
distintas de contratação para professores doutores seniores e jovens doutores.
Os docentes são contratados por seu
perfil como professores visitantes temporários, recrutados de acordo com sua
capacidade nos outros países da América Latina. Este formato permite maior
flexibilidade na contratação e na permanência dos especialistas estrangeiros,
provendo uma maior circulação destes
professores, o que cremos ser benéfico
para a instituição. Deve-se destacar que
haverá um desenvolvimento progressivo do tamanho da Universidade até que
alcance a meta de 500 professores e 10
mil alunos. A concretização do projeto
deverá ser alcançada até o ano de 2017.
A Unila já oferece cursos inter
e transdisciplinares, áreas inovadoras,
afastando-se das carreiras clássicas. Ini-
ciou com uma oferta de 12 cursos de
graduação, e está implementando programas de pós-graduação. A ênfase é
dada aos cursos considerados estratégicos para a integração, como formação
de professores, recursos naturais, relações internacionais, processos culturais
e outros. A proposta é dirigida a estabelecer ciclos de formação: o ciclo básico,
o ciclo profissional e o ciclo de integração latino-americana. Porém, deve-se
destacar que a questão da integração
regional deverá permear toda a formação do aluno, constituindo o princípio
da instituição. Esta proposta é resultado
do trabalho da Comissão de implantação da Unila, que realizou um diagnóstico da oferta de cursos de graduação na
América Latina para evitar a reprodução
dos mesmos cursos e também se apoiou
no resultado de uma consulta internacional realizada com mais de uma centena de especialistas.
Há uma grande receptividade do
projeto da Unila, em âmbito nacional e
internacional. No Congresso Nacional
a criação da Unila recebeu aprovação
unânime e conta atualmente com alunos de vários países da América Latina
(Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai). Em 2012, a Unila receberá alunos de toda a América
do Sul e de alguns países da América
Central e do Caribe.
Helgio Trindade é cientista político e atual presidente
da Comissão para a Instalação da Universidade
Federal da Integração Latino- Americana (Unila).
9
O conjunto terá
prédio central, biblioteca, anfiteatro,
restaurante e dois
edifícios para aulas e
laboratórios.
ANÁLISE
EVO
MORALES
E AS COMUNIDADES INDÍGENAS
Everaldo de Oliveira Andrade
H
á uma história ancestral no mundo andino que a ascensão de Evo Morales parece ter projetado novamente para a luz. O
mundo andino foi marcado pela sobrevivência ao longo de séculos de resistência
das comunidades indígenas aymarás e
qhéchuas, entre outras, que sobreviveram à colonização espanhola e aos anos conturbados que se seguiram às independências no século XIX. O genial e precoce pensador peruano
José Carlos Mariátegui já havia notado uma profunda sociedade indígena remanescente e entranhada na própria terra,
um elo de ligação entre a solidariedade comunitária e um futuro libertário para a América Latina com que sonhava. Na
Bolívia, nem sempre esse laço de solidariedade previsto por
Marátegui entre os de baixo foi claro. Mesmo os proletários
10
mineiros que se enfrentaram nas décadas de 1940 e 1950 com os mineradores, sob as bandeiras socialistas,
pouca atenção deram ao mundo indígena. Uma fragilidade que a História não deixou de cobrar seu preço. A revolução de 1952 e sua quase
esquecida e pálida reforma agrária
buscaram, sob a liderança dos nacionalistas reformistas, desestruturar as
comunidades indígenas em nome da
cidadania liberal, da propriedade individual e da liberdade. Isso cravou
novas feridas na sociedade boliviana,
ainda mal curadas. O sociólogo boliviano René Zavaleta Mercado chegou
a forjar o conceito de “sociedade abigarrada”, para tentar entender uma
nação junta, mas não unida, em que
conviviam em um mesmo quadro social setores sociais quase incomunicáveis. Isso está mudando?
11
Os líderes indígenas
esperam um diálogo
que Evo Morales
acena conduzir.
Durante os anos 1970, quando vigorava uma ditadura militar no
poder desde 1964, um vigoroso movimento indigenista buscou reconstruir, ou trazer para a superfície, uma
Bolívia silenciada ou apartada. Era o
movimento katarista, que em sua face
mais radical beirou o fanatismo racista dos índios contra os brancos. Esse
movimento indigenista crescia na esteira do silenciamento do combativo
movimento operário pelos militares.
De fato, parecia haver um constante
ressurgir histórico do mundo andino
ancestral, dos laços sociais e econômicos das comunidades indígenas, marcados pela quase impermeabilidade da
modernidade ocidental, expressando
muitas vezes quase um mundo à parte,
ou uma história vivida em outro ritmo
paralelo, em outra camada da história
silenciosa. Em momentos de grande
tensão social e econômica, esses tempos históricos vividos em outro ritmo,
essas camadas mais profundas da sociedade parecem se reencontrar para
buscar acertar seus ritmos, como se
uma história caudalosa e profunda se
tornasse repentinamente visível à superfície, como protagonista das conjunturas e dos eventos mais corriqueiros. Evo Morales certamente unificou,
ou expressou, um movimento social
profundo e unificado de defesa da soberania e autodeterminação da nação
boliviana como nunca houve no país.
Estamos vivendo um novo ressurgir,
um reencontro da nação boliviana?
A tão celebrada Nova Constituição Política do Estado Boliviano, aprovada em janeiro de 2009, foi exaustivamente negociada com os setores que
defenderam abertamente o separatismo
do país. Foi celebrada a formulação de
um Estado plurinacional, intercultural,
descentralizado e com autonomias regionais. Porém, essa suposta conquista
do estado plurinacional, longe de ser um
12
cosmético, pode fortalecer o regionalismo e a fragmentação social dos setores
populares e do tradicional e combativo
movimento operário do país. E, dessa
forma, favorece a antiga Bolívia dividida
e submissa à ingerência externa, aquela
que sempre foi obstáculo no caminho
que levou Evo Morales ao poder. O
choque entre etnias e grupos da própria
base social de Evo é também parte da
dinâmica em desenvolvimento de fragmentação étnica, regionalista e autonomista que ameaça destruir a grande
conquista política do seu governo, a
unidade política em torno da soberania
nacional traduzida nas ações contrárias
ao separatismo regional.
O mundo das comunidades indígenas só tem sentido e vigor, ganhando uma dimensão política maior
na arena de uma nação boliviana plenamente soberana e independente. A
fragmentação enfraquece as próprias
comunidades. O regionalismo e o autonomismo, expressos recentemente
nos choques relacionados à construção da estrada para ligar os departamentos de Pando e Cochabamba,
mostram uma dinâmica preocupante,
se prevalecer uma dinâmica política
isolacionista e não nacional. A posição do governo Evo de dialogar e negociar com as comunidades indígenas
da região é positiva, mas está longe de
resolver as questões. As cicatrizes que
separaram e contiveram a Bolívia durante séculos ainda estão abertas.
Everaldo de Oliveira Andrade é historiador, pósdoutorando na Universidade de São Paulo (USP)
e professor na Universidade Guarulhos (UNG).
Acaba de lançar o livro Bolívia: democracia e
revolução – a Comuna de La Paz de 1971.
O mundo indígena só tem vigor
se ganhar dimensão política
dentro da nação.
13
opinião
HUMALA
E AMÉRICA LATINA
Enrique Amayo Zevallos
C
ontexto: No dia 5 de junho de 2011, Ollanta
Humala, no segundo turno, foi eleito Presidente do Peru: obteve 53% dos votos, contra 47%
de Keiko Fujimori. Esta, é filha do ex-presidente (1990-2000) Alberto Fujimori, que acabou governando de forma ditatorial. O mentor e braço direito de Fujimori foi Vladimiro Montesinos - chefe
do Sistema de Inteligência Nacional (SIN). Ambos estão presos
em Lima, submetidos a julgamentos por haverem cometido crimes políticos juntos. Até hoje, Fujimori foi condenado a 25 anos e
Montesinos a quase 10. Analistas sérios, como Mario Vargas Llosa
(que apoiou Humala por considerar que a vitória de Keiko significaria que seu pai, representante de um novo fascismo, retornaria
ao poder), concordam que a “presidente” Keiko libertaria pai e
associados. Ações de Fujimori realizadas no ano 2000 levaram
14
o Peru a uma situação caótica: os abusos
de Fujimori para reeleger-se pela terceira
vez, contra o que a Constituição mandava, desencadearam, apesar da brutal repressão do SIN, protestos massivos que
terminaram obrigando-o a fugir para o
Japão; o Peru entrou em caos.
Algo semelhante teria ocorrido
se Keiko libertasse seu pai, já que ela
não decide nada sem consultá-lo, além
de seu círculo decisório ser constituído
pelos membros do governo de Fujimori que não foram presos. A vitória de
Keiko significaria, assim, o retorno de
Fujimori ao poder com seu corolário:
protestos, repressão e caos.
Desde que Ollanta Humala assumiu o poder, em 28 de julho de 2011,
passou-se pouco tempo. Assim, ainda não é possível julgar seu governo; é
possível, sim, descrever algumas de suas
decisões tomadas nesse período, o que
permitiria perceber tendências.
Em 2006, quando Humala foi candidato a Presidente e perdeu para Alan
García, era pró-Chávez. Mas nas eleições de 2011, Humala se distanciou do
Presidente da Venezuela. Provavelmente, Humala entendeu que Chávez não é
um bom exemplo, e que sua proximidade não ajuda. Em treze anos como presidente (desde 1998), Chávez foi incapaz
de resolver os principais problemas econômicos e sociais de seu país. Venezuela, gigante petroleiro, com grande renda
provinda desse combustível (renda que
nos anos de Chávez aumentou enormemente pela alta dos preços do petróleo),
deveria ter os mais altos níveis econômicos e sociais da América Latina, mas não
os tem; e seu crescimento econômico
está entre os mais baixos do continente.
A imprensa peruana sugere que foi por
realismo que Humala substituiu o chavismo pela aproximação com o Brasil,
do Partido dos Trabalhadores (PT).
Mas Humala não se limitou ao
Brasil: continuou aproximando-se de
outros governos, rumo ao Uruguai e a
todos os países do Mercosul. Depois,
aos países andinos vizinhos do Peru.
E também aos Estados Unidos (sendo
recebido por Barack Obama e Hillary
Clinton), Venezuela (reunindo-se com
Chávez), México e Cuba (dialogando
com Raul Castro e Fidel). Isso parece
ser parte essencial da política exterior do
governo de Humala. O Ministro das Relações Exteriores que ele escolheu, Rafael Roncagliogo, continua fiel à declaração que fez ao saber de sua nomeação:
a política externa “vai ser uma política
de integração com todos os países da região, sem distinção nem preconceitos de
tipo ideológico”. O governo de Humala
quer manter relações com os países da
América do Sul (abrangendo a América
Latina e o Mundo), “sem distinções” e
com fins de ”igualdade”.
A nomeação de Roncagliogo foi
um êxito de Humala, evidenciado em
seu bom recebimento por quase todas
as forças econômicas, sociais e políticas
do Peru. Bem recebida porque Roncagliogo desempenhou papéis-chave na
história política peruana recente. Miguel
Castilla, Ministro da Economia e Finanças,
escolhido por Humala, ao contrário de
Roncagliogo, gerou discórdia: críticas dos
progressistas e esquerdistas que tornaram
possíveis seu triunfo e apoio do mundo
empresarial e dos mercados. Castilla, com
mestrado em Harvard e Ph.D. na Universidade John Hopkins, economista ortodoxo com sólida experiência, até o dia de sua
nomeação por Humala, era vice-ministro
da Fazenda de Alan García. Igual discórdia gerou a ação de Humala que aceitou
manter Julio Velarde no cargo de presidente do Banco Central.
Humala aproxima sua administração à do governo PT de Lula: pretende
continuar a política econômica de García (assim como Lula fez em seu primeiro mandato, ao assumir, sem admitir, a
política econômica de seu antecessor).
15
Mas, simultaneamente, há uma diferença: Humala jamais falou em “herança
maldita” e, ao contrário, “pratica abertamente a continuação”, o que se evidencia nas figuras-chave que escolheu para
a direção econômica de seu governo (figuras importantes de seu antecessor).
Como o Peru inteiro, Humala não
quer pôr em risco o alto crescimento
econômico de seu país, um dos maiores da América Latina na última década.
Isso explicaria a manutenção de Castilla
e Velarde como seus gestores econômicos. Mas Humala quer que esse crescimento seja distribuído, sobretudo entre
os mais pobres, para diminuir as diferenças sociais.
Aqui só é possível mencionar rapidamente algumas decisões tomadas
por Humala:
Lei da Consulta Prévia: o Acordo
n°.169 da Organização Internacional
do Trabalho sobre Povos Indígenas e
Tribaisconcede a esses povos o direito
de consulta e aceitação prévias por eles
(usando suas formas de consulta tradicionais) sobre qualquer obra que possa causar impacto em seus territórios
históricos. Em setembro de 2011, Humala transformou esse acordo em lei,
promulgando-a em Bagua. Esta cidade
amazônica peruana tem poder simbólico: ali ocorreram, em junho de 2009,
violentos confrontos entre a polícia e a
população, sobretudo nativa, que causaram a morte de 34 pessoas. Os indígenas protestaram contra o então governo de García, que negava a Consulta
Prévia. Humala, ao promulgar essa lei,
obteve apoio quase consensual da população indígena nacional e do país inteiro, o qual se refletiu em altas taxas de
aprovação de seu governo(hoje cerca de
65%). Também foi muito bem recebido
pelos meios internacionais preocupados
com a causa indígena e a preservação.
Isso porque, uma das consequências
imediatas dessa lei foi a paralisação de
16
projetos, especialmente na Amazônia
peruana, que estavam sendo realizados
sem consulta prévia.
Altos Lucros de Minerais: o
Peru é um grande produtor e exportador mundial de minerais, dentre os
quais, os preciosos. Em função da crise
mundial, os preços dos metais aumentaram muito. Por exemplo, o preço da
onça troy de ouro, na última década,
passou de mais ou menos 300 dólares
a quase 2.000 dólares. Os altos lucros
não dependem de inovações tecnológicas ou de investimentos maiores, mas
simplesmente de inflexões de mercado.
Os altos lucros favoreciam os donos
das empresas mineradoras, mas não o
Estado peruano, porque a maioria dos
contratos de exploração foi firmada
com o corrupto governo de Fujimori,
que lhes deu vantagens, pois a crise, até
então, não havia elevado os preços às
alturas. Como candidato, Alan García
prometeu renegociar esses contratos,
mas como presidente disse que era impossível fazê-lo; assim, solicitou a essas
empresas uma doação voluntária (óbolo) que foi de 500 milhões de soles (moeda nacional peruana que, pelo câmbio
atual de 2.75 por dólar, daria aproximadamente 180 milhões de dólares).
Quando Humala assumiu o poder, de
imediato, iniciou a renegociação; as empresas, sem muita dificuldade, aceitaram
pagar três milhões de soles, ou seja, seis
vezes mais. Dinheiro que será utilizado
para cumprir promessas de campanha,
como o Programa Social Renda 65, que
significa: salário mínimo (aproximadamente 100 dólares mensais) para a população com idade mínima de 65 anos,
sem renda fixa.
Lei contra a Corrupção: o governo de Humala enviou ao Congresso um
projeto de lei para declarar imprescritíveis os delitos graves de corrupção de
funcionários públicos, impondo sanções aos corruptos; foi aprovada.
A lei de Consulta
Prévia pode transformar Ollanta Humala
em líder das causas
indígenas.
Concluindo: Humala está tomando decisões conservadoras na economia, progressistas no social, e independentes na política exterior. Políticas
de centro-esquerda que têm gerado, até
agora, respostas positivas das maiorias
peruanas e do exterior, até dos Estados
Unidos. E o impacto da lei de Consulta
Prévia poderia acabar transformando
Humala, por força das circunstâncias,
no líder das causas indígenas do continente com bases poderosas em sua
população nativa.
Enrique Amayo Zevallos é professor de História
Econômica e Estudos Internacionais LatinoAmericanos - Universidade Estadual Paulista.
17
ENSAIO
RAÍZES
DO BRASIL
ENSAIO DO FOTÓGRAFO BAIANO SERGIO
GUERRA EM TERRAS AFRICANAS
O
impacto da escravidão não conseguiu conter
as manifestações culturais dos escravos trazidos de diversos pontos da África. A simbiose das várias vertentes etnológicas deu
origem a novos simbolismos e formatos,
enriquecendo substancialmente o modo de
ser dos brasileiros. Internacionalmente, o ano de 2011 foi dedicado aos afrodescendentes, e a revista Nossa América estende ainda
neste ano as homenagens a esse povo, que tanto adensou a cultura
brasileira. O ensaio do fotógrafo pernambucano Sergio Guerra,
que se auto-intitula baiano e vive em Luanda, capital de Angola, remete-nos a imagens poéticas, dramáticas, singelas e raras de
comunidades distantes da região. A forte presença dos africanos
no Brasil pode ser avaliada no censo de 1810, quando eles eram
mais de 30% da população do Brasil, porcentagem que decresceu
a partir de 1931. A população afrodescendente nos provou que,
sem seu universo, o mundo seria monótono, triste e sem a trilha
sonora do rock, do jazz, do hip hop, do reaggae e de tantos outros
ritmos fundamentais da contemporaneidade.
18
19
20
21
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23
GUERRA
Eduardo Rascov
24
E PAZ
25
Acima,
PlantandoBananeira,
1955 - Candido Portinari.
Desenho a lápis de cor/
cartolina 9.5 x 8.5cm
26
Após seis anos de guerra total,
o mundo descansou. Em 1945, o surgimento da Organização das Nações
Unidas enchia de esperança os crédulos. Esqueciam o fracasso da Liga das
Nações, anos antes. Surgida dos escombros da Primeira Guerra Mundial, a
Liga das Nações havia sido incapaz de
impedir outra conflagração planetária.
Mas agora a paz precisava ser celebrada.
Uma comissão internacional de arquitetos seria formada para construir a sede
da ONU, em Nova York. O projeto do
mestre franco-suíço Le Corbusier seria
o escolhido, com a colaboração de Oscar Niemeyer.
O conjunto arquitetônico da ONU
foi inaugurado em 1952. Era preciso embelezá-lo com obras de arte de grandes
artistas. O Brasil ganha o privilégio de se
ocupar do hall de entrada da Assembleia
Geral das Nações Unidas. Getúlio Vargas
escolhe Cândido Portinari (1903-1962)
para a tarefa e este põe mãos à obra. Entre
1952 e 1956, Portinari trabalha sofregamente para atender o pedido do governo
brasileiro. Apesar da recomendação médica que evitasse o uso de tinta a óleo, cujo
chumbo o intoxicava, o artista encara a
encomenda como missão. Com os olhos
e as pinceladas voltadas para a eternidade,
ele passa a pintar os painéis Guerra e Paz,
cuja superfície total de 280 metros quadrados ultrapassa a do Juízo Final (Capela
Sistina), de Miguel Ângelo.
O resultado é um dos mais belos
e impactantes testemunhos da loucura
humana e resume como nada o dilema
da ONU até hoje: É possível se livrar da
guerra? Há guerra justa? A paz tem preço? O que é preciso para conquistá-la?
Portinari retrata a guerra não por meio
de soldados ou equipamento bélico, mas
por meio de suas vítimas, especialmente aquela que sofre a dor maior - a mãe
que perde o filho, imolado à (i)racionalidade dos poderosos. Guerra, painel de
14X10m, toma a visão de quem entra
na ONU. Paz, do mesmo tamanho, olha
e é olhado por quem sai. A mensagem
é inequívoca: é possível ao engenho humano resolver seus problemas.
Como Di Cavalcanti, Jorge Amado,
Mário Schemberg, Carlos Drummond de
Andrade, enfim, boa parte da intelectualidade e artistas da sua geração, Portinari era
comunista filiado ao PCB, por quem concorreu a deputado constituinte em 1945
e a senador em 1947. Sua insistência em
presentear o mundo com a sua arte pungente, como que clamando por um tempo
utópico em que não houvesse a explora-
27
Menino com Diabolô,
1955 Candido Portinari
Desenho a grafite e lápis de
cor/papel 21 x 15.5cm
ção do homem pelo homem, custou-lhe
caro. Portinari praticamente se auto-emulou , tornando-se, mais que um artista, um
herói trágico da humanidade. Guerra e Paz
foram os últimos grandes painéis pintados
por ele. Depois disso, adoeceu pouco a
pouco até morrer em 1962, vítima das tintas que para ele eram arma.
Os quadros foram finalmente instalados na ONU, em 1957. Por ser comunista, Portinari não obteve autorização
do governo americano para ir à inauguração da sua obra. Niemeyer também já
não tinha acesso ao prédio que ajudou a
criar. O “Comitê de Atividades Antiamericanas”, criado pelo senador Joseph McCarthy, estava ativíssimo. Nos primeiros
anos, o público tinha acesso ao hall da
ONU onde estão os painéis Guerra e Paz.
Mas, com o tempo, por motivo de segurança, o acesso a ele ficou restrito aos delegados oficiais. Segundo João Cândido
Portinari, filho do pintor, 95% da obra
de seu pai está fechada em coleções particulares. Por isso, quando soube que as
instalações da ONU passariam por reforma entre 2010 e 2013, tanto fez que conseguiu a guarda da obra por esse período.
Era a oportunidade dos painéis Guerra e
Paz percorrerem o mundo e - finalmente
- serem conhecidos pelo povo. Em contrapartida, eles deveriam voltar devidamente restaurados, como previa o contrato entre a ONU e o governo brasileiro
dos anos 50. Para essa empreitada, João
Candido Portinari obteve o apoio do governo brasileiro, por meio do BNDES, e
de outras entidades públicas e privadas.
Os painéis foram restaurados no
Rio de Janeiro, em ateliê aberto ao público, montado no Palácio Gustavo Capanema, por iniciativa do Projeto Portinari, no início de 2011. Antes disso, eles
tinham ficado expostos por alguns dias
no palco do Teatro Municipal carioca.
Mais de 40 mil pessoas foram visitá-lo.
A mostra no Memorial inclui cerca de cem esboços originais de Guerra e
28
Desmontagem dos painéis
Guerra e Paz de Portinari,
na ONU, em Nova York.
29
Estudos para
Guerra e Paz. Mãos
Entrelaçadas, 1955.
Desenho a grafite e
crayon colorido/papel
10 x 10cm. Cabeça
de Mulher, 1955.
Desenho a grafite e
crayon colorido/papel.
16 x 16cm.
Paz, que nunca foram expostos conjuntamente e audiovisuais contando a aventura de remover obras de arte gigantescas,
transportá-las para o Brasil e restaurálas, bem como documentários sobre a
vida e a obra do pintor. Para o Memorial,
é significativo ter os famosos painéis, que
há 54 anos estão em Nova York, compartilhando temporariamente o espaço
com outra obra de Portinari não menos
importante, o painel Tiradentes que, conforme explica João Candido, “foi pintado
30
por meu pai um pouco antes, em 1949,
com quem Guerra e Paz dialogam muito
bem.” E, complementa o filho que faz da
sua vida uma espécie de sacerdócio pela
memória, preservação e divulgação da
obra de seu pai, “o Memorial é o lugar
ideal para o público ver as cores intensas
dessas pinturas de meu pai, pois ambos
têm um significado irmanado. O que é o
painel Tiradentes, já instalado no Salão de
Atos, senão um grito de repúdio à violência similar aos painéis Guerra e Paz?”
Meninos no Balanço,
1955. Desenho a
grafite e lápis de cor
papel. 25 x 24.5cm.
Fotos de Portinari no
ateliê e com o filho João
Candido.
Visionário, sonhador, maluco
(algo a ver com seu pai?), João Candido Portinari afirma que, depois de São
Paulo, Guerra e Paz devem percorrer o
mundo. Com o esperado apoio do Itamaraty, os painéis de Candido Portinari, espera o filho, vão levar sua mensagem dramática e de esperança a cidades
emblemáticas, como Hiroshima e Oslo,
por ocasião da entrega do Prêmio Nobel da Paz em dezembro de 2012. E,
por que não, às potências emergentes
do Brics, Rússia, China, Índia e África do Sul. Até agosto de 2013, quando
eles voltam para o hall da ONU, imantados pelo olhar compreensivo de milhões de pessoas.
Exposição Guerra e Paz, de Portinari. A partir
de fevereiro no Memorial da América Latina.
Para mais informações, consulte nosso site: www.
memorial.sp.gov.br Tel.: (11) 3823 4600
Eduardo Rascov é jornalista e editor do site do
Memorial da América Latina
31
CRÍTICA
QUATRO ARTISTAS
COLOMBIANOS:
UMA INTRODUÇÃO
Julia Hertzberg
32
Antes de partir para Bogotá, Colômbia, para ver a Feira ArtBo e as atividades de arte estendidas ao redor do
evento, pediram-me para escrever sobre
quatro artistas colombianos emergentes.
Contemplando a arte e refletindo sobre
ela, conversando com artistas em museus de exposições e nos estúdios do Espacios Las Nieves, ficou claro para mim
que três dos quatro artistas que escolhi
não eram emergentes, mas sim maduros
talentos, cujos trabalhos extremamente
convincentes mereciam ser mais conhecidos para além da Colômbia. A seleção
inclui: Juan Manuel Echavarría, cujo trabalho eu tenho acompanhado e escrito
a respeito, Miler Lagos, Miguel Ángel
Rojas e Catalina Mejía, cuja obra é nova
para mim. Em linguagens diversas, seus
trabalhos abordam questões comuns e
pessoais, o político e o poético.
Por mais de quinze anos, Juan Manuel Echavarría viajou por aldeias rurais
(veredas) e cidades da Colômbia, fotografando os traços da guerra civil em andamento, travada por narco-traficantes,
paramilitares de direita e guerrilheiros de
esquerda. Em 11 de março de 2010, o
artista foi convidado para ir à cidade rural Mampujan, na região montanhosa de
Montes de Maria, para a comemoração do
décimo aniversário do dia em que os moradores foram forçados a deixar suas casas
e terra pelas forças paramilitares, “Heroes
de los Montes de Maria”. Tal aldeia nunca
foi reocupada. No decorrer do dia, Echavarría encontrou uma escola deteriorada
na qual as vogais a, e, i e u estavam escritas
em uma parede ao lado do quadro-negro.
O tempo havia gasto o o, a letra que se
tornaria o título da série La O.
Echavarría voltaria quinze vezes
às cidades e às aldeias abandonadas em
Montes de María, em suas contínuas jornadas antropológicas. Uma descoberta
surpreendente levou a outra. Uma série
de quadros-negros silenciosos, como
me refiro a eles, inclui Silencio con frutas
e Silencio 1,2,3,4. Silencio con frutas foi filmado através de uma abertura para uma
janela na parede externa, em consequência emoldurando a lousa (a qual é verde agora) ao mesmo tempo capturando
o apagamento de duas paredes em pé
33
À esquerda, Juan
Manuel Echavarría,
Silencio con frutas
(série La O). C-print,
40 x 60 in. Cortesia
do artista e da Galeria
Sextante, Bogotá.
Nesta página, Miler
Lagos, Red-Blue,
(série Inukshuk),
2011. Giclée print,
55 x 81 cm (21 ¾
x 32 in.). Cortesia
do artista e da AB
Projects, Toronto.
Miguel Ángel
Rojas, Economía
intervenida, 2011.
Pó de folha de coca,
camada de ouro e
alumínio, 110 x 163
cm (43 5/16 x 62
in.); vídeo e som, 15
min. 30 seg. Cortesia
do artista e da Sicardi
Gallery, Houston.
(ilustração). Os cinco quadros-negros
silenciosos compartilham características pictóricas e temáticas. Formalmente,
eles recordam pinturas abstratas, telas
gestuais nas quais diferentes camaradas
de pigmentos foram sobrepostas. Clima
e tempo alteraram as suas cores e materiais originais, transmitindo uma espécie
de pertubadora beleza romantizada.
Precisamos nos lembrar, todavia,
que esses quadros-negros, com ou sem letras e números, não são usados para educar crianças. As crianças, juntamente com
seus pais, foram deslocadas à força de cidade a cidade; enquanto algumas fugiram
e se salvaram, outras encontraram seu
silêncio final. A questão do artista é: essas fotografias de lousas vão avivar a memória acerca da violência prolongada que
vitimou tantas pessoas por tanto tempo?
Miler Lagos fez uma pequena série de belas fotografias e vídeos
com som, durante uma viagem ao Red
Rock Lake (65.31 graus de latitude N
34
e 114.13 graus de longitude), nos territórios do Nordeste do Canadá. A
jornada era na verdade uma residência
orgznizada por Astrid Bastin, uma colombiana que dirige a AB Projects em
Toronto. Durante a primeira residência de Lagos, no AB Projects (2010),
seu trabalho foi baseado na exploração
ambiental. Considerando seu interesse
pela natureza e pelas relações da humanidade para com ela, Bastin propôs a
Lagos que fosse a uma área remota do
Ártico canadense, onde exploradores
polares navegaram no século XIX.
Lagos e Bastin voaram para
Yellow Knife, onde o pequeno hidroplano os levou a Red Rock Lake, perto de
Coppermine River, lugar da expedição
de Sir John Franklin (1819-1822). Por
12 dias, durante o final de julho e o início de agosto de 2011, Lagos fotografou
e filmou entre 11:30 pm e 2h30 am, as
horas entre o pôr e o nascer do sol. As
fotografias entituladas Red, Blue, and Red-
Blue e o vídeo Lat 65.31 N Long 114.13
W são da série Inukshuk, uma palavra
inuíta que se refere a um marco de pedra, construído por mãos humanas, que
funciona como um ponto de referência
para rotas de viagem, lugares de veneração e de caça, dentre outros usos. Na linha de árvore em um cenário de marcos
de pedra (assemelhando-se a esculturas),
Lagos colocou chifres de veado em uma
das pedras e depois suspendeu pequenas
pedras nos chifres (ilustração). O artista
fotografou e filmou apenas a luz solar e
as condições climáticas do lugar. A beleza desolada de uma paisagem do Ártico,
com seus dias de 24 horas e ventos que
variam, fez com que Lagos se lembrasse
das pinturas românticas de paisagem do
século XIX, que registravam o sublime.
Seus trabalhos são como meditações na
cor, luz, e tranquilidade antes do frio
do Ártico transformar a região em gelo
branco, escuridão e vento.
Miguel Ángel se aproxima da economia, da política, e das realidades sociais
de seu país, de uma perspectiva diferente
em relação à de Juan Manuel Echavarría.
Economía intervenida, de Roja, é uma configuação da tempestade de padrões, visualmente definidos por pequenos quadrados
dourados, cercados por um campo de
quadrados levemente maiores de folhas
de coca. O efeito geral é um padrão de
superfície abstrata de linhas douradas ondulantes, aparecendo em pequeno relevo
contra o chão cinzento em uma superfície
35
Catalina Mejía, You
you you you, 2010.
Grafite no papel, 38
x 56 cm (12 x 14 in).
Cortesia do artista.
Fotógrafo: Oscar
Monsalve.
retilínea. O vídeo, inserido na montagem,
destaca folhas de coca voando fora das
páginas de listas telefônicas.
Rojas fala da realidade da Colômbia, que por anos tem enriquecido
com o dinheiro do narcotráfico e mais
recentemente com a mineração ilegal
de ouro, ambos produzindo “uma economia mediada”. Para a montagem,
o artista empregou tanto altas quanto
baixas tecnologias, uma total maestria
de vocabulários figurativos e abstratos,
um apelo visual e significativo de dois
produtos para o discurso econômico e
social de seu país.
O processo artístico, trabalho
intenso e repetitivo, exigiu grande destreza em colocar centenas de pequenos
quadrados de folhas de coca cortados
a laser, e ouro em um apoio acrílico. O
artista primeiro secou as folhas de coca,
triturou-as até obter uma consistência
de pó, misturou-as com um agente de
serigrafia à base de água , e usou o pó
(folha de coca) como se fosse tinta em
serigrafia. O satélite da tempestade de
padrões, baixado da Internet, foi impresso em papel do tamanho do trabalho final. Rojas usou o impresso como
uma referência para a montagem final,
que ele fez desenhando uma grade sobre o acrílico, colocando pontos para
indicar a tempestade de padrões, e finalmente aplicando as folhas de coca e
os quadrados de ouro, um por um, em
um padrão de mosaico. A riqueza esmagadora da cocaína e da mineração ilegal
de ouro está causando uma preocupação renovada na sociedade colombiana.
De forma hábil, Rojas fez alusão a essas
complexas realidades nas quais os materiais têm contribuído para uma economia mediadora.
Desastres del Corazón, de Catalina
Mejía, elucida a dor sentida em um relacionamento amoroso que deu errado.
Mejía referiu-se ao título de Goya, Disasters of War, assim como uso do Espanhol
36
em textos para inscrever suas pinturas e
desenhos com palavras que empregam
a primeira e a segunda pessoas (“eu” e
“você”) para transmitir tristeza, desilusão
e raiva. As superfícies de pintura das telas,
juntamente com os desenhos magistralmente compostos de grafite revelam os
estados emocionais da artista por meio
de palavras, a maioria delas apagada.
A escrita gestual expressionista
anima as superfícies desses trabalhos
abstratos em sua maioria, ao declarar a
especificidade dos estados emocionais
da artista. A pintura Carta de Amor, declara obsessivamente momentos, atos, e
sentimentos íntimos por meio de palavras como queimar, ligar, chorar, negar,
apreciar, excitar, sentir, esquecer, perdoar, foder, beijar. Outra tela inclui lamber, perder, possuir, prometer, lembrar,
tocar, confiar, desejar. You you you you é
configurada como um esboço no qual a
maior parte da prosa está apagada (ilustração). No queda nada é uma das poucas
pinturas nas quais elementos da natureza estão esquematicamente definidos
em uma superfície ricamente colorida.
“N a d a” é o que está escrito na parte
inferior direita, evocando o vazio, a solidão, o nada.
O apreço de Mejia por Cy Twombly e por Jean Michel Basquiat é evidente
na qualidade gráfica das linhas pintadas e
desenhadas, na organização pictórica do
espaço e na fusão das fronteiras entre a
pintura e o desenho. Olhando para trás,
para dois importantes artistas e professores, ela se lembra que Miguel Ángel Rojas
lhe ensinou a importância de expressar a
catarse, enquanto Luís Camnitzer lhe ensinou a importância de ordenar a emoção.
Julia P. Herzberg, Ph.D, é curadora, especialista sênior
da Fulbright, e também ministra palestras e publica
constantemente sobre artistas contemporâneos nos
Estados Unidos e no exterior.
aRTE
CURITIBA
FIRMA SUA BIENAL
Adonis Flores,
Incubación, 2009.
Impressão 80x120 cm
Leonor Amarante
37
O
crítico
argentino
Jorge Glusberg costuma dizer que, se
uma bienal tem pelo
menos duas obras
inesquecíveis, ela já é
um sucesso. A Bienal Vento Sul de Curitiba tem o mérito da persistência, da tentativa de superar-se e de conseguir desenvolver um discurso crítico consistente.
O tema Além da Crise foi oportuno e Tício Escolar, que divide a curadoria com
Alfons Hughs, trabalha o conceito de que
a arte contemporânea tem suas próprias
crises e, uma delas é a da representação.
Quem pode exemplificar o discurso é o
cubano Adonis Flores, artista convocado para a “comissão de frente” que nos
recebe no Museu Oscar Niemeyer com
sua série de Caveiras. Com crítica e hu-
Angelo Luz, intervenção
urbana na praça tiradentes,
2011.
mor ele nos reporta aos desequilíbrios de
nossa realidade permanente. E lembra
do período em que combateu em Angola, como soldado internacionalista, cobaia da complexidade humana.
Normalmente as bienais são salas
de espetáculos para encenar grandes
obras, grande parte com caráter cênico.
Um dos trunfos dessa edição é mostrar que obras sutis como as de Lilian
Porter podem ter alta potencialidade,
capaz de dialogar com instalações potentes como as de Nelson Felix.
A sexta edição segue as conquistas de
outras edições, potencializa seu espaço
expositivo com a ocupação do Museu
de Arte Oscar Niemeyer MON. Os
paradigmas estéticos emanados dos
centros hegemônicos Europa e Estados Unidos parecem ter perdido a força. Os desenhos eróticos e sensuais do
uruguaio Ricardo Lanzarini nos dão a
sensação de que os artistas estão atentos
na desconstrução de estereótipos sobre
produção dos países latino-americanos.
Interessante é que o encontro de críticos de formações tão diferentes chegou
ao denominador comum de que a arte
tem sua autonomia, mas sofre com as
crises que atingem muitos países.
A atualidade do tema, mais do que além
da crise, se reforça em muitas obras na
percepção crítica de Hughs, para quem
há hoje uma mudança estética de paradigmas “Obras difíceis e invendáveis, feitas de material precário, que se esquivam
à lógica do mercado, ganham cada vez
mais terreno.” Esse é um dos vieses dessa mostra, que no conjunto reforça como
um dos polos de reverberação da produção brasileira. Mesmo sem uma vitrina
internacional, que deveria ser colocada
como meta para as próximas edições, a
Bienal Vento Sul é uma realidade.
Leonor Amarante é editora da Revista Nossa
América.
38
ada como meta para as próximas edições,
a Bienal Vento Sul é uma realidade.
Sem título, 2010.
Instalação. Ferro,
resina,
Em um
edifício
acrílico,arrojado,
150x150x60
cm é a
a marca
I Cortesia internacionalização.
Boers Li Gallery,
Pequim
marca é a
internacionalização.
39
POLÍTICA
BRASIL
um dos maiores doadores e prestadores
de assistência técnica e financeira
A
Rubens Barbosa
assistência técnica e financeira prestada pelo
Brasil a dezenas de países, especialmente da
África e da América Latina, é um dos aspectos
da política externa que pouco tem merecido a atenção de analistas e estudiosos.
Trata-se de um dos desdobramentos da
política Sul-Sul, desenvolvida nos últimos
oito anos pelo governo brasileiro.
40
Sem chamar muito a atenção, e gradualmente aumentando sua presença no
exterior, o Brasil está se tornando um dos
maiores doadores e prestadores de assistência técnica e financeira para os países
com menor desenvolvimento relativo. Por
meio de diversas formas de ajuda, o Brasil,
somente em 2010, teria se comprometido
com mais de US$4,5 bilhões.
Quais as motivações dessa ação
governamental no exterior, o volume e
as fontes dos recursos transferidos aos
países mais pobres?
Reforçar a solidariedade com gestos
políticos do Brasil no mundo é a explicação oferecida pelo Itamaraty. Na realidade,
algumas das motivações que explicam a diplomacia da generosidade na América Latina e na África durante o governo passado
foram: a busca de prestígio para o Brasil e
para o presidente Lula; o esforço a fim de
obter apoio para a nossa pretensão de um
assento permanente no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas
(ONU) e interesses comerciais de abertura de mercado para serviços de empresas
brasileiras na competição com o governo e
companhias, sobretudo da China.
Como ocorre com a China, o Brasil não impõe condições aos países que
recebem a ajuda, mas também não leva
em consideração valores que defendemos internamente, como democracia e
41
direitos humanos, deixando prevalecer
a ideia de que “negócios são negócios”.
Segundo informações coligidas
em 2011 pelo The Economist, os recursos utilizados nessa ação externa sobem
a US$1,2 bilhões, superando o Canadá
e a Suécia, tradicionais doadores e prestadores de ajudas aos países em desenvolvimento. Os recursos são oriundos
da Agência Brasileira de Cooperação
do Itamaraty, com cerca de US$52 milhões em 2010. De outras instituições
de cooperação técnica, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), e a Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), saem US$440
milhões; para ajuda humanitária a países
afetados por desastres naturais, US$30
milhões; recursos para a United Nations
Development Programme (UNDP) das
Nações Unidas, US$25 milhões; para
o programa de alimentação da Food
and Agriculture Organization (FAO),
US$300 milhões; de ajuda para a faixa
de Gaza, US$10 milhões e para o Haiti, US$350 milhões. Implantamos escritório de pesquisas agrícolas em Gana;
fazenda-modelo de algodão no Mali; fábrica de medicamentos antirretrovirais
em Moçambique e centros de formação
profissional em cinco países africanos
Os empréstimos do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e
agora do Banco do Brasil para os países
em desenvolvimento, de 2008 ao primeiro trimestre de 2010, subiram para
mais de US$3,5 bilhões, em projetos na
América do Sul, no Haiti, em GuinéBissau, em Cabo Verde, na Palestina, no
Camboja, em Burundi, no Laos e em
Serra Leoa. De 2003 a 2010, o BNDES
concedeu US$5,3 bilhões para projetos
de infraestrutura na América Latina.
O Tesouro Nacional, por outro
lado, aumentou sua exposição com o
incremento da contribuição do Brasil na Corporação Andina de Fomento
para US$300 milhões e no Fundo para
42
a Convergência Estrutural do Mercosul, que sobe hoje a US$470 milhões,
acrescido de US$100 milhões por ano,
70% representados por contribuições
do Brasil.
Por outro lado, além de créditos
de difícil recuperação concedidos a alguns países africanos, a Cuba e a Venezuela, o governo brasileiro, nos últimos anos, perdoou dívidas do Congo,
de Angola, de Moçambique, da Bolívia,
do Equador, do Paraguai, de Suriname e
agora da Tanzânia.
Até dezembro de 2010, coincidindo com o final do governo anterior, segundo se noticiou, o governo brasileiro
vai doar US$300 milhões em alimentos
(milho, feijão, arroz, leite em pó) para,
entre outros, Sudão, Somália, Níger e
nações africanas de língua portuguesa.
Serão igualmente beneficiados a faixa
de Gaza, El Salvador, Haiti e Cuba. Segundo a Coordenação Geral de Ações
Internacionais de Combate à Fome do
governo federal, também receberam
ajuda brasileira, África do Sul, Jamaica,
Armênia, Mali, El Salvador, Quirguistão, Saara Ocidental, Mongólia, Iraque
e Sri Lanka.
No tocante à assistência técnica e
à abertura de créditos para obras públicas em países africanos e sul-americanos,
a exemplo do que ocorre com os países
desenvolvidos, as empresas brasileiras
poderão vir a se beneficiar, ganhando
concorrências para a prestação de serviços e exportando produtos brasileiros.
Essa vertente da política externa
reforça o soft power do Brasil, a principal
característica da crescente projeção externa do país.
Rubens Barbosa, diplomata de longa trajetória, foi
embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na
Inglaterra, é considerado um dos maiores especialistas
em comércio internacional do Itamaraty e é autor de
América Latina e perspectiva: a integração
regional da retórica à realidade, entre outros livros.
REFLEXÃO
GEOESTÉTICA
COMPLEXIDADE EM DISCUSSÃO
Ibis Hernandez
Q
uando, há algum tempo, fui convidada a participar do segundo seminário Geoestéticas
do Caribe, tive a preocupação que interpretei, no início, como uma sorte de causalidade geográfica operando no terreno da arte.
Tendo em conta o nível de complexidade
e caráter multifacetado dos fenômenos que incidem no comportamento das práticas artísticas no Caribe, imaginei que seria
difícil abordar essa produção desde que acreditei ser uma perspectiva reducionista. Mas quando recebi uma cópia dos textos
apresentados na primeira edição desse seminário, vislumbrei a
possibilidade de focar o tema manejando uma noção múltipla
do território que, além do cenário que provê a geografia do Caribe, permitisse compreender, desde a perspectiva da arte, à apropriação do território caribenho, que empreenderam indivíduo
43
e sociedade durante os últimos quinhentos anos. Seria esta uma noção de território que ultrapassa os limites impostos
pela Geografia e adiciona um bem fenomenológico que compreende as inscrições deixadas pelo sujeito que o ocupa
e faz história.
De igual modo, acreditei ser pertinente mencionar a existência de vários
critérios, tanto no referente à delimitação geográfica desta região, como a sua
delimitação cultural. São diversos os autores que têm se referido a esta questão,
mas a multiplicidade de argumentos termina apontando, definitivamente, até o
Caribe (lugar), e/ou Caribe como uma
construção sócio-histórica e cultural que
muda segundo o lugar de enunciação, o
período histórico e a posição ideológica
deste se define, dentre outros aspectos.
Dada a superposição de cartografias existentes em relação com o Caribe,
decidi circunscrever a análise da obra de
artistas que vivem e/ou trabalham nos
territórios do arco insular e do resto daquela região, considerando também os
países que integram a Extensão CentroAmericana, de acordo com o padrão inclusivo aplicado já por alguns eventos que
têm versado sobre a arte na zona. Em
termos temporais, o recorte abarcaria as
duas últimas décadas, recordando que,
justo nos anos de 1990, emergiu no Caribe uma vanguarda que, imersa na batalha
pela conquista de uma identidade artística
contemporânea, explorou novos caminhos formais e conceituais de tendência,
ao modificar os clichês advindos dos emblemas regionais, ativando, de um modo
inédito, a cena artística de um bom número de países. Dentro deste panorama,
foi possível detectar algumas orientações
que se conectam ao tema da geoestética.
Digamos, por exemplo, que o mar,
associado ao tema da paisagem, como
motivo de pesquisa plástica ou em qualidade de metáfora, atravessa parte do
imaginário visual da Região. Seu poten-
44
cial metafórico tem se convertido em
recurso eficaz para adentrar-se aos domínios da psicogeografia especial e explorar as sensações e estados de ânimo
que provoca “a maldita circunstância da
água por todas as partes”, a que se referia o escritor cubano Virgilio Piñera em
seu poema La isla en peso . Insularidade,
fronteira e migração são temas que se
transpassam e podem compartilhar um
repertório comum de significantes. O
mar, a embarcação e a cartografia têm
sido três dos ícones mais recorrentes e é,
na realidade, a ideia de que a viagem está
indissoluvelmente ligada às condições
geográficas e à história da região. Um
exemplo são os passeios de canoa nos
bairros nativos, as viagens de Colombo,
o trânsito dos navios negreiros - de onde
teve origem a aventura do “abismo”, a
que se refere Glissant -; os movimentos de corsários e piratas, dentre outros.
Agora no terreno da arte, a imagem da
embarcação não só reproduz as viagens
históricas, como abordam também migrações e traslados mais recentes, pois
não se pode esquecer que navegam nessas águas azuis, luxuosos cruzeiros e precárias balsas. De igual modo, os remos,
pontes e portos têm revelado o desejo
de buscar novos horizontes, a sensação
de medo ou a insegurança experimentada na travessia. A arte edifica, assim, um
território de constantes deslocamentos,
de margens imprecisas e flutuantes que,
não por renegar a norma imposta pelo
mapa geográfico, consegue desmarcarse das circunstâncias e a paisagem real
na qual irremediavelmente se inscreve.
Em sua densidade metafórica, o
mapa geográfico tem tido também uma
presença destacada nas artes visuais do
Caribe. Em Cuba, chegou a converterse em um dos ícones mais versáteis da
plástica dos anos 1990, dentre as poéticas
que deram continuidade ao debate crítico
iniciado na década anterior, agora, desde
um hedonismo simulador que encontrou
nesta metáfora geográfica um código
eficaz para prolongar, de forma astuta, a
discussão sobre tópicos cadentes da realidade social. No solitário, multiplicado,
desdesenhado ou sobredimensionado;
transformando em balsa, cesta, jaula, rabisco, homem ou animal; ocupando seu
lugar no mapa-múndi ou transladado a
uma oficina de reparações, o mapa da
ilha estendeu seu enorme potencial semântico ao se descobrir como território
de aspirações, frustrações, utopias, memórias, migrações, batalhas, vicissitudes
e identidades, em um dos momentos
mais difíceis da história de Cuba.
Muitas outras linhas de trabalho
dão conta da relação arte-território na
zona geocultural do Caribe; não menos
importantes seriam aquelas que contemplam o nexo com o etnocultural, ou
as práticas de inserção social nas comunidades fixas transterritoriais, no espaço das urbes modernas, e nas zonas de
assentamento ilegal e dos bares. Experiências desse porte se estendem com
alcance desigual por vários países da
área e merecem igual atenção, ainda que
tenhamos pretendido visualizar apenas
um pequeno recorte de tudo quanto poderia abarcar o tema.
Ibis Hernández Abascal é pesquisadora e curadora do
Centro de Arte Contemporáneo Wifredo Lam, de Cuba.
45
Na página
anterior, Mapas
(detalhe) de
Ibrahim Miranda
(Cuba). Acima,
Cinco Carosas
para la Historia,
1991, instalación
(técnica mixta),
de Marcos Lora
Read (República
Dominicana).
Foto David
Damoison.
ECONOMIA
O SISTEMA DA DÍVIDA E A
INFLAÇÃO
NO BRASIL
Maria Lucia Fattorelli
A
atual crise financeira mundial teve início em
2008, localizada nas maiores instituições financeiras do mundo que corriam risco de
quebra devido à utilização desenfreada de
diversos produtos financeiros sem lastro,
especialmente os derivativos. Apesar de numerosas denúncias de fraudes, as nações mais ricas do mundo
decidiram “salvar” tais instituições com a emissão de grandes
volumes de dívida pública. Tal procedimento escancarou a utilização do endividamento público às avessas, ou seja, a dívida
pública deveria servir para aportar recursos ao Estado e não
o contrário. Dessa forma, a crise atual expôs as entranhas do
que batizamos de “Sistema da Dívida”, isto é, a utilização do
instrumento do endividamento público como um sistema de
desvio de recursos públicos em direção so sistema financeiro.
46
Para operar, esse sistema conta com arcabouço de privilégios de ordem legal,
política, financeira e econômica, que
visam a garantir prioridade absoluta
aos pagamentos financeiros, em detrimento de direitos humanos e sociais de
toda a Nação.
No Brasil, apesar de a Constituição Federal prever a realização da auditoria da dívida, tal dispositivo nunca
foi cumprido. As recentes investigações
da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Dívida Pública revelaram a
absoluta necessidade da realização da
auditoria da dívida, tendo em vista a
comprovação de numerosos indícios e
evidências de ilegalidades, ilegitimidades
e, especialmente, a utilização do endividamento público como instrumento de
transferência de recursos públicos ao
setor financeiro.
Os trabalhos da CPI e da Auditoria Cidadã da Dívida têm comprovado
que também em nosso país o “Sistema
da Dívida” conta com privilégios de toda
ordem, especialmente com uma superestrutura legal que parte da Constituição
Federal: reafirma-se na Lei de Diretrizes
Orçamentárias, na Lei de Responsabilidade Fiscal e na legislação que rege o
chamado “Regime de Metas de Inflação”, dentre outras normas, afetando diretamente a vida de toda a sociedade.
No presente artigo menciono de
forma resumida como um conjunto de
normas legais nacionais tem garantido
prioridade absoluta à remuneração dos
detentores de títulos da dívida brasilei-
47
ra por meio de elevadas taxas de juros,
favorecendo ainda o crescimento contínuo do estoque da própria dívida pública, com a emissão continuada e até
inconstitucional de dívida para pagar
esses elevados juros.
O mais grave é que todo esse aparato “legal” que favorece o setor financeiro surgiu no campo jurídico de forma
tortuosa e demanda aprofundamento de
estudos e investigações.
Paira sob o art. 166, § 3º., II “b”
da Constituição Federal, robusta denúncia de que tal dispositivo jamais
chegou a ser votado pelos parlamentares constituintes, tendo sido incluído
no texto final como um contrabando,
segundo especialistas do Congresso
Nacional à época – Anatomia de uma
Fraude à Constituição.
Tal dispositivo excetua os gastos
com a dívida pública da regra geral aplicada aos demais gastos, isto é, qualquer
proposta de gasto ou investimento que
48
represente ônus financeiro ao orçamento da União terá, obrigatoriamente, que
indicar a fonte de recursos suficiente
para tal gasto, exceto os gastos com a
dívida pública. Dessa forma, se o Banco
Central eleva as taxas de juros sob a justificativa de conter a inflação, por exemplo, e gera a necessidade de mais recursos para pagar tais juros, não ocorre a
necessidade de indicar de onde sairão os
recursos para tanto: o remédio aplicado
tem sido emitir dívida para pagar dívida.
O referido remédio conflita com
outro dispositivo constitucional – art.
167, III - que estabelece a proibição de
emissão de dívida para pagar despesas
correntes, rubrica que compreende os
juros da dívida. As investigações realizadas durante a CPI da Dívida Pública
revelaram a contabilização irregular de
grande parte dos juros como se fossem amortizações, o que representa
mais uma flagrante evidência de burla à
Constituição e ilegalidade no tratamento dos gastos da dívida.
Além do indício de desobediência ao dispositivo constitucional, tal fato
revela o encobrimento do efetivo custo
dos juros da dívida, aliviando seu peso
quando comparado, por exemplo, com
as despesas de Pessoal, Previdência e
outras, que acabam sendo traduzidas
em grandezas distintas. Enquanto os
dispêndios com Pessoal ou Previdência englobam a variação de preço neles
embutidos (por exemplo, reajustes salariais decorrentes de inflação, atualização
de tabelas dos serviços de saúde, atualização de benefícios previdenciários,
reajuste do salário mínimo decorrente
da inflação, dentre outros), o valor dos
“Juros e Encargos da Dívida” considera
somente a parcela dos juros que supera
a inflação. Tal fato decorre da metodologia utilizada no Balanço Orçamentário
da União, que tem considerado como
“Juros” somente a parcela que supera a
inflação indicada por índices (IGP-M), e
computa a atualização monetária da dívida pública juntamente com a rubrica
“Amortização”.
Evidencia-se, portanto, que a
mesma “inflação” que serve de argumento terrorista para coibir e proibir
reajustes automáticos para os salários,
aposentadorias e outros direitos sociais
com base em sua variação, não vale para
os juros da dívida, que têm a parcela da
inflação expurgada de seu custo e sequer
computada nos juros, mas erradamente
como amortização.
Desde 1999, com a edição do Decreto 3.088, foi instituído no Brasil o
regime de “Metas de Inflação”, que elegeu a Política Monetária - taxas de juros
- como o principal instrumento de combate à inflação, dado que o art. 2º. do Decreto delegou ao Banco Central do Brasil
a execução das “políticas necessárias para
cumprimento das metas fixadas”.
Cabe observar mais uma desordem legal, pois o citado decreto conflitua com a Lei 4.595 (art. 3º., II), da qual
decorre, já que a utilização preponderante das taxas de juros no controle da
inflação significa o descarte das demais
medidas mencionadas na referida lei,
necessárias para o controle da inflação,
tais como a prevenção ou a correção de
depressões econômicas e outros desequilíbrios conjunturais. Além desse indício de ilegalidade, a eleição das taxas
de juros como praticamente o único instrumento de combate à inflação contém
uma série de inconsistências que provocam repercussões econômicas e sociais.
O Brasil já apresenta preocupantes índices de desindustrialização e dados
49
oficiais comprovam que mais de 70%
da inflação decorre dos grandes aumentos nos preços administrados (tarifas de
energia, telefone, combustível, transportes, entre outros) que influenciam fortemente na formação dos preços.
As distorções que favorecem o Sistema da Dívida prosseguem nas chamadas
“Operações de Mercado Aberto”, realizadas em grande volume pelo Banco Central
sob a justificativa de combate à inflação
e na prática representam dívida feita sem
autorização legislativa, em flagrante conflito com a Lei Complementar 101/2000,
que proibiu a emissão de títulos pelo Banco Central. Tais operações estão servindo
para trocar dólares especulativos que ingressam no país, sem controle, por títulos
da dívida pública que pagam os juros mais
elevados do mundo, sob a justificativa de
controle da inflação mediante o enxugamento da base monetária.
50
Esse mecanismo tem provocado
megaprejuízos operacionais ao Banco Central - R$ 147,7 bilhões em 2009 (http://
www.bcb.gov.br/htms/inffina/be200912/
dezembro2009.pdf) e R$ 48,5 bilhões em
2010 (http://www.bcb.gov.br/htms/inffina/be201012/dezembro2010.pdf) - o
que representa significativo dano ao patrimônio público, pois tal prejuízo é, por lei
(11.803/2008, art. 6º.), coberto pelo Tesouro Nacional, ou seja, por todos nós.
A justificativa reiteradamente
apresentada pelo governo para a acumulação de reservas internacionais (proteção do país de fugas de capital em crises
financeiras globais) não se sustenta, dado
que tal proteção seria feita de forma bem
mais eficiente por meio do controle sobre o fluxo de capitais financeiros, adotado com sucesso por vários países.
O resultado tem sido o crescimento
explosivo da dívida pública, cujo montan-
te supera R$ 2,5 trilhões, e o pagamento
de juros e amortizações consumiu 45%
dos recursos do orçamento federal em
2010, conforme mostra o gráfico a seguir.
Neste ano de 2011 a taxa de juros
Selic já subiu 5 vezes, saindo de 10,75% e
alcançando 12,5%. Recentemente ocorreram duas reduções de apenas 0,5% e
a Selic está situada no elevado patamar
de 11,5% ao ano, enquanto mais de 40
países praticam taxas de juros inferiores a zero. A prática de elevadas taxas
de juros não tem servido para combater
o tipo de inflação que temos. Adicionalmente, perpetua a concentração de
renda no Brasil , 7ª. economia mundial,
que ocupa a vergonhosa posição de 8º.
país mais injusto do mundo, segundo o
Índice de Gini, e é o 73º. no ranking de
respeito aos direitos humanos.
Alternativas para o efetivo combate à inflação existem e são muito mais
eficientes: redução da taxa de juros;
controle e redução dos preços administrados; reforma agrária para garantir
a produção de alimentos não sujeitos
à variação internacional dos preços de
commodities; controle de capitais para
evitar o ingresso de “capitais abutres”,
meramente especulativos, e as fugas nocivas à economia real; adoção de medidas tributárias apropriadas ao controle
de preços. Para tanto, é necessário desarmar o Sistema da Dívida e corrigir os
rumos da política econômica.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora da Auditoria
Cidadã da Dívida desde 2001 e colaboradora do Le
Monde Diplomatique.
51
eLEIÇÕES
NÉSTOR E CRISTINA
KIRCHNER
AFIRMAÇÃO DO PERONISMO
Luis Fernando Ayerbe
A
Argentina sai de um conflito interno de
amplas proporções a partir do colapso financeiro de 2001, que levou à renúncia do
presidente Fernando de la Rúa, da Unión
Cívica Radical (UCR). Sob a presidência de
Eduardo Duhalde, nomeado pelo congresso, cristalizando um processo de normalização institucional.
Com Néstor e Cristina Kirchner com três mandatos sucessivos,
a partir de 2003, consolida-se a supremacia do peronismo na
política nacional, sob um quadro de forte crescimento da economia e melhoria dos indicadores sociais. O governo de Néstor Kirchner opera em um clima de relativa estabilidade econômica, com uma recuperação favorecida pela suspensão dos
pagamentos da dívida e sua posterior reestruturação, ampliação do consumo pela expansão dos gastos de uma população
52
desconfiada com o sistema bancário, e a
desvalorização cambial, que impulsiona
as exportações e a indústria dirigida ao
mercado interno.
Com essa situação favorável, o
grande desafio era desarmar o radicalismo que o conflito social havia alcançado entre dezembro de 2001 e julho de
2002, o processo de mobilizações chegou a levar à rua 4 milhões de pessoas,
em uma população economicamente
ativa de 30 milhões.
A principal resposta será a expansão das políticas de assistência
para os setores mais afetados. Com a
presidência de Duhalde, estabelece-se
o Plan de Jefes y Jefas de Familias (PJJF),
que outorga 150 pesos mensais (50
dólares aproximadamente, na época)
para desempregados que são chefes de
A quantidade de votos
obtida por Cristina (na
foto com Néstor Kirchner
falecido em 2010) foi uma
surpresa para todos.
53
família. De 1.300,000, em outubro de
2002, a oferta de PJJF se amplia para
2.100,000, a partir de 2004.
Outra área de atuação que aproxima as administrações dos Kirchner
das reivindicações dos movimentos sociais é a política de direitos humanos,
que obtém o apoio de organizações
como Madres y Abuelas de la Plaza de
Mayo. Em março de 2006, quando se
cumprem 30 anos do golpe militar, o
Poder Executivo coloca publicamente em discussão a anulação dos indultos concedidos por Carlos Menem,
em 1990, aos principais dirigentes da
Ditadura. No mês de abril de 2007, o
Tribunal Penal e Federal considera inconstitucionais os decretos de anistia
com base na tese da não prescrição dos
crimes contra a humanidade.
A ampliação das políticas sociais, a retomada da ofensiva contra a
impunidade na violação dos direitos
humanos e a interlocução com os movimentos populares fazem parte do
esforço de Néstor e Cristina Kirchner para construir marcos de governo,
apostando em uma nova correlação de
forças de centro-esquerda. Partindo
desta perspectiva, criam a Frente Para
la Victoria (FPV), sigla que abrigará as
candidaturas presidenciais de Cristina
em outubro de 2007 e 2011, em que
vence no primeiro turno com, respectivamente, 46% e 54% dos votos.
Apesar da diferença favorável
obtida na reeleição, o caminho não
esteve livre de obstáculos. Em 2007,
a vitória se antecipava como consequência inevitável da recuperação do
país sob a presidência de seu marido,
que termina o mandato com índice de
imagem positiva, próximo aos 60%.
Em 2011, ainda que as entrevistas
mostrassem uma tendência de maior
apoio à Cristina, em parte influenciadas pela solidariedade gerada em boa
parte da população pelo falecimento
54
de Néstor, em outubro de 2010, o número de votos obtidos nas eleições
prévias de agosto, ampliados em outubro, foi uma surpresa para a oposição
e boa parte dos analistas.
A explicação está em diversos
problemas que afetaram desde o início
a gestão de Cristina. A poucos dias de
assumir, enfrenta a acusação de usos
irregulares de recursos em sua campanha, que seriam originários do governo
da Venezuela, denúncia que envolveu a
setores próximos à Administração de
George W. Bush, complicando a relação com os Estados Unidos. O ano de
2008 está marcado por forte polarização, com o campo envolvendo o volume de retenções, por parte do Estado
de recursos provenientes de recursos
agrícolas, levando a uma derrota da lei
enviada ao parlamento, em que a atuação do vice-presidente Julio Cobos,
originário da UCR, foi decisiva na votação, levando a uma ruptura irreversível na cabeça do Poder Executivo. Nas
eleições de 2009, a oposição avança
substancialmente, obtendo maioria no
Congresso, com a simbologia expressa
na vitória do dissidente peronista Francisco de Narváez sobre Néstor Kirchner na contenda de deputados pela
província de Buenos Aires. A visibilidade da oposição se faz mais explícita
na crítica à oposição da economia, especialmente no tema da inflação, com
o questionamento da credibilidade das
medições do Índice Nacional de Estadísticas y Censos (Indec).
As dificuldades enfrentadas pela
administração de Cristina contribuíram
para criar uma percepção na oposição e
setores da opinião pública de que a experiência dos Kirchner na presidência
se encerra em 2011. No entanto, três
temas se opõem na hora de compreender a discrepância entre essas percepções e a realidade: 1- Independente
das diferenças partidárias da maioria
da população, é palpável o contraste
entre a crise de 2001-2002 e o período
posterior, em termos de qualidade de
vida. De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina, depois
da queda do PIB, de 10,9%, em 2002,
entre 2003 e 2010, o crescimento médio anual será de 7,5%, incluindo nesse cálculo o índice de 0,9%, de 2009,
influenciado pela crise financeira internacional. Paralelamente, entre 2002
e 2010, o desempenho urbano diminui de 19,7% para 7,8%, e aumenta de
79,6% para 170,3% a média do salário
real. 2- A oposição se mostra fragmentada e sem um projeto alternativo capaz de influenciar uma oposição por
mudanças de condução. Contrariamen-
te ao período da Ditadura, a coesão em
um bloco antagônico não se justifica
pelo questionamento de um regime, as
diferenças com o governo se expressam em um espectro ideológico, cuja
polarização impossibilita a convergência em uma candidatura. 3- A memória
dos governos não peronistas prévios
aos Kirchner, com a hiperinflação que
levou à saída antecipada de Raúl Alfonsín, em 1989, e a renúncia de De La
Rúa, em 2001.
Por que arriscar mudar?
Luís Fernando Ayerbe é coordenador do Instituto de
Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade
Estadual Paulista (IEEI-Unesp).
55
Vários fatores explicam
a reeleição de Cristina
com esmagadora
maioria de votos.
LIVRO
RESPONSABILIDADE DO
ESTADO
Reynaldo Damazio
A
presentado como dissertação de mestrado na
Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, em 1989, o estudo de Sonia Sterman
ganha agora uma segunda edição, revista, atualizada e ampliada (Editora Revista dos Tribunais). A autora se apoiou em rigorosa pesquisa
e farta documentação para realizar uma reflexão profunda e detalhada sobre o complexo tema da responsabilidade do Estado
diante dos movimentos sociais, especialmente quando há danos
materiais ou prejuízos a terceiros. Tema atual e controverso, pois
envolve conflitos entre estruturas políticas, interesses e grupos sociais, conjuntura econômica, legislação e atuação estatal, tanto na
esfera pública interna de cada país como internacional, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. A questão dramática que se coloca para governantes,
56
Democratização e
globalização são apenas
dois dos pontos que,
segundo a autora,
transformaram a
realidade do planeta.
juízes e cidadãos comuns é que cada
movimento social, seja pacífico ou violento, tem suas pautas e peculiaridades e
não pode ser tratado de forma generalizada a partir de princípios jurídicos enrijecidos e indiscutíveis. Esse fato, apenas
um detalhe entre muitos implicados na
discussão, demonstra que o contexto
histórico é sempre movediço, instável
e exige uma compreensão também histórica de suas implicações, que pode
refletir uma demanda legítima da sociedade, um anseio de mudança, ou uma
crítica aguda a determinada situação que
se tornou insustentável, como ocorreu
recentemente nas manifestações da chamada “Primavera Árabe”, no Egito, na
Líbia e na Tunísia.
Segundo Sterman, “nas últimas
décadas, o aparecimento de inúmeros
movimentos sociais, alguns trazidos
pela globalização ou antiglobalização,
pela democratização de regimes políticos, por novas ideologias no campo
social, pela ruptura de padrões culturais tradicionais, pelo desenvolvimento
econômico e tecnológico, pelo aumento
da consciência sobre os direitos fundamentais previstos nas Constituições, inclusive sobre a cidadania, transformou a
realidade social do planeta e trouxe consequências ao direito”.
Em sua análise, a autora inclui,
além da legislação brasileira, referências
ao direito italiano, português e norteamericano, este último tendo sido acrescido à presente edição, com destaque para
a lei de combate ao terrorismo – o USA
Patriot Act, de 2001, cuja vigência foi ratificada pelo presidente Barack Obama até
2015. Faz uma comparação ponderada,
levando em conta as particularidades culturais e históricas de que país, para entender como os movimentos sociais se tornam um elemento cotidiano fundamental
na consolidação da democracia.
Para fundamentar a reflexão sobre
como o direito se adapta ao contexto das
57
O livro oferece
uma reflexão
sobre como o
direito se adapta
ao contexto de
movimentos
sociais.
lutas sociais, a autora apresenta a trajetória dos movimentos multitudinários ao
longo da História, desde a Antiguidade
ao mundo contemporâneo, em suas formas variadas, que pode ser a de um protesto localizado, ou uma revolução.
Nos capítulos dedicados ao Brasil,
Sterman aborda movimentos relevantes
da política atual, como os dos sem-terra
e dos sem-teto, mas também o dilema
das torcidas organizadas de futebol, diferenciando a atuação criminosa da reivindicação coletiva.
Reynaldo Damazio é sociólogo e jornalista, autor de
Horas perplexas, entre outros livros.
58
DEBATE
A GEOPOLÍTICA DO
LÍTIO
Bruno Peron
É
cada vez maior a atenção internacional depositada no reservatório de Uyuni, de 10 mil km²,
180 km de comprimento e 80 km de largura,
que é uma das regiões com maior riqueza mineral no planeta. A “Pérola dos Andes”, que
está a 3.670 metros acima do nível do mar,
contém as reservas de lítio mais importantes do mundo, e ainda possui jazidas de boro, chumbo, magnésio, potássio, prata,
zinco, bismuto e resguarda os maiores projetos de mineração
da América do Sul. A reserva de Uyuni estima-se em 9 milhões
de toneladas de lítio, um metal branco-prateado, macio, leve,
pouco tóxico, que se encontra disperso em rochas. Argentina (6
milhões) e Chile (7,5 milhões) também possuem reservas consideráveis de lítio, embora em quantidade menor que Bolívia.
Alguns chamam-no de “petróleo do novo século” em refe59
rência ao papel deste recurso energético
na centúria passada.
Não é à toa que virou moda
prognosticar o uso massivo de carros
elétricos, que supostamente provocam
menor agressão ao meio ambiente, e
cresceu o uso de lítio em baterias de produtos eletrônicos com os quais estamos
habituados. O lítio é bastante empregado em computadores pessoais, laptops,
ipods, tablets, aparelhos celulares e de
MP3, equipamentos elétricos de higiene
pessoal, indústria aeronáutica e aeroespacial, e até como agente terapêutico em
psiquiatria. Alemanha e Estados Unidos
preveem uma frota de um milhão de veículos elétricos em cada um destes dois
países até 2015. Baterias de íons de lítio
são mais avançadas que as de chumboácido e níquel-cádmio, que haviam sido
utilizadas até então, apesar do grau elevado de toxicidade. É o insumo do futuro
em tecnologia. Um dos desafios é o de
como aumentar a capacidade de armazenamento de energia nesse metal.
60
E como o lítio participa de um
tabuleiro de geopolítica?
A conhecida divisão internacional
do trabalho entra em jogo novamente.
Conquanto os bolivianos resistam à exploração nacional das jazidas de Uyuni,
empresas privadas asiáticas e europeias
(algumas das quais dominam o setor mineiro neste país andino) estão de olho
em um potencial que poucos são capazes de transformar em um produto de
alto valor agregado. Em três anos, a tonelada de lítio valorizou-se de trezentos
para três mil dólares estadunidenses. A
nacionalização do setor de petróleo e
gás natural indispôs os investidores, mas
não saciou seu apetite. Restam à Bolívia poucas saídas entre vender o lítio
ou deixá-lo soterrado sem rendimento
algum sob a tutela das turísticas “momias” cavernícolas das ermas salinas.
Porções territoriais de Argentina, Bolívia e Chile na região andina
possuem 70% das reservas mundiais de
lítio, o que não é nada dispensável em
face do aumento do preço desta matéria-prima estes últimos anos. Por que o
Japão, um país tão pequeno, formado
praticamente por quatro ilhas maiores
(Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu)
no continente asiático, e dependente da
importação de recursos naturais para
suas indústrias de ponta está tão à frente
das nossas “dádivas”, “pérolas” e “preciosidades” latino-americanas?
O Japão, embora não disponha
de riquezas minerais, é um dos países
mais poderosos do mundo, enquanto a
Bolívia é rica em recursos naturais, mas
um país desigual, explorado, mal compreendido e pobre. Não urge discutir se
é mais um exemplo de ironia da natureza ou de má administração das benesses
com que se pretendem alguns rincões do
planeta, porém, são incapazes de recompensar as mesmas terras de onde surgem.
A experiência da América Latina
em mineração, com raras exceções, é de
uma troca iníqua ou incapaz de materializar-se em retorno na forma de políticas
públicas à população, ainda que não só os
Estados sejam responsáveis por recompensar as gotas do suor dos nossos povos.
Os mineiros têm expectativa de vida abaixo da média na Bolívia devido às condições insalubres de trabalho, que culminam
muitas vezes na “silicose” (petrificação
dos pulmões) ou morte por soterramento
(efeito das explosões por dinamite).
No entanto, não há motivo para
ceticismo exacerbado diante da exploração do lítio por empresas estrangeiras – a
sinalização do interesse provém sobretudo das automobilísticas – ou receio de
perda de soberania, desde que se realize o
desejo do presidente Evo Morales Ayma
de formar parcerias com as mesmas, visando a transferir tecnologia à defasada
matriz científica do país andino, acompanhar as fases de prospecção, extração e
distribuição, e injetar os recursos financeiros em políticas sociais para o desenvolvimento do povo boliviano.
Qual seria a vantagem boliviana
de manter a reserva de lítio embaixo
da salina? E se um dia alguma invenção científica descartar o uso do lítio
em prol de outro elemento mais útil no
armazenamento de energia para equipamentos eletrônicos? O dilema é menos
econômico que geopolítico. A Bolívia
solicita algo mais que simplesmente prover aquilo que sempre lhes arrebataram
com o fito de mudar a posição das peças
no circuito capitalista internacional.
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latinoamericanos pela Facultad de Filosofía y Letras da
Universidad Nacional Autónoma de México (FFyL/
UNAM).
61
O reservatório de
Uyuni é uma das
regiões com maior
riqueza mineral do
planeta.
COMENTÁRIo
LIBERDADE
DE EXPRESSÃO
Darío Pignotti
N
em o direito à informação, nem a reforma da legislação sobre os meios eletrônicos de comunicação foram temas relevantes na campanha eleitoral de 2003, quando
Néstor Kirchner chegou à presidência com
apenas 22% dos votos. Tampouco a agenda midiática mereceu destaque no 1º. ano de gestão do líder
peronista, que havia firmado um pacto de convivência entre os bastidores com o grupo Clarín. Paralelamente, além
dos acordos cortesãos, no âmbito da sociedade civil, já estava em curso, um cada vez mais ativo movimento encabeçado por intelectuais e jornalistas impulsores de uma nova
lei de meios, inspirada na limitação da propriedade cruzada dos oligopólios, sendo que o maior deles era, e continua
sendo, precisamente o Clarín. Eis aqui um dado substancial
62
para compreender porque a problemática argentina sobre comunicação de
massas adquiriu uma envergadura extraordinária, e é o que podemos chamar de
sociologia do conhecimento dos profissionais da imprensa. Ocorre que a maioria dos jornalistas que se empenham no
mercado e na imprensa alternativa são
egressos das grandes universidades públicas, como são as de Buenos Aires, La
Plata, Córdoba e Rosário, em cujos planos de estudos se debatem as políticas
de informação dos sistemas de meios,
e as legislações comparadas, dentro de
uma esfera teórico-epistemológica na
qual prevalecem as correntes críticas,
defensoras de reformas.
Autores como o venezuelano Antonio Pasquali, o belga Armand Mattelart, o brasileiro Renato Ortiz e os argentinos Margarita Grazziano e, mais
recentemente, Guillermo Mastrini, estudaram nas faculdades.
Fora do âmbito profissionalacadêmico, passando ao plano da recepção, observamos também outro
fator importante no momento de ensaiar uma explicação aos processos
observados na Argentina, e consiste
no rompimento do contrato de verossimilhança entre os meios predominantes e a audiência, resultado da
memória comunicacional do grande
público. Sobressaem-se, neste recorte
analítico, três grandes relatos fraudulentos dos meios massivos, como se
fossem a falsa história de que as tropas argentinas estavam em uma situação vitoriosa durante a Guerra das
Malvinas, o que se revelou falso na
pronta rendição das tropas argentinas,
a ocultação e o desvio de toda notícia
sobre violações dos direitos humanos em um país onde, precisamente,
registrou-se o genocídio mais atroz da
América do Sul no século XX. Mais
recentemente, o público melhor informado, assim como partes crescentes
do grande público, expressou seu desengano frente ao discurso midiático
relativo à crise de 2001, que derivou
na bancarrota econômica e uma crise política sem precedentes. Assim,
em dezembro de 2011, quando vários
presidentes interinos assumiam e renunciavam dias mais tarde, as paredes
portenhas mostravam grafites que repudiavam tanto a classe política, reclamando “que se vão todos” como
questionavam as “mentiras de Clarín”.
63
Questão complexa
em um país em que o
povo repudiou tanto a
classe política quanto
a imprensa.
OITO ANOS DEPOIS
A presidente Cristina Fernández
foi reeleita em outubro de 2011, com
54% dos votos, oito anos depois da ascensão de seu marido, falecido em 2010.
Ainda que ela seja herdeira do legado de Kirchner (que em 2009 lançou
uma declaração virtual de guerra contra
o Clarín), o caráter de sua campanha
eleitoral foi marcadamente diferente à
de 2003 e a diferença substancial consistia em que, agora, o centro do debate foi ocupado, junto a outros assuntos
tradicionais, como as políticas sociais e
a economia, a defesa do direito à informação por meio da reivindicação da lei
nº. 26.522, de Meios Audiovisuais (sancionada em 2009), e o enfrentamento
aberto com o conglomerado Clarín.
Constitui um fato inédito na história republicana argentina que o debate
sobre conteúdos, propriedade e participação social na esfera pública informativa, conquiste o interesse das grandes
maiorias em um processo selado pela
radicalização dos antagonismos.
E os dois polos que tencionaram
esse confronto foram de um lado a presidente e candidata à reeleição, Cristina
Fernández de Kirchner, e do outro os
diversos veículos do conglomerado Clarín, transformado em pouco menos que
um explícito partido opositor, ocupando o vazio deixado pelas inexpressivas
forças que se opõem ao governo e obtiveram pouco respaldo nas urnas.
Nesse contexto de tensões políticas, eleitorais e midiáticas é que deveria
ser abordado o fato de que o presidente
venezuelano Hugo Chávez tenha sido
premiado pela Faculdade de Jornalismo
e Comunicação Social de La Plata, com
o prêmio denominado Rodolfo Walsh,
em memória de um dos mais de 100 jornalistas assassinados pela ditadura militar (1976-1983).
Segundo explicaram as autoridades dessa Casa de Estudos, uma das
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AG
AGEND
mais identificadas com a gestão de Fernández de Kirchner, o prêmio foi o reconhecimento à proliferação de meios
comunitários na Venezuela, antes de
Chávez. Possivelmente, mereceria outro
artigo a análise das relações suscitadas
por esse prêmio, entregue há somente
sete meses dos comícios presidenciais.
De um lado, os principais canais e
jornais privados dedicaram amplo espaço
ao prêmio, questionando os méritos do
líder venezuelano, o que definiram como
um ameaça à liberdade de expressão.
Do outro, os meios estatais, as
principais organizações defensoras dos
direitos humanos do país e uma multidão de estudantes, não só de comunicação, ovacionou o governante na sede da
faculdade de comunicação platense.
O antagonismo frente à personalidade de Chávez é a tradução das
controvérsias existentes na sociedade
e, especialmente no âmbito profissional, sobre o não modelo midiático que
tem dado lugar à aparição de duas tribos
jornalísticas: os autoproclamados “independentes”, defensores dos veículos
privados e questionadores da “soberba,
intolerância e intimidações” do governo, e os assim denominados “militantes”, identificados com a comunicação
“popular”, em geral, simpatizantes da
gestão Cristina e questionadores da “liberdade de imprensa empresarial e os
monopólios privados que concentram o
controle dos fluxos de informação”.
Darío Pignotti é doutor em Comunicação, especialista
em Relações Internacionais e correspondente no Brasil da
agência internacional italiana Ansa e do Le monde
Diplomatique.
GENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDAAGENDA AGENDA AGENDA A
DA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGENDA AGEN
O gesto E as cores
de Juan muzzi
Além de pinturas e esculturas,
Juan Muzzi também cria máquinas e
brinquedos. Acaba, por exemplo, de inventar uma bicicleta produzida com garrafas PET. É desse artista construtivista
multifacetado que o Memorial reuniu
uma série de trabalhos em retrospectiva
para comemorar os 20 anos do Mercosul. Desenhos, gravuras, pinturas e esculturas ilustraram um longo período da
carreira desse uruguaio radicado no Brasil há cerca de 40 anos, que teve como
“mestre” Torres Garcia e trabalhou intensamente ao lado de Rubens Gerchman, grande nome da arte brasileira.
recursos hídricos para América
Latina, tema da cátedra
Os recursos hídricos figuram como
um dos grandes temas da atualidade. Distribuição, contaminação e desabastecimento são algumas das questões que podem
ameaçar a vida no planeta. Dada a relevância do problema, será a área de interesse
da próxima Cátedra Unesco Memorial da
América Latina. O programa do curso que
será realizado no primeiro semestre deste
ano envolve inclusive os avanços tecnológicos, conceituais e institucionais e as diferenças entre os países da América Latina.
Integram também a pauta, o panorama
internacional e seus impactos nos continentes americanos. Paralelamente, serão
realizadas visitas técnicas a várias represas
da região metropolitana de São Paulo e do
interior do Estado. Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos para a Amé-
rica Latina será ministrado pelo professor
doutor José Galizia Tundisi e contará ainda
com a participação de especialistas convidados. Informações adicionais podem ser
obtidas com Rosângela Moraes pelo email [email protected] ou pelo
telefone (55 11) 3823-4602/03.
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POESIA
POESÍA
Eres la compañía con quien hablo
de pronto, a solas.
Te forman las palabras
que salen del silencio
y del tanque de sueño en que me ahogo
libre hasta despertar.
Tu mano metálica
endurece la prisa de mi mano
y conduce la pluma
que traza en el papel su litoral.
Tu voz, hoz de eco
es el rebote de mi voz en el muro,
y en tu piel de espejo
me estoy mirando mirarme por mil Argos,
por mí largos segundos.
Pero el menor ruido te ahuyenta
y te veo salir
por la puerta del libro
o por el atlas del techo,
por el tablero del piso,
o la página del espejo,
y me dejas
sin más pulso ni voz y sin más cara,
sin máscara como un hombre desnudo
en medio de una calle de miradas.
Xavier Villarrutia Gonzáles (1903-1950), escritor, poeta, dramaturgo e crítico literário mexicano, publicou
Nocturnos(1933) e Nostalgia de la muerte (1938), entre outras obras.
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Edição 44 - Memorial da América Latina