FAZENDA SANTA CRUZ: ESTUDO DE UM ASSENTAMENTO AGRÁRIO NO ESPAÇO PERIURBANO DE BETIM (MG)* Mário Teixeira Rodrigues Bragança♦ Silvania do Nascimento Porcino♣ Palavras-chave: Espaço peri-urbano; agricultura; horticultura peri-urbana; meio ambiente. Resumo Os estudos do espaço peri-urbano remontam à década de 1940, vinculando-se às pesquisas em geografia urbana com ênfase na expansão das metrópoles. Atualmente, reveste-se da importância relativa à gestão dos recursos naturais e produção para consumo das populações peri-urbanas e urbanas, num espaço misto de feições urbanas e rurais. O Assentamento Serra Negra situa-se a 5,7 km da sede municipal de Betim (MG), oeste da mancha urbana principal RMBH. Enfrenta conflitos de uso dos recursos naturais e pressão da expansão urbano-industrial ao longo da Rodovia MG050, eixo de ligação da RMBH ao Centro-Oeste do Estado. Pretende-se caracterizar o Assentamento Serra Negra como uma área de agricultura peri-urbana, na qual o sistema produtivo se organiza em propriedades familiares, de relação parcial com o mercado. Destaca-se que a produção local enfrenta conflitos de uso do solo e risco permanente de contaminação dos recursos hídricos, em razão das tecnologias utilizadas e da proximidade da cidade. O trabalho baseou-se na realização de uma pesquisa exploratória da qual constaram visitas à Fazenda Santa Cruz, aplicação de questionários e realização de entrevistas para levantamento de dados quantitativos e qualitativos. Como resultado do estudo, foi possível verificar que a comunidade de produtores rurais do Assentamento Serra Negra é composta de pessoas oriundas de diversas partes do Estado e que utilizam mão-de-obra familiar na produção, inclusive infantil, em glebas com tamanho médio de 5,0 hectares. A relação com o mercado é irregular: há vendas no atacado e varejo, direto ao consumidor final, atravessadores, restaurantes e sacolões. A renda familiar advém de pauta diversificada de gêneros agrícolas (mais de 30) cultivados no assentamento. A comunidade não dispõe de sistemas de tratamento de água e esgotos e coleta de lixo, e há casos freqüentes de doenças de veiculação hídrica entre seus membros. * Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004. ♦ Prefeitura Municipal de Betim. ♣ Ex-estagiária da Prefeitura Municipal de Betim. 1 FAZENDA SANTA CRUZ: ESTUDO DE UM ASSENTAMENTO AGRÁRIO NO ESPAÇO PERIURBANO DE BETIM (MG)* Mário Teixeira Rodrigues Bragança♦ Silvania do Nascimento Porcino♣ 1 Introdução O objetivo deste estudo foi caracterizar o Assentamento Serra Negra, localizado no Município de Betim-MG, como uma área de agricultura peri-urbana, buscando compreender as condições de produção e comercialização de hortaliças a partir do perfil sócio-econômico do produtor local, tendo como cenários conflitos de usos do solo e dos recursos hídricos. O estudo do Assentamento Serra Negra como uma área agrícola peri-urbana, referencia-se no interesse pelo desenvolvimento de estratégias para a manutenção do pequeno produtor no campo, seguindo uma tendência contrária ao comportamento demográfico geral do país onde o esvaziamento da zona rural já pode ser observado há mais de meio século. Demonstra também a necessidade de se compreender melhor o papel da atividade agrícola desenvolvida no entorno das médias e grandes cidades, diante da composição e funcionamento do mercado de produtos hortifrutigranjeiros. Foram consideradas duas hipóteses no desenvolvimento do trabalho: a) O Assentamento Serra Negra é uma área de agricultura peri-urbana, cujo sistema produtivo se organiza em torno da propriedade familiar e sua relação com o mercado é parcial e informal. b) A produção agrícola no assentamento se insere num contexto de conflitos de uso do solo e de risco permanente de contaminação de recursos hídricos em razão da proximidade da cidade, repercutindo diretamente sobre a saúde dos membros da comunidade e a qualidade dos gêneros produzidos no assentamento. Especificamente, objetivou-se: • delimitar, localizar, descrever e estudar a situação e a posição do Assentamento Serra Negra como uma área agrícola peri-urbana em Betim, inserida no contexto da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); • caracterizar o perfil do produtor rural, sua renda familiar, estrutura fundiária e sistema produtivo; • analisar a relação do produtor rural do assentamento com o mercado de gêneros agrícolas; • descrever as condições de saneamento básico e de saúde da comunidade do assentamento. * Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004. ♦ Prefeitura Municipal de Betim. ♣ Ex-estagiária da Prefeitura Municipal de Betim. 2 O Assentamento Serra Negra, área objeto deste estudo, foi implantado na Fazenda Santa Cruz, distante aproximadamente 5,7 km da sede municipal de Betim, zona rural da Regional Administrativa Vianópolis. O acesso ao local é feito pela Rodovia MG-050, até o bairro Cachoeira e, em seguida, por estrada sem pavimentação, cruzando a Ferrovia CentroAtlântica, até as glebas. O principal manancial utilizado no Assentamento é o Córrego Santa Cruz, afluente do Córrego Marimbá, contribuinte da margem direita do Rio Paraopeba. O assentamento constitui-se de 26 propriedades rurais unifamiliares, cujas dimensões variam de 3,8 a 7,2 ha. Uma destas glebas foi devolvida o INCRA recentemente, após a morte do chefe da família. A principal atividade econômica nestas propriedades é o cultivo de hortas e a criação de pequenos rebanhos. 2 O ESPAÇO PERI-URBANO E A AGRICULTURA PERI-URBANA O termo peri-urbano não é novo; Adell (1999, p.5) remonta a origem dos estudos da interface peri-urbana à década de 1940; sua gênese vincula-se às pesquisas em Geografia Urbana nos Estados Unidos e Europa Ocidental, com ênfase na forma como se processou a expansão da franja urbana nas grandes metrópoles. Não obstante sua antiguidade, assume relevância cotidiana, com a grande ênfase dada ao tema, como linhas de financiamento em diversas instituições, atuação de centros de investigação em grandes universidades européias, eventos e publicações recentes dedicados à temática. The Development Planning Unit (University College London - Ingraterra), Asean Vegetable Research and Development Center (Taiwan), Agricultural Economics Research Institute (Holanda) e Research Program on Sustainability in Agriculture (Costa Rica), dentre outros, são alguns laboratórios e centros de pesquisa que desenvolvem trabalhos teóricos e práticos sobre a temática da agricultura peri-urbana, levados a cabo em diversas partes do mundo, como no Sudeste Asiático, África Sub-Sahariana e América Central. A expressão peri-urbana substantivada pelo complemento interface tornou-se amplamente utilizada em tempos recentes; para Tacoli (1999, p.3), esse uso adveio do reconhecimento de que a gestão dos recursos naturais na região circundante a um centro urbano é freqüentemente de grande importância para a subsistência de muitos grupos (por exemplo, comunidades de agricultores e pescadores) e é igualmente crucial para a provisão sustentável destes recursos para toda a região, incluindo os residentes urbanos. Numa tentativa de definição sistemática da interface peri-urbana, Allen; Silva; Corubolo (1999, p.3-5) apontam três enfoques conceituais diferenciados: a) a interface peri-urbana como a periferia da cidade compreende as áreas adjacentes à cidade em processo de urbanização. A proximidade das áreas urbanas e a falta de seus atributos, tais como infra-estrutura, são os critérios utilizados para definir a interface peri-urbana. b) a interface peri-urbana como um sistema sócio-econômico é entendida como uma categoria social, independentemente de sua localização espacial, mas freqüentemente relacionada à franja urbana. Em outras palavras, comunidades periurbanas são aquelas que têm uma orientação urbana-rural dualista em termos sociais e econômicos. c) a interface peri-urbana como a interação de fluxos rurais-urbanos considera a existência de áreas onde a interação urbano-rural, as mudanças e os conflitos (econômicos, sociais e ambientais) são mais intensos. 3 Transparece em cada um destes enfoques, que o processo de peri-urbanização é caracterizado por uma forte pressão demográfica e grandes transformações sociais e culturais. Isso resulta em modificações expressivas no uso do solo no contexto das grandes metrópoles, ressaltadas por Dascal e Villagran (1997, p.74). O espaço peri-urbano, como se prefere, está sujeito a pressões intensas e impactos diversificados, tais como aqueles decorrentes dos padrões de uso do solo e da dinâmica social e econômica da cidade: especulação imobiliária, poluição de solo e água etc. São esses fatores que determinam sua configuração. De modo geral, essa dinâmica é marcada por uma redução contínua e significativa das terras agricultáveis, em conseqüência da especulação imobiliária, da implantação de novos loteamentos, da expansão dos setores produtivos e dos serviços tipicamente urbanos, como indústrias, clubes recreativos, residências de fim de semana e veraneio etc. Carvalho (1999, p.14) ressalta que no Brasil a produção de alimentos é insuficiente para atender ao crescente consumo interno; os pequenos agricultores e trabalhadores rurais, que produzem a maior parte dos alimentos básicos consumidos no país, estão deixando o campo em direção à periferia das cidades, em busca de outros modos de vida. A importância relativa da agricultura peri-urbana e a problemática da não sustentabilidade das unidades produtivas de base familiar dedicadas à horticultura no entorno peri-urbano vem sendo estudada, mais detidamente, diante da necessidade de se produzir cada vez mais alimentos para satisfazer a crescente demanda urbana das cidades médias e metropolitanas. Estudos de caso foram desenvolvidos no Nepal e Vietnam, sobre a produção de legumes no entorno das grandes cidades, como Kathmandu, Bhaktapur e Ho Chi Min, mostrando que a grande demanda urbana por legumes e verduras estimulou o surgimento de uma indústria de grande capital, freqüentemente ligada à produção e comercialização de pesticidas e fertilizantes, e que esses insumos têm causado severos danos ao meio ambiente e à saúde humana (JANSEN, MIDMORE, POUDEL, 1995, p.86-88). A rentabilidade e a sustentabilidade da produção peri-urbana de legumes no Vietnam são abordadas concretamente por Jansen et al. (1996, p.126), que enfatizam o fato de, naquele país, o consumo diário per capita de legumes não ultrapassar 125 gramas, quando o mínimo para suprir a demanda de micro-nutrientes do organismo deveria ser de 200 gramas. O status nutricional da população é descrito como extremamente baixo, com impactos sérios sobre o capital humano. A monocultura do arroz é apontada como a principal causa desta dificuldade em suprir a demanda diária de verduras e legumes da população local. Concluem os autores que a causa dos problemas no fornecimento de verduras e legumes às grandes cidades do Vietnam é a variação do volume de produção entre as estações seca e úmida (JANSEN et. al., 1996, p.141). Parte importante da renda das famílias pobres urbanas da América Latina e Caribe é absorvida pela alimentação, e a insegurança alimentar no nível doméstico piorou em anos recentes na região. Desde os anos setenta, a prática da agricultura e a criação de pequenos animais, dentro e ao redor das cidades, vêm sofrendo um incremento considerável, como opção à manutenção e melhoria da dieta familiar, diante da escassez de postos de trabalho e redução sistemática do poder aquisitivo dos membros ativos de cada unidade familiar (CABANNES; MOUGEOT, 1999, p.4). 4 Os espaços agrícolas metropolitanos são apontados como sendo aqueles situados no interior da cidade, ou próximos à mesma, e que se encontram afetados positiva ou negativamente por sua proximidade. São tratados geralmente como ‘espaços vazios’ aptos para a instalação de obras de infra-estrutura necessitadas de grandes superfícies, a serviço da metrópole, tais como aeroportos, cemitérios, centros de tratamentos de resíduos urbanos, novos loteamentos etc (DASCAL, 1992, p.90). O rápido crescimento demográfico e espacial das metrópoles latino-americanas, à custa das áreas agrícolas circundantes, ocupando vastas superfícies outrora produtivas, teria transformado suas periferias em uma área de competição de muitos usos do solo, e por isso, geradora de conflitos potenciais, onde a atividade rural é a mais débil (Dascal, 1992, p.89). A problemática da peri-urbanização como um fenômeno relativamente recente na evolução das cidades, particularmente nos principais centros urbanos latino-americanos, é analisada a partir do exemplo de Santiago (Chile), enfocando-se o espaço peri-urbano como aquele que se forma através da instalação de novas empresas e de residências secundárias e primárias de grupos sociais economicamente favorecidos na periferia das cidades médias e grandes. Neste espaço, configura-se uma paisagem caótica em algumas áreas, com problemas de muito difícil solução e de alto custo para os governos municipais (DASCAL; VILLAGRAN, 1997, p.73-74). Seguindo também a tendência conceitual dos espaços agrícolas metropolitanos, Tubaldini e Rodrigues (2000) e Rodrigues e Tubaldini (2002), em estudos desenvolvidos na RMBH, apoiados na proposta de Bryant e Johnston (1992, citado por RODRIGUES e TUBALDINI, 2002, p.8), dão conta da agricultura praticada nas imediações e interior das áreas urbanas como sendo a agricultura metropolitana. A agricultura metropolitana é definida por esses autores como sendo aquela agricultura praticada no interior das metrópoles ou em áreas próximas a elas – até o raio de 80 a 100 km de distância do centro metropolitano – em que haja forte interação entre usos do solo rural e urbano. Este enfoque foi aplicado na realização de estudos de caso nos municípios de Mário Campos e Ibirité. Em Betim o projeto de reforma agrária Fazenda Dom Orione foi analisado dentro da ótica do espaço peri-urbano. Bragança e Porcino (2002, p.460) destacam os problemas ambientais associados à pressão da expansão urbana e risco de contaminação por efluentes domésticos dos cursos d’água utilizados para irrigação das hortaliças cultivadas no local. Já a caracterização das condições de produção e seu mercado consumidor final, no contexto metropolitano, são discutidos por Porcino e Bragança (2002, p.392), que ressaltam os conflitos de uso do solo e a pressão imobiliária metropolitana sobre o espaço peri-urbano. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente trabalho baseou-se na realização de uma pesquisa exploratória, necessária em razão da recente implantação do Assentamento Serra Negra; este fato explica a ausência de dados sistemáticos da área de estudo, além daqueles reunidos na fase inicial do projeto para elaboração do Plano de Desenvolvimento Agrário e para instalação das famílias. Iniciou-se com visitas à área e observações de campo, para melhor inteirar-se da realidade local e estabelecer contato com as lideranças políticas e sociais comunitárias. Realizou-se uma primeira visita à fazenda, efetivando-se uma documentação fotográfica panorâmica. Procedeu-se à revisão bibliográfica, para dar suporte teórico e subsidiar cientificamente a elaboração das hipóteses e a construção de um modelo de questionário, 5 contendo 45 perguntas objetivas, aplicado a 23 glebas. Em seguida, realizaram-se entrevistas para coleta de dados primários, submetidos a tratamento estatístico para interpretações posteriores, de modo a caracterizar a área de estudo, enfatizando o aspecto locacional e destacando a estrutura fundiária, o perfil do produtor, o sistema de produção, a composição da renda familiar e os aspectos ambientais e sanitários. A cartografia atendeu à necessidade de espacialização e contextualização dos marcos físico e antrópico da área em relação ao restante do Município e a análise visual das imagens de satélites Ikonos (junho/2000), na escala 1:5.000, resultou na confecção do mapa de uso do solo no assentamento. O Plano de Desenvolvimento Agrário (EMATER, 2000), preparado para a implantação do assentamento, foi de grande utilidade nesta fase por conter informações detalhadas sobre a estrutura familiar e sócio-econômica dos assentados. A opção por uma abordagem exploratória foi considerada viável para obtenção de uma ordem operacional e técnica: • • • a pequena extensão territorial da área de estudo facilitou um conhecimento mais detalhado dos aspectos abordados; parecem ser poucos os assentamentos agrários que poderiam ser enquadrados no contexto peri-urbano, portanto, abordados através deste enfoque; considerou-se adequada a opção pelo estudo de caso, ainda que no nível exploratório, por produzir dados satisfatórios e permitir análises que favoreçam interpretações futuras. 4 RESULTADOS 4.1 Histórico, contexto e localização do assentamento Em 1998, a Fazenda Gentileza localizada na área rural da Regional Administrativa Vianópolis, no município de Betim – MG, foi ocupada por um grupo de trabalhadores sem terra, sob coordenação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais – FETAEMG. Seu propósito era forçar a desapropriação do imóvel e a realização da reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. A proprietária dessa fazenda utilizou-se do recurso da divisão dominial em cartório (EMATER, 2000, p.30) para inviabilizar a desapropriação. A Fazenda Santa Cruz, propriedade indicada pelo INCRA em substituição à anterior, foi desapropriada em agosto de 1999 e entregue às famílias que ocupavam inicialmente a Fazenda Gentileza. Implantou-se, então, o Assentamento Serra Negra, com apoio técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER-MG e da Prefeitura Municipal de Betim. A Fazenda Santa Cruz localiza-se no setor oeste do município; suas terras são drenadas pelo Córrego Santa Cruz, sub-afluente da margem direita do rio Paraopeba (mapa 1). A economia do município de Betim está vinculada ao setor industrial, com destaque para os ramos metalúrgico, mecânico, químico e transformação de minerais não-metálicos; o entroncamento de duas rodovias federais – BR262 e BR381 – e a Ferrovia Centro-Atlântica proporcionam excelente acessibilidade e conexão com o Estado e com o País, facilitando o escoamento da produção local e permitindo a convergência de pessoas e mercadorias (BRAGANÇA, 2003, p.34). Betim apresenta uma taxa de crescimento demográfico 6 acelerado, ao redor de 5,0% ao ano, para uma população urbana que ultrapassa os 97% (IBGE, 2000, p.68). Localização de Betim na RMBH Rodovias Área urbana p/ Esmeraldas Áreas de expansão urbana Área rural MG-060 Assentamento Serra Negra Betim MG-050 Belo Horizonte BR-381/262 p/ Triângulo Mineiro p/ Belo Horizonte BR -26 2 Fonte: Lei nº 2.963, de 04 de dezembro de 1996 (Plano Diretor). Base: Arquivos digitais da Base Cartográfica Municipal. p/ São Paulo BR- 381 Org. Mário T. Rodrigues Bragança 0 2 4 8 km Mapa 1: Uso do solo e localização do Assentamento Serra Negra no Município de Betim. A Regional Administrativa Vianópolis é uma área predominantemente rural, na qual se verifica uma recente expansão urbana e uma rápida redução destes espaços rurais, concentrada principalmente ao longo do novo vetor de crescimento formado ao longo da rodovia estadual MG-050. Observa-se preferencialmente a implantação de loteamentos e residências de fim de semana e veraneio de classes mais favorecidas. A atração da população se deve à configuração ainda rural da área, embora recentemente tenha havido implantação de novas indústrias ao longo da citada rodovia, em Juatuba, município limítrofe a Betim. A Fazenda Santa Cruz está inserida no contexto metropolitano, sendo influenciada pela dinâmica econômica regional. O fato de se situar na periferia de uma grande cidade interfere no cotidiano do produtor rural, definindo o que e quanto será produzido, o destino, o preço do produto etc. 4.2 Quadro físico local O município de Betim está inserido na unidade geológico-geomorfológica Depressão de Belo Horizonte (BARBOSA e RODRIGUES, 1965, p.26). Dentro dos limites do assentamento Serra Negra, ocorrem rochas granito-gnáissicas desta unidade, suportando uma morfologia de colinas de topos planos e vertentes retilíneas a convexas com formação de rampas de colúvio; nos raros afloramentos, formam-se cristas rochosas. Ao longo dos vales, acompanhando os cursos d’água, encontram-se os terrenos quaternários marcados pela ocorrência de planícies fluviais, várzeas e terraços não diferenciados. A caracterização dos recursos edáficos da área, desenvolvidos sobre aquela unidade geológica, levou à identificação de quatro ambientes: 1) planíces e terraços fluviais, com 7 domínio de Gley Pouco Húmico, Tb Eutrófico (distróficos em algumas áreas), textura média e muito argilosa, relevo plano; ocorrem Podzólicos poucos desenvolvidos em alguns locais. 2) Colinas aplainadas e superfícies estruturais, com domínio de Latossolo Vermelho-Amarelo álico câmbico, textura argilosa, relevo plano e suave ondulado. 3) Rampas coluviais, com domínio de Podzólico Vermelho-Amarelo textura média/argilosa e Gley Húmico textura argilosa e também Latossolos, todos distróficos, relevo suave ondulado a ondulado. 4) Pontões, colinas rochosas e cristas, com domínio de solos Litólicos indiscriminados, Tb álico e distrófico, textura média e afloramentos de rochas, relevo forte ondulado e montanhoso (EMATER, 2000, p.15). A depressão de Belo Horizonte insere-se totalmente em domínio tropical com predomínio do tipo climático Cwa da classificação de Köppen, descrito como clima temperado brando com verão quente (temperatura média do mês mais quente superior a 22ºC) e inverno brando (temperatura média do mês mais frio inferior a 18ºC). A estação seca corresponde ao inverno, e no verão concentram-se 80% dos 1450mm de precipitação média (CIBAPAR, 2002 p.8-13). Esse quadro atmosférico explica a disponibilidade hídrica no assentamento Serra Negra ao longo de todo o ano, embora algumas nascentes tendam a secar no inverno. Assim, a pequena vazão do córrego Santa Cruz foi compensada pela construção de um reservatório em seu vale, cuja lâmina d’água possui aproximadamente 5 ha, minimizando os impactos do deficit hídrico da estação seca. Os aspectos vegetacionais da área são descritos no Plano de Desenvolvimento Agrário. Para a EMATER (2000, p.19), a Fazenda Santa Cruz está inserida no contexto de transição entre as regiões fitoecológicas dominadas originalmente pelas formações correspondentes à floresta estacional semidecidual e ao cerrado. Apesar da descaracterização decorrente da ação antrópica, ainda podem ser identificadas fácies próprias do cerrado e da floresta semidecidual, característica do complexo usualmente denominado de Mata Atlântica. A fisionomia predominante é a floresta estacional semidecidual. A área de cerrado corresponde a aproximadamente, 25 a 30% da área da propriedade. De acordo com os dados da tabela 1, doze parcelas do assentamento da Fazenda Santa Cruz possuem boa aptidão agrícola (classe II) para a prática da horticultura, conforme demonstra o estudo realizado pela EMATER; outras doze parcelas apresentam restrições quanto ao relevo e à disponibilidade de água (classes III e IV), tendo sido recomendado seu uso para o desenvolvimento da fruticultura, criação de pequenos animais e culturas anuais, ficando o cultivo de hortas restrito em escala às áreas mais baixas (EMATER 2000, p.25). Esse quadro geral se expressa também na opinião das famílias, segundo as quais o solo do assentamento apresenta Boa capacidade de produção, embora demande correção. Tabela 1: Opinião dos assentados sobre a capacidade de produção do solo na Fazenda Santa Cruz. Capacidade de produção do solo Nº de respostas % Muito boa 5 21,74 Boa 14 60,87 Regular 4 17,39 Ruim 0 0,00 TOTAL 23 100,00 Fonte: Elaboração própria. Abril, 2003. 8 4.3 Perfil do produtor rural e sua relação com o mercado Definiu-se o perfil do produtor rural do Assentamento Serra Negra tendo como base a unidade de produção familiar, construído a partir dos resultados da entrevista. Os dados permitem traçar uma abordagem em torno da agricultura familiar, considerando que em vinte das propriedades visitadas utiliza-se exclusivamente este tipo de trabalho nas atividades produtivas; dois entrevistados informaram contratar trabalhadores diaristas para ajudar nas hortas (tabela 2) enquanto que quatro famílias afirmaram que trabalham fora de sua propriedade, na área urbana, para complementação da renda. O trabalho nas hortas conta ainda com a participação das crianças nas tarefas de capina, plantio, adubação e colheita, segundo declararam 50% dos entrevistados. Tabela 2: Origem da mão-de-obra empregada nas atividades produtivas no Assentamento Serra Negra. Mão-de-obra utilizada % Somente familiar 86,95 Familiar + diarista 8,70 Não respondeu 4,35 TOTAL 100,00 Fonte: Elaboração própria. Abril de 2003. O grupo de famílias assentado na Fazenda Santa Cruz é composto, em sua maior parte, por pessoas que já trabalhavam a terra, como meeiros nas terras de fazendeiros e arrendatários da RMBH (horticultores), caseiros, vaqueiros e alguns trabalhadores desempregados. Contudo, são migrantes de diversas partes do Estado e do País, que já haviam se instalado previamente em outros municípios vizinhos a Betim (EMATER, 2000, p.31). Os dados obtidos na entrevista direta realizada permitiram verificar que grande parte das famílias do Assentamento Serra Negra possui experiência em atividades rurais superior a dez anos, sendo que membros de pelo menos quinze, dentre as vinte e seis famílias assentadas, nasceram e cresceram na área rural (tabela 3). Tabela 3: Onde as famílias assentadas aprenderam a trabalhar a terra. Histórico % Nasceu e cresceu na zona rural 65,22 Viveu na zona rural 17,39 Adquiriu experiência em outro assentamento 4,35 Outro 13,04 TOTAL 100,00 Fonte: Elaboração própria. Abril de 2003. Já no que se refere ao destino da produção há imbricação na posição das propriedades, e as famílias mantêm diferentes relações com o mercado: dezoito assentados produzem para consumo e comercialização, destinando parte da produção aos sacolões, supermercados e feiras livres do município de Betim. Cinco produtores vendem diretamente ao consumidor final e outros cinco destinam seus produtos a atravessadores e à Ceasa. Houve somente uma declaração de comercialização apenas do excedente da produção. A prática da horticultura se iniciou na área coletiva do assentamento, na época da ocupação, e se tornou a principal fonte de renda das famílias assentadas na Fazenda Santa Cruz. Atualmente, a produção relativamente diversificada de hortaliças proporciona aos assentados uma dieta calórica abundante; contudo, segundo a EMATER, isso não é suficiente para erradicar a desnutrição de crianças e adultos que vivem naquela comunidade. 9 Quando perguntados sobre quais eram os principais produtos cultivados, praticamente todos os entrevistados declararam que plantam hortaliças e cereais, sendo que os motivos que os levaram a escolher esses produtos foram a rentabilidade que proporcionam e a experiência que muitos já possuíam antes de receberem a propriedade. Além dos cereais e hortaliças, algumas famílias desenvolvem a pecuária leiteira, a fruticultura e a criação de aves para postura e abate; contudo, os rebanhos são pequenos (tabela 4) e a produção destina-se quase exclusivamente ao consumo. Tabela 4: Rebanhos, por tipo e número total de cabeças, no Assentamento Serra Negra. Rebanho Nº de declarações Nº de cabeças Bovinos 8 23 Suínos 12 66 Aves 16 242 Caprinos 3 8 Eqüinos 2 4 Fonte: Elaboração própria. Abril, 2003. Na tabela 5 pode ser observado que o nível de escolaridade da população do Assentamento é baixo em todas as faixas etárias – 4,3 anos de freqüência média à escola. Os melhores níveis estão na faixa dos 15 aos 24 anos – 6,2 anos de escolaridade. Esse quadro de defasagem escolar tem implicações diretas no posicionamento do produtor rural diante das inovações tecnológicas e implantação de medidas de melhoria sanitária. Conseqüência desse perfil de baixa escolaridade da população foi observada no fracasso de medidas sócioeducativas implementadas visando minimizar os casos de verminoses na comunidade. Tabela 5: Número médio de anos de escolaridade da população do Assentamento Serra Negra, por faixas etárias – 2000. Nº médio de anos Faixa etária de escolaridade 0a6 0,00 7 a 14 3,61 15 a 24 6,15 25 a 29 4,88 30 a 39 4,90 40 a 49 3,06 > 50 1,64 Fonte: EMATER. Plano de desenvolvimento sustentável do projeto de assentamento Serra Negra (PDA). Betim: EMATER, 2000. p.33-35. Não obstante o baixo nível de escolaridade, as famílias do Assentamento Serra Negra assimilam bem as orientações da EMATER relacionadas aos aspectos tecnologia empregada e preservação ambiental. Cerca de cinqüenta por cento dos entrevistados identificaram com facilidade áreas de preservação permanente formadas pelas matas ciliares e vegetação em topos de morros, e mais de quarenta por cento afirmaram que praticam a rotação de culturas como forma de preservar a potencialidade natural do solo. Contudo, nove moradores realizam a rotação de terras e dois utilizam o fogo para limpar o terreno, evidenciando que ainda há muito a ser feito pela educação ambiental na comunidade. As crianças do assentamento freqüentam as escolas da área urbana, nos bairros Cachoeira (Escola Municipal Desembargador Souza Lima), Santa Inês (Escola Estadual João 10 Paulo I) e Residencial Taquaril (Escola Municipal Lúcia Farage Gumieiro), através do transporte escolar gratuito mantido pela Prefeitura Municipal. Os moradores do assentamento utilizam, em sua maioria, os postos de saúde dos bairros próximos e esses parecem ser os únicos vínculos regulares daquela comunidade com a cidade. Tudo o mais se resume à atividade cotidiana interna ao assentamento. A relação das famílias com o mercado ocorre de modo informal, através da venda direta ao consumidor, quando este busca o produto na propriedade, e entrega a atravessadores (pessoas de fora ou do próprio assentamento), para distribuição no mercado de Betim e Região Metropolitana. Foi relatada perda parcial freqüente da produção nos canteiros, por falta de mercado e/ou, na maior parte das vezes, por falta de condições para seu escoamento, tendo em vista que a maioria das famílias não possui qualquer tipo de veículo ou acesso a algum meio de transporte regular. Esse quadro tem, como conseqüência, além de graves perdas na produção, redução no preço final dos produtos, falta de regularidade na distribuição e de controle do destino final dos produtos. 4.4 Estrutura fundiária e sistema produtivo O Assentamento Serra Negra foi implantado numa área total de 244 hectares, dos quais 125 ha foram reservados às áreas de preservação permanente (APP´s) previstas na Legislação vigente. A área média total por família chega a 9,8 ha, contudo, descontando-se as APP´s, o tamanho médio das parcelas é de 4,9 ha; as menores possuem 3,8 ha e a maior, 7,2 ha. Cerca de 58% das parcelas (15) têm tamanhos abaixo dos cinco hectares, e beneficiam-se do fato de estarem situadas em áreas de relevo plano a suave ondulado, próximo aos cursos d’água. As maiores propriedades situam-se no topo plano do interflúvio dos Córregos Santa Cruz e Piabas e na parte alta do Córrego Santa Cruz, onde a disponibilidade dos recursos hídricos e as potencialidades naturais do solo são limitadas. Existem sistemas de irrigação em metade das parcelas, com utilização de motores a diesel e elétricos para alimentar os sistemas aspersores, e todas as famílias entrevistadas declararam receber assistência técnica da EMATER, através de Dias de Campo, Cursos e Treinamentos nas áreas de manejo e conservação dos recursos naturais, agroindústria caseira e comércio de gêneros agrícolas. Porém, a terra ainda é trabalhada utilizando-se preferencialmente métodos que demandam pouca tecnologia. A capina e a preparação de canteiros são feitas manualmente e o sistema de plantio adotado é o plantio direto. Por outro lado, vinte e dois entrevistados citaram o uso de adubos químicos na produção, embora, dentre estes, vinte e um tenham informado que o processo de adubação seja totalmente manual. 4.5 Aspectos sanitários Através do Projeto de Assentamento, cada uma das famílias assentadas obteve um empréstimo junto ao Banco do Brasil, avalizado pelo INCRA, no valor de R$2.500,00, destinado à construção de suas residências. Com este recurso, puderam edificar casas de alvenaria em suas propriedades. Além disso, alguns construíram currais, pocilgas ou outras benfeitorias com finalidade produtiva. Em geral, as edificações são amplas e o padrão mediano, embora a maior parte não esteja totalmente acabada, o que se verifica, por exemplo, 11 pela falta de pisos e redes de esgotamento sanitário. Esse fato contribui para a possibilidade de proliferação de vetores, e a propagação de várias doenças. Todos os entrevistados utilizam água obtida nos cursos e nascentes do assentamento, sem qualquer tratamento prévio; vinte e um declararam utilizar água de poços/cisternas e dois canalizaram nascentes encontradas dentro de suas propriedades. Entende-se que a qualidade de vida da população local teve melhorias sensíveis, principalmente do ponto de vista nutricional, com o assentamento nas glebas da Fazenda Santa Cruz. Porém, ainda há casos de desnutrição entre os moradores cujas terras estão em área de remanescentes florestais e possuem limitação de solo para cultivos. Esse problema se estende ao padecimento por diversas enfermidades tropicais. Metade dos assentados conhece alguma doença associada à água, sendo a esquistossomose a mais citada, estando entre aquelas que mais afetam a comunidade. Também foram citadas giardíase, dengue, cólera e verminoses em geral como doenças de veiculação hídrica conhecidas pela comunidade. A esse respeito cabe destacar que, após a implantação do assentamento e instalação das famílias, foram notificados pelo menos dois casos de diagnóstico positivo para a esquistossomose na comunidade. Segundo informações da Secretara Municipal de Saúde, embora a esquistossomose seja endêmica no município, não se desenvolve nenhum programa específico de combate e controle da doença. Como não há coleta de lixo no assentamento, dois terços dos entrevistados queimam o lixo doméstico e um terço restante simplesmente jogam-no no quintal das casas. Os resíduos de curral, pocilga e galinheiro são utilizados como esterco na maioria das propriedades que os geram. O esgoto doméstico é jogado em fossas ou lançado a céu aberto, concorrendo para a contaminação dos solos e recursos hídricos de superfície e subsuperfície. 4.6 Problemas enfrentados pela comunidade Ao serem inquiridos sobre os principais problemas enfrentados no assentamento, os moradores deram como respostas mais freqüentes, em primeiro lugar, a falta de energia elétrica nas residências e a escassez de recursos para investimentos na produção. Em seguida, foi citado o atraso na concessão da licença para o desmatamento da área, a falta de energia elétrica para movimentar os sistemas de irrigação, as dificuldades no deslocamento da comunidade e, finalmente, a falta de meios para escoar a produção. Após a menção destes problemas, procurou-se obter uma explicação técnica junto aos representantes da comunidade e aos órgãos técnicos competentes. A falta de energia elétrica no assentamento se deve ao elevado custo previsto para conectar o conjunto das vinte e seis propriedades à rede de distribuição da CEMIG, orçado em outubro de 2002 em R$53.048,881. Há previsão da CEMIG de que a instalação da energia rural no município seja retomada a partir de março de 2004; a demanda municipal é de 1200 ligações, mas o projeto prevê apenas 120 novas residências atendidas. Contudo, usuários e/ou Prefeitura Municipal 1 Orçamento da Rede de Distribuição Rural apresentado, em ofício, pela CEMIG à Associação dos Moradores da Fazenda Santa Cruz em 23/10/2002. A CEMIG participa financeiramente do projeto com R$10.058,88, cabendo aos interessados, no caso os assentados, pagarem o montante de R$43.025,60. Neste projeto está contemplada a extensão de 2.207 metros de Rede de Distribuição de Energia Elétrica Rural Monofásica e a instalação de 26 transformadores de 10 kva. Fonte: Setor de Eletrificação/Secretaria de Governo/Prefeitura Municipal de Betim. 12 deverão cobrir aproximadamente 35% dos custos da obra, dentro da nova proposta de atendimento. O atraso na concessão da licença para o desmatamento, por parte do Conselho de Política Ambiental – COPAM, mediante análise técnica do Instituto Estadual de Florestas – IEF, decorre do fato de as formações florestais observadas na Fazenda Santa Cruz serem consideradas remanescentes do Bioma Mata Atlântica, havendo, por isso, restrições legais quanto à sua supressão. No que se refere ao deslocamento da comunidade, está prevista na Transbetim a alteração do itinerário de uma linha de ônibus da Regional Vianópolis para atender ao assentamento. Porém, até o mês de dezembro de 2003 nada havia de concreto sobre essa proposta. Os moradores dependem do transporte coletivo que atende às Comunidades Liberatos e Marimbá, alcançadas após, pelo menos, quarenta minutos de caminhada. Segundo relato da Presidente da Associação dos Moradores da Fazenda Santa Cruz e do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Betim, o atraso na concessão da licença para o desmatamento da fazenda, a falta de energia elétrica para movimentar as bombas do sistema de irrigação e a falta de assistência técnica em razão da freqüente demora na renovação do contrato de prestação de serviços firmado entre a EMATER e o Município foram responsáveis pelo desvio dos recursos obtidos junto ao Banco do Brasil, para investimentos na produção, realizando-se gastos inadequados e que não estavam contemplados no projeto original de obtenção do empréstimo. 4.7 Assentamento Serra Negra: área agrícola peri-urbana A seleção e delimitação do Assentamento Serra Negra como uma área situada no espaço peri-urbano baseou-se inicialmente na formulação de Drechsel; Quansah; Penning de Vries (1999, p.4), os quais afirmam que a área peri-urbana contém elementos urbanos e rurais, sendo um misto destas feições. Para defini-la, os autores enfatizam a forte influência e demanda urbanas, o fácil acesso aos mercados e aos serviços, a relativa limitação do solo, os riscos da poluição e o crescimento urbano (NRI/UST, 1997 modificado, citado por DRECHSEL; QUANSAH; PENNING DE VRIES, 1999, p.4). E a efetiva caracterização do assentamento como uma área de agricultura peri-urbana baseou-se no enfoque funcional proposto por Dascal e Villagran (1995 p.36), para quem o espaço peri-urbano deve ser entendido como uma zona rural, próxima a um núcleo urbano, caracterizado por um alto crescimento demográfico, fortes transformações sociais, culturais e no consumo e utilização do território, no marco de grandes mutações no mercado de terras. Na Fazenda Santa Cruz destaca-se a maior expressão dos aspectos sociais e econômicos relacionados à lógica conceitual da peri-urbanização. A horticultura foi a alternativa sustentável, social e economicamente, escolhida pelas famílias do assentamento, enquanto aguardam autorização dos órgãos competentes para o desmatamento. Mesmo com essa dificuldade, as famílias que exploram a área coletiva do assentamento têm conseguido viver de seu trabalho. 5 DISCUSSÃO A área de estudo é pequena e relativamente homogênea do ponto de vista da organização espacial, das atividades econômicas e das formas de uso do solo; assim, o 13 modelo de pesquisa selecionado apresentou os resultados mais precisos possíveis. Entretanto, sua generalização deverá ser realizada com cautela porque estudos com este enfoque ainda são incipientes e porque a diversidade dos espaços peri-urbanos pode levar a conclusões equivocadas. Os resultados da pesquisa foram influenciados pelo conhecimento que os assentados possuem do setor produtivo no qual atuam. As famílias do assentamento Serra Negra podem ser divididas em dois grupos: • um, de origem rural, com experiência e tradição agrícola; • outro, escolhido entre moradores de bairros pobres de Betim, ou outros Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, cujo primeiro contato com a agricultura deu-se durante o período de ocupação da Fazenda Gentileza, ou na área coletiva do assentamento da Fazenda Santa Cruz, antes da divisão das glebas. O contato com a FETAEMG e o acompanhamento técnico proporcionado pela Prefeitura Municipal e EMATER não foi suficiente para possibilitar a todos a aquisição de conhecimento sistemático sobre as atividades agrícolas que desenvolvem. As famílias assentadas na Fazenda Santa Cruz desfrutam de uma situação de proximidade do núcleo urbano metropolitano, residindo muito próximas de grandes cidades como Betim, Contagem e Belo Horizonte; porém, parecem não possuir vínculos regulares e sólidos com a cidade; limitam-se a viver a rotina da propriedade. O comércio dos produtos agrícolas cultivados no assentamento não se faz de maneira regular para todos os assentados e a dificuldade de deslocamento restringe o contato com os serviços e infra-estrutura urbanos, ainda que sejam bem conhecidos de todos, visto que a maioria dos moradores residiu pelo menos parte de sua vida na cidade. Uma provável explicação para esse fato pode advir do fato de se tratar de um caso de reforma agrária, com obrigação implícita de residência no imóvel, cortando todos os laços com antigas residências que poderiam, por ventura, se situar na zona urbana. A forma de organização comunitária, comum aos movimentos de luta pela reforma agrária, fez surgir uma nova comunidade dentro do assentamento Serra Negra, mesmo que, provavelmente, muitos dos participantes da ocupação não se conhecessem antes da organização do movimento em pauta. Tentativas de alertar a comunidade para a necessidade de cuidados no tratamento e uso da água falharam sistematicamente; o caso é grave e demanda atenção imediata do poder público em relação ao estado de saúde da população. Exigem-se medidas de melhorias sanitárias urgentes. As melhorias advindas do apoio técnico da municipalidade e da EMATER se referem, por ora, à abertura de estradas na área do Assentamento, construção de bacias de captação, cursos e treinamento em práticas agrícolas, beneficiamento de produtos em sistemas de agroindústrias domésticas, preservação ambiental etc. O poder público deverá intervir e disciplinar o uso e a ocupação do espaço por novos loteamentos na sub-bacia, amenizando os problemas ambientais e conflitos futuros. 14 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Assentamento Serra Negra é um núcleo de agricultura peri-urbana ainda em formação no município de Betim. A agricultura é praticada em pequenas propriedades rurais com tamanho médio de 5,0 ha. A terra é trabalhada por famílias assentadas no local após realização de um projeto de reforma agrária, que resultou na desapropriação do imóvel em agosto de 1999, emissão dos títulos de posse e criação efetiva do projeto de assentamento em dezembro do mesmo ano. As tarefas desenvolvidas na comunidade ocupam fundamentalmente mão-de-obra familiar, e a produção se destina ao consumo e ao mercado. A organização das propriedades como unidades de produção familiar repercute nesta forma de relação parcial e informal com o mercado, não obstante a diversidade dos produtos cultivados. A diversificação das atividades e dos itens cultivados aparece como um dos mais importantes elementos de organização interna das propriedades e estruturação da paisagem agrária. Sua importância se estende também à diversificação das fontes de renda, obtida a partir da multiplicação dos cultivos ou dos rebanhos. A influência urbana na agricultura praticada no assentamento é conseqüência da proximidade da cidade. Esta proximidade viabiliza a relação do produtor com o mercado local e regional e a obtenção de implementos necessários à produção. Entretanto, observa-se que o assentamento ainda carece de infra-estrutura e serviços básicos como: energia elétrica, telefone, transporte coletivo, tratamento de esgotos, água potável etc. Até o momento, a expansão urbana não constitui uma ameaça à estabilidade sócioambiental do assentamento; porém, algumas situações críticas se configuram: • a comunidade de entorno, mesmo urbana, usa as águas do Córrego Santa Cruz, principalmente da represa existente dentro do assentamento, para lazer de contato primário; mesmo diante do alerta feito sobre o risco de contaminação por verminoses, esse uso não diminuiu; • os moradores do assentamento, por seu turno, necessitam de um programa de educação ambiental sistemático, que enfatize aspectos relacionados à saúde, à qualidade do produto que consomem e colocam no mercado e à conscientização sobre a importância de se preservar os recursos hídricos e solos, evitando o lançamento de esgoto doméstico e lixo nos cursos d’água ou próximo a estes. As grandes cidades concentram uma diversidade de atividades produtivas, mas continuam dependentes dos recursos naturais (pedológicos, hídricos e da biodiversidade, entre outros) da área rural, para provisão de alimentos e matérias-primas. O uso sustentável desses recursos, associado a condições ambientais, sociais e econômicas específicas, proporciona a base para o desenvolvimento das sociedades. A pressão pela preservação ambiental tem estimulado a busca por um uso sustentável dos recursos naturais nas áreas urbanas e peri-urbanas. Nestes espaços observa-se uma concorrência mais acirrada pelos recursos naturais e grandes esforços para ocupar novas áreas, necessárias à instalação de infra-estruturas urbanas, que acabam por se imbricar com as práticas rurais, em razão da proximidade e da velocidade com que avançam. 15 7 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem aos Prof. Tarcísio Bruzzi de Andrade e Jony Rodarte G. Couto, do Depto de Geografia da PUC-MG, e ao historiador Mário Cintra Ramos, respectivamente, pela revisão do projeto de pesquisa, pela minuciosa revisão e críticas e pelas sugestões à versão preliminar do texto. À professora Lindaura Amaral pela revisão ortográfica. Erros e falhas que, porventura, permaneçam, são de inteira responsabilidade dos autores. 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADELL, G. Theories and models of the peri-urban interface: a changing conceptual landscape. Output 1. London: Research Project: Strategic Environmental Planning and Management for the Peri-urban Interface. Development Planning Unit/University College London, 1999. 43p. Disponível na internet em <http://www.ucl.ac.uk>. Acesso em jul./2001. ALLEN, A; SILVA, N.L.A.; CORUBOLO, E. Environmental problems and opportunities of the peri-urban interface and their impact upon the poor. Output 4. London: Research Project: Strategic Environmental Planning and Management for the Peri-urban Interface. Development Planning Unit/University College London, 1999. 43p. Disponível na internet em <http://www.ucl.ac.uk>. Acesso em abr./2003. BARBOSA, G.V.; RODRIGUES, D.M.S. O quadrilátero ferrífero e seus problemas geomorfológicos. Boletim Mineiro de Geografia. Belo Horizonte. Ano VI, n.10-11, p.3-35, 1965. BRAGANÇA, M.T.R.; PORCINO, S.N. Uma área de agricultura peri-urbana sob pressão ambiental: sub-bacia do córrego do Quebra, Betim/MG. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 16, 2002, Petrolina. Anais... Petrolina: UPE/UFPE, 2002 p. 459460. BRAGANÇA, M.T.R. Bases para a descrição de ambientes na sub-bacia do Córrego Saraiva, Betim (MG). 2003. 58f. Monografia (Graduação em Geografia) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. BRYANT, C.R.; JOHNSTON, T.R.R. Agriculture in the City's Countryside. Toronto: University of Toronto Press, 1992. 233p. CABANNES, Y.; MOUGEOT, L. El estado de la agricultura urbana en América Latina y Caribe. La era urbana, Quito. n.1, p.4-5, 1999. CARVALHO, J.L.H. Prove: Combatir la pobreza ayuda a dinamizar la economia. La era urbana, Quito. n.1, p.14-16, 1999. CIBAPAR Bacia Hidrográfica do rio Paraopeba: Informações úteis na definição de áreas prioritárias para implantação de base florestal de produção e de proteção (diagnóstico). Belo Horizonte: Consórcio Intermunicipal da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba, 2002. 66p. DASCAL, G. Ordenamiento del territorio y agricultura metropolitanos. Reflexiones aplicables al caso latinoamericano. Revista de Geografía Norte Grande, Santiago, n.19, p.89-95, 1992. 16 DASCAL, G.; VILLAGRAN, J. La agricultura periurbana ¿una actividad en extinción? Aportes para el ordenamiento territorial periurbano. Revista de Geografía Norte Grande, Santiago, n.24, p.73-79, 1997. DRECHSEL, P.; QUANSAH, C.; PENNING DE VRIES, F. Urban and peri-urban agriculture in West Africa - Characteristics, challenges, and need for action. In: SMITH, O.B. (ed.). Urban Agriculture in West Africa: Contributing to Food Security and Urban Sanitation. Canadá: CRDI/CTA, 1999. 240p. Disponível na internet em <http://www.idrc.ca/books/focus/890/06aDrech.html>. Acesso em abr./2003. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2000: Resultados preliminares. Rio de janeiro: IBGE, 2001. 172p. JANSEN, H.G.P.; MIDMORE, D.J.; POUDEL, D.D. Sustainable peri-urban vegetable production and natural resources management in Nepal. Journal for Farming Systems Research-Extension, v.5, n.2, p.85-107, 1995. JANSEN, H.G.P.; MIDMORE, D.J.; BINH, P.T.; VALASAYYA, S.; TRU, L.C. Profitability and sustainability of peri-urban vegetable production systems in Vietnam. Netherlands Journal of Agricultural Science. v.44, n.2, p.125-143, 1996. NRI/UST 1997. Kumasi Natural Resource Management Research Project. Inception Report 1. DFID Project R6799. NRI Greenwich/UST Kumasi, pp.134. PORCINO, S.N.; BRAGANÇA, M.T.R. Formas de produção do espaço e uso do solo na subbacia do córrego do Quebra, Betim/MG. In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 16, 2002, Petrolina. Anais... Petrolina: UPE/UFPE, 2002. p. 391-393. EMATER. Plano de desenvolvimento sustentável do Projeto de Assentamento Serra Negra (PDA). Betim: Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, 2000. 141p. RODRIGUES, R.S.; TUBALDINI, M.A.S. Agricultura metropolitana e sustentabilidade em Mário Campos – MG. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13, 2002, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: ABEP, 2002. 25p. Disponível na internet em <www.abep.nepo.unicamp.br/>. Acesso em abr./2003. TACOLI, C. Understanding the opportunities and constraints for low-income groups in the peri-urban interface: the contribution of livelihood frameworks. Output 3. London: Research Project: Strategic Environmental Planning and Management for the Peri-urban Interface. Development Planning Unit/University College London, 1999. 11p. Disponível na internet em <http://www.ucl.ac.uk>. Acesso em abr./2003. TUBALDINI, M.A.S.; RODRIGUES, E.F. Conflitos e Interação Rural-Urbana nos Nichos Agrícolas da Agricultura Metropolitana de Ibirité - MG. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 12, 2000, Caxambu. Anais... Caxambu: ABEP, 2000. 16p. Disponível na internet em <www.abep.nepo.unicamp.br/>. Acesso em abr./2003. 17