cusman Ano 3 - Nº 9 Março/2015 COMPLIANCE NA AMÉRICA LATINA Uma visão geral dos avanços e desafios da área numa região onde, com frequência, negócios e relacionamentos caminham lado a lado E MAIS: Expectativas x realidade na carreira de compliance / Dá para calcular o impacto da corrupção no balanço? / Uma entrevista com o novo ministro da CGU LEC_Anuncio_Curso(set14)_21x28cm.indd 1 18/08/14 10:43 LEC SUMÁRIO 6. Especial Uma visão da área de compliance em alguns dos principais mercados da América Latina. 14. LEC News É nos países ricos que as propinas mais são pagas. 21. Papo de Compliance As tendências para ficar de olho em 2015. 30. LEC News – Anticorrupção O governo dos EUA conseguiu enquadrar a Alstom. 36. Mercado A nova diretoria de Governança, Risco e Conformidade da Petrobras é superlativa. 41. LEC News – RH O recorrente problema das terceirizações de mão de obra. 44 – LEC News – PLD A Europa aperta o cerco contra a lavagem de dinheiro. 18. Entrevista O novo ministro da CGU, Valdir Simão, fala com exclusividade à LEC. 24. Papo de Compliance A carreira de compliance exige muitos talentos que só podem ser aprendidos com a vivência do dia a dia. E os jovens profissionais precisam aprender a lidar com isso. 33. Mercado O dilema de oferecer ao mercado e aos auditores um valor crível para a corrupção. 38. Legislação O estado de Goiás criou a sua própria legislação anticorrupção. O bom compliance officer é pró-negócios. www.lecnews.com.br Idealizador: Daniel Sibille Diretora: Alessandra Gonsales Gestor de Comunicação: Renato Paim – [email protected] Editora LEC Rua Martin Afonso, 150 - Belenzinho 03057-050 São Paulo – SP [email protected] www.lecnews.com REDAÇÃO E EDIÇÃO 42 – Setorial – Farma As oportunidades no setor de centros de saúde estão abertas aos estrangeiros. Será que as empresas daqui estão propntas para aproveitá-las? 46 – PLD 50 – Pilares do Compliance A primeira publicação de negócios com foco em Compliance do Brasil Os riscos de fazer parte de uma operação criminosa devem servir de alerta para novos setores da economia sobre as políticas de PLD. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Fundador: José Luiz de Paula Jr. Editor e Publisher: Aûani Cusma de Paula Colaboraram nesta edição: Rafael Mendonça, Beatriz Ces (Textos), Heloisa Barros (revisão) e Eber Almeida (Arte) Cusman Editora Especializada Ltda Rua Dom Duarte Leopoldo, 678 – Cambuci 01542-000 São Paulo – SP Fone: (11) 3392-2584 [email protected] A revista LEC não se responsabiliza pelas informações emitidas por terceiros. 03 LEC EDITORIAL Oportunidades para quem tem visão A beleza da profissão de compliance officer é que ela te obriga a aprender e a se reciclar permanentemente A América Latina é um lugar único para os profissionais de compliance. O ambiente corporativo é permeado pelas relações pessoais de modo que parceiros de negócios se tornam “melhores amigos” em pouquíssimo tempo. O calor humano das pessoas dessa região certamente contribui para isso, tornando mais fácil a interação entre os indivíduos e, no entanto, menos claras as relações de negócios, em muitos casos. Não que exista maldade sempre, mas é inegável a possibilidade de ocorrer um maior número de deslizes quando as relações são menos estritamente profissionais . Esse é apenas um dos aspectos que torna a América Latina um campo fértil para os profissionais de compliance. A este se somam uma tradição de governos intervencionistas, estatais de grande peso na economia, falta de capacidade para executar as legislações já existentes e por aí vai. Na reportagem especial desta edição da LEC, você vai poder entender a dinâmica de alguns mercados da região e descobrir que muitos dos problemas e desafios que os profissionais de lá enfrentam, já foram enfrentados por aqui. De algum modo, isso reforça a liderança do Brasil na área, mas não significa dizer que somos um celeiro de “craques” do compliance. O potencial existe e a base que está sendo criada - com muitos jovens correndo atrás do conhecimento especializado na área - é bastante promissora. Mas a formação de um compliance officer demanda mais. A maturidade para tomar as decisões difíceis, algo recorrente na profissão, vem com o tempo, das experiências vividas no dia a dia do negócio, de muita sola de sapato gasta e, principalmente, da convivência com pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos. Infelizmente, são habilidades que não podem ser aprendidas na escola. É preciso viver para adquiri-las. E é isso que os jovens profissionais de compliance precisam compreender para serem bem-sucedidos em suas respectivas carreiras. Se focar no trabalho e tiver humildade e paciência para aprender, em pouco tempo, o mercado terá à disposição um profissional verdadeiramente preparado para lidar com os desafios do compliance. 4 EDITORIAL.indd 4 Vítima ou cúmplice? Em tempo. Será interessante ver num futuro próximo o “embate” conceitual (mas com reflexos bastante concretos) sob os tratamentos conflitantes que serão oferecidos à Petrobras pela Justiça brasileira e de outros países nos casos de corrupção. As autoridades por aqui, inclusive a CGU, vêm dando a entender que a empresa estatal é exclusivamente vítima de uma quadrilha que a dilapidou por mais de 10 anos. Mas não é certo a estatal querer posar de santa a essa altura dos acontecimentos. A Petrobras de fato teve o seu patrimônio lesado por um grupo de corruptos. Ninguém discute isso. O problema é acreditar que uma empresa do seu porte – com ações em bolsas no Brasil e nos EUA e operando num setor historicamente complicado – não dispusesse de controles mínimos para identificar esses problemas. Alguns deles, crassos. Não são raros os que apresentam desafios à lógica e ao senso comum. O superfaturamento de obras como a Refinaria Abreu e Lima era público, notório e evidente. Só a direção da estatal, sofrendo de cegueira voluntária, não viu. Para começar a reverter os estragos, entre outras medidas, a petroleira criou uma diretoria de Governança, Risco e Conformidade. Sua estrutura será proporcional ao tamanho do problema: serão 362 profissionais sob o guarda-chuva da nova área. Mas, como até um principiante na área já sabe, para o programa de compliance dar certo, o tom tem que vir do topo. Será que agora ele virá? Boa leitura! LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Alessandra Gonsales Sócia-fundadora [email protected] Nº 09 - Março / 2015 06/03/2015 16:08:17 LEC_Driver_Anun ́ cio2.indd 1 22/08/14 08:58 ESPECIAL AMÉRICA LATINA Terreno fértil Na América Latina, os relacionamentos interpessoais têm uma importância na realização de negócios de todos os portes e naturezas sem igual. Por isso a abordagem sobre o compliance para a região é tão única e complexa E squeça a objetividade norte-americana, a frieza e a sisudez europeia e o formalismo dos asiáticos. Na América Latina, é sempre preciso “quebrar o gelo” antes de entrar na discussão de negócios propriamente dita. Por isso, ainda que não exista um vínculo pessoal minimamente profundo entre as pessoas presentes, 6 elas querem saber como estão suas respectivas famílias, como foi o final de semana, o que se pensa sobre isso ou aquilo... Em suma, nada muito diferente do que acontece aqui no Brasil. Também há certa necessidade de autoafirmação. Os latino-americanos respeitam (ou temem) quem faz uso da autoridade, muitas vezes confundida erroneamente com firmeza, quando muitas vezes não é nada mais LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE do que uma falta de educação. Certo gosto pelo autoritarismo não chega a ser novidade numa região na qual todos os principais países sofreram com ditaduras militares truculentas. Mas as semelhanças não param por aí. A intensidade das relações interpessoais no ambiente de negócios, o que por si só já configura um risco de deixar compliance officers do hemisfério Norte de cabelo em pé – até que eles consigam nos entender –, Nº. 09 - Março / 2015 PASSEO AHUMADA, EM SANTIAGO, NO CHILE: o país é um ponto fora da curva no ambiente de negócios da América Latina. se estende muitas vezes pelas esferas do poder público. E aí tudo fica bem mais complicado. Boa parte da economia da região está baseada em recursos naturais como minérios e metais, petróleo e produtos agrícolas. Setores estes sempre muito regulados pelo Estado. A soma dessa cultura de relacionamentos pessoais, somada à tradição estatal e intervencionista da região, funciona como um rastilho de pólvora. Não é à toa que tantos es- www.lecnews.com.br cândalos de corrupção aconteçam na região e que Colômbia, México, Peru e Argentina, quatro dos cinco países cobertos por essa matéria, alcancem colocações péssimas no ranking de corrupção da Transparência Internacional. Todos eles estão ao redor da 100º posição. Ponto fora da curva, o Chile está entre os 25 países menos corruptos do mundo e é líder na América Latina. Apesar de altamente dependente do cobre, o Chile estabe- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE leceu um modelo de governança econômica e administrativa, incluindo a gestão de recursos públicos gerados pelo metal, o que o diferencia na região. O Brasil está no meio do caminho entre as duas realidades. Outro ponto de convergência é o fato de os países latino-americanos aprovarem boas leis, algumas até bastante sofisticadas do ponto de vista de detalhamento e abrangência. Só que na América Latina de maioria cristã, o diabo vive nos detalhes e a execução dessas leis parece ser um detalhe com o qual os governos locais não se preocupam muito. Quando elas são sancionadas, surgem grandes discursos e mobilização dos governos, e isso vem acontecendo com mais frequência na região. Mas, tão logo os holofotes se apagam, a sensação é de que a nova lei já cumpriu o seu papel, mas, na prática, as leis acabam não sendo levadas tão a sério como poderiam. Para entender melhor o estado atual da área de compliance em quatro dos mais importantes mercados da América Latina, LEC consultou profissionais renomados no assunto em seus respectivos países. Nas próximas páginas Fernando Cevallos, diretor de Compliance da Control Risks, no México; Hugo Sutil, gerente de Prevenção e Investigação de Fraudes da EY Chile; Gabriel Cecchini, coordenador do Centro para Transparência e Governança da IAE Business School, de Buenos Aires, na Argentina e Sandra Orihuela, sócia da boutique Orihuela Abogados, com escritórios em Lima, no Peru e Miami (EUA) compartilham suas opiniões e visões sobre os avanços e também os desafios para a evolução do compliance nesses mercados. 7 ESPECIAL AMÉRICA LATINA Foram feitos avanços importantes na política pública de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro nos países da América Latina? Fernando Cevallos (México): Sim, México, Colômbia e Brasil estão amadurecendo nestes aspectos. No entanto, o que está em vigor ainda é pouco executado na prática. Esse será um aspecto fundamental para sabermos o nível real de comprometimento desses governos em relação ao combate à corrupção e ao crime organizado. Hugo Sutil (Chile): Nos últimos anos, o Chile tem progredido nesse aspecto com duas leis importantes, como a Lei de Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica (20.393) e a Lei 19,913, que cria a UAF (Unidade de Análise Financeira) e altera várias disposições relativas à lavagem de dinheiro. Gabriel Cecchini (Argentina): Em 2011, o Código Penal argentino foi alterado para incluir a lavagem de dinheiro nas empresas. A Argentina é membro e participante ativo da Convenção das Nações Unidas sobre Anticorrupção, bem como da Convenção Interamericana contra a Corrupção (MESICIC). O país também é membro da Convenção Anticorrupção da OCDE, embora, neste caso, sua aplicação tem sido limitada. A Argentina não conta com uma legislação como o FCPA (EUA) ou a Lei da Empresa Limpa (Brasil) – ainda que a OCDE tenha recomendado recentemente que o país sancionasse uma lei neste sentido. A mesma organização também recomendou a introdução de uma legislação para proteger os denunciantes em casos de corrupção. Em 2012, o governo federal criou uma unidade especializada chamada Procelac, que se encarrega de investigar e colaborar em casos de lavagem de dinheiro, fraude e recuperação de ativos roubados. Um portal online do governo federal foi criado permitindo que indivíduos e empresas possam localizar informações úteis sobre os serviços públicos. E, por fim, existe a Lei de Liberdade de Informação, uma legislação federal que permite a visualização e a pesquisa de dados públicos. Sandra Orihuela (Peru): Alguns avanços legais importantes para o combate à corrupção ocorreram recentemente no Peru. A Lei 30.111 que introduz a imposição de multas por crimes de corrupção, a Lei 30.124, que altera a definição penal do agente público, bem como a Lei 30.161 e seus regulamentos que exigem uma declaração juramentada dos rendimentos, bens e renda recebida pelos funcionários públicos foram promulgadas. Além disso, várias entidades governamentais uniram esforços para identificar e fornecer informações sobre as ações e investigações judiciais em curso envolvendo corrupção, terrorismo, tráfico de drogas e outros supostos crimes de candidatos políticos. Do mesmo modo, um sistema de inscrição online de visitantes exige que entidades governamentais publiquem, em tempo real, os nomes de quem visitou seus funcionários. São ações que contribuem para aumentar a transparência e gerar mecanismos de controle social no país. Talvez o avanço mais significativo no combate à corrupção é o esforço político liderado pela Comissão Anticorrupção para inserir o Peru na Convenção da OCDE por meio de projetos legislativos que atribuam a responsabilidade penal às empresas envolvidas em crimes de suborno. Segundo as leis peruanas, só a pessoa física que cometeu o crime pode ser julgada – não a empresa –, incluindo o crime de corrupção de um funcionário público estrangeiro. No momento, existem dois projetos de lei para regular a responsabilidade penal das empresas envolvidas em crimes de suborno. O primeiro foi aprovado pela Comissão Anticorrupção em dezembro de 2013 e apresentado ao Congresso em 10 de setembro de 2014. Sob o nº 3851/2014-CR, a “lei que regula a responsabilidade criminal das empresas e impõe sanções a pessoas jurídicas em matéria de corrupção” busca alterar parcialmente o artigo 105 do Código Penal peruano. O projeto aguarda aprovação pela Comissão Parlamentar Mista de Justiça e Direitos Humanos. Um segundo projeto de lei aprovado pela Comissão Anticorrupção foi apresentado ao Congresso em 3 de dezembro de 2014, sob o nº 4054/2014-PE, “lei que regula a responsabilidade penal autônoma para pessoas jurídicas em crimes de corrupção”. Ele visa impor O setor privado não parece apoiar os projetos legislativos que visam regular a responsabilidade penal autônoma para as empresas envolvidas especificamente em crimes de suborno. Sandra Orihuela 8 LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 BOLSA DE VALORES DE BUENOS AIRES, NA ARGENTINA: falta de clareza nas regras e o modo como elas são executadas dificultam os planos de longo prazo nas empresas. RANKING DE PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO PAÍS POSIÇÃO ÍNDICE Chile 21º73 Brasil 69º43 Colômbia 94º 37 Peru 103º35 México 103º35 Argentina107º 34 Fonte: Transparência Internacional/2014 DOING BUSINESS 2015 ÍNDICE DE O ranking leva em conta uma série DESENVOLVIMENTO de indicadores para classificar HUMANO a facilidade para fazer negócios dentro dos diferentes países PAÍS POSIÇÃOÍNDICE Colômbia34º 72,29 Peru 35º72,11 México39º 71,53 Chile 41º71,24 Brasil 120º58,01 Argentina124º 57,48 Fonte: Banco Mundial PAÍS MEMBRO DA OCDE? PAÍSSTATUS ChileSim MéxicoSim Argentina Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Brasil Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Colômbia Não. Mas é signatário da convenção de combate à corrupção Peru Não. Está em processo de adesão ao tratado de combate à corrupção www.lecnews.com.br O indicador da ONU surge como um contraponto ao tamanho do PIB, avaliando os países não só pela sua dimensão econômica, mas também por indicadores de saúde, educação, sustentabilidade, participação e renda. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE POSIÇÃO ÍNDICE Chile Argentina México Brasil Peru Colômbia 41º0,822 49º0,808 71º0,756 79º0,744 82º0,737 98º0,711 9 ESPECIAL AMÉRICA LATINA REGIÃO DO MERCADO CENTRAL EM LIMA, CAPITAL DO PERU: o governo quer o país como signatário da Convenção Anticorrupção da OCDE. Mas o setor privado não tem colaborado para isso. responsabilidade penal à própria pessoa jurídica, dissociada da responsabilidade do agente individual. A lei seria aplicável a todas as entidades privadas – incluindo as associações não registradas, fundações e comissões e empresas irregulares – envolvidas em crimes de corrupção estabelecidos nos artigos 384, 387, 397-A, 398 e 400 do Código Penal peruano. Este projeto de lei aguarda aprovação pela Comissão Parlamentar Mista de Descentralização, Regionalização, governos locais e Modernização da Gestão Governamental. Se aprovados, os projetos de lei poderão ser apresentados na próxima agenda do Congresso para sua revisão e eventual aprovação ou rejeição. Apesar de ambos os projetos de lei aguardarem a aprovação pelas Comissões Parlamentares no Congresso peruano, o esforço político permitiu ao país tornar-se membro participante do Grupo de Trabalho da OCDE sobre suborno em transações de negócios internacionais. Os avanços são dignos, mas o país ainda não foi capaz de avançar com importantes peças de legislação anticorrupção, que abordam matérias significativas como a imposição de responsabilidade corporativa penal; a retirada de um estatuto de limitações para crimes de corrupção; a duplicação do prazo de prescrição em curso, chamada de “morte civil”, para os devedores de pagamentos de reparação por crimes contra o Estado; e a exigência de que lobistas devem declarar os interesses que representam; bem como os regulamentos para proteger denunciantes e testemunhas. 10 Qual é o papel das empresas privadas na divulgação dos temas relacionados à ética e compliance no país? E como as empresas locais estão inseridas neste movimento? Fernando Cevallos (México): Depois de viver e trabalhar por muitos anos no Brasil e hoje vivendo no México, eu posso comparar os dois países. O México hoje é como o Brasil no início de 2009, quando o tema compliance começou a aparecer, mas, ainda assim, era difícil escutar a palavra corrupção publicamente em reuniões. Este é um exercício que está em curso e as multinacionais no México estão LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE tomando a liderança nessa onda do compliance, algo muito semelhante ao que aconteceu no Brasil. Nos outros países da região, a Colômbia está se inserindo nessa tendência, bem como Peru em alguns aspectos. Já o Chile está mais maduro e tem abordagens mais públicas sobre ética e conformidade. Os outros países, incluindo os da América Central, ainda estão em estágio muito primário - ou mesmo nulo - em alguns casos. Hugo Sutil (Chile): O papel das empresas privadas é fundamental nesta matéria, uma vez que elas são o alvo da maior parte desta nova regulamentação e têm a responsabilidade de impleNº. 09 - Março / 2015 e pequenas empresas locais. As ações coletivas são outra ferramenta interessante que as empresas estão começando a usar localmente para nivelar o campo de jogo em um setor específico ou por projeto. Funcionam como um pacto de integridade, uma declaração anticorrupção ou um acordo de princípios, estabelecendo que todas as empresas envolvidas colaborem no estabelecimento de novos padrões de integridade de uma forma proativa, ajudando a complementar os esforços realizados no setor público. Sandra Orihuela (Peru): As empresas locais têm sido incluídas nas discussões do governo peruano para buscar a adesão à Convenção da OCDE. O setor privado não parece apoiar os projetos legislativos que visam regular a responsabilidade penal autônoma para as empresas envolvidas especificamente em crimes de suborno. Atualmente, a lei peruana prevê que apenas os indivíduos podem ser criminalmente responsáveis por cometer um delito. As empresas não estão sujeitas à responsabilidade penal; no entanto, elas podem estar sujeitas a certas sanções administrativas e de responsabilidade civil em casos de ações relacionadas com a corrupção. mentar medidas internas em relação a esses aspectos éticos e de compliance exigidos por lei. Gabriel Cecchini (Argentina): As subsidiárias das grandes multinacionais na Argentina desempenham um papel crucial na promoção e na divulgação da ética e da conformidade por meio da implementação de ferramentas e programas de compliance cada vez mais sofisticados - com agentes de compliance em tempo integral, treinamentos online e interativos, canais de denúncia etc. Elas acabam definindo o padrão para o resto do ambiente corporativo, incluindo a sua cadeia de negócios, como grandes, médias www.lecnews.com.br Existe alguma peculiaridade cultural importante no que diz respeito à forma como os negócios são realizados no país e que, por desconhecimento, pode ser mal interpretada pelos profissionais e empresas estrangeiras? Fernando Cevallos (México): O México é um país grande como o Brasil. Na capital, Cidade do México, tudo é mais formal e os negócios giram em torno do governo federal. É comum você ver executivos tomando café da manhã com qualquer figura política e isso não quer dizer que eles estão tratando de qualquer assunto suspeito, mas depen- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE O contexto cultural (argentino) apresenta seus próprios desafios de acordo com a cidade, província e distrito onde as empresas operam e as partes interessadas. Gabriel Cecchini dendo de como as pessoas percebem aquele encontro e começam a especular isso pode gerar um mal-entendido. Na verdade, isso vai depender muito dos padrões da empresa e, ao final, dos valores e do conceito de ética dos indivíduos. Em outros estados e regiões do país, tudo é sobre as conexões (pessoais) e como você pode obter vantagem a partir dela. Isso é muito comum não só no México, mas na América Latina em geral. Hugo Sutil (Chile): Às vezes as empresas estrangeiras estabelecidas no país não têm um conhecimento exato do mercado local. Também acontece de empresas estrangeiras, ao adquirir empresas locais, delegarem a gestão 11 ESPECIAL AMÉRICA LATINA O Chile tem progredido com leis importantes, como a Lei de Responsabilidade Criminal da Pessoa Jurídica e a Lei que cria Unidade de Análise Financeira. Hugo Sutil da companhia à equipe local, que, por vezes, continua a funcionar da mesma maneira como operava antes de ser adquirida. Em alguns casos, esta forma de funcionamento não está alinhada com uma gestão responsável e leal. Gabriel Cecchini (Argentina): A Argentina apresenta às empresas internacionais problemas comumente encontrados em outros mercados emergentes. Legislações, normas e regulamentos existem, mas frequentemente, não são impostos pelas autoridades locais em diferentes níveis de governo e órgãos reguladores. Às vezes, a diferença entre o que a legislação estabelece e a sua execução 12 prática em caso de infração é enorme e de difícil compreensão para empresas e profissionais estrangeiros. A fraqueza das instituições, a volatilidade econômica, mudanças regulatórias imprevisíveis e atualizações também são uma fonte de preocupação para as empresas na hora de avaliar suas decisões dentro de planos de longo prazo. O contexto cultural apresenta seus próprios desafios de acordo com a cidade, província e distrito onde as empresas operam e as diferentes partes interessadas. Sandra Orihuela (Peru): Infelizmente, a informalidade permanece como a principal preocupação ao se fazer negócios no Peru. Embora a situação tenha melhorado, a aceitação de práticas de negócios “menos limpas” continua a ser uma cultura tolerada no Peru. Em sua opinião, quais os três principais desafios relacionados ao compliance que precisam ser superados para construir uma cultura de conformidade que esteja presente no dia a dia do país? Fernando Cevallos (México): Saber se os funcionários, em todos os níveis, entendem a cultura de compliance da empresa; como eles agem quando estão enfrentando um dilema de conformidade; e, uma vez que é reportado, se a empresa realiza uma ação imediata e independente para resolver o problema e atenua o risco de que ele volte a acontecer no futuro. Compliance é sobre ser um big brother: depende de cada empregado e é um equilíbrio entre o crescimento sustentável do negócio e práticas boas e transparentes. No entanto, na América Latina, se você se apresenta de maneira muito mole ou fraca, pode sofrer as consequências no futuro. Hugo Sutil (Chile): Consciência. A administração da companhia deve estar consciente da necessidade de investir LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE tempo e recursos nas áreas de conformidade, e não considerá-la como um gasto desnecessário ou, simplesmente, como uma exigência. Ela precisa entender que a não aplicação do compliance pode causar a exclusão da empresa do mercado. Implementação: as empresas devem ser capazes de implementar os sistemas de compliance, por isso toda a companhia precisa entender a importância desses sistemas e a necessidade de convergir com eles. Desenvolvimento: cada empresa, dependendo do setor em que atua, do seu tamanho, atividade, etc., no futuro, deve ser capaz de melhorar e desenvolver esses sistemas de compliance. Gabriel Cecchini (Argentina): O compliance deve ser considerado não apenas como um conjunto de regras e normas baseadas numa estrutura punitiva. Mais importante é que ele sirva como base para a criação de uma cultura de integridade, gerando consciência sobre os riscos da corrupção e as estratégias que podem ser usadas para vencer os dilemas práticos que são enfrentados no dia a dia, em vez de apenas obrigar Nº. 09 - Março / 2015 CAFÉ NA CIDADE DO MÉXICO: na capital federal é comum o convívio com políticos, o que às vezes gera mal-entendidos. O México hoje é como o Brasil no início de 2009, quando o tema compliance começou a aparecer, mas, ainda assim, era difícil escutar a palavra corrupção publicamente em reuniões. Fernando Cevallos os funcionários a “internalizar” as normas e regras de um modo repetitivo e monótono. Os programas de compliance não devem começar (e acabar) em códigos de conduta e na sua assinatura pelos funcionários. Os códigos são elementos muito importantes, mas se o seu conteúdo não é permanentemente estimulado de forma abrangente e por meio dos outros elementos do programa, o seu valor é limitado. Conselhos de administração e diretoria precisam mudar suas atitudes em relação ao compliance e começar a considerá-lo www.lecnews.com.br como uma área-chave que cada vez mais vai ter impacto nas suas decisões estratégicas de negócios. Eles precisam criar comitês específicos dentro dos boards para abordar essas questões. Os compliance officers também precisam se reportar diretamente a eles em uma base regular, participando das reuniões do conselho e dos comitês executivos. Sandra Orihuela (Peru): O principal desafio continua a ser mudar a mentalidade da maioria da população em relação à corrupção. Embora tenha havido progresso a esse respeito, parece LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE que a população ainda tem que reconhecer o valor de viver e fazer negócios em um ambiente limpo, onde as pessoas e as empresas são capazes de competir em uma base uniforme e igual ao invés de ganhar vantagem por meio de práticas corruptas. Os peruanos têm visto a mudança dramática e a prosperidade econômica que o país alcançou, e há esperança de que as novas gerações vão aprender a associar a prosperidade atual do país com um ambiente menos corrupto e uma concorrência leal. A mudança cultural vai levar tempo, mas é possível. 13 LEC NEWS Mais riqueza, mais propinas É provável que, até pelo senso comum, o leitor acredite que a maior parte dos casos de corrupção internacional acontece nos países em desenvolvimento. Mas um estudo recém-divulgado pela Organização para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne principalmente países desenvolvidos, aponta para o oposto. Os subornos internacionais são geralmente pagos por agentes de países ricos para agentes públicos de países ricos, especialmente para ganhar contratos de empresas públicas ou controladas pelo Estado nas economias avançadas. O relatório de suborno estrangeiro da OCDE analisou mais de 400 casos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros envolvendo empresas ou indivíduos de 41 países signatários da Convenção Anticorrupção da OCDE. Os casos ocorreram entre fevereiro de 1999 - quando a convenção entrou em vigor - e junho de 2014. De acordo com o estudo, a maioria dos subornos internacionais é paga por grandes empresas, geralmente com o conhecimento da alta administração. Em 41% dos casos, funcionários de nível gerencial pagaram ou autorizaram o su- 14 borno. A participação do principal executivo das empresas aconteceu em 12% das situações. Intermediários estiveram envolvidos em três de cada quatro casos de suborno estrangeiro. Para a organização, o uso intenso desses agentes reforça a necessidade de uma diligência mais eficaz, de fiscalização dos programas de compliance das corporações, e de um maior envolvimento dos executivos das empresas a dar o exemplo no combate ao suborno estrangeiro. O VALOR DO PROBLEMA A propina paga nos casos analisados, em média, equivalia a 10,9% do valor total da transação e a 34,5% dos lucros – que alcançaram o equivalente a US$ 13,8 milhões por suborno. Mas a própria OCDE reconhece que, dada a complexidade e a natureza oculta de transações corruptas, os valores representam apenas a ponta do iceberg. Quatro setores concentram a maior parte dos casos: a indústria extrativa, que lida com recursos naturais quase sempre controlados pelo Estado - além de altamente regulada - responde por 19% dos casos. O mercado de construção civil soma 15%, mesmo número da área de transporte e armazenamento (15%). As empresas de informação e comunicação, setor que conta com inúmeras estatais em países desenvolvidos – especialmente na Europa e também bastante regulada pelos governos - responde por 10% dos casos analisados. Empregados de empresas estatais foram o destino da propina em 27% dos casos. Funcionários aduaneiros (11%), as autoridades de saúde (7%) e funcionários da Defesa (6%) vêm na sequência. Mesmo nos países mais desenvolvidos, o alto escalão da política está sempre disposto a receber (ou cobrar) por alguns favores. E quanto mais alto o posto, maior o preço. Por isso, apesar de serem o alvo de 5% das ofertas de propina, chefes de Estado e ministros arremataram 11% - ou mais do que o dobro do total de subornos prometidos ou pagos. LÁ COMO CÁ Para os brasileiros, escaldados no assunto, não chega a ser uma novidade que a maior parte da corrupção - independentemente de onde seja praticada - acabe tendo como objetivo principal garantir contratos vantajosos com o governo. Em mais da metade dos casos analisados, os subornos LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 Onde o crime não compensa E AVIÃO DA PORTUGUESA TAP: maior parte das propinas é paga nos países ricos. foram pagos para a aquisição de contratos públicos. A obtenção de facilidades aduaneiras, uma questão perigosíssima em tempos de terrorismo transnacional crescente – que se financia muitas vezes com a venda de produtos falsificados ou contrabandeados –, aparece, na sequência, com 12%. A obtenção de benesses fiscais – um aspecto sofisticado e quase sempre de mais difícil investigação - foi a terceira causa de suborno, com 6% dos casos. Outra informação do estudo que dá algum alento aos brasileiros, que esperam anos para ver casos de corrupção ser efetivamente julgados é que o tempo necessário para concluir os processos subiu drasticamente ao longo dos últimos quinze anos. Para os casos concluídos em 1999, foram necessários, em média, dois anos. Atualmente, a média para a conclusão dos casos é superior a sete anos. Para a OCDE, isso pode refletir a crescente sofisticação dos métodos adotados pelos corruptores e, também, a complexidade para as agências nacionais de aplicação da lei para investigar os casos em vários países. “A prevenção do crime nos negócios deve estar no centro da governança corporativa. Ao mesmo tempo, os contratos públicos devem tornar-se sinônimo de integridade, transparência e responsabilidade”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. www.lecnews.com.br m Hong Kong, um território semi-autônomo da China, mas colonizado e aculturado pelos britânicos até o ano de 1990, um jovem foi condenado a dois meses de prisão por tentar subornar o seu examinador do teste de condução com uma nota de 500 dólares de Hong Kong (pouco menos de R$ 200,00). Trabalhador de um depósito de contentores, Leung Kin-Ming, de 22 anos, se declarou culpado de uma acusação por oferecer vantagem para um funcionário público, infringindo a Portaria de Prevenção à Corrupção. Cerca de três minutos após o início do teste, quando o veículo parou em um semáforo, o réu tirou uma nota de 500 dólares de Hong Kong e deu para o examinador, dizendo: “Senhor, para que você possa tomar um chá”. Apesar da recusa do examinador em aceitar a nota, o réu repetiu a oferta. O examinador disse ao réu para dirigir o veículo de volta ao centro de condução e, ao chegar, chamou a polícia e contou ao seu supervisor sobre o assunto. No mesmo dia, Kin-Ming foi preso pela polícia e o caso encaminhado para o ICAC, a agência de combate à corrupção de Hong Kong. Ao passar a sentença, o magistrado disse que como subornar um funcionário público era um crime muito grave, o tribunal teria de aplicar uma TRÂNSITO EM HONG KONG: do suborno à prisão em apenas dois dias. pena de prisão imediata para o réu, de modo a servir como um impedimento. O magistrado acrescentou que depois de levar em conta vários fatores, inclusive a confissão de culpa do réu e de sua pouca idade, ele optou por reduzir a pena incial de três meses na cadeia para dois meses. O magistrado ainda repreendeu o réu por tentar minar o sistema de exame de condução, causando injustiça a outros candidatos e riscos de segurança à população. Detalhe que chama atenção: entre a prisão e o início do cumprimento da sentença foram necessários apenas dois dias. E o valor oferecido pelo réu ao examinador foi confiscado. Edição atualizada A Corregedoria-Geral da União (CRG), braço da Controladoria-Geral da União (CGU), disponibilizou na internet o Novo Manual de Processo Administrativo Disciplinar (PAD). A publicação, elaborada em 2011, fornece aos servidores na área de correição do executivo federal – como corregedores e ouvidores - o suporte e um modelo de padronização que facilita o desempenho das suas atividades. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Na seção “Atividade Disciplinar”, por exemplo, é possível encontrar modelos de documentos, slides das aulas e legislação relativa ao assunto. A nova edição inclui um capítulo dedicado à Lei de Acesso à Informação (LAI), e novos textos acerca dos efeitos do art. 137, da Lei nº 8.112/1990, no caso de impedimento de retorno ao serviço público, sob a hipótese de acúmulo de cargos. 15 LEC NEWS “Condução” criminosa D esde o início de 2010, uma investigação do governo dos EUA está desmontando vários cartéis acusados de divisão de mercado, fixação de preços e manipulação de propostas no setor de peças automotivas. Até o momento, a investigação ainda está em curso, e nada mais do que 33 empresas – a maior parte delas japonesa, incluindo gigantes como Bridgestone, Panasonic e Mitsubishi Eletric - se declararam culpadas ou concordaram em se declarar culpadas perante os EUA. As multas já somam mais de US$ 2,4 bilhões. No desdobramento mais recente, no início de fevereiro deste ano, dois executivos japoneses foram indiciados pelo governo norte-americano. De acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, Hiroyuki Komiya e Hirofumi Nakayama, executivos da companhia japonesa Mitsuba Corporation, atuaram para fixar os preços de várias peças automotivas, incluindo sistemas de pára-brisa vendidos às fabricantes Honda, Nissan, Toyota, Chrysler e Subaru, nos Estados Unidos e em outros lugares. A acusação alega que, por volta de abril de 2000 até, pelo menos, fevereiro de 2010, Komiya, Nakayama e co-conspiradores participaram e dirigiram, autorizando ou consentindo com a participação de subordinados em reuniões de conluio para combinar lances, dividir o fornecimento e fixar o preço a ser apresentado para os fabricantes de automóveis. Komiya e Nakayama também são acusados de, consciente e corruptamente, tentar persuadir os funcionários da Mitsuba para destruir documentos e excluir dados eletrônicos que poderiam conter evidências de crimes de cartel nos Estados Unidos e em outros países. Em 6 de novembro de 2013, a Mitsuba se declarou culpada e concordou em pagar uma multa de US$ 135 milhões pelo seu papel na conspiração, bem como obstrução da justiça. Quando o cartel teve início, Komiya era diretor de Vendas Automotivas da Mitsuba. Em 2007, ele foi promovido a vice-presidente de Vendas. Já Nakayama foi o gerente do escritório de Vendas da Mitsuba Nagoya até 2005, quando foi promovido a diretor de operações de Vendas. Pelos crimes de cartel, os dois podem Cadeia sob investigação A dimensão da investigação não é a mesma da norte-americana, mas o CADE, órgão que defende a concorrência no mercado brasileiro, abriu no último dia 13 de fevereiro três processos administrativos para investigar práticas de cartel nos mercados nacional e internacional de peças automotivas. Os segmentos potencialmente afetados são os de revestimentos de embreagem; e sistemas térmicos, que incluem radiadores, condensadores e sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado e o de limpadores de para-brisas. O CADE verificou indícios de que pelo menos 11 empresas e 51 pessoas físicas – cujas atuações estão divididas nos respectivos mercados investigados nos processos – mantinham contato perma- SETORES SOB INVESTIGAÇÃO: fabricantes de limpadores de para-brisas podem ter atuado em conjunto para combinar preços e dividir o mercado. 16 nente com a finalidade de fixar preços e condições comerciais, alocar pedidos de cotações de clientes, dividir mercados entre concorrentes e compartilhar informações comerciais sensíveis. Os indícios apontam que os funcionários das empresas combinavam previamente quem deveria ganhar os processos de cotação das montadoras de automóveis e adotavam estratégias para direcionar o acordo firmado entre eles. Essa prática teria restringido o caráter competitivo do processo de cotação e potencialmente afetado negativamente os custos dos automóveis. E esses não são os primeiros segmentos da cadeia de peças automotivas sob investigação do CADE. Na verdade, eles fazem parte de um conjunto maior de investigações conduzidas pela Superin- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 De olho na mordaça AUTOMÓVEL DA TOYOTA: cartel de fornecedores de autopeças nos EUA já gerou multas de US$ 2,4 bilhões. ser condenados à pena máxima de 10 anos de prisão e uma multa de US$ 1 milhão cada. Mas esta multa pode aumentar até o dobro do ganho derivado do crime ou o dobro do prejuízo sofrido pelas vítimas do crime, caso qualquer desses valores supere a multa máxima legal. A pena máxima para obstrução da justiça é de 20 anos de prisão e uma multa de US$ 250 mil para os indivíduos. Além dos dois japoneses, outros 52 suspeitos já foram acusados na investigação. O caso contou com a assistência da Unidade de Corrupção Internacional do FBI, a polícia federal norte-americana. tendência-Geral do órgão no setor. No segundo semestre de 2014, foram abertos processos para apurar cartéis no segmento de velas de ignição e rolamentos antifricção. Em agosto do ano passado, o CADE cumpriu mandados de busca e apreensão para apuração de possíveis cartéis em companhias das áreas de iluminação automotiva (faróis, lanternas e luzes de freio); interruptores de emergência (pisca alerta e chave de seta); mecanismos de acesso (jogos de cilindros, maçanetas, fechaduras e travas de direção) e embreagens automotivas. A avaliação do material apreendido pode resultar em novos procedimentos administrativos. De acordo com as investigações, as condutas anticompetitivas possivelmente ocorreram desde a década de 90 até meados de 2012, o que pode indicar que o cartel dos fabricantes de autopeças tinha alcance global. www.lecnews.com.br D esde 2010, quando a lei de reforma financeira Dodd-Frank o instituiu, o programa de denunciantes da SEC – a comissão que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos – vem se apresentando com uma das ferramentas mais efetivas no combate a fraudes e corrupção no ambiente corporativo. Por conta disso, agências reguladoras estão incentivando cada vez mais a prática, com uma política agressiva de “recompensas” para funcionários que realizam denúncias anonimamente. Como parte do programa, os informantes podem receber entre 10% e 30% da soma das multas caso a denúncia feita leve a uma ação da SEC com sanções superiores a US$ 1 milhão. No ano passado, o programa concedeu um prêmio de mais de US$ 30 milhões a um informante de fora dos EUA. Em 2014, a SEC obteve 3.620 informações de possíveis violações. O número é 21% superior ao obtido em 2012. Por outro lado, as empresas não estão nada felizes com esse tipo de abordagem por parte dos governos. Para elas, ao incentivar a denúncia existe uma mudança de foco que migra da possibilidade de corrigir o problema diretamente para as investigações e punições. De acordo com uma reportagem do The Wall Street Journal, a SEC está preocupada com a possibilidade de as empresas estarem silenciando funcio- nários - que poderiam fazer denúncias contra elas e dar início a uma investigação – utilizando documentos solicitados para diversas empresas para sua análise. Pelo que o jornal apurou, alguns desses documentos incluem cláusulas que impedem os empregados de contarem ao governo sobre infrações na empresa ou outras violações em potencial da legislação de valores mobiliários, segundo advogados que lidam com casos de denunciantes e alguns parlamentares do Congresso americano. “Em alguns casos, as empresas exigem que os funcionários concordem em renunciar a qualquer benefício das investigações do governo, efetivamente anulando o incentivo financeiro para participar do programa da SEC”, diz a reportagem. Os regulamentos da lei Dodd-Frank proíbem empresas de interferir no relato que seus funcionários venham a fazer para a SEC de potenciais infrações da legislação de valores mobiliários. “A agência pediu às empresas que informem todos os acordos sigilosos, de confidencialidade, de demissão e pagamento para encerrar processos que fizeram com funcionários desde que a lei Dodd-Frank entrou em vigor, assim como documentos relacionados a treinamento corporativo sobre confidencialidade, segundo a carta e pessoas a par da questão”, complementa a reportagem. SESSÃO NO CONGRESSO DOS EUA: a SEC está preocupada com supostas tentativas das empresas de exercer pressão sobre funcionários denunciantes. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 17 ENTREVISTA VALDIR SIMÃO O novo chefe Em entrevista à LEC, o novo ministro da CGU Valdir Simão fala sobre projetos, autonomia em relação à presidência, fiscalização das estatais e da destinação de eventuais multas geradas pelo órgão A o longo dos 12 anos de existência, a Controladoria-Geral da União (CGU) nunca se viu diante de um caso de proporções (econômicas, legais e políticas) tão grandes como o gerado pela corrupção na Petrobras. Responsável pelos eventuais acordos de leniência, viabilizados pela Lei Anticorrupção, com algumas das maiores empreiteiras do País, a CGU é alvo de pressão por todos os lados, para agir o mais rápido possível e também para não fazer nenhum desses acordos, dependendo de que lado vier a pressão. A responsabilidade de liderar o órgão nesse período desafiador caberá ao novo ministro da pasta, o advogado Valdir Simão. Servidor de carreira da Receita Federal há 27 anos, Valdir foi secretário adjunto da Receita, secretário da Fazenda do Distrito Federal e por duas vezes ocupou a presidência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). De 2011 a 2013, foi secretário-executivo do Ministério do Turismo. Na sequência, atuou por sete meses na coordenação do Gabinete Digital da Presidência da República, de onde foi recrutado para ser o secretário-executivo da Casa Civil, pasta que ocupa papel central na articulação política do governo. Por conta disso, sua indicação foi alvo de questionamentos pela sua proximidade com o ambiente político e com a presidente, que tem se manifestado de maneira dúbia - no mínimo - contra punições mais severas para as empresas envolvidas, de olho no seu impacto sobre a economia brasileira. Por e-mail, o ministro respondeu as questões enviadas por LEC. 18 VALDIR SIMÃO, DA CGU: ele vai liderar os primeiros grandes casos com base na Lei Anticorrupção. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 Quais os projetos prioritários que o senhor pretende tocar à frente da CGU? Como disse no dia da minha posse, é necessário seguir avançando no desenvolvimento de mecanismos e processos efetivos de controle da atuação do Estado brasileiro e do bom uso de recursos públicos. Em 12 anos de existência da Controladoria, o tema de combate à corrupção e da transparência foi colocado na pauta nacional e agora é necessário ampliar nossa atuação, torná-la ainda mais efetiva. Meu principal objetivo é aprofundar a institucionalização da CGU e suas funções de prevenção e de combate à corrupção, de correição e de ouvidoria. Acho indispensável o fortalecimento e, sobretudo, a modernização dos mecanismos de governança, por meio da intensificação do uso da tecnologia da informação. Em um mundo cada vez mais digital, é mandatória a aplicação de ferramentas de TI no monitoramento, na fiscalização e na avaliação das políticas públicas. Um dos trabalhos mais difíceis da CGU é o de aculturar centenas de milhares de servidores públicos - que atuam em diversos órgãos - sob diferentes culturas “corporativas” e com diferentes níveis de formação e tempo de atuação no serviço público. Tendo vindo de fora, como o senhor avalia o trabalho da CGU nesse aspecto até aqui? E para onde ele deve caminhar nos próximos anos? Esse é um aspecto muito importante para mim, pois considero um dos tripés da boa gestão. As pessoas são fundamentais para o sucesso de uma instituição e precisamos, mais do que valorizar o esforço individual de cada servidor, investir na sua formação e capacitação para que seja um elemento de transformação. Para um órgão como a CGU, é um desafio permanente multiplicar entre todos os gestores públicos federais essa cultura de ética, transparência e compromisso com o interesse público. Nós já temos um ótimo nível de interação com os gestores durante nossos www.lecnews.com.br trabalhos de auditoria e fiscalização, mas é preciso disseminar a capacidade de atuar preventivamente sobre os problemas e evitar que as irregularidades aconteçam, não apenas corrigi-las após o fato consumado. Então, vamos investir muito nesse sentido: de cooperar com as instituições públicas para a melhoria de suas rotinas e dos seus instrumentos de gestão. O número de servidores federais afastados do serviço público por casos ligados à corrupção vem aumentando ano após ano. Isso é reflexo do maior poder de fiscalização da CGU, de um aumento no número de casos denunciados - com as pessoas perdendo o medo de fazer as denúncias - ou do aumento da corrupção? O enfrentamento à impunidade é uma das ferramentas e fortalecimento dos órgãos responsáveis por combatê-la. Existem planos internos da CGU para realizar de maneira mais efetiva o trabalho de prevenção e controle nas estatais controladas pelo executivo federal? Nós já estamos trabalhando no projeto de estruturação de um setor que se dedicará ao acompanhamento das estatais. O objetivo é realizar uma atuação mais preventiva e propor mudanças nos sistemas de compras governamentais, além de aperfeiçoar as normas de licitação e contratos utilizados pelas empresas controladas pela União. Outras medidas a serem avaliadas pelo novo setor são o fortalecimento de estruturas de Controle Interno nessas entidades e a abertura “O valor ressarcido em função de eventual aplicação de multa pela Lei da Empresa Limpa não será destinado à CGU, mas sim aos cofres da União ou de empresas públicas lesadas.” das diretrizes prioritárias da Controladoria, e o aumento do número de expulsões é um reflexo desse trabalho, que tem investido muito também na capacitação que a CGU realiza junto a servidores do Poder Executivo Federal que atuam na área de correição. Esses fatores resultaram, até janeiro de 2015, na aplicação de punições a 5.157 agentes públicos por envolvimento em atividades contrárias à lei. Ao todo, foram registradas 4.314 demissões de efetivos; 468 destituições de ocupantes de cargos em comissão; e 375 aposentadorias foram cassadas. Apesar de o número de punições ser maior, não seria adequado afirmar que houve aumento da corrupção. Acredito mais na ampliação LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE de informações, em vista das regras de transparência pública. No que diz respeito ao arcabouço legal para punir adequadamente a corrupção no setor público, o senhor enxerga gargalos importantes que ainda precisam ser fechados? Existe a necessidade de o Executivo enviar novos projetos nesse sentido, como a presidente Dilma Rousseff pretende fazer? Nos últimos anos, o Brasil aprovou leis de extrema importância para a promoção da transparência pública, da prevenção e do combate à corrupção. O país tem hoje em sua base jurídica a Lei de Acesso à Informação (LAI), a Lei de Conflito de Interesses e Lei da Empresa 19 ENTREVISTA VALDIR SIMÃO NA TRANSMISSÃO DO CARGO, COM O ANTIGO MINISTRO JORGE HAGE: otimizar a força de trabalho será fundamental para enfrentar o cenário de contingenciamento. Limpa. O aperfeiçoamento da legislação é sempre necessário, mas precisamos fazer com que as normas já existentes sejam cumpridas de forma efetiva. O ex-ministro Jorge Hage há tempos reclamava da falta de pessoal, que a CGU havia chegado ao limite e que o Ministério do Planejamento contingenciava as contratações de pessoal já concursado. Tendo vindo de fora, qual a sua avaliação do quadro de funcionários da Controladoria? Ele é adequado às necessidades? Como o senhor pretende lidar com essa demanda junto aos ministérios do Planejamento e da Fazenda? Temos um desafio claramente colocado neste ano que é o da restrição orçamentária e a necessidade de trabalhar com um cenário de contingenciamento. Por isso, precisamos racionalizar ao máximo a força de trabalho disponível, ampliando o uso da tecnologia da informação para potencializar nossos esforços. Fazer mais com menos. Isso não significa que não vamos tra20 balhar pelo reforço das condições de trabalho, sejam físicas ou de recursos humanos. A CGU integra o comitê recentemente criado para acompanhamento do gasto público. A operação Lava Jato abriu uma janela de aplicação de multas milionárias pela CGU, com base na Lei Anticorrupção. Já existe clareza da destinação desses valores? Eles irão para os cofres da CGU, assim como acontece com as agências de fiscalização norte-americanas? O valor ressarcido em função de eventual aplicação de multa pela Lei da Empresa Limpa não será destinado à CGU, mas sim aos cofres da União ou de empresas públicas lesadas. Uma coisa não tem relação com a outra. O papel da CGU é de promover a responsabilização da empresa, mas sem qualquer tipo de ganho financeiro. Tudo o que for contabilizado a título de ressarcimento será destinado a recompor as perdas do órgão lesado. Não afeta o orçamento da Controladoria. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Quando indicado para assumir a CGU, o senhor atuava na Casa Civil, um dos principais centros da articulação política do governo federal que, naturalmente, trata dos impactos econômicos e políticos das investigações. Essa proximidade recente suscitou questões sobre o grau de ingerência e controle que o Palácio do Planalto pode exercer sobre a CGU, que ainda que ligado à Presidência da República, é um órgão que pela natureza de sua atividade, demanda bastante independência. Como fica essa relação daqui para frente? Apesar de a CGU estar vinculada à Presidência da República, o órgão tem autonomia e independência para conduzir suas atividades com servidores de carreira altamente capacitados. É isso que garante a eficácia de suas ações e foi o que permitiu alcançar a grande credibilidade que tem hoje junto à sociedade. É assim que temos atuado e pretendemos continuar atuando frente à CGU. Quando fui convidado pela presidente Dilma para chefiar a Controladoria, ela me pediu, inclusive, para reforçar o controle e ampliar a capacidade de atuação e o nosso raio de ação. Isso me dá a certeza de que tenho a confiança dela e uma grande responsabilidade, mas também a garantia de autonomia para fazer esse trabalho. Nº. 09 - Março / 2015 TENDÊNCIAS PAPO DE COMPLIANCE Para onde olhar em 2015? 1 Os temas e demandas que devem permear as discussões e o trabalho da área de compliance neste ano. A SEGURANÇA DA INFORMAÇÃO NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE TI Um bom programa de compliance parte sempre de uma análise dos riscos enfrentados pela organização. E como disse James Comey, diretor do FBI, em uma entrevista no ano passado, “quando se trata de segurança cibernética existem dois tipos de empresa: aquelas que foram invadidas e as que ainda não sabem que foram hackeadas”. Apesar dessa realidade, muitos profissionais de compliance ainda enxergam a cibersegurança como uma preocupação unicamente da área de TI. Mas, na medida em que aumentam os casos de vazamento de informações confidenciais de grandes empresas, particularmente dados de clientes, é preciso que a área de compliance esteja atenta à questão. A segurança de dados é uma questão de ética e com- www.lecnews.com.br SEDE DA SONY PICTURES: o vazamento de informações da empresa gerou saias justas com astros de Hollywood. pliance, já que existe a responsabilidade de proteger as informações da organização e as de seus clientes. Com novas tecnologias, ferramentas e dispositivos, os volumes e tipos de dados de valor para uma organiza- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE ção que devem ser protegidos vão continuar a crescer. Com um ecossistema digital cada vez maior, serão necessárias políticas de risco e governança que suportem os negócios, a segurança e a privacidade de dados. 21 PAPO DE COMPLIANCE 2 TECNOLOGIA INTEGRADA O avanço do ambiente digital traz novos riscos e responsabilidades para a área de compliance. Mas esse ambiente é também uma oportunidade única para o setor aperfeiçoar o seu trabalho. A profissão de compliance ainda se baseia muito em medidas tradicionais como treinamentos, número de chamadas para o canal de denúncias e garantias de que o código foi lido. Daqui para frente, os profissionais de compliance terão que se concentrar mais em gerir o risco das interações e estabelecer relacionamentos com as outras áreas da empresa, atividades que demandam tempo desses profissionais. Isso exige novas tecnologias para automatizar os processos de monitoramento, auditoria e mensuração dos resultados. A maior adoção da tecnologia também vai contribuir para a definição de novas metas e métricas modernas para avaliá-las. A tecnologia nos processos de governança, risco e compliance estará cada vez mais integrada e disseminada por todas as áreas da empresa. MAIS ESTRATÉGICO: uso mais intenso da tecnologia vai liberar tempo dos profissionais para atividades mais relevantes para o negócio. 22 TENDÊNCIAS O PRESIDENTE DA UTC, RICARDO PESSOA: muitos dias de cárcere. 3 4 DESCENDO A RÉGUA Ainda que as grandes empresas sejam o foco de atenção dos reguladores, é inegável que a pressão sobre as pequenas e médias empresas para que adotem um bom programa de compliance vai ficar cada vez mais forte. De um lado, as grandes companhias estão exigindo cada vez mais que os seus parceiros estejam em plena conformidade com o ambiente de ética nos negócios (e correndo riscos, legais e reputacionais, cada vez maiores caso não o façam). Ao mesmo tempo, os próprios reguladores estão mais atentos a casos envolvendo empresas menores em todo o mundo. Aqui no Brasil, a maior parte das empresas consideradas inidôneas pela CGU é de pequeno e médio porte. Definitivamente, um programa de ética e compliance robusto vai emergir como um tema sensível para os líderes desses negócios, ainda mais para aqueles que esperam crescer rapidamente. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE COMPLIANCE CRIMINAL Primeiro foi o Mensalão. Agora o Petrolão. O conceito tão difundido de que no Brasil “rico” não vai para a cadeia pode sofrer alguns abalos. Nada é mais emblemático nesse sentido do que o cárcere de um seleto grupo de empresários e altos executivos de algumas das maiores empreiteiras do país, presos desde o meio de novembro do ano passado por conta da operação Lava Jato. As implicações criminais de atos relacionados à corrupção ainda são pouco debatidas pelos profissionais de compliance, mas certamente veremos uma demanda maior pelo assunto ao longo deste ano, o que pode acarretar em revisões de códigos de conduta empresarial e na introdução de cláusulas específicas sobre o tema nos contratos de trabalho de profissionais mais expostos. Nº. 09 - Março / 2015 6 8 TODOS DE OLHO NA GENTE CASAL GAY NOS EUA: novas relações familiares têm impacto sobre a operação das empresas. 5 MUDANÇAS SOCIOCOMPORTAMENTAIS Boa parte do volume de trabalho de um compliance officer está atrelado a questões típicas de RH, como denúncias de assédio, ofensas e conduta indevida. E na era do politicamente correto em que vivemos hoje, novos elementos podem trazer nuances adicionais para os profissionais de compliance. A união civil de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, pode exigir mudanças específicas em certos aspectos em regras ligadas a relacionamento entre profissionais nas empresas, despesas com entretenimento, benefícios e claro, conduta e respeito à diversidade. A aprovação do uso recreativo da maconha em vários estados norte-americanos e no Uruguai é outro exemplo das novas nuances culturais e comportamentais com as quais a área de compliance vai ter de lidar. Afinal, um funcionário da empresa levar o cliente para fumar um baseado, dependendo de onde eles estiverem, pode ser tão legal juridicamente quanto tomar uma dose de qualquer bebida durante um happy hour. As empresas estão prontas para isso? www.lecnews.com.br Ainda que por um motivo feio, o Brasil estará sob os holofotes do mundo do compliance em 2015. A Petrobras é, até onde a vista alcança, o maior caso em potencial de corrupção envolvendo uma companhia do momento. Além do escrutínio da empresa no Brasil, será interessante ver como os norte-americanos vão lidar com a empresa, que para eles não é vítima. O caso irá trazer elementos novos que poderão servir de referência para investigações futuras de empresas controladas pelo Estado em outros países. 7 ALÉM DA CORRUPÇÃO TEM QUE DAR RETORNO Em tempos de caixa curto – especialmente para nós, no Brasil - cada vez mais as empresas querem saber qual o retorno real de cada centavo que aplicam. Isso vem acontecendo com mais frequência e para todas as áreas da empresa. Com o compliance não é diferente. Os gestores da área vão precisar encontrar formas de tangibilizar o impacto dos programas de compliance sobre o negócio, estabelecendo indicadores de desempenho capazes de comprovar que o valor monetário investido está gerando resultados concretos e que eles podem ser mensurados e analisados por toda a diretoria. O discurso de que o programa é importante porque previne que a empresa tome uma multa milionária, por si só, não será mais suficiente. Embora esse seja o padrão lá fora, aqui no Brasil o papel do compliance ainda é muito ligado na prevenção à corrupção. Até pelas circunstâncias brasileiras neste momento, o combate à corrupção continuará gerando buzz e importância para divulgar uma área com a qual só agora muitas companhias começam a tomar contato. Mas o compliance engloba outros elementos, em muitos casos, mais relevantes para os negócios, como análise e gestão de riscos, prevenção à fraude, segurança da informação... Estas habilidades serão cada vez mais demandadas dos profissionais de compliance no Brasil. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 23 PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA A realidade se impõe O papel do compliance officer é na prática muito mais amplo e estratégico do que muitos dos jovens e novos profissionais da área entendem ou acreditam. E a realidade do dia a dia é muito diferente do que boa parte deles imaginou Q uem teve a oportunidade de participar de reuniões de comitês ou grupos de profissionais de compliance certamente já presenciou cenas de lamúrias, lamentações, frustrações e choradeira dos profissionais da área. Em alguns casos, “revolta” é o termo que melhor se aplica à situação. Os motivos, em linhas gerais, não diferem muito de um caso para o outro: falta de atenção da direção da empresa, boicote dos colegas de outras áreas, ausência de recursos, confrontos desiguais com as áreas de negócios da empresa... Em suma, o mundo ideal não existe para o compliance officer – na verdade, ele não existe em nenhuma área e em nenhum negócio. Só que para aqueles que chegaram a este campo recentemente, com uma imagem e uma missão projetadas, sofrem, e sofrem muito quando se deparam com a verdade nua e crua. Quem acredita que por ser o novo compliance officer da empresa vai chegar e fazer acontecer – uma expectativa criada e comprada es24 pecialmente pelos jovens profissionais – está bem distante da realidade. Em um curto espaço de tempo, a posição de compliance officer no Brasil deixou o anonimato corporativo para ser alçada a uma das profissões do futuro. Na esteira dos protestos de 2013 e com a aprovação da Lei Anticorrupção, um número considerável de empresas, que até então pouco sabiam sobre o assunto, saíram à caça de profissionais para a área. A soma de ausência de mão de obra qualificada com a necessidade das companhias jogou mais luz sobre a profissão. Nos cenários previstos, ela ganharia cada vez mais participação nas decisões estratégicas da empresa e a nobre missão de garantir que os negócios fossem realizados “sempre com ética”. Tudo isso é verdade. Assim como também é fato que a realidade do dia a dia de um compliance officer é bem mais complexa, desafiadora, dura e repleta de nuances e sutilezas que demandam um grau de maturidade só encontrado em profissionais mais experimentados. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Do início ao fim do expediente, essa realidade se impõe aos profissionais e faz com que muitos deles, que por opção ou arrebatamento dentro dos quadros da empresa chegaram para atuar na área de compliance, sintam-se frustrados. A situação é especialmente difícil para os mais novos, que se encantam com as perspectivas do setor, mas, muitas vezes, ainda não têm a experiência necessária, especialmente no ambiente de negócios, para conseguir executar a função de compliance officer em sua plenitude e engajar toda a empresa no assunto. E aqui, vale uma observação. Grande referência no assunto, os Estados Unidos vêm desenvolvendo a área de compliance nas bases como a conhecemos hoje, desde os anos de 1970, quando foi aprovado o Foreign Corrupt Practice Act, o famoso FCPA: lei que coíbe a corrupção internacional de agentes públicos estrangeiros por empresas que atuam nos Estados Unidos. Por mais de quatro décadas, os profissionais que atuam naquele país convivem e aprendem com o tema. E Nº. 09 - Março / 2015 da equipe ou conhece muito bem o negócio da empresa. O mercado aqui no Brasil começou a exigir dos profissionais que atuam em compliance uma vivência que eles não têm”, diz a especialista. “A vivência conta muito e hoje você praticamente não encontra no mercado um gerente com cinco, seis anos de formação, de atuação”, emenda Shin Jae Kim, sócia da área de compliance da banca Tozzini, Freire e também referência sobre o tema no Brasil. O SEGREDO ESTÁ NO NEGÓCIO, NÃO NAS LEIS ÁREA DE COMPLIANCE DA SIEMENS NO BRASIL : grandes estruturas de compliance são exceções. aqui estamos falando apenas do FCPA. É preciso lembrar que os profissionais de lá convivem há tempos com outras questões como gestão de risco, lavagem de dinheiro, danos morais, assuntos regulatórios, além da própria corrupção de agentes públicos no mercado local. Com isso, a clareza do papel do compliance é muito mais elevada. Ainda assim, são cada vez maiores as discussões sobre as novas atribuições que o compliance officer deve assumir nas organizações norte-americanas (ver quadro na página 29). Por aqui, a área está na sua primeira infância. Do ponto de vista das empresas – excluindo as do setor financeiro, que já lidavam com o tema há mais tempo por conta de regulações do Banco Central –, ela só ganhou notoriedade nesta década. De um lado, a expertise adquirida com o tema nos Estados Unidos e em alguns outros países da Europa ajudou a encurtar o caminho dos profissionais e das próprias empresas acerca do compliance. “É como se tivéssemos pegado um elevador diretamente para o quarto www.lecnews.com.br andar”, diz Isabel Franco, sócia do escritório KLA Law e uma das mais experientes profissionais de compliance do mercado. Para ela, o Brasil se beneficiou da grande presença de companhias multinacionais que operam e exercem um forte papel influenciador por aqui, ajudando o país a alcançar patamares elevados a passos muito mais largos na comparação com outros países. Só que do outro lado, a necessidade das empresas, somada à falta de mão de obra qualificada e experiente, acabou por içar muita gente que, apesar de conhecer o tema, não tinha a vivência necessária para liderar uma área nova e cuja função, em sua plenitude, ainda é pouco compreendida pelas empresas e pelos próprios profissionais. Para Isabel, esse é o tipo de situação que acaba se transformando em “oportunidade perdida” para o desenvolvimento do compliance no Brasil. “Nos Estados Unidos, quando alguém é promovido a compliance officer, essa pessoa já atuou na área, foi membro LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Empreender mudanças culturais é sempre um grande desafio para qualquer líder ou gestor de uma empresa. Elas precisam de tempo para maturar e tornarem-se efetivas. Nesse contexto, o ambiente cultural e de negócios do Brasil é particularmente desafiador para os profissionais de compliance. “É sabido que nós temos uma cultura de fazer negócios baseada, muitas vezes, em relacionamentos cujos limites às vezes são cinzentos. Não que exista alguma vantagem indevida ou corrupção. Mas existe, sim, uma questão de relacionamento que alguns podem tratar como tráfico de influência –, o que torna difícil fazer uma mudança com a realidade de compliance. Isso é um fato”, explica Shin. Ou seja, a missão do compliance officer, para além das funções básicas como dar treinamentos e elaborar os códigos e políticas da empresa, é muito mais encrencada e com nuances certamente muito diferentes do que muitos dos profissionais recrutados ou que entraram na área poderiam supor. E aí entra um ponto que tanto Shin como Isabel apresentam como um pilar central do trabalho de qualquer executivo que vai atuar na área, não importando o porte, o setor ou a nacionalidade da empresa na qual vai atuar: entender profundamente do negócio da empresa. Esta tarefa vai muito além daquela semana de integração pela qual o profissional passa quando chega a um novo emprego e se torna um problema ainda maior para aqueles que estão entrando 25 PAPO DE COMPLIANCE CARREIRA ALUNOS DO CURSO LEC: a formação especializada é só o ponto de partida da carreira. na área muito jovens, ou mesmo para os recrutados mais experientes – quase sempre advogados que atuaram em escritórios de Direito, mas sem grande vivência profissional em empresas. “Você teve uma onda de profissionais que fizeram cursos e se certificaram como compliance officers. E é muito lindo você aprender como funciona o programa de compliance. Mas o real é que você vai chegar numa empresa e vai descobrir que aquele negócio não funciona daquele jeito. Você tem empresas que não têm nem código. Aí você faz o código e acha que as pessoas vão saber fazer as coisas, mas não vão”, diz Shin, para quem, não raro, o novo profissional de compliance também não sabe exatamente como funciona . Para Isabel Franco, do KLA Law, às vezes a choradeira durante os encontros e reuniões de compliance officers chega a ser irônica. “Você olha para o profissional e vê que é ele quem está no lugar errado (e não está preparado para assu26 mir a função). É como querer colocar um parafuso redondo em um espaço triangular. Não vai dar certo”, pontua. Advogados que sempre atuaram pelo lado dos escritórios e migraram para atuar no compliance de empresas estão entre os que mais sofrem com o dia a dia da nova função. “Tive um chefe que dizia que para um escritório de advocacia entrar numa área nova é muito simples, bastava ler todas as resoluções daquele setor. E funciona. Eu mesmo participei de processos desse tipo montando do zero uma nova área de Telecom”, lembra Isabel. “Mas, no compliance, isso é impossível. Primeiro porque não existe regulamentação. E depois porque você precisa entrar e entender do negócio. E cada negócio tem o seu modelo e as suas peculiaridades”, diz. A própria Isabel reconhece que ter atuado por cinco anos – ainda que como monitora – na Monsanto, uma das maiores companhias de agronegócio do mundo, foi fundamental na sua formação em compliance. “Eu LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE passava um dia por semana na empresa, convivendo e aprendendo com eles sobre os negócios, entendendo a dinâmica da empresa.” O profissional de compliance precisa entender que ao chegar numa empresa já existe uma dinâmica de trabalho, estrutura, processos, sistemas, uma cultura corporativa que não vai simplesmente se ajustar ao que ele, enquanto profissional, julga ser as melhores práticas para que a empresa atue em compliance. Essa é uma vantagem que profissionais que já atuam na companhia, ainda que em outras áreas, quando promovidos à função de compliance officer, têm sobre os outros novatos na área. Afinal, ele já está aculturado na empresa e conhece as suas dinâmicas e peculiaridades. E se esse profissional tiver algum grau de senioridade dentro da empresa, ele terá muito mais facilidade para se movimentar e conquistar a atenção dos seus pares, fundamental na área de desenvolver o programa de compliance Nº. 09 - Março / 2015 SHIN JAE KIM, DO TOZZINI, FREIRE: mercado exige dos novos profissionais de compliance uma vivênciaque eles não têm. para toda a empresa. Por isso, é bastante plausível supor que uma próxima leva de compliance officers tenha origem nas fileiras das próprias empresas. ENTENDENDO O QUE O PARCEIRO FAZ “O compliance deve ser um parceiro do negócio”. A afirmação, clássica em apresentações de profissionais do setor, representa a síntese do papel da área que não é nada mais do que dar suporte para que toda a empresa realize os seus negócios dentro de padrões éticos e legais, com riscos diversos mitigados e com eficácia. Tudo ocorrendo com naturalidade. Só que para oferecer esse suporte, mais uma vez, é preciso entender como a empresa opera e qual a dinâmica do segmento onde ela atua, bem como cada área da companhia funciona. Para isso, não existe melhor caminho do que ter a humildade de sair da cadeira e gastar sola de sapato para conversar com as pessoas de diferentes áreas da empresa, perguntar sobre o que fazem e se colocar à disposição delas. Shin Jae Kim acredita que perguntar é a primeira coisa que um compliance officer deve fazer. “Ninguém deve ter medo de fazer perguntas”, afirma. Ao mesmo tempo, ela reforça que é preciso estar ciente de que muita gente não vai ser tão legal com você nesse processo. Mas é preciso entender como as coisas funcionam para ser parceiro de fato. “Quem está chegando agora não costuma ter sua voz ouvida. Então é preciso tentar conversar muito com as principais pessoas de cada área. Quando você tem isso mapeado, tudo funciona melhor. Ele (o compliance officer) tem de navegar em todas as áreas, se colocar à disposição, saber o que falar, ser propositivo. E não é auditoria, que olha para o passado e o que foi feito, mas sim dar ideias de como melhorar os controles e os processos para que a empresa possa crescer em ambientes com melhor gestão de risco, lucrando mais”, acredita Shin. “Na medida em que você passa a ser um questionador, e consegue, www.lecnews.com.br a partir desses questionamentos, oferecer feedbacks e soluções que contribuam para a evolução dos processos, você passa a ser um parceiro de verdade e as pessoas começam a te respeitar e a te procurar”, emenda. POLÍTICA DO BEM Além de entender como funcionam os negócios, os novos profissionais de compliance precisam descobrir que são (ou ais irregularidades), vai dar errado. Esse profissional só vai conseguir monitorar e detectar se ele estiver inserido no ambiente da empresa. Caso contrário, não vai nem saber o que monitorar. Quem nunca trabalhou não sabe como montar uma área de compliance”, diz a advogada do Tozzini, Freire. Outro ponto fundamental é abrir um canal de comunicação direto com a alta administração. Em muitos casos, o Não existe melhor caminho do que ter a humildade de sair da cadeira e gastar sola de sapato para conversar com as pessoas de diferentes áreas da empresa, perguntar sobre o que fazem e se colocar à disposição delas. podem ser) os aliados que darão apoio e suporte ao processo. Em empresas nas quais a implementação do compliance representa uma mudança cultural mais drástica, ter essas pessoas ao seu lado é ainda mais determinante. Como lembra Shin, o profissional de compliance não funciona se estiver isolado. “Se o profissional achar que o trabalho dele é só dar sugestão, monitorar e detectar (eventu- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE compliance officer é um gerente, porém, na prática, ele atua sozinho, sem ninguém acima dele. O profissional precisa se fazer ser visto pelo seu trabalho. Mas, no dia a dia da grande maioria das empresas, encontrar um espaço na agenda dos principais executivos é motivo de guerra, assim como é bem provável e natural que atender ao compliance officer não esteja entre as principais prioridades 27 PAPO DE COMPLIANCE desses executivos que têm de lidar com assuntos de todas as áreas da empresa, muitas delas mais importantes para a sustentação do negócio do que a de compliance. Só que no mundo corporativo sempre vai existir um momento em que lhe será dada a chance de aparecer. E aí é aproveitar a oportunidade, ter o timing correto e assunto suficiente para amarrar a conversa ou a apresentação, como explica Shin: “Você tem de ter sensibilidade e astúcia para convencer esses aliados a te ajudarem a viabilizar o seu projeto. Se você fizer uma colocação que, no mínimo, suscite um pensamento, uma análise da parte de quem participou da apresentação, para os profissionais que estão começando na área é um grande trunfo”. A atitude profissional, a maneira como o compliance officer expressa sua posição é muito importante para que a área ganhe magnitude dentro da empresa. NEGOCIAÇÃO PRÉVIA Para evitar frustrações futuras, uma dica é, sempre que possível, negociar na entrada as condições de trabalho. Se a empresa chama alguém por causa da lei, esperando ter as vantagens que ela concede a quem mantém um programa, a função desse novo profissional está determinada e ele terá uma ação limitada a questões de corrupção, de elaboração dos elementos mais básicos do programa e só (ainda que as premissas apresentadas anteriormente continuem válidas, mesmo com tais restrições de atuação). Ele precisa entender porque a empresa o está chamando. É importante conversar isso desde o início para alinhar as expectativas. Com maturidade, experiência e vontade de fazer a diferença, eles se expandem e contribuem também para expandir a visão da empresa sobre o assunto. Compliance é muito mais do que anticorrupção. É claro que para alguns negócios esse é o aspecto fundamental. Mas, para a maioria das empresas, de fato, esse não é o ponto principal. Questões trabalhistas, fraudes internas, gestão 28 CARREIRA ISABEL FRANCO, DO KLA LAW: a vivência no dia a dia de uma empresa faz toda a diferença para o compliance officer. Compliance é muito mais do que anticorrupção. É claro que para alguns negócios esse é o aspecto fundamental. Mas, para a maioria das empresas, de fato, esse não é o ponto principal. de risco, contratos com terceiros, condutas comerciais, regulação de mercados e muitos outros temas estão sob a área de ação de um compliance officer. Mais uma vez, entender o que a empresa faz é fundamental para que o profissional possa mapear e ter clareza dos principais riscos, e fazer uma avaliação geral do que será prioridade. Por isso, o risk assessment – que nem todos os novos profissionais fazem ou sabem fazer – é tão importante. Dependendo da empresa, o foco pode ser corrupção de agentes públicos, em outra, haverá questões mais ligadas ao Recursos Humanos ou à conduta de funcionários. Para conversar com a alta administração é preciso saber de todos esses riscos e saber colocar como cada um deles impacta o negócio. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE E a empresa terá de decidir o que fazer. Com esse trabalho, o profissional poderá ter uma atuação mais destacada. Outro ponto de constante reclamação por parte dos jovens compliance officers é a falta de recursos para a área. Nesse caso, o segredo é sempre ter um plano A e B. Até porque os motivos que levam a empresa a contingenciar os recursos são variados e eles podem acontecer realmente. Em caso de corte, o profissional precisa saber quais são as necessidades básicas e prioritárias e gerir a área com os recursos disponíveis. GERINDO EXPECTATIVAS Tudo o que foi dito até aqui representa um retrato fiel da realidade de um compliance officer e dos desafios que Nº. 09 - Março / 2015 os novatos precisam enfrentar no dia a dia. Mas isso não significa que a profissão não ofereça as oportunidades, e muito menos, que não possa proporcionar satisfação profissional e pessoal para quem atua na área. Pelo contrário. As oportunidades existem, e os novos profissionais, tão logo vençam a fase inicial e mais dura do aprendizado na prática, estarão prontos para voos mais altos e com a demanda por talentos para a área nas alturas. Em uma pesquisa realizada pelo Tozzini, Freire, 80 entre 100 empressas disseram que vão investir mais na área de compliance na comparação com o ano anterior. Por isso, é preciso controlar as expectativas atuais e saber lidar com a ansiedade. “Os profissionais de compliance têm desafios pela frente como em qualquer outra função. A frustração talvez seja maior, pois é preciso lidar com muitas mudanças, e sem uma virada de chave, a coisa não funciona. E mesmo quando se percebe a necessidade da mudança nem sempre ela acontece na velocidade esperada pelo profissional. Não dá para ser ansioso, afobado. É preciso dar continuidade”finaliza Shin Jae Kim. NOVOS PAPÉIS PARA OS CCO’s Uma pesquisa realizada pela consultoria PwC no ano passado revela o estado dos profissionais de compliance nos Estados Unidos. E a conclusão é a de que a posição de compliance officer caminha para um novo patamar, que vai exigir dos profissionais novas habilidades e um realinhamento do foco de atenção dos principais executivos da área. Segundo o estudo, os chefes de compliance são muito qualificados para exercer suas funções tradicionais como dar treinamentos, definir as políticas da área e gerir os canais de denúncia da companhia. Mas existem oportunidades para que o profissional de compliance exerça um papel mais estratégico no negócio na medida em que consiga integrar a área de compliance a toda a empresa. Para a PwC, assim como os CFOs (chefes de finanças) e CIOs (de TI) são responsáveis por supervisionar suas áreas em toda a organização, independentemente de quem é o “dono” daquele pedaço, os Chief Compliance Officers (CCO) devem assumir o controle de medição e monitoramento dos riscos do negócio, bem como da cultura ética. “Eles devem concentrar-se menos na atividade de implementação e de medição e mais na avaliação do impacto da execução das medidas no próprio negócio. Como qualquer membro integrante do C-suite, CCOs são - e devem ser - vistos como peça fundamental para a execução da estratégia organizacional”, diz o estudo. O estudo da PwC traz quatro dicas para um CCO ser mais estratégico para a empresa: www.lecnews.com.br CONSTRUA UMA VISÃO DE FUTURO: a organização tem uma visão clara do que espera do seu CCO e de como ele deve se relacionar com os negócios? Aprender com a evolução dos “chefes” de outras áreas pode ajudar o profissional a formatar um compliance que alcance toda a empresa. ESTABELEÇA UMA REDE DE RELACIONAMENTOS E UM CONJUNTO DE HABILIDADES ALÉM DAS FUNÇÕES DE APOIO: tipicamente a área de compliance atua muito em conjunto com o jurídico, o RH e a auditoria. Mas os CCOs e suas equipes devem se esforçar para estarem mais próximos do negócio em todos os níveis. Manter um conjunto de ferramentas de análises e operações na equipe de compliance vai permitir maior envolvimento e melhor desempenho. CONECTE-SE COM A ESTRATÉGIA: melhores habilidades de negócios podem ajudar a melhorar a compreensão da estratégia organizacional e os riscos de compliance associados, além de permitir que o compliance apoie de forma mais eficaz a busca por metas corporativas. CRIE RELATÓRIOS RELEVANTES: aperfeiçoar os relatórios de compliance pode ajudar a dar relevância ao trabalho junto aos membros do conselho, líderes seniores e parceiros de negócios. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 29 LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO Em segundo, por pouco A gigante francesa do ramo da engenharia Alstom se declarou culpada de manter um grande esquema que resultou no pagamento de dezenas de milhões de dólares em propina ao redor do mundo, incluindo países como Indonésia, Egito, Bahamas e Arábia Saudita. Como parte do acordo, a Alstom concordou em pagar uma multa de US$ 772,2 milhões. A cifra gigantesca coloca a companhia francesa na vice-liderança das maiores multas por violação ao FCPA da história. Bem pertinho dos US$ 800 milhões aplicados à alemã Siemens, no caso que deu início à fase das multas milionárias por corrupção estrangeira. Subsidiárias da Alstom na Suíça e nos EUA também celebraram acordos, admitindo que conspiraram para violar as disposições anti-suborno do FCPA. O caso é emblemático pelo tempo investido e pelos recursos – humanos e financeiros – alocados por diferentes divisões do governo dos Estados Unidos para concluí-lo, o que virou quase uma “questão de honra” para as autoridades do país. O anúncio do encerramento do caso foi feito por altos dirigentes do Departamento de Justiça (DoJ) e também do FBI, a polícia federal norte-americana. “O esquema de corrupção na Alstom foi sustentado por mais de uma década e por vários continentes”, disse o procurador-geral adjunto do DoJ, James Cole. “(O caso) foi surpreendente na sua amplitude, na sua audácia e nas suas consequências em todo o mundo. E é tanto minha expectativa - e minha intenção - que a resolução abrangente envie uma mensagem inequívoca para outras empresas em todo o mundo: a de que este Departamento de Justiça será implacável em erradicar 30 PATRICK KRON, CEO DA ALSTOM: a demora da empresa em admitir o crime e colaborar com as investigações contribuiu para salgar o valor da multa. e punir a corrupção em toda a extensão da lei, não importa a sua dimensão ou quão assustadora seja a acusação”. “Este caso é emblemático por como o Departamento de Justiça vai investigar e processar casos de violações ao FCPA - e outros crimes corporativos”, disse a procuradora-geral assistente Leslie Caldwell. “Nós incentivamos as empresas a manter programas de compliance robustos, a divulgar voluntariamente e erradicar a má conduta quando ela é detectada, e a cooperar na investigação do governo. Mas nós não vamos esperar as empresas agirem de forma responsável. Com cooperação ou sem, o DoJ irá identificar a atividade criminosa em corporações usando todos os nossos recursos, empregando todos os instrumentos de aplicação da lei, e considerando todas as ações possíveis, incluindo acusações contra as corporações e indivíduos”. “A resolução histórica é um lembrete importante de que o nosso mandato moral e legal para acabar com a corrupção não para em qualquer fronteira, seja ela municipal, estadual, ou nacional”, disse o primeiro assistente do procurador-geral no estado de Connecticut, Michael Gustafson. “Uma parte significativa deste trabalho ilícito, infelizmente, foi realizada a partir de escritórios da Alstom Power em Windsor, no estado de Connecticut. Tenho esperança de que esta resolução, e em particular o acordo firmado com a Alstom Power, irá fornecer à empresa uma oportunidade de remodelar a sua cultura e restaurar seu lugar como uma corporação respeitada”. “Esta investigação durou anos e cruzou continentes com agentes dos escritórios de campo do FBI em Washington e New Haven realizando entrevistas e recolhendo provas em todos os cantos do mundo”, disse Robert Anderson, diretor executivo assistente do FBI. “O valor recorde em dólares da multa é um impedimento claro para as empresas que se envolvem em suborno estrangeiro, mas um impedimento ainda melhor é que vamos enviar os executivos que cometem esses crimes à prisão”. De acordo com as admissões, a Alstom, por meio de vários executivos e empregados, pagou subornos a funcionários do governo e falsificou registros em livros contendo projetos de energia, rede elétrica e de transporte para entidades estatais em todo o mundo. No total, a empresa francesa pagou mais de US$ 75 milhões em subornos para obter US$ 4 bilhões em projetos ao redor do mundo, com um lucro para a empresa de LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 aproximadamente US$ 300 milhões. Um dos pontos que pesou contra a empresa é que, durante quase todo o período de investigações, a empresa tentou esconder o esquema de suborno por meio de consultorias supostamente contratadas para prestar serviços em nome da Alstom e de suas subsidiárias. Mas, na verdade, esses consultores serviram como canais para pagamentos corruptos a funcionários do governo. Documentos internos da empresa referem-se a alguns dos consultores em código, incluindo “Mr. Genebra”, “Mr. Paris”, “London” e “velho amigo”. No ano passado, em meio às denúncias que se avolumavam em vários países onde opera, a Alstom decidiu que não iria mais usar consultores para intermediar seus negócios. AJUDA NA MARRA A cooperação da Alstom com as investigações só ocorreu após cobranças públicas do DoJ a vários executivos da empresa. Após esse chacoalhão, a companhia passou a atender as demandas das autoridades com profundidade, inclusive auxiliando a promotoria na investigação de outras empresas e indivíduos. “Tivemos uma série de problemas no passado e nos arrependemos profundamente disso. No entanto, o acordo fechado com o DoJ nos per- ROBERT ANDERSON, DO FBI: o governo dos EUA empreendeu uma verdadeira cruzada contra a Alstom. mite deixar essa questão para trás e a continuar nossos esforços para garantir que os negócios sejam realizados de maneira responsável e consistentes com os mais altos padrões de ética”, disse o CEO da Alstom, Patrick Kron. Segundo o executivo, a Alstom vem fazendo progressos significativos na área de compliance ao longo dos últimos anos. Segundo ele, o monitor externo que acompanha o trabalho da empresa por conta de um acordo com o Banco Mundial feito em 2012 confirmou que o programa de compliance da companhia está rodando. Até o momento, o departamento anunciou acusações contra cinco indivíduos, incluindo quatro executivos de empresas da Alstom, por alegada conduta corrupta envolvendo esta. Frederic Pierucci, o ex-vice-pre- sidente das vendas globais de caldeiras da Alstom, David Rothschild e William Pomponi, ambos ex-vice-presidentes de vendas regionais da Alstom Power, se declararam culpados de conspiração para violar o FCPA, entre 2012 e 2014. Lawrence Hoskins, o ex-vice-presidente sênior da Alstom para a região da Ásia, foi acusado em um segundo indiciamento em 30 de julho de 2013 e está pendente de julgamento no Distrito de Connecticut, marcado para junho próximo. As acusações contra Hoskins são apenas alegações, e ele tem presunção de inocência, a menos – e até – que se prove sua culpa. Além disso, um membro do alto escalão do parlamento indonésio foi condenado por aceitar subornos da Alstom. Ele está cumprindo pena de prisão de três anos. Já Asem Elgawhary, gerente geral de uma entidade que atua em nome da Egyptian Electricity Holding Company, uma empresa estatal de eletricidade, se declarou culpado em dezembro do ano passado em um tribunal federal no Distrito de Maryland por acusações de lavagem de dinheiro e fraude fiscal e por aceitar propinas da Alstom e outras empresas. Elgawhary concordou em passar 42 meses na prisão e a devolver cerca de US$ 5,2 milhões em receitas. O DESCASO QUE SAIU BEM CARO As autoridades americanas fizeram questão de frisar os diversos aspectos da investigação que contribuíram para elevar exponencialmente o valor da multa imposta aos franceses, entre eles: l l l NÃO COMUNICAR O CASO ÀS AUTORIDADES: ainda que ciente da má conduta relacionada a uma filial nos Estados Unidos, que anteriormente já havia enfrentado acusações de corrupção pelo DoJ por um projeto de energia na Itália, a Alstom não avisou às autoridades de que algo poderia estar novamente errado em uma de suas empresas nos EUA; FALTA DE COOPERAÇÃO: durante vários anos da investigação, a Alstom não cooperou plenamente com o DoJ; ESCALA GLOBAL: a má conduta da empresa se esten- www.lecnews.com.br deu por muitos anos, por vários países ao redor do mundo e em várias linhas de negócios da empresa, além de envolver esquemas sofisticados para subornar funcionários de alto nível nos governos; l SEM COMPLIANCE: a companhia não tinha um programa de compliance efetivo nem um programa de ética no período em que os crimes aconteceram; l HISTÓRICO DE PROBLEMAS: condutas criminosas anteriores já tinham custado à Alstom resoluções contrárias de vários países e do Banco Mundial. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 31 LEC NEWS – ANTICORRUPÇÃO Não importa o tamanho A Smith & Ouzman Ltd., balho não remunerado e deverá uma empresa britânica cumprir três meses de reclusão. cujas origens remontam a Já Nicholas Charles Smith, di1845, foi condenada como resultaretor de Vendas e Marketing da do de uma investigação do Serious empresa, foi condenado a três Fraud Office sobre pagamentos de anos de prisão por três acusapropinas realizados a agentes públições de concordar em pagar sucos estrangeiros para obter contraborno. Os dois também ficarão tos para a empresa. legalmente impedidos de atuar Os pagamentos ilícitos somacomo diretores da empresa por ram 395 mil libras esterlinas e seis anos. foram feitos a funcionários públiA sentença da empresa, cos para contratos de negócios no condenada pelos mesmos três CHRISTOPHER JOHN SMITH (AO CENTRO), EM EVENTO Quênia e na Mauritânia. A Smith crimes, será proferida em outuNA SOMÁLIA: ainda que pequeno, nenhum negócio pode atuar fora das regras do jogo. & Ouzman é especializada em sobro deste ano. luções de impressão de segurança “Esta é a primeira condecomo cédulas de votação, talões de cheque, certificados e nação do SFO - efetivada após um julgamento - de uma títulos de tesouro. empresa por crimes envolvendo o suborno de funcionários Dois diretores da empresa também foram condenados públicos estrangeiros. Essa criminalidade, seja ela praticada no julgamento. por empresas grandes ou pequenas, prejudica severamente Seu presidente, Christopher John Smith, de 72 anos, foi a reputação comercial do Reino Unido e alimenta a govercondenado a 18 meses de prisão por duas acusações de con- nança corrupta no mundo em desenvolvimento. Estamos cordar em pagar suborno. A pena ficará suspensa por dois muito gratos às autoridades quenianas pela sua assistência anos. Ele também foi condenado a cumprir 250 horas de tra- neste caso”, comemorou o diretor do SFO, David Green. Em cima dos militares D epois de “recolher” vários integrantes graduados e outrora poderosos do governo chinês e de empresas estatais (boa parte deles composta por inimigos políticos), a batalha travada pelo presidente da China, Xi Jinping contra a corrupção no país asiático ganha um novo alvo. O Partido Comunista Chinês, que é de fato quem exerce o poder no país, comunicou o lançamento de uma investigação pelo período de um ano sobre o salário dos militares. A informação foi divulgada pela imprensa oficial após revelações de casos de corrupção nas forças armadas virem à tona. A 32 Comissão Militar Central da China, liderada pelo presidente Xi Jinping, vai conduzir a investigação que deve abarcar todos os escalões da área militar. A supervisão ficará sob responsabilidade do chefe do departamento de logística do exército, Zhao Keshi. Segundo a imprensa oficial, a apuração será focada em “toda a circulação de dinheiro, recibos e despesas” a fim de encontrar provas de desfalque. Segundo o partido, a corrupção é uma ameaça chave à campanha de modernização militar, um processo que ao longo dos últimos anos vem aumentando substancialmente o orçamento das forças armadas no país. O PODEROSO ZHAO KESHI COM O PRIMEIRO MINISTRO DA NOVA ZELÂNDIA: investigações em um setor bilionário e complicado. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 BALANÇO MERCADO Resposta difícil O caso da Petrobras mostra toda a dificuldade de se calcular o impacto financeiro da corrupção nos negócios de uma empresa D entre todos os problemas que a Petrobras enfrenta um é sintomático do caos que assola a companhia. A maior empresa brasileira, com vendas anuais superiores a R$ 300 bilhões, não consegue o aval dos auditores independentes para o seu balanço do terceiro trimestre e, naturalmente, para o do quarto e do ano de 2014 também. Por ter seus papéis negociados nas bolsas de São Paulo e Nova York, obter o seu balanço validado por uma auditoria independente é obrigatório. A situação a um só tempo é tão crítica e vexatória que a missão primordial do novo presidente da empresa, Aldemir Bendine, é publicar o balanço da empresa - com o aval dos auditores - até o final de março deste ano. Com base no que é público até o momento, a celeuma em torno da não validação por parte dos auditores está no fato de que a PwC, auditoria da Petrobras, se recusa a assinar o documento enquanto a empresa não determinar um valor no seu balanço para o que seria o custo da corrupção na companhia. Durante a divulgação dos dados do terceiro trimestre, feita sem o aval da auditoria, a direção da Petrobras fez uma estimativa de que a sobrevalorização de um conjunto de ativos alcançara R$ 88 bilhões (e a então presidente Maria das Graças Foster disse que o valor poderia superar os R$ 100 bilhões). Apesar de ter sido divulgado pela diretoria executiva, o conselho e principalmente o governo federal, controlador da empresa, www.lecnews.com.br COMPERJ, UM DOS ATIVOS PROBLEMÁTICOS DA PETROBRAS: dificuldade em separar o impacto da corrupção na reavaliação dos ativos. Foto: Agência Petrobras não aceitaram esse número, que poderia ser atribuído – e do ponto de vista político foi o que aconteceu – como o valor desviado ou perdido para a corrupção na empresa. Na verdade, para chegar ao número, os auditores e advogados externos contratados pela Petrobras para atuar nas investigações relacionadas à operação Lava Jato fizeram uma reavaliação do valor de mercado de um conjunto de ativos da companhia que, de alguma maneira, possam ter sido alvos de desvios. Só que o valor dos ativos nessa reavaliação foi impactado por fatores e condições diversas que, no caso da estatal, incluem a queda do preço do LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE óleo e o aumento do dólar, ou seja, dois fatores que pesam demais na avaliação da viabilidade econômica dos projetos. A corrupção é um elemento adicional, mas nem de longe o único e mais impactante nesse processo. Daí a chiadeira do Palácio do Planalto pela divulgação do número estimado, ainda que não oficializado, durante a apresentação do balanço. Para Marcos Sanches, sócio da TG&C Auditores, a validação do balanço pela auditoria externa, ao menos do ponto de vista contábil, não tem a ver com mensurar o impacto ou provisionar perdas decorrentes da corrupção na empresa. Ele explica que, de uma 33 MERCADO BALANÇO perspectiva técnica, a reavaliação dos ativos – efetuada e divulgada durante a apresentação dos resultados do terceiro trimestre da empresa – está de acordo com os princípios contábeis e, caso tivesse sido aprovada pelo conselho de administração e a perda do valor desses ativos tivesse sido lançada no balanço, ele poderia muito bem ser validado pela empresa de auditoria. “Agora, o que foi divulgado é diferente do que estimar quanto existiu de corrupção. O que está se levantando é o impairment dos ativos da Petrobras”, diz Marcos. Impairment é o termo de mercado utilizado para determinar os valores recuperáveis dos ativos. Por meio dele, a empresa reconhece as reduções nos valores de ativos a serem considerados nas demonstrações contábeis das empresas. O processo consiste, basicamente, em avaliar as perdas de valor do capital aplicado em casos de interrupção das atividades, às quais se destinavam tais bens; quando fica comprovado que os bens não poderão produzir resultados suficientes dentro de um período determinado de tempo para recuperar o valor investido nesse ativo; ou ainda, em uma eventual venda deste, levando em conta o seu valor de mercado. A avaliação de valor do ativo tem como base sempre o custo do ativo e, como se trata de um movimento contábil, não existe impacto imediato sobre o caixa da companhia. O que acontece no caso da Petrobras é que, mesmo que o mercado questionasse o crescente aumento dos custos para a construção de ativos como a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, não fossem os desdobramentos da operação Lava Jato escancarando a corrupção endêmica na estatal, seria bem provável que a empresa não precisasse enfrentar esse processo de maneira tão calamitosa como está acontecendo agora. APENAS O INÍCIO Como o governo federal já indicou que não deve aceitar simplesmente a 34 FERNANDO ALVES, PRESIDENTE DA PWC: a auditoria não aceita validar o balanço sem que a diretoria da estatal estabeleça um número crível para as perdas da empresa. reavaliação dos ativos como base para a “conta da corrupção” na Petrobras, a questão que persiste na busca por uma resposta é: como determinar o valor da corrupção? “Se uma refinaria custasse 1.000, e por um ato de corrupção, custou 1.200, você teria esse ativo lançado por 200 a mais do que ele realmente vale, por conta de desvios. Aí você poderia determinar uma baixa contábil de 200 no valor desse ativo. Porém, mesmo assim, é muito difícil mensurar o que houve de desvios no passado. É certo que, caso o ativo tenha valor inferior ao que está no balanço, será preciso fazer o ajuste, diminuindo o valor do ativo e, como contrapartida, a diferença de valor é registrada como perda no resultado. Mas, mais uma vez, não exclusivamente por conta da corrupção”, reforça Marcos. “No contrato de prestação de serviço constava 1.200 e é esse o preço que foi pago de fato. A Petrobras pagou a quantia que o contrato estabelecia”. “Não vejo como chegar numa estimativa de quanto é corrupção nessa perda. Do ponto de vista contábil é preciso ser objetivo. É complicado fazer estimativa. Um contrato com a empresa tal sofreu 3% de acréscimo indevido, aí se faz a conta, mas é preciso saber como isso vai ser apurado, LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE se não é um chute de lá, um chute de cá. É inédito, complexo e imprevisível”, complementa o sócio da empresa de auditoria. Se do ponto de vista contábil, para determinar o valor direto do que foi desviado, a dificuldade é imensa, é preciso ainda ter em conta que essa corrupção gerou impactos em cadeia. Ou seja, a conta não parou no 1%, 2% ou 3% sobre o valor do contrato, e aí fica realmente difícil de estipular um número preciso. Esse talvez seja um aspecto menos importante para a auditoria que vai assinar o balanço, mas é uma informação muito relevante do ponto de vista político, e também jurídico. Para o advogado Giovanni Falcetta, sócio da área de compliance do Aidar/SBZ, mesmo que o mercado pressione por um número, só indo mais fundo na investigação, linha por linha, para ter noção exata do valor. “Tem muita coisa que vai ser feita por aproximação agora e que depois vai ser ajustada na medida em que forem concluídas as investigações. Acho que isso é natural tendo em vista o que a gente vê hoje. Com base no que temos de informação já publicada, estamos falando de corrupção endêmica, arraigada na companhia e que atuou em vários setores”, pontua Giovanni. POLÍTICO E LEGAL Atribuir uma perda decorrente da corrupção, que seja aceita contabilmente pela auditoria (ou assumir um impairment gigantesco dos ativos, com toda a implicação política que isso teria), é o problema mais imediato com o qual a Petrobras tem de lidar. “A administração da empresa vai ter que determiNº. 09 - Março / 2015 nar um valor e submetê-lo ao crivo da auditoria”, diz Marcos Sanches. Mas isso é só o começo. Primeiro porque, além de não ser definitivo, em qualquer situação ele será motivo de questionamentos por ser baixo demais ou alto demais. Como empresa de capital aberto, numa indústria intensiva de capital e com projetos de longo prazo de maturação, a Petrobras é o tipo de negócio que tem um valor de mercado severamente afetado pela avaliação dos seus ativos. As pessoas adquirem ações baseadas em vários indicadores como vendas, margens líquidas, geração de caixa, e também no valor dos ativos, que geram uma estimativa futura de produção e vendas que impactam no valor do papel da companhia. “A Petrobras tinha ativos valiosos que eram fontes de investimento, como as refinarias que não foram finalizadas e agora não têm o valor de mercado que se imaginou. E algumas se mostraram inviáveis. Aí é prejuízo”, pontua o advogado do Aidar/SBZ. Ele explica que, no caso de uma refinaria inviável, se comprovado que ela já era inviável, mas ainda assim foi feita para favorecer alguém, você vai ter um ativo cujo valor vai ser reduzido a pó por conta de corrupção. Foi a corrupção – junto com as falhas dos controles internos da empresa – que levou o ativo a ser aprovado. O valor da companhia vai ser afetado e quem comprou ações vai perder dinheiro, porque aquele ativo deixa de fazer parte do balanço e o que se investiu ali foi a fundo perdido, porque nada vai ser gerado daquele ativo. “Isso é impacto direto da corrupção”, afirma Giovanni. Só que dificilmente a totalidade desse prejuízo contábil - já que o prejuízo de fato já impactou o caixa da empresa ao longo da construção desse ativo - será atribuída à corrupção. “O que é realmente desvalorização por conta da queda de petróleo, do dólar e o que é desvalorização por conta da má contabilidade, de corrupção e desvios? Esse é o grande desafio na hora de avaliar o valor dos ativos”. www.lecnews.com.br GIOVANNI FALCETTA, DO AIDAR/SBZ: custo da corrupção pode servir de base para processos de ressarcimento para a estatal e, também, contra ela. PROBLEMA RESOLVIDO, PROBLEMA CRIADO Tão logo comecem a aparecer números oficiais do custo da corrupção na empresa, outras batalhas devem ser travadas na busca pelo ressarcimento desses recursos. A própria Petrobras poderá ir atrás dos valores desviados dela. O governo brasileiro pode também, com base no que aconteceu, multar a estatal – o que está no ar, mas parece pouco provável – e também as empresas envolvidas, sob o pedido de ressarcimento. Acionistas que se sentiram prejudicados pelo impacto dos casos de corrupção - derivados da negligência e de controles internos falhos - vão tentar reaver o prejuízo. Compradores de outros ativos baseados no valor de mercado da Petrobras também podem ir por esse caminho. E, além disso, você pode ter outros cenários, já que a petroleira brasileira tem adotado uma postura de que, na dúvida do envolvimento das empresas em casos de corrupção, ela não paga. E não tem pagado ninguém. Outras empresas, que não têm culpa no cartório, mas tiveram a atividade inviabilizada por conta da restrição de pagamentos da Petrobras, podem vir a LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE quebrar e, no fim, requerer o ressarcimento da Petrobras também. E tudo isso é um cenário basicamente para o Brasil. É preciso lembrar que o governo dos Estados Unidos já tem uma investigação contra a empresa e lá, ao que tudo indica, ela não vai ser vítima, ao contrário do que vem indicando a postura das autoridades brasileiras. Pelas proporções do caso, a multa tende a ser exemplar. “Até porque os concorrentes dela que foram sancionados vão fazer pressão para que essas multas sejam exemplares também”, lembra Giovanni Falcetta. Outra dúvida é como o regulador norte-americano vai tratar as empresas que fizeram parte desse esquema. Além disso, deve haver ações individuais e coletivas contra a companhia pela questão do registro de dados, que não foi fiel nos seus books and records. Para terminar, em algum momento a Petrobras vai precisar provisionar no seu balanço os recursos para as eventuais sanções das quais a estatal deverá ser alvo e para as despesas com as investigações. Esses valores certamente poderão ser atribuídos à “conta da corrupção” na empresa. “É um caso paradigmático. O primeiro grande caso brasileiro. E mesmo os norte-americanos vão aprender muito porque esse episódio traz elementos que vão servir de referência para outras investigações. Um caso com essa extensão e com essas peculiaridades, com múltiplas empresas gigantescas de um país, de um mesmo setor, com políticos e uma das maiores empresas do mundo, controlada pelo estado. Nunca vi algo tão peculiar”, conclui Giovanni. Como se vê, a tão esperada publicação do balanço auditado é só o início dos problemas. 35 MERCADO INVESTIMENTOS Do tamanho do problema Com a possibilidade de chegar a 362 funcionários, a Petrobras está montando a maior estrutura de compliance do Brasil. Mas encontrar tanta gente com conhecimento sobre o tema não vai ser uma tarefa fácil para a estatal N o último dia 24 de fevereiro, a Petrobras apresentou como irá funcionar a estrutura da sua nova Diretoria de Governança, Risco e Compliance (DGRC). Liderada pelo executivo João Elek Júnior, recrutado de fora dos quadros da empresa, a nova área deverá contar com 362 integrantes, divididas em três gerências executivas. Com expectativa de ter 81 funcionários, a gerência de Governança, Organização e Gestão (GOG) será responsável por elaborar e monitorar a execução do modelo de Governança Corporativa e Societária e de organização e gestão, controlar a execução e o cumprimento das diretrizes e regras relativas ao processo decisório da companhia, além de planejar e executar as atividades corporativas da nova diretoria. Já a gerência de Riscos Empresariais foi instituída com o objetivo de fortalecer a visão integrada dos riscos empresariais (que não englobam os riscos relacionados à atividade de produção da empresa) por meio da identificação, avaliação, monitoramento e gestão de riscos relevantes, em articulação com as diversas áreas e empresas do Sistema Petrobras. No total, essa gerência 36 deve contar com 72 colaboradores. Por fim, a gerência de Conformidade (Compliance) vai reunir 209 pessoas com a atribuição de planejar, orientar, coordenar e avaliar atividades de controle e conformidade, incluindo a investigação e a redução de riscos de fraude e de corrupção em todo o Sistema Petrobras. Com a nova estrutura formatada, algumas gerências que já existiam na empresa também serão absorvidas pela DGRC, entre elas as de Controladoria e de Auditoria. Segundo a empresa, todas essas atribuições definem a principal característica da missão da nova diretoria: a capacidade de identificar e analisar o que está de acordo ou em conformidade com os requisitos e as regras de cada negócio. “A DGRC tem uma enorme responsabilidade. Nosso objetivo é levar a empresa a se tornar referência em governança, riscos e conformidade, assim como ela sempre foi referência técnica, reconhecida mundialmente, na indústria de óleo e gás”, disse João Elek Júnior, durante a sua posse em janeiro deste ano. DESAFIO PARA PREENCHER AS POSIÇÕES Questionada pela reportagem sobre o modelo de contratação, a gerência de co- municação da estatal disse ainda não saber se os novos funcionários serão oriundos dos próprios quadros da petroleira, se será aberto concurso público ou se a empresa irá recrutá-los no mercado. O mais provável é que uma boa parte das posições de liderança seja recrutada no mercado, a exemplo do que aconteceu com o próprio João Elek, dada a necessidade de profissionais muito especializados e que tragam uma visão externa à Petrobras. Por outro lado, devido ao grande volume de cargos a ser preenchidos, a empresa deve buscar profissionais dentro dos seus quadros, além, é claro, dos nomes que já atuavam nas áreas que estarão agora sob a gestão da DGRC. Em um mercado tão aquecido e com falta de mão de obra suficientemente ex- LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE No. 09 - Março / 2015 Foto: Agência Petrobras visibilidade. Mas você pode ir do Céu ao Inferno caso a empresa, por fatores externos a você, não entre na linha. Acho que são essas as duas grandes questões (que podem motivar ou desmotivar) os profissionais”, explica Raul. Se em situação normal, encontrar a pessoa certa para a função já seria um grande desafio, é preciso adicionar à equação a dinâmica atual do mercado de compliance no Brasil, onde já existe um grande desequilíbrio de mão de obra, com alguns poucos profissionais no topo e que atuam como líderes da área; pouquíssimos de nível intermediário – geralmente a segunda pessoa de compliance nas empresas – que tem conhecimento e ainda muito potencial de crescimento; e muitos profissionais na base, com interesse em conhecer, mas ainda sem formação. “O problema de curto prazo é que compliance se aprende no dia a dia e, portanto, será necessário tempo até que essa turma esteja preparada”, pontua o sócio da Vittore. Ele explica que desde a aprovação da Lei Anticorrupção, houve um boom na busca por profissionais, e agora com a operação Lava Jato, multinacionais e grandes empresas nacionais que ainda não implementaram a área tornam a disputa por bons profissionais ainda mais acirrada, pressionando os salários para cima. Nesse particular, por necessidade e por ter condições, a Petrobras não deve ter problemas para cobrir as ofertas salariais da concorrência, caso os profissionais aceitem o desafio. JOÃO ELEK COM A EX-PRESIDENTE DA ESTATAL, GRAÇA FOSTER: quem vai topar estar ao lado dele na nova estrutura de compliance da empresa? periente para lidar com uma situação tão complexa como a da Petrobras, não deve ser fácil para a companhia encontrar nomes adequados para ocupar as três gerências executivas. “Vai ser uma disputa com poucos profissionais”, preconiza Raul Cury, sócio da Vittore Partners, empresa de recrutamento especializada no segmento de compliance. “Para ocupar as posições de liderança, estamos falando de profissionais que estão no topo da carreira, muito bem empregados como principais executivos das áreas de compliance nas empresas. Em outras palavras, devem ser profissionais que conheçam compliance de A a Z, tenham fluência em língua estrangeira, habilidade para interagir e se relacionar com todas as outras áreas da empresa e lidar com a pressão das investigações”, diz o consul- www.lecnews.com.br tor, que acredita em um universo em torno de cinquenta profissionais com formação e senioridade suficientes para ocupar uma das três gerências. Nessa conta, ele inclui especialistas da área de compliance e das grandes empresas de auditoria, as chamadas BIG 4. “Para uma dessas cadeiras, especialmente para posições que envolvam a área de riscos, eles devem olhar para profissionais desses segmentos”, acredita. REFORÇO DE PESO Até o momento, João Elek é o único executivo graduado da nova estrutura. Mas ele terá um nome de grande peso e conhecimento na área dentro do conselho de administração da estatal, que aprovou o nome do advogado Luiz Navarro para assumir o lugar de Márcio Zimmermann, secretário executivo do Ministério de Minas e Energia. Navarro trabalhou por dez anos na Controladoria-Geral da União (CGU), onde foi secretário executivo, secretário de Prevenção da Corrupção e corregedor-geral. Atualmente ele ocupa uma cadeira como consultor sênior do escritório Veirano Advogados. CÉU OU INFERNO? Para os especialistas convidados a assumir o cargo, a grande questão deverá ser avaliar a exposição – para o bem e para o mal - que esse cargo irá oferecer. “De um lado você tem a possibilidade de realmente mudar a maior empresa do país por meio de uma posição de envergadura e grande LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 37 LEGISLAÇÃO GOIÁS Mais próxima da base Com um histórico recente de punições e a implementação de uma Lei Anticorrupção própria, o estado de Goiás chama a atenção das empresas locais para o compliance A o longo das últimas duas décadas, o estado de Goiás se converteu em um importante polo industrial, com uma presença maciça de grandes empresas nacionais e regionais de setores como o farmacêutico, de alimentos e celulose. O estado também assumiu uma posição de destaque como polo distribuidor, graças à localização estratégica e uma política agressiva de incentivos fiscais. Ao longo desse período, grandes empresas locais e regionais foram atraídas para o estado. Mais recentemente, Goiás vem se destacando também pela atenção e pela visibilidade que tem dado no combate à corrupção. E uma série de movimentos e iniciativas do poder público no estado está chamando a atenção das empresas que operam por lá para a necessidade de atuar preventivamente no que diz respeito às políticas de compliance. 38 Foto: Lailson Damasio No final do ano passado, enquanto alguns estados e grandes cidades brasileiras publicavam seus respectivos decretos regulamentando a Lei Anticorrupção federal, o estado de Goiás decidiu ir além e publicar uma lei estadual. Além de permitir que a lei fosse observada também pelos demais poderes constituídos no estado, a opção pela publicação da lei própria, segundo o secretário-chefe da Controladoria Geral do Estado de Goiás, Adauto Barbosa Júnior, permitiu que ela tivesse abrangência sobre as Organizações Sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), o que só poderia ser feito mediante lei específica. “As fases procedimentais e recursais são bem mais detalhadas do que a lei federal”, emenda o secretário. As multas decorrentes dos processos instaurados em caso de LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE corrupção contra os órgãos/unidades do estado serão destinadas ao Fundo de Combate à Corrupção. Gerido pela CGE, além das multas, o fundo terá dotação orçamentária própria e receberá doações e repasses de convênios. No caso da lei federal, a destinação dos valores arrecadados com aplicações de multa pela CGU ainda é uma questão sem resposta. Como os processos abarcados pela nova lei são aqueles originados de atos praticados contra os órgãos e entidades do poder público estadual, Barbosa Júnior não enxerga possibilidade de sobreposição com a lei federal. A aprovação da lei estadual trouxe novamente à tona o tema do compliance ao dia a dia das empresas goianas. Para a advogada Nívea de Paula, do escritório Berquo Brom, um dos poucos especializados na área no estado, depois de uma procura inicial por conta da Nº. 09 - Março / 2015 O GOVERNADOR MARCONI PERILLO DURANTE INAUGURAÇÃO DE FÁBRICA DA SAKURA: presença de grandes indústrias no estado está forçando as empresas menores a se adequarem as regras de conformidade. aprovação da lei federal, com a Copa do Mundo e as eleições na sequência, a informação acabou não sendo tão disseminada. Já no final do último ano, em dezembro, com a publicação da lei estadual, aí sim as empresas começaram a se movimentar. E o ritmo segue agitado desde então, ainda mais com todos acompanhando os desdobramentos da operação Lava Jato. “Enquanto só a lei federal estava em vigência, as grandes empresas de Goiás já estavam se preparando, mas as menores e locais não estavam tão acesas. Agora, depois da lei sancionada no estado, elas voltaram a nos procurar, com muitas dúvidas. Mesmo grandes empresários e executivos ainda não têm conhecimento”. Para Nívea, a regionalização trouxe a questão mais para a realidade de empresas e segmentos que talvez, só pela lei federal, não desse a atenção necessária ao assunto. www.lecnews.com.br CONSTRUINDO O ARSENAL FISCALIZATÓRIO A aprovação da nova lei, cuja regulamentação está sendo elaborada por um grupo constituído especialmente para essa finalidade, é a cereja do bolo de um esforço bem mais amplo com o objetivo de apertar o cerco à corrupção e capitaneado pela CGE. Um bom exemplo do arsenal que está sendo disponibilizado aos agentes de fiscalização e controle do estado são as trilhas eletrônicas. Elas consistem no cruzamento de diversas bases de dados como Sistema Orçamentário e Financeiro, Junta Comercial, Nota Fiscal Eletrônica, Sistema de Pessoal do Estado, INSS RAIS e Tribunal de Contas dos Municípios com o objetivo de identificar indícios de irregularidades. Segundo o secretário, “a partir desses indícios, de forma cirúrgica, os LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE auditores vão a campo obter comprovação para confirmar ou não o indício detectado. Se houver consistência, a CGE abre auditorias para apurar o problema e adotar as medidas legais cabíveis”. Outro movimento importante da CGE no sentido de buscar mais eficiência é o projeto de lei que institui a Fiscalização Prévia. O projeto modifica o fluxo de trabalho na área de controle interno, principalmente na fiscalização e no acompanhamento de procedimentos licitatórios e na execução orçamentária e financeira dos contratos. “Até então, a análise dos processos com valor superior a R$ 500 mil era feita após a publicação do procedimento licitatório no Diário Oficial do Estado. Com a mudança, cria-se a fase consultiva, ou seja, antes da publicação do edital, visando mitigar os riscos de falhas nas licitações para que, na sua fase externa (publicação do edital), o processo tenha curso regular, de forma mais célere”, pontua Adauto Barbosa Júnior, da CGE. O projeto foi encaminhado à Assembleia do estado no meio de fevereiro. Com essas medidas, o trabalho da equipe da CGE - composta por 259 pessoas, sendo 143 delas agentes de fiscalização e controles internos - é direcionado com maior eficiência. O secretário garante também que os investimentos são constantes na aquisição de equipamentos e sistemas de Tecnologia da Informação, incluindo um Sistema de Mapeamento de Risco de Corrupção. Todos os sistemas de controles são desenvolvidos internamente pela própria CGE. A consolidação da metodologia de mapeamento de riscos de corrupção nos órgãos e entidades do poder público estadual, em caráter preventivo, é aliás, um dos grandes objetivos da CGE para os próximos anos. SINAL AMARELO A movimentação da CGE é turbinada pelas altas taxas de condenações nos casos de corrupção em Goiás, que 39 LEGISLAÇÃO GOIÁS oferecem precedentes e casos concretos de indisponibilidade e bloqueio de bens, por exemplo, além de muita divulgação negativa dos casos na imprensa local. “Uma coisa é a lei sem um resultado concreto. A outra são decisões reais que mostram que ela será aplicada e que quem não se adequar estará em risco. É um início de mudança”, diz Nívea. Segundo ela, “as empresas estão temerosas e prestando muita atenção. Elas chegam a se assustar com a gravidade das penalidades que a lei prevê”, pontua. Outro aspecto que gera preocupação nas empresas é que parte importante do atrativo econômico do estado está justamente nos incentivos fiscais oferecidos às indústrias, e que podem ser anulados caso a empresa se envolva em problemas relacionados à corrupção. Por esse motivo, o epicentro da mobilização pelo compliance no estado é a cidade de Anápolis, principal PIB industrial do centro-oeste com plantas de empresas nacionais e multinacionais de grande porte como a Hypermarcas, Ambev, Friboi, Vigor, Saint-Gobain e Teuto/Pfizer. “Esse movimento está vindo de lá [Anápolis], com os maiores se preparando e os menores em cascata, tendo que se adaptar. São as grandes empresas da região que estão puxando os menores para esse tema”, explica a advogada do Berquo Brom, de Goiânia. Para ela o processo de adequação à nova realidade já começou. “As empresas não querem correr riscos. Em fevereiro, o número de atendimentos foi muito grande e esse movimento em cadeia, com empresas fortes regionais e nacionais, algumas controladas ou com participação de grandes grupos internacionais, sabem que não tem outro caminho”. Por lá, os maiores riscos são os relacionados aos processos de fiscalização por agentes públicos. Mas quem quer instituir a área de compliance e contratar um profissional para administrá-la no estado precisa ter paciência. A disponibilidade de mão de obra qualificada – um 40 ADAUTO BARBOSA, DA CGE-GO: lei estadual é mais ampla e detalhada que a federal. problema mesmo nos grandes centros – é ainda mais complicada na região central do Brasil. “Tenho empresas que me demandam profissionais para ficar em tempo integral dentro da companhia. Estamos treinando e nos preparando, mas hoje, a saída é buscar um profissional de fora do estado”, lamenta a advogada. comunicação com o órgão. Atualmente o aplicativo está disponível apenas para a plataforma Android, mas uma versão para iOS, o sistema operacional da Apple, está em desenvolvimento. O Portal da Transparência do Governo de Goiás também está sofrendo ajustes no seu layout para tornar o acesso às informações mais amigável. Na Parte importante do atrativo econômico do estado está justamente nos incentivos fiscais oferecidos às indústrias, e que podem ser anulados caso a empresa se envolva em problemas relacionados à corrupção. NA BOCA DO POVO Baseado no tripé Transparência Pública/Controle Social/Controle Interno e Correição, boa parte do planejamento estratégico da CGE para os próximos quatro anos está relacionada a projetos que facilitam o controle e, principalmente, a interação da população com o órgão. Entre os destaques, está a criação da Ouvidoria Digital, um aplicativo para celulares que facilita a LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE mesma linha está o desenvolvimento do projeto Acompanhe Cidadão, com a oferta de informações sobre o andamento das despesas públicas. Nívea de Paula confirma que a CGE vem ganhando visibilidade junto à sociedade goiana e que toda essa movimentação, incluindo desde palestras sobre o assunto até as operações de fiscalização, tem servido para informar as empresas sobre o trabalho do órgão. Nº. 09 - Março / 2015 NEWS - RH LEC Como se os problemas fossem poucos A Petrobras está envolaviões no Aeroporto Afonvida em problemas so Pena, em São José dos de todas as ordens Pinhais (PR). Em caso de até a última gota de óleo descumprimento, será codo pré-sal, incluindo sérias brada multa de R$ 5 mil questões sobre assumir ou por trabalhador em situanão algum grau de responção irregular. sabilidade com relação ao De acordo com o minispagamento de funcionários tro Cláudio Mascarenhas (muitos já demitidos) de Brandão, relator do caso, empresas que prestavam ser“a empresa atua como forABASTECIMENTO DE AERONAVE: complicações trabalhistas. viços ou tocavam obras para necedora direta de produto a empresa e que não estão e serviço de abastecimento recebendo da estatal. Mas para as empresas de aviação, como desgraça pouca é bobagem, a Sétima Turma do Tribunal tendo a função de técnico como parte da própria atividade Superior do Trabalho (TST) manteve a condenação da Petro- econômica da Petrobras Distribuidora. Não existe - ou não bras por terceirização ilegal no abastecimento de aeronaves. pode existir - triangulação, pois a relação é fornecedor-conA estatal foi acionada pelo Ministério Público do Traba- sumidor”. Brandão também ressaltou o fato de que a Pelho no Paraná (MPT-PR) pela utilização da empresa Mar- trobras mantém em seus quadros técnicos de abastecimento lim Azul Comércio de Petróleo e Derivados para abastecer atribuições idênticas às dos terceirizados. Assumindo a despesa alheia O Governo do Rio Grande do Sul terá de assumir o ta de comprovação do cumprimento de cláusulas do contrato pagamento direto de trabalhadores terceirizados nos ou apresentação de comprovantes. De acordo com o Miniscasos em que houver retenção de verbas para as tério Público, parte das empresas contratadas não tem casuas prestadoras de serviços. A decisão foi dada pela 5ª Vara pital de giro sequer para pagar a folha dos empregados em de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre após um único mês de contrato. Nestes casos, para receber os ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT) valores devidos, o trabalhador passa a depender de ações por conta de atrasos frequentes no pagamento de emprega- coletivas promovidas pelo sindicato de classe ou do ajuizados da Village Trabalhos Terceirizáveis. A empresa é respon- mento de reclamações individuais na Justiça do Trabalho. sável pelos serviços de manutenção, limpeza, copeiragem e Em outra ação, o MPT gaúcho disse que vai recorrer conservação do Palácio Piratini, da decisão para que o goversede do governo estadual. A deno seja obrigado a contratar cisão atinge todas as terceirizasomente empresas com a míções da administração pública nima capacidade financeira estadual. Em caso de descumpara arcar com o pagamento primento, o governo fica sujeito dos funcionários. Também à multa diária de R$ 10 mil por será pedido ao estado que obrigação infringida. recolha, antes do início da O procurador do Trabalho, execução do contrato, caução Ivo Eugênio Marques, explica equivalente a dois meses de que é comum o não pagamenprestação de serviços, além to de funcionários terceirizados de divulgar a sentença em quando as prestadoras de ser- REUNIÃO NO PALÁCIO DO GOVERNO, NO RS: Governo vai ter veículos de comunicação de viços têm valores retidos por fal- que analisar a condição financeira dos seus prestadores de serviços. alcance regional. www.lecnews.com.br LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 41 SETORIAL CENTRO DE DIAGNÓSTICO DO HOSPITAL ALBERT EINSTEIN, EM SÃO PAULO: os centros de atenção à saúde são negócios de alta tensão do ponto de vista dos riscos de compliance. FARMACÊUTICO Teste de potencial A aprovação da lei que permite a entrada de sócios estrangeiros nos negócios de atenção à saúde abre boas perspectivas de negócios para as empresas do setor. Mas será importante perceber o nível de maturidade do Por Benny Spiewak mercado em relação às políticas de compliance A amplitude e os impactos da corrupção na dinâmica dos negócios, sem dúvida, influenciam a percepção do investidor quanto à estabilidade e dinâmica de um mercado. Quanto maior a percepção de corrupção, menos estável, mais arriscado e menos atrativo será o investimento. A noção é clássica, validada pela Transparência Internacional e especialmente relevante na atração de investimentos estrangeiros. No Brasil, a efetividade desta premissa no setor da saúde passou a ser testada a partir do último dia 20 de janeiro, com a publicação da Lei 13.097/15. A norma, em síntese, permitirá a participação, direta ou indireta, de capital estrangeiro na assistência à saúde brasileira, inclusive por meio da aquisição do controle de empresas do setor. Em resumo, investidores estrangeiros poderão investir recursos financeiros nos centros de 42 atenção à saúde (CDS), incluindo hospitais e clínicas brasileiros. O mercado dos CDS apresenta uma dinâmica de relacionamento única e que deverá evoluir para atrair os investimentos agora permitidos pela lei. Intersecção de pacientes, profissionais da saúde, médicos, prestadores de serviços e fornecedores, os CDS concentram parte relevante da tensão própria dos aspectos de compliance e de conduta de negócios. Da visita dos propagandistas à contratação de equipamentos médicos, passando pela interação de médicos-empregados com a indústria da saúde e o desenvolvimento de pesquisas clínicas, é nos CDS que os testes de conduta mais delicados são conduzidos, especialmente aqueles relativos à gestão de conflitos de interesses. A revisão e adaptação dos manuais, políticas e práticas de conduta continuarão a ser imperativos na atração de recursos financeiros estrangeiros e especializados na área da saúde. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº. 09 - Março / 2015 NEWS – FARMA A participação dos recursos financeiros estrangeiros nos CDS pode ser extremamente positiva na medida em que acarretará eficiência, redução de perdas e melhoria de processos. Contudo, a participação ativa de interesses financeiros não poderá, de forma alguma, sublimar a autonomia absoluta do médico e demais profissionais da saúde na escolha dos rumos terapêuticos e na tomada de decisões profissionais. CDS brasileiros, atentos à tramitação longa da Lei 13.097 e, especialmente dos atos legislativos que a antecederam, se prepararam e continuam se preparando para essa realidade. No contexto destes preparativos, é importante destacar uma medida que é continuamente avaliada pelo investidor estrangeiro, qual seja a tomada de decisão. Em muitos CDS, todas as decisões são concentradas em poucos indivíduos, sem observar regras e procedimentos, o que gera conflitos. Contudo, essa realidade pode e precisa ser governada. Para isso, destaca-se a importância do desenvolvimento de células internas nos CDS, dedicadas a funções distintas e autônomas. Por exemplo, a diretoria médica e outras frentes técnicas dos CDS precisam ter absoluta autonomia no processo de seleção e incorporação de melhores práticas terapêuticas, sem interferência ou dependência de terceiros. Ainda, o relacionamento entre os integrantes destas frentes técnicas com demais integrantes da cadeia de atenção à saúde deverá ser transparente, formal e passível de acompanhamento. CDS que mantêm um núcleo único de tomada de decisões são mais propensos a concentrar interesses conflitantes. Na medida em que as decisões financeiras e outras não técnicas sejam tomadas em esfera distinta daquelas predominantemente técnicas e terapêuticas, permite-se, no mínimo, o diálogo e comparação de propostas. Essa transparência é relevante. Ainda, a autonomia dos núcleos técnicos permitirá que a decisão quanto à seleção de equipamentos, produtos e tecnologia seja baseada em critérios técnicos pré-determinados. Será fundamental que os integrantes dos núcleos técnicos pautem suas decisões nos mecanismos internos de eliminação de conflitos de interesse, que se tornarão elementos básicos na gestão dos CDS. Independentemente do número de integrantes e regras de funcionamento, os núcleos de gestão de conformidade dos CDS deverão garantir a autonomia dos médicos na tomada das decisões técnicas, bem como gerenciar eventuais pressões indevidas sobre esses indivíduos. Ao assegurar a independência dos médicos e profissionais de saúde na tomada de suas decisões, os CDS demonstrarão ao potencial investidor estrangeiro o compromisso com a prestação de serviços sem a influência de terceiros, pautada na eficiência e desenvolvimento do negócio. São esses os elementos que influenciarão o investidor estrangeiro que almeja ingressar no mercado brasileiro. Benny Spiewak é advogado especializado em Compliance para o mercado farmacêutico e sócio do ZCBS Advogados. www.lecnews.com.br LEC Multas pesadas à frente A israelense Teva Pharmaceutical, maior fabricante de medicamentos genéricos do planeta, disse em comunicado às autoridades que uma investigação interna encontrou práticas de negócios que “provavelmente” representam violação ao FCPA e a outras legislações locais em operações da Rússia, Europa Oriental e América Latina. A investigação interna da Teva começou, em 2012, depois de ter recebido da SEC e do DoJ intimações e outros pedidos de informações relacionadas a suborno estrangeiro. Em 2014, a farmacêutica já havia comunicado que estava olhando para “problemas” em uma série de países em todo o mundo que poderiam se converter em violações à lei norte-americana de prevenção à corrupção no exterior. Esse não é o único problema legal com o qual a Teva está lidando no momento. A companhia já comunicou que pode ter de pagar multas por investigações já avançadas relacionadas ao FCPA. Em outra esfera, a empresa também disse que algumas filiais em países abarcados pelo inquérito forneceram às autoridades locais informações imprecisas ou alteradas sobre as práticas de marketing e promoção de medicamentos da empresa. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE 43 LEC NEWS – PLD PARQUE GUELL, EM BARCELONA: a Espanha avançou no combate à lavagem de dinheiro. Avanços em meio à crise A inda que se mantenha no furacão da crise econômica europeia, a Espanha conseguiu criar um sistema forte de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, mesmo que ainda se façam necessárias melhorias em certas áreas-chave . Ao menos é o que diz um novo relatório sobre o país europeu elaborado pelo Grupo de Ação Financeira da OCDE (GAFI), órgão mundial responsável por estabelecer e acompanhar as normas internacionais sobre a luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Na sua mais recente avaliação, apresentada no final de 2014, o GAFI aponta que a Espanha enfrenta uma série de riscos de lavagem de dinheiro, incluindo crime organizado e tráfico de drogas, bem como as atuais ameaças de terrorismo e o seu financiamento. O GAFI confirmou que os espanhóis possuem leis e regulamentos atualizados e instituições sólidas para combater essas ameaças. Em particular, o país dispõe de uma unidade de inteligência financeira forte, o que tem permitido sucessos significativos na investigação e repressão aos crimes de colarinho branco. Por outro lado, as penas de prisão impostas foram consideradas baixas, disse o relatório. E o GAFI também afirmou que persistem lacunas na implementação das sanções financeiras específicas para permitir o congelamento de bens relacionados ao terrorismo. As medidas de combate à lavagem de dinheiro praticadas pelos bancos são CLIENTES EM FEIRA DE RELOJOARIA, NA SUÍÇA: mais rigor nas transações feitas em dinheiro vivo na União Europeia. Fiscalização mais dura A s empresas na União Europeia precisarão se preparar para enfrentar regras mais rígidas de prevenção à lavagem de dinheiro nos próximos anos. O Conselho da União Europeia aprovou uma revisão das regras de PLD para os países membros do bloco que 44 irá abranger um maior número de transações. No novo modelo, o corte para a comunicação obrigatória de pagamentos em dinheiro cai de 15 mil euros para 10 mil euros, o que afeta uma parcela mais ampla do comércio de bens de consumo. Pela nova diretiva, as empresas preci- fortes, especialmente o sistema criado para evitar o uso indevido de empresas. Contudo, a aplicação em outros setores é variável. O presidente do GAFI, Roger Wilkins, disse que a Espanha merece os parabéns pelos progressos realizados desde a sua avaliação de 2006. “O governo espanhol tem feito grandes esforços para atualizar suas leis e instituições a fim de lidar com o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Essa avaliação do GAFI reconhece que, em geral, a sua abordagem está funcionando. Mas, claro, há sempre mais a fazer, e o GAFI sublinhou uma série de ações prioritárias para a Espanha tomar”. sarão adotar uma abordagem baseada no risco, a fim de melhorar os seus esforços de fiscalização. Os bancos e outras entidades obrigadas precisarão realizar investigações em casos onde riscos percebidos são maiores. Em compensação, nos casos tidos como de baixo risco pelas novas regras, poderá ser adotado um processo de due diligence simplificado. Já os prestadores de serviços de apostas – atividade legal em boa parte do continente – precisarão realizar diligência para transações superiores a dois mil euros. As novas regras estipulam multas de, pelo menos, o dobro do valor dos ganhos resultante de uma violação de conformidade até o limite de um milhão de euros. Para as instituições financeiras, as multas para quem falhar com as diligências podem alcançar os cinco milhões de euros. Os Estados-Membros terão dois anos para implementar as novas regras de PLD. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Nº 09 - Março / 2015 ANGEL GURRÍA, DA OCDE E O SECRETÁRIO DO TESOURO DA AUSTRÁLIA, JOE HOCKEY: busca por mais transparência fiscal entre os países. Harmonização global O s países membros da OCDE e do G20 – o grupo das 20 maiores economias do planeta - acordaram três elementos-chave que permitirão a implementação de um projeto destinado a mitigar a erosão da base de contribuintes e a transferência de lucros por multinacionais (BEPS). Por meio do acordo será criado um mandato para iniciar negociações sobre um instrumento multilateral para agilizar a implementação de impostos relacionada às medidas do tratado BEPS; um pacote de implementação com inquirição país a país em 2016 e um mecanismo de intercâmbio governo a governo, com início previsto para 2017. Além da definição de critérios para avaliar se os regimes de tratamento preferencial para a propriedade intelectual (patentes) são prejudiciais ou não. “Estes são passos importantes que demonstram que o progresso está sendo feito em direção a um sistema fiscal internacional mais justo”, disse o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría. “Estas decisões sinalizam o compromisso inabalável da comunidade internacional para pôr fim à erosão da base e transferência de lucros em linha com o cronowww.lecnews.com.br grama ambicioso aprovado pelos líderes do G20”, completou o dirigente. O Plano de Ação BEPS G20-OCDE define 15 elementos-chave de regras tributárias internacionais a serem apresentados no final deste ano. O projeto tem como objetivo ajudar os governos a proteger suas bases fiscais e oferecer maior segurança e previsibilidade para os contribuintes, bem como proteger as empresas multinacionais contra novas regras tributárias domésticas, que incluem dupla tributação, encargos de conformidade indevidos ou restrições às atividades transnacionais legítimas. Sete dos 15 elementos já foram apresentados aos líderes do G20 durante o encontro do grupo na cidade de Brisbane, Austrália, em novembro de 2014. Os outros oito elementos restantes devem ser mostrados em Antalya, na Turquia, em novembro de 2015. Um desafio para a implementação do Plano de Ação BEPS diz respeito aos tratados fiscais bilaterais atualmente em vigor. São mais de três mil em todo o mundo. Apesar dos transtornos iniciais, o grupo acredita que um novo instrumento multilateral irá oferecer aos países uma única ferramenta para atualizar suas redes de tratados fiscais de uma forma rápida e consistente. LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Outro objetivo fundamental do projeto é aumentar a transparência utilizando melhores padrões de documentação de preços de transferência, nomeadamente com a aplicação de um modelo de país a país, relatando que as multinacionais deverão dotar as administrações fiscais com informações sobre receitas, lucros, impostos vencidos e pagos, juntamente com alguns indicadores de atividade. Empresas transnacionais com vendas superiores a 750 milhões de euros em seu mercado local vão precisar fornecer estas informações já em 2016. Se tudo der certo, a administração fiscal vai começar trocando os primeiros relatos país por país em 2017. Alguns países têm enfatizado a necessidade de proteger a confidencialidade das informações fiscais. A orientação confirma que o método para o compartilhamento desses relatórios entre as administrações fiscais se dá por meio da troca automática de informações nos termos dos mecanismos de governo a governo, como os tratados fiscais bilaterais, a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal, ou os Tax Information Exchange Agreement (TIEAS). Em casos excepcionais, métodos secundários, poderão ser utilizados. 45 PLD GESTÃO Exposição de risco A atuação junto a setores não obrigados, mas expostos aos riscos da lavagem de dinheiro, deve levar mais empresas a enxergar as políticas de PLD com olhos mais atentos no médio e no longo prazo U ma tendência cada vez mais comum entre os órgãos de controle em todo o mundo é o de transferir uma responsabilidade que sempre foi dos Estados para a iniciativa privada: o poder de fiscalizar. E para garantir que essa fiscalização seja efetiva da parte das empresas, os governos – em suas diferentes esferas - contam com um poder que é privativo deles: o de criar leis, normas e regulamentos que determinam a responsabilidade legal dos agentes privados de fazer o processo fiscalizatório. Caso a empresa não o faça, ou o faça de qualquer maneira, o Estado pode entender que ela também é responsável pelo crime. “Em termos jurídicos, isso é chamado de responsabilidade penal por omissão. Você deixa de fazer alguma coisa que era esperada que você fizesse e por isso pode responder pelo mesmo crime”, explica João Daniel Rassi, sócio do escritório Siqueira Castro, de São Paulo. 46 A responsabilidade de fiscalizar certos aspectos dos negócios de parceiros, sejam eles fornecedores ou clientes, não é uma novidade para os profissionais de compliance. Empresas de grande porte já a assumiram há algum tempo e realizam análises e verificações amplas, due diligence e auditorias sob diversos aspectos, e muitas mantêm programas de qualificação. Além da obrigação legal, esses procedimentos ajudam as companhias a mitigar eventuais danos operacionais e reputacionais, caso um desses parceiros seja alvo de uma acusação de corrupção ou de crimes ambientais, por exemplo. No caso das políticas de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD), os bancos são os grandes “parceiros” dos governos na fiscalização. Por isso, instituições financeiras investem bilhões de dólares todos os anos para manter e ampliar os seus programas de prevenção, melhorando, principalmente, os processos de Know your Customer (Conheça o seu LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE Cliente). Para os bancos, a responsabilidade pela fiscalização e por informar situações de risco envolvendo lavagem às autoridades está sob o império da lei e determinado que eles têm obrigação legal de fazê-lo. O mesmo vale para agentes de outros setores obrigados (pelo COAF, no caso do Brasil) como lojas de artigos de luxo, corretores de imóveis e concessionárias de automóveis que têm a obrigação de comunicar certos tipos de transações que podem ser consideradas suspeitas. Mas se existe algo que, nesse momento, parece ser tão certo quanto a morte é que no médio e no longo prazo a responsabilidade de fiscalizar e conter a lavagem de dinheiro se expanda para outros mercados, obrigando empresas de novos segmentos a olhar com mais atenção para os programas de PLD, principalmente para as políticas de Conheça o seu Cliente. “Os reguladores estão olhando a cadeia com uma abordagem ‘siga o dinheiro’”, disse Micah Nº. 09 - Março / 2015 POSTO DE GASOLINA BANDEIRA BRANCA: no médio e longo prazo, é provável que os distribuidores tenham mais responsabilidade na prevenção à lavagem de dinheiro no setor. apreensão, as autoridades foram para cima de empresas suspeitas de lavagem de dinheiro. Os investigadores encontraram evidências de que muitas empresas aceitaram rotineiramente grandes quantias de dinheiro provenientes de organizações de tráfico de drogas com base no México e na Colômbia. Los Angeles, que se tornou o epicentro para a lavagem do dinheiro da venda de narcóticos e do comércio atacadista de moda – setor que negocia grandes volumes com o México -, tem sido utilizada para converter os lucros do crime organizado em mercadorias que podem ser exportadas para o México e vendidas em pesos. As investigações atingiram cerca de metade dos quatro mil estabelecimentos que operam no Fashion District. E nesse meio, é bem provável que parte substancial deles financiou a lavagem de dinheiro de drogas sem o menor conhecimento. NEGÓCIOS MAIS EXPOSTOS Willbrand, diretor global de produtos de PLD da Nice Actimize, em entrevista publicada no AML Compliance: 2015 Update, um estudo publicado pela revista norte-americana Compliance Week e pela consultoria KPMG. Para ele, como o sistema bancário tradicional fez um bom trabalho ao implementar os controles de PLD e mantém os sistemas e controles internos em ordem, os reguladores vão começar a olhar para os pontos mais fracos do sistema financeiro, que cada vez mais conta com a presença de empresas que em nada se parecem com um banco tradicional. Apple e Facebook, por exemplo, fazem transações em dinheiro. Grandes varejistas se converteram em operadores financeiros, recebendo depósitos e fazendo remessas de dinheiro para o exterior. Muitas empresas não financeiras operam seus próprios bancos, ou seja, existe uma miríade de novos negócios que já está sob o olhar mais próximo dos reguladores. Mas o impacto da tendência da res- www.lecnews.com.br ponsabilidade penal por omissão não deve se restringir aos novos negócios que, de algum modo, se assemelham com certas atividades realizadas por instituições financeiras clássicas. Na verdade, ela pode alcançar setores da economia que hoje não fazem a menor ideia dos riscos relacionados com a lavagem de dinheiro nos seus negócios. Em setembro de 2014, mais de 1.000 autoridades policiais dos governos federal, estadual e municipal fizeram uma grande investida contra o ‘Fashion District’, em Los Angeles, nos Estados Unidos – uma região da cidade que reúne milhares de varejistas e atacadistas independentes do ramo da moda - em uma área de cerca de 100 quarteirões. Guardadas as proporções, a região tem uma dinâmica parecida com a de bairros como o Bom Retiro e o Brás, na capital paulista. Ou seja, em nada se assemelham ao que pode ser considerado como varejo de artigos de luxo, por exemplo. Munidos de mandados de busca e LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE O caso de Los Angeles é apenas um exemplo de como o crime organizado está sempre renovando o seu arsenal de ações para branquear o dinheiro proveniente de atividades ilegais valendo-se, muitas vezes, de negócios legítimos operados por terceiros sem conexão ou conhecimento dos criminosos. Isso, somado à tendência dos governos de transferir as responsabilidades de fiscalização para a iniciativa privada, impõe a empresas que operam em diversos segmentos do mercado novos desafios. E aqui não estamos falando das instituições, empresas e profissionais já obrigados a reportar informações para o COAF, aqui no Brasil, ou para os órgãos equivalentes em outros países. Esses são setores, que de um jeito ou de outro, já estão sob a égide da lei e, por isso mesmo, estão conscientes da necessidade de estruturar as práticas de PLD. O que tende a acontecer daqui para frente é um movimento pelo qual as cadeias de negócios envolvidas em segmentos expostos – mas ainda não obrigados - serão olhadas mais de perto. E 47 PLD GESTÃO nesses casos a responsabilidade de fiscalizar pode cair sobre o elo mais forte da cadeia. Pequenos varejos e atacados de moda, salões de beleza, postos de gasolina, consultoras de venda direta, lavanderias, lava-jatos etc., em geral, são todos pequenos negócios quase sempre no setor de serviços cuja contabilidade pode ser manipulada de maneira mais fácil. São atividades difíceis de controlar, que ainda operam muito com pagamentos em dinheiro ou cheque, o que facilita essa contabilidade criativa. “Os restaurantes, por exemplo, que já foram um negócio mais utilizado para lavagem, hoje estão menos expostos porque quase todos os pagamentos são feitos com cartões de débito e crédito, o que dificulta fraudar a contabilidade”, diz Nicole Dyskant, sócia da ACA Compliance Group, no Brasil. Ao operar uma pequena rede infor- tegração da receita ao negócio, já que, ao contrário das operações com cartões, a Receita Federal não tem como fazer os cruzamentos automaticamente. Dos 40 mil postos de gasolina em operação no Brasil, 40% deles são chamados de bandeira branca, ou seja, são independentes e não operam sob as bandeiras tradicionais do mercado, como Petrobras, Ipiranga ou Ale. Por serem independentes, eles compram combustível do fornecedor que melhor lhes convir. Segundo a ANP – agência reguladora do setor de petróleo -, existem 205 distribuidores de combustíveis líquidos. Está claro quem é o elo mais forte para fiscalizar a cadeia? Sim, é muito mais fácil o governo exigir que 200 empresas – em sua maioria de grande e médio porte - assumam a responsabilidade de realizar a avaliação dos seus clientes e instituir mecanismos preventivos para comunicar opera- Ao operar uma pequena rede informal de salões de beleza ou de lojinhas de bairro, ou usar como laranjas revendedoras de empresas de venda direta, organizações criminosas podem lavar um volume razoável de recursos sem chamar a atenção das autoridades. mal de salões de beleza ou de lojinhas de bairro, ou usar como laranjas revendedoras de empresas de venda direta, organizações criminosas podem lavar um volume razoável de recursos sem chamar a atenção das autoridades. Nesses casos, quando o governo resolver fechar o cerco contra a lavagem de dinheiro nessas cadeias produtivas, é natural que ele vá para cima dos fornecedores desses pequenos negócios. E aí, a coisa muda de figura. Postos de gasolina recebem muito dinheiro em espécie, o que facilita a in48 ções pagas em dinheiro vivo, checar se o volume e a frequência com que um determinado posto compra combustível encontram respaldo na realidade do mercado e da região onde este opera e até realizar eventuais diligências locais, que permitam uma verificação real das atividades do posto. Parece muita responsabilidade adicional para uma operação criada para distribuir combustível? E é mesmo. Atualmente, o ponto central será ver nos tribunais até onde vai a responsabiLEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE NICOLE, DA ACA COMPLIANCE: maior interesse das empresas para estar dentro da lei também gera atenção para os procedimentos de PLD. lidade por omissão nesses casos. Mas, dado o histórico recente, é plausível que essa responsabilidade seja legalmente transferida para as empresas no médio e no longo prazo. Por isso, empresas que forneçam produtos para segmentos expostos precisam começar a pensar em mecanismos para prevenir que os seus negócios não sejam utilizados para fins escusos. E, caso isso aconteça, que se possa provar aos reguladores que você, ao menos, adotou os procedimentos necessários para tentar mitigá-los. Antes até do aspecto legal, essa precaução também é importante para a reputação da empresa. O segmento de salões de beleza, outro que pode ser enquadrado como exposto, é formado por grandes corporações globais, como a francesa L´Oréal, a norte-americana P&G e a alemã Henkel, e também por pequenas indústrias locais. Para todas elas, a confiabilidade da marca é um valor fundamental. Sem nenhum mecaNº. 09 - Março / 2015 NOVOS RISCOS PARA O NEGÓCIO: empresas de serviço, como os salões de beleza, que movimentam uma boa parcela de negócios em dinheiro vivo, e por isso podem ter sua contabilidade mais facilmente alterada, oferecem novos riscos para as indústrias que vendem para esses negócios. nismo de prevenção, a empresa pode se ver de uma hora para outra como uma financiadora indireta do tráfico de drogas. Ter que dar explicações sobre isso, independentemente de não ter feito nada de errado, certamente não é uma boa publicidade para a marca. As empresas têm de se preocupar, portanto, com uma eventual acusação de conivência ou omissão. De volta aos aspectos legais, ainda que não haja uma lei expressa que exija que empresas operem em setores não obrigados pelo COAF, existem artigos na legislação pelos quais a companhia pode ser responsabilizada caso surjam indícios concretos de que o produto ou serviço vendido não seria utilizado para tal finalidade, mas sim como fachada. “A empresa dificilmente vai ser acusada de lavagem de dinheiro, porque ela não tem essa obrigação legal. Porém, pode ser acusada de ter sido conivente”, ressalta Nicole. Rassi, do Siqueira Castro, cita um www.lecnews.com.br exemplo de um negócio que não é obrigado, mas mesmo assim, está sendo levado a julgamento por omissão. “Uma empresa de software de médio porte foi procurada por uma empresa de representação comercial do sul do país que queria que fosse desenvolvido um sistema comercial com recursos que permitissem a construção e a gestão de um caixa dois pelo sistema. Claro que o pedido não foi tão explícito, mas a empresa que vendeu o software tinha elementos para saber que aquilo era caixa dois. A lei não a obrigava a contar. No entanto, numa situação concreta, se ficar demonstrado que existiam elementos ou indícios de que um crime ia ser praticado, poderá haver a implicação”. “Em última instância, seria preciso ir até lá conferir, mas existe um limite. Essa é uma obrigação que nem o Estado faz. E se pedir informação fiscal, o cliente não tem a obrigação de passar. A empresa vai ter de se certificar de outras formas, olhar para os indícios, diante de LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE certos indícios . Se a quantidade de produtos vendidos para um salão pequeno é a mesma que de um salão grande, isso é um indício que a empresa vai ter de checar. O número de indícios que geram red flags de PLD vai subir. Para a executiva, as empresas estão muito preocupadas com procedimentos de diligência em terceiros e também com corrupção. Porém, com relação à lavagem de dinheiro, ela percebe um interesse mais indireto. “As companhias querem estar com os procedimentos redondos, para não serem envolvidas em nenhum tipo de escândalo, e aí entra também lavagem de dinheiro”, complementa. A verdade é que cada negócio vai precisar encontrar seus próprios critérios. E ter clareza sobre eles será importante. Como lembra Micah Willbrand, “os reguladores raramente multam por uma simples transação. Eles multam porque os processos não funcionam adequadamente ou porque você não tinha nenhum processo”, conclui. 49 PILARES DO COMPLIANCE DANIEL SIBILLE A atuação do profissional de compliance Por: Daniel Sibille (Latin America Compliance Counsel na Oracle) Encontrar soluções para viabilizar negócios com menos risco e não negá-los. Essa é a essência do trabalho de um compliance officer N a mais recente aula sobre risk assessment, proferida durante o já tradicional Curso Preparatório de Compliance da LEC, eu e os outros instrutores do curso apresentamos aos alunos uma situação concreta, na qual existia um risco importante para a operação. Pedimos aos alunos que mapeassem os riscos e, a partir daí, trouxessem soluções para o problema. Pois bem, diante das respostas apresentadas pelo grupo, surgiu uma importante reflexão: qual é o limite de atuação do profissional de compliance? O papel do compliance, em minha opinião, vai muito além do profissional que até pouco tempo se caracterizava por ser uma barreira para os negócios. Hoje em dia, o que se vê na maioria das grandes corporações, que investem para ter um programa robusto de compliance, com recursos e autonomia para o trabalho, é que o papel do profissional transborda os limites de funções tradicionais da área como as aprovações de cortesias comerciais, eventos de marketing e catalogação de treinamentos. Sim, essas funções são importantes, mas o compliance moderno exige do profissional um conhecimento multidisciplinar e pró-negócios. A dinâmica atual do mundo dos negócios requer que esse profissional tenha condições de avaliar o risco das transações 50 não apenas pela ótica legal, mas também considerando uma análise de aspectos de auditoria, questões trabalhistas e previdenciárias, anticorrupção e, sobretudo, dos riscos do negócio em si. Voltando à sala de aula, uma parte dos alunos defendeu que a existência de riscos inviabilizaria a operação. Entretanto, a grande maioria defendeu que a solução do problema seria a criação de LEC - LEGAL, ETHICS, COMPLIANCE ferramentas de controle capazes de avaliar os players envolvidos, os riscos do país e do negócio em questão, garantindo o entendimento da situação e um nível de controle suficientemente adequado a ela. É exatamente essa a atitude que se espera do profissional de compliance moderno. Nessa profissão, como bem diz o meu amigo e também instrutor do curso, Fernando Palma (diretor executivo de Compliance Corporativo da EY), não existem decisões fáceis, e é dessa forma que deveremos costurar a nossa análise de risco, levando em consideração os fatores extrínsecos e intrínsecos de cada negócio, e encontrando soluções apropriadas (quando possíveis) para cada um deles. Como sugestão, fica a dica de que, na grande maioria dos casos, é indispensável conduzir um risk assessment estruturado, com uma extensa due diligence anticorrupção, análise documental e entrevistas com todas as áreas envolvidas. A partir daí será possível estabelecer os riscos e mitigá-los com ferramentas contratuais apropriadas, cláusulas de auditoria e de saída, gerando um maior conforto para a situação. “As opiniões desse artigo referem-se exclusivamente ao ponto de vista do autor” Nº. 09 - Março / 2015 Anúncio_Assinatura_Setembro_CC.indd 1 18/08/14 10:44