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6. PAPEL DA ENDOSCOPIA NA OBESIDADE MÓRBIDA
Luiz Cláudio Miranda da Rocha
Assistente do Serviço de Endoscopia do Hospital Mater Dei – Belo Horizonte e do
Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais.
Especialista em Endoscopia Digestiva e Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Endoscopia Digestiva.
Rua Felipe dos Santos 228/901 Lourdes Belo Horizonte Cep 30180160
3223-5386 e 9981-7324
Geraldo Ferreira Lima Júnior
Coordenador do Serviço de Endoscopia Digestiva do Hospital Mater-Dei – Belo Horizonte
Especialista em Endoscopia Digestiva e Membro Titular da Sociedade Brasileira de
Endoscopia Digestiva
6. PAPEL DA ENDOSCOPIA NA OBESIDADE MÓRBIDA
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LUIZ CLAUDIO MIRANDA DA
ROCHA
GERALDO FERREIRA LIMA JÚNIOR
INTRODUÇÃO
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A obesidade é o problema de saúde mais comum nos Estados Unidos atingindo 25 a 30%
da população adulta. A prevalência de pacientes obesos tem aumentado tanto em países
desenvolvidos, quanto naqueles em desenvolvimento17 . No Brasil, a prevalência da
obesidade aumentou consideravelmente nos últimos anos, especialmente entre as mulheres.
O índice de massa corporal (IMC) é calculado por uma relação entre peso (p) e altura (a),
ou seja IMC=p/a2. A partir de determinado valor de IMC, há um aumento na incidência de
condições
que ameaçam a saúde, guardando relação direta com o este índice24. A
obesidade leva ainda a desordens psicológicas, estigmatização e descriminação, sendo uma
importante causa de morte previnível, gastando parte considerável do orçamento da saúde,
representando dessa forma sério problema de saúde pública2,61.
O tratamento da obesidade é multi-disciplinar. As terapias conservadoras baseadas em
mudanças dietéticas e comportamentais, coadjuvadas por medicamentos, são difíceis de
serem introduzidas e mantidas. Embora se possa obter alguma resposta inicial, os
resultados não são satisfatórios em longo prazo40 . O tratamento cirúrgico tem sido
realizado há 50 anos. É considerado por alguns como único método comprovadamente
eficaz na perda de peso e manutenção desta perda em longo prazo29 . Historicamente, a
cirurgia na obesidade mórbida começou com a derivação intestinal, evoluindo para a
restrição do reservatório gástrico. Estes procedimentos foram testados e aprimorados nos
últimos anos e atualmente existem várias técnicas de gastroplastia, bypass gástrico e
enteral e bandagem gástrica realizadas por laparotomia ou laparoscopia12,61. A endoscopia
digestiva alta tem papel fundamental no tratamento dos pacientes obesos.
No pré-
operatório o exame será realizado para o diagnóstico de alterações que contra-indiquem ou
impeçam o procedimento cirúrgico ou imponham um tratamento prévio. No per-operatório
a endoscopia poderá ser utilizada para auxílio da cirurgia laparoscópica. O exame
endoscópico no pós-operatório da obesidade tem indicações bem definidas para avaliação
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de sintomas, diagnóstico de complicações da cirurgia e eventualmente para
procedimentos terapêuticos11. Por fim a endoscopia poderá atuar diretamente no tratamento
da obesidade, com a colocação do balão intragástrico, que representa uma terapêutica
restritiva, reversível e passível de repetição65 .
ENDOSCOPIA NO PRÉ-OPERATÓRIO
A endoscopia digestiva alta é indispensável como exame pré-operatório da cirurgia
bariátrica, independente da presença de queixas ou sintomas relacionados a doenças do
trato digestivo superior11,26. A sua realização sistemática é particularmente importante,
sobretudo nas técnicas em que segmentos do trato digestivo serão excluídos58. O exame
endoscópico no paciente obeso deve ser realizado dentro da rotina do serviço de
endoscopia, obedecendo todas as regras de preparo, sedação e monitorização. Deve-se
proceder a exame minucioso de todos os segmentos do tubo digestivo superior, bem como
coleta de material para histologia e pesquisa do H. pylori53. Eventualmente o exame poderá
ser realizado sem sedação ou com sedação assistida por anestesiologista.
A relação entre obesidade e doença do refluxo gastro-esofágico é controversa. É
geralmente aceito que a obesidade é um fator importante na patogênese do refluxo ao
manter cronicamente um aumento da pressão intra-abdominal. A incidência desta doença
atingiria 25 a 30% dos pacientes obesos16,67. No entanto, esta associação não é aceita por
alguns autores que a demonstraram entre 15 e 17%31,35 , valores que não excederiam a
incidência na população geral28. De um modo geral, os pacientes poderão ser tratados
clinicamente antes da cirurgia da obesidade. A presença de esofagite erosiva ou ulcerada
não contra-indica a realização do procedimento de desvio gástrico. Alguns autores
recomendam não utilizar o anel no desvio gástrico se o paciente tem esofagite erosiva
grave ou ulcerada12. No caso da banda gástrica, a presença de hérnia hiatal de médio a
grande tamanho é um fator relacionado à dilatação tardia da bolsa5.
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Pacientes com gastrite crônica ativa e úlcera gástrica ou duodenal, H. pylori positivo, em
preparo para cirurgia, devem receber tratamento medicamentoso58. Existe dúvida quanto
aos pacientes com gastrite crônica e H. pylori positivo, assintomáticos, embora todos os
pacientes estejam sendo tratados, levando em consideração a associação da infecção com o
carcinoma e o linfoma do estômago, especialmente na técnica de exclusão do
estômago53,66. Somando-se a isso um grupo demonstrou que o tratamento do H. pylori no
pré-operatório diminuiu a incidência de úlcera marginal na cirurgia de Capella de 6,8 para
2,4%58. Na presença de doenças neoplásicas ou de lesões pré-malignas o tratamento será
redirecionado.
Entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002 nós realizamos endoscopia digestiva em 920
pacientes obesos, candidatos ao tratamento cirúrgico. Houve predomínio absoluto do sexo
feminino - 73% dos casos. A idade variou entre 18 e 71 anos com média de 38. O índice de
massa corporal foi em média de 45,2, sendo o mínimo de 37,2 e o máximo de 66,7.
Analisando retrospectivamente os achados endoscópicos e histológicos destes pacientes,
encontramos normalidade em 23,5% dos casos. Considerando as esofagites com solução de
continuidade a incidência foi de 21%. Cerca de 58% dos pacientes apresentavam algum
grau de gastrite e em pouco mais da metade (51%) havia infecção pelo H. pylori. Os outros
diagnósticos foram de doença ulcerosa péptica em 11%, pólipos gástricos em 5%, epitélio
de Barrett em 2% e em 6 pacientes (0,6%) foi feito diagnóstico de câncer gástrico.
ENDOSCOPIA NO PER-OPERATÓRIO
Em meados da década de 1990, a introdução da laparoscopia na cirurgia bariátrica trouxe
as mesmas vantagens observadas na cirurgia geral. No início da experiência os cirurgiões
tiveram dificuldades com o tamanho da bolsa e o posicionamento correto do anel e da
banda46. A endoscopia per-operatória foi então utilizada, especialmente no procedimento
de Capella e na colocação da banda gástrica, no sentido de supervisionar o posicionamento
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do anel, da banda, para medir a bolsa e para realização de manobras para diagnóstico de
fístulas11. Com o desenvolvimento e a experiência na técnica laparoscópica a endoscopia
tem sido cada vez menos usada com esses objetivos11,46. A anastomose gastro-jejunal, na
cirurgia de Capella por laparoscopia, pode ser realizada em conjunto com a endoscopia que
auxiliaria na passagem do grampeador pela cavidade oral e sua colocação na bolsa
gástrica68. A endoscopia pode auxiliar também na colocação laparoscópica do marco passo
gástrico ao monitorar o posicionamento e monitorar e certificar de que os pontos não
atingem a cavidade gástrica26.
ENDOSCOPIA NO PÓS-OPERATÓRIO
Para que o exame endoscópico contribua no diagnóstico e tratamento das complicações da
cirurgia da obesidade, é necessário o adequado conhecimento dos aspectos anatômicos
resultantes das técnicas cirúrgicas empregadas.
Aspectos endoscópicos da cirurgia de Capella
No momento, predomina no nosso meio a técnica de Capella10 em que o estômago é
grampeado e seccionado formando um pequeno reservatório junto à cárdia, chamado de
bolsa gástrica ou neocâmara. Todo o restante do estômago, assim como o duodeno e
grande parte do jejuno proximal ficam excluídos do trânsito alimentar. Este é reconstituído
com uma anastomose término-lateral entre a bolsa gástrica e uma alça exclusa em Y de
Roux. À endoscopia (foto 6.1), a bolsa gástrica inicia-se logo abaixo da transição esôfagogástrica. Tem aspecto tubuliforme e mede entre 5 e 7 cm de extensão. Às vezes é possível
notar a linha de sutura da secção gástrica. Um anel de material sintético é colocado
externamente à bolsa, para limitar o seu esvaziamento e, ao exame endoscópico, é visto
como uma impressão anelar de 12 mm na parte mais distal da bolsa. Logo abaixo do anel,
observa-se a anastomose gastrojejunal que tem diâmetro aproximado de 12 - 14 mm. A
alça aferente é curta, termina em fundo cego, tem ângulo agudo e esta imbricada na linha
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de sutura da bolsa gástrica - modificação proposta por Fobi22 . A alça eferente é longa e
fica disposta quase no mesmo eixo da bolsa. O endoscopista deve dar atenção à mucosa
esofágica, ao tamanho e integridade da bolsa gástrica, especialmente na linha de sutura, ao
posicionamento e calibre do anel, ao aspecto da anastomose e à mucosa jejunal proximal.
ENTRA Fig 6.1
Aspectos endoscópicos da banda gástrica de silicone
Utilizando-se de experiência anterior com anéis e bandas colocados por laparotomia,
iniciou-se em meados da década de 1990, a colocação laparoscópica da banda gástrica de
silicone logo abaixo da transição esôfago-gástrica5. Método puramente restritivo, ajustável,
removível e que não exclui o estômago. Endoscopicamente, logo após a entrada do
aparelho no estômago, nota-se uma impressão anelar na mucosa gástrica, cerca de 5 cm
após a linha zeta, que leva a formação de uma pequena bolsa. Em retrovisão, percebe-se a
impressão anelar envolvendo de forma uniforme toda a circunferência, lembrando a
imagem de uma fundoplicatura hiatal completa. No exame endoscópico, direcionado à
cirurgia, descreve-se a mucosa esofágica, o tamanho da bolsa, o posicionamento da banda
e o aspecto e a integridade da mucosa neste ponto.
Aspectos endoscópicos da cirurgia de Scopinaro
A outra técnica utilizada em nosso meio é o desvio bílio-pancreático, descrito por
Scopinaro12, em que o estômago é compartimentado ou mais comumente o antro é
ressecado e o trânsito reconstituído em longo Y de Roux, com alça eferente longa.
Endoscopicamente, observa-se um coto gástrico de médio a grande tamanho e uma
anastomose gastro-ileal término-lateral.
ENDOSCOPIA NO PÓS-OPERATÓRIO DA CIRURGIA DE CAPELLA
Indicações
O exame endoscópico na cirurgia de Capella tem indicações bem definidas e algumas
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particularidades que serão aqui abordadas.
No pós-operatório imediato, deverá ser realizado com cuidado e mínima insuflação de ar
embora raramente haja complicações11. Nos primeiros dias de pós-operatório, o exame será
evitado na medida do possível pois a avaliação estará prejudicada pelo edema e
friabilidade especialmente na área do anel e anastomose. A sua realização poderá ser
imperiosa na presença de hemorragia, exteriorizada com hematêmese ou melena. O
sangramento poderá ter origem na linha de sutura da bolsa gástrica ou na anastomose
gastro-jejunal, com possibilidade de hemostasia endoscópica61 . Contudo, o sangramento
poderá ocorrer na anastomose entero-entérica, em outro ponto do intestino delgado ou do
cólon ou, mesmo, no estômago excluído.
O posicionamento de uma sonda naso-entérica na alça eferente por via endoscópica será
necessário nos casos de fístula ou mesmo em pacientes com complicações graves da
cirurgia.
No pós-operatório tardio, a endoscopia pode ser realizada, na ausência de sintomas, para
avaliação da cirurgia que servirá como parâmetro para eventuais exames posteriores e para
certificação e avaliação da técnica cirúrgica25. Esta indicação é questionada por outros
levando em consideração o custo-benefício58.
Náuseas e vômitos são queixas freqüentes nas primeiras semanas de pós-operatório e não
fundamenta, por si só, indicação de exame endoscópico. De um modo geral, existe
tendência de melhora dos vômitos entre 1 e 6 meses até que cerca de 75% dos pacientes
não vão mais vomitar ou o farão esporadicamente49. É importante a caracterização do
vômito quanto ao aspecto, se claro tipo saliva ou de resíduos de alimentos, quanto a sua
freqüência, se constante ou apenas pós-alimentar, quanto ao número de episódios, sua
associação com sialorréia, disfagia ou dor e sua correlação com o tempo de cirurgia. A
endoscopia será indicada levando em consideração estes fatores, para que, por um lado se
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evite exames desnecessários e por outro se faça diagnósticos como de estenose do anel ou
da anastomose e mesmo de impactação de bolo de alimentos.
A perda de peso é maior nos primeiros 6 meses e diminui após este período. Espera-se que
ocorra de forma mais leve e constante até 12-15 meses, atingindo até 45% do peso
inicial12. Alguns pacientes podem recuperar de 5 a 10% do peso perdido após 2 a 4 anos de
cirurgia, o que é aceitável e não raro. Na perda de peso insuficiente ou exagerada e se
houver recuperação de peso perdido a endoscopia estará indicada. Na perda insuficiente,
poder-se-á fazer o diagnóstico de fístulas entre a bolsa gástrica e a alça imbricada (gastrojejunal) ou mais raramente entre a bolsa e o estômago (gastro-gástrica) e de erosão parcial
ou total do anel. O tamanho das bolsas poderá ser avaliado – bolsas de grande tamanho
estão correlacionadas com insuficiente perda de peso. Na perda exagerada os achados
poderão ser deslizamento do anel, úlceras e estenose do anel ou da anastomose11,26.
Um grupo de pacientes queixará predominantemente de dor epigástrica. Nestes casos os
achados endoscópicos serão predominantemente de úlceras de anastomose ou de úlceras e
erosões na mucosa intestinal adjacente a anastomose e mais raramente de erosão parcial do
anel. Um sub-grupo de pacientes apresentará sintomas dispépticos persistentes e a
avaliação endoscópica será normal. Recomenda-se, nesses casos, biopsias da mucosa
intestinal e da bolsa gástrica para diagnóstico de enterites ou infecção pelo H. pylori11. Até
o momento, é duvidoso se o tratamento da bactéria nestes pacientes poderá resolver os
sintomas53. Deve ser afastada também a possibilidade de gastrite aguda da bolsa que ocorre
raramente e esta relacionada à ingestão de ácido acetil-salicílico, antiinflamatórios não
hormonais, uso de álcool e outras drogas25. Eventualmente outros exames como phmetria,
manometria e estudos contrastados serão realizados.
Esofagite
O efeito da cirurgia bariátrica na motilidade esofagiana e na doença do refluxo
10
gastroesofágico foi investigado por um pequeno número de estudos e permanece
controverso31. Alguns autores consideram que um esfíncter esofagiano inferior
incompetente impediria a distensão da bolsa e a sensação da saciedade, sendo uma contraindicação para a restrição gástrica47. Em contraposição, outros autores relatam um efeito
anti-refluxo na cirurgia de Capella e na gastroplastia vertical, o que explicaria a melhora da
esofagite no pós-operatório de 77% dos pacientes que tinham esofagite13. Entre 4 e 7% dos
pacientes que não tinham sinais endoscópicos de doença do refluxo, terão esofagite no pósoperatório da cirurgia de Capella46. As causas seriam a incompetência do esfíncter
esofagiano inferior, bolsa de grande tamanho, dificuldade de esvaziamento da bolsa ou
mais certamente uma combinação destes fatores11. Outros estudos falharam em demonstrar
qualquer alteração na motilidade do esôfago e na doença do refluxo após bandagem ou
gastroplastia31,43.
Úlcera marginal
A úlcera marginal ou de boca anastomótica é complicação infreqüente mas bem conhecida
da cirurgia gástrica de ressecção. Esta entidade pode ocorrer após desvio gástrico para
obesidade, sendo descrita tanto nos primeiros dias quanto anos depois da cirurgia23.
A incidência varia de 0,49 a 16%55 e depende de uma série de fatores. Estes incluem a
freqüência do uso do exame endoscópico37, a época em que é realizado55 e a freqüência de
tratamento empírico antes da avaliação endoscópica23. A incidência de úlcera marginal é
maior nos casos em que não se faz a secção das duas câmaras gástricas, podendo haver
recanalização entre os cotos, permitindo que o ácido do estômago excluído atinja
diretamente a mucosa jejunal9,61. Com a transecção das duas câmaras gástricas a
possibilidade de fístula é rara8 e com a interposição da alça entre elas é praticamente
impossível ocorrer fístula gastro-gástrica22, diminuindo a incidência de úlcera56. Dessa
forma a incidência de úlcera marginal na cirurgia de Fobi-Capella esta entre 0 e 6%8,9.
11
Outro aspecto técnico a ser considerado é a bolsa gástrica de grande tamanho que teria
uma produção maior de ácido56. Além disso a concentração de ácido é maior quando a
bolsa é realizada predominantemente com a curvatura menor, que apresenta uma
população maior de células parietais, o que explicaria a menor incidência de úlcera
marginal nas bolsas confeccionadas com predomínio da curvatura maior e quando a bolsa é
limitada à cárdia60. Nestes casos, endoscopicamente a lesão ocorre mais tardiamente, pode
ser única ou múltipla e se localiza na mucosa jejunal, rente a anastomose56 (fig. 6.2). A
úlcera do estoma pode ocorrer também por fatores técnicos relacionados à realização da
anastomose e da alça exclusa em Y de Roux e não é resultado de bolsa grande, fistulas ou
outro potencial fator ulcerogênico. Geralmente estas úlceras são causadas pela presença de
um corpo estranho (fio cirúrgico) na linha de sutura56, diminuição do suprimento
sanguíneo na mucosa intestinal, compressão e edema por uma anastomose em dois planos
ou tensão devido a mesentério curto50,60. Estas úlceras ocorrem no pós-operatório precoce
e endoscopicamente são vistas na linha de sutura, às vezes sobre um fio cirúrgico e
cicatrizam com 2 a 3 meses, especialmente se o agente for removido56,61 (fig. 6.3).
Até o momento poucos estudos tem abordado o efeito do H. pylori no desenvolvimento
das úlceras após cirurgias bariátricas. No pós-operatório, o microorganismo tem sido
identificado em 26 a 58% dos pacientes submetidos à cirurgia de Capella53,56, mas o seu
papel na gênese da úlcera marginal ainda não foi definido50. Dessa forma, a pesquisa da
bactéria na bolsa e o seu eventual tratamento só podem ser feitos de maneira empírica.
Como o ácido acetil-salicílico e os anti-inflamatórios podem causar úlceras no trato
digestivo e apesar da observação da indução de úlcera em alguns pacientes operados que
usaram estes medicamentos , não há estudos controlados comprovando esta associação56.
Dor abdominal é o sintoma mais comum em pacientes com úlcera23,55. Náuseas e vômitos
podem estar presentes, com ou sem dor56. Hemorragia maciça é incomum55. O diagnóstico
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é iminentemente endoscópico. As úlceras precoces, relacionadas a problemas na linha de
sutura, tendem a cicatrizar espontaneamente55. A ulceração recorrente ou persistente,
associada à presença de corpo estranho certamente será tratada com a retirada do mesmo8.
As úlceras causadas por problemas na confecção da bolsa, e normalmente localizadas na
mucosa jejunal, serão tratadas com inibidores da bomba de prótons, e se necessário por
revisão do procedimento cirúrgico23.
Entra Fig 6.2 e Fig. 6.3
Impactação com bolo alimentar
Os pacientes submetidos à cirurgia de Capella tem uma bolsa gástrica de pequeno tamanho
cujo esvaziamento é limitado pelo anel de silicone. Em algumas situações , por erro
alimentar,
dificuldade de mastigação ou estenose da anastomose ou do anel,
estes
pacientes poderão apresentar alimentos ou bolo de alimentos impactados na bolsa. Nestes
casos o paciente se queixará de sialorréia, disfagia, odinofagia, náuseas e vômitos de início
abrupto, habitualmente após alguma festa ou jantar11. Alguns referem melhora parcial e
temporária com vômitos e são capazes de ingerir pequenos volumes de água, o que pode
ser explicado por um provável mecanismo valvular. O exame endoscópico estará indicado
e será realizado com cuidado especial para evitar aspiração brônquica. O bolo alimentar
que normalmente estará livre na bolsa gástrica pode ser constituído de carne, sementes de
frutas ou outros alimentos menos comuns. O endoscopista deve avaliar o tamanho e a
consistência do material impactado e escolher o melhor acessório e a técnica mais
adequada, para retirá-lo. Poder-se-á utilizar uma alça de polipectomia, uma cesta Dormia,
pinças de biopsias ou de corpo estranho e o corpo estranho poderá ser retirado pela
cavidade oral, fragmentado e empurrado além do anel e da anastomose ou sugado
utilizando-se de um cap de ligadura elástica26. É aconselhável ter todos os acessórios a
disposição e contar com um sistema de aspiração adicional ao do aparelho para evitar
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aspiração tráqueo-brônquica. A utilização de anti-espasmódicos, ainda que de forma
empírica, poderá ser útil. Em casos extremos um overtube será necessário11.
Após ou durante a remoção do bolo alimentar o endoscopista fará o exame endoscópico
completo a procura de alterações obstrutivas que expliquem a impactação. A importância
da identificação da alteração reside na conduta a ser adotada : apenas uma reorientação
alimentar ou a resolução endoscópica ou cirúrgica do fator obstrutivo.
Estenose da anastomose e do anel
A estenose de anastomose gastro-jejunal é uma complicação conhecida na cirurgia gástrica
de ressecção. Na gastroplastia a Capella ocorre com freqüência de 6 até 19%49,55,57.
Decorre geralmente de complicação da técnica cirúrgica, tais como: deiscência, hematoma
ou ulceração, processos resolvidos com fibrose e retração.
O paciente apresentará dificuldade de alimentação, especialmente com sólidos, vômitos e
perda de peso. O estudo radiológico com contraste mostra dificuldade de esvaziamento da
bolsa e um estreitamento variável na passagem para a alça intestinal64. O aspecto
endoscópico é de anastomose com estenose anular, fibrótica, de calibre puntiforme até 9
ou 10 mm, impedindo a passagem do endoscópio, às vezes com úlcera na mucosa
adjacente26 (fig 6.4). O tratamento é endoscópico através da dilatação com balões
pneumáticos utilizados pelo canal operatório do endoscópio e que permitem ou não a
passagem de fio guia. A passagem do balão pela estenose é facilitada pelo eixo da alça
intestinal, pela passagem de fio guia e eventualmente pela utilização de fluoroscopia.
Normalmente a dilatação inicial, mesmo nas estenoses puntiformes, pode chegar até 10
mm. Nas sessões subseqüentes, realizadas após 7 ou 15 dias, a dilatação deverá atingir 12
mm, no máximo 14 mm, diâmetro considerado satisfatório. A maioria dos casos é
resolvida em duas ou no máximo três sessões, com índice de resolução próximo de 100%61
. Raramente, é necessária a injeção local de corticóide ou de estenotomia, embora estas
técnicas devam ser consideradas na falha terapêutica após 4 a 6 sessões11.
14
A estenose do anel é menos comum, ocorrendo em 1 a 2 % dos pacientes. O quadro clínico
é semelhante ao da estenose de anastomose. Radiologicamente não é possível definir se a
estenose é do anel ou da anastomose. No exame endoscópico, esta dificuldade também
pode ocorrer. Freqüentemente, a mucosa na região da anastomose apresenta-se
intensamente edemaciada e não existe o aspecto fibrótico ou de cicatrização, sugerindo
compressão extrínseca de anel muito justo. Às vezes, ao se insinuar o aparelho pelo anel, é
possível identificar a linha de anastomose que tem calibre normal. A dilatação com balão
não é efetiva e eventualmente pode piorar a estenose devido à reação inflamatória e edema
causado pela compressão da mucosa contra o anel26. O tratamento cirúrgico deverá ser
considerado.
ENTRA Fig 6.4
Erosão e deslizamento do anel
O anel de silicone é colocado externamente na parte mais distal da bolsa para controlar o
esvaziamento e manter a perda de peso. Uma complicação deste anel é a erosão da mucosa
por ele comprimida e sua migração parcial ou total para a luz gástrica. A incidência global
de erosão do anel em grandes séries esta em torno de 1,6%. Esta complicação ocorre em
0,9% das cirurgias primárias, em 5,5% das reoperações e em 28,5% das cirurgias com
recolocação do anel após erosão prévia19.
A migração do anel normalmente começa com uma reação inflamatória entre o anel e a
parede gástrica. A causa é a colocação do anel de forma muita justa, a sutura do mesmo ao
estômago ou seu imbricamento e até mesmo a presença de infecção local 11.
Esta complicação pode ser assintomática ou, mais comumente, se apresentar como
síndrome de obstrução, provocando náuseas, vômitos e perda de peso. Outros sintomas
possíveis são a dor epigástrica, disfagia e até mesmo ganho de peso. Mais raramente, pode
15
ocorrer anemia , hematêmese ou melena19. O estudo contrastado pode inferir o
diagnóstico ao mostrar estreitamento no local ou localização anormal do anel. No entanto a
endoscopia dará o diagnóstico de certeza ao mostrar a erosão ou ulceração com a migração
parcial do anel (fig 6.5).
O tratamento pode ser expectante, endoscópico ou cirúrgico. O acompanhamento puro e
simples pode estar indicado naqueles pacientes assintomáticos, em que a perda de peso esta
satisfatória e apenas uma pequena parte do anel encontra-se migrada. A remoção
endoscópica é o tratamento de escolha. Normalmente, se realiza a seccção e remoção do
anel usando acessórios apropriados, com auxílio de um canal extra no aparelho de
endoscopia26. Deve-se estar atento à possibilidade de formação de fístula, embora isto seja
relatado raramente, certamente pelo intenso processo de fibrose que envolve a região,
mesmo motivo pelo qual o tratamento cirúrgico é tecnicamente difícil e deve ser evitado19.
O efeito da remoção do anel sobre a perda de peso e a manutenção desta perda ainda não
esta definido. A retomada de peso (de 61 a 75% do peso perdido) pode ocorrer em cerca de
14% dos pacientes quando o anel é removido nos primeiros 6 meses, contra 6% quando a
remoção ocorre após este período20.
ENTRA Fig 6.5
O deslizamento do anel é complicação ainda mais rara e ocorre em menos de 1% dos
casos. A não fixação adequada pode levar ao deslizamento, normalmente de sua porção
anterior, até a região da anastomose. O quadro clínico é de obstrução, com vômitos e perda
excessiva de peso. O estudo radiológico mostra o anel fora de sua posição habitual. O
aspecto endoscópico é característico com a bolsa um pouco dilatada, sem a compressão
anelar de sua parte mais distal e a mucosa jejunal parcialmente evertida, podendo-se notar
a compressão do anel em alguma parte da alça, levando a estenose puntiforme (fig 6.6).
Mais comumente, não é possível a passagem do aparelho, notando-se resíduos alimentares
16
na bolsa ou mesmo em uma das alças. O tratamento é iminentemente cirúrgico com a
retirada do anel.
ENTRA Fig. 6.6
Fístulas
A fístula após cirurgia de Capella é uma complicação incomum ocorrendo em 0,9 a 2,6%
dos casos21,48. Esta incidência pode atingir 8% quando a cirurgia é realizada como
conversão de uma outra técnica. A fístula ocorre mais comumente na porção alta da linha
de sutura (stapler) da bolsa gástrica, rente a transição esôfago-gástrica, certamente por
deficiência na vascularização neste ponto. A manifestação pode ser um quadro precoce de
sepsis abdominal, o que acarretaria em reintervenção cirúrgica ou, mais comumente, se
apresenta como fístula gastro-cutânea, com processo localizado e bem dirigido.
O diagnóstico pode ser feito pelo estudo contrastado64 e até mesmo pela endoscopia que
define o orifício fistuloso com relação à localização, tamanho e presença de corpo estranho
(fio cirúrgico) na mucosa adjacente.
As fístulas após cirurgia de Capella, como todas as fístulas do trato digestivo, são tratadas
com suporte nutricional, supressão das secreções gastrointestinais (com somatostatina e
derivados) e excisão do trato fistuloso. Este tipo de tratamento é de considerável valor e
certamente responsável por melhora das estatísticas cirúrgicas48. No entanto, por vezes
pode ser demorado, caro e algumas vezes não levar ao fechamento da fístula. Nestes casos
o tratamento endoscópico pode contribuir para a resolução mais rápida. A injeção
endoscópica de substâncias para promover o fechamento da fístula é simples, segura e
pode acelerar a resolução, diminuir o tempo de internação e algumas vezes salvar a vida do
paciente48. O fechamento da fístula requer a oclusão não só do orifício, mas de todo o
trajeto fistuloso, o que na maioria das vezes significa mais de uma aplicação do adesivo.
Dentre as substâncias utilizadas temos, o adesivo sintético derivado do ácido cianoacrílico
17
e o selante de fibrina. O primeiro, em contato com secreções e sangue sofre
polimerização e solidificação e possível oclusão do trajeto26. O selante de fibrina imita a
última fase da cascata de coagulação levando a formação de um coágulo de fibrina que se
consolida e se adere ao local em que é aplicado. Tem a vantagem significativa de ser
biocompatível, biodegradável e não provocar formação de corpo estranho e a sua utilização
teve bons resultados em um estudo com dois pacientes48. Recentemente, foi relatado, em
estudo piloto, o uso de matriz acelular, derivada da submucosa porcina com resolução em 7
de 10 pacientes38. Embora não haja estudos controlados, a injeção endoscópica de
substâncias para o tratamento destas fístulas parece segura e eficaz, devendo ser
considerada opção terapêutica nesta complicação.
Experiência no pós-operatório de Capella
Entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002 realizamos endoscopia em 765 pacientes
submetidos à cirurgia de Capella. Houve predomínio do sexo feminino, com 76% dos
casos e a idade variou entre 18 e 67, com média de 39 anos. A tabela 6.1 mostra a
incidência de alterações ou complicações encontradas. A esofagite erosiva ou ulcerada foi
diagnosticada em 4,2% de pacientes operados e que não apresentavam doença do refluxo.
Nós optamos por dividir a úlcera marginal em da anastomose e da mucosa jejunal,
acreditando que o mecanismo e a abordagem são diferentes. A impactação de bolo
alimentar foi a complicação mais encontrada e em todos os casos a resolução foi
endoscópica. Foram realizadas 68 desobstruções em 49 pacientes. Não tivemos
oportunidade de realizar nenhum tratamento endoscópico nos casos de fístula, a não ser a
passagem de sonda para alimentação, distal ao orifício fistuloso, em dois pacientes. Os
casos de estenose de anastomose foram resolvidos com dilatação endoscópica com balão
até 12 ou 14 mm, em 2 sessões em média, sendo 21 sessões em 9 pacientes. Por outro lado
os casos de estenose do anel foram tratados cirurgicamente. Nos pacientes com erosão do
18
anel, dois foram submetidos a retirada cirúrgica, um a retirada endoscópica e dois
permanecem com o anel migrado. Os pacientes com deslocamento do anel foram tratados
com cirurgia. Quatro pacientes apresentaram hemorragia digestiva alta, exteriorizada com
hematêmese e melena, sendo que em três foi possível o diagnóstico e tratamento
endoscópico de úlcera marginal hemorrágica e em um o sangramento cessou
espontaneamente, sem que a endoscopia definisse o local de sangramento.
ENTRA TABELA 6.1
O ESTÔMAGO EXCLUÍDO NA CIRURGIA DE CAPELLA
O estômago excluído na cirurgia de desvio gástrico causa preocupação na comunidade
médica, já que não pode ser examinado por técnicas endoscópicas ou radiológicas
habituais63. A duodeno-gastroscopia, usando-se um colonoscópio pediátrico, insinuado de
forma retrógrada pela alça jejunal até o segmento excluído, foi realizada com sucesso em
68% de 77 tentativas18. No entanto, nos parece que esta técnica só é possível em casos
selecionados quando se usa uma gastrojejunostomia para a reconstrução e nos casos de Y
de Roux curto com anastomose entero-entérica latero-lateral ampla. No momento, a
utilização em nosso meio de alça retro-gástrica, retro-cólica e longa torna, o acesso por este
método virtualmente impossível. Naturalmente, a intubação retrógrada do segmento
excluído pode ser feita no per-operatório62. Uma segunda opção, tecnicamente também
trabalhosa, mas mais factível é a gastroscopia por gastrostomia percutânea guiada por
ultra-som63 ou tomografia4 ou ainda através do sítio de gastrostomia cirúrgica
eventualmente feita no momento da operação e com a colocação de um dispositivo
marcador21. Em séries em que foi possível o exame do estômago excluído por um destes
métodos, foi constatada gastrite crônica superficial em 87%, confirmada na histologia em
42%, com 10% de metaplasia intestinal, achados de significado obscuro18. A produção de
ácido era menor que na população normal e o H. pylori negativo em 70%, o que fala a
19
favor de um estômago não ulcerogênico63. No entanto, a úlcera péptica pode ocorrer no
estômago excluído. Em análise retrospectiva de 4300 operações, 11 pacientes (0,26%)
apresentaram úlcera perfurada36 e em outros 3000 casos foram relatados 8 casos (0,27%)
de hemorragia51. O tempo médio entre a cirurgia e o episódio hemorrágico é em média de
9,5 anos7.
Em revisão da literatura há relato de dois casos de câncer gástrico no segmento excluído,
sendo um após 13 anos34 e outro após 5 anos de cirurgia52. A incidência é extremamente
baixa, considerando o grande número de gastroplastias realizadas desde a década de 1970.
Levando em conta todos estes dados estima-se em menos de 1% a necessidade real do
exame endoscópico do estômago excluído63. Uma nova possibilidade de exame do
estômago excluído é a utilização da gastroduodenoscopia virtual, através de tomografia
computadorizada tridimensional, nos mesmos moldes da colonoscopia virtual, existindo
experiência inicial com resultados promissores59.
ENDOSCOPIA NO PÓS-OPERATÓRIO DA BANDA GÁSTRICA
A banda gástrica é um procedimento efetivo, minimamente invasivo, reversível, não
envolve secção ou colocação de stapler no estômago e com pós operatório simples5. No
entanto, existem complicações dentre as quais a erosão da banda e a dilatação da bolsa têm
importância para o endoscopista.
A erosão ou o deslocamento parcial ou completo da banda para dentro do estômago tem
incidência estimada em 4%, mas com variação de 1 a 14%, dependendo da técnica e do
dispositivo usado1,45. Esta complicação ocorre mais comumente entre o primeiro e o
segundo ano após a colocação da banda. A erosão tem sido relatada também após alguns
dias ou semanas, mas neste caso considera-se uma complicação diferente causada por
perfuração per-operatória do esôfago ou estômago45. Suspeita-se desta complicação na
impossibilidade de ajuste da banda, infecção do portal, interrupção da perda de peso ou
20
ganho de peso e mais raramente, fístula gástrica. Por vezes esta complicação pode ser
silenciosa e passar desapercebida3. Alguns mecanismos foram propostos como
predisponentes. Hiperacidez e irritação da mucosa gástrica pelo uso de antinflamatórios,
álcool e cigarro, vômitos repetidos e ajuste precoce da banda1. No entanto o mais provável
é que haja reação inflamatória local a corpo estranho, levando a erosão e deslocamento da
banda e este fenômeno estaria relacionado a problemas técnicos de colocação do
dispositivo45. O diagnóstico é endoscópico ao mostrar a banda parcialmente dentro do
lúmen gástrico (fig 6.7). O estudo radiológico mostra o contraste passando pelo lado
externo da banda. O tratamento preferido é a remoção antes que a banda migre e provoque
alguma complicação. A retirada da banda pode ser feita por endoscopia, usando-se de
acessórios para seccionar e tracionar a banda ou por laparoscopia. Após a retirada, embora
possa ser colocada outra banda, a maioria dos autores sugere outro método de tratamento1.
A dilatação tardia da bolsa gástrica é uma complicação da banda gástrica que ocorre entre
0,5 e 5,5% dos casos, sendo causa importante de resultados insatisfatórios e
reintervenção3,30. A hérnia hiatal é o único fator comprovadamente relacionado e
provavelmente uma anatomia normal da transição previne o deslocamento da banda5.
Dentre os fatores técnicos relaciona-se um posicionamento muito baixo da banda e uma
dissecção extensiva na passagem retro-gástrica, além de falta de pontos de fixação da
banda3. A dilatação deve ser suspeitada na presença de vômitos ou disfagia. O estudo
radiológico define o diagnóstico. A endoscopia mostra esofagite e pode inferir a dilatação
ou mesmo o deslocamento. Pode-se tentar o tratamento conservador com desinsuflação,
que dá resultado quando a dilatação é precoce30. Mais certamente o tratamento envolve a
retirada da banda com reposicionamento ou mais comumente a utilização de outro
método3,5.
ENTRA Fig 6.7
21
BALÃO INTRAGÁSTRICO
A colocação do balão intragástrico foi proposta inicialmente na década de 1980 como
tratamento alternativo, não invasivo, restritivo e reversível para a obesidade44. O conceito
desenvolveu-se de observações em pacientes com bezoares gástricos que apresentavam
emagrecimento considerável6. A presença do balão no estômago afeta tanto a capacidade
gástrica quanto os receptores de distensão, desenvolvendo saciedade e diminuindo o
volume residual disponível para os alimentos54.
Os dois balões usados inicialmente, Garren-Edwards e Ballobes foram intensamente
investigados. O primeiro, que era um balão cilíndrico, de elastômero de plástico e com
volume máximo de 250 ml, foi associado a altos índices de complicações como ulceração
em 4,8 a 14%, gastrite erosiva em 26 a 48%, obstrução intestinal em 9 a 33%41. O segundo,
que era oval, com volume de 500 ml e de um elastômero de silicone, foi associado a
índices de complicações um pouco menores41. Apresentaram também sérios problemas na
inserção e retirada, assim como índice de deflação de 10 a 50% e necessidade de cirurgia
em 2%32. Além disso, esses balões não se mostraram mais efetivos na perda de peso que
dieta e mudança comportamental42. Dessa forma o seu uso foi abandonado no final da
década de 1980.
Nos anos 90, o aparecimento de um novo tipo de balão com características distintas,
renovou o interesse no método. Ele é totalmente siliconizado, esférico, macio e liso, sem
superfícies traumáticas, radiopaco e preenchido com líquido em volume de 400 a 800 ml27.
Os vários trabalhos publicados14,33,39,65 indicam a utilização deste balão em situações
diversas aqui resumidas: 1 - pacientes com obesidade mórbida (IMC>40) e super-obesos
(IMC>50) em preparo para cirurgia (bariátrica, cardiovascular, ortopédica etc) para
redução do risco operatório, 2 - pacientes com IMC entre 35 e 40 com doenças
relacionadas que tenham contra-indicação ou recusem a cirurgia, 3 - pacientes com
22
IMC<35 com doenças relacionadas e refratariedade ou contra-indicação ao tratamento
clínico e 4 - para selecionar pacientes para cirurgia predominantemente restritiva ou
disabsortiva, chamado teste do balão. As contra-indicações seriam : esofagite grave, hérnia
hiatal maior que 5 cm, estenose ou divertículo do esôfago, lesões potencialmente
hemorrágicas como varizes e angiodisplasias, cirurgia gástrica ou intestinal de ressecção,
doença inflamatória intestinal, úlcera gástrica ou duodenal em atividade, neoplasias, uso de
antiinflamatório, anticoagulantes, álcool, drogas e desordens psiquiátricas15,39. Algumas
destas contra-indicações são relativas se forem tratadas a contento33.
O tratamento com o balão intragástrico envolve equipe mutidisciplinar e uma avaliação
rigorosa será realizada, compreendendo testes laboratoriais, cardiológicos, respiratórios,
nutricionais e psicológicos, além de uma endoscopia digestiva alta diagnóstica. A
colaboração e o envolvimento do paciente é fundamental já que o tratamento baseia-se
também em mudança de hábito alimentar e comportamental65.
O balão é colocado endoscopicamente em pacientes sob sedação leve a moderada27,33,39 ou
sob anestesia geral14,15,65 em regime ambulatorial ou com um ou dois dias de internação,
dependendo de cada paciente e do tipo de sedação usada. O paciente é colocado em
decúbito lateral esquerdo e a prótese (cateter de colocação contendo o balão em uma
extremidade e o sistema de enchimento em outra) é gentilmente introduzida via oral até a
cavidade gástrica. O fino calibre do cateter de colocação permite a passagem do
endoscópio para confirmação do correto posicionamento do balão e monitoramento do
preenchimento. O sistema é então preenchido com 400 a 700 ml, média de 550 ml, de
solução salina com azul de metileno na proporção de 50 para 1, utilizando uma seringa de
60 ml e um sistema em Y para aspiração e injeção da solução sem entrada de ar. Após a
injeção o sistema em Y é desconectado e é feita uma sucção na seringa e a válvula será
fechada com o vácuo criado e o balão será liberado ao puxar o sistema. Novo
23
monitoramento endoscópico certificará do correto posicionamento e da ausência de
vazamento15,33. É recomendável uma radiografia simples com 24 horas para verificar o
correto posicionamento do balão. A maioria dos pacientes receberá anti-eméticos e
espasmódicos por via oral ou venosa em doses e períodos variáveis. A dieta será
inicialmente líquida passando progressivamente para sólida mas com o máximo de 1000
Kcal/dia. Utiliza-se um inibidor de bomba de prótons durante todo o tempo e
eventualmente vitaminas e oligo-elementos14. A duração do tratamento será entre 4 e 6
meses. A retirada é feita por endoscopia com acessórios adequados que permitam o
completo esvaziamento do balão para que a retirada não cause lesões na mucosa33,39.
Com relação aos resultados e às complicações é possível extrair alguns dados de trabalhos
publicados14,15,27,33,39,65 . O balão é colocado em pacientes com peso tão baixo quanto 67Kg
e IMC tão baixo quanto 26 e também em pacientes com peso de 229 Kg e IMC de 81. A
média de IMC dos pacientes é de 37, inferior a do grupo cirúrgico. A perda final média de
peso na retirada do balão é de 16Kg e o IMC cai em média 4,9 pontos e a perda de excesso
de peso varia de 23 a 50% (tabela 6.2). Alguns trabalhos realizaram análises de sub-grupos
de pacientes. Concluíram que a perda de peso é maior nos pacientes com repetição do
método, em pacientes super-obesos e no grupo com balão e dieta comparado com grupo só
com dieta e que os resultados da banda gástrica são melhores nos pacientes que receberam
balão anteriormente quando comparados com pacientes que não receberam o balão.
ENTRA TABELA 6.2
As complicações são variáveis e podem ser menores ou inerentes ao procedimento que
seriam vômitos (47 a 76%), desconforto epigástrico (26,2 a 38%) e refluxo (20 a 30%).
São de intensidade tolerável, controladas com medicação e que diminuem após as
primeiras semanas. Dentre as complicações maiores destaca-se a intolerância ao balão,
exteriorizada com vômitos incoercíveis, que ocorre nos primeiros dias, variando entre 4 e
24
7%, levando a retirada precoce do mesmo. As úlceras e erosões ocorrem em pequena
porcentagem e são decorrentes do contato. O esvaziamento espontâneo do balão ocorre
numa variação importante, de 0,5 até 20%, mas mais comumente esta complicação deve
atingir entre 5 e 7% dos casos. Esta complicação apresenta-se com a saída de azul de
metileno na urina, com a eliminação do balão nas fezes ou até mesmo com uma obstrução
intestinal. Como complicações menos comuns, mas importantes, destacam-se a obstrução
intestinal e a perfuração, que necessitaram de tratamento cirúrgico e hipocalemia e
infecção em torno do balão.
ENTRA TABELA 6.3
Fazendo uma análise crítica, o número de pacientes estudados em algumas séries é
pequeno, em outras o período de acompanhamento é curto e em todas o perfil dos
pacientes é heterogêneo, dificultando uma avaliação adequada e levando a resultados
variáveis e controversos. O conceito do uso do balão está baseado ou relacionado ao fator
local. No entanto, a importância do fator local ou dos mecanismos gástricos para a
saciedade é pequena levando em consideração a complexidade da regulação do apetite que
envolve fatores hormonais e um controle central. Isto está provado em elegantes estudos de
laboratório e no conhecimento cirúrgico de que o procedimento unicamente restritivo
oferece resultado inferior ao procedimento combinado (restritivo e disabsortivo). Existe a
teoria da distensibilidade gástrica que defende a possibilidade do balão causar um aumento
da capacidade gástrica. Com o passar do tempo, o estômago se adaptaria ao balão,
causando efeito indesejado. Isto explicaria a perda de peso maior até 4 meses de uso do
balão, com posterior parada de perda e até ganho após este período. O método é simples
mas não desprovido de complicação que pode eventualmente ser grave. No entanto alguns
serviços têm insistido na indicação em subgrupos de pacientes que poderiam realmente se
beneficiar do balão, embora faltem trabalhos bem realizados mostrando este benefício; os
25
super-obesos teriam uma perda inicial que diminuiria o risco operatório e o balão
poderia funcionar como um teste para definir a cirurgia, boa resposta ao balão cirurgia
restritiva (Capella ou banda), resposta inadequada cirurgia de disabsorção (Scopinaro). A
indicação em pacientes com sobrepeso (IMC em torno de 30), com fins cosméticos, carece
ainda de investigação. Por fim temos que pensar que o grupo de pacientes obesos é
heterogêneo e complexo, que a abordagem é multidisciplinar, não existindo um tratamento
ideal que possa ser usado em todos os pacientes. Dessa forma todos os métodos devem ser
considerados, mas usados em conjunto ou isoladamente somente quando forem alterar de
maneira positiva a longevidade, a morbidade e a qualidade de vida do paciente obeso.
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32
Tabela 6.1 – Pós-operatório cirurgia de Fobi-Capella
Endoscopia em 765 pacientes
Complicação
Número Porcentagem
Esofagite
32
4,2
Úlcera da anastomose
24
3,1
Úlcera jejunal
40
5,3
Impactação
49
6,5
Fístula
09
1,1
Estenose do anel
04
0,5
Estenose da anastomose
09
1,1
Erosão do anel
08
1,0
Deslocamento do anel
05
0,6
Hemorragia
04
0,5
Tabela 6.2 – Balão Intra-gástrico - Resultados
Referência
27
33
Balão/Paciente
15/10
87/77
Tempo uso (mês)
4-6
3-6
Peso inicial (Kg)
113,7
(variação)
(70-217)
IMC (Kg/m2)
39
41,2
(variação)
(32/53)
(32/36)
Perda Peso (Kg)
18,6
14,3
(variação)
(6,6/40)
(0/82)
Perda IMC
5,3 (0/25)
Perda Excesso (%) 40 (10/81) 23,5 (0/73)
65
126
3-6
14
322/281
6
117,4
(67/229)
37,7
41,8
(26/57) (29/71)
15,4
14
(0/35) (2/37)
4,7
4,8(1/11)
50,8
35 (5/100)
Tabela 6.3 – Balão Intra-gástrico – Complicações
Refer./Complic. 33
15
14
65
Intolerância
6,3 % 0,5 % 7,7 % 4,3 %
Úlcera gástrica
2,8 % 3,7 % 0,6 %
Erosão gástrica
0,3 % 0,2 %
Esofagite
4,6 %
22 %
Desinsuflação
20,3 % 0,5 % 2,4 %
Obst. Intestinal
0,9 %
Perfuração
3,4 %
Hipocalemia
1,4 %
Infecção
0,9 %
27
10 %
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6. PAPEL DA ENDOSCOPIA NA OBESIDADE MÓRBIDA