Amigo Oculto (Os tormentos do jovem Byron) Carlos Conrado (teatro) Este texto é uma busca de reflexão sobre a condição humana. Sobre as características do convívio do homem em sociedade. Apresenta a ideia de que criamos universos paralelos, para fugir da realidade que nos atormentam. Acima de tudo, este texto é uma ficção, mas os personagens que aqui estão presentes fazem parte da biografia do poeta inglês, George Noel Gordon Byron, mas conhecido como Lord Byron. De autoria do poeta protagonista, apenas foi utilizado o poema trevas. ......................................................................................... (O ator entra correndo em cena, ocupando todos os espaços). (Em constante movimento). Byron- Ninguém me ver, ninguém me ouvi, ninguém fala comigo. (Momento de reflexão, o ator faz uso da cadeira). Sou prisioneiro das tristezas que, nunca bem vindas, fazem questão de se mostrarem presentes. Empurram-me para o abismo resultado das constantes metamorfoses de minha mente. Como posso fazer uma auto-análise diante de tantas transformações? Necessito da solidão, que os céus me entendam, estou lapidando esta carcaça que é o meu corpo na tentativa de encontrarme. Quero me afastar do mundo e desses fúteis ciclos de amizades. Estou cansado de ser hipócrita quanto aos meus sentimentos. No meu mundo... a expressão possui liberdade, o silêncio é um guia e a solidão uma grande companhia. É só nos momentos de êxtase das minhas agonias que, o meu ser pulsa, vibra, no ritmo que pede a exatidão. Já tentei manter uma boa relação com o mundo em que se encontra a minha matéria. Decepcioneime, pois fui abandonado no momento em que mais precisava. É por essas e outras que ainda prefiro aquele mundo que me serve de refúgio. Se a cura das nossas chagas fossem frutos de uma árvore em abundancia... A nossa natureza seria extinta de forma voraz e assustadora. Daí me vem uma das dúvidas que tanto me aflige. “Como prosseguirá o espetáculo do homem sem o seu cenário que lhe dá suporte?” O homem... Uma máquina em que Deus apostou toda a sua criatividade, encontra-se num estado de difícil operação. Os seus sistemas o conduzem para a autodestruição. O homem... Detrator dele mesmo. (Neste momento ele levanta da cadeira e dá alguns passos à frente). Às vezes procuramos no próximo um amigo. No fim desta cansativa busca, nos deparamos com a decepção, como devemos agir perante a isso? Qual dos sentimentos deve ser invocado para a recepção deste impacto? A amizade é uma substancia que corrompe a alma, que nos tornam seres fraternais e que nos levam a compreensão e aceitação dos defeitos. A amizade é uma senhora cega ansiosa pelo fim de seus dias... Abaixo a este sentimento mesquinho! Frade- Nos encontramos!... apesar de companheiros neste plano...não me venhas com histórias de laços. Sou o espectro do Frade Negro, sou o regozijo das tragédias, sou a feição pesada das ocasiões felizes. Sou o teu tormento, de fato, sou também a tua inspiração. Byron! (grito) Muito me enoja a tua presença, invoquei-te somente para cuspi sobre ti, pisar em teu rosto e teu dorso, denegrir-te-ei assim como me denegristes um dia... (Neste momento o ator começa a dançar em circulo). Lembra-se amigo, a tua adoração por Satã era demasiada... Byron- Ainda é! Frade- Por esta adoração e sua deficiência recebestes o titulo de “Diabo Coxo”. Claro que lembra, pois também tem registros meus. Escuta encalto! Será que houve maior influência que a minha em tua poesia e biografia? Se não te falhas a consciência... Tens convicção de que não. Tento entender como um ser tão desprezível tenha surgido do ventre de Catherine Gordon. Tens a podridão que possuía Mad Jack, tá o pai, tá o filho. Quando à noite os morcegos acordam... A sabedoria da morte vem a público. Assim como tu, também já fui humano um dia. Cá estamos nós, ausentes das orgias que formavam a nossa rotina. Mas nem tudo por aqui é somente dor, lamentação e anseio. Aqui somos capazes de controlar as mentes que habitam o plano da matéria. Entende agora o porquê dos seus tormentos? Byron- Queres me dizer que era dono dos meus tormentos? Não me faças rir o fantasma de Arlequim! (sarcástico) Frade- Admiro-te pela coragem de me desafiar, mas entenda ó tolo, o teu sarcasmo não me atinge, tampouco me ferirão os teus golpes. Quer um conselho? Byron-Não! Frade- Conhece as forças que trabalham dentro de ti, só assim poderá fazer uso das mais poderosas armas. Byron- Porque presentear o inimigo?... tem certeza de que queres a vitória? Frade- Isto não é uma guerra, estou apenas cumprindo uma promessa, um favor para o equilíbrio que demasiado triste pede por justiça. Byron- Mas que mal eu fiz a este tal equilíbrio? Frade- Tu, só tu, no nível mais alto de sua arrogância, foi capaz de cometer tamanha garfe. Teus olhos... Sublimes e admirados são por deixarem explicita tua culpa. Byron, dos piores tu fostes o melhor! Devo tirar-lhe o chapéu, o seu avô não foi lá essa coisa toda, ele era um ser fraco de espírito, coitado! Queres saber? Tenho muito orgulho de ti. A tua mente doentia fez com que cometesse um dos maiores crimes contra a moral. Desejou e possuiu a sua mãe, que horror! (sarcasticamente). Byron- Como posso me esquecer? Naquela noite um sentimento e um desejo tomaram conta do meu consciente fazendo-me um escravo de suas vontades. Àquela foi à primeira vez que o meu olhar sobre a minha mãe mudara. Já não a observava mais como simplesmente minha geradora. Os meus lábios úmidos e quentes ficavam lutando contra a tentação daqueles bem servidos seios. Meus olhos, desvairados seguiam o ritmo dos movimentos de seus cabelos, e cada segundo que se passava... Eu a desejava mais e mais. Até o perfume dela tinha mudado para um composto de muitos enigmas. Meu censurado membro rapidamente ficou excitado. Não havia mais o que fazer, então... Cedi às tentações, me entreguei àquela alienada atração. Frade- Satisfiz o meu desejo através de ti! Sempre fui fascinado por sua mãe. Graças ao teu corpo... Emiti o gozo tão almejado. Byron- Maldito! Tu me usaste! Frade- Não fique chateado, pois os créditos são todos seus. Apenas investi ao meu modo neste titulo que tanto namora. Byron- Frade, porque comigo? Porque não me deixas? Eu não preciso da sua ajuda para estrangular este mundo, porque sempre facilita pra mim? O que quer realmente? Mas feliz eu era quando pensavas que tu fosses apenas um fragmento do meu ser. Frade- Digamos que eu seja o teu amigo, se meus investimentos acontecem desta forma, é porque sei o quanto tu adora ser diferente. Byron- Eu não te entendo, ora tu pregas pelo equilíbrio e ora tu és a maior contribuição para o desequilíbrio. O que quer Seu crápula? Frade- É um ser dotado de sabedoria. Tem objetividade, hum!... isto é muito bom. Pense bem, o que seria de ti sem o meu auxilio? Uma vez nos corredores de um mosteiro, um jovem apaixonado pela filosofia disse: Memória- “Se queres a igualdade potencial entre teus irmãos, confraterniza a tua sabedoria com cautela, para que não haja erro, pois o erro meu amigo... é sinônimo de fraqueza”. Frade- Passei alguns segundos, embevecido, diante daquelas palavras, antes que eu arquitetasse a forma de um conceito do meu entender, outra carga foi lançada aos meus ouvidos para mais uma reflexão. Memória- “O homem é um ser altamente vulnerável, pois o seu corpo, é uma máquina fútil, fácil de ser corrompida.” “O espírito é a única coisa real que possui potência. Nosso cérebro é a porta do plano material e imaterial”. Frade- Algumas coisas ficaram guardadas no meu consciente, já as outras... Descartei-las sem piedade. Como é difícil viver neste plano. Apesar de alguns poderes, sinto falta da matéria, à matéria que teu ente ancião tirou de mim. Que sejas remorso, esta confissão vem banhada de sangue, vem banhada de dor. Tiraram-me à felicidade, assassinaram a minha esperança de um futuro digno. Se inda tenho diálogo contigo, é porque quero te livrar da pena e dos meus olhos fulminantes. Byron- Agora eu te entendo... Toda esta confusão é porque tu, desgraçado, queres colher o que não plantou. Tu tens inveja de mim, está explicito, tu és um nada, pois o nada necessita de corpos para algo fazer, para existir. (risos) Pobre espectro, achas mesmo que é filho do inferno? Pouco me importa o plano em que vive. Eu serei sempre o “Diabo Coxo”! Frade- Byron! (Numa luta mediúnica Byron é vencido pelo espírito do Frade Negro, que toma posse do seu corpo por alguns instantes). Vês o crânio de tua filha? Pois bem, ele representa o símbolo da minha irá. (com tom sarcástico) Sorri para o papai Augusta! Neste momento, ele é o palhaço que está em cena. Zomba comigo deste espectro podre, desta forma decadente. Por muito me fiz teu amigo, por muito fiquei envolvido com teus olhos de suposta fidelidade. Fui teu companheiro nas horas escassas, bebemos juntos no Cálice da Solidão... Saboreamos o nada quando o tudo nos faltou, sempre juntos... Neste cruento laço condenado. Byron- Sabes o destino dos teus passos? Acho que não! Mas porque a fúria se de mim não partiu tal ingratidão? Frade- Estás blasfemando contra a razão, não espera que eu ponha um manto sobre os teus crimes, espera? Byron- Posso ter ferido de algum modo a “tua” razão, mas não feri a livre razão, a razão de asas que vaga nos céus em busca do infinito. Ela é a formosa abstrata companheira do absoluto. Não! Esta eu não feri tenho plena certeza. Frade- Além de sua mãe, possuístes também a sua irmã e sua prima, esses eram os meus desejos que foram materializados por ti. Byron- Olha, se os espíritos fumassem a erva, eu diria que tu estás sobre o efeito dela! Frade- Quando tu saíste de Londres para tentar a sorte em Aberdeen, eu te acompanhei por toda aquela viajem. Sinto-me como um pai para ti, pois um pai é o que tu nunca tiveste. Byron- À morte prematura do desgraçado, aos 36 anos, fez com que eu crescesse como pessoa. Frade- fiquei por muito tempo preso no condado de Norttigham, na abadia de Newsteade, este maravilhoso lugar que foi seu lar por vários anos, hoje tenho a liberdade para te seguir e te atormentar! (risos). Byron- Já que estamos recordando o passado, eu gostaria de matar uma curiosidade. Porque ficaste feliz quando do meu casamento com a jovem Annabella? Frade- Eu tinha algumas esperanças, que quando tu casasses com uma dama, deixaria de deitar com os teus colegas, não gosto do teu lado sodomita, tenho nojo dele! Byron- Pois eu não me importo com o que achas! Deito com quem eu quiser, como eu bem entender. Queres saber? Eu adorava afogar-me aos beijos com eles. Eu adorava me sentir como uma máquina! A tua presença no meu casamento foi o acontecimento mais infeliz daquele ano. Frade – Eu fui a tua melhor inspiração. Apresentei-te o mundo das trevas e suas criaturas. Hoje tu gozas os frutos de minhas contribuições. Podes descrever o universo que te apresentei enquanto dormias? Byron- Não vou presenteá-lo, nem tampouco contribuir para a sua glória! (Neste momento o frade decepcionado e furioso, volta a possuir o corpo do jovem Byron. Logo cita o poema Trevas). (Penumbra para a preparação da cena infernal. Fogueira, retalhos, galhos secos, caveiras, armas). Trevas (iluminação por velas e apenas um foco sobre a cabeça de Byron). Eu tive um sonho que não era em tudo um sonho O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas Vagueavam escuras pelo espaço eterno, Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra Girava cega e negrejante no ar sem lua. (Byron olha em circulo os figurantes que representam seres infernais. Enquanto isto, sons de pessoas gritando de dor e efeitos). Veio e foi-se a manhã - veio e não trouxe o dia; E os homens esqueceram as paixões, no horror Dessa desolação; e os corações esfriaram Numa prece egoísta que implorava luz: E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos, Os palácios dos reis coroados, as cabanas, As moradas, enfim, do gênero que fosse, Em chamas davam luz; cidades consumiam-se E os homens se juntavam juntos às casas ígneas Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro; Felizes quanto residiam bem à vista dos vulcões e de sua tocha montanhosa; Expectativa apavorada era a do mundo; queimavam-se as floresta - mas de hora em hora Tombavam, desfaziam-se - e, estralando, os troncos Findavam num estrondo - e tudo era negror. À luz desesperante a fronte dos humanos Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos Neles batiam os clarões; alguns, por terra, Escondiam chorando os olhos,; apoiavam Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam; Muitos corriam para cá e para lá, Alimentando a pira, e a vista levantavam Com doida inquietação para o trevoso céu A mortalha de um mundo extinto; e então de novo Com maldições olhavam a poeira, e uivavam, Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos E cheias de terror voejavam junto ao solo, Batendo asas inúteis; as mais rudes feras Chegavam mansas e a tremer; rojavam víboras, E entrelaçavam-se por entre a multidão, Silvando, mas sem presas - e eram devoradas. E fartava-se a Guerra que cessara um tempo, E qualquer refeição comprava-se com sangue; (Agachado em meio ao caos, Byron projeta a voz com mais força enquanto tenta desesperadamente esquivar-se de todos). E cada um sentava-se isolado e torvo, Empanturrando-se no escuro; o amor findara; A terra era uma idéia só - e era a de morte Imediata e inglória; e se cevava o mal Da fome em todas as entranhas; e morriam Os homens, insepultos sua carne e ossos; Os magros pelos magros eram devorados, Os cães salteavam os seus donos, exceto um, Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava Em guarda as bestas e aves e os famintos homens, Até a fome os levar, ou os que caíam mortos Atraírem seus dentes; ele não comia, Mas com um gemido comovente e longo, e um grito Rápido e desolado, e relambendo a mão Que já não o agradava em paga - ele morreu. Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois, Porém, de uma cidade enorme resistiram, Dois inimigos, que vieram encontrar-se Junto às brasas agonizantes de um altar Onde se haviam empilhado coisas santas Para um uso profano; eles as revolveram E trêmulos rasparam, com as mão esqueléticas, As débeis cinzas, e com um débil assoprar Para viver um nada, ergueram uma chama Que não passava de um arremedo; então alcançaram Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram O rosto um do outro - ao ver, gritaram e morreram - Morreram de sua própria e mútua hediondez, Sem um reconhecer o outro em cuja fronte Grafara a fome "diabo". O mundo se esvaziara, O populoso e forte era um informe massa, Sem estações nem árvore, erva, homem, vida, Massa informe de morte - um caos de argila dura. Pararam lagos, rios, oceanos: nada Mexia em suas profundezas silenciosas; Sem marujos, no mar as naus apodreciam, Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem, Dormiam nos abismos sem fazer mareta, Mortas as ondas, e as marés na sepultura, Que já findara sua lua senhoril. Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens Tiveram fim; a Escuridão não precisava De seu auxílio - as Trevas eram o Universo. (Um figurante acerta Byron com uma estaca na cabeça. Ele cai morto. Enquanto isso as luzes se apagam. Todos saem de cena menos Byron que continua deitado. O Frade entra em meio à plateia, sobe no proscênio e toma o corpo nos braços e sai). (musica) Fim