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A PROVA DE PORTUGUÊS NOS EXAMES DE ADMISSÃO AO GINÁSIO NA
ESCOLA ESTADUAL SÃO PAULO.
Eurize Caldas Pessanha1
UFMS
Maria Emilia Borges Daniel2
UFMS
RESUMO
Os exames de admissão ao ginásio, iniciados em 1931 e extintos em 1971, representaram o fio
da navalha para o ingresso de alunos do Curso Primário, entre 10 e 13 anos, no Ginásio, objeto
de desejo da classe média em ascensão. Este trabalho analisa 1805 provas escritas de Português,
digitalizadas em 3 CDs.-ROM, dos Exames de Admissão realizados no período de 1931-1969,
na Escola Estadual São Paulo (São Paulo, SP), com o objetivo de verificar que tipo de influência
tais provas exerciam no ensino da língua materna no então denominado Curso Primário. Para
dar sentido a esses documentos, buscando relacioná-los à disciplina Português, às práticas
escolares e aos livros didáticos da época, a análise considerou a legislação educacional vigente
que estabelecia os programas, a estrutura, os conteúdos e os critérios de correção das provas, ao
longo do recorte temporal da pesquisa. Os resultados da análise evidenciaram que, de 1931 a
1950, a prova escrita era constituída por um ditado e uma composição “à vista de uma gravura”.
De 1951 a 1966, acrescentaram-se 6 questões gramaticais, referentes ao ditado. De 1967 a 1969,
substituiu-se o ditado por questões referentes à leitura e à compreensão de um texto curto, do
qual eram também extraídas as questões gramaticais. As questões gramaticais, articulando-se, a
titulo de contextualização, a um trecho, ora ditado, ora proposto para leitura, expressam, como
sinais históricos e culturais, a aplicação de conteúdos que refletiam um ensino formalista e
visavam à seleção de uma pequena parcela da população escolarizada à qual era garantido o
acesso ao curso secundário. Nesse sentido, a aprovação na prova escrita de Português, que
constituía um pré-requisito para a participação na prova oral, era determinante para a entrada do
candidato no ginásio. Primeiramente, pelo rigor do critério de correção e atribuição de notas,
pois o candidato que cometesse oito erros de grafia, no ditado, já obtinha nota zero. Segundo,
pelo parecer do examinador, que atribuía nota à composição de acordo com critérios subjetivos,
acrescentando 1 ponto para a qualidade de imaginação – um dos itens mais difíceis de serem
analisados. De outro ponto de vista, as provas constituíram precioso documento para entrever a
“cultura” dos participantes dos exames e de suas famílias. Instados a redigir uma descrição ou
narração “à vista de uma gravura”, os candidatos deixavam em suas redações vestígios sobre o
que era considerado desejável pensar e expressar sobre a sua vida, a escola e o próprio exame.
Assim, tentamos “reinventar os documentos” como uma fresta que permitisse explicitar como
aqueles candidatos consideravam necessário expressar suas idéias de forma a mostrar aos
examinadores quem eles eram e como eram merecedores de aprovação, como “tática” para
superar o obstáculo que o exame colocava entre cada um dos candidatos e o futuro glorioso
representado pela conquista do Ginásio. A influência que as provas de Português, nos Exames
de Admissão ao Ginásio, exerciam no ensino da língua materna, no então denominado Curso
Primário, pôde ser constada em vários livros didáticos especialmente elaborados para tais
exames, entre os quais merece destaque o intitulado “Terra Bandeirante”, de Theobaldo
Miranda Santos, Coleção Livros Infantis, da Livraria Agir Editora (2ª edição,1962), organizado
para as escolas primárias do Estado de São Paulo.
1 [email protected]
2 [email protected]
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TRABALHO COMPLETO
Em seu conhecido balanço da produção de conhecimento no campo do currículo,
Moreira afirma
Julgo ser particularmente conveniente, nesta virada de século, o
incremento de investigações que priorizem as ações que se passam
nas escolas, visando a compreendê-las mais profundamente
(MOREIRA, 2000, p 74).
Embora o autor deixe claro que se refere a pesquisas sobre o presente, sentimo-nos
instigadas a “traduzir” essa sugestão também para o campo da história do currículo realizando
investigações sobre a história da cultura escolar.
Expondo suas idéias, praticamente uma agenda, para a investigação da cultura escolar,
Julia aponta, como uma das lacunas em sua exposição e na produção de conhecimento sobre
esse objeto histórico, a falta de análises sobre a cultura dos alunos:
Existe uma cultura dos jovens que resiste ao que se pretende inculcar:
espaços de jogos e de astúcias infantis desafiam o esforço de
disciplinamento. Essa cultura infantil, no sentido antropológico do
termo, é tão importante de ser estudada como o trabalho de
inculcação (JULIA, 201. p 36-37).
Raramente se encontram, nos registros da vida escolar, os alunos e as estratégias e
táticas que, como “homens ordinários”, fabricavam/fabricam para tornar a escola um espaço de
vida possível (CERTEAU, 2002).
Nas fontes que vêm sendo utilizadas para escrever a história da cultura escolar
(relatórios de inspetores, atas, arquivos de documentos escolares, livros), os alunos aparecem
como dados estatísticos, mais como “objetos” da escola do que como sujeitos de uma história, à
exceção da utilização de entrevistas ou dos estudos de cunho etnográfico.
Viñao-Frago e Agustin Escolano também apontam para a necessidade de se recorrer a
outras fontes que recuperem restos de realidade social e cultural das instituições escolares
(2001, p. 14).
Entre essas “outras fontes”, mais do que pelas provas, é pelos exames que a instituição
deixa claro o que seus alunos precisam mostrar para receber seu certificado de conclusão do
curso e, principalmente, no caso dos exames para admissão, que tipo de candidatos podem ser
recebidos como seus alunos.
Nesse sentido, os exames assumem um papel regulador sobre o currículo e as
disciplinas chegando mesmo a alterar as finalidades para eles determinadas pela legislação.
Atualmente, qualquer professor de curso preparatório para o vestibular prepara suas aulas em
função dos programas e, principalmente, das provas anteriores das universidades nas quais seus
alunos concorrem a uma vaga. Eis a razão pela qual, os exames são considerados um dos
dispositivos mais importantes da escolarização moderna, porque contribuem decisivamente para
a definição da função social da escola e assumem um papel regulador sobre a formação
ministrada, podendo ser vistos como verdadeiras instituições.
Todo exame, não importa sua origem ou finalidade, apresenta um duplo objetivo:
fornecer os conhecimentos, ver os meios de ação necessários para exercer um poder; construir
uma ordem em que cada sujeito examinado deve encontrar seu lugar. Por isso, consideramos
que o estudo dos exames pode ser um instrumento útil e necessário para estudar a história do
currículo.
Os Exames de Admissão ao Ginásio, vigentes de 1931 a 1971, constituem um caso
exemplar na história da educação brasileira. Complementando a Reforma “Francisco Campos”,
o Decreto nº. 19.890, de 18 de abril de 1931, estabelecia:
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Art. 18 – O candidato à matrícula na 1ª série de estabelecimento de
ensino secundário prestará exame de admissão na segunda quinzena
de fevereiro.3
Durante quarenta anos, com pequenas modificações, alunos do Curso Primário e suas
famílias aguardavam e se preparavam para serem bem sucedidos nos exames para ingresso no
Ginásio, objeto de desejo da classe média em ascensão (SPOSITO, 1993; PESSANHA, 1994).
Reforçando a intenção de padronizar o ensino ginasial, ou melhor, o tipo de candidato
que poderia ultrapassar a barreira do Exame de Admissão, os sucessivos decretos e portarias4
apresentavam, além dos dispositivos gerais, como período e forma dos exames, documentação
exigida para a inscrição, o detalhamento dos conteúdos das provas e, inclusive, da correção.
Durante 40 anos, crianças entre 10 e 13 anos foram submetidas ao mesmo exame, pois, embora
as provas fossem diferentes, o fio do corte era o mesmo.
Nosso objetivo, neste trabalho, é analisar como as redações, integrantes da Prova de
Português, dos candidatos aos Exames de Admissão deixaram “vestígios” de sua participação
nesse processo seletivo e como esses objetivos evidenciam suas “táticas”5 para conseguir
superar o obstáculo que os separava do sucesso: a aprovação nesse exame. Se tática é
determinada pela ausência de poder (CERTEAU, 2003.101), essa era a situação dos candidatos
e das suas famílias.
Considerando documentos oficiais, manuais de gramática e antologias, da década de
1930 (DANIEL, 2001), o ensino de Português no ginásio tinha os seguintes objetivos básicos:
1)
domínio da língua como patrimônio cultural fixado pelos
autores de excertos selecionados, considerados modelos
incontestáveis, ressaltando-se o fato de que as antologias da época só
incluíam excertos de autores já falecidos;
2)
valorização da modalidade escrita da língua, pela leitura de
excertos selecionados, associada à observação e à imitação do estilo
de autores de textos, pertencentes a diversas fases da literatura
portuguesa e brasileira;
3)
respeito aos valores morais veiculados pelos textos
selecionados, segundo os padrões da moral dominante oficial;
4)
estudo das regras gramaticais nas ocorrências exemplares
identificadas nos excertos selecionados, considerados modelos de
desempenho lingüístico.
Depreende-se desses objetivos, a existência de um projeto pedagógico em que, no
ensino de língua materna, o texto literário era usado como pretexto sobretudo para o ensino de
gramática. Quanto aos procedimentos relativos ao processo propriamente dito de ensino e
aprendizagem de leitura e redação, vale frisar que isso não era preocupação da escola.
3 Todas as referências à legislação foram obtidas em Valente, 2001.
4 Decreto nº. 19.890, de 18 de abril de 1931; Decreto nº. 21.241, de 4 de abril de 1932; Portaria de 15 de
abril de 1932; Decreto nº. 22.106, de 18 de novembro de 1932; Decreto nº. 292, de 23 de fevereiro de
1938; Portaria nº. 142, de 24 de abril de 1939; Circular nº. 8, de 19 de agosto de 1939; Decreto-Lei nº.
1750, de 8 de dezembro de 1939; Portaria nº. 479, de 30 de novembro de 1940; Circular nº 3, de 30 de
dezembro de 1940; Circular nº 13, de 12 dezembro de 1941; Portaria nº. 458, de 27 de fevereiro de 1951;
Portaria n° 193, de 13 de maio de 1950; Circular n° 1, de 15 de março de 1951; Portaria n° 325, de 13 de
outubro de 1959; Circular nº 3, de 11 de novembro de 1959; Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961.
5 “Tática” é aqui utilizada no sentido dado por Certeau que a considera “ação calculada que é
determinada pela ausência de um próprio. A tática não tem por lugar senão o do outro. E por isso deve
jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a lei da força estranha” (CERTEAU, 2003, p.
100).
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Acreditava-se, porém, no chamado “dom de escrever” e na “inspiração”, reservados para
escritores eleitos dos deuses. Entretanto, Meserani (1995: 18) enfatiza:
A escola contava com hábitos sociais do ler/escrever, ensinava muita
gramática e literatura, às vezes dava elementos de retórica diluída e
tinha esperanças de prodigalidade divina na distribuição dos dotes
literários. Por causa disso, ou apesar disso, o aluno escrevia. Com
um tema e um limite espacial ele tinha de escrever.
Essa era uma das tarefas exigidas do candidato na prova de Português do Exame de
Admissão: escrever uma redação - uma das partes de uma prova que deveria ser realizada em 90
minutos.
O caráter seletivo desse exame é explicitado em vários dispositivos da legislação
complementar que acompanhou sua existência como, por exemplo, a Circular Nº 3, de 30 de
dezembro de 1940, que altera as instruções e os programas para os exames de admissão dos
estabelecimentos de ensino secundário:
Aos EXAMES ESCRITOS, de caráter eliminatório, deve ser dada a
maior importância, pois são de fato os que permitem aferição mais
exata das condições reais do candidato ao curso secundário. Na
prova de PORTUGUÊS é necessário que o trecho escolhido para o
ditado tenha em vista este indispensável critério seletivo, e a redação
não uma simples reprodução decorada. Será, pois, aconselhável que o
inspetor escolha no momento a gravura a ser descrita, não convindo
já seja ela conhecida do aluno (sem grifos no original).
Em relação às provas de Português, é possível perceber uma sensível alteração nas
instruções e programas. Assim, por exemplo, o Decreto Nº 19890, de abril de 1931, apenas
mencionava que a prova de Português deveria incluir redação e ditado e que o Departamento
Nacional de Ensino regularia o processo6 e o julgamento das provas, dispositivo mantido no
Decreto Nº 21 241, de 1932. Comparando-se com o disposto na Portaria 142, de abril de 1939,
percebe-se um maior detalhamento nesta última, especificando que, na prova de Português,
devem ser avaliadas a ortografia, a pontuação e a caligrafia, “além de outros elementos” não
especificados7. Além disso, a mesma Portaria determina as formas para correção e pontuação:
22. Português: Critério de correção de provas e atribuição de notas
às provas escritas: À redação será atribuído o valor 60 e ao ditado
valor 40. Correção: Serão assinalados a lápis ou tinta de cor todos os
erros cometidos pelo candidato e para a apuração da média total da
prova fica estabelecido o seguinte critério: a) Quanto ao assunto -1)
qualidade de imaginação – 10 pontos; 2) qualidades de originalidade
– 10 pontos; 3) facilidade de expressão – 10 pontos. Quanto à forma –
Correção – 30 pontos. Erros de grafia de palavras – menos 1/2 ponto
para cada erro simples e menos 1 ponto para casa erro grave. Erros
6 Decreto n° 19.890, de 18 de abril de 1931:
“Art. 22 – O exame de admissão constará de provas escritas, uma de Português (redação e ditado) e
outra de aritmética (cálculo elementar), e de provas orais sobre elementos dessas disciplinas e mais
sobre rudimentos de Geografia, História do Brasil e Ciências Naturais.
Art. 23 – O Departamento Nacional de Ensino expedirá instruções que regulem o processo e julgamento
dessas provas”.
7 Portaria 142, de 24 de abril de 1939, p.19: “A prova escrita de Português, na qual se apreciarão, além
de outros elementos, a ortografia, a pontuação e a caligrafia, constará de um ditado, de cerca de quinze
linhas de trecho de autor brasileiro contemporâneo, sorteado de lista previamente aprovada pelo
inspetor, e de uma redação sobre motivo de uma estampa, a qual variará para cada turma”.
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de acentuação – menos 1 ponto para 6 sinais (erro, falta ou excesso).
Erros de pontuação – Menos 2 pontos para cada falta de ponto;
menos 1 ponto para cada erro, falta ou excesso de cinco sinais outros.
Erros de sintaxe – Concordância – menos 2 pontos para cada
erro.Tratamento – menos 2 pontos para cada erro. Observação –
Para o ditado vigoram apenas as instruções do item “b” quanta à
contagem dos erros.
A Portaria Nº 470, de novembro de 1940, introduz um elemento novo: a leitura e a
interpretação de um texto de autor contemporâneo na prova oral, além de detalhamento do
conteúdo de Gramática:
II - PORTUGUÊS - Leitura e interpretação de um trecho de 25 a 30
linhas de escritor nacional contemporâneo. Argüição sobre o
alfabeto, vogais e consoantes, grupos vocálicos e grupos
consonantais, sílaba, vocábulo, notações léxicas e acento tônico.
Conhecimentos das categorias gramaticais (excluídas as
classificações das conjunções de 1a e 2a classe): análise léxica.
Exercícios sobre as flexões de gênero, número e grau. Conjunção
completa dos verbos auxiliares e dos regulares. Exercícios de
sinônimo antônimos. Exercícios de redação.
Ainda em 1940, uma Circular reforça a obediência às normas de correção da Portaria
142 e acrescenta:
É importante apreciar o desembaraço caligráfico, devendo ser
diminuída a nota das provas que assim não se apresentem. (...)
OS EXAMES ORAIS – Têm por principal objetivo apurar o grau de
desenvolvimento da linguagem expressiva do candidato, depois de ter
sido ele submetido, nas provas escritas, à mesma apuração no que diz
respeito à linguagem receptiva. Assim, cumpre não tornar
demasiadamente memorista o caráter destas provas, atendendo às
seguintes indicações:
PORTUGUÊS – Importa antes do mais a compreensão exata do
trecho lido, que deve, pois ser escolhido criteriosamente. São
aconselháveis os exercícios de sinonímia, o reconhecimento rápido
das categorias gramaticais, a conjugação de alguns tempos dos
verbos encontrados no trecho, etc. Não tem valor prático os longos
enunciados de palavras invariáveis, visto como será preferível que o
aluno mostre conhecê-las no trecho lido.
Em 1952, percebe-se a primeira alteração nas orientações sobre a Prova Escrita de
Português. Se até então fora mantida a redação “à vista de uma estampa”, agora apenas se indica
que, na prova de Português, deverá constar uma redação, cujo valor mínimo será de quatro (4)
pontos, sem especificar que tipo de redação seria e, em 1959, já se admite uma redação de livre
escolha da banca examinadora.
Por um feliz acaso, grande parte das provas dos candidatos aos exames de admissão ao
Ginásio do Estado da Capital de São Paulo, o primeiro Ginásio público de São Paulo, fundado
em 1894, foi preservada, está atualmente digitalizada em CDs e disponível para consulta8.
Ao que parece, o Ginásio de São Paulo foi muito importante para a cidade, pelo menos
até a reforma do ensino instituída pela Lei Nº5692, de 1971, que eliminou a separação entre o
ensino primário e o secundário, reunindo as quatro séries que constituíam cada um desses níveis
em oito séries sob o nome de Ensino de 1º Grau. Há registros de nomes famosos entre seus
8 VALENTE, Wagner Rodrigues. Os exames de admissão ao ginásio: 1931-1969. São Paulo, PUC/SP
(Arquivos da Escola Estadual de São Paulo), 3 CDs., 2001.
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alunos e professores e de uma forte concorrência ao Exame de Admissão, reafirmando seu
caráter seletivo.
Em São Paulo, o colégio era procurado por alunos não só do interior do Estado como
também de outros estados, principalmente do Nordeste. Fundado com o nome de Gymnasio de
São Paulo recebeu diferentes nomes: Colégio de São Paulo, Colégio Estadual Franklin Delano
Roosevelt, Colégio Estadual Presidente Roosevelt, Colégio Estadual de São Paulo, Escola
Estadual de São Paulo, Escola Estadual de 2º Grau de São Paulo e Escola Estadual de São
Paulo.
O colégio paulista mudou freqüentemente de endereço:
Travessa da Glória no. 23, o endereço de sua inauguração, no
governo de Bernardino de Campos, Presidente do Estado; Rua Boa
Morte, hoje Rua do Carmo; Rua Conde do Pinhal; transferindo-se,
em seguida para o Liceu de Artes e Ofício, no bairro da Luz; Parque
D. Pedro II e Rua do Carmo, de 1933 a 1940; mudando-se em 1940
para a Rua Frederico Alvarenga, no 121, onde permaneceu até 1960;
finalmente deslocando-se para a Rua da Figueira, no. 500, onde hoje
se encontra, em prédio construído por ex-aluno da escola, Prefeito
Wladimir de Toledo Pizza (VALENTE, 2001).
Cumprindo a legislação, a escola paulista realizou exames de admissão a cada ano
desde a instituição desses exames, em 1931, até a sua extinção com a Lei 5692, em 1971. Cabe
esclarecer que o Ginásio de São Paulo realizou seu último exame em 1969, porque o Decreto
Nº. 52.353, de janeiro de 1970, instituiu a escola integrada de oito anos, antecipando o que seria
determinado pela Lei 5692/71.
À primeira vista, parece que o que era exigido nos exames de admissão não estava
previsto nas orientações de Metodologia Especial do livro mais utilizado nas Escolas Normais, o
de Theobaldo Miranda Santos. Provavelmente, os professores das quartas séries do curso
primário e dos cursos preparatórios para o Exame de Admissão guiavam-se mais pelos manuais
especializados em exames de admissão, entre os quais se encontravam os editados pelo próprio
Theobaldo Miranda Santos. Um deles era destinado aos alunos e continha orientações sobre
como ler, como escrever, como fazer a composição e como se comportar nos exames orais e
escritos (SANTOS, 1962).
A pesquisa
O corpus da pesquisa que deu origem a este trabalho é composto por cerca de 1800
provas de Português, gravadas em três CDs (VALENTE, 2001), referentes aos Exames de
Admissão, realizados no período de 1931-1969, no mais antigo ginásio público da capital de
São Paulo, a atual Escola Estadual de São Paulo.
Essas provas integram o arquivo da Escola Estadual de São Paulo, situada na capital
paulista. Estão gravadas em 3 volumes de CD-ROM, intitulados “Os Exames de Admissão ao
Ginásio: 1931- 1969”, produzidos no projeto “História da Educação Matemática no Brasil,
coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, da Pontifícia Universidade de São Paulo,
2001. No primeiro volume, estão gravadas as provas de admissão, de 1931 a 1943; no segundo,
as provas de 1944 a 1954; e, no último, de 1955 a 1969. Não foram encontrados os exames
referentes ao ano de 1965.
Das provas de Português existentes no conjunto de CDs, foram analisadas todas as 111
redações do ano de 1931, primeiro ano de vigência do exame; todas as 75 redações do ano de
1941, ano seguinte à Circular Nº 3, de 30 de dezembro de 1940, e todas as 27 redações do ano
de 1953, posterior à Portaria 458 que introduziu alterações na prova de Português.
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Mediante a análise de uma amostragem das provas9, percebeu-se que a prova de
Língua Portuguesa era determinante para a entrada do candidato no ginásio. Primeiramente,
pelo rigor do critério de correção das provas e atribuição de notas às provas escritas, pois o
candidato que cometesse oito erros de grafia, no ditado, já obtinha nota zero. Segundo, pelo
parecer do examinador, que atribuía nota à composição de acordo com critérios subjetivos,
acrescentando um (1) ponto para a qualidade de imaginação – um dos pontos mais difíceis de
ser analisado – foi preciso até colocar-se no lugar dos examinadores lendo algumas redações da
época para que se pudesse compreender o que esses critérios objetivavam.
Outra observação a ser considerada, na composição, é a gravura que o candidato
deveria descrever, visto que a história deveria ter imaginação e as composições que não
mencionavam o exame de admissão obtinham notas melhores. Também era valorizado o uso de
termos eruditos que, ao mesmo tempo, expressassem facilidade para a compreensão do
examinador. A caligrafia também era vista como fator importante, pois as provas que
apresentaram uma boa caligrafia e poucas rasuras obtiveram nota maior.
Esses critérios de pontuação deveriam estar bem claros para os candidatos. Em
algumas composições, percebe-se a preocupação que o candidato teve com relação a esses
critérios. Foi possível perceber, por exemplo, que, em algumas provas, a letra utilizada na
composição foi diferente do restante da prova e do rascunho.
Segundo Luce Giard, Certeau dava enorme importância à “invenção do documento”,
o momento em que o pesquisador, no sem-numero de vestígios do passado, produz o seu
próprio material definindo critérios de pertinência, métodos de coleta de dados, procedimentos
para seriação e estabelecimento de paralelos (2002, p. 20). Esse comentário referenda a
resposta dada por Certeau à própria pergunta sobre o oficio de historiador: “É encontrar na
própria informação histórica o que a tornara pensável” (2002, p. 123).
Analisando as provas de redação dos candidatos aos Exames de Admissão ao Ginásio,
do mais antigo ginásio de São Paulo (atual Escola Estadual de São Paulo), com o objetivo de
estudar como se ensinava a língua portuguesa no período de 1931 a 1969, percebemos que as
provas integrantes do corpus da pesquisa constituíam precioso documento para entrever a
“cultura” desses jovens e de suas famílias.
Instados a redigir uma descrição ou narração, “à vista de uma gravura”, os candidatos
deixavam em suas redações vestígios sobre o que era considerado desejável pensar e expressar
sobre a sua vida, a escola e o próprio exame.
Assim, tentamos “reinventar os documentos”, como uma fresta que permitisse
explicitar a forma pela qual aqueles candidatos consideravam necessário expressar sua idéias de
forma a mostrar aos examinadores quem eles eram e como eram merecedores de aprovação,
como “tática” para superar o obstáculo que o exame colocava entre cada um deles e o futuro
glorioso representado pela conquista do Ginásio.
Os candidatos deveriam escrever uma redação “à vista de uma estampa”. Mesmo sem
ter tido acesso a nenhuma dessas estampas10, pudemos inferir, pelos elementos contidos na
composição, que as gravuras, nelas apresentadas, sugeriam em sua maioria uma temática rural
(50, das 111 de 1931; 58, das 75 de 1941; 9, das 27 de 1953), as demais eram cenas de praia ou
de interiores, escola e cidade só aparecem em 1953.
Importa enfatizar que, embora tivessem como estímulo a mesma gravura, o texto
elaborado podia variar e, em gravuras com muitos detalhes, alguns construíam sua redação a
partir de um dos detalhes e outros se baseavam em detalhes diferentes.
9
LAMB, Denise. A prova de português nos Exames de Admissão ao Ginásio: critérios de avaliação e
atribuição de notas. Trabalho de Conclusão de Curso: Departamento de Educação. CCHS/UFMS. 2004.
10 Tais estampas eram publicadas pela Companhia Editora Melhoramentos. A reprodução de algumas
delas pode ser vista em: LADEIRA, Julieta de Godoy (Coord.). Lições de Casa: exercícios de
imaginação. São Paulo: Livraria Cultura Editora, 1978.
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Os candidatos pareciam conscientes de que estavam sendo submetidos a um exame e,
muito provavelmente, eram preparados para elaborar a redação à vista de uma gravura11. Por
isso, muitas das redações eram quase padronizadas, limitando-se os candidatos a descrever com
detalhes o que viam. No entanto, alguns se “intrometiam” e acrescentavam detalhes ou opiniões
na sua redação.
Essas “intromissões”12 parecem recados para os examinadores e nos forneceram os
elementos para explicitar o que eles pensavam, ou melhor o que consideravam importante e
recomendável expressar sobre a vida, a escola, a cidade, e outros temas que lhes ocorressem, ou
melhor, que nós “fabricamos”.
Apresentamos agora, esses vestígios organizados segundo as temáticas que
percebemos13.
Nas redações à vista de gravuras com paisagem rural, a vida no campo era sempre bela
e saudável devido ao ar puro:
Como é bom morar em uma bonita chácara, respirando-se o ar sadio
dos campos! (C-21/1931).14
Como é bela a vida no campo. (D-21/1931).
Como é bela e despreocupada a vida de campo! (S-13/1931).
E vem completar sua felicidade o ar puro do campo (C-8/1941).
Não há vida melhor que na fazenda. De manhã bem cedo estão todos
de pé prontos para o trabalho. A gravura apresentada é uma amostra
do que digo. Ah, se eu pudesse morar na fazenda (D-3/1941).
Como é agradável a vida da roça (D-14/1941).
É muito saudável a vida no campo (G-15/1941).
Que feliz é a vida no campo (M-14/1941).
A vida na fazenda era tão agradável que quase todos contavam uma história de que
algum aluno, como recompensa pelo sucesso nos estudos, ia passar as férias na fazenda. No
entanto, quase sempre era na fazenda de outros, tios, avós, padrinhos; apenas quatro redações
mencionaram que o personagem foi para a fazenda dos pais. Além disso, morar na fazenda não
parecia recomendável, apenas nove mencionam que o personagem da história morava na
fazenda, e sempre fazia-se a ressalva de que freqüentava a escola, pois a chácara era próxima da
cidade, ou são
[...] filhos do proprietário e estão de volta da escola. Vão fazer o
curso primário na escola da fazenda aproveitando assim o ar puro da
fazenda (O-5/1931).
Paulo teve que deixar a fazenda, pois pretendia continuar os estudos
(D-14/1941).
As férias na fazenda podiam ser muito agradáveis, mas não deixavam esquecer o
“amor aos estudos”:
Quando as férias acabam eles com mil saudades deixam a fazenda,
derramando lágrimas (K-17/1931).
Mario ficou triste ao saber que seu pai o vinha buscar, mas ao mesmo
tempo ficou contente porque ia voltar à escola (N-12/1941).
11
Uma das alterações no regulamento deixava clara essa hipótese, pois recomendava: “Será, pois,
aconselhável que o inspetor escolha no momento a gravura a ser descrita, não convindo já seja ela
conhecida do aluno”.
12 Encontramos essas intromissões em 52, das redações de 1931; em 61, de 1941; e em 21, de 1953.
13 Nos trechos extraídos das redações, a grafia foi atualizada.
14 Esses números referem-se à identificação das provas: a letra inicial refere-se ao diretório do CD onde
está arquivada a prova, o número refere-se à página onde se encontra a redação e o ano do exame.
4363
Mesmo descrevendo uma fazenda, alguns conseguiam deixar claro que conheciam a
cidade, pois explicitam como chegavam à fazenda:
Ela tomou o trem das 10 horas (D-13/1931).
Depois de viajar quase duas horas de trem... tomou um trole (E15/1931).
Tomou o trem ... e chegou à Estação da Luz (E-15/1941).
Para ir de São Paulo a Santo Amaro é preciso passar por esse sitio
que se chama Fazenda Moderna (E-14/1941).
A cidade aparece com maior freqüência nas redações provocadas pela gravura do Rio
de Janeiro, em 1953, apesar de o Rio de Janeiro já ter aparecido com detalhes em 1931 por
causa de um sapateiro: “Manuel é um pobre italiano que é proprietário de uma sapataria sita à
rua do Ouvidor no Rio de Janeiro” (L-9/1931).
A cidade do Rio de Janeiro é enaltecida como a cidade maravilhosa, para onde os
paulistas iam, pois o defeito de São Paulo era não ter praia (D-3/1931). No entanto, está
expresso o medo da metrópole:
Há carros, ônibus e caminhões dos mais lindos e variados. Para não
haver desastre foi contratado um guarda. (...) Rio de Janeiro é uma
das cidades que tem mais desastres (B-8/ 1953).
As redações expressavam a percepção das diferenças de classe, mas a mensagem a ser
passada era de que essas diferenças não faziam diferença e deviam ser tratadas com compaixão:
Contou histórias para a menina que estava muito triste porque sua
mãe é muito pobre e não podia comprar presente. (...) Maria ficou
triste e disse que traria todos os brinquedos que não quisesse mais
(A-3/1941).
É trabalhador, mas feliz (C-8/1931).
Paulo, filho de um rico fazendeiro, freqüenta um colégio na capital do
estado de São Paulo. Apesar de rico é humilde e bom para com seus
colegas (P-9/1941).
Nas redações analisadas, só os pobres precisam trabalhar, mas, mesmo assim, são
felizes e dinheiro só é mencionado em uma redação:
Ele mora na roça e ajuda sua mãe a trabalhar (H-9/1931).
É trabalhador, mas feliz. E vem completar sua felicidade o ar puro do
campo (C-8/1931).
Era sempre bem recebido por ser muito caridoso, desse modo poderia
vender com facilidade o leite. Voltava contente por ter obtido uma
boa quantia (L-9/1941).
As crianças das redações estudavam em colégios internos em São Paulo, grupos
escolares, colégios que funcionavam no período da manhã, onde fileiras de meninas corriam
quando tocava a sineta e se submetiam a exames nos quais “o lente de Português folheou um
álbum de quadros e nos mandou fazer uma redação” (J-17/1931). Recebiam também diploma
de curso primário que era motivo de orgulho.
As crianças que freqüentavam essas escolas sabiam que deviam se comportar bem,
pois, quando mencionavam algum mal-feito, o castigo vinha a seguir, e tinham “medo da vara
de marmelo que infalivelmente os viria castigar” (K-21/1931).
Reconhecemos as limitações de estudos como este que não permitem emitir
conclusões, no mínimo apressadas. No entanto, considerando que nesses exames, os candidatos
expressavam o tipo de aluno que eles próprios percebiam, ou foram ensinados a perceber, como
capazes de cursar o ginásio em uma escola pública de prestígio, podemos dizer que o currículo
desses ginásios, no período estudado, tinha como modelo de aluno: crianças urbanas, que
gostavam do campo, mas não queriam morar lá, porque lá não havia escolas; que se
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comportavam bem, pois sabiam que podiam ser castigadas, e minimizavam as diferenças sociais
quando as percebiam.
À guisa de conclusão, podemos afirmar que a análise dos exames pode ser um
caminho para se fazer a história do currículo e avaliar os currículos em andamento.
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