5. Recensão
IMIGRANTES EM PORTUGAL
– ECONOMIA PESSOAS,
QUALIFICAÇÕES E TERRITÓRIOS
Coimbra: Almedina e Ces
JOSÉ REIS, TIAGO SANTOS PEREIRA, JOÃO TOLDA E NUNO SERRA (2010)
ANTÓNIO MANUEL FIGUEIREdO*
a
obra em análise reflecte em boa medida a
continuidade e relevância da obra do CES em
Portugal, perfilando­o como uma das massas
críticas mais relevantes de recursos humanos avançados
no domínio das ciências sociais. A publicação sistematiza
osprincipaisresultadosdeumprojectodeinvestigação
financiadopelaFCT,segundaumaopçãomuitolouvável
de divulgação pública dos resultados da aplicação de
fundospúblicosdeapoioàinvestigaçãocientífica.
Considero a obra em questão uma peça relevante
da evolução da investigação nacional sobre processos
migratórios internacionais de pessoas, não só pela
metodologia de abordagem à problemática da imigração
que foi ensaiada, mas sobretudo pelas novas pistas de
investigaçãoquesuscitasobreestetema,abrindopers­
pectivasdefocagemdepesquisaparanovostrabalhos.
Os movimentos de pessoas constituem um domínio
menos estudado das três dimensões fundamentais em
queadimensãoeconómicadaglobalizaçãosedesdobra:
movimentos de mercadorias e serviços, capitais e pessoas.
A investigação mais recente sobre esta matéria mostra
que as três dimensões económicas da globalização
não apresentam uma evolução homogénea (Findlay
e O’Rourke, 2007; Williamson, 2004; O’Rourke e
Williamson, 1999). Esta questão não é despicienda
para a discussão dos rumos futuros da globalização
em cenário de crise internacional generalizada (Rodrik,
2007). Por isso, a procura de um novo papel para a
investigação em ciências sociais no debate sobre os
rumos da globalização é indissociável de investigação
mais aprofundada sobre a temática dos movimentos
migratórios à escala internacional.
Um dos aspectos mais relevantes da investigação agora
realizada prende-se com a articulação estabelecida entre
a imigração para o território nacional e os modelos de
crescimento/desenvolvimento da economia portuguesa.
De facto, independentemente das características dos
fluxos migratórios, é fundamental captar o papel que
os fluxos imigratórios desempenham na alimentação do
modelo de crescimento da economia de acolhimento.
Osciclosdeemigração/imigraçãoemqueasociedade
portuguesa tem sido fértil decorrem do mesmo tipo de
282
Sociedade e Trabalho 41
fragilidadesestruturaisquetêmcaracterizadodominan­
temente o nosso padrão de crescimento.
A obra destaca e bem a relação entre o ciclo de
imigração e o modelo de crescimento extensivo das duas
últimasdécadas.Dir­se­iaqueonovociclodeimigração
prolongou esse modelo em contexto de declínio e
ajustamentosdemográficossemprecedentesnahistória
recente portuguesa, concedendo-lhe um novo fôlego,
semesquecerapresençabondosaeacríticadosFundos
Estruturais. Em meu entender, esse prolongamento
diferiu em cerca de uma década o processo de ajusta­
mentoestruturalqueaglobalizaçãoestáhojeaimpor,
penosamente, à economia portuguesa.
A associação do ciclo imigratório não se concretiza
apenas na sua articulação com o modelo de crescimento
extensivo, mas essencialmente na sua relação com a forte
presença da produção de não transaccionáveis no nosso
modelo de crescimento e, em questão não analisada na
presente obra, com a incidência da economia informal
e subterrânea. Conclui­se, assim, que a economia por­
tuguesa tira partido das suas próprias condições de
internacionalização para, através dos fluxos imigratórios, prolongar um modelo de crescimento que care­
cia irreversivelmente de ajustamento. A contradição
está no facto da própria globalização precipitar a insustentabilidade do modelo e viabilizar paradoxalmente o
seuprolongamentoartificial.
Um outro aspecto a destacar na obra em análise é
o modo como a imigração é perspectivada no contexto
dos sistemas produtivos locais. O já anteriormente
referido modelo extensivo de crescimento económico
territorializa-se de modo diferenciado no continente
e regiões autónomas. A inserção das novas dinâmicas
de imigração é analisada do ponto de vista das suas
articulações com os diferentes sistemas produtivos
regionais. Também aqui se observam mudanças de
tendências passadas, pois a imigração mais recente revela padrões de distribuição espacial mais diversificados, deixando de constituir uma exclusivo da
grande concentração metropolitana de Lisboa e do
Algarve.Estaquestãonãopodedeixardeserdiscutido
à luz do problema de procura de qualificações que
o modelo português enfrenta, visível no facto dos
níveis de escolarização da população imigrante e de
enquadramento sócio­laborar apresentarem desvios
consideráveis. Temos aqui reflectido o efeito estrutural
deummodelodecrescimentoquetardaemincrementar
osníveisdeprocuradequalificaçõesmaiselevadas.
A investigação agora disponibilizada suscita importantes implicações para um bom desenho de políticas
públicas, sobretudo do ponto de vista da utilização da
atracção de população imigrante como instrumento
de política de desenvolvimento regional. Não devemos
ignorar que territórios carenciados de energia demo­
gráfica podem ser revitalizados com políticas criativas
de atracção simultânea de mão-de-obra imigrante e de
capacidade de empreendimento.
Finalmente, o aspecto de maior novidade na investigação agora apresentada é o da análise da população
deimigrantescientíficos,aspectovitalparacompreender
a saúde e perspectivas futuras do Sistema Científico e
TecnológicoNacional(SCTN).Nãopodemosesquecer
que o SCTN atravessa uma fase muito relevante de
transição, com evolução apreciável dos indicadores
de output científico e de recursos humanos avançados
inseridos em actividades de ciência, bem como do esforço
bruto de despesa de investigação e desenvolvimento e
do ainda mais recente incremento da I&D realizada em
meio empresarial. Portugal, no entender da investigação
agora realizada, situar-se-ia numa nova plataforma
global de circulação de trabalhadores científicos,
assumindo uma localização na semi-periferia do sistema
científicoglobalizado.
Areutilizaçãodeumconceitoqueécaroaolegado
científicodopróprioCES,oconceitodesemi­periferia,
marca neste ponto a obra em análise e suscita matéria
para um debate muito rico sobre a previsível evolução
do SCTN. A possibilidade de Portugal se transformar
num destino atractivo para a mobilidade crescente dos
trabalhadores científicos a nível internacional surge
fortemente tributária da sustentabilidade futura dos
progressos mais recentes observados no SCTN. Em meu
entender,nãoétotalmenteseguroqueosmovimentosde
saída dos nossos melhores recursos humanos avançados
não superem decisivamente o eventual potencial de
atracção, sobretudo de origens com padrões salariais
maisbaixosdoqueosnossos.Seatendênciadominante
for a de um sistema de inovação que não dê o salto
para além do financiamento público, as gravosas con­
dições orçamentais do País poderão induzir a não
sustentabilidade da evolução recente. Esta inversão
seriatrágica,dadaaqualidadedeoutputsederecursos
humanosenvolvidos.Pelocontrário,acasoseconfirmem
as tendências promissoras de incremento sustentado da
participação empresarial nas actividades de I&D, em
estreita cooperação com os inter-faces Universidadeempresa que revelem uma mais intensa interacção
com o meio empresarial, então as perspectivas de
sustentabilidade do SCTN serão mais animadoras.
Em resumo, a investigação do CES abre perspectivas
muito relevantes de aprofundamento do conhecimento
sobre o fenómeno imigratório em Portugal:
– Suscita a necessidade de monitorizar o fenómeno em
função dos padrões de ajustamento do modelo de
crescimento económico.
– Justifica o desenvolvimento das articulações entre
processo imigratório e reprodução do sistema de
economia informal e subterrrânea em Portugal.
– Abre um debate riquíssimo sobre os padrões de
evolução do SCTN em torno da situação de Portugal
como plataforma semi-periférica de circulação de
trabalhadorescientíficos.
Assim, a investigação agora publicada responde bem
a um critério que veremos no futuro crescentemente
aplicado: good (social) value for public money.
Referências Bibliográficas
FINDLAy, Ronald e O’ROURKE, Kevin (2007), Power and
Plenty – Trade, War and the World Economy in the Second
Millennium, Princeton University Press. New Jersey.
O’ROURKE, Kevin e WILLIAMSON, Jeffrey G. (1999),
Globalization and History, MIT Press, Cambridge.
RODRIK, DANI (2007), One Economics, Many Recipes –
Globalization, Institutions and Economic Growth, Princeton
University Press, New Jersey.
WILLIAMSON, JEFFREy G. (2004), The Political Economy
of World Mass Migration – comparing two global centuries,
The AEI Press, Washington D.C.
* Professor Auxiliar (Aposentado) da Faculdade de Economia do Porto.
Presidente do Conselho de Administração da Quaternaire Portugal.
Sociedade e Trabalho 41
283
Download

Imigrantes em Portugal - economia pessoas, qualificações territoriais