O NASCIMENTO Urbano Félix Pugliese do Bonfim * O pior é enfrentar os sorrisos. Quando o filme Tropa de Elite começou pensei um Pelo amor de Deus a vida é dura. O problema não são as mortes pulando em minha frente, somente. A questão não é o fuzil incrustado nos olhos. As balas perdidas. O trabalho ausente. A vida nas favelas chorosamente dividida entre os amigos e os inimigos. Acredito na Vida, ainda. Os sonhos são problemas maiores. Onde eles estão? Os breves risos de esguelha no cinema foram retumbantes em meu ser. Por que a descrença ainda grassa? Quando o Capitão Nascimento sobe a favela é uma mortificação seqüencial. Sorrimos. Não sabemos quem é o inimigo. Como saberíamos? Nunca me foi dito. Não pararam a vida para indicar a mim o manual de instruções do viver. Somos contratantes de uma película cinematográfica pela metade e instransponível. Chorei sozinho. A imbricação do crime organizado com a polícia são panos de fundo de um processo de mortificação do Ser Humano pobre no Brasil do absurdo. Estamos fadados a repetir o erro, por plena covardia de investir no acerto. Não agirei como os corifeus da hipocrisia, viciados em aplausos, sofredores compulsivos da ânsia por tapinhas nos ombros e elogios recheados de fel. Não careço. No dealbar do século XXI, acredito na prisão e na polícia como instituições necessárias. Apenas não creio na prisão dos pobres como solução inexorável das mazelas gerais. Tomo a antipatia no colo. A vida ensinou-me a entender o morrer. Destruição de fantasias tornou-se um mote doloroso. O processo de nascimento da democracia não condiz com as estatísticas demonstradas no sítio eletrônico do Ministério da Justiça. Pobres que presos, perdidos. Todos tentados a tirar a tentação da testa. Tanta tentativa. Tantos tiranos. Em verdade, não insistimos em saber da vida de Wangari Maathai. Não temos tempo. Tudo passa rápido demais. Os sonhos. A vida. A morte. Tudo passa. Até o desejo de término da dor. As vidas tomam os seus lugares e vão, dormindo, até o ponto de chegada. Sem paradas. Sem estações de transbordo. Sem solavancos maiores. Vidas mortas. Vidas sem vida. Vidas petrificadas pelo ânsia de tornar-se o indesejado. A covardia de anunciar a paz como insistência faz coro em meio aos desejos violentados. Os trabalhadores da dor levantam bandeiras. Chorar não faz parte do filme. Para aqueles não violentos: a ingratidão. A paz não pode subir o morro das hipocrisias. Finca, na espera, a própria vitalidade. O direito penal em nada contribui para o fortalecimento das vidas dos fracos. Os débeis sociais continuam a viver a própria vida, sem férias, sem compaixão, sem intervalos. Outro dia um palhaço de circo agradeceu ao público os aplausos, sorrindo. Tirou o chapelão e curvou-se. O nariz vermelho rutilou em meio aos sorrisos. Ele informou que toda a trupe da alegria estava satisfeita. Muito obrigados, gratos, agradecidos por vocês sorrirem. Assim continuaremos a história. O filme passará. Porém, alguns filmes ficarão. Espero, ansioso, o momento da morte da história contada. Sentando na varanda. Vento no rosto. Embalando João Victor, contarei o invivido. Por mim, por você, por todos. * Advogado criminalista. Professor de direito penal da FABAC. Membro da Comissão de Direito Humanos da OAB/BA. Especializando em Educação Universitária na Faculdade Baiana de Ciências. Mestrando em Direito Público na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. [email protected]