ISSN 1415-2762 E Revista Mineira de Enfermagem Nursing Journal of Minas Gerais Revista de Enfermería de Minas Gerais v o l u m e 1 6 . n ú m e r o 1 . j a n / m a r d e 2 0 1 2 EDITORA GERAL Adelaide De Mattia Rocha Universidade Federal de Minas Gerais DIRETOR EXECUTIVO Lúcio José Vieira Universidade Federal de Minas Gerais EDITORES ASSOCIADOS remE Revista Mineira de Enfermagem Andréa Gazzinelli C. Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Isabel Amélia Costa Mendes Universidade de São Paulo – RP Edna Maria Rezende Universidade Federal de Minas Gerais José Vitor da Silva Universidade do Vale do Sapucaí Francisco Carlos Félix Lana Universidade Federal de Minas Gerais Lídia Aparecida Rossi Universidade de São Paulo – RP Luiza Akiko komura Hoga Universidade de São Paulo – RP Magali Roseira Boemer Universidade de São Paulo – RP Márcia Maria Fontão Zago Universidade de São Paulo – RP Marga Simon Coler University of Connecticut – USA Maria Ambrosina Cardoso Maia Faculdade de Enfermagem de Passos – FAENPA María Consuelo Castrillón Universidade de Antioquia – Colombia Maria Flávia Gazzinelli Universidade Federal de Minas Gerais Maria Gaby Rivero Gutierrez Universidade de São Paulo – SP Maria Helena Larcher Caliri Universidade de São Paulo – SP Maria Helena Palucci Marziale Universidade de São Paulo – RP Maria Imaculada de Fátima Freitas Universidade Federal de Minas Gerais Maria Itayra Coelho de Souza Padilha Universidade Federal de Santa Catarina Maria José Menezes Brito Universidade Federal de Minas Gerais Maria Lúcia Zanetti Universidade de São Paulo – RP Maria Miriam Lima da Nóbrega Universidade Federal de Paraíba Raquel Rapone Gaidzinski Universidade de São Paulo – SP Regina Aparecida Garcia de Lima Universidade de São Paulo – RP Rosalina Aparecida Partezani Rodrigues Universidade de São Paulo – RP Rosângela Maria Greco Universidade Federal de Juiz de Fora Silvana Martins Mishima Universidade de São Paulo – RP Sônia Maria Soares Universidade Federal de Minas Gerais Vanda Elisa Andrés Felli Universidade Federal de São Paulo – SP Jorge Gustavo Velásquez Meléndez Universidade Federal de Minas Gerais Marília Alves Universidade Federal de Minas Gerais Roseni Rosângela de Sena Universidade Federal de Minas Gerais Tânia Couto Machado Chianca Universidade Federal de Minas Gerais CONSELHO EDITORIAL Adriana Cristina de Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais Alacoque Lorenzini Erdmann Universidade Federal de Santa Catarina Alba Lúcia Bottura Leite de Barros Universidade Federal de São Paulo – SP Aline Cristine Souza Lopes Universidade Federal de Minas Gerais André Petitat Université de Lausanne – Suiça Anézia Moreira Faria Madeira Universidade Federal de Minas Gerais Carmen Gracinda Scochi Universidade de São Paulo – RP Cláudia Maria de Mattos Penna Universidade Federal de Minas Gerais Cristina Maria Douat Loyola Universidade Federal do Rio de Janeiro Daclê Vilma Carvalho Universidade Federal de Minas Gerais Deborah Carvalho Malta Universidade Federal de Minas Gerais Elenice Dias Ribeiro Paula Lima Universidade Federal de Minas Gerais Emília Campos de Carvalho Universidade de São Paulo – RP Flávia Márcia Oliveira Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Goolan Houssein Rassool University Of London – Inglaterra Helmut Kloos Universit of Califórnia, San Fransico – USA REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM Publicação da Escola de Enfermagem da UFMG Em parceria com: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz – MG Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Fundação de Ensino Superior de Passos – MG Universidade do Vale do Sapucaí – MG Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – MG Universidade Federal de Juiz de Fora – MG CONSELHO DELIBERATIVO Maria Imaculada de Fátima Freitas – Presidente Universidade Federal de Minas Gerais Girlene Alves da Silva Universidade Federal de Juiz de Fora Lucyla Junqueira Carneiro Escola de Enfermagem Wenceslau Braz Tânia Maria Delfraro Carmo Fundação de Ensino Superior de Passos Rosa Maria Nascimento Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí Sandra Maria Coelho Diniz Margon Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Indexada em: BDENF – Base de Dados em Enfermagem / BIREME-OPAS/OMS CINAHL – Cumulative Index Nursing Allied Health Literature CUIDEN – Base de Datos de Enfermería en Espanhol LATINDEX – Fundación Index LILACS – Centro Latino Americano e do Caribe de Informações em Ciências da Saúde REV@ENF – Portal de Revistas de Enfermagem – Metodologia SciELO/Bireme - OPAS/OMS LATINDEX - Sistema Regional de Información en Linea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, Espanã y Portugal Formato eletrônico disponível em: www.enfermagem.ufmg.br www.periodicos.capes.ufmg.br Secretaria Geral Mariene Luiza Lopes Pereira – Secretária Mateus Aparecido de Faria – Bolsista da Fundação Universitária Mendes Pimentel (FUMP) Projeto Gráfico, Produção e Editoração Eletrônica Brígida Campbell Iara Veloso CEDECOM – Centro de Comunicação da UFMG Escola de Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais Revista Mineira de Enfermagem – Av. Alfredo Balena, 190 – Sala 104, Bloco Norte – Belo Horizonte - MG Brasil – CEP: 30130-100 Telefax: (31) 3409-9876 E-mail: [email protected]/[email protected] Editoração Saitec Editoração (Eduardo Queiroz) Impressão Editora e Gráfica O Lutador Normalização Bibliográfica Jordana Rabelo Soares CRB/6-2245 Revisão de texto Maria de Lourdes Costa de Queiroz (Português) Mônica Ybarra (Espanhol) Mariana Ybarra (Inglês) Assinatura Secretaria Geral – Telefax: (31) 3409 9876 E-mail: [email protected]/[email protected] Revista filiada à ABEC – Associação Brasileira de Editores Cientíicos Periodicidade: trimestral – Tiragem: 400 exemplares REME – Revista Mineira de Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. - v.1, n.1, jul./dez. 1997. Belo Horizonte: Coopmed, 1997. Semestral, v.1, n.1, jul./dez. 1997/ v.7, n.2, jul./dez. 2003. Trimestral, v.8, n.1, jan./mar. 2004 sob a responsabilidade Editorial da Escola de Enfermagem da UFMG. ISSN 1415-2762 1. Enfermagem – Periódicos. 2. Ciências da Saúde – Periódicos. I. Universidade Federal de Minas Gerias. Escola de Enfermagem. NLM: WY 100 CDU: 616-83 Errata No artigo intitulado PERCEPÇÃO MATERNA ACERCA DO DISTÚRBIO NUTRICIONAL DO FILHO: UM ESTUDO COMPREENSIVO, no vol. 15 n. 4 – 2011, o nome correto da coautora Fabrícia Marques Ribeiro Ferreira é Fabrícia Cecília Marques Ribeiro. Na página 407 do artigo intitulado ERROS E AÇÕES PRATICADAS PELA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR NO PREPARO E ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS, vol. 15 n. 3 – 2011, onde se lê “possíveis falhas que possam ocorrer durante o processo sejam ‘cometidas’” leia-se: “possíveis falhas que possam ocorrer durante o processo sejam interceptadas.” No artigo intitulado AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP, BRASIL, v. 15, n. 4 – 2011, o cargo do segundo escritor, Raphael Del Roio Liberatore Jr., é MÉDICO, e não ENFERMEIRO, do Serviço de Endocrinologia Pediatria (FAMERP). Sumário 9 Editorial 11 Pesquisa 11 SABERES E PRÁTICAS DOS CLIENTES COM FERIDAS: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE CRUZEIRO DO SUL, ACRE / KNOWLEDGE AND PRACTICES OF CLIENTS WITH WOUNDS: A CASE STUDY IN THE MUNICIPALITY OF CRUZEIRO DO SUL, ACRE / CONOCIMIENTO Y PRÁCTICAS DE CLIENTES CON HERIDAS: ESTUDIO DE CASO EN CRUZEIRO DO SUL, ACRE Carla Lucia Goulart Constant Alcoforado Fátima Helena do Espirito Santo 18 ACONSELHAMENTO EM HIV/AIDS: REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE / HIV/AIDS COUNSELLING: REPRESENTATIONS OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS / Asesoramiento en VIH / SIDA: representaciones de los profesionales que TRABAJAN en atención básica DE LA salud Marina Celly Martins Ribeiro de Souza Maria Imaculada de Fátima Freitas 25 CIRURGIA AMBULATORIAL PEDIÁTRICA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ACERCA DO IMPACTO DA CONSULTA DE ENFERMAGEM / PEDIATRIC AMBULATORY SURGERY: AN EXPLORATORY STUDY ON THE IMPACT OF NURSING VISIT / CIRUGÍA AMBULATORIA PEDIÁTRICA: ESTUDIO EXPLORATORIO SOBRE EL IMPACTO DE LA CONSULTA DE ENFERMERÍA Carlos Eduardo Peres Sampaio Maristela Villarinho de Oliveira Vanessa Marques de Medeiros Leal Liany Bonilla da Silveira Comino Regina Aurora Trino Romano Antonio Marcos Tosoli Gomes 31 MULHERES COM CÂNCER DE MAMA: INTERAÇÕES E PERCEPÇÕES SOBRE O CUIDADO DO ENFERMEIRO / WOMEN WITH BREAST CANCER: NURSE-PATIENT INTERACTIONS AND PERCEPTIONS OF NURSING CARE / MUJERES CON CÁNCER DE MAMA: INTERACCIONES Y PERCEPCIONES SOBRE LA ATENCIÓN DE LOS ENFERMEROS Wagner Barreto Costa Marta Raquel Mendes Vieira Weide Dayane Marques Nascimento Luciana Barbosa Pereira Maisa Tavares de Souza Leite 38 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA EM BELO HORIZONTE / SOCIO-DEMOGRAPHIC AND CLINICAL PROFILE OF PATIENTS TREATED IN AN OUTPATIENT PALLIATIVE CHEMOTHERAPY CLINIC IN BELO HORIZONTE / PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO Y CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EN UN SERVICIO AMBULATORIO DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA DE BELO HORIZONTE Raissa Silva Souza Delma Aurélia da Silva Simão Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima 48 SATISFAÇÃO E FRUSTRAÇÃO NO DESEMPENHO DO TRABALHO DOCENTE EM ENFERMAGEM / SATISFACTION AND FRUSTRATION IN THE PERFORMANCE OF NURSING FACULTY JOB / SATISFACCIÓN Y FRUSTRACIÓN EN EL DESEMPEÑO DEL TRABAJO DE DOCENTES EN ENFERMERÍA Maithê de Carvalho e Lemos Joanir Pereira Passos 56 REPERCUSSões da hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade / LEPROSY effects oN PATIENTS’ DAILY LIVES: vulnerabiliTY AND SOLIDARITY / REPERCUSIONES DE LA ENFERMEDAD DE HANSEN EN LA VIDA COTIDIANA DE LOS PACIENTES: VULNERABILIDAD Y SOLIDARIDAD Jairo Aparecido Ayres Bianca Sakamoto Ribeiro Paiva Marli Teresinha Cassamassimo Duarte Heloísa Wey Berti 63 AVALIAÇÃO DA DOR CRÔNICA EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS / EVALUATION OF CHRONIC PAIN IN THE INSTITUTIONALIZED ELDERLY / EVALUACIÓN DEL DOLOR CRÓNICO EN ANCIANOS INSTITUCIONALIZADOS Maria Helena Barbosa Larissa Carvalho Silva Érica Vieira de Andrade Raissa Bianca Luiz Alisson Fernandes Bolina Ana Lúcia De Mattia Daniel Ferreira da Cunha 69 AÇÕES EDUCATIVAS PARA PREVENÇÃO DE INFECÇÕES HOSPITALARES EM UMA UNIDADE NEONATAL / EDUCATIONAL ACTIVITIES FOR THE PREVENTION OF HOSPITAL INFECTION IN A NEONATAL UNIT / ACCIONES EDUCATIVAS PARA PREVENIR INFECCIONES HOSPITALARIAS EN UNIDAD NEONATAL Mayara Sousa Vianna Aline Martins Braga Luciana Camponez de Ávila Menezes Guilherme Augusto Armond Dirciana Cangussu Lenize Adriana de Jesus Wanessa Trindade Clemente Edna Maria Resende Roberta Maia de Castro Romanelli 75 O OLHAR DO IDOSO SOBRE O ATENDIMENTO EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DE CORONEL FABRICIANO-MG / CARE AT BASIC HEALTH UNITS IN CORONEL FABRICIANO FROM THE PERSPECTIVE OF ELDERLY PEOPLE / MIRADA DE LOS ANCIANOS SOBRE LA ATENCIÓN EN LAS UNIDADES BASICAS DE SALUD DE CORONEL FABRICIANO-MG Helisamara Mota Guedes Elis Any de Pinho Batista Janaína Alves Rosa Martha Elisa Ferreira de Almeida 81 SITUAÇÃO DE VIDA, SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO INDÍGENA POTIGUARA / LIFE, HEALTH AND DISEASE AMONG THE POTIGUARA PEOPLE / SITUACIÓN DE VIDA, SALUD Y ENFERMEDAD DE LA POBLACIÓN INDÍGENA POTIGUARA Rita de Cassia Cordeiro de Oliveira Antonia Oliveira Silva Silvana Carneiro Maciel Juliana Rízia Félix de Melo 91 SENTIMENTOS DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM EM RELAÇÃO AO PACIENTE ONCOLÓGICO / NURSING PROFESSIONALS’ FEELINGS TOWARDS ONCOLOGY PATIENTS / SENTIMIENTOS DE ENFERMEROS HACIA PACIENTES ONCOLÓGICOS Márcia Cristina Lucas de Oliveira Maria da Penha Rodrigues Firmes 98 A OBRIGAÇÃO DE (DES) CUIDAR: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O CUIDADO À SEQUELADOS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL POR SEUS CUIDADORES / “(DE) CARING” AS AN OBLIGATION: CAREGIVERS SOCIAL REPRESENTATIONS ON CARING FOR STROKE VICTIMS / LA OBLIGACIÓN DE (DES) CUIDAR: REPRESENTACIONES SOCIALES DE LOS CUIDADORES SOBRE EL CUIDADO DE PACIENTES CON SECUELAS DE ACV Jeferson Santos Araújo Silvio Éder Dias da Silva Vander Monteiro da Conceição Mary Elizabeth de Santana Esleane Vilela Vasconcelos 106 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM ENFERMAGEM: NECESSIDADES, DESAFIOS E RUMOS / PROFESSIONAL NURSING EDUCATION: NEEDS, CHALLENGES AND DIRECTIONS / EDUCACIÓN PROFESIONAL EN ENFERMERÍA: NECESIDADES, DESAFÍOS Y RUMBOS Juliana Cristina Lessman Gabriela Marcellino de Melo Lanzoni Edilmara Gubert Paula Xavier Gums Mendes Marta Lenise do Prado Vânia Marli Backes 111 Revisão teórica 111 OBESIDADE INFANTIL COMO FATOR DE RISCO PARA A HIPERTENSÃO ARTERIAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA / CHILDHOOD OBESITY AS A RISK FatoR IN THE DEVELOPMENT OF ARTERIAL HYPERTENSION: AN INTEGRATIVE REVIEW / OBESIDAD INFANTIL COMO FatoR DE RIESGO PARA LA HIPERTENSIÓN: UNA REVISIÓN INTEGRADORA Carla Campos Muniz Medeiros Inácia Sátiro Xavier Victor Emmanuell Fernandes Apolônio Santos Marcos Antônio de Oliveira Souza Adriana Santana de Vasconcelos Estela Rodrigues Paiva Alves 120 TRANSCULTURALIDADE: O ENFERMEIRO COM COMPETÊNCIA CULTURAL / TRANSCULTURALITY: THE NURSE WITH SKILLS IN CULTURAL COMPETENCY / TRANSCULTURALIDAD: ENFERMEROS CON COMPETENCIA CULTURAL José Manuel da Silva Vilelas Sandra Isabel Dias Janeiro 129 Refexivo 129 O CUIDADO À MULHER NA CONTEMPORANEIDADE: REFLEXÕES TEÓRICAS PARA O EXERCÍCIO DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL / THE CARE OF WOMEN IN CONTEMPORARY SOCIETY: THEORETICAL REFLECTIONS FOR THE PRACTICE OF TRANSCULTURAL NURSING / EL CUIDADO DE LA MUJER EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA: REFLEXIONES TEÓRICAS PARA LA PRÁCTICA DE LA ENFERMERÍA TRANSCULTURAL Adriana Teixeira Reis Rosângela da Silva Santos Aloir Paschoal Júnior 136 OLHAR DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA FREIREANA / HEALTH EDUCATION PRACTICES FOR ELDERLY CAREGIVERS: A LOOK AT NURSING FROM PAULO FREIRE’S PERSPECTIVE / PRÁCTICAS DE EDUCACIÓN EN SALUD PARA CUIDADORES DE ANCIANOS: MIRADA DE ENFERMERÍA DESDE LA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE Roberta Fortes Santiago Maria Helena Barros Araújo Luz 143 Normas de publicação 145 Publication norms 147 Normas de publicación Editorial RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL E EM ÁREA PROFISSIONAL NA SAÚDE Jeanne Liliane Marlene Michel1 José Rubens Rebelatto2 “Residência” é a denominação utilizada para definir uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, fundamentada essencialmente na educação em serviço. Desenvolvida em 1889 como uma forma de capacitação profissional para médicos no hospital da universidade norte-americana Johns Hopkins, somente na década de 1940 chegou ao Brasil, criando-se em São Paulo o primeiro programa de residência médica1. Duas décadas depois, programas similares para capacitação de outros profissionais da saúde começaram a ser criados. Atualmente, considerando o avanço acelerado na geração do conhecimento e da inovação tecnológica na área da saúde, entende-se a residência como um importante mecanismo de formação de recursos humanos especializados. Pouco se discute, no entanto, o papel essencial das residências na mudança de paradigmas das práticas assistenciais e das práticas de ensino, bem como do seu consequente impacto sobre a graduação. Graças à sua característica fundamental de integração entre o saber da academia e o saber do serviço, os programas de residência constituem um importante instrumento para a definição de padrões de qualidade para a prática assistencial, por meio do questionamento e discussão diários das decisões e condutas clínicas mais adequadas, com base em evidências científicas. A presença de residentes torna, também, o ambiente clínico menos hostil aos alunos de graduação, que estabelecem uma identidade com esses profissionais-aprendizes, buscando, frequentemente, o apoio e a orientação deles no fenômeno conhecido como “ensino em cascata”, que, em síntese, significa a criação de condições adequadas para a ocorrência do processo de ensino-aprendizagem. Ao longo das duas últimas décadas, houve muita polêmica em relação ao desenvolvimento de residências multiprofissionais e em área profissional no Brasil. A forte resistência inicial por parte da corporação médica desencadeou resposta de polarização dos demais profissionais, criando um ambiente de desconfianças mútuas. A regulamentação da residência multiprofissional e em área profissional da saúde por meio da Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005, que criou também a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), permitiu que, após um período inicial conturbado, se caminhasse para uma situação de equilíbrio. É cada vez mais clara a compreensão de que, no século XXI, todos precisam aprender a trabalhar, de fato, em equipe, respeitando o papel e as competências inerentes a cada profissional. É notório, também, que a equipe de saúde precisa ser cada vez mais qualificada para fazer frente aos desafios da crescente complexidade do cuidado à saúde da população. O papel do governo na gestão da educação na saúde, zelando pela formação e qualificação de profissionais cada vez mais competentes para o atendimento das demandas do Sistema Único de Saúde (SUS), é fundamental. Dessa forma, a articulação entre os Ministérios da Educação e da Saúde e de ambos com os gestores do SUS na construção de políticas voltadas para a expansão e qualificação das residências, tanto médica como multiprofissional e em área profissional (em regiões e especialidades consideradas estratégicas para o sistema), é fator determinante para a consecução desse objetivo. REFERÊNCIAS Nunes, MPT. Residência médica no Brasil: situação atual e perspectivas. Boletim ABEM. 2003 nov.-dez. [Citado em 2012 abr. 24]. Disponível em: <www.abem-educmed.org.br/pdf.../art_patrocinio_completo.pdf>. Brasil. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude, altera as Leis nos 10.683e 10.429 e dá outras providências. Brasília, 30 de junho de 2005. 1 2 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordenadora Geral de Residências em Saúde da Diretoria de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC/SESu/DHR/CGRS. Fisioterapeuta. Doutor em Educação. Pós-doc em Fisioterapia Geriátrica. Professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Diretor do Departamento de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC/SESu/DHR. remE – Rev. Min. Enferm.;14(3): 19-24, jul./set., 2010 9 Pesquisas SABERES E PRÁTICAS DOS CLIENTES COM FERIDAS: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE CRUZEIRO DO SUL, ACRE KNOWLEDGE AND PRACTICES OF CLIENTS WITH WOUNDS: A CASE STUDY IN THE MUNICIPALITY OF CRUZEIRO DO SUL, ACRE CONOCIMIENTO Y PRÁCTICAS DE CLIENTES CON HERIDAS: ESTUDIO DE CASO EN CRUZEIRO DO SUL, ACRE Carla Lucia Goulart Constant Alcoforado1 Fátima Helena do Espirito Santo2 RESUMO Estudo de caso qualitativo, exploratório, descritivo, cujo objetivo foi descrever os saberes e práticas dos clientes com feridas. A coleta de informações ocorreu mediante observação direta e entrevista semiestruturada com 12 clientes com feridas de uma unidade básica de saúde no município de Cruzeiro do Sul, Acre. Após análise temática dos dados, emergiram duas categorias: “Saberes dos clientes com feridas” e “As práticas do cuidado”. É importante manter uma relação dialógica buscando a congruência do cuidado, considerando que o cuidado transcende o tratamento das feridas, envolvendo o cliente de forma integral e humanizada, além de considerar seu contexto cultural e sua visão de mundo. Palavras-chave: Cuidados de Enfermagem; Estudo de Caso; Cicatrização de Feridas. ABSTRACT This is an exploratory, descriptive, and qualitative case study that aims at describing the knowledge and practices of clients with wounds. Data were collected through direct observation and the administration of semi-structured interviews to 12 clients with wounds attended at a basic health care unit in the municipality of Cruzeiro do Sul, Acre. After thematic data analysis two categories were identified: the ‘knowledge of clients with wounds’; and ‘care practices’. It is important to maintain a dialogic relationship aiming for the consistency of care. It should be taken into consideration that caring transcends wound treatment because it involves the clients comprehensively and humanely, considering their cultural context and their world view. Keywords: Nursing; Case Study; Wound Healing. RESUMEN Estudio de caso descriptivo exploratorio cualitativo que busca describir el conocimiento y las prácticas de clientes con heridas. Los datos se recogieron mediante observación directa y entrevistas semiestructuradas a 12 clientes atendidos en una unidad de atención primaria de la ciudad de Cruzeiro do Sul, Estado de Acre. Después del análisis temático, los datos fueron clasificados en dos categorías: “conocimiento de clientes con heridas” y “prácticas de cuidado”. Es importante mantener una relación dialógica buscando la consistencia de la atención. Debe considerarse que la atención trasciende el tratamiento de las heridas porque involucra al cliente integralmente y humanamente, considerando su contexto y visión de mundo. Palabras clave: Atención de Enfermería; Estudio de Caso; Cicatrización de Heridas. 1 2 Enfermeira. Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da UFF. Docente da Universidade Federal do Acre (UFAC), Campus Floresta. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Ana Nery, UFRJ. Docente da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da UFF. Endereço para correspondência – Rua Paulino Vaz de Melo, 205, ap. 201, Bairro Dona Clara, Belo Horizonte, Minas Gerais. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 11 Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre INTRODUÇÃO O interesse pelo cuidado aos clientes com feridas emerge das experiências durante a prática profissional, quando se percebe que a presença de uma ferida modifica o cotidiano das pessoas, sensibilizando-as emocional e fisiologicamente. Portanto, é necessário ver esse cliente como um ser único, com suas necessidades e portador de uma realidade e de um cotidiano particulares. É importante encarar o sujeito com feridas como uma pessoa que se emociona, que tem sentimentos e desejos. Ao cuidar, a enfermagem deve integrar práticas objetivas às subjetivas, para ver o cliente como um todo e, então, demonstrar afeto, respeito ao sujeito e à sua família, saber ouvir, tocar sem receios, dialogar antes de tomar decisões, recomendar e compartilhar conhecimentos.1 No entanto, ainda se observa uma prática que prioriza o desenvolvimento da terapêutica tópica, do acompanhamento da cicatrização e do desenvolvimento do procedimento da técnica do curativo, em detrimento do paciente como um ser que tem necessidades e um cotidiano próprios. Nesse sentido, é importante que os profissionais fiquem atentos tanto com relação à realização da técnica quanto à pessoa que precisa ser considerada nesse processo, pois a ação do cuidado deve ser focalizada mais na pessoa, e não apenas na sua doença ou equipamentos.2 Cuidar dos clientes com feridas implica buscar compreender a realidade, a visão de mundo, os valores e as crenças desses sujeitos, para proporcionar um cuidado adequado às suas necessidades.3 E, para isso, o enfermeiro precisa adotar uma postura mais dialética e menos centralizadora,4 vendo o cliente em seu mundo, entendendo suas ações.5 Na Teoria da Universalidade e Diversidade do Cuidado Transcultural, Leininger advoga que o cuidado deve ser ajustado às necessidades, às crenças, aos valores e aos modos de viver das diferentes culturas, proporcionando, assim, um cuidado benéfico e eficiente. Isso porque, ao considerar o estilo de vida, as crenças e os padrões de comportamento, a enfermagem tende a proporcionar um cuidado adequado à sua clientela.6,7 A estrutura social e os fatores ambientais influenciam no cuidado e na saúde, e a enfermagem precisa conhecer esses aspectos para compreender a visão de mundo e o cotidiano da clientela e, assim, cuidar de forma adequada à cultura e às reais necessidades dos clientes.6,7 Ao considerar a realidade e a cultura, emerge a importância do cuidado cultural congruente que envolve o encontro entre o sistema de saúde popular e o profissional de saúde. O sistema popular de saúde é aquele que abarca os conhecimentos e práticas desenvolvidos pela família, vizinhos, comunidade e tem um significado muito grande, pois é aprendido e transmitido de geração em geração. Já o sistema profissional de saúde é desenvolvido por profissionais que oferecem serviços de cuidado ou de cura organizados. Ao interagir com os clientes, a enfermagem deve usar ações de cuidado 12 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 de forma a preservá-las, negociá-las ou repadronizálas, sempre em busca do cuidado cultural congruente. Tais ações precisam estar organizadas e harmonizadas, objetivando o bem-estar e a autonomia do cliente e do profissional, evitando, assim, a imposição cultural. 6,7 No município de Cruzeiro do Sul, Acre, é comum os clientes usarem outras formas de tratamento das feridas que muitas vezes vão de encontro às orientações da equipe de enfermagem, tornando necessário que os membros da equipe de enfermagem conheçam suas crenças, valores, saberes e práticas, para poder orientar e interagir melhor com esses clientes, estabelecendo uma relação dialógica, na qual devem ser valorizados os saberes dos sujeitos. O diálogo, então, torna-se fundamental, pois é o encontro entre os homens, intermediado pelo mundo, sendo uma necessidade existencial.8 Dessa forma, com este estudo objetivou-se descrever os saberes e práticas dos clientes com feridas e discutir suas implicações ao cuidado de enfermagem. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória, qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada no município de Cruzeiro do Sul, Acre, cujo cenário foi o ambulatório de curativos da Unidade Básica de Saúde Doutor Abel Pinheiro. A escolha do campo se deu por critérios como acesso, grande demanda e proximidade da clientela. Os sujeitos da pesquisa constituíram-se 12 clientes com feridas atendidos no referido ambulatório. Como critérios de inclusão, foram considerados aqueles atendidos no ambulatório de feridas da referida unidade, com idade superior a 18 anos, com condições mentais preservadas, que oficializassem a participação por meio da assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como critérios de exclusão, foram definidos os clientes que se recusassem a participar do estudo e idade inferior a 18 anos. A pesquisa obedece à Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (HUAP/UFF), sob o nº 187/09, em 8 de setembro de 2009. A coleta de dados envolveu observação direta e entrevistas semiestrutradas. A observação teve como finalidades a aproximação com o cenário e os prováveis sujeitos do estudo, bem como descrever o cuidado dos clientes com feridas. As entrevistas objetivaram aprofundar aspectos emergentes da observação e captar o ponto de vista dos sujeitos sobre as formas como eles cuidavam de suas feridas. Para a análise dos dados, utilizou-se a análise temática, que visa desvelar os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação.9 Após a análise dos dados, emergiram duas categorias: "Saberes dos clientes com feridas" e "As práticas do cuidado". RESULTADOS A cidade de Cruzeiro do Sul dista de Rio Branco, aproximadamente, 710 km, pela rodovia BR 364.10 Limitase ao norte com o Estado do Amazonas, a oeste com Tarauacá, ao sul com Porto Walter e a Leste com o Peru e os municípios de Rodrigues Alves e Mâncio Lima.11 A população atual de Cruzeiro do Sul é de 77.004 pessoas, distribuídas nas regiões urbanas e rurais da cidade.12 No município existem grandes e graves desigualdades sociais e econômicas entre grupos, por isso a maior parte da população vive em condições precárias de saneamento, renda, trabalho restringindo o acesso a bens essenciais.10 Fizeram parte do estudo 12 clientes atendidos no ambulatório de feridas da referida UBS. O estado civil da maioria é casado: oito clientes (67%) e quatro solteiros (33%). Sobre o nível de estudo, nove (75%) têm nível fundamental incompleto e três (8,3%), nível médio, superior completo e analfabeto. Sobre o número de filhos, seis (50%) clientes têm de um a três filhos e os demais, três (25%), não têm filhos e três (25%) têm mais de três filhos. eles verbalizavam sobre os saberes que possuíam para cuidar das suas feridas ou de outras pessoas próximas com feridas. O cliente Julio relata, em relação à alimentação, que é contraindicada pela medicina popular local durante o cuidado com os pacientes com feridas, fazendo referência ao peixe de couro, que segundo ele é reimoso: É porque peixe de couro ele é, apesar daquele couro dele tem a rema no couro. É por isso que ele é reimoso. Ele é... peixe que não é reimoso é peixe assim, que tem escama, como cascuda, sabe, outros tipo de peixe, vários outros tipos de peixe, mas qualquer peixe de couro é reimoso [...] Não pode comer esse peixe. Isso, tanto pela gordura dele, como pelo couro dele. É um peixe que tudo que fica na flor d’água ele pega. Por isso que ele é reimoso. Tudo que vai pela flor d’água assim... (faz o gesto) sujeira, ele pega. E se você tiver alguma coisa assim, uma enfermidade, ela vai arrebentar. Para a cliente Eliete, o termo reimoso se justifica porque inflama tudo, inflama, a mulher fica toda... A mulher que está de resguardo, a mulher fica toda inflamada por dentro, fica purgando aquele pus podre. Em relação ao bairro onde residem, nove (75%) moram no Formoso e os demais (2) em outros bairros, que não são cobertos pela equipe da UBS, mas, mesmo assim, buscam o atendimento na unidade. Somente um cliente não reside no município de Cruzeiro do Sul, e sim no município de Marechal Thaumaturgo. E existem outros alimentos de origem animal que não devem ser consumidos em razão das complicações que provocam nas pessoas: A maioria dos clientes reside em moradias de madeira, com água de poço instalado no quintal da residência, e o banheiro na maioria das casas é localizado fora do domicílio. Não come jabuti nem a paca e anta também não. A curimatã, o peixe de couro, porque ele tem esporão. É o peixe de couro e quem tem enfermidade não pode comer porque ele tem esporão, inflama. Os sujeitos apresentam as mais variadas formas de feridas, predominando as feridas operatórias (2), feridas ocasionadas por arma branca (1), provenientes de processos alérgicos e picadas de insetos (1), escoriações (1), traumatismos provenientes de acidentes automobilísticos (1) e feridas infectadas (6). Para o cuidado de feridas, os clientes geralmente usam as mais variadas formas, que vão desde práticas de higiene a limpeza das feridas. Usam a água de torneira ou de poço para lavar a lesão, pois é a solução disponível em seus domicílios. O sabão é usado para fazer espuma, e com um pano esfregam a lesão. Existem relatos da utilização de álcool, mercúrio, polvilho (talco) e água de sal. O cuidado também envolve restrições alimentares, como evitar peixes e carnes muito gordurosas, e a valorização de práticas religiosas. Usam plantas como a andiroba e seu óleo, bem como soluções como o azeite virgem. O uso de plantas em forma de chás e cataplasmas para o tratamento de doenças e feridas é mantido e valorizado, principalmente por mulheres, e com idade mais avançada. Saberes do cliente com feridas Durante o cuidado aos clientes, observou-se que enquanto o procedimento do curativo era realizado, O cliente Felício acredita que a ingestão de carne de boi gordurosa agravou sua ferida: Eu calculei assim porque eu comi um churrasco com a carne gordurosa, aí, quando foi no outro dia, já amanheceu inflamado. Na região, é comum a relação entre o tipo de alimento consumido e sua influência na cicatrização de feridas, sendo contraindicada a ingestão de peixes, carne bovina gordurosa, de porco e algumas de caça. Sabe-se que o consumo dos peixes é recomendado por ser uma excelente fonte de proteínas e elevado valor nutricional, pois pequenas quantidades satisfazem as necessidades diárias de proteínas. Em toda a carne encontram-se proteínas de alto valor biológico e uma excelente fonte de ferro, fósforo é potássio, que são importantes para prevenir e curar as anemias.13 Já o peixe é um dos recursos naturais mais abundantes e mais explorados na Amazônia e, talvez, um dos aspectos mais relevantes do peixe para esta população seja o fato de ser um alimento mais acessível às classes com menor poder econômico.14 Entretanto, não são recomendados pelos sujeitos em casos de debilidade do organismo e na presença de lesões no corpo. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 13 Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre Uma pesquisa desenvolvida com pescadores profissionais artesanais no Estado do Mato Grosso-MT apontou que os sujeitos, ao pescarem o peixe pintado, preferem vendêlo, pois acreditam que a reima do couro do peixe faz mal aos indivíduos que apresentam ferimentos ou que estão em período pós-operatório.15 Nesse contexto, as práticas do cuidado podem ser diferentes ou similares, variando de cultura para cultura, de região para região, e que, da mesma forma, as práticas dos cuidados do sistema de saúde popular são diferentes do sistema profissional.7,16 Contudo, nem sempre as ações do cuidado devem ser preservadas, mas sim analisadas juntamente com a clientela e, posteriormente, acomodadas ou renegociadas, desde que não sejam prejudiciais à saúde do indivíduo, favorecendo-lhe o bem-estar e atendendo-lhe as necessidades. Nesse caso, a acomodação do cuidado deve estar presente e é importante que a população seja orientada em relação aos benefícios do consumo de determinados alimentos, os quais são importantes à saúde. No caso das carnes de boi e peixe, por exemplo, para minimizar o teor de gordura, é interessante que os profissionais orientem a população sobre opções de preparo, preferindo consumi-los cozidos ou na brasa, e não fritos, o que aumentaria a quantidade de gordura. Portanto, não aboli-los de sua dieta, até mesmo pelo fato de que o peixe constitui grande parcela dos alimentos da população da região amazônica. As práticas do cuidado Enquanto era desenvolvida a assistência ao cliente com feridas no ambulatório da unidade de saúde, pôde-se perceber que existem práticas relacionadas ao tratamento das feridas dos clientes que são desenvolvidas, na maioria das situações, por pessoas mais experientes, que transmitem seus saberes para outras gerações. O saber local sobre a terapêutica dos diversos males que afetam o ser humano, geralmente, é percebido em pessoas mais idosas que carregam consigo preciosas informações, as quais foram recebidas de seus ancestrais.17 aí ‘esfrega’, fica passando um pano, ou mesmo a mão limpa até tirar aquele sabão. (Cliente Júlio) Cobre, pois é, com ‘paradapo’, aí todo dia a gente lava e torna a passar aquele remédio. (Cliente Eliete) A gente lava com água, com água, como é... água de poço, que hoje a gente usa, de poço, poço artesiano, a minha água não é encanada, não tem, não usa mais água de igarapé, tudo é água de poço. Então, lava e passa aquele, como é que se chama? Mercúrio, e a gente passa. Quando a gente tem, a gente passa assim. (Cliente Homero) Ó, é muito difícil, cara, a gente não tem um material pra fazer um curativo de nada. Então, o que a gente usa caseiro, quando a gente tem, é álcool ou então água de sal. Se por acaso alguém cortou e não tem assim outra coisa pra gente fazer, que a gente tem um álcool em casa, a gente lava aquilo ali com um álcool, esfrega, sabão também, depois, no ferimento, vamos supor, cortou, e aí, ninguém costura, porque não tem como costurar, fica aberto lá. E aí só pra gente ter o cuidado de tá lavando. Todo dia, a gente lava com sabão mesmo. Não tem outra coisa pra fazer depois de estar inflamado; a gente não vai mais colocar no álcool porque dói muito, aí então, a gente lava só na água com sabão. (Cliente Oswaldo) Observa-se, nas falas dos sujeitos, que mesmo sem possuir as soluções e medicamentos preconizados pelo sistema profissional de saúde, eles usam seus conhecimentos empíricos para realizar a limpeza nas suas feridas. No entanto, um cliente desenvolve o cuidado considerando as orientações do sistema profissional de saúde: Eu sou orientado que na hora do banho eu devo ter o cuidado pra não molhar, ou seja, na hora de um curativo em casa mesmo, ter carinho, colocar luva, se você tiver. (Cliente Alberico) Já a cliente Melissa além da higiene, ainda aplicava o talco, que, segundo ela, “sarou” a ferida de sua filha: Aí, eu curei com, passando polvilho. Daí virava ‘pereba’ da bolha, aí eu passava polvilho, e ela sarou. Nesse sentido, a maioria dos tratamentos de saúde usados pelo sistema popular ocorre por pessoas da mesma família, por amigos, pessoas que residem no mesmo local, organizações religiosas ou profissionais.18 O primeiro cuidado com a ferida inicia-se com a limpeza e sua assepsia cuidadosa que objetiva evitar ou minimizar os riscos de infecção e complicações, bem como facilitar o processo de cicatrização.19 Isso foi evidenciado na fala do cliente Hélio: Mesmo que durante a fala do cliente mostre que a assepsia não é efetuada da forma preconizada pelo saber científico, existe uma preocupação em manter a lesão longe de sujidades, que, para eles, contribuem para o agravamento da lesão. Dessa forma, eles usam os saberes e as práticas da medicina popular para prestar o cuidado que atenda às necessidades, de acordo com a realidade deles. A gente usa, a gente usa aqueles cozimentos de... (chás) a pessoa, pelo menos a minha mulher, ela é daquelas pessoas mais antigas e faz aqueles cozimentos. No tocante à prática de cuidado às feridas, os clientes citaram o cuidado relacionado à limpeza e proteção: Rapaz, primeiramente, se for uma abertura assim (aponta para lesão), pega água, água corrente, sabão, 14 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 Assim, a medicina popular, que é aquela desenvolvida pelo sistema popular, em casa, por famílias e vizinhos, transmitida de geração em geração,6 possui uma forma específica de atuação e legitimidade.4 eu tenho malvarisco, ‘hortelã’ para fazer chá, aqui é bom pra tosse. (Cliente Eliete) No Brasil, o uso da medicina popular surgiu da contribuição dos índios, negros e europeus, persistindo até hoje. O uso das práticas em saúde se mantém não somente pela dificuldade de acesso à assistência profissional de saúde pelo cliente, mas também como opção pessoal.20 No entanto, existem clientes que, além das plantas medicinais, também se amparam em práticas religiosas para sustentar suas necessidades. A clientela, quando tem dificuldade de buscar o atendimento profissional, por diferentes motivos, utiliza seus saberes e práticas, com recursos da região, como mostra a fala do cliente Homero: Quando uma pessoa se encontra diante de situações como doenças graves, problemas materiais, espirituais ou morais, busca o amparo religioso, que pode se desenvolver por meio da cura ou dos milagres. 24 Mas aí quando a gente não tem condição da gente vir ao posto, a gente faz isso (o uso dos chás para tratar as doenças). Já a cliente Eliete afirma que para cuidar das feridas é preciso, quando terminar de lavar, enxugar, aí se tiver um óleo, azeite doce ou óleo de andiroba. Óleo de andiroba serve muito pra curar ferida, aí a gente passa, aí deixa se quiser cobrir ela com papelzinho fino se cobre com aqueles ‘paradapo’. Nesse sentido, ela usa os conhecimentos para proporcionar a drenagem da secreção de alguns tumores: O tumor, quando começa, vai crescendo aquela coisa dura, aquela carne vai ficando dura, dura ao redor. Aí vai cuidando de criar aquele bico, aí você... são duas coisas que a gente bota em cima, quando vê que ele já tá perto de espocar, aí você raspa um pouco de sabão virgem aí coloca em cima, aí coloca um papinho assim em cima, pode deixar, no outro dia quando você puxar, já vem com tudo. Fica o buraco limpinho. Só o óleo ao redor, só o óleo mesmo de andiroba, ou azeite doce (depois que o tumor é drenado) No relato da cliente acima, ressalte-se o uso de planta medicinal no tratamento da ferida. Sabe-se que desde a Antiguidade as plantas medicinais ocupam um espaço significativo no cotidiano das pessoas21 e o uso delas faz parte da história humana, com importância nos aspectos medicinais e culturais.20 Para tratar as feridas, a fitoterapia pode ser usada mediante a aplicação tópica de cataplasmas, óleos essenciais, preparados com folhas e flores, chás ou infusões. É importante que as plantas a serem usadas tenham certificação e sejam comprovadas, por meio de mateiros ou herbalistas experts.22 Portanto, reconhecer as ervas medicinais para preparar o remédio caseiro tornase uma necessidade de segurança tanto para quem o prepara quanto para quem o ingere. 23 Assim, o relato sobre o uso dos chás: É bom, vale a pena a pessoa ensinar esses remédios, esses ensinamentos, porque muita gente não sabe fazer um chá pra uma criança, não sabe; aqui tem muita pessoa que não sabe fazer. Eu mandei várias vezes hortelã pra fazer chá pra criança e a mãe nem aí, não está nem ai, e o ‘bichim’ está com uma tosse medonha, O termo “cura” é um fenômeno por meio do qual as pessoas recuperam a saúde física e mental, recuperando também a sua segurança, o bem-estar, a honra, o prestígio, ou tudo aquilo que seja reordenação do caótico, do negativo. Já o milagre se restringe a significar a consecução de um bem, podendo ser saúde, material ou espiritual, considerado impossível de ser alcançado pelas forças naturais ou pelos recursos do devoto.23:66 O cliente Oswaldo ressalta que a fé é necessária, independentemente do nível socioeconômico: Mas a gente como pobre também tem uma confiança em Deus. Foi assim, eu fiquei, pedi que Deus me ajudasse. Nesse contexto, a fé é uma forma que as pessoas encontram para acreditar e confiar que algum processo terá resultado satisfatório por meio de intervenções divinas. Denota um desejo, uma esperança de transformação da situação individual, de uma forma que o fiel acredita fielmente na intervenção sobrenatural, “de acordo com a vontade de Deus”.24 Alguns sujeitos buscam esse amparo religioso por causa do conforto espiritual e emocional: Umas amigas minhas vinham me visitar e diziam que eu tinha que levá-lo pra benzer, que eu tinha que levá-lo na benzedeira, porque ele ia ficar curado. E tinha que ser três vezes. Três visitas. Eu cheguei a levar durante três vezes [...] Me sentia (bem) porque, como mãe, você procura fazer tudo que acredita fazer que é possível para curar teu filho. Eu acreditava que a benzedeira podia curá-lo, porque as pessoas me passavam essa confiança. E eu como mãe eu achava que eu tinha que na verdade fazer aquilo, porque, eu tinha fé de que ele ia ficar bom. (Cliente Margarida) Esses rituais de benzedura têm semelhança com os rituais de pajelança ou xamanismo. No entanto, o benzedor não possui nenhuma religião específica. Seu conhecimento para realizar tais ações é proveniente da sua longa experiência e de um aprendizado ligado a família. Contudo, tem autoridade e prestígio e, em razão desse fato, costuma atender pessoas de outras comunidades.25 Essas atividades de benzeção ou reza normalmente são realizadas diante de imagens, crucifixo, bíblias, terços remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 15 Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre (símbolos sagrados), com o uso de velas, águas e ramos de folhagens como arruda. São constituídas por preces, gestos e movimentos, que têm início com o sinal da cruz. Durante a “benzeção”, são verbalizadas palavras e ações que produzem graças divinas, atraem paz ao espírito e afastam as entidades maléficas.25 Nesse sentido, compreender a crenças e o cotidiano em vez de ignorá-los é indispensável para prestar um cuidado adaptado à cultura. Assim, é preciso imergir no mundo do cliente para compreender seus valores e crenças, bem como os significados que estes representam para cada indivíduo,6 facilitando, portanto, o direcionamento de um cuidado eficiente.26 Isso porque, para cuidar dessa clientela, é fundamental estabelecer interação com cada cliente, visando conhecer sua trajetória desde o surgimento da ferida, experiências e práticas que ele utiliza para tratá-la. Assim, pelo fato de esses clientes usarem formas populares para o cuidado de feridas comuns na região, emerge a necessidade de aliar saberes e práticas no cuidado a eles, respeitando-lhes as crenças, as experiências, os valores e os saberes, os quais são aprendidos e compartilhados no grupo social a que pertencem, proporcionando, assim, uma relação dialógica na qual experiências, saberes e práticas são compartilhados, minimizando o espaço entre o saber científico e o saber popular. CONSIDERAÇÕES FINAIS No município de Cruzeiro do Sul, Acre, comumente, os clientes usam formas de tratamento das feridas que muitas vezes vão de encontro às orientações da equipe de enfermagem, tornando necessário que os membros da equipe conheçam suas crenças, valores, saberes e práticas para orientá-los e melhor interagir com eles. Os sujeitos do estudo apresentam feridas cirúrgicas, traumáticas, por mordidas de cães, cobras, oriundas de picadas de insetos, dentre outras. Adquiriram de seus antepassados vários hábitos, costumes e crenças, que são colocados em prática até os dias atuais e servem de base para desenvolver o cuidado diário. Existe uma prática dos cuidados populares no tratamento de feridas em que usam as mais variadas formas de cuidado, que vão desde práticas de higiene e limpeza às feridas, perpassando pelas restrições alimentares, valorização de práticas religiosas, até o uso de plantas e soluções tópicas no tratamento. Usam água de torneira ou de poço para lavar a lesão. O sabão é usado para fazer espuma, e ainda existem relatos da utilização de álcool, mercúrio, polvilho (talco) e água de sal. Soluções tópicas no tratamento, como a aplicação do azeite virgem e óleo de andiroba após a limpeza, foram relatadas para facilitar a cicatrização, pois “curam” a ferida. O uso de plantas em forma de chás e cataplasmas para o tratamento de doenças e feridas é mantido e valorizado. As restrições alimentares, bem como a ingestão de peixes considerados reimosos (gordurosos), carne de porco, de paca e jabuti são comumente relatadas. Para os clientes, o consumo dessas fontes proteicas durante o período em que se encontram com lesões é prejudicial, pois a gordura existente na pele dos animais e a sujidade que eles carreiam interferem na cicatrização, podendo proporcionar inflamação das feridas. Além disso, os sujeitos valorizam as práticas religiosas (religiões da floresta, catolicismo e evangélicos). Para eles, a fé em Deus possibilita conseguir a melhora do quadro ou até mesmo a cura da doença. Ao desenvolver tais práticas, o cliente busca um conforto espiritual e emocional, pois lhe traz segurança e confiança em uma perspectiva de saúde positiva. Assim, é importante e necessário manter uma relação dialógica visando identificar e atender às necessidades da clientela, buscando juntamente com o cliente a congruência do cuidado. Nesse sentido, é preciso considerar que o cuidado transcende o tratamento das feridas, devendo envolver o cliente de forma humanizada Para que isso ocorra, o profissional deve ter, além da competência técnica, a competência humana para saber orientar esses clientes com feridas, considerando seu contexto cultural e suas visões de mundo. Considerando a importância do estudo, tanto para o contexto da cidade de Cruzeiro do Sul quanto para o nacional, ainda existem lacunas a ser trabalhadas e exploradas, tendo em vista a necessidade de aliar o saber científico ao saber popular, buscando a congruência do cuidado, o que pode ser difícil, se o profissional adotar uma postura de detentor do saber e da prática, não valorizando a cultura e a realidade dos clientes. Desenvolver debates, discussões e seminários abordando essa temática pode ser um caminho rumo a uma enfermagem que prioriza o cuidado de qualidade à clientela em todos os cenários do nosso país, que, pelas suas dimensões geográficas, oferece contínuos desafios quando pretendemos desenvolver competências e habilidades para cuidar do outro na perspectiva da recuperação, reabilitação e promoção da saúde. AGRADECIMENTO À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pela concessão da bolsa de estudos. REFERÊNCIAS 1. 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Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012 17 ACONSELHAMENTO EM HIV/AIDS: REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE HIV/AIDS COUNSELLING: REPRESENTATIONS OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS Asesoramiento en VIH / SIDA: representaciones de los profesionales que TRABAJAN en atención básica DE LA salud Marina Celly Martins Ribeiro de Souza1 Maria Imaculada de Fátima Freitas2 RESUMO O objetivo com este estudo foi analisar representações de profissionais que atuam na atenção primária sobre aconselhamento em HIV/aids. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, fundamentada em noções das Representações, segundo Giami. Foram realizadas entrevistas abertas, gravadas em áudio, com sete enfermeiros e cinco médicos de centros de saúde do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, atuantes em equipes de saúde da família. O número final de participantes se deu por repetição de conteúdos das entrevistas. Para a análise dos dados, utilizou-se o método da análise estrutural de narração. Os resultados mostraram representações de reconhecimento da importância do aconselhamento em HIV/aids como ferramenta no cuidado, mas com distanciamento entre o cotidiano do trabalho e o que é preconizado pelo Ministério da Saúde para essa prática. Representações em torno da prevenção em HIV/aids e do processo de trabalho em unidade básica contribuem para essa distância. Os profissionais de saúde entrevistados relatam posturas na prática cotidiana referentes ao aconselhamento, apoiadas tanto na ciência como no senso comum, e que transformam a atividade do aconselhamento em menos prioritária e menos importante no conjunto das ações realizadas, dificultando a integralidade do cuidado. Dessa forma, tornam-se necessários o aumento e a melhoria de ações que incluam capacitações e melhores condições de trabalho para a superação das dificuldades, visando à prevenção e ao controle do HIV/aids na atenção primária. Palavras-chave: Aconselhamento; Prática Profissional; Sorodiagnóstico de HIV; Representações Sociais; Atenção Primária à Saúde. ABSTRACT The objective of this study was to analyse the representations of primary health care professionals on HIV/aids counselling. It is a qualitative research based on Giami’s Theory of Social Representations. Open interviews with seven nurses and five doctors working in family health teams in the municipality of Belo Horizonte, Minas Gerais were conducted and audio-recorded. The final number of participants made up for the repetition of information in the interviews. Structural analysis of narrative was used for data analysis. The results revealed representations that recognize HIV/aids counselling as a valuable aid for patient care. However, there is a gap between everyday work and the Ministry of Health recommendations for the practice. Representations on HIV/aids prevention and unit’s work process contribute to the disparity. As reported by the health professionals interviewed, their daily counselling practice is supported by both science and common sense which transform counselling activity in the least of their priorities and the less important among the many actions performed. Consequently, an integrated approach to health care becomes more challenging. The increase and improvement of training opportunities as well as better work conditions are needed to overcome difficulties to HIV/aids prevention and control in primary health care. Keywords: Counselling; Professional Practice; Serodiagnosis of HIV; Social Representations; Primary Health Care. RESUMEN El objetivo del presente estudio fue analizar las representaciones de profesionales que actúan en la atención básica asesorando sobre el VIH/Sida. La investigación es cualitativa y se basa en nociones de las Representaciones, de acuerdo con Giami. Se realizaron entrevistas grabadas a siete enfermeros y cinco médicos de equipos de salud de la familia de centros de atención del municipio de Belo Horizonte, Minas Gerais. El número final de participantes resultó de la repetición de los contenidos de las entrevistas. Los datos se analizaron según el análisis estructural de la narración. Los resultados enseñaron representaciones de reconocimiento de la importancia del asesoramiento como herramienta en el cuidado. Sin embargo, hay una brecha entre el trabajo cotidiano y las recomendaciones del Ministerio de la Salud. Las representaciones sobre la prevención del VIH/Sida y el proceso de trabajo en unidades básicas de atención contribuyen a esta situación. Los profesionales de salud entrevistados relatan posturas en la práctica cotidiana de asesoramiento en base a la ciencia y al sentido común que le restan importancia y prioridad al conjunto de prácticas y dificultan el cuidado en su totalidad. Es necesario aumentar y mejorar acciones que incluyan capacitaciones y mejores condiciones de trabajo para superar las dificultades con miras a prevenir y controlar el VIH/Sida en la atención básica de salud. Palabras clave: Asesoramiento; Práctica Profesional; Serodiagnóstico del VIH; Representaciones Sociales; Atención Básica de Salud. 1 2 Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais. Rua Deputado Bernardino de Sena Figueiredo 252/101, Cidade Nova, Belo HorizonteMG. CEP 31170-210. E-mail: [email protected]. PhD. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua Deputado Bernardino de Sena Figueiredo 252/101, Cidade Nova, Belo Horizonte-MG. CEP: 31170-210. E-mail: [email protected]. 18 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO O aconselhamento é entendido como uma prática preventiva ampla que transcende o âmbito da testagem e contribui para a qualidade das ações educativas em saúde. Pressupõe-se que essa ferramenta de prevenção possa ser utilizada em vários momentos e serviços de saúde, não devendo restringir-se à oferta do exame anti-HIV. Dessa forma, deve ser um processo contínuo, inserido nas atividades das unidades básicas de saúde e articulado aos demais programas assistenciais existentes e ao cotidiano das práticas desenvolvidas pelos profissionais que atuam nos serviços de atenção primária à saúde.1 O aconselhamento propõe uma prática que perpassa a atenção integral e a promoção da saúde, mediante intervenções pautadas na singularidade da visão de mundo dos sujeitos e nas experiências sociais compartilhadas. Além disso, as abordagens preventivas são direcionadas a temas pessoais e coletivos, como relações de gênero, preconceito e direitos civis.2,3 Desempenha, também, papel fundamental na estratégia de ampliação da testagem sorológica para o HIV e se reafirma como um campo de conhecimento estratégico para a qualificação do diagnóstico de HIV e da atenção à saúde. Destaca-se, ainda, como atividade que contribui efetivamente para a quebra da cadeia de transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e de outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), uma vez que permite ao usuário avaliar suas reais possibilidades de risco. Oferece ao usuário, também, a possibilidade de refletir e decidir por medidas preventivas segundo suas vivências e singularidades e buscar melhor qualidade de vida, independentemente de sua condição sorológica.1 Para tanto, o aconselhamento deve ser desenvolvido com base no estabelecimento de uma relação de confiança, em que o profissional esteja atento às situações conflituosas vivenciada pelos usuários e que podem bloquear a ação preventiva.4,5 Essa prática é considerada fundamental na prevenção e no controle do HIV/aids pelo Ministério da Saúde do Brasil, que lançou, a partir de 1997, o Manual de Aconselhamento.6 Apesar disso, não sofre, de forma sistemática, avaliações de natureza qualitativa que mostrem não somente sua existência nos serviços, mas a forma como está ocorrendo. Com este estudo pretendese contribuir nesse eixo de avaliação de serviços. Considerando-se a importância da atenção primária e reconhecendo-se o aconselhamento como prática decisiva na prevenção das DSTs, HIV e aids, questionam-se as representações que os profissionais de saúde possuem no desenvolvimento de ações de aconselhamento com vista ao controle e prevenção da aids na área de abrangência dos serviços onde atuam. Nesse sentido, pode-se afirmar que as representações que eles trazem sobre o aconselhamento em HIV/aids são explicitadas em sua prática profissional, refletindo no modo como atuam e realizam (ou não) o aconselhamento no cotidiano dos serviços. O desenvolvimento deste estudo poderá contribuir para a melhoria do contexto da atuação dos profissionais de saúde que se propõem a trabalhar com prevenção na atenção primária. Com isso, será possível incentivar reflexões sobre a importância da prevenção da aids nesses serviços de saúde e oferecer subsídios para relacioná-los com as representações dos profissionais sobre a aids. De maneira geral, espera-se que os resultados da pesquisa contribuam para fortalecer propostas de efetivação da prática do aconselhamento no cotidiano dos serviços de saúde. Assim, o objetivo com este estudo foi analisar as representações dos profissionais que atuam na atenção primária sobre o aconselhamento em HIV/aids. MATERIAL E MÉTODO Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, fundamentado em noções das representações, como propostas por Giami7. Esse autor afirma que as representações constituem uma construção do sujeito como sujeito social, agregando informações e vivências tanto de caráter científico como do senso comum, com sua maneira própria de introjetá-las e explicitá-las. Por isso, para Giami8, toda representação é de caráter social e psicológico, não havendo necessidade de adjetivá-la, como o faz Moscovici9: “Ela obtém seus conteúdos dos materiais presentes na sociocultura contemporânea e passada, funcionando como o imaginário” O mesmo autor7 explica que “não há ruptura entre as expressões e significados individuais e coletivos das representações, mas homologia, o que se traduz em uma abordagem que considera que o social está contido e é observável no discurso individual”. Nesse sentido, pode-se afirmar que os sujeitos sociais constroem representações e as estruturam, introjetando-as “por processos psíquicos que fazem parte do fenômeno social em sua totalidade.”7,8 Assim, o referido autor extrapola a noção apresentada por Moscovici,9 afirmando que as representações são também construções individuais que alimentam e se modificam nas interações sociais, comungando pontos de vista, julgamentos, imagens e opiniões que se tornam, portanto, ao mesmo tempo, construções coletivas do social.10 A pesquisa foi realizada em 2008 e teve como cenário dois centros de saúde localizados na Regional Administrativa Leste da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Considerando-se que o critério utilizado para a pesquisa qualitativa, que busca a compreensão sobre o ponto de vista dos sujeitos, é o de saturação de dados pelo conteúdo expresso nas entrevistas, e não o de representatividade espacial ou amostral para a totalidade do município, a decisão foi de incluir profissionais de um só distrito sanitário para facilitar a organização da coleta. A escolha dos dois centros de saúde citados deveu-se, primeiramente, ao fato de que são serviços dotados de equipes completas da Estratégia Saúde da Família (ESF) e, em segundo lugar, à disponibilidade expressa dos profissionais e dos gerentes em contribuírem com remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 19 Aconselhamento em Hiv/aids: representações dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde a pesquisa. Considerou-se, ainda, que essas unidades possuem consultórios que permitiram a realização das entrevistas com garantia de sigilo e preservação da liberdade dos sujeitos entrevistados. Fizeram parte deste estudo profissionais que lidam diretamente com as ações de prevenção da aids nos serviços de saúde, sendo cinco médicos e sete enfermeiros que trabalhavam havia, pelo menos, seis meses, na rede básica do município de Belo Horizonte-MG. O critério desse período mínimo de tempo de atuação no serviço foi considerado para garantir que o entrevistado tivesse vivenciado experiências profissionais sobre o objeto de estudo. O número de sujeitos não foi definido a priori, considerando-se que, para o tipo de investigação proposto, a análise do material coletado se deu durante a pesquisa de campo até que o conteúdo dos relatos dos participantes se tornou repetitivo, quando se decidiu pelo encerramento da coleta.11,12 A coleta se deu por meio de entrevistas abertas e em profundidade, gravadas em áudio, com a seguinte questão não diretiva: “Relate-me o que pensa a respeito do aconselhamento em HIV/aids e sobre seu atendimento nessa área”. Questões de relance foram acrescentadas para manter a entrevista em torno do objeto da pesquisa. Os dados foram tratados utilizando-se o método de análise estrutural de narração,13 que seguiu os seguintes passos: transcrição fiel das entrevistas gravadas em áudio, leitura vertical, análise horizontal, nomeação das sequências, primeira categorização, busca das representações por densidade na estrutura do discurso, análise transversal com elaboração de um esquema das representações e análise aprofundada com leituras de outros autores sobre as representações encontradas. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (Parecer nº 096/2007) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer nº 647/07). Todos os profissionais leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), não havendo nenhuma recusa entre os sujeitos convidados. Cada profissional recebeu um pseudônimo para garantia do anonimato: as enfermeiras foram chamadas de ENF e os médicos de MED, seguidos do número relativo à sequência numérica da entrevista. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram entrevistadas sete enfermeiras (ENF) e cinco médicos (MED), sendo três do sexo feminino. A idade dos profissionais variou entre 27 e 60 anos e o tempo de atuação na atenção primária variou entre 6 meses e 13 anos. Apesar dessas grandes diferenças, o fato de alguns atuarem há mais tempo em saúde coletiva não trouxe representações mais específicas, ou que possam ser consideradas mais elaboradas ou diversas daquelas dos que atuam há menos tempo. Pôde-se constatar, também, que a formação acadêmica diferente (no caso, enfermagem e medicina) não 20 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 influenciou as representações encontradas nos relatos analisados. Assim, independentemente da categoria profissional, há homogeneidade nas falas de todos os participantes, não sendo possível concluir que algum tipo de representação esteja relacionada, exclusivamente, a um grupo em decorrência da formação profissional específica. Os resultados apontaram duas categorias: 1. Representações sobre a prevenção do HIV/aids. 2. Representações sobre o aconselhamento em HIV/aids. 1. Representações sobre a prevenção do HIV/aids Nesta primeira categoria, há conformidade entre os profissionais entrevistados em reconhecerem a necessidade de prevenção da doença e apontarem como estratégia de redução de sua disseminação as ações de prevenção. É evidente, na fala dos sujeitos entrevistados, a importância de se utilizar a atenção primária como “palco” para a execução das práticas preventivas em saúde e, por conseguinte, em HIV/aids, considerando-as como dispositivos eficazes de controle da doença. As representações relacionadas à problemática da prevenção se fazem muito presentes nas falas de profissionais de saúde, com conjunções e disjunções entre o que é considerado por eles como o ideal e o que é possível no cotidiano dos serviços, mas todas ancoradas em uma representação central de que “prevenção é objeto privilegiado da ‘chamada’ saúde pública”. Na fala abaixo, explicitam-se a afirmação e o reconhecimento da importância da prevenção no controle da doença: Então, eu acho que a prevenção é o principal; se não trabalhar em cima disso, a gente vai continuar tendo aumento no número de casos mesmo, e a epidemia fora de controle. (ENF 3) Os profissionais destacam, também, a necessidade de efetivação das ações de prevenção na atenção primária e que elas sejam desenvolvidas por outros setores, como a mídia, a educação, e não somente pelo setor saúde ou por eles, os profissionais “na ponta do atendimento”. As representações de que o controle da aids é pela prevenção e de que esta deve ser feita nos serviços de atenção primária são claras nas falas dos profissionais, porém pouco avançam sobre esse compromisso. Destacam que há muitos empecilhos para que hoje ocorram tais ações de forma contínua e quase não as executam em suas práticas cotidianas nas unidades de saúde, além de não relatarem conhecimento e domínio sobre métodos e instrumentos para tal fim. Considerando-se a necessidade de articulação do setor saúde aos demais, como a Assistência Social e a Educação, dentre outros, depreende-se, das falas a seguir, certo desabafo em relação à baixa capacidade de intersetorialidade nas ações voltadas para a prevenção da aids. Nas narrativas sobre esse tema, depreende-se a busca pela aquiescência do entrevistado, além de um julgamento explícito no que se pode intitular de discurso projetivo, tal como: “Nós não fazemos ou não o fazemos suficientemente, mas também os outros não o fazem”, como na fala seguinte: Eu acho que a televisão, ela tinha que ter o papel social que ela não faz... Eu acho que tinha que ter na novela um assunto impactante mesmo, como alguém contaminado. Que se contaminou numa festa, usando uma droga, entendeu? Eu acho que a televisão tinha que usar. (MED 4) Nessa fala, chama a atenção, ainda, o fato de que as representações da aids estão centradas na ideia de impacto, de imagens que assustam, pela televisão, para que seja possível atingir a população, o público. Além de citarem a baixa intersetorialidade, alguns entrevistados avaliam a atuação do governo como insuficiente, no sentido de proporcionar campanhas preventivas mais efetivas, considerando as existentes como pontuais e a atuação centrada nas pessoas sabidamente infectadas: Eu acho que falta mais é, é assim, o governo, ele dá muita assistência pro pessoal que já tem o HIV, diagnosticado, que tá com aids e faz uso do coquetel, dessas medicações, é, antivirais e tudo. Mas, assim, com relação à prevenção eu não vejo muito, não. Eu acho que deveria ter mais. Ter, tem, por exemplo, na época de carnaval tem muito, entendeu? (MED 5) Gonçalves e Varandas14 apontam que a mídia tem como obrigação promover informação de qualidade, pois desempenha um papel social diante da população, um dos requisitos mais importantes em uma sociedade: a formação de opinião. No entanto, a mídia tornou-se uma fonte de considerável imprecisão e distorção no que se refere à prevenção em HIV/aids, desconsiderando o risco do contato heterossexual, principalmente para as mulheres. Além disso, destacam que o processo de desvelamento da epidemia e das formas de contágio deuse mais por um caráter denunciatório e responsabilista do que propriamente preventivo. A representação do caráter social da mídia, apontado pelos entrevistados, traz várias outras representações, tais como: “No Brasil, todo mundo vê novela”, “A televisão é veículo que atinge as massas populares”, o que deixa os profissionais decepcionados por não verem tal veículo servir, de forma eficiente, à causa da prevenção e do controle da aids. Desde 1996, Parker e Galvão 15 apontavam que as campanhas de prevenção, no combate à aids, organizadas pelo governo federal, eram levadas a efeito tardiamente e, em sua maioria, de forma questionável. Críticas às formas de direcionar as atividades de prevenção ainda existem, sobretudo quanto ao fato de que não há nenhuma especificidade pela vulnerabilidade social ou por comportamentos de risco, mesmo que se considere que houve avanços na organização dos serviços e nas propostas de descentralização das ações. Depreende-se, assim, da análise das entrevistas, que há um consenso de que é função do Estado coordenar e implantar ações de promoção, prevenção e controle das doenças, o que também retrata a literatura, mas vale questionar em que limite os profissionais de saúde se sentem envolvidos por essas propostas ou se comprometem a aplicá-las. Fica claro que é sempre necessário reelaborar o trabalho de prevenção, o que é da ordem de repensar o que está constituído culturalmente, buscando ultrapassar os limites da informação genérica, com fundamentos metodológicos que fujam das teorias comportamentalistas. Faz-se necessário construir atividades de educação em saúde que sejam pertinentes e eficazes para a população assistida e que incluam os profissionais da atenção primária de forma efetiva.16 2. Representações sobre o aconselhamento em HIV/aids Com base na análise das entrevistas, emergiram, primeiramente, representações de reconhecimento da importância do aconselhamento pelos entrevistados, evidenciada no relato de ENF 4: Faço aconselhamento, a gente conversa com o paciente. É um aconselhamento assim, para a abordagem das DSTs. De uma maneira geral, qualquer uma delas você tem que abordar, porque o paciente tem que compreender o que vai ser feito e consentir. Inclusive você tem que pedir permissão pra, se, por exemplo, ele mudar de endereço e a gente poder procurá-lo pra entregar o resultado, porque nem isso, sem o consentimento, você pode fazer. Nem solicitar e nem entregar se não for com o consentimento. Alguns profissionais que realizam o aconselhamento, porém, descrevem-no como uma atividade restrita, apenas oferecendo o teste anti-HIV e explicando sobre ele, sem haver interação com o usuário para que ele tenha clareza de todos os aspectos que envolvem a testagem. Outras vezes, não há nem mesmo explicações sobre os pedidos de exames laboratoriais, apesar de se contradizerem, afirmando que conversam com os pacientes. Vê-se, então, uma distância entre a forma como os profissionais de saúde falam sobre o aconselhamento e desenvolvem as atividades e a concepção dessa prática como preconizada pelo Ministério da Saúde.1,17,18 Tal distância pode ser compreendida como um conjunto representacional que se inscreve em determinado contexto situacional no qual o peso de outras representações,7,8 tais como as ligadas ao trabalho em saúde, trabalho em unidade básica, além daquelas relativas à sexualidade, família, doenças transmissíveis, HIV/aids, é mais relevante como condicionante da forma que assumirá o exercício da prevenção em HIV/aids. Considerando, como alguns autores,19 que a modificação de circunstâncias externas a uma dada representação conduz, em alguns casos, os indivíduos a desenvolver práticas em desacordo com a representação do objeto social em questão, pode-se afirmar, com base nos relatos dos participantes, que o modo como percebem essa modificação externa tem papel importante na dinâmica entre prática e representação. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 21 Aconselhamento em Hiv/aids: representações dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde Merece destaque o relato de ENF 6 de que, no início de sua atuação como enfermeira, realizava o aconselhamento, mas atualmente, após trabalhar cinco anos na atenção primária, não o realiza mais. Ela atribui o abandono da atividade ao pouco tempo que tem para a realização dos atendimentos, à rapidez dos acontecimentos no serviço e à demanda sempre elevada sobre a enfermagem: Pra falar a verdade, até que antes eu até fazia aconselhamento. Eu tenho cinco anos de saúde pública. Então no começo eu fazia, explicava e tudo. Acho que devido à correria do dia a dia, hoje eu já não faço mais. Já vai pro pedido direto, já vou falando: ‘Esses são exames de rotina, é importante tá fazendo’. E quando vem o resultado a única coisa que eu falo é isso. Assim, a representação sobre o teste anti-HIV aparece, também, como “uma rotina”, já que faz parte de um protocolo, como se tornam todas as ações em saúde quando se perde o foco do usuário e se centraliza no evento. Tal representação, originada de um cotidiano do senso comum, mostra-se, portanto, mais poderosa do que aquela do aconselhamento como um ideal previsto pelo Ministério da Saúde, originada da ciência. De modo geral, pode-se afirmar que os profissionais, ao se omitirem nas orientações necessárias aos usuários, estão favorecendo a permanência de desinformação ou de conceitos errôneos sobre a infecção pelo HIV e aids,20,21 que podem contribuir para medos e preconceitos que nada ajudarão no controle e na prevenção da infecção. Além disso, o Ministério da Saúde prevê que os aconselhamentos pré- e pós-teste devam ser rotineiramente realizados, uma vez que favorecem a interação entre usuário e profissional. Tal ação deve ser realizada, considerando-se as prerrogativas éticas, respeitando-se o cliente tanto na voluntariedade da realização do teste quanto na garantia de confidencialidade das informações.21 Como fazer isso sem se dar o tempo necessário para um diálogo franco e claro? Na prática cotidiana, os profissionais de saúde não têm como referência o aconselhamento pré- e pós-teste anti-HIV, fundamentando-se em inúmeros relatos em que se evidenciaram as desconsiderações dos usuários em suas individualidades, em seus sentimentos e em suas percepções sobre si mesmos e sua capacidade de enfrentamento diante da descoberta da doença.22,23 Ao se analisar o conteúdo das falas dos profissionais, percebe-se que a maioria relata que realiza o aconselhamento considerando-o como uma ação que visa à prevenção da doença, mas não há um reconhecimento explícito das limitações com as quais lidam por dificuldades externas ou por não se sentirem implicados suficientemente com a proposta diferenciada da medicalização pura e simples dos atos em saúde na unidade. Assim, os relatos mostram que a prática do aconselhamento ainda está muito voltada para a gestante, sendo referida por alguns sujeitos como parte de um 22 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 protocolo a ser seguido. Tal posicionamento levanta a discussão se esses profissionais reconhecem e valorizam o aconselhamento ou se apenas o realizam por uma obrigatoriedade imposta por um protocolo voltado para o cuidado à gestante, como explicitado na fala abaixo: No atendimento da mulher grávida só peço os exames de HIV porque está no protocolo. E a única coisa pra falar mais pra ela quando o exame é negativo, é que isso não significa imunidade pra doença. Que a doença pode se pegar a qualquer momento. (ENF 6) Também como estratégia de prevenção da disseminação do vírus HIV, é quase unânime entre os entrevistados o relato de algumas atividades de cunho coletivo, como necessárias ou sendo realizadas em seus locais de trabalho. Entre elas estão os grupos com adolescentes, seja na própria unidade ou em escolas na área de abrangência, seja nos grupos voltados para o planejamento familiar. Nesses últimos, há relato de abordagem e orientação sobre os métodos contraceptivos existentes e sobre as principais infecções sexualmente transmissíveis. Nos serviços de saúde, cenários deste estudo, nos quais há grupos de planejamento familiar, há discussão sobre prevenção e aconselhamento, quando possível e dependendo do profissional responsável pela atividade. Eu tento passar informação tipo individualmente, coletivo tem o grupo de... de... Como é que chama?... Planejamento familiar, que com certeza a enfermeira fala sobre uso de preservativo que vai prevenir, além da gravidez, vai prevenir a transmissão de doença sexualmente transmissível. (MED 1) Além disso, as falas apontam certo desconforto ou desvalorização das atividades de aconselhamento em grupo, sem haver autocríticas, mas todos mostram que a prevenção em IST e aids é parte integrante do planejamento familiar. Parece que saúde sexual ainda é representada como ações de saúde para explicar aos outros como fazer para ter relação sexual sem haver reprodução, como nos tempos do controle de natalidade. 22,23 As falas dos profissionais apontam, também, a existência de formas de pensar e agir pautadas pela representação de educação como um processo de transmissão de informação, fundado no conhecimento como uma única verdade, em contraposição às concepções interacionistas em educação, enfim, na ideia de conhecimento como verdade. Alguns entrevistados lembram, ainda, que não existem atividades planejadas e sistematizadas específicas sobre IST e aids, ou voltadas para a saúde sexual, de modo geral: De forma sistemática, não tem desenvolvimento de ações de prevenção da aids. Não tem nenhum grupo, por exemplo, específico. Sempre no grupo, às vezes, de Planejamento Familiar, sempre a gente aborda, né? Sempre quando você pode, tem alguma oportunidade de reunir com algumas pessoas, a gente aborda. Mas, o que eu te falo assim, não tem uma coisa sistemática, que estivesse trabalhando exclusivamente voltado pra isso. (ENF 2) Estudo realizado anteriormente4 apresenta resultado semelhante ao encontrado na análise das ações realizadas pelos sujeitos desta pesquisa. Os profissionais da atenção primária verbalizavam a importância de informações aos usuários sobre prevenção contra a aids e a maioria detalhou quais ações considera preventivas, mas não as conduziu considerando o contexto de vida dos usuários ou dando-lhes oportunidade de se expressarem na interação. É reconhecida a importância das práticas sociais de informação, educação e comunicação na promoção da saúde articuladas como formas de apoio social e com serviços de assistência de qualidade e resolutividade.24,25 Ao se fazer um exame crítico das práticas de educação para a saúde – particularmente aquelas destinadas à prevenção contra a infecção com o vírus HIV –, nota-se uma dissociação paradoxal entre a teoria e a prática.26,27 O paradoxo se reflete ao realizar-se uma análise sobre as ações desenvolvidas pelo relato dos profissionais desse estudo. Considerando-se a atenção primária como espaço no qual se propõe o desenvolvimento de ações centradas na promoção da saúde, que também visam, portanto, à prevenção de doenças, desvela-se que as ações aqui descritas encontram-se desarticuladas, sem um trabalho coletivo de equipe, sem metodologias adequadas e com representações desvalorizantes sobre essas ações, incluindo nelas o aconselhamento em HIV/ aids.28,29 Nesse sentido, considera-se que os profissionais devem estar aptos para a educação em saúde de forma mais abrangente, tanto para as abordagens de caráter individual como para as de caráter coletivo, em uma compreensão ampliada da promoção de saúde e de adoção de práticas integradas de saúde coletiva.29,30 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo permitiu reconhecer que os profissionais de saúde entrevistados relataram posturas na prática cotidiana referentes ao aconselhamento apoiadas nas representações que compartilharam, sobretudo, sobre o trabalho em unidade básica de saúde. De um lado, mostraram representações de reconhecimento da importância do aconselhamento como ferramenta no cuidado, mas, de outro, realizaram-no de forma muito distante do preconizado. Isso evidenciou a existência de discrepâncias entre um discurso que se aproxima da norma, da obrigação colocada, inclusive pelo Ministério da Saúde, o chamado discurso oficial, e o discurso do cotidiano, que encontra as justificativas na falta de estrutura e condições materiais específicas para a realização efetiva da ação. Dessa forma, cabe apontar, aqui, a necessidade de aumento e melhoria das ações visando à prevenção e ao controle do HIV/aids, ainda que existam e continuem a existir aspectos dificultadores para tal na atenção primária. A sensibilização dos profissionais para a mudança fundada no respeito aos saberes específicos e no compartilhamento, na aproximação de cada sujeito com a realidade objetiva e na compreensão das subjetividades poderá propiciar o desenvolvimento de ações preventivas como ferramenta do cuidado capaz de promover a emancipação e o reconhecimento de estratégias de enfrentamento e articulação social para a prevenção e o controle do HIV/aids. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Manual de Aconselhamento em DST HIV/aids para atenção básica. Brasília: MS; 2003. 2. Araújo MAL, Vieira NFC, Araújo CLF. Aconselhamento coletivo pré-teste anti-HIV no pré-natal: uma análise sob a ótica dos profissionais de saúde. Rev Baiana Saúde Pública. 2009; 33(2):268-81. 3. Souza VS, Czeresnia D. Demandas e Expectativas de usuários de centro de Testagem e Aconselhamento anti-HIV. Rev Saúde Pública. 2010; 44(3):441-7. 4. Costa MAO. 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Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012 CIRURGIA AMBULATORIAL PEDIÁTRICA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ACERCA DO IMPACTO DA CONSULTA DE ENFERMAGEM PEDIATRIC AMBULATORY SURGERY: AN EXPLORATORY STUDY ON THE IMPACT OF NURSING VISIT CIRUGÍA AMBULATORIA PEDIÁTRICA: ESTUDIO EXPLORATORIO SOBRE EL IMPACTO DE LA CONSULTA DE ENFERMERÍA Carlos Eduardo Peres Sampaio1 Maristela Villarinho de Oliveira2 Vanessa Marques de Medeiros Leal3 Liany Bonilla da Silveira Comino4 Regina Aurora Trino Romano5 Antonio Marcos Tosoli Gomes6 RESUMO Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com abordagem quantitativa, cujos objetivos foram traçar o perfil dos usuários do ambulatório de cirurgia pediátrica, identificar os procedimentos cirúrgicos pediátricos realizados e conhecer os fatores determinantes de suspensão das cirurgias pediátricas correlacionadas com o não atendimento dessas crianças pela consulta de enfermagem. O cenário foi a Unidade de Cirurgia Ambulatorial e a Clínica Cirúrgica Pediátrica de uma Policlínica no Município do Rio de Janeiro. O estudo ocorreu no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009. A fonte para a coleta dos dados foi constituída pelos registros institucionais relativos aos atendimentos cirúrgicos a crianças menores de 12 anos, encontrados nos arquivos da clínica cirúrgica e da unidade de cirurgia ambulatorial (prontuário, impresso da consulta de enfermagem), e pelas informações obtidas por meio de telefonemas para a família no pré- e no pós-operatório. O universo do estudo abrangeu 434 crianças. O perfil apresentou predominância de crianças do sexo masculino, na faixa etária entre 4 a 6 anos, submetidos a postectomia e que foram atendidas ou não na consulta de enfermagem. Evidenciou-se que das cirurgias suspensas o maior índice foi de crianças que não foram atendidas pela consulta de enfermagem, cuja ausência não foi justificada pelos responsáveis. Os resultados demonstraram que a consulta de enfermagem tem papel determinante, evitando a suspensão de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais. Concluiu-se, também, que a ausência aos procedimentos cirúrgicos de crianças atendidas pela consulta de enfermagem foi por motivos de condições clínicas desfavoráveis da própria criança. Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais; Cuidados de Enfermagem; Pediatria. ABSTRACT This is a descriptive and exploratory study using a quantitative approach. It aims at profiling the users of pediatric ambulatory surgery, at identifying pediatric surgical procedures and the determinants for the deferral of pediatric surgeries, as well as the deferral’s relationship with the children not being attended by a nurse. The research was developed at an ambulatory surgery unit and a pediatric surgery polyclinic in the municipality of Rio de Janeiro, from August of 2008 to December of 2009. The source of data collection was the institutions’ medical records on the surgical care of children aged less than 12 years old. The records were retrieved from the archives of the surgical clinic and the ambulatory surgery unit (medical and nursing visit records). Data obtained through phone calls to the family during pre-and postoperative were also used. A total of 434 children participated on the study. The predominant profile was: male, aged between four and six years old, submitted to circumcision, attending or not nursing visit. Keywords: Ambulatory Surgical Procedure; Nursing Care; Pediatrics. RESUMEN Estudio exploratorio descriptivo con enfoque cuantitativo que busca trazar el perfil de los usuarios de cirugía pediátrica ambulatoria, identificar los procedimientos pediátricos y conocer los fatores determinantes de la suspensión de cirugías pediátricas y su correlación con el hecho de no haber sido atendidos por enfermería. El estudio se llevó a cabo en la unidad de cirugía ambulatoria y en la clínica quirúrgica pediátrica de un policlínico de la municipalidad de Río de Janeiro entre agosto de 2008 y diciembre de 2009. La fuente para recogida de dados fue: registros institucionales de atención quirúrgica de niños menores de 12 años encontrados en los archivos de la clínica quirúrgica y los de la unidad de cirugía ambulatoria (registro impreso de la consulta de enfermería) y las informaciones obtenidas por las llamadas telefónicas a las familias de los niños en pre y pos operatorio. Participaron del estudio 434 niños. El perfil predominante fue: niños varones, entre 4 y 6 años, sometidos a circuncisión, con o sin consulta de enfermería. Palabras clave: Procedimiento Quirúrgico Ambulatorio; Atención de Enfermería; Pediatría. 1 2 3 4 5 6 Enfermeiro. Doutor em Bioquímica Médica. Professor adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da UERJ. Membro do GEPACHS. Orientador da Pesquisa. E-mail: [email protected]. Telefone: (21) 2721-2619/9363-2239. Enfermeira. Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista 2009-2010/PROATEC/UERJ. Enfermeira. Graduada em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista 2008-20009/PROATEC/UERJ. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Faculdade de Enfermagem/UERJ. Responsável pelo Núcleo de Integração Ensino e Serviço da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ. Enfermeira. Mestre em Tecnologias Educacionais nas Ciências da Saúde. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem/UERJ. Diretora do Departamento de Assistência e Ensino em Enfermagem da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ. Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem/UERJ. Endereço para correspondência – Rua Fagundes Varela, 530/901, Ingá, Niterói-RJ. CEP 24.210-520 E-mail: [email protected]. Telefone: (21) 2721-2619/9363-2239. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 25 Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem Introdução A cirurgia ambulatorial tornou-se uma realidade a partir de 1960, dados os avanços das técnicas cirúrgicas e das drogas anestésicas, que possibilitam recuperação rápida do paciente com mínimas complicações. A cirurgia ambulatorial despontou com o primeiro serviço inaugurado em 1961, no Butter Worth Hospital, em Michigan. No ano seguinte, houve a abertura de unidade semelhante na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, criada por Cohen e Dillon. Esse serviço foi organizado com base em critérios e rotinas bem definidos, desde a admissão até a alta do paciente, pautados por um princípio fundamental: a “segurança”.1 A cirurgia ambulatorial é definida como procedimentos cirúrgicos realizados com anestesia geral, local, regional ou sedação, que requerem cuidados pós-operatórios pouco intensivos e de curta duração. Essa modalidade dispensa internação hospitalar por viabilizar a alta em poucas horas após a realização do procedimento.2 As intervenções em unidades ambulatoriais abrangem as cirurgias de pequeno e médio portes, sob efeito de anestesia de diferentes naturezas, tais como amigdalectomia, rinosseptoplastia, tenorrafia e miorrafia, correção de fístula arteriovenosa, postectomia, vasectomia, exérese de nódulo de mama, curetagem uterina, hemorroidectomia, fissurectomia, remoção da vesícula biliar por minilaparotomia e biópsias. Cirurgias pediátricas como herniorrafias, postectomia e orquidopexia também podem ser realizadas nessas unidades.2,3 A implantação de serviços de cirurgia ambulatorial exige seleção criteriosa do paciente, devendo-se considerar alguns fatores, como idade, condição física e mental, risco anestésico, atitudes em relação à cirurgia ambulatorial e situação sociofamiliar. Os candidatos a procedimentos sob anestesia podem ser ordenados pela classificação americana de anestesiologia (American Society of Anesthesiologists – ASA), pertencendo à classe I – portadores de processo patológico não sistêmico ou ausência de alterações fisiológicas bioquímicas ou psíquicas; ou classe II – portadores de distúrbio sistêmico de grau leve.4 No Brasil, a alta demanda de portadores de afecções cirúrgicas pode encontrar na cirurgia ambulatorial uma importante maneira de resolução. A cirurgia ambulatorial apresenta diversas vantagens: evita ou diminui o risco de infecção hospitalar; colabora na redução da ansiedade pré-operatória, tanto do paciente como de seus familiares; proporciona retorno mais rápido para o ambiente doméstico e social. Além disso, reduz os custos para o paciente e para a instituição, bem como diminui a fila de espera na rede pública para procedimentos cirúrgicos, deixandoos livre para atendimento de pacientes que exijam cuidados mais complexos. 26 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 As ações de enfermagem no bloco de cirurgia em ambulatório são divididas em três fases: a primeira ocorre no ato da marcação da intervenção cirúrgica, quando a identificação das necessidades e a orientação de enfermagem possuem papel fundamental; a segunda compreende todo o tempo de permanência do paciente no bloco operatório; e a terceira corresponde à orientação e à supervisão quanto aos cuidados pósoperatórios.2 Dessa forma, é necessária a avaliação do paciente identificando os aspectos pré-operatórios diferenciados na cirurgia ambulatorial, como as condições físicas e os exames laboratoriais. Assim, a realização da consulta de enfermagem pré-operatória tornou-se crucial para minimizar os riscos de complicações pós-operatórios e ocorrência de suspensões de cirurgias. A consulta de enfermagem pré-operatória desponta como uma ferramenta importante para minimizar a ansiedade gerada pelo enfrentamento de uma intervenção cirúrgica, uma vez que podem ser identificados sentimentos, expectativas e nível de informação do paciente e familiar sobre o procedimento. Cabe ressaltar que a consulta de enfermagem está contemplada, como atividade privativa do enfermeiro, na Lei do exercício profissional nº 7.498/86, no seu art. 11, inciso I, alínea i: A consulta de enfermagem se dá, rotineiramente, entre o profissional e o cliente, em interação face a face, afirmando com isso que deve-se encarar a consulta de enfermagem não como um simples procedimento técnico, mas como um rico contexto de relacionamento interpessoal. Pode-se inferir que a consulta de enfermagem, sob a percepção do cliente, no contexto da comunicação interpessoal, é vista de forma positiva e como um importante meio para manter uma relação pessoal e educativa com o cliente.3 A prática de enfermagem perioperatória, no contexto da cirurgia ambulatorial, constitui uma abordagem individualizada, cujo planejamento dos cuidados respeita os componentes físicos, psicológicos, sociais e espirituais de cada paciente. Os cuidados de enfermagem devem ser coerentes com os padrões da prática de enfermagem perioperatória estabelecidos e devem incluir familiares ou outras pessoas significativas durante a experiência cirúrgica.4 O paciente, ao se preparar para a cirurgia, leva consigo expectativas, dúvidas e temores a respeito do que vai acontecer. O ambiente estranho, com pessoas desconhecidas, e as incertezas pela falta de esclarecimento sobre o contexto cirúrgico têm surgido como relevantes indicadores da importância da consulta de enfermagem. No caso de cirurgia pediátrica, a família representa a principal fonte de segurança e de apoio para a criança. A família adequadamente orientada estará em condições para desempenhar seu papel ”protetor”. Isso propicia o apoio e a segurança de que a criança precisa para enfrentar a experiência de um procedimento cirúrgico, tornando-a mais habilitada para realizar os cuidados pós-operatórios imediatos, bem como de continuar o cuidado após a alta da unidade cirúrgica.5 A ausência de crianças ao procedimento cirúrgico, que não foram atendidas pela consulta de enfermagem, indica que a falta de esclarecimento adequado sobre o contexto cirúrgico pode estar contribuindo para a ausência dessas crianças no centro cirúrgico. Diante dessa hipótese, optou-se por desenvolver este estudo, cujos objetivos foram traçar o perfil dos usuários do ambulatório de cirurgia pediátrica, identificar os procedimentos cirúrgicos pediátricos realizados e conhecer os fatores determinantes de suspensão das cirurgias pediátricas correlacionadas com o não atendimento dessas crianças pela consulta de enfermagem. Os resultados deste estudo poderão subsidiar tomadas de decisão e o estabelecimento de protocolos específicos, com o propósito de melhorar cada vez mais a qualidade de assistência prestada à clientela infantil. METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, retrospectivo, com análise quantitativa dos dados. De acordo com Gil, 6 as pesquisas descritivas são capazes de descrever as características de determinada população e a relação entre suas variáveis, enquanto as pesquisas exploratórias têm a finalidade de desenvolver, esclarecer e modificar ideias. As pesquisas quantitativo-descritivas propõem a análise das características de fatos ou fenômenos, a avaliação de programas com a finalidade de fornecer dados para a verificação de hipóteses.7 Esta investigação ocorreu no âmbito do projeto “Cirurgia Ambulatorial: cenário de produção de novas tecnologias e de conhecimento de enfermagem”, vinculado ao Programa de Apoio Técnico às Atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, que envolve a Faculdade da Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o Departamento de Assistência e Ensino de Enfermagem da Policlínica Piquet Carneiro da UERJ. O cenário escolhido foi a Unidade de Cirurgia Ambulatorial e a Clínica Cirúrgica Pediátrica de uma policlínica no município do Rio de Janeiro, caracterizada como uma unidade de saúde do tipo III, autônoma, especializada e fora do contexto hospitalar. O estudo ocorreu no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009. Os critérios de seleção e representatividade da população infantil foram: necessidades cirúrgicas de pequeno e médio portes, de resolução ambulatorial; faixa etária de 2 a 12 anos; atendimento na consulta médica e de enfermagem na Policlínica Piquet Carneiro e aquelas oriundas da consulta médica do ambulatório do Hospital Universitário Pedro Ernesto. O projeto de pesquisa foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP/HUPE/ UERJ), e aprovado sob o Parecer nº 1760-CEP/UERJ. Foi assegurado o anonimato dos sujeitos, assim como total liberdade de resposta, podendo o participante interromper sua participação a qualquer momento, sem que houvesse qualquer prejuízo, de acordo com a Resolução nº 196/96 CNS/MS. O levantamento dos dados ocorreu por meio de uma planilha de Excel, contendo nome da criança, a idade, o sexo, o procedimento cirúrgico, se foi atendida ou não na consulta de enfermagem, o motivo de suspensão da cirurgia. A fonte da coleta foi constituída pelos registros institucionais (mapa cirúrgico, prontuário e impressos da consulta de enfermagem), existentes nos arquivos do Ambulatório de Cirurgia Pediátrica, além de informações obtidas por meio de telefonemas para a respectiva família no pré-operatório. O universo estudado totalizou 434 crianças. A estatística descritiva foi utilizada para a análise, entendendo que os procedimentos estatísticos capacitam o pesquisador a reduzir, resumir, organizar, avaliar, interpretar e comunicar a informação numérica.8 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados coletados dos mapas cirúrgicos e arquivos das consultas de enfermagem foram consolidados, analisados e apresentados na forma de gráficos e tabelas. No período (TAB. 1), 434 crianças com idade entre 2 a 12 anos, oriundas da PPC e do HUPE, foram submetidas a cirurgia. Houve predominância do sexo masculino com consulta de enfermagem – 222 crianças (51,14%); sem consulta – 114 (26,27%); e da faixa etária de 4 a 6 anos (29,71%). O percentual de crianças atendidas na consulta de enfermagem é significativo, alcançando 222 (51,15%) do sexo masculino e 52 (11,98%) do feminino. Infere-se aqui a observação de que todas as crianças, oriundas do HUPE, chegam sem consulta de enfermagem e são encaminhadas diretamente para o procedimento cirúrgico. Como integram o universo de crianças operadas, essa situação implica elevação do percentual de crianças não atendidas na consulta de enfermagem e, consequentemente, diminui o índice geral do atendimento. Isso se deve à fase inicial de implantação do projeto, que não contemplava o atendimento de enfermagem das crianças oriundas do HUPE. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 27 Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem TABELA 1 – Distribuição de crianças atendidas na clínica cirúrgica pediátrica da PPC, por sexo e faixa etária, atendidas ou não na consulta de enfermagem, no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009 Idade / Sexo Com consulta Masculino Sem consulta Feminino Masculino Feminino TOTAL TOTAL N % N % N % N % N 2 |_______ 4 48 11,05 8 1,84 30 6,91 10 2,30 96 22,11 4 |_______ 6 71 16,35 22 5,07 26 5,99 10 2,30 129 29,71 6 |_______ 8 35 8,06 10 2,30 19 4,38 11 2,53 75 17,28 8 |_______ 10 33 7,6 6 1,38 13 3,00 7 1,61 59 13,59 10 |______12 25 5,76 2 0,46 11 2,53 6 1,38 44 10,14 12 |______ 10 2,3 4 0,92 15 3,46 2 0,46 31 7,14 222 51,15 52 11,98 114 26,27 46 10,60 434 Total % 100 GRÁFICO 1 – Principais procedimentos cirúrgicos realizados em crianças do sexo masculino, no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009 GRÁFICO 2 – Principais procedimentos cirúrgicos realizados em crianças do sexo feminino, no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009 De acordo com os dados obtidos apresentados no GRÁF. 1, é possível notar que, entre os procedimentos cirúrgicos realizados em crianças do sexo masculino, se destacam as cirurgias urológicas e gerais, dentre as quais a postectomia: 213 (59,49%), a herniorrafias inguinal: 60 (16,75%) e 44 (12,29%) umbilical . A evidente prevalência do sexo masculino está vinculada à maior demanda de afecções cirúrgicas que ocorrem em meninos, como postectomia, criptorquidia, orquidopexia e hidrocele,9 e que são atendidos na Policlínica Piquet Carneiro. Verificase que a fimose é a afecção cirúrgica mais comum, na especialidade de cirurgia pediátrica, seguida da hérnia inguinal. masculino que realizaram a consulta de enfermagem. Os procedimentos cirúrgicos mais realizados foram as cirurgias urológicas (postectomia) e gerais (herniorrafias inguinais e umbilicais). No GRÁF. 2, revela-se que, entre os procedimentos realizados em crianças do sexo feminino, a maior incidência é a realização de herniorrafia umbilical 40 (47,05%) e herniorrafia inguinal 25 (29,41%). Como se vê, as meninas são mais submetidas a procedimentos cirúrgicos referentes a hérnias, totalizando 65 (76,45%) cirurgias. A hérnia inguinal é uma das afecções mais comuns em ambos os sexos, sendo predominante em meninas.9 Os resultados desse estudo mostram que, na população estudada, houve o predomínio de crianças do sexo 28 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 A determinação do perfil das crianças que realizam cirurgias ambulatoriais contribui para o planejamento de uma assistência de enfermagem direcionada ao público infantil, que, dada sua imaturidade, apresenta maior dificuldade em lidar com situações cirúrgicas. A consulta de enfermagem é decisiva para a implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem, em ambulatório, determinando melhor assistência aos clientes, redução de suspensão de cirurgias e de complicações trans e pós-operatórias. Contribui, também, para a redução das ansiedades vivenciadas no período cirúrgico e favorece a recuperação pósoperatória. Conforme apresentado no GRÁF. 3, a maior incidência de suspensão de cirurgias – 67 (63,80%) – ocorreu entre crianças que não foram atendidas na consulta de enfermagem. Entre aquelas que foram atendidas pela enfermeira na consulta, o percentual de suspensão foi significativamente inferior – 38 (36.20%). Os resultados cirurgias na data marcada e de acordo com todas as condições de segurança requeridas.11 GRÁFICO 3 – Cirurgias suspensas de crianças atendidas ou não na consulta de enfermagem no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009 demonstram o impacto da consulta de enfermagem na redução de suspensão dos procedimentos cirúrgicos. Para o paciente cirúrgico e sua família, o procedimento anestésico cirúrgico é percebido como uma ameaça ou desafio. Por meio da consulta, o enfermeiro tem a oportunidade de oferecer informações, na tentativa de que haja o deslocamento da percepção de ameaça para o enfrentamento necessário e resolução de dificuldades.10 Assim, a percepção e a atuação do enfermeiro relativas a sentimentos de ansiedade da criança e de desinformação dos membros da família favorecem a realização das A consulta de enfermagem tem proporcionado aos candidatos à cirurgia ambulatorial pediátrica a oportunidade de sanar suas dúvidas, rever conceitos, minimizar a ansiedade e, principalmente, criar um vínculo de segurança entre profissional, paciente e família. Na consulta de enfermagem são diagnosticados fatores determinantes para a realização/suspensão do procedimento cirúrgico, muitas vezes em tempo hábil, para que o procedimento seja realizado. No GRÁF. 4, verifica-se que dos 105 procedimentos cirúrgicos suspensos o maior índice dos que foram atendidos pela consulta de enfermagem ocorreu por motivo alheio à vontade do paciente: gripe (15,23%), asma e bronquite (3,8%) e tosse (3,8%). Entre aqueles não atendidos pela enfermeira, o maior percentual foi por falta não justificada do paciente (25,71%). No outro grupo, somente 6 (5,71%) deixaram de comparecer sem justificativa ao serviço no dia da cirurgia. Essa constatação representa o grande diferencial decorrente da realização da consulta de enfermagem, considerado como um indicador positivo de influência na redução de ausência da criança no centro cirúrgico, desmistificando as percepções de medos e anseios das crianças diante do procedimento cirúrgico.12-14 GRÁFICO 4 – Principais motivos de suspensão de cirurgias das crianças atendidas ou não na consulta de enfermagem no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 29 Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem CONCLUSÃO A identificação do perfil das crianças que realizam cirurgias ambulatoriais contribui para o planejamento de uma assistência de enfermagem direcionada ao público infantil, que, dada sua imaturidade, apresenta maior dificuldade em lidar com situações cirúrgicas. Os dados obtidos permitiram evidenciar que houve o predomínio de crianças do sexo masculino e que a maioria das crianças foi atendida na consulta de enfermagem. Os procedimentos cirúrgicos mais frequentes foram cirurgias urológicas (postectomia) e gerais (herniorrafias inguinais e umbilicais). É evidente que a população tem buscado a resolução de problemas cirúrgicos pediátricos de pequeno e médio portes nos serviços ambulatoriais. A consulta de enfermagem proporcionou um atendimento de qualidade, individualizado e de esclarecimentos sobre o contexto cirúrgico. O preparo adequado e a maior aproximação com as crianças e seus familiares no pré-operatório consistem importante estratégia para minimizar a ansiedade gerada pelo contexto cirúrgico, reduzindo significativamente a ausência das crianças aos procedimentos programados. REFERÊNCIAS 1. Santos JS, Sankarankutty AK, Salgado Jr W, et al. Cirurgia Ambulatorial: do conceito à organização de serviços e seus resultados. Medicina (Ribeirão Preto) 2008; 41 (3): 274-86. 2. Alvarez SR, Martinez IA, Carro JL. Porrero–Cirugía. Mayor Ambulatoria. Cirurgia de corta estancia. Planteamento actualizado de los programas complementarios, in Cirurgía Mayor Ambulatorial; 2002. 3. Machado MMT, Leitão GCM, Holanda FUX. O conceito de ação comunitária: uma contribuição para consulta de enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2005; 13(5):723-8. 4. Rothrock JC. Alexander: cuidados de enfermagem ao paciente cirúrgico. 13ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. 5. Souza DPT, Peniche ACG, Faro ACM. 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Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012 MULHERES COM CÂNCER DE MAMA: INTERAÇÕES E PERCEPÇÕES SOBRE O CUIDADO DO ENFERMEIRO WOMEN WITH BREAST CANCER: NURSE-PATIENT INTERACTIONS AND PERCEPTIONS OF NURSING CARE MUJERES CON CÁNCER DE MAMA: INTERACCIONES Y PERCEPCIONES SOBRE LA ATENCIÓN DE LOS ENFERMEROS Wagner Barreto Costa1 Marta Raquel Mendes Vieira2 Weide Dayane Marques Nascimento3 Luciana Barbosa Pereira4 Maisa Tavares de Souza Leite5 RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, cujo objetivo foi compreender a percepção das mulheres portadoras de câncer de mama, durante o tratamento quimioterápico em relação ao cuidado realizado pelo enfermeiro, e analisar o relacionamento entre eles numa perspectiva de humanização. O instrumento de coleta de dados foi a entrevista individual com roteiro semiestruturado, realizada após a aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer nº 621/07. Os sujeitos foram nove mulheres com câncer de mama entrevistadas no período de agosto e setembro de 2008, em dois centros oncológicos de referência no norte do Estado de Minas Gerais, Brasil. A análise de discurso teve como orientação teórico-metodológica a dialética, o que permitiu a construção de duas categorias: “O cuidado em múltiplas formas” e “Instrumentos básicos para o cuidado”. Os resultados mostraram que mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico reconheceram tanto as habilidades técnicas quanto as humanas do profissional enfermeiro. Atributos como carinho, atenção, paciência, respeito e proteção na relação do cuidado estiveram presentes no discurso das participantes e foram destacados como estratégias eficazes da humanização. Conclui-se que as mulheres perceberam o cuidado de enfermagem de modo humanizado e qualificado, entretanto não diferenciam o enfermeiro da equipe. Como líder da equipe de enfermagem, cabe a esse profissional dar maior visibilidade à sua atuação, função e papel exercido na prática do cuidado ambulatorial a mulheres portadoras de câncer. Palavras-chave: Saúde da Mulher; Câncer de Mama; Cuidados de Enfermagem; Relações Enfermeiro-Paciente. ABSTRACT This a qualitative descriptive research conducted with female patients with breast cancer during their chemotherapy treatment. The objective was to understand these patients’ perception of nursing care and how the relationship between professional and patient is established, on a humane perspective. Data was collected via individual semi-structured interviews, performed after the research project approval by the Research Ethics Committee, according to report no. 621/07. The subjects were nine women interviewed between August and September 2008 at two referral centres for oncology at the north of the state of Minas Gerais, Brazil. Discourse was analysed according to dialectical theories, out of which two categories emerged: multiple ways of caring, and basic caring methods. The results revealed that women with breast cancer undergoing chemotherapy treatment acknowledged the nursing professionals’ technical and human abilities. Attributes such as affection, attention, patience, respect, and protection connected to caring were present in the participants discourse and were highlighted as effective humanizing strategies. In conclusion, the patients perceived the nursing care as humanised and qualified; however they were not able to differentiate the nursing team leader. It is up to this professional to give more visibility to his/her performance, function, and role played in the practice of ambulatory care to women with cancer. Keywords: Women’s Health; Breast Cancer; Nursing; Nurse-Patient Relationship. RESUMEN Esta es una investigación descriptiva cualitativa realizada con mujeres con cáncer de mama durante el tratamiento quimioterapéutico. El objetivo del estudio fue comprender la percepción de estas pacientes sobre la atención de enfermería y cómo se establece la relación entre profesionales y pacientes desde la perspectiva humana. Los datos se recogieron mediante entrevistas individuales semiestructuradas, realizadas tras la aprobación del proyecto en el Comité de Ética en Investigación, bajo el edicto 621/07. Se entrevistaron a nueve mujeres entre agosto y septiembre de 2008, en dos Centros Oncológicos de referencia en el norte del Estado de Minas Gerais, Brasil. El discurso fue analizado según teorías de la dialéctica. Surgieron dos categorías: múltiples formas de cuidar e instrumentos básicos para el cuidado. Se llega a la conclusión que las pacientes entrevistadas reconocen las habilidades técnicas y humanas de los enfermeros. En los testimonios de todas las encuestadas estuvieron presentes atributos como cariño, paciencia, respeto y protección habiendo sido destacados como estrategias eficaces en el proceso de humanización. Esas pacientes perciben el cuidado de enfermería humanizado y calificado. Sin embargo, no distinguen al líder del equipo de enfermería. Le corresponde a este profesional dar mayor visibilidad a su actuación, función y rol desempeñado en la práctica del cuidado ambulatorio a las mujeres con cáncer. Palabras clave: Salud de la Mujer; Cáncer de Mama; Cuidados de Enfermería; Relaciones Enfermero-Paciente. 1 2 3 4 5 Enfermeiro. Pós-graduado em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Pós-graduada em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Mestranda em Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)-MG. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Mestranda em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Enfermagem da Unimontes. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Ciências. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Unimontes. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Avenida Cula Mangabeira, 1.517, Santo Expedito, Montes Claros-MG, Brasil. CEP: 39401-001. Telefones: (38) 32142544/ (38) 91178012. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 31 Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro INTRODUÇÃO O câncer de mama é considerado um grave problema de saúde pública.1 É o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. A cada ano, 22% dos casos novos de câncer em mulheres são de mama. Na Região Sudeste do Brasil, o câncer de mama é o mais incidente, com um risco estimado de 65 casos novos por 100 mil mulheres.2 Com a confirmação da doença, a mulher com câncer passa por tratamento que comumente é composto por cirurgia, quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e imunoterapia, que podem ser indicadas isoladamente ou combinadas entre si.3 Entende-se que o diagnóstico de câncer, geralmente, representa uma sobrecarga emocional para o paciente e familiar, podendo provocar vários transtornos, como depressão, ansiedade e outros.4 A cirurgia realizada em mulheres com câncer de mama para extirpação do tumor ou nódulo é denominada mastectomia, sendo considerada a fase mais traumatizante do tratamento, pois consiste, em muitos casos, na retirada total da mama, o que gera na mulher uma sensação enorme de perda e de mutilação.5 Diversos autores, em estudos recentes sobre câncer de mama em mulheres, trazem contribuições importantes para o conhecimento do cuidado nas áreas da saúde e da enfermagem.6-12 O Instituto Nacional do Câncer reconhece o papel do enfermeiro na equipe multidisciplinar ao afirmar que sua atuação deve perpassar todas as etapas de assistência, de modo que tenha início logo após o diagnóstico da doença e acompanhe a mulher após o momento da alta até sua reintegração à vida cotidiana.10 O termo “enfermeiro”, abordado neste estudo, referese à categoria profissional, não está relacionado ao gênero. Esse cuidador mencionado compõe a equipe multiprofissional que presta assistência aos pacientes oncológicos e, dada sua própria formação, pode significar para a cliente com câncer de mama e para sua família um importante elo na sua relação com os demais membros da equipe de saúde. Por meio da consulta de enfermagem, o enfermeiro pode definir metas de cuidado para a cliente e propor uma assistência individualizada, humanizada e pautada pelos principais diagnósticos de enfermagem identificados em cada situação de cuidado. Portanto, a consulta de enfermagem deve ser percebida como um instrumento que pode contribuir para o enfrentamento do câncer de mama pela mulher e pela família.11 Ao refletir sobre esta temática, pôde-se nortear a seguinte questão que fundamenta este estudo: Qual é a percepção das mulheres com câncer de mama sobre o cuidado promovido pelo enfermeiro e sobre a sua interação com esse profissional? Visto que a problemática tem sido pouco explorada pelos profissionais de enfermagem, nesta pesquisa de campo objetivou-se compreender a percepção das mulheres 32 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 portadoras de câncer de mama durante o tratamento quimioterápico em relação ao cuidado promovido pelo enfermeiro e analisar o relacionamento entre eles numa perspectiva de humanização. TRAJETÓRIA METODOLÓGICA Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva em que se procurou aprofundar no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em operacionalizações.13 Tal abordagem ofereceu técnicas especializadas para adquirir respostas profundas sobre o que as mulheres com câncer de mama pensavam e sentiam em relação ao cuidado prestado pelo enfermeiro. O estudo foi realizado em dois centros oncológicos do município de Montes Claros, localizado no Estado de Minas Gerais, Brasil. Tais instituições são referência na Macrorregião de Saúde do norte do Estado de Minas Gerais para atendimento a clientes com câncer. Os centros prestam serviço, em sua maioria, a usuários do SUS em busca de tratamento para todos os tipos de câncer e atendem mensalmente cerca de 600 pessoas. É oferecida aos clientes assistência desde o diagnóstico até a alta hospitalar, disponibilizando ainda grupos de apoio multiprofissional com enfoque nos aspectos educativo, social e emocional. Os referidos centros disponibilizam para o tratamento de câncer de mama, além da cirurgia, a radioterapia, a quimioterapia e a hormonioterapia. Para o diagnóstico, as instituições contam com exame clínico, ultrassonografia, mamografia, biópsia, ductografia e ressonância magnética. Participaram do estudo nove mulheres com câncer de mama atendidas nos referidos centros. Os critérios de inclusão e seleção ocorreram por acessibilidade, em que o elemento pesquisado foi autosselecionado por estar disponível no local e no momento em que a coleta foi realizada. O número de entrevistas foi definido pela saturação dos dados, que se refere à sensação de fechamento, avaliada pelo pesquisador.13 O fechamento amostral por saturação é operacionalmente definido como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar redundância ou repetição; dessa forma o pesquisador interrompe a coleta de dados, visto que esta para de produzir novas informações. A fase da coleta de dados ocorreu após apreciação do projeto deste estudo no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, com aprovação por meio do Parecer Consubstanciado n° 621/07. O instrumento escolhido foi a entrevista individual com roteiro semiestruturado, que consiste na técnica mais usada no processo de trabalho de campo, obtendo-se dados de natureza objetiva e subjetiva. Ressaltam-se os que se referem às mulheres entrevistadas em relação a suas atitudes, crenças, valores e opiniões. A entrevista foi direcionada pelas questões norteadoras: O que você acha da assistência prestada pelo enfermeiro durante o tratamento? Como é construída sua relação com o enfermeiro durante o seu tratamento? As respostas foram gravadas com uso de um microgravador, após anuência das nove mulheres participantes, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme preconizado na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, sobre a realização de pesquisas envolvendo seres humanos. Com a finalidade de garantir o anonimato e o sigilo dos sujeitos do estudo, estabeleceu-se um código de identificação para as nove mulheres participantes: P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8 e P9. Os dados foram coletados no período de agosto e setembro de 2008. Os dados foram interpretados mediante análise de discurso e classificados por meio de um questionamento com base na fundamentação teórica, sendo elaboradas categorias relacionadas a um conceito central e reunidas por meio de elementos ou aspectos comuns. A fim de obter uma adequada análise, foram seguidos os passos: ordenação dos dados e mapeamento dos dados; classificação dos dados, que consiste na leitura exaustiva do material para identificação de temas relevantes e estabelecimento de categorias temáticas; e análise final, que é a realização de articulações entre os dados e autores pesquisados. Após a transcrição e a leitura dos relatos, foi realizada a seleção das temáticas, que apareceram como as mais destacadas nas falas das informantes, ou seja, aquilo que estava sendo mais importante e problematizado, pertinente aos objetivos da pesquisa.13 O levantamento das categorias baseou-se nas unidades significativas, que se mostraram inter-relacionadas à medida que o assunto ia sendo explorado, o que proporcionou uma aproximação da visão das mulheres sobre a humanização e sobre o cuidado recebido. Os temas comuns foram, então, agrupados em categorias, que estão explicitadas nos resultados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os temas contemplados pelas mulheres entrevistadas foram agrupados em duas categorias: “O cuidado em múltiplas formas” e “Instrumentos básicos para o cuidado”. O cuidado em múltiplas formas O termo “cuidado” origina-se do latim cura e designa relação de amor e amizade. Implica pensar em alguém, inquietar-se no espírito para com esse alguém de modo que a atenção e a preocupação se voltem para ele, tomando-o como fim. Assim, pode-se dizer que a cura não se dá unicamente pelo processo curativo-técnico, mas principalmente pelo sentimento universal da simpatia, da amizade ou do amor, expressos no cuidado.14 Contudo, curar e cuidar não devem ser entendidos como processos paralelos, visto que se complementam. O cuidado humano permeia a ação de várias profissões ligadas à saúde, mas é na enfermagem que este encontra a sua singularidade, uma vez que significa a essência dessa profissão.15 No universo da enfermagem, a “humanização” representa uma ligação intrínseca com seu instrumento de trabalho, o cuidado, uma vez que este é caracterizado como uma relação de ajuda, cuja essência constitui uma atitude humanizada. O cuidado, portanto, pode ser colocado como a essência da enfermagem e resulta em troca de energia e de valores, o que se dá numa relação que transcende os aspectos técnico-científicos e tecnológicos,16 estabelecendo-se por meio da interrelação humanística.9 Ao analisar os discursos, buscou-se diferenciar as percepções do cuidado pelas mulheres entrevistadas desvelando a técnica do cuidado, cuidado como acolhimento, apoio psicológico e aspecto espiritual. Essas diferentes faces do cuidado se entrelaçaram. No relato que se segue, considerou-se uma percepção técnica do cuidado quando a mulher disse que, no seu relacionamento com o cuidador, esse deve “agir como enfermeiro”, e deve “tratar a doença”. Mas, logo em seguida, expôs o desejo de um cuidado como de um amigo ou cuidado espiritual (“da alma”). Tem que ser um relacionamento de amizade e de enfermeiro também (risos). E as enfermeiras têm que tratar a doença e a alma da gente. É isso que elas aqui fazem. (P1) O tratamento para o câncer de mama provocou no indivíduo uma ruptura com seu ambiente habitual, alterou costumes, hábitos, capacidade de autorrealização e de cuidado pessoal. Acarretou, ainda, reações de incertezas gerando angústia diante do desconhecido, a falta de confiança e a expectativa do “vir a ser”. Portanto, o enfermeiro deve ajudar a cliente, atento para a linguagem verbal e não verbal da mulher, orientando-a sobre seus anseios e preocupando-se com a melhoria da qualidade de vida. O “ser enfermeiro” poderá exercer plenamente o ato de cuidar e possibilitar a superação dos obstáculos. 17,18 Atitudes assim foram vistas pelas mulheres como uma forma de tratamento da alma. Compreendendo, ainda, no relato acima, que a visibilidade do enfermeiro pareceu ser ofuscada, pois a utilização da expressão isso elas aqui fazem denunciou uma possível confusão de funções, uma vez que remete a mais de uma pessoa, sendo que no setor há apenas um enfermeiro por turno. Contudo, não se pode descartar a possibilidade de se referirem ao total de enfermeiros no centro oncológico, já que as clientes, geralmente, fazem várias sessões de quimioterapia, tendo contato com mais de um enfermeiro. Os discursos desvelaram, na percepção de P1, que essas mulheres não diferenciam o enfermeiro da equipe de enfermagem, pois a expressão pluralizada induz pensar que se remete a estes, que, na prática, são os que administram com mais frequência os remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 33 Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro medicamentos, uma vez que os enfermeiros se ocupam mais com funções gerenciais. Cabe à enfermagem e às outras profissões de saúde (medicina, fisioterapia, psicologia) a construção de trabalhos que focalizem a atenção na cliente e nas suas necessidades. As evidências científicas são fundamentais, mas não podem estar separadas da reflexão, do contato com a cliente, do desenvolvimento do serviço e da sensibilidade.17 As mulheres com câncer de mama perceberam o cuidador como um profissional capacitado, que lhes dispensava um cuidado de forma adequada, proporcionando-lhes satisfação da assistência direta. O relato abaixo evidenciou isso: As enfermeiras sabem dispensar [...] o cuidado medicamentoso. (P2) Percebe-se que os profissionais de enfermagem utilizam competência técnica, conhecimentos científicos específicos da clínica oncológica, mas também empatia para compreender o ser humano naquilo que vivencia com o cliente ou o familiar em um ambulatório oncológico.19 A experiência de cuidar da paciente mostra que é imprescindível a atuação conjunta da equipe de saúde de modo a desenvolver uma prática coerente com o Modelo de Atenção Integrada à Saúde de pessoas com câncer, instituído pela Política Nacional de Atenção Oncológica.20 No estudo em questão, pode-se confirmar tal ideia, já que o enfermeiro adotou uma conduta estreita no que se refere à técnica e ao humanismo, exercendo um cuidado humanizado. Todavia, inferiu-se que a condição de dependência de doente pode ter levado a cliente a visualizar a assistência do enfermeiro como diferenciada (amigável, atenciosa, carinhosa) quando, na verdade, ele cumpre uma rotina; presta, então, uma assistência igualitária. Outro enfoque da percepção do cuidado, segundo as entrevistadas, foi o cuidado humanizado. O cuidar está fundamentado num sistema de valores humanísticos universais, tais como a amabilidade, o respeito, o afeto por si e pelos outros. A humanização destaca-se, no espaço assistencial, como um movimento que favorece a adoção de práticas individualizadas com novas formas de agir e produzir o cuidado, a assistência e a relação com o cliente em saúde.21 Tal humanização foi percebida como acolhimento e apoio psicológico, conforme registros das falas. Todas afirmaram que perceberam um cuidado humanizado, visto como um acolhimento, que se deu de forma carinhosa, permitindo lidar com a doença de maneira menos “chocante” do que esperavam, acrescentando que: Desde o primeiro momento fui muito bem assistida. As enfermeiras são muito boas com nós que temos esta doença triste. (P3) Me acolhem com carinho, brincam, aliviam meu coração do desespero e do medo que a doença dá. Me 34 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 explicam tudo direitinho e quando as coisas acontecem como cair o cabelo, dá ânsia de vomito por causa da quimioterapia eu já nem assusto mais. (P4) As clientes entenderam que o enfermeiro demonstrou importar-se com elas durante a internação e que ele valorizou os momentos de dor e de medo que a doença e o tratamento acarretam. Observou-se o saber ouvir, o saber “estar com”, o importar-se com o outro. As mulheres com câncer de mama notaram o esforço dos enfermeiros em animá-las e mantê-las informadas. A atuação percebida é similar à proposta por Barreto, quando afirma que o enfermeiro deve agir de maneira a tentar aliviar o medo e a ansiedade, explicar os procedimentos que serão efetuados e buscar meios de facilitar a verbalização de sentimentos, temores, preocupações, anseios, dúvidas e expectativas.9 As falas evidenciaram que o enfermeiro não pode nem deve abrir mão da competência e do rigor da técnica, mas não deve perder de vista que o ato de cuidar envolve dois sujeitos: o cliente e o profissional, cujas singularidades estão acima dos princípios da ciência. Assim, o enfermeiro que se propõe a trabalhar com mulheres com câncer de mama deve prestar assistência que congregue técnica, ciência e humanização, fornecer todas as informações e orientações, respeitar as necessidades e o nível de entendimento, reabilitar as clientes para o auto-cuidado.8-22 De acordo com as entrevistadas, o enfermeiro promoveu, ainda o apoio psicológico, percebido por elas como um importante fator de humanização, visto que ele identifica as preocupações, as ansiedades e os medos, orientando-as. A equipe de enfermagem tem mais oportunidade de conviver com essas clientes e, portanto, experienciar com elas suas dores, seus sofrimentos e, consequentemente, estabelecer maior vínculo com a fragilidade humana.8 Por meio de uma conduta cuidadosa e calma, o enfermeiro pode ajudar a mulher a diminuir a ansiedade diante do diagnóstico e durante o tratamento, já que os medos podem influenciar na terapia e comprometer o processo de promoção da saúde.21 Assim, a mulher com câncer precisa de ajuda profissional, e o enfermeiro como facilitador do processo educativo e terapêutico pode auxiliá-la nesse sentido. Para isso, exige-se sensibilidade perante cliente e à família. Não sei o que teria sido de mim se não fosse o apoio das enfermeiras. Senti tanto medo de enfrentar meu marido quando tive que tirar o seio, mas elas me apoiaram, chamaram ele para conversar e explicaram que eu precisava do apoio dele agora mais do que nunca. (P5) As enfermeiras foram as que mais me apoiaram. (P4) São bastante humanos e pessoalmente foram carinhosas com o meu problema. [...] as enfermeiras dão apoio pessoal pra mim. (P6) Ainda bem que as enfermeiras sempre acham um tempinho para conversar comigo. Essa doença não é fácil. Tem dia que eu choro, mas é assim mesmo. Vou vencer essa batalha como a enfermeira me disse. (P7). O medo é um sentimento que está presente em todos os momentos por que passa a cliente. A doença expõe a vulnerabilidade do ser humano: “Talvez seja na doença que o sujeito tem máxima percepção de sua vulnerabilidade”.15:767 O câncer, particularmente, é carreado de estigma, o que justifica o medo e a ansiedade de ter de encarar o problema ao aparecimento dos primeiros sinais e sintomas, da hospitalização, da quimioterapia, da radioterapia, dos efeitos adversos, do medo de recidiva e, principalmente, da morte.21 Tais colocações foram confirmadas nos depoimentos: Desde o primeiro dia que aqui cheguei para fazer o tratamento, já sabendo que estava com câncer de mama, as enfermeiras foram e continuam sendo muito carinhosas comigo. Estou ameaçada de perder meu seio esquerdo, e isto me dá muito medo. Fiquei imaginando que nunca mais ia poder usar um biquíni, ir à praia ou piscina. Mas as enfermeiras me tranquilizaram, me mostraram fotos de pessoas que passaram por esse problema e reconstituíram o seio. Me contaram o caso de uma atriz. Hoje assisto à novela e fico aliviada de saber que esta é uma doença que tem cura. (P7) Outro fator essencial a considerar, principalmente em mulheres jovens que possuem o câncer em questão, é que a mama, além da amamentação, está diretamente ligada ao prazer sexual e, consequentemente, à feminilidade. Além disso, marca o início do amadurecimento do aparelho reprodutor, sendo determinantes no desenvolvimento físico da mulher. 9 É inegável sua valorização diante da estruturação da imagem corporal. A fala acima demonstrou tais percepções. A humanização foi enfocada ainda em seu aspecto espiritual, conforme relato a seguir: As enfermeiras sabem dispensar o cuidado espiritual e pessoal a todas nós que estamos passando pelo trauma do câncer de mama. (P2) As mulheres deixaram claro que veem o cuidado humanizado como o domínio da técnica aliado ao apoio espiritual, psicológico, pessoal e até material. E confirmaram receber esse apoio, até mesmo suporte material quando chegavam da área rural do município e não tinham onde ficar para concluir o tratamento. Elas pareceram valorizar um cuidado diferenciado e esperavam ser tratadas em dois ângulos: corpo e alma. Na verdade, o fato de a cliente perceber o cuidado como humanizado pode estar relacionado à carência psicossocial em âmbito familiar, levando à sensação de conforto em ambiente fora de seu domicílio. Os familiares são apontados como elementos importantes na recuperação de mulheres com câncer de mama; contudo, observa-se que eles devem também ser alvos de cuidados porque adoecem juntamente com o paciente.6 Dessa forma, o grande desafio para os profissionais de saúde, seres humanos, encontra-se em combinar trabalho e cuidado, uma vez que eles não podem se colocar em lados opostos, já que “juntos constituem a integralidade da experiência humana, por um lado, ligada à materialidade e, por outro, à espiritualidade”.21:97 Instrumentos básicos para o cuidado A assistência de enfermagem consistiu no encontro entre o enfermeiro com aquele que necessitava de cuidados e com os seus familiares; encontro que, a partir do primeiro momento, aproximou o profissional e o cliente, possibilitando interação, construção da confiança, auxiliando no processo de viver saudável – instrumentos utilizados numa assistência humanizada. O cuidado de enfermagem incluiu o diálogo, o saber ouvir, a segurança, a valorização das queixas e o apoio dos familiares. Além disso, na assistência e no cuidado em saúde, os gestos e as expressões faciais apresentaram-se mais importantes que a comunicação verbal. Existem alguns princípios e valores que devem prevalecer e nortear a relação entre equipe de enfermagem e cliente: respeito pelo outro, informações claras e precisas e, ainda, reconhecimento do outro como ser único e com desejos próprios.12 O enfermeiro respondeu a necessidades emergentes da doença e de seu tratamento, agiu como um elo entre o cliente e a instituição. Cuidar da saúde das pessoas não significa lidar apenas com suas enfermidades, mas vê-las como seres abertos ao mundo. Assim, o profissional e o cliente se relacionam e deixam aparecer seu modo de ser, constroem ou desconstroem relações.19 No estudo desenvolvido, as respostas das entrevistadas demonstraram que o cuidar/cuidado de pessoas acometidas pelo câncer de mama constituiu uma construção social, resultante da interação com os enfermeiros. Os profissionais, ao interagir com as mulheres, construíram símbolos positivos, refletidos no modo de cuidar durante a hospitalização. A relação entre enfermeiros e mulheres foi percebida por estas de modo mais próximo, mais íntimo, o que facilitou a comunicação. As falas a seguir elucidam tais considerações: Não há o que mudar no relacionamento entre nós e as enfermeiras. Elas são nota dez, dão carinho, dispensam todos os cuidados possíveis. Não tenho do que reclamar. (P8) Espero continuar recebendo o carinho e apoio que recebo das enfermeiras daqui. É assim com essa alegria e humildade que o enfermeiro tem que tratar nós que estamos passando por essa tristeza e sofrimento todo. Tem que ser um relacionamento de amizade e de enfermeiro também (risos). (P2) E elas são como amigas pra nós. Parece até que eu já conhecia elas antes de ficar doente de tanto que elas me trata bem. (P3) remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 35 Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro A maior intimidade na relação foi reconhecida como amizade, carinho e respeito. Tal reconhecimento vai ao encontro de afirmações que definem o cuidado como um relacionamento interpessoal originado no sentido de ajuda e confiança mútuas, que se desenvolve com base em valores humanísticos e conhecimentos científicos. O cuidado humano é uma forma de expressão e relacionamento com o outro ser e com o mundo, e não apenas uma atividade ou tarefa; é uma atitude ética em que os seres humanos reconhecem os direitos uns dos outros.21 familiares. Mas reconheciam no enfermeiro alguém com condições de lhes dispensar esse apoio pretendido. Percebe-se que as mulheres com câncer de mama esperam receber dos enfermeiros um cuidar que ganha o significado de uma atenção especial que é mais que um ato singular ou uma virtude ao lado de outras. É um modo de ser, na forma como as pessoas se estruturam e se realizam no mundo com os outros.21 A relação enfermeiro/cliente foi sentida como interativa, uma vez que foi permeada pelo diálogo e pela cumplicidade, além de ter sido reconhecida como uma relação terapêutica, ancorada no apoio e encorajamento contínuo e sincero. Os depoimentos apresentados reforçaram a importância de um cuidado mais qualitativo e humano em oncologia e a importante contribuição que pode ser dada pelo enfermeiro no seu cuidar diferenciado. As mulheres ainda reconheceram o cuidado dispensado pelo enfermeiro como importante no seu tratamento e reabilitação. Quando as mulheres com câncer receberam apoio, carinho, atenção, orientação, sentiram-se seguras como se tais suportes partissem de um familiar. A família representa toda a força, o ânimo e o apoio de que as portadoras de câncer necessitam para prosseguir o tratamento, tornando-se um contribuinte na recuperação psicológica da mulher. Contudo, nem sempre o familiar, como o marido, está preparado para aceitar o ocorrido, como uma mastectomia, causando mais conflitos na cliente. O cônjuge demonstra sentimentos de insegurança, preocupação com a morte da esposa e, às vezes, incerteza no desempenho das atividades do lar e no cuidado da mulher.6 Por outro lado, o enfermeiro está acostumado a lidar com a situação e as diferentes reações manifestadas pelas mulheres com câncer ao longo do tratamento, o que facilitou essa relação de apoio e cumplicidade. É imperativo que o enfermeiro estabeleça um canal de comunicação aberto, condição indispensável para a assistência em saúde da família, na estrutura operacional do processo terapêutico e acompanhamento emocional, bem como na orientação sexual do casal.6 O relacionamento enfermeiro/cliente passou, portanto, a ser visto como agradável; mais do que amigável, é fraternal e necessário para as entrevistadas. É o que pode ser observado em alguns depoimentos nos quais a relação com o enfermeiro foi definida como uma relação familiar. Olha, nem a minha família me tratou com tanto carinho igual às enfermeiras. (P9) Elas se preocupam comigo como se eu fosse da família delas. Quando chego perguntam como tenho passado, perguntam pelo meu filho, querem saber como meu marido esta recebendo a situação que estou vivendo. (P2) Por meio dos discursos, todas as clientes deixaram implícita ou explícita a necessidade da presença de algum membro de sua família. De maneira geral, as mulheres sentiam dificuldade em lidar com sua doença e precisavam de um suporte emocional, normalmente dos 36 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 No cuidado, há uma atitude favorável à nossa natureza que nos impede de nos tornarmos desumanos no sentido comportamental. Assim, se queremos resgatar o cuidado, temos de nos abrir aos sentimentos, que nos unem e nos envolvem com o próximo. Será esse o caminho para o usuário dos serviços de saúde sair do esquecimento, voltando a fazer caso dele. Assim, a atividade de enfermagem passará a ser verdadeiramente o cuidado.14 Confirma-se a ideia de que a saúde não pode estar limitada ao âmbito puramente biologicista, mas, sim, envolvida com o ambiente econômico, social e cultural nos quais os seres humanos estão inseridos.23 Os discursos deixaram explícitos a valorização e o reconhecimento da assistência prestada pelo enfermeiro, já que compreende o ser humano e sua família como alvo do cuidado. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo possibilitou-nos compreender a percepção sobre o enfermeiro na visão das mulheres vivenciando o câncer e ainda refletir sobre a prática do cuidado prestado por esse profissional, além de elucidar parte dos anseios, medos, angústias, dúvidas e incertezas das portadoras de câncer de mama. As mulheres em tratamento de câncer de mama perceberam o cuidado prestado pelo enfermeiro como uma relação dialógica entre o profissional e a cliente/ família. Tal relação, segundo as entrevistadas, foi permeada pela confiança e pelo apoio. O vínculo a ser estabelecido entre eles não se ancoraram apenas nas competências técnicas, mas também nas competências humanas, como esperança, carinho e respeito. Tanto as habilidades técnicas quanto as humanas do enfermeiro foram reconhecidas pelas clientes. Os discursos revelaram aspectos como carinho, atenção, paciência, respeito e proteção na relação do cuidado e foram destacados como instrumentos eficazes da humanização. A competência técnica também foi enfatizada sendo relacionada à segurança e ao apoio, tão necessários nessa fase da vida. A habilidade de interagir e o estar aberto ao outro, aliados aos conhecimentos e habilidades técnicas, permitiram uma assistência individualizada e favoreceram o bemestar das clientes e familiares. Assim, é necessário enfatizar que o enfermeiro deve ser um participante educador, ativo e transformador nas equipes multidisciplinares; atuar com ética e conhecimentos específicos da área; contribuir para desmistificar o estigma que representa o câncer para a mulher e a sua família; e, portanto, permitir melhor qualidade de vida. Na busca pela melhoria da atenção à saúde, gestores e enfermeiros devem refletir sobre a necessidade de rever a prática de cuidados ao usuário com câncer e sua família, bem como sobre as políticas públicas existentes, trabalhando com práticas baseadas na integralidade e na inserção do acolhimento e humanização. As mulheres perceberam o cuidado de enfermagem prestado como humanizado e qualificado; entretanto, cabe aos enfermeiros, como líderes da equipe de enfermagem, dar visibilidade à sua função. Verificou-se que o desenvolvimento das competências humanas constitui um diferencial da prática do cuidado em saúde realizado pelo enfermeiro. REFERÊNCIAS 1. 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Data de submissão: 1º/7/2010 Data de aprovação: 10/9/2011 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012 37 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA EM BELO HORIZONTE SOCIO-DEMOGRAPHIC AND CLINICAL PROFILE OF PATIENTS TREATED IN AN OUTPATIENT PALLIATIVE CHEMOTHERAPY CLINIC IN BELO HORIZONTE PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO Y CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EN UN SERVICIO AMBULATORIO DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA DE BELO HORIZONTE Raissa Silva Souza1 Delma Aurélia da Silva Simão2 Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima3 RESUMO O objetivo com esta pesquisa foi identificar o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte. Trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Foram entrevistados 70 pacientes submetidos a quimioterapia paliativa entre os meses de outubro de 2010 a fevereiro de 2011. Os dados foram inseridos no Programa SPSS e analisados utilizando-se estatística descritiva. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº 0388.0.203.000-10, de 15/9/2010, e os sujeitos consentiram formalmente em participar. A população, em sua maioria, constituiu-se do sexo feminino, com média de 56 anos de idade, baixo nível de escolaridade e de renda. Os principais sítios primários do câncer foram: mama (n=31; 44,3%) e trato gastrintestinal (n= 21; 30%). A maioria apresentava apenas uma metástase (61,4%, cujos principais órgãos acometidos foram fígado, ossos e pulmões, e 70% da amostra encontrava-se na faixa considerada de capacidade funcional estável. Quanto à ocorrência de sintomas, todos os domínios apresentaram de baixa a moderada pontuação. O escore de ocorrência de sintomas apresentou a mediana geral de 16,50 (M= 17,09; DP=10,05). Para o escore de intensidade do estresse relacionado aos sintomas, obteve-se a mediana de 5,5 (M=8,91; DP=9,07). A experiência de sintomas obteve a mediana de 23,5 pontos (M= 26; DP= 17,96). O perfil predominante foi o de pacientes com boa capacidade funcional e com condições de desenvolver relativamente bem suas atividades de vida diária (AVDs). Uma pequena porcentagem dos pacientes encontrava-se com capacidade funcional afetada, os quais se beneficiariam grandemente de um serviço de assistência paliativa domiciliar. Palavras-chave: Assistência Paliativa; Enfermagem Oncológica; Assistência Ambulatorial. ABSTRACT This study aimed at identifying the socio-demographic and clinical profile of patients treated in an outpatient palliative chemotherapy unit in Belo Horizonte. It is a descriptive study using a quantitative approach. Data were collected through interviews with 70 patients who underwent palliative chemotherapy between October 2010 and February 2011. Data were entered into the SPSS program and analysed using descriptive statistics. The study was approved by the Research Ethics Committee under report nº. 0388.0.203.000-10 from 15/09/2010. The research subjects gave their informed consent to participation in the research. The subjects were mostly female; their average age was 56 years, with a low education level, and a low income. The main primary sites of cancer were: breast (n = 31; 44.3%), and gastrointestinal tract (n = 21; 30%). The majority had only one metastasis (61.4%), the main organs affected were liver, bone and lungs. 70% of the sample presented a stable functional capacity. As to the occurrence of symptoms, all areas had a low to moderate scoring. The occurrence of symptoms score showed an overall median age of 16.50 (M = 17.09; SD = 10.05). The intensity of stress-related symptoms score obtained median of 5.5 (M = 8.91, SD = 9.07). The experience of symptoms had a median score of 23.5 points (M = 26, SD = 17.96). The predominant profile was patients with good functional capacity and relatively good ADL index score. A small percentage of patients presented their functional capacity affected, and they would benefit greatly from palliative home care. Keywords: Palliative Care; Oncology Nursing; Ambulatory Care. RESUMEN El objetivo del presente estudio fue identificar el perfil sociodemográfico y clínico de pacientes tratados en un servicio ambulatorio de quimioterapia paliativa de Belo Horizonte. Se trata de un estudio descriptivo con enfoque cuantitativo. Se entrevistaron a 70 pacientes sometidos a quimioterapia paliativa entre octubre de 2010 y febrero 2011. Los datos fueron introducidos en el SPSS y analizados mediante estadística descriptiva. El estudio fue aprobado por el Comité Ético 1 2 3 Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista do Programa Capes/Reuni. Especialista em Enfermagem Hospitalar – Terapia Intensiva/UFMG. Mestranda em Enfermagem pela UFMG. Bolsista do Programa Capes/Reuni, Especialista em Enfermagem Hospitalar – Oncologia/UFMG. Doutora em Research and Theory Development pela New York University. Professora adjunta da UFMG. Subcoordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Cuidado e Desenvolvimento Humano da UFMG. Endereço para correspondência – Rua Padre Francisco Arantes nº 151, apto. 503, Bairro Vila Paris. CEP: 30380-730. Belo Horizonte-MG – Brasil. E-mail: [email protected]. 38 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 de Investigación bajo el N º 0388.0.203.000-10 15/09/2010 y los sujetos consintieron formalmente en participar. Los resultados indican que predominan mujeres, edad promedio de 56 años, bajo nivel de ingresos y de educación. Principales sitios primarios de cáncer: mama (n = 31, 44,3%) y tracto gastrointestinal (n = 21; 30%). La mayoría presentaba una sola metástasis (61,4%), los principales órganos afectados eran hígado, huesos y pulmones. 70% de la muestra presentó capacidad funcional estable. Todas las áreas mostraron entre baja y moderada puntuación para la aparición de síntomas. El escore de incidencia de síntomas mostró promedio general de 16,50 (M = 17,09, SD = 10.05). El escore de intensidad de síntomas asociados al estrés obtuvo promedio de 5,5 (M = 8,91, SD = 9,07). La experiencia de síntomas fue promedio 23,5 puntos (M = 26, SD = 17.96). Llegamos a la conclusión que el perfil predominante fue de pacientes con una buena capacidad funcional y condiciones relativamente buenas para desarrollar sus actividades de vida diarias. Un pequeño porcentaje de pacientes con capacidad funcional afectada se beneficiarían mucho con cuidados paliativos domiciliarios. Palabras clave: Cuidados Paliativos; Enfermería Oncológica; Atención Ambulatoria. INTRODUÇÃO A população brasileira está envelhecendo rapidamente. Consequentemente, o Brasil tem experimentado uma importante transição epidemiológica, com alterações relevantes no quadro de morbimortalidade. Em menos de 40 anos, o País passou de um perfil de mortalidade típico de uma população jovem para um retrato caracterizado por enfermidades complexas e mais onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas.1 Além disso, mudanças atuais nos padrões de vida em relação ao trabalho, nutrição e consumo em geral expõem os indivíduos a fatores ambientais mais agressivos, relacionados a agentes químicos, físicos e biológicos resultantes de um processo de industrialização cada vez mais evoluído. Essa maior exposição das pessoas a fatores potencialmente danosos, também, tem colaborado para o aumento da incidência das doenças crônico degenerativas, dentre elas o câncer.2 Dentre as diversas causas de morbimortalidade no mundo, o câncer é a única que continua a crescer, independentemente do país ou continente, e, nos países em desenvolvimento, é atualmente responsável por uma entre dez mortes. Por esse motivo, configura-se como um grave problema de saúde pública.3 A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer declarou, em recente relatório publicado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), que o impacto global do câncer excedeu o dobro em 30 anos, sendo que as maiores taxas de incidência são encontradas nos países desenvolvidos (Estados Unidos, Itália, Austrália, Alemanha, Canadá e França).4 No Brasil, as estimativas para 2010-2011 apontam para a ocorrência de 489.270 casos novos de câncer, com distribuição heterogênea entre os Estados e as capitais do País. As regiões Sul e Sudeste, de maneira geral, apresentam as maiores taxas, enquanto as regiões Norte e Nordeste, as menores.4 Mundialmente, o termo "câncer" é usado para denominar um conjunto de mais de cem doenças cuja característica fundamental é o crescimento celular desordenado e, portanto, maligno, de células que adquirem a capacidade de invadir tecidos e órgãos e, assim, provocar metástases para outras regiões do corpo.5,6 Nos locais do corpo onde os tumores se alojam, à medida que crescem, começam a comprometer o funcionamento dos órgãos e a provocar sintomas que acabam por prejudicar a qualidade de vida da pessoa. A maior parte das mortes relacionadas ao câncer está associada às metástases espalhadas pelos tumores malignos, as quais são responsáveis por, aproximadamente, 90% dos óbitos causados pela doença.7 Quando o câncer se torna metastático, entende-se que a pessoa acometida não mais se beneficiará dos tratamentos modificadores da doença, cujo objetivo é exclusivamente a cura. Essas pessoas encontram-se fora de possibilidade terapêutica de cura, porém, com um bom tratamento, podem ter expressivo aumento de sobrevida.8 O modelo assistencial proposto a essas pessoas fora de possibilidade terapêutica de cura tem como principal objetivo permitir que elas sobrevivam o máximo possível e com a mesma qualidade de vida que teriam se não fossem portadores de neoplasias malignas.5 Esse modelo é descrito na literatura como tratamento paliativo, assistência paliativa ou cuidados paliativos. 9,10 Usamos, neste trabalho, a denominação “cuidados paliativos”. O termo “paliativo” vem do latim palio, nome dado a uma espécie de cobertura ou toldo, que na Antiguidade, protegia reis e autoridades e que hoje é utilizado pela Igreja Católica para cobrir o Santíssimo Sacramento nas procissões. Por analogia, paliativo indica algo que cobre e protege uma pessoa considerada de grande valor e dignidade. A vida humana, mesmo sem possibilidade de cura, ainda que limitada por deficiências físicas ou sofrimento, terá sempre grande valor e dignidade, devendo receber o melhor cuidado possível.11 Os cuidados paliativos constituem um modelo recentemente incorporado pela Organização Mundial de Saúde aos programas direcionados às pessoas com câncer, como uma das prioridades na atenção. São definidos como “uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – com problemas decorrentes de uma doença incurável e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento”. 12 Fornecer cuidados paliativos simultaneamente ao tratamento oncológico-padrão tem sido a estratégia remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 39 Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte defendida pela Organização Mundial de Saúde, para que, pela somatória de esforços de uma equipe multidisciplinar, seja oferecido o máximo de bemestar físico, psíquico e social à pessoa com câncer.11,12 A Sociedade Americana de Oncologia Clínica apoia essa proposta, entendendo que os cuidados paliativos são mais eficazes quando incorporados à assistência oncológica, integrando os outros modelos de tratamento, desde o diagnóstico da doença.13 A proposta dos cuidados paliativos inclui a avaliação multidimensional da pessoa no intuito de identificar, prevenir e aliviar sintomas que possam estar ocasionando sofrimento. Além disso, prevê a consecução das atividades nos níveis de atenção, de acordo com a demanda, em que a equipe interdisciplinar favorece o cuidado integral e integrador, com vista à contínua melhoria e excelência da assistência.8,14,15 Para atender às demandas de cuidado advindas da pessoa com doença em fase avançada, com metástases regionais ou a distância, intervenções específicas podem ser implementadas. Além dos tratamentos sintomáticos, podem ser destacadas a cirurgia, a radioterapia, a hormonioterapia e a quimioterapia, todas com finalidade paliativa. 16 A quimioterapia consiste no emprego de substâncias químicas isoladas ou em combinação, que atuam no nível celular, interferindo no seu processo de reprodução. Quando empregada com finalidade paliativa, beneficia a pessoa pela redução do tamanho da massa tumoral, com consequente melhora no metabolismo e redução dos sintomas, não repercutindo, obrigatoriamente, sobre sua sobrevida.4,5 Esse tratamento pode aumentar o intervalo livre de doença, corroborando não apenas para com o aumento da sobrevida, mas também com a melhora da qualidade de vida. Independente da via de administração, a quimioterapia paliativa é de duração limitada, tendo em vista a incurabilidade do tumor (estádio IV, doença recidivada ou metastática) que tende a se tornar progressivo a despeito do tratamento aplicado.4,17 A ideia de quimioterapia paliativa é relativamente nova. Apenas nas últimas décadas o alívio dos sintomas se tornou um importante componente das pesquisas clínicas em oncologia. Nesse ínterim, apesar de determinado que a doença esteja fora da possibilidade de cura, a quimioterapia ainda pode ser usada para aliviar sintomas e retardar o progresso da doença, prolongando a vida com melhor qualidade, o que dependerá intimamente do protocolo terapêutico adotado, da dose e da via de administração.18 Contudo, o uso de quimioterapia em estádios avançados de câncer com o foco em medidas de conforto ainda permanece controverso. O uso de quimioterápicos não é livre de riscos, notório até mesmo por causar efeitos colaterais estressantes. Os riscos podem sobrepujar os potenciais benefícios e afetar drasticamente a qualidade de vida do paciente, conceito central em cuidados paliativos oncológicos.19,20 Alguns autores consideram o estado de desempenho pessoal como o melhor indicador de risco versus 40 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 benefício. Se o estado de desempenho estiver restrito, há maior probabilidade de a pessoa desenvolver sérios efeitos adversos à quimioterapia.19, 21 A Organização Mundial de Saúde entende que, para que os cuidados paliativos sejam eficazes, há necessidade de abordagem por uma equipe interdisciplinar.13 Entendese que a equipe interdisciplinar seja o resultado do conhecimento e do respeito da competência de cada profissional, permeado pela comunicação clara e franca entre os membros.22 Os objetivos da atuação das equipes de cuidados paliativos são o emprego adequado da comunicação, o controle efetivo da dor e dos sintomas e a adaptação do organismo, visando à manutenção da qualidade de vida.23 As contribuições da equipe de enfermagem são fundamentais para que se alcancem os objetivos propostos, visto que cuidar é a essência dessa profissão, assim como base dessa modalidade assistencial.17 Além disso, a presença do cuidado é facilmente reconhecida como uma necessidade nos momentos críticos da existência do ser humano, isto é, o nascimento, a doença e a morte.24 O cuidado paliativo de enfermagem implica, principalmente, a relação entre as pessoas que cuidam e as que são cuidadas, sendo as intervenções técnicas secundárias à relação que se estabelece entre equipe de cuidados e pacientes.25 Nessa conjuntura, torna-se um desafio para a equipe de enfermagem a construção de seu fazer, considerando as dimensões éticas, subjetivas, técnicas e institucionais do cuidado e os valores, sentimentos e limites do ser cuidado.26 Para o alcance dos objetivos propostos, é necessário ir além da interação entre o enfermeiro e a pessoa. Os profissionais necessitam se instrumentalizar para a avaliação acurada dos sintomas, da qualidade de vida, da capacidade funcional pessoal e das necessidades de cuidados existentes, além de conhecer as medidas farmacológicas e não farmacológicas usadas na abordagem dos sintomas.22 O enfermeiro é responsável por sensibilizar toda a equipe de enfermagem, estimulando o desenvolvimento de competências humanísticas no mesmo nível em que se estimula a competência técnico-científica.26 Por tudo isso, para a implementação dos cuidados paliativos com qualidade é importante conhecer e descrever características específicas da população em quimioterapia paliativa com vista a favorecer a individualização da assistência. A proposta com este estudo foi, portanto, identificar o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte. Esse conhecimento, certamente, poderá subsidiar o planejamento de cuidados prestados a essas pessoas, favorecendo a aproximação do cuidado à realidade vivenciada por elas. Destaque-se que este trabalho faz parte de um projeto de mestrado intitulado “Perfil sociodemografico e de saúde dos pacientes atendidos em um serviço de cuidados paliativos em Belo Horizonte”. METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa, realizado em um ambulatório de quimioterapia de Belo Horizonte, Minas Gerais. Local O local do estudo foi um ambulatório de um hospital universitário de grande porte de Minas Gerais. Esse ambulatório atende às especialidades de oncohematologia adulta e pediátrica, cirurgia ambulatorial, endocrinologia e saúde mental, e oferece atendimento ambulatorial quimioterápico. Funciona de segunda a sexta-feira, das 7 às 18 horas, com capacidade para realizar 15 mil atendimentos por mês nas diversas especialidades. Atende, diariamente, entre 50 e 60 pacientes para esse tipo de tratamento. Os pacientes permanecem no mínimo 45 minutos e no máximo 6 horas recebendo medicação por via endovenosa. As sessões de quimioterapia são marcadas após consulta médica ambulatorial previamente agendada, quando se determina a quantidade e a frequência das aplicações. Coleta de dados Os dados foram coletados em um período de quatro meses, entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011, alcançando uma amostra de 70 pacientes. Os critérios de inclusão foram: estar em tratamento quimioterápico de modalidade paliativa, ser maior de 18 anos e estar lúcido e em condições de se comunicar verbalmente. Os pacientes foram selecionados no setor administrativo, por meio do levantamento das Autorizações para Procedimentos de Alto Custo/Complexidade (APACs), registradas como quimioterapia paliativa. Após a obtenção do nome e registro desses pacientes, verificou-se qual a data agendada para a quimioterapia seguinte de cada um. Nas datas agendadas para comparecimento dos pacientes selecionados, a investigadora os abordava, explicava o objetivo da pesquisa, verificava o interesse e a disponibilidade em participar e solicitava, em seguida, o consentimento formal por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora, por meio de entrevista, utilizando-se os instrumentos propostos. O estudo foi realizado em conformidade com a Resolução nº 196/96, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob o Parecer n} 0388.0.203.000-10, de 15 de setembro de 2010. Instrumentos Na coleta de dados, foram utilizados três instrumentos, sendo um deles o formulário elaborado pelos pesquisadores contendo questões relacionadas ao perfil demográfico e clínico da amostra, o outro a escala Capacidade Pessoal Paliativa (PPS) e o Índice de Experiência de Sintomas (Symptom Experience Index) SEI, versão em português. A escala de Capacidade Pessoal Paliativa (PPS) é uma ferramenta que permite a mensuração do declínio progressivo da funcionalidade de doentes em cuidados paliativos. 27,28 Apesar de existirem várias escalas vastamente utilizadas em oncologia para a mensuração da capacidade funcional, optamos pela PPS, por ser uma escala específica para a avaliação de pessoas com doenças fora de possibilidade terapêutica de cura. Essa escala foi traduzida para a língua portuguesa pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), tendo a versão aprovada pela Victoria Hospice Society, instituição canadense de hospices e cuidados paliativos, criadora da escala.29 A escala PPS apresenta indicadores (grau de deambulação, capacidade de fazer atividades/extensão da doença, capacidade de realizar o autocuidado, capacidade de ingerir alimentos/ingestão de líquidos, nível de consciência) a serem verificados pelo avaliador para a determinação da capacidade funcional da pessoa, que é, então, expressa em porcentagens que podem variar de 100% (completa funcionalidade) a até 0% (completa falência).28,30 Para lidar adequadamente com os sintomas dos pacientes, é fundamental a utilização de instrumentos que mensurem com precisão a experiência dos múltiplos sintomas e o estresse que eles causam. Na tentativa de prover um instrumento de medida que permita essa avaliação, foi desenvolvido o Symptom Experience Index (SEI).31 O instrumento avalia 21 sintomas categorizados em oito subescalas: respiratória, cognitiva, gastrointestinal/ alimentação, dor/desconforto, neurológica, fadiga/ sono/inquietação, eliminação e aparência. Cada item é classificado, na subescala, com pontuação de 0 (nenhuma ocorrência de sintoma ou de estresse) a 4 (pior ocorrência do sintoma ou do estresse). O SEI mensura, também, a experiência de sintomas, que reflete o grau de sofrimento ou desconforto físico, emocional ou mental, percebido e reconhecido pela pessoa.31 Esse instrumento foi traduzido para o português e validado em um estudo com homens em tratamento oncológico. O instrumento demonstrou ótima confiabilidade, com um alfa de Cronbach de 0,963 para “experiência de sintomas”, 0,945 para “ocorrência de sintomas” e de 0,973 para “estresse relacionado ao sintoma”.32 O SEI contém 41 itens que identificam o sintoma e medem o estresse por ele causado. A intensidade de cada sintoma, bem como do estresse, é registrada em uma subescala de Likert de 5 pontos, O instrumento avalia 21 sintomas categorizados em oito subescalas: 1) respiratória; 2) cognitiva; 3) gastrointestinal/alimentação; 4) dor/desconforto; 5) neurológica; 6) fadiga/sono/ inquietação; 7) eliminação; e 8) aparência. Cada item é classificado na subescala, com pontuação que varia de 0 (nenhuma ocorrência de sintoma ou de estresse) até 4 (extrema ocorrência do sintoma ou do estresse).31 Os escores do SEI são verificados somando-se as pontuações marcadas nas subescalas. Quanto mais alto o escore obtido, maior o desconforto ou sofrimento causado pelos sintomas. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 41 Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte Para a análise da ocorrência dos sintomas, do estresse relacionado a cada sintoma e da experiência de sintomas foram obedecidos os critérios estabelecidos pelos autores. A avaliação do comprometimento por domínio foi feita mediante o somatório da pontuação atribuída aos sintomas do domínio, ao estresse relacionado aos sintomas do domínio e à experiência obtida ao final. O escore dos sintomas e estresse varia de 0 a 4 e o escore da experiência varia de 0 a 8, em que quanto maior a pontuação, pior a avaliação do domínio.31 O escore da Ocorrência de Sintomas pode ter uma variação de 0 a 84; o escore de intensidade de estresse relacionado ao sintoma pode variar de 0 a 80; o escore de experiência de sintomas é obtido pela soma dos escores de ocorrência de sintomas e intensidade de estresse. O escore total da experiência de sintomas pode variar de 0 a 164.31 Análise dos dados Os dados foram inseridos no Programa Estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0, onde foram tratados e analisados, utilizando-se estatística descritiva. Os resultados foram apresentados em tabelas e gráficos e discutidos à luz da literatura revisada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Características sociodemográficas A amostra estudada foi composta por 70 pacientes oncológicos em tratamento paliativo. Os dados sociodemográficos demonstram uma população com média de 56 anos de idade (DP = 11,76), com baixo nível de escolaridade e baixa renda. As características sociodemográficas estão apresentadas na TAB.1. A maior parcela dessas pessoas encontrava-se na faixa etária abaixo dos 60 anos de idade (57,1%). A média de idade entre os homens foi de 58,29 anos (DP= 11,46), variando de 43 a 78 anos. Já entre as mulheres, a média de idade foi de 54,73 anos (DP= 11,85), variando de 29 a 81 anos. Houve maior concentração de pessoas do sexo feminino (n= 46; 65,7%). Essa informação pode ser reflexo do maior agrupamento de mulheres em Minas Gerais.33 A população estudada se comporta de acordo com perfil esperado para países em desenvolvimento, em que o número de câncer nas mulheres é maior em relação aos homens.33 Em países desenvolvidos, o número de casos entre gêneros em tratamento paliativo é similar.34 Com relação à localidade de residência da amostra, verificou-se que a maioria reside em Belo Horizonte e região metropolitana (n=55; 78,2%). Um fato que chamou a atenção foi a quantidade de pacientes do interior de Minas Gerais que realizam tratamento nesse ambulatório (n=15; 21,4%). Acredita-se que embora existam projetos que visem à descentralização das ações em oncologia, como é o caso do Projeto de Expansão de Assistência Oncológica (Projeto Expande), ainda podem 42 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 TABELA 1 – Características sociodemográficas da amostra – Belo Horizonte, outubro 2009/fevereiro 2011 FREQUÊNCIA (n=70) PERCENTUAL (%) Feminino 46 65,7 Masculino 24 34,3 Sem parceiro 26 37,1 Com parceiro 44 62,9 Analfabeto 6 8,6 Ensino fundamental 41 58,5 Ensino médio 16 22,9 Ensino superior 7 10,0 BH e região metropolitana 55 78,6 Interior de Minas Gerais 15 21,4 Trabalhando 4 5,7 Não trabalhando 66 94,3 44 62,9 26 37,1 VARIÁVEL SEXO SITUAÇÃO CONJUGAL ESCOLARIDADE PROCEDÊNCIA SITUAÇÃO LABORAL RENDA FAMILIAR Menor que 2 salários mínimos Maior que 2 salários mínimos existir fatores que limitam a adesão dos pacientes a esses projetos.35 Com relação à situação conjugal, verificou-se que a maioria das pessoas referiu ter um parceiro (62,9%). O apoio do cônjuge ou de outros familiares é de grande importância para a pessoa com uma doença que lhe ameaça a vida. Estudos têm demonstrado que a pessoa com câncer tende a adaptar-se melhor à situação de enfermidade ameaçadora da vida e ao estresse que a condição ocasiona quando tem níveis elevados de apoio social.36,37 É importante distinguir rede social e apoio ou suporte social. Entende-se como rede social todas as pessoas que têm algum vínculo com a pessoa, incluindo não apenas familiares e amigos íntimos, mas também outros grupos que podem lhe prestar apoio social. Sabe-se que a presença de uma rede social não necessariamente determina o apoio social à pessoa. Por apoio ou suporte social entende-se a participação ativa de terceiros na identificação de demandas da pessoa nos aspectos material e emocional, o que deve resultar em efeitos emocionais e comportamentais positivo.37,38 Estudos apontam que quanto maior o suporte social dado pelo familiar à pessoa com câncer, melhor o seu enfrentamento com relação à doença e ao próprio tratamento. 37 Um estudo investigando a relação entre suporte social, estado civil e solidão, com 144 pacientes com câncer, revelou que o nível de suporte social percebido pelo paciente não estava diretamente relacionado a ser casado, mas os índices de solidão estavam mais relacionados ao envolvimento familiar do que ao estado civil.37,38 É importante que enfermeiro entenda a dinâmica familiar, na tentativa de estabelecer, junto com a pessoa em tratamento, a melhor forma de conduzir sua vida laboral, evitando que ela prejudique sua qualidade de vida. O enfermeiro deve investigar o suporte social percebido pelo paciente e, quando esse suporte não estiver atendendo às suas necessidades, buscar intervir adequadamente junto ao paciente e à família. O ponto crucial, neste quesito, é avaliar se a relação é saudável o bastante para contribuir com a adesão ao tratamento, o controle dos eventos adversos e a qualidade de vida do paciente. 36-38 O sítio primário do câncer foi predominantemente a mama (n=31; 44,3%), seguido pelo câncer do trato gastrintestinal (n= 21; 30%) e os outros tipos de câncer, agrupados, representaram 25,7% do total (n=18). Quanto à escolaridade, verificamos que a maior concentração da amostra foi entre os que declararam terem ensino fundamental (58,5%) e médio (22,9%). Também verificamos que a amostra apresentou alto índice de analfabetismo (8,6%). Os dados encontrados apontam para a mesma tendência apresentada por estudos com pacientes com câncer, onde foi demonstrada maior concentração da amostra nas faixas de menor escolaridade 32,39 Esse dado é preocupante pela necessidade de essas pessoas entenderem corretamente uma série de orientações relacionadas à saúde e tratamentos específicos. Além de estar relacionada a diagnósticos de câncer em estágios mais avançados e à maior mortalidade, a baixa escolaridade está associada a piores padrões de cuidados à saúde.40,41 Com relação à situação laboral da amostra, a maioria não estava trabalhando (94,3%), sendo que a maior parte era aposentada (35,7%) ou em licença médica (28,6%). Dos que estavam trabalhando, a maioria (71,4%) revelou que desenvolvia atividades com predomínio de esforço físico, tais como pedreiros, doméstica, diarista, serviços gerais e atividades no lar. O prejuízo à capacidade laboral da pessoa produzido pela doença impacta-lhe negativamente a saúde e a qualidade de vida, uma vez que a renda familiar é afetada. Neste estudo, verificou-se que a renda familiar da maioria dos participantes era de até dois salários mínimos (62,9%). Estudos evidenciam o predomínio de neoplasias malignas em pessoas com baixa renda.32,39 A queda do poder aquisitivo da família, associada, principalmente, a licenças médicas e aposentadorias, em uma situação em que os gastos com medicamentos, com transporte ou outras necessidades da pessoa aumentam, produzem sentimentos negativos que influenciam diretamente na saúde e no bem-estar da pessoa. 39 Na tentativa de fugir dessa situação, algumas pessoas permanecem no mercado de trabalho. No entanto, as dificuldades em realizar as atividades pela presença de sintomas como a fadiga predispõem ao afastamento das atividades laborais, o que, por sua vez, pode ser mal interpretado pelos provedores. Ademais, a própria atividade pode gerar piora da intensidade e frequência dos sintomas.41 Características clínicas O câncer de mama apresenta alta incidência entre mulheres na faixa etária de 30 a 49 anos. Entre as mulheres idosas, dadas as menores oportunidades de diagnóstico precoce, encontram-se as maiores taxas de doença oncológica mamária avançada ou metastática.33 No Brasil, diagnósticos em estágios avançados da doença ainda são frequentes, elevando as taxas de mortalidade de um tipo de câncer com bom prognóstico se detectado precocemente. O rastreamento mamográfico para mulheres de 50 a 69 anos é a estratégia recomendada para controle do câncer de mama, sendo que nas mulheres nas faixas etárias inferiores o exame clínico das mamas é o preconizado. A descoberta tardia do tumor de mama, quando já em fase avançada e com metástases, pode estar associado a uma gama de fatores, dentre os quais o rastreamento mamográfico ineficiente ou não executado.1 Entre os homens, o câncer mais prevalente foi o do trato gastrintestinal (58,3%), seguido pelo câncer de próstata (16,7%). O fato de a proposta terapêutica de escolha no câncer de próstata metastático ser a hormonioterapia e de essa modalidade não estar incluída neste estudo pode ter contribuído para o número reduzido de pacientes com câncer de próstata na amostra. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer de cólon e do reto em homens é o terceiro mais frequente na Região Sudeste (19/100 mil). A história familiar de câncer de cólon e reto e a predisposição genética ao desenvolvimento de doenças crônicas do intestino (como as poliposes adenomatosas) configuram-se como o mais importante fator de risco para o desenvolvimento desse tipo de neoplasia. Além disso, uma dieta baseada em gorduras animais, baixa ingestão de frutas, vegetais e cereais; assim como consumo excessivo de álcool e tabagismo são fatores de risco para o aparecimento da doença.1 Apesar do o câncer de próstata ter sido o segundo mais prevalente entre os homens neste estudo, dados revelam que esse tipo de câncer é o mais incidente entre os homens no Brasil. O aumento observado nas taxas de incidência do câncer de próstata no mundo é parcialmente justificado pela evolução dos métodos diagnósticos, melhoria na qualidade dos sistemas de informação e pelo aumento na expectativa de vida.42-44 A presença de metástase e sua localização são indicadores de prognóstico. Todas as pessoas deste estudo possuíam câncer em estágio avançado (estágio III e IV), com metástases espalhadas por um ou mais locais do corpo. A maioria apresentava apenas uma metástase (61,4%), remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 43 Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte seguida de duas metástases (27,1%). Os locais mais comumente acometidos por metástases foram o fígado (25%), os ossos (20%) e o pulmão (13%). O alto índice de acometimento metastático no fígado pode estar relacionado à característica desse órgão, que é alvo frequente de células cancerosas provenientes da circulação sistêmica. Sabe-se que a agressão hepática por metástases é muito mais comum do que por um tumor primário, chegando a ser 20 vezes mais frequente.42 Do mesmo modo, sugere-se que a alta prevalência de metástase óssea detectada neste estudo possa estar relacionada ao fato de o câncer mais encontrado ter sido o de mama, sendo que esse tipo de metástase é consequência comumente associada a esse tipo de neoplasia maligna.32,39 A capacidade funcional da pessoa reflete o impacto da doença e do tratamento na disposição dela para realizar as atividades de vida diária (AVDs) e as atividades instrumentais de vida diária (AIVDs).27,43 A presença de comorbidades está associada ao declínio funcional progressivo.1 O estado funcional é, geralmente, avaliado subjetivamente, por meio de relatos próprios sobre dificuldades em desempenhar atividades básicas da vida diária (cuidado pessoal) e as AIVDs mais complexas, necessárias para se viver de forma independente na comunidade. Após a obtenção dos dados subjetivos, o profissional utiliza escalas para determinar qual o grau de comprometimento encontrado.27,28 A capacidade funcional foi mensurada por meio da escala PPS, sendo que os valores foram agrupados em três subgrupos (estável com PPS de 100 a 70%; transitório com PPS de 60 a 40%; e fim de vida com PPS < a 30%), conforme indicado pela literatura. Neste estudo, a maior parcela das pessoas (70%) encontrava-se na faixa considerada de capacidade funcional estável, com pouco ou nenhum prejuízo para a realização das AVDs e AVDIs. A presença de uma doença confronta a pessoa com sua fragilidade, ameaçando-a com a possibilidade de perdas significativas nos níveis físico, relacional e profissional, provocando-lhe angústia e insegurança em relação ao seu desfecho.27 Quando a doença produz impacto sobre a capacidade funcional da pessoa, ela vivencia sentimento de impotência. O sentimento de impotência é definido como a percepção de que uma ação própria não afetará significativamente um resultado ou a falta de controle percebida sobre uma situação atual ou um acontecimento imediato. É caracterizado pela expressão de insatisfação e frustração quanto à incapacidade de realizar tarefas ou atividades prévias.32 Esse dado reflete a necessidade de a equipe de saúde considerar que, muitas vezes, o paciente em assistência paliativa não se encontra em estado terminal e pode estar ainda bastante ativo em seu ambiente social, necessitando de intervenções eficazes que aliviem seus sintomas e promovam seu bem-estar e funcionalidade. Sabe-se que a terapêutica paliativa é empregada quando não há mais possibilidade de modificar o curso natural da doença, no entanto, a pessoa, nessa modalidade de tratamento, tem sobrevida indeterminada. Nesse sentido, a equipe de saúde deve esforçar-se ao máximo para que seja livre de sintomas e com a máxima qualidade de vida e funcionalidade possível. É importante que o enfermeiro avalie individualmente os pacientes em cuidados paliativos, para que possa estabelecer quais as demandas e qual o plano de cuidados mais adequado. Por meio da consulta de enfermagem e com a utilização de instrumentos adequados essa avaliação é facilitada. A experiência de sintomas foi avaliada pelo Symptom Experience Índex (SEI), na versão traduzida e adaptada para o português, no intuito de avaliar a presença e a intensidade de sintomas e se a pessoa experienciou ou não estresse relacionado ao sintoma, além da intensidade do estresse. Os sintomas, o estresse e a experiência de sintomas referentes a cada domínio estão apresentados na TAB. 2. TABELA 2 – Ocorrência, estresse e experiência de sintomas, por domínio, em pessoas em quimioterapia paliativa – Belo Horizonte, outubro 2009/fevereiro 2011 Sintomas 0a4 Estresse 0a4 Experiência 0a8 M DP M DP M DP Respiratório 0,92 1,40 0,37 0,93 1,30 2,18 Cognitivo 1,45 2,00 0,70 1,48 2,15 3,19 Alimentação e gastrintestinal 2,21 2,15 1,62 2,33 3,84 4,06 Dor e desconforto 2,55 1,93 1,48 1,75 4,04 3,28 Problemas neurológicos 3,65 2,73 1,31 1,73 5,10 3,95 Fadiga, sono e inquietação 3,30 2,92 2,18 2,51 5,48 5,10 Eliminação 1,17 1,44 0,78 1,36 1,95 2,56 Mudança na aparência 1,08 1,08 0,44 0,98 1,52 1,77 Domínios M= média DP= desvio-padrão 44 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 O domínio que apresentou a maior pontuação na ocorrência de sintomas foi “problemas neurológicos” (M=3,65; DP= 2,73), visto que essas pessoas estão em quimioterapia com o uso de drogas potencialmente neurotóxicas, como os taxanes e derivados da platina. Esse resultado pode refletir que, apesar dos benefícios da quimioterapia relacionados ao controle de sintomas, a toxicidade pode acarretar prejuízo na qualidade de vida, o que deve ser monitorizado de perto por toda a equipe de saúde. O domínio “fadiga, sono e inquietação” foi o segundo sintoma com maior pontuação no escore de ocorrência (M=3,30; DP=2,92) e experiência de sintoma (M=5,10; DP=3,95). O próprio fato de estarmos lidando com pessoas em quimioterapia paliativa, que, em sua maioria, sabe que doença tem (94,3%) e conhece a gravidade dela (54,3%), pode estar associado ao aumento de preocupações e percepções negativas em relação ao futuro, o que pode estar interferindo na qualidade do sono e trazendo inquietação. O tratamento quimioterápico é potencialmente causador de sintomas como a fadiga. Um fato interessante é que a capacidade funcional da amostra se concentra, em sua maioria, no subgrupo estável (70% da amostra), o que não condiz com a alta prevalência de fadiga, que interfere diretamente na capacidade de realizar as AVDs e as AVDIs. A alta prevalência da fadiga também pode estar relacionada à inquietação no sentido de que a amostra é predominantemente composta por mulheres, sendo que a redução da capacidade de realizar AVDs e AVDIs produz insatisfação, angústia, inquietação e estresse, como reflete o escore de estresse (M=2,18; DP= 2,51) e a experiência de sintomas mais alto apresentados (M=5,48; DP=5,10). O domínio “dor e desconforto” encontra-se em terceiro lugar com relação à pontuação no escore de ocorrência de sintomas (M= 2,55; DP=1,93), o que se repete no escore de experiência de sintomas (M= 4,04; DP= 3,28). Há relação entre a pontuação significativa nesse domínio e a alta prevalência de metástase óssea (20%) na amostra, no sentido de que a existência desse tipo de metástase prediz existência de dor de intensidade moderada a severa.23 A alta prevalência de ocorrência de sintomas, estresse e experiência de sintomas relacionada ao domínio “alimentação e gastrintestinal” pode estar associada à alta prevalência de metástases hepáticas (25% das pessoas apresentaram metástases hepáticas), que comumente se manifesta por sintomas gastrintestinais.44 Apesar de termos encontrado uma quantidade significativa de pessoas com metástases pulmonares (13% da amostra), verificamos as menores pontuações no domínio respiratório nos escores de sintomas (M=0,92; DP= 1,40), estresse (M=0,37; DP=0,93) e experiência de sintomas (M=1,30; DP= 2,18), o que pode estar sinalizando pequena repercussão desse tipo de metástase na percepção das pessoas da amostra. Apesar do tipo mais frequente de sítio primário do câncer ser o de mama, que geralmente é abordado com intervenção cirúrgica (mastectomia), comprometendo a imagem corporal da pessoa, e a própria quimioterapia, que produz alopécia, neste estudo, o domínio referente à mudança de aparência apresentou pontuação abaixo da média no escore de sintomas(M=1,08; DP=1,08), estresse (M=0,44; DP= 0,98) e de experiência (M=1,52; DP= 1,77). O escore de ocorrência de sintomas que varia de 0 a 84, neste estudo, apresentou uma mediana geral de 16,50 (M= 17,09; DP=10,05). O escore de intensidade do estresse relacionado aos sintomas varia de 0 a 80, sendo que neste estudo obtivemos uma mediana de 5,5 (M=8,91; DP=9,07). A experiência de sintomas, que tem escore que varia de 0 a 164, tendo obtido, neste estudo, uma mediana de 23,5 pontos (M= 26; DP= 17,96). Ao contrário do esperado, para uma população com câncer avançado, as queixas apresentaram pontuação de moderada a baixa de modo geral. Esse dado corrobora outro estudo que também utilizou esse instrumento em homens com câncer.32 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo com este estudo foi delinear o perfil sociodemográfico e clínico de pacientes em quimioterapia paliativa do um serviço ambulatorial de Belo Horizonte. Participaram 70 pessoas que estavam em tratamento quimioterápico. A identificação do perfil dos pacientes em quimioterapia paliativa muito contribui para compreendermos características e necessidades do paciente, as quais são importantes para o planejamento e a implementação de uma assistência que promova sua qualidade de vida, que seja pautada pela individualidade e peculiaridade de cada paciente e que favoreça a prática humanizada e humanizadora. Os dados obtidos revelaram a predominância de uma população com baixos níveis de escolaridade e renda familiar. Ao planejar e propor intervenções de enfermagem aos pacientes em quimioterapia paliativa, é fundamental que o enfermeiro considere a metodologia, os recursos e a linguagem utilizados na orientação dos cuidados propostos, para que o paciente consiga a máxima compreensão e motivação possível e haja boa aderência ao tratamento paliativo. Além disso, para a identificação e a avaliação de sintomas, a utilização de instrumentos de mensuração padronizados, bem como de recursos visuais – por exemplo, a escala visual analógica –, são de grande auxílio para precisão dos registros e direcionamento das intervenções. No estudo mostramos, também, que nem sempre os pacientes em terapêutica paliativa se encontram em fase terminal. O perfil predominante foi o de pacientes com boa capacidade funcional e com condições de desenvolver relativamente bem suas atividades de vida diária. Uma pequena porcentagem dos pacientes encontrava-se com capacidade funcional afetada. Estes últimos se beneficiariam grandemente de um serviço de assistência paliativa domiciliar. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 45 Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte Os cuidados paliativos devem ser incluídos na atenção ao paciente oncológico durante todo o curso da doença, desde o seu diagnóstico, com vista a proporcionar sobrevida com qualidade, incluindo provisão de suporte para a família. Entretanto, ainda é reduzido o número de profissionais capacitados para cuidados paliativos, da mesma forma que essa modalidade terapêutica e seus benefícios são ainda pouco conhecidos. REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Projeção da população do Brasil por sexo e idade 1980-2050. Brasília: MPOG; 2008. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. A Situação do Câncer no Brasil. 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Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012 47 SATISFAÇÃO E FRUSTRAÇÃO NO DESEMPENHO DO TRABALHO DOCENTE EM ENFERMAGEM SATISFACTION AND FRUSTRATION IN THE PERFORMANCE OF NURSING FACULTY JOB SATISFACCIÓN Y FRUSTRACIÓN EN EL DESEMPEÑO DEL TRABAJO DE DOCENTES EN ENFERMERÍA Maithê de Carvalho e Lemos1 Joanir Pereira Passos2 RESUMO A satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de difícil definição, por se tratar de um estado subjetivo, podendo variar de acordo com a pessoa, com as circunstâncias e com o tempo. Ela pode afetar a saúde física e mental do trabalhador, interferindo em seu comportamento profissional e/ou social. Os objetivos com este estudo foram identificar e classificar as expressões de satisfação no desempenho do trabalho do docente de enfermagem. Optou-se pela realização de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa. Os 21 sujeitos participantes eram docentes enfermeiros. Para coleta dos dados foi utilizada como instrumento a entrevista semiestruturada individual. Os aspectos éticos foram respeitados. Obteve-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição envolvida. Como resultado, verificou-se que a satisfação no trabalho docente significa, para os entrevistados, um conjunto de fatores ideais que devem ser bem articulados no ambiente laboral e que cada um desses elementos, isoladamente, não proporciona a satisfação plena no que diz respeito ao processo produtivo do docente de enfermagem. Concluiu-se que o significado gerado do relato de pessoas que estão na lida diária com as atividades pertinentes à sua profissão deve ser considerado como relevante para a instituição à qual pertencem, de forma a otimizar o ambiente de trabalho e potencializar a qualidade de vida nele, gerando resultados positivos na produção. Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Docente de Enfermagem; Satisfação no Trabalho. ABSTRACT Job satisfaction is a complex phenomenon and difficult to define, as it deals with a subjective state that change according to person, circumstance, and time. It can affect the worker’s physical and mental health and interfere with his/her professional and/or social behavior. This study aims at identifying and classifying the expressions of satisfaction in the work performance as nursing professor. A descriptive research using a qualitative approach was carried out. The research subjects were 21 teaching nurses. Data was collected through individual, semi-structured interview. Ethical aspects were observed: the research received the approval of the institution’s Research Ethics Committee. The results revealed that, considering that specific productive process, teacher job satisfaction means, for the interviewed, a set of ideal fators that must be well articulated inside the job environment and that these elements, taken separately, do not provide full satisfaction. To conclude, the meaning extracted from the narrative of those performing the activities pertinent to their profession, must be considered as relevant to the institution to which they belong, aiming at optimizing the work environment and potentiating the quality of working life that generates positive product results. Keywords: Occupational Health; Nursing Faculty; Job Satisfaction. RESUMEN La satisfacción laboral es un fenómeno complejo y difícil de definir porque es un estado subjetivo que depende de cada persona y varía según las circunstancias y momentos. Puede afectar la salud física y mental e interferir en el comportamiento profesional y / o social. Este estudio tuvo como objetivo identificar y clasificar las expresiones de satisfacción en el desempeño laboral de docentes de enfermería. Se realizó un estudio descriptivo con enfoque cualitativo. Los sujetos objeto de esta investigación fueron 21 enfermeros docentes La recogida de datos se realizó mediante entrevistas semiestructuradas individuales. Se respetaron los aspectos éticos: la investigación fue aprobada por el Comité de Ética en Investigación de la institución implicada. Los resultados revelaron que, considerando el proceso productivo específico, la satisfacción laboral de los profesores representa un conjunto ideal de los fatores que deben estar bien articulados dentro del ambiente de trabajo ya que aislados no producen plena satisfacción para el proceso productivo. Podemos concluir que el significado extraído de los relatos de estos profesionales debe considerarse relevante para la institución a la que pertenecen, con la finalidad de optimizar el ambiente laboral y mejorar la calidad de vida para generar resultados positivos en la producción. Palabras clave: Salud del Trabajador; Docentes de Enfermería; Satisfacción en el Trabajo. 1 2 Enfermeira egressa da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mestranda-bolsista CAPES do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UNIRIO. Integrante do Grupo: Laboratório de Pesquisa: Enfermagem, Tecnologias, Saúde e Trabalho. E-mail: [email protected]. Doutora em Enfermagem. Professora Associada do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Líder do Grupo: Laboratório de Pesquisa: Enfermagem, Tecnologias, Saúde e Trabalho. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua João Pinto, 114. Piratininga, Niterói, Rio de Janeiro-RJ. CEP: 24358-210. E-mail: [email protected]. 48 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO Na busca da produção do conhecimento em enfermagem, observamos que a ênfase dos estudos relativos à saúde do trabalhador de enfermagem está voltada para a assistência. Diante de tal fato, surge o interesse sobre a relação trabalho-saúde-doença, priorizando o prazer e a frustração do trabalho docente de enfermagem. O termo “trabalho” se refere a uma atividade própria do homem, entendido como um processo entre a natureza e o homem. Nesse processo, ao final do trabalho humano surge um resultado que antes do início do processo já existia na mente do homem. Assim, trabalho em sentido amplo é toda a atividade humana que transforma a natureza de dada matéria. A palavra deriva do latim tripaliare, que significa torturar; daí passou à ideia de sofrer ou esforçar-se e, finalmente, de trabalhar ou agir. O trabalho, em sentido econômico, é toda atividade desenvolvida pelo homem sobre uma matéria-prima, geralmente com a ajuda de instrumentos, com a finalidade de produzir bens e serviços.1 No caso dos professores, o significado de seu trabalho é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é, pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações realizadas conscientemente pelo professor, considerando as condições reais e objetivas na condução do processo de apropriação do conhecimento pelo aluno. [...] O trabalho docente concebido como uma unidade é considerado em sua totalidade que não se reduz à soma das partes, mas sim em suas relações essenciais, em seus elementos articulados, responsáveis pela sua natureza, sua produção e seu desenvolvimento. A análise do trabalho docente, assim compreendido, pressupõe o exame das relações entre as condições subjetivas – formação do professor – e as condições objetivas, entendidas como as condições efetivas de trabalho, englobando desde a organização da prática – participação no planejamento escolar, preparação de aula etc. – até a remuneração do professor.2:21 O trabalho docente é permeado de situações com intencionalidade, problematização e enfrentamento que induzem o professor a renovar estratégias para produzir um ensino inovador. Na enfermagem, a reprodução do processo de ensino-aprendizagem em uma organização curricular fechada dificulta a interação do professor com seus alunos, inviabiliza o pensamento reflexivo e, por fim, gera frustrações a ambos.3 O docente em enfermagem, portanto, passou a enfrentar diversos problemas, como conhecer a teoria, possuir a vivência prática, lidar com exigências da carreira universitária e ainda saber como administrar a relação docente-aluno de maneira a contribuir de forma positiva no aprendizado.4 Desse modo, entendemos que o processo de trabalho do docente em enfermagem envolve os seguintes elementos: pessoas – alunos, indivíduos doentes ou indivíduos/grupos sadios, os quais constituem seu objeto de trabalho; os instrumentos, as condutas didático-pedagógicas e técnicas próprias dessas áreas de conhecimento – o saber (educação e saúde) –, que representam os meios de trabalho; e as atividades desenvolvidas por esses profissionais – os docentes têm por finalidade: a formação (o ensino), a produção científica (o saber técnico) e a assistência (o fazer – cuidado), que determinam o produto final do trabalho docente. Os valores das organizações também podem ser uma das fontes geradoras de prazer no trabalho, se favorece o trabalho flexível, com possibilidade de negociações das regras e normas dos processos de trabalho, com participação dos trabalhadores e gestão coletiva das necessidades individuais e organizacionais. Quando isso não acontece, dá-se lugar ao sofrimento no trabalho, que pode muitas vezes ser mascarado, levando à dificuldade de identificação de suas causas e meios para que haja uma transformação.5 As vivências de prazer-sofrimento formam um único constructo composto por três fatores: valorização e reconhecimento, que definem o prazer; e desgaste com o trabalho, que define o sofrimento. O prazer é vivenciado quando são experimentados sentimentos de valorização e reconhecimento no trabalho. A valorização é o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, é importante e significativo para a organização e a sociedade. O reconhecimento é o sentimento de ser aceito e admirado no trabalho e ter liberdade para expressar sua individualidade. O sofrimento é vivenciado quando experimentado o desgaste em relação ao trabalho, que significa a sensação de cansaço, desânimo e descontentamento com o trabalho. Assim sendo, prazer-sofrimento são vivências de sentimentos de valorização, reconhecimento e/ou desgaste no trabalho.5:40 Satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de difícil definição, por se tratar de um estado subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa, de circunstância para circunstância e ao longo do tempo para a mesma pessoa. A satisfação está sujeita à influência de forças internas e externas ao ambiente de trabalho imediato. Ela pode afetar a saúde física e mental do trabalhador, interferindo em seu comportamento profissional e/ou social.6 Nesse contexto, o objeto deste estudo é a satisfação no desempenho do trabalho docente. OBJETIVOS Identificar e classificar as expressões de satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem. METODOLOGIA Considerando o recorte estabelecido e o objeto deste estudo, a satisfação no desempenho do trabalho docente de enfermagem, optou-se pela realização de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 49 Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem O cenário do estudo foi uma instituição pública de ensino superior, da cidade do Rio de Janeiro, onde os dados foram coletados nos meses de setembro e outubro de 2009. Os participantes foram constituídos por docentes enfermeiros, totalizando 21 sujeitos. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão e exclusão de sujeitos, respectivamente: fazer parte do quadro permanente e fazer parte do quadro de docentes temporários da instituição. Para coleta dos dados, utilizamos como instrumento a entrevista semiestruturada individual, direcionada para estabelecer o perfil dos participantes e identificar as expressões de prazer e frustração no desempenho do trabalho docente. Para a análise das entrevistas, adotamos os seguintes procedimentos: leitura e re-leitura das entrevistas e mapeamento das falas individuais com base na leitura e dos objetivos da pesquisa, destacando as palavras e/ou frases significativas interpretadas pelas pesquisadoras. Posteriormente, foram analisadas e classificadas à luz do referencial teórico de satisfação e frustração no trabalho. É importante ressaltar que todos os cuidados relacionados aos aspectos éticos envolvidos na pesquisa foram devidamente observados, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição envolvida (CAAE: 0014.0.313.000-09), sob o nº 17/2009, de acordo com estabelecido na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.7 Os sujeitos manifestaram aceitação em participar da pesquisa, por escrito, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e lhes foi facultada a possibilidade de desistirem a qualquer momento de participar, sem qualquer tipo de prejuízo. Para garantir o anonimato dos sujeitos participantes, os fragmentos das falas quando apresentados nos resultados, foram identificados e codificados pela letra “D” e o respectivo número relativo à ordem de sua entrevista. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com base nas entrevistas, apresentamos os dados coletados de forma conjunta, com vista à análise descritiva na perspectiva de ampliar o entendimento dos resultados encontrados. Os resultados das entrevistas foram organizados e sistematizados em duas partes, a fim de facilitar a apresentação das respostas obtidas e sua compreensão. conhecimentos na grande área enfermagem, como pode ser observado na TAB. 1. TABELA 1 – Distribuição dos docentes por departamento de ensino – Rio de Janeiro, 2009 Departamento de Enfermagem fi % Fundamental 05 24 Materno- Infantil 04 19 Médico-Cirúrgico 07 33 Saúde Pública 05 24 TOTAL 21 100 Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes Dos 21 docentes entrevistados (TAB. 1), 7 (33%) eram lotados no Departamento de Enfermagem MédicoCirúrgico, seguido do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública e de Enfermagem Fundamental, com 5 (25%), respectivamente, e 4 (19%) do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil. Na TAB. 2, apresentamos a distribuição dos docentes por regime de trabalho, visto que nem todos possuíam a mesma carga horária e, portanto, o mesmo tempo de dedicação à docência. TABELA 2 – Distribuição dos docentes quanto ao regime de trabalho – Rio de Janeiro, 2009 Regime de trabalho fi % 20 horas - - 40 horas 02 09 Dedicação exclusiva 19 91 TOTAL 21 100 Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes Podemos observar, na TAB. 2, que o regime de trabalho do total dos investigados representa 19 docentes (91%) de dedicação exclusiva e os 2 docentes restantes (9%) possuem o regime de trabalho de 40 horas. Na primeira parte, a apresentação descritiva, os sujeitos estudados foram caracterizados por departamento de ensino, regime de trabalho, tempo de docência e classe. A segunda relacionou-se ao significado da satisfação no trabalho docente de enfermagem. Na TAB. 3, apresentamos o tempo de docência dos entrevistados, visto que alguns docentes começaram a lecionar precocemente em sua carreira profissional. Caracterização dos sujeitos Na TAB. 4, apontamos a classe dos docentes entrevistados e, consequentemente, a titulação dos professores dessa Universidade. Os sujeitos entrevistados foram alocados por departamentos de ensino na Universidade, que agrupam os 50 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 Verificamos, na TAB. 3, que a maioria 16 (76%) dos entrevistados exerce atividade docente há mais de 11 anos, denotando experiência de vida profissional. TABELA 3 – Distribuição dos docentes por tempo de docência – Rio de Janeiro, 2009 exercem, ou seja, a maioria (76%) atua há mais de 11 anos, a totalidade (100%) dispõe de tempo integral para dedicação à docência, além de 96% possuírem o título de Doutor, conforme demonstrado na distribuição por classe (adjunto, associado, titular) o que efetivamente pode contribuir para um ensino de qualidade. Tempo de docência fi % Até 10 anos 05 24 De 11 a 20 anos 11 52 De 21 a 30 anos 03 14 Significado da satisfação no trabalho docente Acima de 30 anos 01 05 Sem resposta 01 05 TOTAL 21 100 Com relação ao significado da satisfação no trabalho docente de enfermagem, as respostas foram agrupadas em categorias, seguindo as frases mais relevantes para a pergunta em questão, como apontado no QUADRO 1. Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes TABELA 4 – Distribuição dos docentes por classe – Rio de Janeiro, 2009 Classe dos docentes fi % Assistente 04 19 Adjunto 12 57 Associado 03 14 Titular 02 10 TOTAL 21 100 Observa-se que o significado da satisfação no trabalho para os entrevistados decorre da relação professoraluno, relação trabalho-docente, atividades acadêmicas, incluindo as condições de trabalho. Categoria – Relação professor-aluno Na categoria relação professor-aluno, percebe-se que a satisfação do trabalho docente perpassa pelo convívio com os discentes, o crescimento do aluno ao longo do curso, a possibilidade de formar profissionais, além de o reconhecimento pelos discentes do trabalho docente. Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes Observamos (TAB. 4) que a maioria dos investigados pertence à classe de professores adjuntos, representando 12 (57%) do total dos entrevistados. Dentre os resultados das características dos entrevistados apresentadas, destaca-se a experiência na atividade que O trabalhador comprometido com o trabalho sentese excitado pelos desafios, satisfeito com a atividade que realiza e sente prazer em transmitir seus valores na relação com o outro. Na docência do ensino superior, não é diferente, o professor é o transmissor de conteúdos, deve cumprir metas, prazos e detém poder decisório no que se refere à metodologia e ao emprego do conhecimento. Nesse sentido, o docente em enfermagem deve assumir o papel de mediador e ampliar as possibilidades de conhecimento, de dúvidas e interação entre os alunos, porém essa dinâmica somente QUADRO 1 – Significado da satisfação no trabalho docente Relação professor-aluno Convívio com os discentes Relação trabalho-docente Prazer/motivação no desempenho do trabalho docente Reconhecimento pelos discentes do trabalho docente Crescimento e formação profissional Bom relacionamento com o corpo social da escola Atividades acadêmicas Condições de trabalho Prazer no desenvolvimento das atividades docentes, englobando ensino, pesquisa, extensão além de propiciar a construção do conhecimento Salário/ remuneração digna Possibilitar novas descobertas e contínuo aprendizado Boas condições de infraestrutura Cuidar/assistir os clientes mesmo que indiretamente Instrumentos administrativos ágeis no processo de trabalho remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 51 Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem ocorre, de fato, se esse profissional estiver satisfeito com as atividades que desempenha e se sentindo valorizado na Universidade onde trabalha.8 Fica claro, nas falas a seguir, que para o educador o interesse e o desenvolvimento profissional de seu aluno, além do convívio com o estudante, produzem não somente o resultado do seu trabalho, mas lhe trazem prazer para trabalhar e satisfação no trabalho. O discente começa o curso inexperiente, e é lapidado aos poucos, até se tornar um profissional, dotado de conhecimento teórico e habilidades técnicas: Ter prazer em estar com o discente, vê-lo crescer durante a formação. (D10) Significa reconhecimento dos discentes pelo seu trabalho. (D2) Estudantes entusiasmados e com interesse em aprender; estudantes participativos. (D5) Verificar os alunos seguros, crescendo em sua formação e encontrá-los bem profissionalmente. (D14) Poder contribuir na formação de pessoas que atuaram profissionalmente na assistência. (D20) Deve-se considerar, ainda, a questão do vínculo afetivo, quando mencionamos o sentimento de prazer associado ao papel desempenhado pela enfermagem. Nesse sentido, o professor percebe-se importante para o aluno e, da mesma maneira, o convívio diário pode proporcionar o surgimento de amizade entre o educador e o educando. Essa convivência gera sentimentos gratificantes de alegria, satisfação, realização e aprendizagem para ambos os lados.9 Categoria – Relação trabalho-docente A satisfação no trabalho também engloba a relação trabalho-docente. O prazer e a motivação no desempenho do trabalho e o bom relacionamento com o corpo social do curso de graduação são os aspectos que podem ser observados nas seguintes falas: Os colegas de trabalho reconheçam seu esforço e que não haja tanta competição desnecessária. (D4) Bom relacionamento no ambiente de trabalho. (D18) Ter prazer em vir trabalhar na [...], os docentes se respeitarem. (D3) É trabalhar num espaço sem pressão, com delicadeza, com clareza acerca das coisas, com lealdade. (D21) Os professores entrevistados relataram o prazer em trabalhar e o bom relacionamento com seus pares como geradores de satisfação, que podem ser entendidos como formadores de sua identidade profissional. Entende-se que a experiência profissional demanda domínio cognitivo e instrumental, porém existe outros saberes igualmente importantes para a formação da 52 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 identidade profissional. A socialização na profissão e a vivência profissional permitem ao indivíduo experimentar elementos emocionais, relacionais e simbólicos e, assim, assumir sua condição de professor, abrangendo aspectos como se sentir bem em trabalhar na profissão, o sentimento de estar no seu lugar, o estabelecimento de relações positivas com seus colegas de trabalho, capacidade de enfrentar problemas, etc.10 Categoria – Atividades acadêmicas Para os investigados, o significado da satisfação no trabalho docente inclui as atividades acadêmicas, explicitadas no prazer em desenvolver as atividades docentes, além da possibilidade de realizar novas descobertas e contínuo aprendizado, como pode ser percebido nas falas a seguir: Possibilidade de novas descobertas e contínuo aprendizado. (D9) Fazer o que gosto; ter o que aprender no processo. (D16) O retorno na forma de produtividade acadêmica do empenho profissional, a experiência de constante desenvolvimento intelectual. (D18) Segundo os docentes, a satisfação surge do desafio, de realizar as atividades de sua competência e de estar se aprimorando intelectualmente. A docência pode ser entendida como uma forma de compartilhamento, troca e aprendizado mútuos, por esse motivo depende da disponibilidade tanto do professor quanto do aluno para que, de fato, aconteça.9 Embora cuidar/assistir o cliente não tenha aparecido com grande frequência, consideramos importante destacá-lo, no significado dado pelos entrevistados, pelo fato de se tratar do trabalho docente de enfermagem. Além disso, o professor não se desvincula da essência de sua formação de enfermeiro, ou seja, cuidar/assistir estão sempre presentes no seu processo de trabalho, ainda que indiretamente. As falas significativas que evidenciam a associação da prática assistencial à docência de enfermagem são: O desenvolvimento e amadurecimento dos alunos, gerando resultados positivos na profissão e nos clientes. (D11) Poder contribuir na formação de pessoas que atuarem profissionalmente na assistência as pessoas com agravos a sua saúde durante todo o ciclo vital. (D20) Cuidar dos clientes, mesmo que indiretamente. (D10) Os docentes, ao mencionarem a assistência, no contexto do significado da satisfação no trabalho docente, deixam claro que, mesmo não atuando diretamente no cliente, possuem a intenção de perpetuar o sentido da profissão enfermagem. Antes a docente de enfermagem concentrava suas ações nas tarefas assistenciais, era vista e respeitada como aquela que sabia cuidar do paciente. Posteriormente, a enfermagem tornou-se uma carreira universitária e a pesquisa passou a ser imprescindível. Com esta evolução, o docente passou a enfrentar o problema de ter que conhecer a teoria, de ter vivência da prática, embora deixando de desenvolver uma atividade contínua no campo. Passou a ser vista pelo aluno como aquela que conhece a teoria e é respeitada pelo seu saber, enquanto o enfermeiro assistencial é o modelo da capacidade técnica, é o que sabe fazer.4:81 Categoria – Condições de trabalho Por fim, as condições de trabalho é outra categoria relacionada ao significado da satisfação no trabalho docente e envolve a remuneração digna, boas condições de infraestrutura e instrumentos administrativos ágeis no processo de trabalho, o que pode ser visto nas seguintes falas: Satisfação no trabalho docente é o resultado de um conjunto de fatores, tais como ambiente de trabalho com condições de trabalho dignas [...]. A questão da remuneração é também um fator importante quando o que está em jogo é a satisfação de todo e qualquer trabalhador. (D6) Ter estrutura mínima que permita o desenvolvimento das atividades. (D16) O perfil da instituição que proporciona satisfação no trabalho docente é aquele em que são oferecidas condições para um bom desempenho profissional, otimização do trabalho, identificação com as atividades, seguido de uma remuneração considerada justa, que reverterá em melhor qualidade de vida e de trabalho.11 Os diversos conflitos presentes na atividade docente, em sua maioria no campo das relações sociais, dificultam a conciliação entre família e profissão, gerando conflitos e desestimulando o docente. Esses fatores, associados à falta de condições de trabalho, que levam ao constante improviso na tentativa de suprir a falta de recursos, geram sobrecarga no trabalho e insatisfação ao trabalhar. Na enfermagem, os sentimentos de inferioridade, discriminação, desvalorização e falta de apoio institucional já são conhecidos, porém os mesmos sentimentos se fazem presentes quando falamos da docência em enfermagem, além dos baixos salários e falta de reconhecimento dos pares.12 Podemos entender, portanto, que a satisfação no trabalho docente significa, para os entrevistados, um conjunto de fatores ideais que devem ser bem articulados no ambiente laboral e que cada um desses elementos, isoladamente, não proporciona a satisfação plena no que diz respeito ao processo produtivo do docente de enfermagem. Ao significado da satisfação no trabalho os docentes atribuem a construção de uma carreira em uma instituição com infraestrutura que permita o desenvolvimento pleno das atividades relativas ao processo de trabalho, que valorize o profissional, que tenha remuneração condizente com as atividades, além do bom convívio com o corpo social e da contribuição de inserir seus discípulos no mercado de trabalho. Atividades exercidas com satisfação No processo produtivo, há atividades que podem ser exercidas com satisfação ou insatisfação. As atividades apontadas pelos entrevistados como as que são realizadas com satisfação são aquelas pautadas pelo próprio processo de trabalho do docente (como aulas teóricas, aulas práticas, pesquisas, orientações e atividades de extensão); a participação e a divulgação a produção do conhecimento em eventos científicos; e também a possibilidade de participar do crescimento dos alunos na sua formação profissional. As falas mais significativas que evidenciam tais atividades exercidas com satisfação são: Aula teórica, prática, orientação de pesquisa, porque envolve a relação docente-discente que eu amooo!!! (D2) As aulas teóricas na graduação. O ensino clínico com os alunos. Essas atividades são prazerosas visto que podemos passar a nossa vivência profissional para os discentes. (D3) [...] Poder contribuir mais diretamente para o conhecimento do discente. Estar com os alunos, trocar conhecimentos. Ensinar e aprender. Oportunidade de estudar e ampliar conhecimentos. (D17) Para muitos dos docentes entrevistados, alcançar a satisfação e exercer suas atividades de forma prazerosa é estar sintonizado na realidade do aluno. As expressões “ter o que aprender”, “contato com os alunos” e “gosto de participar do crescimento” surgiram na maioria das falas, o que reforça a ideia de que cada vez mais o professor se aproxima dos alunos de forma interativa, o que facilita a produção do conhecimento e do pensamento crítico. Em contrapartida, a arrogância do docente e a sensação de segurança e de poder podem produzir um aprendizado equivocado e covarde, já que se torna um costume culpabilizar o aluno pelos resultados aquém das expectativas. Nesses casos, o que ocorre é a reprodução sequencial do que já existe, inibindo o pensamento crítico e a criatividade.13 Na enfermagem, o modelo de educação é pautado pela atuação instrumental do professor e baseado em princípios e técnicas cientificas, ignorando-se, por fim, atitudes e valores éticos e políticos. Existe, porém, a corresponsabilidade das instituições de ensino superior no que diz respeito à formação de cidadãos e profissionais. Esse modelo retrógrado é concebido como mero reprodutor de vícios e mitos, sem sustentação conceitual, o que viabiliza o empobrecimento do pensamento e a diminuição do estímulo e do interesse de docentes e de alunos.14 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 53 Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem No sentido de buscar uma prática educativa e reflexiva com ênfase na investigação da própria prática e no diálogo, os docentes buscam situações de aprendizagem em que é preciso construir, experimentar e corrigir para que os alunos se conscientizem dos objetivos propostos e das estratégias escolhidas e possam exercer sua autonomia.14 Por meio da fala Ensinar a cuidar (D4), podemos observar que a assistência ao cliente é um elo determinante na enfermagem e não se dissocia mesmo quando o processo de trabalho se diferencia da prática hospitalar, como foi dito. Assim como a assistência está presente no ideal do significado da satisfação no trabalho docente, o cuidado permeia como atividade real que é exercida com satisfação: Ministrar aulas, desenvolver atividades práticas nos diferentes cenários de atuação profissional, participar de grupos de ensino-pesquisa e extensão. Acredito que essas atividades fortalecem o trabalho acadêmico. (D9) Ver o resultado dos alunos quanto às aprovações em concursos. (D13) O contato com os alunos me instiga a melhora e isso é precioso [...]. Trabalhar com unidades que compõem a rede de saúde (o que me faz aprender). [...] Aprender é o meu combustível de prazer e renovação no trabalho. (D16) De acordo com os entrevistados, as atividades exercidas com satisfação são aquelas inerentes ao processo de trabalho. O contato com o aluno está presente nas falas, ou seja, o seu objeto de trabalho é uma fonte de satisfação, deixando de ser um elemento passivo e se tornando um fator de interação, troca e aprendizado. O ato de ensinar gera fatores estressantes e motivação. Neste último, a satisfação está na relação emocionalmente afetiva com os alunos, prazer em ensinar, superar dificuldades e vivenciar o crescimento dos discentes. Se por um lado o trabalho docente gera desgaste, por outro é renovador e potencializador da qualidade de vida no trabalho.11 Atividades que trazem frustração As atividades que não trazem satisfação ao docente, nesse contexto, são aquelas em que há sobrecarga de trabalho, tanto docente quanto administrativo, e a obrigatoriedade de produção, que geralmente deixam o docente cansado, gerando irritação e baixa produtividade. Os professores assumem enorme carga de trabalho, ocupam cargos de chefia e de representações, dadas as atividades acadêmicas, e ainda contam com ausência de recursos humanos na área técnico-administrativa, estrutura física inadequada, escassez de recursos materiais e equipamentos que viabilizem sua prática profissional. Esse aumento quantitativo de carga de trabalho, bem como aumento qualitativo, pois cada vez mais se exige um grande aprofundamento teórico-metodológico, é 54 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 visível e ocorre dada a necessidade de alcançar resultados e produtividade para manter em elevado grau de estima a universidade em que se trabalha.14 Dessa forma, a qualidade da educação e da pesquisa é constantemente ameaçada pela pressão por produção, uma vez que o aumento da produtividade nem sempre significa aumento de qualidade. Nesse sentido, os resultados apontam para a diminuição das ações inovadoras e do desenvolvimento do pensamento.15 As falas significativas que demonstram quais atividades geram insatisfação ao docente são: Trabalhos burocráticos, que deveriam fazer parte do trabalho técnico-administrativo. (D2) As atividades realizadas na nossa casa, à noite, geralmente, tais como elaborar aulas, projetos, correção de provas e outros. (D3) Atividades burocráticas que deveriam ser realizadas por técnicos administrativos. A imposição de produção e publicação. (D12) O excesso de atividades, como estar no ensino teórico e prático, tudo ao mesmo tempo, e ainda ter que publicar é muita atividade. Não temos tempo nem para almoçar. (D14) As atividades que resultam do trabalho docente, porém, não são de exclusiva competência deste. Por exemplo: protocolar, encaminhar (levar) documentos, digitar ofícios, memorandos, atas. (D15) Trabalho de secretaria, como redigir e entregar memorandos, tais atividades ocupam um tempo que poderia ser específico para trabalho docente. Participar de reuniões que muitas vezes são pouco objetivas e produtivas. Aplicar prova momento que poderia estar realizando outra atividade docente. (D17) Reuniões chatas que não vão a lugar nenhum, em que se repetem as mesmas coisas. (D21) A realização de atividades que não trazem satisfação pode se tornar fator estressor no ambiente de trabalho, o qual é categorizado em intrínsecos, papéis estressores, relações no trabalho, estressores na carreira, estrutura organizacional e interface trabalho-casa. As condições inadequadas de trabalho, o turno, a carga horária, os riscos, os papéis conflituosos, o grau de responsabilidades, as relações difíceis com o chefe e subordinados, a insegurança no trabalho, dentre outros, são alguns dos muitos fatores estressores no trabalho.16 Em síntese, exercer uma profissão em que algumas atividades trazem sobrecarga de trabalho, como ter de trabalhar além do horário estabelecido e realizar afazeres que competem a outra profissão, além de ser pressionado constantemente em prol da produção, gera insatisfação no trabalho, contribuindo para a diminuição da qualidade de vida no trabalho. Soma-se a isso o fato de a enfermagem ser uma profissão composta, majoritariamente, por mulheres e, por esse motivo, a multiplicidade de atividades se torna um desafio diário. Constantemente a satisfação no trabalho vai estar ameaçada intrinsecamente por aspectos como falta de tempo para cuidar da casa, do marido e dos filhos, ou seja, aspectos relacionados a outros papéis assumidos e a cobrança que existe em torno dele. Não obstante isso, o desejo de sucesso profissional se projeta concomitantemente com a satisfação no desempenho de seus papéis no plano familiar.17 CONSIDERAÇÕES FINAIS O regime de trabalho dos entrevistados nos leva a crer que a disponibilidade do tempo para as atividades docentes faz o professor se dedicar de forma integral à docência, obtendo e compartilhando experiências, perpetuando o conhecimento de forma saudável e aprimorando seu saber, o que leva a um ensino sólido e de qualidade. Além disso, percebemos, por meio das entrevistas, que, apesar da insatisfação ao realizar algumas atividades e da obrigatoriedade do cumprimento de metas, a satisfação e o prazer em estar com o aluno, realizar as atividades docentes e, principalmente, vê-lo crescer profissionalmente superam qualquer desagravo com a profissão. O fato de conviver com o discente promove renovação e satisfação no desempenho do trabalho docente. Ao se aproximar da realidade do aluno, o professor compreende melhor suas dúvidas, transmite o conhecimento de forma clara e contribui para o aprendizado de forma interessante e interativa. Podemos, portanto, associar o ideal ao real, no que tange à satisfação no desempenho do trabalho docente, por meio do que foi apresentado nas entrevistas, quando os investigados apontam a relação docente-discente como um dos fatores relevantes para o estímulo e o prazer no trabalho. Construir um ambiente laboral no qual haja qualidade de vida e os trabalhadores exerçam suas atividades com satisfação requer modificações de forma a torná-lo de acordo com seus anseios como profissional e com suas necessidades intelectuais. Na docência de enfermagem, também há exploração da força de trabalho, exigindo, nesse caso, mais do intelecto do que das propriedades físicas, mas não é menos cansativo e desgastante. Para que se possa implementar a qualidade de vida no trabalho, usufruindo o significado atribuído à satisfação no trabalho, é preciso, primeiro, entendê-la, porém não há uma definição específica para a mesma. Contudo, para amenizarmos o desprazer gerado pelo exercício da docência, englobando aquelas atividades que não trazem satisfação ao professor, há que se explorar a fundo o significado dado pelos entrevistados à satisfação no desempenho do trabalho docente de enfermagem. O significado gerado do relato de pessoas que estão na lida diária com as atividades pertinentes à sua profissão deve ser considerado como relevante para a instituição à qual pertencem, de forma a propiciar condições no ambiente laboral a fim de potencializar a qualidade de vida no trabalho, gerando resultados positivos na produção. REFERÊNCIAS 1. Marx K. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: Fromm E, organizador. O conceito marxista do homem. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1974. 2. Basso IS. Significado e sentido do trabalho docente. Cad CEDES. 1998 abr; 19(44):19-32. 3. Faria JIL, Casagrande LDR. A educação para o século XXI e a formação do professor reflexivo na enfermagem. Rev Latinoam Enferm. 2004; 12(5):821-7. 4. Merighi MAB. Reflexões sobre a docência de enfermagem em uma universidade pública. Rev Esc Enferm USP. 1998; 32(1):80-3. 5. Mendes AM, Tamayo A. Valores organizacionais e prazer-sofrimento no trabalho. Psico-USF. 2001 jan./jun; 6(1):39-46. 6. 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Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012 55 REPERCUSSões da hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade LEPROSY effects oN PATIENTS’ DAILY LIVES: vulnerabiliTY AND SOLIDARITY REPERCUSIONES DE LA ENFERMEDAD DE HANSEN EN LA VIDA COTIDIANA DE LOS PACIENTES: VULNERABILIDAD Y SOLIDARIDAD Jairo Aparecido Ayres1 Bianca Sakamoto Ribeiro Paiva2 Marli Teresinha Cassamassimo Duarte3 Heloísa Wey Berti4 Resumo Com a finalidade de subsidiar a assistência de enfermagem prestada ao hanseniano em um Centro de Saúde-Escola, com este estudo objetivou-se analisar as repercussões da hanseníase no cotidiano desses pacientes. O referencial metodológico foi o Discurso do Sujeito Coletivo. Para a análise dos discursos foram utilizados referenciais teóricos da Bioética. Fizeram parte da pesquisa 17 pacientes com diagnóstico de hanseníase, acompanhados pelo serviço. As repercussões da doença relatadas pelos entrevistados indicaram alta vulnerabilidade desses pacientes, que convivem, ao mesmo tempo, com uma frágil solidariedade. O estudo cumpriu seu propósito de oferecer subsídios para uma assistência de enfermagem que possibilite a identificação de aspectos que vulnerabilizam os doentes de hanseníase, objetivando intervenções para o enfrentamento e a superação das fragilidades, com vista ao seu empoderamento. Palavras-chave: Assistência de Enfermagem; Hanseníase; Vulnerabilidade; Bioética. ABSTRACT With the purpose of supporting the nursing care provided to leprosy patients at a teaching health care unit, this study aimed at analysing the effects of leprosy on the patients’ daily lives. The Discourse of Collective Subjects was the methodological framework used. Discourses were analysed using bioethical theories. Seventeen leprosy patients cared for at the unit were recruited for the study. The effects of the disease, as reported by the respondents, indicated the patients’ high vulnerability that coexists with a weak solidarity. The study fulfilled its purpose of providing nursing care with a theoretical support that will enable the identification of aspects that make leprosy patients vulnerable. It will allow as well the patients empowerment through nursing interventions for facing and overcoming fragility. Keywords: Nursing Care; Leprosy; Vulnerability; Bioethics. Resumen Con el fin de subsidiar la atención de enfermería para le enfermedad de Hansen en un centro de salud escuela, este estudio tuvo como objetivo analizar los efectos de la lepra en la vida cotidiana de estos pacientes. El enfoque metodológico fue el Discurso del Sujeto Colectivo. Para el análisis de los discursos fueron utilizados marcos teóricos de la Bioética. El presente estudio incluyó 17 pacientes con diagnóstico de lepra, con seguimiento del servicio. Las repercusiones de la enfermedad reportadas por los entrevistados indicaron una alta vulnerabilidad de estos pacientes que, al mismo tiempo, conviven con una solidaridad frágil. El estudio cumplió con su propósito de ofrecer subsidios para la atención de enfermería que posibilite la identificación de los aspectos que hacen que los enfermos de lepra sean vulnerables, buscando cómo enfrentar y superar las fragilidades con miras a su empoderamiento. Palabras clave: Atención de Enfermería; Enfermedad de Hansen; Vulnerabilidad; Bioética. 1 2 3 4 Doutor em Doenças Tropicais. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). E-mail: ayres@ fmb.unesp.br. Doutoranda em Saúde Coletiva pela UNESP. E-mail: [email protected]. Doutoranda em Doenças Tropicais. Docente do Departamento de Enfermagem da UNESP. E-mail: [email protected]. Doutora em Saúde Pública. Docente do Departamento de Enfermagem da UNESP. E-mail: [email protected] Endereço para correspondência – Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Departamento de Enfermagem. Distrito de Rubião Júnior. Botucatu-SP. CEP: 18.618-000. Fones: (14)3811-6070/ (14) Cel. (14)8125-0057. 56 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa, de evolução lenta e manifestações dermatoneurológicas, determinadas pela resposta imune do indivíduo acometido.1 As alterações neurológicas ocorrem por lesões nos troncos nervosos periféricos, causadas tanto pela ação direta do bacilo nos nervos como pela reação do organismo ao bacilo. Os dois tipos de reação que ocorrem na hanseníase – Reação tipo I e Eritema Nodoso Hansênico – afetam, aproximadamente, de 30% a 50% dos indivíduos, podendo surgir antes, durante e após o tratamento. Constituem emergência porque poderá ocorrer injúria severa nos nervos afetados, com consequente perda da sensibilidade, paralisias e deformidades.1,2 As incapacidades e deformidades geram impacto significativo para o doente, nos aspectos físico, social e econômico.3 Em razão das deformidades físicas e do tratamento excludente dado à pessoa portadora de hanseníase ao longo dos séculos, foi construído certo horror em torno da doença, o que acarretou profundo estigma social.4 Os portadores da doença reagem emocionalmente com tristeza, raiva, revolta, culpa, vergonha e angústia, relacionadas ao medo de enfrentar outras pessoas, ao futuro, às transformações mutilantes, além do temor da solidão, do abandono, dentre outros.4 Embora a prevalência de casos conhecidos venha sendo reduzida por meio do tratamento e saída do registro ativo, a detecção de casos novos de hanseníase permanece alta em muitos países, inclusive no Brasil, cujo coeficiente de detecção de casos novos, em 2007, foi de 21,08/100 mil habitantes e o de prevalência, 21,94/100 mil habitantes.5 Tendo em vista que sua magnitude e sua transcendência representam relevante problema de saúde pública, seu controle figura entre as ações prioritárias no Pacto pela Saúde e na Política Nacional de Atenção Básica.6,7 Uma vez que o Brasil se mantém como o maior contribuinte de casos de hanseníase na América, assumiu um compromisso na Estratégia Global para maior redução da carga da hanseníase e a sustentação das atividades de controle da doença de 2006 a 2010, com o objetivo de reduzir a carga sanitária decorrente e enfrentar os desafios remanescentes.8 Como problema de saúde pública, o tratamento tem o objetivo de interromper a transmissão da doença, quebrando a cadeia epidemiológica, como também prevenir incapacidades físicas, promover a cura e a reabilitação física e social do doente.9 No cuidado das pessoas com hanseníase, o enfermeiro tem atuação importante no acompanhamento do doente durante todo o tratamento, na identificação de possíveis efeitos colaterais de medicamentos, na prevenção de incapacidades físicas e no desenvolvimento de autonomia e autocuidado. Os enfermeiros vêm desempenhando esse papel no programa de hanseníase, compondo a equipe de saúde que atende o portador e seus familiares, especialmente em serviços de atenção primária. Estudos10,11 apontam a importância da realização de amplo reconhecimento de necessidades de saúde das pessoas portadoras de hanseníase, tendo em vista os aspectos biopsíquicos e socioculturais acima destacados, que envolvem seu cotidiano, permitindo, assim, a identificação de vulnerabilidades e riscos a fim de melhor subsidiar o cuidado integral dessa clientela. Após vários anos de experiência no acompanhamento ambulatorial de pacientes hansenianos, muitas inquietações relacionadas ao cotidiano desses pacientes foram sentidas, razão pela qual este estudo foi proposto com o objetivo de analisar as repercussões da hanseníase no cotidiano de portadores atendidos em uma unidade de atenção primária à saúde. SUJEITOS E MÉTODOS Este estudo exploratório, com abordagem qualitativa, foi realizado no Centro de Saúde Escola (CSE), unidade de atenção básica da Faculdade de Medicina de Botucatu. O CSE desenvolve o Programa de Controle da Hanseníase desde 1989, atuando com a população do município de Botucatu e sendo referência para os municípios da microrregião de Botucatu, Departamento Regional de Saúde DRS VI, Bauru. Visa à assistência integral ao portador de hanseníase e seus comunicantes, bem como desenvolve, na comunidade, ações voltadas para o diagnóstico precoce e minimização do estigma associado à doença. Atua no programa uma equipe multiprofissional composta por enfermeiros, médico dermatologista, médico sanitarista, terapeuta ocupacional e técnica de enfermagem, contando, ainda, com o apoio de outros profissionais do serviço. No período de janeiro de 2005 a julho de 2008, 49 pacientes foram tratados com poliquimioterapia no CSE, sendo 26 multibacilares e 23 paucibacilares. Fizeram parte da pesquisa 17 pacientes com diagnóstico de hanseníase, acompanhados pelo programa, e que aceitaram participar do estudo. O número de entrevistados foi o considerado suficiente para atender aos objetivos deste estudo, pela saturação das respostas. Os dados foram obtidos por meio de entrevista semiestruturada, no período de maio a julho de 2008. As questões apresentadas aos entrevistados foram: Você poderia me contar como foi receber o diagnóstico de hanseníase? Como tem sido para você o convívio com a hanseníase? E como tem sido o seu convívio com as outras pessoas? Você poderia me contar como é o seu dia a dia? As entrevistas, gravadas em fitas magnéticas, foram transcritas e destruídas, organizando-se os depoimentos de modo a extrair de cada um as ideias centrais e expressões-chave. Variáveis sociodemográficas e clínicas foram obtidas dos prontuários dos pacientes. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 57 Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade O referencial metodológico adotado foi o do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), 12 o qual possibilita melhor visualização sobre a representação de atores sociais com quesitos básicos em comum: neste caso, doentes de hanseníase, acompanhados em um mesmo serviço de saúde. Com base no material coletado, para cada questão analisada foram destacadas as Ideias Centrais – “Formulas sintéticas que descrevem o(s) sentido(s) presentes nos depoimentos de cada resposta” – e expressõeschave –“Trechos selecionados do material que melhor descrevem seu conteúdo”. 13 O DSC foi elaborado reunindose as expressões-chave presentes nos depoimentos cujas ideias centrais apresentavam sentido semelhante ou complementar.13 Para a análise dos discursos recorreu-se a referenciais teóricos da Bioética. Vale ressaltar que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP), Of. 179/08-CEP. Os pacientes foram devidamente informados sobre os objetivos da pesquisa e entrevistados após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). RESULTADOS Dos 17 pacientes entrevistados, 11 eram do sexo masculino, 12 casados, com idade entre 29 a 75 anos. A maioria (13 pacientes) tinha baixo nível de escolaridade e procedia de Botucatu e região (16 pacientes). Dentre as ocupações, cinco pacientes desenvolviam atividades no lar, cinco eram prestadores de serviços, três trabalhavam na indústria, dois no comércio, um era servidor público municipal e um recebia auxílio da previdência social. Quanto à classificação operacional de hanseníase, 11 eram portadores de formas multibacilares e 6, paucibacilares. A seguir são apresentadas as questões formuladas, as respectivas sínteses das ideias centrais contidas nas falas dos respondentes e o DSC, referentes a cada uma das ideias centrais. A convivência com a hanseníase Questão analisada: “Como tem sido para você o convívio com a hanseníase?” Síntese das ideias centrais A. É terrível, você se machuca e não sente nada e também tem muita dor. B. A gente tem medo de passar a doença para outra pessoa e se exclui. C. Tem gente que tem receio desta doença. D. Estou convivendo bem. E. Não consigo fazer as coisas que eu fazia antes e fico muito triste F. Isso não tem cura. 58 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 Discurso do Sujeito Coletivo A. É terrível, você se machuca e não sente nada e também tem muita dor (E1, E2, E12) É terrível, você se machuca e não sente nada, se você queima você não sente, quando você vê já está queimado, a pele é morta. Ela me trouxe mancha no corpo, muita dor, daí que eu precisei operar. Trouxeme muito nervoso, a pior coisa foi que achei que não ia sarar. Já foi muito difícil (choro) talvez você sente o caminho da morte (choro) é mais difícil de entender, até você superar [...]. B. A gente tem medo de passar a doença para outra pessoa e se exclui (E3, E10, E16). Na época a gente ficava com medo das pessoas pegar e se afastar da gente, principalmente a pessoa que a gente mora junto, que convive, a família [...]. A gente fica meio nervoso, com medo de passar em outro. Só fico em casa, não vou passear, só fico com a minha família... E não é que sou excluído das coisas, sou excluído pela minha cabeça; se você fica fraco psicologicamente você é excluído, você mesmo se exclui na verdade. C. Tem gente que tem receio desta doença (E3, E5, E7, E8). Tem gente que tem receio desta doença. As pessoas achavam que transferia, que passava para eles, então ficavam evitando a minha pessoa, separavam copos, separavam pratos, tudo... Fiquei bem mal porque até meu companheiro ficava evitando dormir comigo. Andando na rua, todo mundo fica às vezes me olhando, comentando, nem chegam a falar comigo, têm medo de ficar perto de mim, ter contato comigo [...]. No começo não foi nada fácil conviver com essa doença. Assim, quando eu falava que tinha essa doença, neguinho já falava que tinha que fazer alguma coisa, então já cumprimentava a gente se despedindo e se afastava, inclusive muitos colegas meus de escola, na época, se afastaram de mim. D. Estou convivendo bem (E4, E6, E11, E13, E17). Eu, praticamente, estou convivendo bem, no momento. A gente vai aprendendo a conviver com ela. Através dos medicamentos, a gente tem um pouco de solução na dor [...], vai se harmonizando conforme a situação. [...] Pra mim também é fácil eu não tive dificuldade nenhuma por ter sido descoberta meio rápido antes que tivesse afetado os nervos, a sensibilidade. [...] As pessoas tocam nisso daí, eu não sinto, mas eu não me preocupo. É uma doença como qualquer outra, normal. E. Não consigo fazer as coisas que eu fazia antes e fico muito triste (E6, E7, E9, E16). As coisas que eu fazia antes, algumas coisas eu não consigo fazer. Você não poder fazer alguma coisa que você fazia, é complicado; é complicado conviver com esta doença... Muitas coisas você deixa de fazer por ela (doença), principalmente bebida, bebida acho que todo mundo, a maioria gosta de tomar, e você não pode tomar mais. Então, um pedaço de lazer que você curtia você tem que deixar. Tem dia que eu estou assim bem mais conformado, tem outros dias que eu fico muito triste. Nossa! A tristeza é tamanha [...]. Mas eu imagino assim: nós estamos no mundo não é para [...], tem gente que tem a felicidade de nascer e morrer e não ter nada, mas infelizmente eu não fui assim. F. Isso não tem cura (E13, E14, E15). Na minha opinião, isso daí cura não tem não, só Jesus para curar. É meio difícil, eu corri atrás para tratar, para ter cura [...]. só de falar [...]. Então a gente usa o termo que é uma inflamação, uma neurite bem acentuada, bem forte, então eu não tenho falado abertamente o nome dela antigo nem que é hanseníase, por causa das pessoas não entenderem realmente o que vem a ser a doença. C. Só converso com meus familiares (E3, E17). Eu só converso com minhas irmãs e meus irmãos, não. [...] Foi muita surpresa e estamos vivendo até agora. Converso também com meu marido e com minha família sobre o problema da doença. Com pessoas de fora, não, por preconceito. D. Fica tudo bem quando eu informo as pessoas sobre a hanseníase (E4, E8, E9, E12 e E15). Vida relacional e a hanseníase Questão analisada: E como tem sido o seu convívio com as outras pessoas? Síntese das ideias centrais A. Tem gente que fica com cisma e se afasta. B. Tem gente que pergunta e eu minto, evito falar ou não falo claramente. C. Só converso com meus familiares. D. Fica tudo bem quando eu informo as pessoas sobre a hanseníase. E. Para se tratar a gente vive perdendo dia de serviço. Algumas pessoas, quando eu conto a verdade sobre a doença, elas dão uma parada, mas depois que eu passo a informar como que é a situação da doença, aí fica tudo ok. As pessoas ficam assustadas porque elas lembram do passado em que as pessoas se tratavam no lugar fechado. Hoje, como tem mais conhecimento da doença, quando você passa a informar a situação da doença, aí tudo fica bem. Acho que é mais a curiosidade de saber o que é. Hoje em dia, graças a Deus, quando você fala que tem hanseníase todo mundo concorda, não se afasta, porque antigamente, eu não sei se estou certo nisso, a hanseníase era conhecida como a lepra. Hanseníase é um nome mais bonito em comparação à Lepra. Tem pessoas que não sabem ainda que hanseníase é lepra. Discurso do Sujeito Coletivo A. Tem gente que fica com cisma e se afasta (E1, E2, E5, E6, E7, E11, E16). Ficam abismados, tem gente que fica até com cisma, é a doença. Porque antigamente a doença pegava de qualquer jeito, na água, na vasilha em todas as coisas, pegava [...]. Eu acho que têm muitos que não vêm na minha casa por medo. Ficam meio assustados, saem de perto, não conversam muito comigo, é isso daí. Às vezes, no ônibus, quando eu estava com os braços enfaixados, era difícil a pessoa sentar no banco, tinham algumas que ficavam com medo de chegar perto. Uma vez eu comentei com uma pessoa, de dentro do hospital, uma pessoa que eu conhecia, e quando eu toquei no assunto desse problema (risos) esse rapaz saiu rápido de perto de mim. Sabe, eu me senti pequeno, o cara me deixou falando sozinho e... vupt. No outro dia que eu vim analisar, o cara estava com medo de mim. B. Tem gente que pergunta e eu minto, evito falar, ou não falo claramente (E1, E10, E13) Tem gente que pergunta e eu minto, digo que isso ai é reumatismo (risos). Eu evito até de falar porque tem pessoas que se a gente fala se afasta. Isso daí não é uma coisa que é contagiosa, era contagiosa no começo do mundo, agora tem o tratamento. Dizem que não tem perigo de transmitir pro outro com o tratamento. Então, a pessoa fica com preconceito, e isso aí prejudica um pouco, a gente sente, mas tem que encarar. Para outras pessoas que realmente não conhecem a doença E. Para se tratar a gente vive perdendo dia de serviço (E10, e14). Ah, é meio trabalhoso, viu? Porque a gente vive perdendo dia de serviço para fazer tratamento médico. Eles falaram que era para eu entrar em tratamento pra eu me curar que era melhor pra mim. O cotidiano e a hanseníase Questão analisada: Você poderia me contar como é o seu dia a dia? Síntese das ideias centrais A. Tem muitos problemas pra gente devidos à doença. B. Não tenho problema porque evito me machucar. C. É como não estar na presença de Deus, a gente fala e ninguém escuta. D. Não consigo raciocinar rápido. Discurso do Sujeito Coletivo A. Tem muitos problemas para a gente, devidos à doença (E1, E2, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E13, E15, E16) Ah! Tem muitos problemas pra gente, porque a gente não consegue fazer o que devia fazer. O que eu gosto mesmo é de trabalhar, e agora faz tempo que eu não remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 59 Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade trabalho. Tem dia que me dá ataque nervoso. Eu sinto nervo porque tudo que eu fazia, eu digo meu Deus, isso não poso fazer mais [...]. Através da doença que eu tenho então vem o caso de que meu caminhar dói muito e a dificuldade minha maior está nas dores que eu tenho [...]. A falta de tato também é um problema, porque eu não consigo ter, às vezes, o tato pra pegar as coisas, não tenho as forças nas mãos e nos dedos. [...] A sequela que ficou no pé, que é caído, vou andar eu ‘trupico’, caio, no plano mesmo. Tem bastante problema na vida da gente, vem junto com a doença, problemas financeiros, e a gente tem que encarar. Outra coisa que acontece também, a pessoa fica um pouco deprimida, fica sem vontade de fazer as coisas, um pouco meio assim desanimado. A gente não fica 100% como antes. Antes eu gostava muito de sol, hoje o sol pra mim é terrível. Então, pra mim esta doença só trouxe infelicidade. B. Não tenho problema porque evito me machucar (E3, E10, E11, E14, E17). Não enfrento problema não, eu evito até de me machucar, de aumentar, de virar ferida, então, eu tenho mais cuidado. Convivo com meu parceiro como se eu fosse uma pessoa normal. Agora eu estou bem. C. É como não estar na presença de Deus, a gente fala e ninguém escuta (E12) É a mesma coisa que não estar na presença de Deus. Sabe, é como que faltou alguma coisa e a gente não consegue entender (pausa-choro). Eu enfrento (choro) a dificuldade das pessoas entenderem o quê é que eu quero, entender o que é bom, e o que vai me ajudar, só isso mais nada [...]. Eu acho que a doença pode ter sido causada pela própria ignorância de não entender, de não falar, de não sentir, será que não é isso?Talvez a gente fala mas ninguém vai escutar. Só. E. Não consigo raciocinar rápido (E16). Eu não consigo, às vezes, ser rápido na cabeça para dar a resposta ali, não sei, não sei explicar como, talvez você faz a pergunta agora e eu vou demorar para dar a resposta, eu não consigo. Quando é amanhã eu já tenho a resposta, eu consigo analisar devagarzinho. Eu não tinha isso antes. Eu fiquei lerdo, demente, muito lerdo. O nervoso eu não tinha. É tão rápido, às vezes eu estou brincando e se alguém me ofender eu me estouro tão rápido que eu não entendi porque fiz aquilo. Aí, quando eu vou analisar já fiz, então eu tenho que voltar lá na pessoa, conversar de novo, pedir desculpa. Já fiz isso várias vezes, cheguei perder até emprego por causa disso na época. de 1974, com o objetivo de diminuir o preconceito e o estigma que a envolve, observou-se que os entrevistados, neste estudo, expressaram sentimentos negativos, demonstrando que a hanseníase continua sendo uma experiência existencial difícil e dolorosa. Outros estudos também observaram sentimentos semelhantes.14-16 Narrativas, fatos e vivências empíricas e/ou científicas indicam que a doença propicia reações emocionais diversas que podem diferenciar de pessoa para pessoa, associadas às imagens culturais sobre a doença ou o doente.15 Da análise dos DSCs, verifica-se que os entrevistados falam e reconhecem a própria vulnerabilidade. Esse reconhecimento pode ser um ponto de partida para uma construção maior que possibilite superar suas fragilidades.17 A vulnerabilidade física apontada no DSC contido nas ideias centrais A e E, da primeira pergunta, deriva de condições individuais relacionadas às limitações que a doença, por vezes, propicia. Nos DSCs relativos às ideias centrais B e C, também da primeira questão, verifica-se que a vulnerabilidade social se mostra nessas falas. Essa condição de indivíduo vulnerável decorre de uma relação desigual entre o hanseniano e demais pessoas, até mesmo por causa da histórica segregação social imposta aos seus portadores. Mesmo com a evolução dos métodos de diagnóstico e de tratamento, ainda persistem temores infundados relacionados ao contágio, às mutilações e, talvez o pior dos medos: o da perda da liberdade e do isolamento social, especialmente nos indivíduos ou grupos desinformados, entre os quais se incluem alguns doentes de hanseníase. Estes parecem rejeitar a si mesmos, isolando-se do convívio social,18 fato também observado em estudo anterior.19 O DSC referente à ideia Central “Isso não tem cura” indica que portadores de hanseníase não vislumbram essa possibilidade para si. Esse fato pode estar indicando a manifestação de estados reacionais, sequelas e deformidades irrecuperáveis, ou, ainda, desinformação, esta considerada inadmissível, porque são indivíduos que vêm sendo acompanhados rotineiramente em serviço de saúde. DISCUSSÃO Entretanto, quando diagnóstico e tratamento são feitos precocemente e esclarecimentos e informações sobre a doença são devidamente prestados, são relatados enfrentamentos menos sofridos, melhor qualidade de vida e melhor convívio com a enfermidade, conforme DSC contido na idéia central D, da primeira questão, “Estou convivendo bem”. Em virtude de a hanseníase ser uma doença historicamente relacionada a tabus, crenças de natureza simbólica e estigmatizante, se configura ainda como uma doença mutilante, provocando assim a rejeição e a discriminação do doente e a exclusão social.14 No DSC sobre convívio social aparecem a desinformação e, novamente, o estigma, bem como os preconceitos, fragilizando as relações. Nota-se que isso impede ou dificulta a formação de laços afetivos e, como consequência, o hanseniano se isola, sente-se perdido e só. Apesar de a doença ter passado pela mudança de denominação de lepra para hanseníase em meados Pelo seu convívio cotidiano com a falta de solidariedade, teme a discriminação, o escárnio, a rejeição, o que o leva 60 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 a sentir vergonha da sua moléstia. Desse modo, há os que procuram ocultá-la, como também observado em outro estudo.6 Outros, porém, talvez mais bem esclarecidos, fazem questão de transmitir informações sobre sua doença a outras pessoas e, com isso, percebem que são aceitos e que as pessoas não se afastam, tornando-se mais compreensivas e solidárias. A falta de divulgação de informações sobre a hanseníase, seu contágio, manifestações clínicas e sua evolução, por parte dos profissionais e serviços de saúde, contribui para a persistência de incompreensões e preconceitos.20 Do ponto de vista ético e jurídico, a informação é pressuposto para que o indivíduo realize suas escolhas no contexto de uma existência equilibrada em sociedade. Portanto, sua insuficiência, nesse caso específico relacionado à hanseníase, traz prejuízos à saúde dos portadores por inviabilizar diagnóstico e tratamento precoces e dificultar sua vida em sociedade.21 Analisando os DSCs que decorreram das respostas à última questão sobre o dia a dia dos entrevistados, foi possível identificar que até mesmo aqueles que, em falas anteriores, referiram conviver bem com a doença e com a sociedade, aqui, denotam certa ambiguidade. Passam a falar dos mais diferentes problemas vivenciados, relacionando-os à condição de portador de hanseníase, revelando um cotidiano pleno de dificuldades, dores e sofrimento. Falam das dores físicas que limitam liberdades de movimento e de ação para os afazeres diários, bem como do tratamento que, por vezes, impede certos tipos de lazer e outros prazeres. Dessas dores físicas e da falta de solidariedade nascem as emocionais, as dores da alma, a tristeza, a depressão. O hanseniano se sente só, perdido no nada, longe do seu Deus: A gente fala, mas ninguém vai escutar. O doente de hanseníase, como todo ser vivo, é suscetível de ser ferido pelo desamparo, pelo desamor e pela solidão. Esse ferimento é o que causa a dor maior, porque pode significar a exclusão ou a morte social. Entretanto, as políticas de saúde vêm abordando a inclusão, a realização plena dos direitos de cidadania. Os serviços de saúde, pautados pelo princípio da equidade, que pressupõe condutas que possibilitem igualdade quando a diferença inferioriza, devem estar preparados para conviver com o diferente, para proporcionar um olhar com base nas diferenças e oferecer acolhimento inclusivo e integral.22 Constatam-se, neste estudo, vivências diversas com relação à hanseníase. No entanto, destacam-se, nos DSCs, a experiência da dor física pelas reações hansênicas, bem como as incapacidades e deformidades que limitam desde as atividades profissionais até as mais cotidianas. Ressalte-se, ainda, o preconceito vivido, ou temido, que leva, muitas vezes, ao receio ou ao isolamento do convívio social. O reconhecimento dessas e de outras situações de vulnerabilidade é fundamental para o planejamento da assistência com vista a um cuidado integral que propicie o “empoderamento” desses sujeitos a fim de desenvolver maior autonomia para o autocuidado e garantia dos direitos de cidadania. Reflexões sobre esse contexto nos indicam a necessidade de revisão das nossas práticas na atenção e no acompanhamento do paciente com hanseníase. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, foi possível identificar, no cotidiano dos pacientes entrevistados, repercussões derivadas da doença e dos estigmas que historicamente ela ainda carrega. O hanseniano é suscetível de ser ferido fisicamente, mesmo que a dor desse ferimento seja perceptível somente mais tarde. Ele é igualmente vulnerável em sua subjetividade e sua exposição ao outro. Vivendo num cenário de iniquidades sociais, de desrespeito aos direitos humanos, de violência, de preconceitos e intolerâncias às imperfeições estéticas, dentre outras insuficiências e injustiças sociais, o hanseniano procura ocultar sua doença e sua vulnerabilidade, apesar dos avanços alcançados no tratamento da hanseníase. Reportando-se à reflexão ética, a percepção da vulnerabilidade apela para o dever. Dever de reconhecer em nós, seres humanos e profissionais de saúde, a nossa parte que pertence aos outros e de atender ao clamor de solidariedade do hanseniano, aqui compreendida como um reconhecer-se no outro. Isso pode possibilitar o encontro construtivo com o outro, o enfrentamento e a superação das fragilidades. A inclusão social do hanseniano, visando ao fim das relações interpessoais e institucionais que o discriminam, está na dependência da percepção que esses doentes têm sobre si mesmos. Logo, deve-se partir da identificação das causas estruturais da vulnerabilidade do portador de hanseníase para se adequarem estratégias de atenção à sua saúde que possibilitem o enfrentamento solidário dos estigmas e preconceitos e a sua real inclusão na sociedade.23 Igualmente necessário se faz o reconhecimento, por parte das instituições e dos serviços de saúde, das suas deficiências e vulnerabilidades, para proporcionar atenção universal, integral e igualitária com sustentabilidade. Neste estudo, em que se buscou identificar repercussões da hanseníase no cotidiano de portadores dessa moléstia, cumpriu-se a finalidade de oferecer subsídios para uma assistência de enfermagem que propicie a identificação de aspectos da vulnerabilidade desses doentes, objetivando intervenções que garantam seu empoderamento. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 61 Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade REFERÊNCIAS 1. 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Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012 AVALIAÇÃO DA DOR CRÔNICA EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS EVALUATION OF CHRONIC PAIN IN THE INSTITUTIONALIZED ELDERLY EVALUACIÓN DEL DOLOR CRÓNICO EN ANCIANOS INSTITUCIONALIZADOS Maria Helena Barbosa1 Larissa Carvalho Silva2 Érica Vieira de Andrade3 Raissa Bianca Luiz4 Alisson Fernandes Bolina5 Ana Lúcia De Mattia6 Daniel Ferreira da Cunha7 RESUMO Objetiva-se com esta pesquisa avaliar a dor e caracterizar os idosos institucionalizados segundo as variáveis sociodemográficas e clínicas. Trata-se de estudo descritivo realizado com 124 idosos residentes nas Instituições de Longa Permanência para Idosos de Minas Gerais. Para a obtenção dos dados, realizou-se entrevista, bem como avaliação clínica. Utilizou-se estatística descritiva com análise univariada dos dados. Verificou-se a predominância do sexo feminino, com hipertensão arterial sistêmica referida, solteiros e com filhos, média de idade 76,2 anos e IMC médio 23,1 kg/m². A dor crônica, a adoção de tratamento medicamentoso e a não realização de atividade física regular foram referidas pela maioria dos idosos. Os principais fatores de melhora e piora referidos foram o repouso e a movimentação física, respectivamente. A dor crônica e a não realização de atividade física regular são vivenciadas pela maioria dos idosos institucionalizados. Espera-se que novas medidas de monitoramento, prevenção e controle da dor sejam implementadas nessas instituições. Palavras-chave: Assistência à Saúde; Dor Referida; Percepção da Dor; Institucionalização; Serviços de Saúde para Idosos. ABSTRACT This study objective was to evaluate the pain in institutionalized elderly as well as characterize this group according to socio-demographic and clinical variables. It is a descriptive study with 124 elderly people living in long-term care facilities (LTCF) in the state of Minas Gerais, Brazil. Data were obtained via interview and clinical assessment. Descriptive statistics with univariate data were used. There was predominance of women with systemic arterial hypertension, single and with children. The mean age was 76.2 years, and the median BMI was 23.1 kg / m². Chronic pain, the medication treatment and the lack of physical activity were reported. Key fators for improvement and worsening of health were the physical rest and physical activity, respectively. Results indicated that chronic pain and lack of regular physical activity are experienced by most of the institutionalized elderly. New measures for monitoring, preventing and controlling the pain should be implemented in these institutions. Keywords: Health Care; Referred Pain; Pain Perception; Institutionalization; Health Care for the Elderly. RESUMEN El objetivo del presente estudio fue evaluar el dolor y caracterizar ancianos institucionalizados en función de variables demográficas y clínicas. Se trata de un estudio descriptivo de 124 ancianos hospedados en establecimientos de larga permanencia de Minas Gerais. Llevamos a cabo entrevistas y evaluación clínica para obtener datos. Se utilizó estadística descriptiva con los datos de una variable. Los resultados indican que hay predominio de individuos del sexo femenino, hipertensos, solteros y con hijos. Edad promedio de 76,2 años y promedio de IMC de 23,1 kg / m². Dolor crónico, tratamiento con fármacos y falta de actividad física regular fueron mencionados por la mayoría de los ancianos. Principales fatores de mejora y empeoramiento fueron reposo y actividad física, respectivamente. Llegamos a la conclusión que la mayoría de los ancianos vive con dolor crónico y falta de actividad física regular. Se espera que sean implementadas nuevas medidas de control, prevención y control del dolor en estas instituciones. Palabras clave: Atención de la Salud; Dolor Referido; Percepción del Dolor; Institucionalización; Servicios de Salud para Ancianos. 1 2 3 4 5 6 7 Professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutora em Enfermagem na Saúde do Adulto. Graduanda em Enfermagem pela UFTM. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Uberaba-MG. Aluna do Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado em Atenção à Saúde da UFTM. Enfermeira. Uberaba-MG. Egressa do curso de Graduação em Enfermagem da UFTM. Uberaba-MG. Colaboradora. Egresso do curso de Graduação em Enfermagem da UFTM. Uberaba-MG. Professora adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte-MG. Doutora em Enfermagem. Professor titular da UFTM. Doutor em Clínica Médica. Uberaba-MG. Endereço para correspondência – Praça Manoel Terra, 330. Abadia. Uberaba-MG, Brasil. CEP: 38015-050. Telefone: (34) 3318-5484. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 63 Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados Introdução Atualmente, chegar à velhice é uma realidade mesmo nos países menos desenvolvidos. No Brasil, as modificações relacionadas ao aumento da população idosa ocorrem de forma radical e bastante acelerada.1 Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) evidenciaram o aumento de 9,1% para 11,3% da população com 60 anos ou mais no período de 1999 a 2009.2 Tais transformações foram acompanhadas pelo aumento da incidência de doenças incapacitantes, crônicas e degenerativas que resultam no aumento da dependência e são agravadas pelas queixas de dor.3 Entre as consequências que a longevidade tem trazido à sociedade, a dor é uma das mais importantes.4 Ela é definida como “uma experiência sensorial e emocional desagradável relacionada com o dano real ou potencial de algum tecido ou que se descreve em termos de tal dano”. 5 Pode ser descrita como aquela que, mesmo não estando no corpo, não sendo visível, é percebida e descrita como estando nele pelo indivíduo 5. É compreendida como um fenômeno multifatorial e multidimensional. A lesão tecidual e os aspectos emocionais, socioculturais e ambientais são fatores que compõem o fenômeno.4,5 A dor aguda tem função de alerta; segue-se a uma lesão tecidual e, geralmente, desaparece após a resolução do processo patológico. Já a dor crônica é principalmente reconhecida quando sua duração ultrapassa seis meses. Dessa forma, o tempo de duração é o elemento de diferenciação entre a dor aguda e a crônica.5 Quando a dor direciona e limita as decisões e os comportamentos do indivíduo e acarreta outros sintomas como fadiga, anorexia, alterações do sono, constipação, náuseas, dificuldade de concentração, associada à impossibilidade de controlá-la, traz sempre sofrimento físico e psíquico, levando ao aumento da morbidade entre os idosos.4 Nessa população, a dor crônica pode ser um fator de limitação funcional, além de aumentar a agitação, o risco de estresse emocional e de mortalidade. 4 Em um estudo com cem idosos institucionalizados foram encontrados 66% deles com dores intermitentes, sendo que 51% dessas dores ocorriam diariamente e 35%, semanalmente, o que leva à compreensão de que tais aspectos estariam ligados ao desconforto e comprometimento da qualidade de vida dos sujeitos avaliados4. A dor é considerada um problema de saúde pública, pois impede que a pessoa acometida realize suas funções adequadamente, o que pode acarretar em incapacidade física e funcional, dependência, afastamento social, alterações na dinâmica familiar, desequilíbrio econômico e outros problemas que se agravam entre os idosos.3 Assim, a dor necessita ser diagnosticada, mensurada, avaliada e devidamente tratada pelos profissionais de saúde, a fim de minimizar a morbidade e melhorar a qualidade de vida da população idosa.3 64 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 Para o alívio da dor crônica, somente os agentes farmacológicos analgésicos não são eficazes, o que possivelmente se deve aos efeitos secundários indesejáveis e à baixa adesão ao tratamento medicamentoso.6 Entre as estratégias empregadas pelos programas multidisciplinares destinados ao alívio da dor crônica estão atividades como gestão do estresse, educação dos pacientes e das famílias, psicoterapia e relaxamento, sendo o exercício físico a estratégia mais utilizada.6 As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) são alternativas para quem ficou sem condições de autonomia.7 A questão da institucionalização de idosos continua sendo um assunto delicado, visto que sua aceitação como alternativa de suporte social ainda não é consensual, embora seja indiscutível o aumento da demanda por esse serviço.8 Nessas instituições, a dor também é uma experiência vivenciada pelos idosos, como observado por um estudo realizado em ILP, no Rio Grande do Sul, no qual foi encontrado como um dos principais diagnósticos de enfermagem a dor relacionada a doenças degenerativas e evidenciada pelo relato verbal dos idosos.9 A maioria dos idosos refere dor crônica, e muitas vezes essa queixa não é devidamente valorizada entre as pessoas de seu convívio. Isso aponta para a importância de avaliações tanto de sua prevalência quanto de intensidade para que medidas adequadas para seu controle e tratamento sejam planejadas.4 OBJETIVOS Geral Analisar as características da dor crônica em idosos institucionalizados. Específicos 1. Caracterizar o perfil dos idosos segundo dados clínicos e sociodemográficos. 2. Identificar fatores que propiciam a manifestação da dor e aqueles que podem minimizar-lhe a ocorrência. MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, com abordagem quantitativa, realizada nas ILPIs do município de Uberaba-MG, Brasil, as quais são cadastradas pela Prefeitura Municipal no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). O município de Uberaba possui 9 ILPI cadastradas, as quais abrigam atualmente 295 cidadãos. Participaram do estudo, 124 idosos que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: aceitar participar da pesquisa e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), ter idade acima de 60 anos e conseguir verbalizar. Foram excluídos da pesquisa 171 (57,9%) residentes das instituições por não atenderem aos critérios de inclusão, 13 (7,6%) por terem falecido ou não morarem mais na instituição e 8 (4,6%) por não estarem presente no momento da entrevista em razão de passeio ou internação hospitalar. Para a coleta dos dados, inicialmente foram agendados os horários com os responsáveis pelas ILPIs, campos de estudo, para a realização das entrevistas e avaliações dos idosos pelos pesquisadores. Os dados foram coletados, no período de fevereiro a julho de 2010, após o aceite em participar da pesquisa com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por essa população. Utilizou-se para a obtenção dos dados um instrumento constituído de duas partes. A primeira referia-se aos dados de identificação dos idosos e às variáveis clínicas e sociodemográficas e a segunda, aos aspectos relacionados à dor (localização, fatores de melhora e piora e tratamentos adotados). Os dados foram inseridos em uma planilha eletrônica do programa Excel XP® da Microsoft,® validados por dupla entrada e exportados para o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para processamento e análise. Utilizou-se estatística descritiva com análise univariada para as variáveis sociodemográficas e clínicas e para os aspectos relacionados à dor. TABELA 1 – Características sociodemográficas e clínicas dos idosos em ILPI – Uberaba-MG, 2010 Variáveis Sexo Faixa etária (em anos) Estado civil Filhos Escolaridade Variáveis do estudo Variáveis clínicas e sociodemográficas: idade, escolaridade, profissão, procedência, sexo, estado civil, número de filhos, IMC e comorbidades; e variáveis relacionadas à dor: localização, tempo do início (surgimento), tratamentos a dor nos adotados (farmacológico e não farmacológico). IMC* Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o Parecer CEP/UFTM nº 1360/09. RESULTADOS Comorbidades No período de fevereiro a julho de 2010, fizeram parte deste estudo 124 idosos das 9 ILPIs cadastradas em Uberaba-MG. Todos os idosos entrevistados eram aposentados. A maioria – 63 (50,8%) – era do sexo feminino; a média de idade foi de 76,2 anos, com variação de 60 a 105 anos, prevalecendo 46 (37,1%) na faixa etária entre 70 e 80 anos; 49 (39,5%) eram solteiros e 72 (58,1%) tinham filhos, com média de 2,1 filhos por idoso; 98 (78%) idosos procederam de Uberaba. Quanto à escolaridade, 72 (58,1%) estudaram até o ensino fundamental (TAB. 1). Em relação ao estado nutricional, o IMC médio foi de 23,1 kg/m², com variação de 12,4 a 36,1 kg/m² e 34 (43,6%) idosos apresentavam-se abaixo do peso. A maioria dos idosos – 85 (68,5%) – apresentavam comorbidades, com prevalência de 22 (17,7%) idosos com hipertensão arterial sistêmica (HAS) isolada (TAB. 1). N % Masculino 61 49,2 Feminino 63 50,8 60├ 70 35 28,2 70├ 80 46 371 80 e mais 43 347 Solteiro 49 39,5 Separado 21 16,9 Casado 14 11,3 Viúvo 40 32,3 Não 52 41,9 Sim 72 58,1 Nenhuma 46 37,1 Fundamental 72 58,1 Médio 4 3,2 Superior 2 1,6 Abaixo do peso 34 43,6 Eutrófico 31 39,7 Excesso de peso 13 16,7 Desconhece 39 31,5 Hipertensão arterial sistêmica (HAS) 22 17,7 Diabetes mellitus (DM) 7 5,6 HAS + DM 6 4,8 HAS + outras 19 15,3 DM + outras 4 3,2 HAS + DM + outras 5 4 Outras 22 17,6 *Classificado segundo critérios do Ministério da Saúde, 2004. Fonte: Dados coletados pelos autores (2010). Com relação aos aspectos relacionados à dor, a maioria dos idosos, 72 (58,1%) referiu apresentar dor crônica; 55 (76,4%) relataram surgimento da dor há mais de um ano; 24 (33,3%) disseram que sentiam dor do tipo pontada; 23 (31,9%) informaram como local de dor somente os membros inferiores (TAB. 2). remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 65 Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados TABELA 2 – Distribuição dos fatores relacionados à dor entre os idosos (n=72) em ILPI – Uberaba-MG, 2010 Início da dor Tipo de dor Localização da dor Variáveis N % < 1 ano 17 23,6 Entre 1 e 2 anos 14 19,4 >2 anos 9 12,5 > 4 anos 13 18,1 >10 anos 19 26,4 Queimação 13 18,1 Pontada 24 33,3 Aperto 11 15,3 Ferroada 9 12,5 Latejante 4 5,6 Ferroada + latejante 1 1,4 Queimação+ aperto 1 1,4 Queimação + latejante 1 1,4 Dormente 1 1,4 Não sabe explicar 7 9,7 Membros inferiores 23 31,9 Região dorsal 11 15,3 Abdome 6 8,3 Corpo inteiro 5 6,9 Membros superiores 4 5,6 DISCUSSÃO Membros inferiores + Região dorsal 4 5,6 Membros inferiores+ Articulações + Abdome 4 5,6 Outros 15 20,8 Neste estudo, observou-se a prevalência de idosos do sexo feminino, o que corrobora com outros estudos.10,11 A predominância de mulheres evidencia a chamada “feminização da velhice”, a qual é justificada, por alguns estudiosos, pela menor exposição das mulheres a fatores de risco, como tabagismo e etilismo, além das diferenças de atitude entre homens e mulheres em relação ao controle e tratamento das doenças, o que resulta em maior longevidade.12 Fonte: Dados coletados pelos autores (2010). Quanto ao tratamento adotado, 24 (33,3%) idosos disseram que faziam uso de medicamentos; 23 (31,9%) não adotavam medidas de tratamento; 17 (23,6%) relataram tratamento medicamentoso associado à fisioterapia; e 8 (11,1%), tratamento fisioterapêutico isolado. Em relação aos fatores de melhora da dor, 30 (41,7%) idosos não referiram fator de melhora, 16 (22,2%) relataram melhora com a posição deitada e 8 (11,1%) com repouso. Quanto aos fatores de piora da dor, 25 (34,7%) idosos não referiram fator de piora, 23 (31,9%) relataram piora ao caminhar e/ou movimentar-se e 7 (9,7%) ao sentar-se. 66 A maioria dos idosos – 69 (55,6%) – apresentava mobilidade física prejudicada, sendo 20 (29,0%) por sequela de acidente vascular encefálico, 11 (15,9%) por fraqueza e 10 (14,4%) por presença de dor. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 Com relação à realização de atividade física regular entre os idosos que referiram dor, 9 (12,5%) realizavam algum tipo de atividade e, desses, 5 (55,5%) relataram haver melhora da dor com essa prática. Entre os idosos que não realizavam atividade física, 52 (72,2%) relataram que a dor não era o fator impeditivo para a realização da atividade, embora não a realizassem (TAB. 3). TABELA 3 – Distribuição dos idosos que apresentavam dor (n=72) segundo a realização de atividade física em ILPI – Uberaba-MG, 2010 Variáveis Atividade física Dor impede realizar at. física Exercício melhora a dor N % Não realiza regularmente 63 87,5 Caminhada 8 11,1 Natação 0 0 Ginástica 1 1,4 Não 52 72,2 Sim 20 27,8 Não 4 5,6 Sim 5 6,9 Fonte: Dados coletados pelos autores (2010). A média de idade da população deste estudo foi de 76,2 anos, o que também foi evidenciado em estudo de metodologia similar realizado na Região Nordeste do Brasil.13 Já em estudo realizado com idosos não institucionalizados, observou-se média de idade menor.14 Acredita-se que essa diferença etária possa ser explicada pelo fato de se considerar que a institucionalização ocorre, em grande parte, quando o idoso perde a autonomia, ocorrência mais evidente com o avançar da idade.7 Isso remete às questões socioeconômicas da realidade atual, as quais podem dificultar ou mesmo impedir a manutenção de um cuidador no ambiente familiar diante das necessidades de saúde dos idosos com autonomia comprometida. Observou-se que a maioria dos idosos entrevistados tinha filhos, o que diverge dos resultados evidenciados em estudo realizado na Região Sul do País.15 Isso pode estar relacionado às diferenças culturais encontradas no Brasil, considerando, além das dimensões geográficas, os valores e crenças da população em cada região. Entre as comorbidades relatadas pela população deste estudo, verificou-se a prevalência de HAS, também verificada em outras pesquisas.9,14 O envelhecimento populacional trouxe a incidência de doenças incapacitantes, crônicas e degenerativas, dentre as quais se destacam a HAS e o diabetes mellitus.3 A HAS constitui um dos problemas de saúde de maior prevalência na atualidade, principalmente entre os idosos.9,14,16 Em relação à dor, evidenciou-se, nesta pesquisa, o relato de dor crônica na maioria dos idosos estudados, o que corrobora com outras investigações.4,13 Para alguns autores, a prevalência de dor em idosos que vivem em ILPI pode estar relacionada às condições precárias de saúde dessa população.4 No que se refere à localização da dor, a maioria dos idosos referiu os membros inferiores, o que também foi evidenciado em outros estudos.10,17 Tal fato pode estar relacionado à prevalência de doenças osteomusculares nessa população, como artrite, artrose, artralgia, esporão de calcâneo, osteoporose e artrite reumatoide, as quais foram as mais citadas em estudo sobre a influência da dor na limitação da capacidade funcional.14 Já quanto ao tipo de tratamento adotado, houve um equilíbrio entre o número de idosos que não faziam tratamento e os que usavam somente medicamentos para o controle da dor. Embora neste estudo não se tenha avaliado a adesão ao tratamento, sabe-se que esta pode ser influenciada também pelo tipo de tratamento utilizado. 18 Em pesquisa que avaliou a adesão ao tratamento de dor crônica, verificou-se adesão parcial pela maioria dos sujeitos investigados e a não adesão ao tratamento por 30% dessa população.18 Outro aspecto relevante a ser considerado no tratamento da dor crônica é a possibilidade de inclusão de tipos diversificados de práticas terapêuticas, dentre as quais a massagem, a atividade física, além do tratamento fisioterápico e acupuntura.6,18 Outros autores relatam que a associação de terapêuticas não farmacológicas são eficazes e seguras, além de diminuir a necessidade de medicamentos e, consequentemente, reduzir a ocorrência de reações adversas nos idosos.10 Embora a maioria dos idosos participantes deste estudo tenha apresentado mobilidade física prejudicada, a dor não foi o principal fator desencadeante, e sim a incapacidade funcional decorrente de AVE, reiterando resultados de estudo no qual se evidenciou o AVE associado à incapacidade funcional grave.19 Entretanto, o achado no estudo em questão diverge de pesquisa que apontou a dor como principal fator associado às limitações na realização de atividades cotidianas, dentre as quais deambulação, higiene íntima e ato de vestir-se.17 Destaque-se, neste estudo, que a maioria dos sujeitos não referiu fatores de piora, tampouco fatores de melhora da dor. Contudo, entre os fatores de melhora, foram referidos deitar-se e ficar quieto. Já entre os fatores de piora informados foi apontada a movimentação do corpo como caminhar e sentar-se, o que coincide com os achados de pesquisa sobre dor crônica em idosos da comunidade.10 Alguns autores afirmam que os aspectos relacionados ao estado mental, à localização da dor e a doença de base podem influenciar na dor de idosos institucionalizados.13. Apesar de a maioria dos idosos que relataram dor não realizar atividade física regular, a dor não foi apontada como o fator responsável para tal. Entretanto, entre os idosos que apresentavam dor, a atividade física foi referida como uma prática que auxiliava na melhora dessa dor. Pesquisa com idosos institucionalizados no Rio Grande do Sul mostrou que 100% dos idosos não realizavam atividade física.15 A atividade física está relacionada ao bem-estar físico, mental e à inclusão social, além de atingir efeito analgésico em alguns casos.6. Para os idosos residentes nas ILPIs, a saúde é relacionada à ausência de dor, ao conforto físico e à segurança proporcionada pela instituição que garanta comida, moradia e atendimento médico.9 CONCLUSÃO Neste estudo, evidenciou-se que entre os idosos residentes nas ILPIs houve predominância do sexo feminino, solteiros, com escolaridade até o ensino fundamental e com filhos. A média de idade desses idosos foi de 76,2 anos e o IMC médio foi de 23,1 kg/m², com 43,6% dos idosos abaixo do peso ideal. A maioria dos idosos referiu apresentar comorbidades, com prevalência de hipertensão arterial sistêmica. A maioria dos idosos relatou dor crônica, com surgimento há mais de um ano, predomínio de dor em membros inferiores, do tipo pontada, sendo que 33,3% faziam uso de medicamento para o alívio da dor e 31,9% não adotavam medidas de tratamento. A posição deitada e o repouso foram referidos como fatores de melhora da dor, enquanto caminhar e/ou movimentar e sentar-se como fatores de piora. Entre os idosos que referiram dor, a maioria não realizava atividade física e, daqueles que a realizavam, a maioria relatou haver melhora da dor com essa prática. A maioria dos idosos apresentava mobilidade física prejudicada decorrente de sequela de acidente vascular encefálico, fraqueza referida e dor. A dor crônica se destaca entre os principais fatores que influenciam negativamente a qualidade de vida da pessoa idosa, limitando suas atividades e aumentando seu o isolamento social. A enfermagem tem importante papel no cuidado em saúde relacionado a limitações físicas e mentais. A atenção à pessoa idosa institucionalizada e que apresenta dor crônica representa um desafio para os profissionais de enfermagem no sentido de minorar o sofrimento causado pela dor, bem como as consequências que remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 67 Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados se somam a essa situação. Nesse sentido, a realização de avaliação da condição de dor é fundamental para determinar o diagnóstico de enfermagem e elaborar um projeto de intervenção que contemple, além da redução da dor especificamente, a avaliação constante dos resultados obtidos com as medidas implementadas e o controle sistemático no sentido de prevenir complicações estabelecendo vínculos de confiança e atitudes de interesse com vista à assistência de enfermagem holística. O aumento da expectativa de vida no Brasil e no mundo reflete a necessidade da incorporação de várias áreas do saber para atuar em assistência à saúde de pessoas idosas. A formação de equipes multiprofissionais para esse fim tende a ser benéfica no sentido de congregar conhecimentos diversificados para melhorar a qualidade de vida dos idosos. Assim, o planejamento conjunto das ações de assistência ao idoso institucionalizado para o controle da dor crônica pode potencializar resultados positivos no sentido da socialização, redução da inatividade e do isolamento social decorrentes da dor vivenciada. Espera-se que os resultados evidenciados neste estudo possam colaborar na articulação e construção coletiva de programas multi e interdisciplinares de atenção à saúde ao idoso institucionalizado, com foco na prevenção e controle da dor crônica no sentido de favorecer a qualidade de vida dessas pessoas. REFERÊNCIAS 1. Veras R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Rev Saúde Pública. 2008; 43(3):548-54. 2. Cunha LC. Síntese de indicadores sociais: uma análise crítica das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. p.191-224. 3. Andrade FA, Pereira LV, Sousa FAF. Mensuração da dor no idoso: uma revisão. Rev Latinoam Enferm. 2006; 14(2):271-6. 4. 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Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012 AÇÕES EDUCATIVAS PARA PREVENÇÃO DE INFECÇÕES HOSPITALARES EM UMA UNIDADE NEONATAL EDUCATIONAL ACTIVITIES FOR THE PREVENTION OF HOSPITAL INFECTION IN A NEONATAL UNIT ACCIONES EDUCATIVAS PARA PREVENIR INFECCIONES HOSPITALARIAS EN UNIDAD NEONATAL Mayara Sousa Vianna1 Aline Martins Braga2 Luciana Camponez de Ávila Menezes2 Guilherme Augusto Armond3 Dirciana Cangussu3 Lenize Adriana de Jesus3 Wanessa Trindade Clemente4 Edna Maria Resende5 Roberta Maia de Castro Romanelli6 RESUMO As infecções hospitalares (IHs), importantes causas de morbimortalidade, são frequentes em recém-nascidos (RNs) internados em unidades neonatais. Para o controle de IH, é importante a orientação aos pacientes e a seus acompanhantes. O objetivo com este trabalho foi avaliar informações assimiladas por mães e acompanhantes de RNs internados na Unidade Neonatal que participaram de atividades de educação em saúde em prevenção de infecções no setor. Trata-se de estudo prospectivo, com aplicação de questionários às mães e acompanhantes de RNs na Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas da UFMG, realizado nos meses de agosto de 2008 a abril de 2009. O questionário foi aplicado em duas diferentes amostras: antes e após as orientações de prevenção de infecção. A amostra total foi de 268 usuários, sendo que 121 deles receberam a orientação previamente à aplicação do questionário e 147 receberam as informações após o preenchimento deste. Observou-se um percentual de acerto maior após as orientações em todas as questões e houve diferenças estatísticas significativas (p<0,05) entre os grupos em oito das dez questões realizadas. Concluiu-se que essa foi uma medida eficaz para a educação de acompanhantes dos RNs, que adquiriram noções básicas de infecção após as orientações, por isso podem contribuir para o controle e a prevenção de infecções na Unidade e em casa após a alta. Palavras-chave: Recém-Nascido; Vigilância; Controle de Infecções. ABSTRACT Hospital-acquired infections (HAI) are a major cause of morbidity and mortality and are common in neonatal units. To control hospital infection it is important to advise patients and their companions on the subject. This study aimed at evaluating the mothers and their companions’ assimilation of information conveyed during health education activities on the prevention of hospital-acquired infections. This was a prospective study that applied questionnaires to mothers and companions of newborns admitted to the Neonatal Unit of the Clinics Hospital of the Federal University of Minas Gerais (UFMG). The study was carried out from August 2008 to April 2009. The questionnaire was administered in two different samples: one before and another after the training on infection prevention. Total sample size was 268: 121 received the information prior to questionnaire application, and 147 received it after questionnaire filling in. Results indicated that there were a higher percentage of correct answers after the groups were given instructions in all questions. There were significant statistical differences (p<0.05) between groups in eight of the ten questions. In conclusion, this was an effective educational activity for the newborn companion. He/she acquired basic notions on infection following the training and therefore may contribute to infection control and prevention in the unit and at home after hospital discharge. Keywords: Newborn; Surveillance; Infection Control. RESUMEN Las infecciones hospitalarias (IH), comunes en recién nacidos (RN) internados en unidades neonatales, son la causa principal de morbilidad y mortalidad. Para controlar IH es importante instruir pacientes y cuidadores. El objetivo del presente estudio fue evaluar las informaciones asimiladas por madres y cuidadores de RN internados en una unidad 1 2 3 4 5 6 Enfermeira da Unidade de Pronto Atendimento Centro-Sul, Prefeitura de Belo Horizonte. Ex-estagiária da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Acadêmica do curso de graduação em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Ex - Estagiárias da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG Estatística da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Professora do Departamento de Propedeutica Complementar da Faculdade de Medicina da UFMG. Professora da Escola de Enfermagem da UFMG. Membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Endereço para correspondência – Avenida Alfredo Balena 110, 1º andar, ala oeste – CCIH. Bairro Santa Efigênia. Belo Horizonte-MG. CEP 30130 100. E-mail: [email protected] remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 69 Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal neonatal que participaron en actividades de educación para prevenir infecciones. Se trata de un estudio prospectivo con encuesta a madres y cuidadores de bebés en Neonatología del Hospital de Clínicas, entre agosto 2008 y abril 2009. Se realizaron dos muestras diferentes: antes y después de las directivas para la prevención de infecciones. La muestra total consistió en 268 usuarios: 121 recibieron orientaciones antes y 147 después de la encuesta. Los resultados indican que hay mayor porcentaje de respuestas correctas después de las directivas en todas las preguntas y hubo diferencias estadísticamente significativas (p <.05) entre los dos grupos en ocho de las diez preguntas. Se llega a la conclusión que se trata de una medida de educación eficaz para cuidadores de recién nacidos. Al adquirir nociones básicas de infecciones los cuidadores son capaces de contribuir al control y prevención de infecciones en la unidad y en el domicilio después del alta hospitalaria. Palabras clave: Recién Nacido; Vigilancia; Control de Infecciones. INTRODUÇÃO As infecções hospitalares (IHs) são importantes causas de morbimortalidade. O Ministério da Saúde (MS), pela Portaria no 2.616 de 1998, define IH como a infecção adquirida após a admissão do paciente na unidade hospitalar e que se manifesta durante a internação ou após a alta quando puder ser relacionada com internação ou procedimentos hospitalares. São também consideradas hospitalares as infecções que ocorrem até 72 horas da admissão do paciente quando se desconhece o período de incubação do microorganismo e não houver evidência clínica e/ou dado laboratorial de infecção no momento da internação. 1 As IHs variam entre 10 a 35% de recém-nascidos (RNs) internados em unidades neonatais e encontram-se entre as principais causas de morbidade e mortalidade neonatal, o que varia de acordo com o peso.2-5 A mortalidade alcança taxas de 26% a 41%, sendo que os principais agentes são o Streptococcus, beta-hemolítico, do grupo B; Listeria monocitogenes; Escherichia coli (em sepse precoce), Staphylococcus sp, Klebisiella sp, Pseudomonas sp, Enterobacter e Candida sp (em sepse tardia). (2, 4, 6). Em torno de 4% das mortes nos três primeiros dias de vida e 45% dos óbitos após duas semanas em RNs de muito baixo peso são atribuídas a infecção.6 Os principais fatores de risco são condições inadequadas de assistência, prematuridade, tempo de permanência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, uso de antimicrobianos, ventilação mecânica e cateter venoso central.3,6- 8 De acordo com o National Healthcare Safety Network, em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal nível III, as taxas de infecções da corrente sanguínea associada ao cateter central estão entre 1,9 e 3,9, variando de acordo com o peso do RN. Quando associadas ao cateter umbilical, as taxas são de 0,9 a 3,9 e com ventilação mecânica, variam de 0,7 a 2,2. 9 A prevenção dessas infecções deve ser baseada em estratégias que visam limitar a susceptibilidade a infecções, com o objetivo de aumentar as defesas do hospedeiro, interromper a transmissão de organismos pelos profissionais de saúde e promover o uso criterioso de antimicrobianos.5 De acordo com estudo realizado por The UK Neonatal Staffing Study Group,10 as IHs podem ser reduzidas com 70 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 um dedicado controle de infecções pela enfermagem e com maior quantidade de pias para a lavagem de mãos. A lavagem das mãos e a utilização correta de medidas de precaução e isolamento e conscientização da equipe de saúde sobre essas medidas, aliada à orientação dos acompanhantes do paciente, são essenciais como medidas de controle de IH nesses setores.8 A educação em saúde aparece, em estudo realizado em duas unidades básicas de atendimento à saúde da família,11 como a quarta atividade mais desenvolvida pelos enfermeiros no atendimento à mulher. Para os autores, isso revela uma atuação discreta, considerando que, para um bom atendimento e uma boa prevenção em saúde, é necessário um trabalho efetivo em relação à educação da população. Dessa forma, os enfermeiros devem proporcionar à mulher atividades educativas em grupo ou individualmente, com linguagem clara e compreensível, propiciando respostas às indagações da mulher ou da família e as informações necessárias. Segundo Gazzinelli et al. 12, as ações de educação em saúde são essenciais na intervenção para a redução e controle das taxas de mortalidade infantil, principalmente em neonatologia, em que as mães e acompanhantes estão diretamente envolvidos no cuidado com o recém-nascido. Segundo a autora, educação em saúde é “processo teórico prático que visa integrar os vários saberes: científico, popular e do senso comum, possibilitando aos sujeitos envolvidos uma visão crítica, uma maior participação responsável e autônoma”. Silva13 discute que toda a relação entre profissional de saúde e usuários é pedagógica, uma vez que os participantes do processo devem ser considerados portadores de conhecimentos. Segundo Melles e Zago,14 geralmente, os autores que desenvolvem questionários e entrevistas de avaliação não submetem seus trabalhos à análise estatística ou à qualitativa. Há apenas a preocupação em avaliar a aplicação imediata das aprendizagens desenvolvidas no final do programa, e não em longo prazo. Assim, considera-se que “os resultados apresentados pela maioria dos autores não são parâmetros objetivos com os quais se pode afirmar que os programas realizados tiveram sucesso e que conseguiram atingir os objetivos e pressupostos conceituais inicialmente apresentados”. O objetivo com este trabalho foi avaliar informações assimiladas por mães e acompanhantes de RNs internados na Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas da UFMG que participaram de atividades de educação em saúde em prevenção de infecções no setor. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de estudo descritivo longitudinal, com aplicação de questionários às mães e acompanhantes de RNs na Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, realizado nos meses de agosto de 2008 a abril de 2009. A identificação e a abordagem dos entrevistados foram realizadas diariamente pelo acadêmico de enfermagem do projeto a todas as mães e acompanhantes que se encontravam presentes na Unidade Neonatal. Os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa e, diante do aceite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles que não sabiam ler ouviram a leitura do conteúdo do termo feita pelos pesquisadores e o assinaram. A população incluiu todas as mães e acompanhantes de RNs internados na Unidade Neonatal do HC/ UFMG. Consideraram-se perdas quando os usuários se encaixavam nas seguintes situações: mães com confusão mental, recusa de conversar, abandono do recém-nascido, permanência no berçário apenas no final de semana ou noite, impossibilidades da mãe de visitar o bebê e óbitos. Para que a mãe participasse, ela deveria estar em condições de dialogar, ficar assentada, além de estar tranquila. As entrevistas foram realizadas, no mínimo, 24 horas após o parto normal e 48 horas após o parto cesariano. Momentos de amamentação, ordenha de leite, visitas de parentes ou refeições das mães não foram interrompidos. Os participantes foram orientados pelos pesquisadores quanto à infecção hospitalar, formas de prevenção, dúvidas e curiosidades a respeito de assuntos relacionados à saúde, além de avaliação do conhecimento dos usuários sobre esses assuntos. Como forma de avaliação do aprendizado, o instrumento de coleta de dados consistiu de questionários elaborados a respeito do assunto, aplicados antes ou após as orientações. Cada questionário possuía dez questões, incluindo assuntos abordados durante as entrevistas sobre o controle de infecção hospitalar e outros. As questões se referiram à patogenicidade dos microorganismos (questão 1); à diferença entre colonização e infecção (questão 2); às formas de transmissão de infecção (questão 3); à defesa imunológica do RN (questão 4); à pele como proteção à infecção dos RNs (questão 5); ao prejuízo do uso indiscriminado de antibióticos (questão 6); ao método mais eficiente na prevenção de infecções (questão 7a); ao uso de roupas em RNs admitidos na unidade (questão 7b); a como lavar as mãos (questão 7c); à transmissão de micro-organismos por RNs sadios (questão 7d); ao leite materno como fonte de alimento completo para o RN (questão 7e); aos fatores de proteção que diminuem a chance de adquirir infecção (questão 8); à ordem correta de higienização das mãos (questão 9); e à prevenção de infecção no hospital e em casa (questão 10). O questionário foi aplicado de forma aleatória a uma amostra, também aleatória, de 268 usuários, incluindo mães e acompanhantes, da seguinte maneira: durante a primeira quinzena do mês de estudo, o questionário foi aplicado após a orientação (grupo 1-121 usuários) e posteriormente, na segunda quinzena, o questionário foi aplicado anteriormente a essa orientação (grupo 2-147 usuários). Para finalizar, foi aberto um momento para perguntas, discussões e curiosidades sobre assuntos relacionados à saúde, o qual consistiu em aprendizado para o entrevistado e o entrevistador. Os pesquisadores elaboraram uma cartilha, que foi entregue a todos os participantes após a entrevista, baseada nas dúvidas mais frequentes dos entrevistados e adaptada de maneira a acrescentar informações importantes e pertinentes ao controle de infecções hospitalares. A cartilha permitiu a consulta contínua dos usuários e da comunidade, uma vez que abordava uma linguagem de fácil acesso, servindo, portanto, como educação continuada. A analise dos dados foi realizada mediante a contabilização do número de erros e acertos em cada questão do questionário, separando os dados do grupo 1 e do grupo 2. As informações coletadas foram digitadas em banco de dados criado no Epi-Info versão 3.4.1. Realizou-se a análise estatística descritiva com frequência e percentual e análise comparativa entre os grupos por meio de qui-quadrado de Pearson (X2). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (ETIC 312/08) RESULTADOS As orientações e a aplicação dos questionários foram feitas a 268 usuários, sendo 121 do grupo 1 e 147 do grupo 2. Observou-se que houve percentual de acerto maior após as orientações em todas as questões, como demonstrado no GRÁF. 1. Houve diferenças estatísticas significativas (p<0,05) entre os grupos 1 e 2 na quase totalidade das perguntas do questionário, exceto nas questões 1 e 4. A primeira questão relacionou-se a se há evolução para a doença em todo RN colonizado por micro-organismos. Em 58,2% dos casos, os entrevistados responderam como correta a opção que afirmava que todos os micro-organismos causam doenças nos RNs. A questão 4 referiu-se à comparação da resposta imunológica de um e de um RN adulto saudável e apenas 4,1% dos entrevistados responderam que não há diferença na resposta imunológica quando comparadas as duas populações. Os resultados encontram-se na Tab. 1. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 71 Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal TABELA 1 – Resposta corretas do questionário aplicado a responsáveis pelos RNs da Unidade Neonatal HC/ UFMG – 2008 a 2009 RESPOSTAS ESPERADAS NAS QUESTÕES RESPOSTAS CORRETAS VALOR Grupo 1 Grupo 2 p (N=121) (N=147) Nem todos os micro-organismos causam doenças nos RNs 53 59 0,545 A infecção causa sinais e sintomas, a colonização, não 105 96 < 0,001 Micro-organismos podem se transmitidos pelo ar ou por contato 105 88 < 0,001 A defesa de um adulto saudável é diferente de um RN prematuro 117 140 0,55 A pele é uma barreira para a entrada de micro-organismos no corpo 98 102 0,03 O antibiótico deixa de fazer efeito quando usado muitas vezes 112 119 0,006 Lavar as mãos é a melhor forma de prevenir infecção hospitalar 117 127 0,003 Os RNs internados devem usar roupas de dentro do hospital 114 114 < 0,001 Devemos lavar as mãos antes e após o contato com o bebê 77 64 0,001 Um bebê que não está doente pode passar micro-organismos 110 93 < 0,001 O leite materno é um alimento completo para crianças até 6 meses 120 139 0,037 A lavagem das mãos não aumenta a chance de adquirir infecção. 111 122 0,035 O álcool deve ser passado nas mãos após a lavagem das mãos. 103 101 0,002 A prevenção deve ser feita em casa e no hospital por todos. 92 91 0,013 micro-organismos e o reconhecimento da importância das formas de prevenção. Observou-se, de modo geral, um grande interesse e atenção de mães e acompanhantes durante as orientações e importante colaboração e paciência ao responderem ao questionário. GRÁFICO 1 – Percentual de respostas certas por questão dos questionários aplicados a usuários responsáveis pelos RNs da Unidade Neonatal HC/ UFMG – 2008-2009 DISCUSSÃO Gazzinelli12 afirma que as representações dos sujeitos devem ser levadas em conta numa educação em saúde. Assim, valorizando os pensamentos construídos ao lado da trajetória de vida dos sujeitos, esse projeto estimulou o desenvolvimento de um pensamento crítico nos usuários sobre infecção, além de favorecer autonomia para prática de hábitos que previnam a transmissão de 72 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 Destaque-se que, provavelmente, há boa orientação às mães quanto à amamentação na Unidade, considerandose que 96,86% dos usuários responderam corretamente quanto à importância do leite materno para crianças até seis meses, sem considerar os diferentes grupos. Em uma pesquisa realizada por Percegoni et al.15 em dois hospitais de Viçosa-MG, observou-se, também, que a maioria (99,2%) das mães manifestou a necessidade de a criança ser amamentada, indicando o reconhecimento do valor do leite materno para o bebê. Embora tenha ocorrido diferença de acerto após a informação sobre a importância da lavagem das mãos antes e após o contato com o RN, o percentual de acerto pelos usuários do grupo 1 e do grupo 2 foi de apenas 63,6% e 43,53%. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) considera a higienização das mãos a medida mais importante e reconhecida no controle e prevenção das infecções nos serviços de saúde.16 Pode-se observar grande influência da educação em saúde para os usuários. As orientações contribuíram para melhor informação de muitos deles quanto às formas de transmissão de micro-organismos, o que foi evidenciado pela grande diferença de percentual de acerto de algumas questões antes e após as orientações. Após as orientações, a maioria dos usuários assimilou as informações de que um RN que não está doente pode passar micro-organismos para os outros bebês, que essa transmissão pode se dar pelo ar ou por contato e que infecção é diferente de colonização. O percentual de acerto nessas questões aumentou após as orientações em 27,64%, 26,91% e 21,47%, respectivamente. Segundo Traesel,17 a educação em saúde pode ser uma ferramenta de atuação em saúde por possibilitar a troca entre conhecimento técnico e popular, permitindo o desenvolvimento de ações de prevenção e controle de doenças que possam vir a se instalar. Quanto à questão da evolução para a doença em todo RN colonizado por micro-organismos, acredita-se que a população tem dificuldade de assimilar que nem todos os micro-organismos são transmissores de doenças, fato afirmado por um estudo realizado por Verjovsky et al.18 em três escolas de ensino fundamental do Estado do Rio de Janeiro. É relevante a comparação com este estudo, pois foram incluídas escolas particulares e públicas, abrangendo a população de diferentes esferas socioeconômicas, semelhante ao público atendido no hospital público universitário que foi desenvolvido neste trabalho. Na questão que se referia à diferença de imunidade entre RNs e adultos saudáveis, não houve diferença estatística antes e após orientação (p=0,55). No entanto, nas falas, observou-se que os entrevistados já consideravam os RNs indivíduos mais frágeis e que demandavam maior proteção e atenção mesmo antes das orientações, considerando que conceitos técnicos são de difícil compreensão e assimilação pelos usuários. O RN, especialmente prematuro, apresenta menor resposta imunológica, por causa da pele imatura, menor produção de anticorpos e maior invasão em razão dos procedimentos invasivos.4 Sabe-se que o feto adquire a capacidade de produzir imunoglobulinas na gestação, mas produz somente pequena quantidade de anticorpos após o nascimento. A concentração de IgG semelhante à encontrada em adultos ocorre por volta dos 4 a 6 anos de idade e a de IgM, por volta de um ou 2 anos de idade. Os anticorpos circulares ao nascimento são, na sua maioria, IgG, que foram transportados da circulação materna pela placenta.19 Fonseca et al.20 realizou um estudo para analisar a percepção de mães de prematuros internados em uma unidade neonatal sobre a vivência em um programa de educação em saúde. As mães destacaram o programa como espaço novo para o aprendizado, favorecendo a elucidação das dúvidas de forma descontraída e com liberdade, contribuindo para o desenvolvimento da segurança para o cuidado do filho, tanto no hospital como no domicílio. Destacaram, também, o aprendizado da família, enfatizando a relevância de ter um material escrito, por meio de uma cartilha, para ajudar no relacionamento e na transmissão de informações para familiares e visitantes, como realizado neste estudo. Em outro trabalho com o objetivo de descrever a repercussão de uma cartilha educativa com orientações sobre cuidados diários e especiais a bebês pré-termo, percebeu-se que esse instrumento contribuiu para a ampliação do conhecimento da família sobre os cuidados com esse bebê. As mães relataram dificuldades no cuidado após a alta, pois as orientações recebidas no hospital não eram dirigidas às necessidades particulares do seu bebê e à necessidade do material impresso para levarem do hospital para casa.21 A distribuição da cartilha elaborada para prevenções de infecções na Unidade Neonatal do HC/UFMG visa cobrir essa lacuna, para que usuários tenham acesso e utilizem as informações no domicilio. Neste estudo, foram utilizados o diálogo e o manual de informações. Esses instrumentos são considerados por Patterson22 como possíveis recursos a serem utilizados em educação em saúde. Uma grande falha observada por esse autor em trabalhos analisados é a ausência de avaliação desses recursos. O autor considera, também, que a informação escrita pode ajudar os pacientes reforçando a informação oral já dada, como lembrança para referência futura, além de prevenção de má compreensão sobre o assunto, embasando a importância da distribuição de cartilhas após as orientações. Ressaltese que, neste estudo, houve validação do questionário, por meio do qual foram avaliadas as informações dadas aos usuários por meio de pré e pós-teste. CONCLUSÃO Observando-se o aumento estatisticamente significativo de acertos após as orientações em quase todas as questões, considera-se que as orientações sobre infecção podem construir um método eficaz para minimizar o risco de infecção para os pacientes do setor, o que poderá ser monitorado pela atuação contínua com os usuários e também mediante taxas de infecção. Concluiu-se que a orientação de pais e responsáveis por RNs da Unidade Neonatal do HC/UFMG foi uma medida eficaz para a educação de responsáveis pelos RNs que adquiriram noções básicas de infecção após as orientações. Assim, considera-se que usuários podem contribuir para o controle e a prevenção de infecções na Unidade e em casa após a alta. AGRADECIMENTOS À equipe da Unidade Neonatal, que realiza um trabalho de excelência na assistência ao recém-nascido e seus responsáveis, e por estar disponível para contribuir com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. À Pró-Reitoria de Extensão, pelo apoio na realização do projeto e pela concessão da bolsa de extensão. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 73 Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 2.616 de 12/05/1998. Brasília: Ministério da Saúde; 1998. 2. Sohn AH, Garrett DO, Sinkowitz-Cochran RL, et al. 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Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012 O OLHAR DO IDOSO SOBRE O ATENDIMENTO EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DE CORONEL FABRICIANO-MG CARE AT BASIC HEALTH UNITS IN CORONEL FABRICIANO FROM THE PERSPECTIVE OF ELDERLY PEOPLE MIRADA DE LOS ANCIANOS SOBRE LA ATENCIÓN EN LAS UNIDADES BASICAS DE SALUD DE CORONEL FABRICIANO-MG Helisamara Mota Guedes1 Elis Any de Pinho Batista2 Janaína Alves Rosa2 Martha Elisa Ferreira de Almeida3 RESUMO Diante do grande número de idosos existentes no Brasil, as políticas públicas de saúde têm estabelecido metas para a promoção de modos de viver mais saudáveis e seguros, mas o atendimento realizado a esse público em Unidades Básicas de Saúde ainda necessita de mudanças e adaptações às diversas realidades locais. O objetivo com este estudo foi analisar o atendimento realizado em Unidades Básicas de Saúde sob a ótica de idosas de um grupo de terceira idade. A pesquisa transversal com abordagem qualitativa foi realizada no mês de julho de 2008, em Coronel Fabriciano-MG. Por meio dos relatos, observou-se que havia satisfação quanto ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde realizada mediante palestras educativas sobre as patologias preexistentes e alimentação saudável. As perspectivas de melhoria dos serviços foram quanto ao aumento do número de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos); maior respeito à Lei nº 10.741/2003 quanto ao atendimento preferencial e imediato; maior disponibilidade e qualidade das medicações distribuídas e mais orientações e acompanhamento de pacientes diabéticos. Com base no Pacto pela Saúde e a visão do atendimento realizado nas Unidades Básicas de Saúde pelas idosas avaliadas, as políticas públicas nas três esferas (municipais, estaduais e federais) devem rever as ações desempenhadas pelas equipes de saúde nas Unidades Básicas de Saúde, bem como definir metas de saúde com a população usuária do serviço para que as necessidades de saúde identificadas sejam incorporadas à prática clínica. Palavras-chave: Idoso; Satisfação; Atendimento em Unidades Básicas de Saúde. ABSTRACT Given the large number of elderly people in Brazil, Public Health Policy has established goals to promote a healthier and safer lifestyle. However, senior care at Basic Health Units also requires changes and adaptations to the various local realities. This study aimed at analyzing the service provided at Basic Health Units from the perspective of a group of elderly women. The qualitative cross-sectional study was carried out in July 2008 in Coronel Fabriciano - MG. The reports indicated that users were satisfied with services provided at Basic Health Unit, namely the educational lectures on preexisting diseases and healthy eating. Services are expected to improve through an increase in the number of health professionals (doctors, nurses, nutritionists, and psychologists), compliance with Law No. 10741/2003 on preferential and immediate care, increased availability and quality of medication, and more guidance and monitoring of diabetic patients. Based on the Health Pact and the elderly women’s point of view on the care at Basic Health Units, municipal, state and federal public policies should reassess health teams’ actions as well as define health goals in conjunction with the service’s users so health needs are identified and incorporated into clinical practice. Keywords: Elderly; Satisfaction; Care at Basic Health Units. RESUMEN Ante el gran número de personas mayores en Brasil, las políticas públicas de salud han establecido objetivos para promover formas de vivir más saludables y seguras. La atención de ancianos en unidades básicas de salud debe, sin embargo, cambiar y adaptarse a la realidad local. El objetivo del presente estudio fue analizar los servicios de las unidades básicas de salud desde la perspectiva de un grupo de señoras mayores. Se trata de un estudio cuantitativo transversal que se llevó a cabo en julio de 2008 en Coronel Fabriciano, MG. Los informes señalan que las usuarias estaban satisfechas con la atención y, sobre todo, con las charlas educativas sobre patologías preexistentes y alimentación sana. Se preveían mejoras en los servicios con el aumento de profesionales de salud (médicos, enfermeras, nutricionistas y psicólogos), más respeto a la Ley 10741/2003 que trata de la atención preferencial e inmediata, más disponibilidad y calidad de los medicamentos distribuidos y mejor orientación y control de pacientes diabéticos. En base al Pacto para la Salud y a la opinión respecto de la atención de las personas mayores, las políticas públicas municipales, estatales y federales deben rever las acciones de los equipos de salud y definir metas conjuntamente con los usuarios del servicio para detectar las necesidades de salud e incorporarlas a la práctica diaria. Palabras clave: Ancianos; Satisfacción; Atención en las Unidades Básicas de Salud. 1 2 3 Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Goiânia. Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. E-mail: [email protected]. Enfermeira pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – Unileste-MG. Pós-graduanda em Saúde Pública pelo Centro Universitário de Volta Redonda. Nutricionista. Professora da Universidade Federal de Viçosa, Campus de Rio Paranaíba (UFV). E-mail: [email protected] Endereço para correspondência – Avenida Jorge Dias Duarte, 214, Bairro Ana Rita, Timóteo-MG, CEP: 35182-352. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012 75 O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg INTRODUÇÃO No Brasil o número de idosos passou de 3 milhões em 1960 para 7 milhões em 1975, para 14 milhões em 2002 (um aumento de 500% em 40 anos) e estima-se que alcançará 32 milhões em 20201. Diante do grande número de indivíduos nesse estágio de vida, uma grande preocupação tem sido voltada para esse público, na tentativa de evitar os efeitos negativos ofertados pelo avanço da idade, bem como reverter sua capacidade funcional e ampliar a qualidade de vida.2 A Organização Mundial de Saúde (OMS), no final da década de 1990, começou a utilizar o conceito de “envelhecimento ativo”, que busca incluir, além dos cuidados em geral com a saúde, outros fatores que afetam o envelhecimento saudável, melhorando as oportunidades de saúde, participação e segurança para aprimorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem.3 A preocupação com a qualidade de vida iniciou-se no século XVIII, mediante o apoio das Políticas Públicas e de movimentos sociais em prol da saúde4. Com o passar dos anos, a relação entre condições, qualidade de vida e saúde vem se atualizando e tem no conceito de promoção da saúde sua estratégia central, que vem inserindo os parâmetros, estilo de vida, avanços da biologia humana, ambiente físico e social e qualidade dos serviços de saúde como fatores determinantes da saúde em uma sociedade.4 Segundo os princípios do SUS e as necessidades da população, foi criado o Pacto pela Saúde, que tem como uma das esferas o Pacto pela Vida, que estabeleceu medidas sanitárias derivadas da análise da situação de saúde da população e das prioridades definidas pelos três gestores. Dessas prioridades, destacou-se o grupo de idosos, na tentativa de melhorar-lhes a saúde e a qualidade de vida, a fim de definir recursos para que as propostas sejam bemsucedidas5. Dessa forma, as Políticas Públicas de Saúde têm estabelecido metas para a promoção de modos de viver mais saudáveis e seguros em todas as etapas da vida, favorecendo a prática de atividades físicas no cotidiano e no lazer, prevenindo a violência e facilitando o acesso a alimentos saudáveis e a redução do tabagismo.3 A prática de avaliação dos serviços de saúde por meio de perguntas aos usuários iniciou-se na Europa e nos Estados Unidos, na década de 1960, e no Brasil ganhou espaço a partir da segunda metade da década de 1990. A incorporação de usuários na avaliação tem sido valorizada não apenas por constituir-se um indicador sensível de qualidade dos serviços prestados, mas por estar potencialmente relacionada à maior adequação no uso dos serviços.6 Em 2000, a OMS introduziu nas pesquisas de avaliação em saúde o conceito de “responsividade” dos sistemas de saúde, em contraposição ao conceito de “satisfação”, utilizado desde a década de 1960. Enquanto as pesquisas de “satisfação” focalizavam as distintas dimensões que envolvem o cuidado à saúde, desde a relação médico-paciente até a qualidade das instalações e dos profissionais de saúde, a responsividade surgiu referindo-se aos aspectos não médicos do cuidado.7 76 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012 Segundo Polizer e D’Innocenzo,8 a preocupação com a avaliação dos serviços de saúde vem se manifestando, dentre outros fatores, em consequência do aumento da população brasileira na faixa etária dos 65 anos ou mais. Com o aumento dos custos com a atenção à saúde e, principalmente, com aumento de doenças crônicodegenerativas que acompanham o crescimento da população, porém, torna-se importante que a avaliação em saúde esteja baseada nas necessidades da população, permitindo a melhora da qualidade de vida. Por meio do conhecimento das necessidades de saúde do idoso, o profissional de saúde estará apto a direcionar suas atividades, atuando de forma ativa e integral na saúde do idoso para desenvolver ações de caráter coletivo e/ou individual. Assim, com este estudo tevese como objetivo analisar o atendimento realizado nas Unidades Básicas de Saúde sob a ótica de idosas de um grupo de terceira idade. METODOLOGIA A pesquisa transversal com abordagem qualitativa e descritiva foi autorizada pelo responsável do grupo de Terceira Idade “Renascer”, fundado pela Paróquia São Sebastião em Coronel Fabriciano-MG, e teve seu início no mês de julho de 2008, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILESTE-MG), Parecer n° 15.71.08. Segundo Espiridião e Trad,6 a falta de uma definição consistente da satisfação e de uma teoria que oriente sua mensuração é refletida na diversidade de abordagens metodológicas. Esse grupo possuía 50 idosos cadastrados, de vários bairros da cidade, de ambos os sexos, que realizavam ginástica uma hora/dia, durante dois dias da semana, no período da manhã. A amostra do estudo foi constituída de idosas, uma vez que os homens não aceitaram participar do estudo. Foram adotados como critérios de inclusão na pesquisa: estar participando das atividades do grupo há mais de seis meses, concordar em participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com base na Resolução nº 196/96,9 e responder à entrevista por meio de um roteiro semiestruturado e ao questionário socioeconômico. A pesquisa foi realizada de forma a não comprometer o andamento das atividades do grupo, após o encerramento da sessão de ginástica. O critério para encerrar a pesquisa foi a saturação dos dados, que aconteceu com 14 idosas. As entrevistas foram transcritas na íntegra, preservando toda a linguagem incluindo o tom coloquial. Utilizou-se a análise de conteúdo para extrair os dados necessários da pesquisa.4 Esse processo foi feito imediatamente após cada entrevista, ou no máximo após cada duas entrevistas para não perder a riqueza de informações e detalhes. Após a transcrição das fitas e digitação dos discursos, as falas foram lidas e relidas, sublinhadas e enumeradas para extrair as unidades de significado. Para tabulação dos dados socioeconômicos, foi utilizado o software Microsoft Excel (2003), sendo esses expressos na forma de frequência absoluta e percentagem e apresentados sobre a forma de tabelas e gráfico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve predomínio de idosas nas faixas etárias de 60 a 64 e de 65 a 69 anos (TAB. 1). A maioria das idosas estudadas era casada ou possuía união consensual (57,2%), bem como escolaridade de 1 a 4 anos (64,3%) e tinham renda mensal de até um salário mínimo (50,0%). Segundo Pires e Silva,10 o reduzido grau de instrução de grande parte dos idosos brasileiros está relacionado à falta de oportunidade de frequentar escola entre as décadas de 1930 e 1940, além das atribuições do trabalho doméstico daquela época, sendo que atualmente o nível de escolaridade vem aumentando em decorrência dos programas de alfabetização para adultos e idosos. Segundo Davin et al.,11 a baixa renda apresentada pela maioria dos idosos está relacionada à baixa escolaridade. Entre as idosas avaliadas, a renda relatada era exclusivamente de aposentadorias, o que dificulta o atendimento adequado das necessidades desses indivíduos quanto ao lazer, alimentação e saúde, principalmente entre aquelas que recebiam apenas um salário mínimo. A maioria das entrevistadas frequentava uma Unidade Básica de Saúde de 15 em 15 dias (GRÁF. 1). A Política Nacional de Saúde do Idoso enfatiza um envelhecimento saudável, priorizando ações educativas que possam preservar a melhoria na qualidade de vida. A Unidade Básica de Saúde é de grande importância nesse contexto, pois ela acolhe os usuários na tentativa de resolver os problemas e as necessidades apresentadas. 12 O envelhecimento, bem como o período da menopausa, faz com que a idosa a procure os serviços médicos, facilitando, assim, um contato direto com os profissionais para que, juntos, possam intervir de forma efetiva nas mudanças do estilo de vida.13 Entretanto observou-se que 35,7% das entrevistadas relataram baixa procura (semestral) pelas Unidades Básicas de Saúde. TABELA 1 – Características socioeconômicas das idosas – Coronel Fabriciano-MG, 2008 Características N° % 60 – 64 5 35,7 65 – 69 5 35,7 70 – 74 2 14,3 75 – 79 2 14,3 ≥80 - - Idade (anos) Estado civil Solteira 1 7,1 Casada/União consensual 8 57,2 Viúva 4 28,6 Separada/Divorciada 1 7,1 1–4 9 64,3 5–7 2 14,3 8 – 10 2 14,3 ≥11 1 7,1 415,00 7 50,0 416,00 – 830,00 4 28,6 831,00 – 1245,00 1 7,1 1246,00 – 1660,00 2 14,3 Escolaridade (anos) Renda mensal (SM) SM = Salário mínimo (415,00 reais) Fonte: Dados da pesquisa GRÁFICO 1 – Frequência de utilização das unidades básicas de saúde pelas idosas – Coronel FabricianoMG, 2008 Fonte: Dados da pesquisa Segundo os relatos, quanto à presença de patologias, a hipertensão arterial e o diabetes mellitus foram as mais citadas (TAB. 2). Foi relatado como patologia “falta de ar” e “ostopelia”. A hipertensão arterial é muito comum entre idosos, pois, com o avanço da idade, os vasos diminuem a elasticidade e comprometem o funcionamento do sistema cardiovascular.14 TABELA 2 – Patologias presentes segundo relato das idosas – Coronel Fabriciano-MG, 2008 Patologia N° Hipertensão arterial Diabetes mellitus Hipercolesterolemia Osteoporose Glaucoma Artrite reumatoide Artrose Ostopelia Falta de ar Bronquite Não possui nenhum problema de saúde 9 4 2 2 1 1 1 1 1 1 1 Fonte: Dados da pesquisa remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012 77 O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg Categorização dos relatos dos idosos avaliados Ações desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde A realização de palestras educativas sobre as patologias que acometem a população idosa deve ser uma rotina entre as ações desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde, e foi relatada por três idosas avaliadas. Segundo Vasconcelos,15 as palestras devem ter caráter preventivo, com o intuito de promover e manter uma educação em saúde. Reuniões com pessoas que têm pressão alta, diabetes, colesterol, controle do peso, pedido de exame e remédios. (E1) Reunião com os hipertensos e diabéticos, porque é importante aprender e tratar direitinho a doença que a gente tem. (E4) As enfermeiras dão palestras sobre diabetes, colesterol e pressão alta. (E8) Segundo Albuquerque e Stotz,16 a educação popular é um processo contínuo no qual está referenciada a promoção da saúde. A participação da população idosa em grupos como o Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos do Sistema Único de Saúde (HIPERDIA) é importante, pois constantemente são vivenciadas ações de promoção da saúde que estimulam práticas de atividades físicas, alimentação e hábitos saudáveis. Essas práticas interferem de forma positiva nas condições de saúde do usuário. Dentre as entrevistadas, uma preocupou-se apenas com a realização do exame preventivo: Eu vejo lá pessoas participando de reunião e eles parecem gostar muito. Eu não participo porque eu não tenho pressão alta. Quando eu participo, é das reuniões para marcar o preventivo. (E11) A abordagem nas palestras quanto à alimentação saudável e à forma de controle patológico via dieta foi relatada por três entrevistadas. Toda sexta-feira tem palestra com o enfermeiro, onde lá explica sobre o colesterol, explica também qual a forma de se alimentar bem para não aumentar o colesterol. Acho que devo frequentar mais, pois frequento muito pouco. (E2) Lá no posto tem reunião sobre como alimentar bem. Quando temos dúvidas sobre qualquer coisa o pessoal da reunião explica pra gente, porque é muito importante a gente saber das coisas. (E10) São as palestras que eles dão pra gente a cada mês que a gente vai lá buscar os medicamentos e instrui a gente sobre muitas coisas sobre alimentação sobre o que fazer para cuidar da nossa saúde. Então ajuda muito a gente na alimentação e também no estado de saúde da gente favorece muito. (E12) A educação nutricional é um dos recursos mais utilizados na promoção, manutenção e recuperação da saúde17 e 78 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012 deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar,18 sendo que uma dieta adequada e com qualidade são importantes na manutenção do estado de saúde.19 Segundo relatos de três idosas, o profissional nutricionista estava presente nas Unidades Básicas de Saúde e realizava atendimentos nutricionais individuais e/ou grupais, segundo a demanda de usuários e a necessidade de cada indivíduo: O atendimento da nutricionista é porque tem muito idoso, então assim favorece muito no controle da alimentação dos idosos. (E5) Também tem atendimento com a nutricionista, que ajuda muito na alimentação porque é importante se alimentar bem, seguir direitinho o que ela fala. (E7) Nas reuniões do HIPERDIA e nas consultas com a nutricionista mandam comer pouco sal e pouca gordura e, além disso fazem controle do peso, olham a pressão toda vez que a gente vai lá. (E13) As instituições de saúde têm trabalhado focando a prevenção e, também, a implementação de políticas públicas voltadas para o idoso, atendendo aos critérios mínimos para que todas as necessidades de saúde possam ser abrangidas. Portanto, os profissionais de saúde devem proceder de formar resolutiva integral e humanizada para que possam manter o idoso na sociedade de forma participativa.20 Segundo Esperidião e Trad,21 a satisfação dos usuários é um importante parâmetro utilizado para avaliar o cumprimento das metas estabelecidas pelos serviços de saúde. Quatro idosas relataram grande satisfação quanto ao atendimento pelos profissionais de saúde das Unidades Básicas de Saúde: Assistência que dá ao idoso de não ficar mais na fila, trata com carinho os idosos e dá atenção a família. Lá também tem reuniões em que dão orientações sobre diabetes e nutrição. (E3) Eu acho que a saúde tá muito boa e que melhorou muito porque antes as pessoas tinham que dormir na fila e hoje não tem mais isso; além disso, encontra-se mais qualidade de remédio na farmácia. (E6) Lá tem muito médico bom. Eles têm muitos aparelhos para a pessoa fazer os exames, aparelho de fazer exame de sangue, de olhar a pressão, mas lá tá tudo bom, precisa mudar mais nada não. (E9) Médicos muito bons atendem a gente direitinho, as pessoas que trabalham lá são boas também. (E11) Segundo Espiridião e Trad,6 a mudança de comportamento com a adesão à orientação recebida nas Unidades Básicas de Saúde pode ser identificada como resultante do engajamento do usuário como responsável pela avaliação do sistema. Nos estudos sobre satisfação de usuários, independentemente do tipo de abordagem (quantitativas e qualitativa), há levada taxa de satisfação, mesmo quando as expectativas sobre os serviços são negativas. Como sugestão para avaliar as dimensões da satisfação são aspectos dos serviços, existem itens como acesso, qualidade, estrutura física e organizacional e aspectos entre a relação médico-paciente. Perspectivas das idosas em relação a Unidades Básicas de Saúde Observou-se que as idosas apresentavam dificuldades de relatar sobre suas necessidades de saúde de forma geral, visto que a maioria estava à procura de consultas médicas focadas na prática de assistência curativa, individual e assistencialista. Ao serem abordadas quanto a esse assunto, 50% emitiram opinião e ressaltaram a necessidade de maior número de profissionais, principalmente de médicos: Ter mais médico, mais especialista e geriatra para cuidar do idoso. (E4) Ter mais médicos e mais especialidades, como cardiologista, porque tem muita gente com problema de coração. (E6) Arrumar mais médico, mais consultas, porque a gente não acha ficha. Ter mais recurso lá dentro do posto como, por exemplo, exames, e também ter ortopedista. (E7) Precisa de mais profissionais, porque aqui só tem um médico. Então eu acho que deve ter mais médicos. (E11) Aumentar o atendimento com os profissionais médicos, enfermeiros, nutricionista. (E13) Acompanhamento com o psicólogo porque se tivesse mais assistência iria ajudar muito o idoso no acompanhamento de sua velhice. (E3) Ter mais psicólogo para atender mais os idosos. (E4) O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma organização política estabelecida pela Constituição de 1988 que visa a um modelo de saúde não mais curativo, e sim preventivo, que estabelece níveis de complexidade de acordo com a necessidade das pessoas.22 Os idosos avaliados conviveram a maior parte da vida com um sistema de saúde curativista, tendo como principal foco a cura da doença. A inversão do modelo de saúde com ênfase nas ações curativistas para um modelo que enfoca a promoção da saúde é algo recente e que sugere as justificativas das falas acima. Observou-se que as idosas, em sua maioria, ainda possuíam uma visão de saúde focada no modelo curativista, pois consideravam importante o número de vagas para consultas médicas, exames e o tratamento oferecido pela equipe de saúde. Algumas idosas, porém, relataram que participavam das reuniões realizadas com os grupos do HIPERDIA, as quais geravam oportunidades de participação em várias ações realizadas nas Unidades Básicas de Saúde. A Lei nº 10.741/2003 assegura ao idoso todos os seus direitos como cidadão: ele deve ser tratado com respeito e dignidade, sempre preservando sua imagem, seus valores e crenças. Segundo esse estatuto, a população idosa tem direito ao atendimento preferencial e imediato, tanto em órgãos públicos quanto privados, que prestam serviços à comunidade, destacando-se o direito de acesso a instrumentos diagnósticos adequados, a medicação e à reabilitação funcional.23 Segundo a fala de duas entrevistadas, é comum a falta de atendimento preferencial e imediato aos idosos: Melhorar o atendimento para o idoso não ficar esperando na fila, porque tem vez que a gente fica lá mais de uma hora na fila, e hoje tem uma lei que proíbe o idoso de ficar na fila. (E1) Ter mais atenção com o idoso, porque às vezes tem muita gente que pensa o fulano é idoso mesmo e tá nem prestando atenção do que é bom do que é ruim. Tratar o idoso com mais carinho porque idoso é igual criança, porque se a pessoa tá passando mal às vezes eles pedem para esperar um mucadinho, mas se tá passando mal não pode esperar não, se a gente procura é porque tá precisando. (E2) O cuidado com o idoso requer do profissional maior atenção, principalmente quanto ao uso do medicamentos, porque é nessa fase da vida que as reações adversas dos medicamentos são mais comuns.24 Observou-se uma preocupação de quatro das entrevistadas quanto à disponibilidade e à qualidade das medicações disponibilizadas nas Unidades Básicas de Saúde: Ter mais remédio. (E5) Mais orientação como tomar os remédios. (E12) Receber informações sobre os remédios. (E13) Ter também mais qualidades de medicamento. (E14) Os profissionais de saúde têm papel importante na educação do paciente diabético, tendo como foco priorizar o atendimento com qualidade para prevenir complicações. Assim, torna-se necessário o acesso as informações sobre a doença para que ocorra mudanças significativas do seu estilo de vida.25 O processo educativo para o idoso requer uma literatura mais adequada que inclua todo o contexto do envelhecimento e a manutenção da saúde. 26 Apenas duas idosas demonstraram preocupação com o tratamento do diabetes mellitus visando à melhoria da qualidade de vida, sendo a presença dessa patologia relatada por quatro idosas (TAB. 2). Dar mais orientação para o diabético para ele aprender a cuidar dele mesmo. (E3) Mais acompanhamento com o diabético, porque sou diabética é só fiz o exame uma vez só, depois não pediu mais. (E8) Segundo Santos,26 a qualificação dos serviços de saúde para atender à população idosa precisa ser valorizada, tornando-se necessário atuar com as redes de suporte social do idoso, para fortalecer a formação de vínculos remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012 79 O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg de forma a aperfeiçoar as atividades de grupo para a promoção da saúde de hipertensos, diabéticos e obesos. CONCLUSÃO Por meio dos relatos, foram identificados pontos positivos quanto ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, uma vez que eram realizadas palestras educativas sobre as patologias preexistentes e a alimentação saudável. As perspectivas de melhoria dos serviços foram quanto ao aumento do número de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos); maior respeito à Lei nº 10.741/2003 quanto ao atendimento preferencial e imediato; maior disponibilidade e qualidade das medicações distribuídas e mais orientações e acompanhamento dos pacientes diabéticos. Com base no Pacto pela Saúde e a visão do atendimento realizado nas Unidades Básicas de Saúde pelas idosas avaliadas, as políticas públicas nas três esferas (municipal, estadual e federal) devem rever as ações desempenhadas pelas equipes de saúde nas Unidades Básicas de Saúde, bem como definir metas de saúde com a população usuária do serviço, para que as necessidades identificadas sejam incorporadas à prática clínica. REFERÊNCIAS 1. Benedetti TRB, Gonçalves LHT, Mota JAPS. Uma proposta de política pública de atividade física para idosos. Texto Contexto Enferm. 2007; 16(3):387-98. 2. Matsudo SM, Matsudo VKR, Barros Neto TL. Impacto do envelhecimento nas variáveis antropométricas, neuromotoras e metabólicas da aptidão física. Rev Bras Ciên Mov. 2000; 8(4):21-32. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. 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Este estudo possibilitou o conhecimento da realidade social da amostra estudada, levantando índices elevados com relação ao baixo nível socioeconômico e suas consequências para a manifestação de doenças, alto índice de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), alcoolismo, dentre outras. Tais achados apontam para a necessidade de adoção de propostas voltadas para a melhoria das condições de saúde dessa comunidade. A Equipe Multiprofissional em Saúde Indígena (EMSI), em especial a enfermagem, deve promover a integração entre o sistema local de saúde e a sabedoria indígena, de modo que, mediante abordagens culturais, possibilite compreender o universo cultural dos índios potiguaras, suas práticas relacionadas à saúde e a doenças, tornando, assim, as intervenções de controle mais eficazes, principalmente em relação às doenças infecciosas e parasitárias. Palavras-chave: Enfermagem; População Indígena; Processo Saúde/Doença; Condições de Vida. ABSTRACT This research aimed at studying the life and health conditions as well as the occurrence of diseases among the potiguara people in the state of Paraíba. It is an exploratory, quantitative study. The sample unit consisted of the nuclear family according to the Health Information System for Indigenous Peoples survey (in Portuguese, SIASI). The 55 potiguara Indians interviewed belonged to the São Francisco indigenous settlement in the municipality of Baía da Traição, Paraíba. Semi-structured interviews with questions related to the issue and the socioeconomic characterization were applied. This study provided information on the study sample social reality, the low socioeconomic status of the population and its relationship with the appearance of diseases, the high levels of STD, and alcoholism, among others. Such results indicate the need for the improvement of the community’s health conditions. In this context a Multidisciplinary Team dedicated to indigenous health care, and particularly the nursing team, should promote integration between the local health system and indigenous knowledge. A cultural approach to the situation might contribute to understand the potiguara Indians culture, their health care and disease control practices, and to intervene more efficiently in the control of infectious and parasitic diseases. Keywords: Nursing; Indigenous Population; Health Aad Disease Process; Social Conditions. RESUMEN Este estudio tuvo como objetivo evaluar las condiciones de vida, salud y enfermedades de los indios potiguara del Estado de Paraíba. Se trata de una investigación exploratoria con enfoque cuantitativo. La muestra consistió en el núcleo familiar de acuerdo con el registro de las familias en el Sistema de Información de Atención de la Salud Indígena (SIASI). Se realizaron 55 entrevistas con indios de la aldea São Francisco en Baia da Traição – Paraíba. El instrumento utilizado fue la entrevista semiestructurada, con cuestiones relativas al tema y a la clasificación socioeconómica. Este estudio permitió conocer la realidad social de la muestra que señala altos índices de bajo nivel socioeconómico, sus consecuencias para la manifestación de enfermedades, el alto índice de ETS y de alcoholismo, entre otros. Los resultados apuntan la necesidad de adotar propuestas para mejorar las condiciones de salud de esta población, en la que el Equipo Multiprofesional de Salud Indígena, en especial la enfermería, promueva la integración entre el sistema local de salud y la sabiduría indígena. El enfoque cultural de la situación podría contribuir a entender la cultura, la salud y las prácticas de control de enfermedades de los indios potiguara y , a partir de ello, controlar y tratar con más eficiencia las enfermedades infecciosas y parasitarias. Palabras clave: Enfermería; Población indígena; Proceso Salud-Enfermedad; Condiciones Sociales. 1 2 3 4 Enfermeira da Fundação Nacional de Saúde. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba. [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Professora Associado II da Universidade Federal da Paraíba/Centro de Ciências da Saúde/CCS/UFPB. [email protected]. Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do Curso de Psicologia da UFPB. [email protected]. Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. [email protected]. Endereço para correspondência: Rua Caetano Figueiredo, 2131, Cristo João Pessoa/PB, Brasil, CEP: 58.071-220. E-mail: [email protected]. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 81 Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara INTRODUÇÃO A partir da década de 1990, a população indígena vem fazendo reivindicações constantes e sistemáticas ao governo e à sociedade nacional, dado o agravamento progressivo de suas condições de saúde, as quais são caracterizadas por altos índices de morbimortalidade e pela oferta inadequada e ineficaz dos serviços de saúde. Essas reivindicações têm como pano de fundo uma situação socioeconômica precária, a indefinição territorial e as relações interétnicas conflitantes que comprometem diretamente a integridade física e etnocultural dos povos indígenas.1 São vários os fatores determinantes para as condições de vida e saúde dos índios brasileiros. O respeito ao índio, a atenção à saúde e a preservação da vida desses povos são influenciados por uma série de questões em que os índios se veem dependentes, em sua maioria, do governo local. Dentre outras questões, destacam-se o assédio de usineiros, garimpeiros, posseiros, fazendeiros, de madeireiras e da sua própria tolerância diante das políticas indigenistas direcionadas para a alimentação, educação, moradia, saúde e previdência social.2 O estudo desses determinantes é de grande relevância para o conhecimento do processo saúde-doença nessas comunidades. Entretanto, existem limitações e dificuldades para a realização desses estudos, em virtude de informações insuficientes, na maioria das vezes indisponíveis para o diagnóstico e a avaliação das condições de saúde das comunidades indígenas.3 Somente com a estruturação de um sistema de estatísticas contínuas e com o maior refinamento metodológico e de outros mecanismos de coleta de dados no que tange aos povos indígenas será possível reverter uma danosa invisibilidade demográfica e epidemiológica.3 Atualmente, a população indígena brasileira é estimada em, aproximadamente, 538 mil pessoas, pertencentes a 210 povos, com mais de 170 línguas identificadas. Estão presentes em todos os Estados brasileiros, exceto no Piauí e no Rio Grande do Norte, vivendo em 579 terras indígenas que se encontram em diferentes situações de regularização fundiária, e ocupam 12% do território nacional. Uma pequena parcela vive em áreas urbanas, geralmente em periferias.3 Para a reestruturação da Atenção à Saúde Indígena, o Ministério da Saúde instituiu, por meio da Portaria de nº 254, de 31 de janeiro de 2002, a “Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas”. O objetivo é assegurar aos povos indígenas o acesso à atenção integral à saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Tais princípios contemplam a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e política, de modo a beneficiar a superação dos fatores que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à saúde de maior relevância e qualidade entre os brasileiros, certificando a eficácia de sua medicina e o direito desses povos à sua cultura.2 A organização dos serviços de atenção à saúde dos povos indígenas é prestada por meio dos Distritos Sanitários 82 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 Especiais Indígenas (DSEI) e Polos Base, em âmbito local, reunindo as terras indígenas e os municípios. A Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) é responsável pela prestação da atenção básica mediante atuação das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), compostas por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem, agentes indígenas de saúde (AISs) e agentes indígenas de saneamento (AISANs), com referências para os serviços de média e alta complexidade.2 OS ÍNDIOS POTIGUARAS No Estado da Paraíba existe a população indígena potiguara, a única comunidade indígena reconhecida nesse Estado, sendo uma das maiores do Brasil e a maior do Nordeste etnográfico. Sua população é de 13.790 índios, dos quais 2.061 são desaldeados, residindo em outras cidades do Estado. Os demais aldeados estão distribuídos em 29 aldeias nos municípios de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto.4,5 Os índios potiguaras são referidos no litoral do Estado desde 1501 e suas condições de saúde estão estritamente relacionadas com os diversos impactos causados pela interação com a sociedade, a qual vem, desde a chegada dos colonizadores europeus no século XVI, com alterações no seu perfil epidemiológico e demográfico, tais como a ruptura com o passado e suas tradições, miscigenação étnica intensa e adaptação agressiva a novos meios socioeconômicos e ambientais.4,6 Mota6 ratifica essa questão quando diz que “as matrizes culturais mais antigas certamente sofreram o impacto da colonização, tendo sido impostas por novos modos de viver e de conhecer o mundo”. A assistência à saúde da população potiguara é feita pelo DSEI potiguara, localizado em João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, e dista das terras indígenas cerca de 90 quilômetros. Dispõe de três Polos Base, situados nos municípios acima citados, os quais são responsáveis pela administração local dos serviços de atenção básica das 29 aldeias existentes. Para os serviços de média e alta complexidade, os índios são referenciados para a rede SUS e a rede privada no Estado.4 Atualmente, os potiguaras sobrevivem da agricultura, pesca, artesanato e outros meios, enfrentando situações distintas de tensão social, vulnerabilidade, perda da identidade e da autoestima. A expansão das frentes econômicas (extrativismo e trabalho assalariado temporário) vem ameaçando além da preservação cultural a integridade do ambiente nos seus territórios. O fato de a comunidade potiguara localizar-se em zona litorânea favorece o surgimento do turismo acentuado e desordenado, trazendo como consequência as mudanças de hábitos e de costumes, associadas ao surgimento de doenças como as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)/aids e a tuberculose.4 Pode-se afirmar, assim, que essas alterações trouxeram como consequência problemas relacionadas aos modos de vida dos índios, levando-os, forçadamente, à mudança dos costumes no seu próprio território. Desse modo, para discutir a situação de saúde dos índios potiguaras, faz-se necessário ir além dos fatores epidemiológicos determinantes, pois é preciso observar diversidade social existente e os fatores culturais e ambientais que estão influenciando suas condições de saúde. Mediante tais considerações e observando as Diretrizes da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, que se baseiam no princípio de respeito às concepções, valores e práticas relativos ao processo saúde e doença própria a cada sociedade indígena, objetivou-se com este estudo averiguar a situação de vida, saúde e doença dos índios potiguaras aldeados na Paraíba. A relevância deste estudo centra-se no contexto sociocultural e científico como produção de conhecimento, visando oferecer informações úteis para o fortalecimento e a avaliação das ações voltadas para a promoção da saúde indígena, o que corrobora no planejamento de estratégias de intervenção para a melhoria da situação de vida dessa população. fumo; morbidade e óbito no núcleo familiar (causa, idade, doença). Foi utilizado gravador de voz para registro das informações, desde que permitido pelos índios, após o devido esclarecimento feito pela pesquisadora com leitura e entrega do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). O tratamento do corpus produzido nas entrevistas foi submetido à análise através do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão Windows 15. Esta pesquisa seguiu as determinações da Instrução Normativa 01/95/FUNAI/PRESI e as observâncias éticas contempladas nas Resoluções nº 196/1996 e nº 304/2000, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da ética em pesquisas envolvendo seres humanos e da temática, em especial população indígena, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da UFPB (CEP/HULW, Protocolo nº 05/2008) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer nº 695/2008/CONEP). RESULTADOS E DISCUSSÕES METODOLOGIA Trata-se de um estudo exploratório, documental, com abordagem quantitativa para o levantamento das questões relacionadas à situação de vida, saúde e doença dos índios potiguaras aldeados na Paraíba. Foi utilizada amostragem não probabilística intencional. Esse tipo de técnica amostral não tem interesse na generalização dos resultados, tem caráter de investigação e visa apenas à opinião de elementos da população sobre o assunto estudado, elencando um número mais reduzido de depoentes em razão da saturação dos resultados. De todo modo, permite a apreensão dos significados e dos fatores determinantes da saúde-doença na população indígena potiguara e a verificação de serviços de saúde voltados para as problemáticas encontradas. A unidade amostral foi definida considerando o núcleo familiar de acordo com o cadastro das famílias no Sistema de Informação de Atenção a Saúde Indígena (SIASI), sendo identificado um membro por família de ambos os sexos e acima de 18 anos. Para tanto, foi utilizado como parâmetro uma tabela de números aleatórios simples para a seleção e a identificação da família no SIASI. Participaram do estudo 55 famílias pertencentes à aldeia São Francisco, município de Baia da Traição-PB. Além dos sujeitos, foram consultados relatórios, profissionais e sujeitos-chave na comunidade estudada. O instrumento para coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada, elaborada especificamente para este estudo, com seleção das seguintes variáveis: socioeconômicas (idade, sexo, escolaridade, estado civil, ocupação, renda familiar, núcleo familiar, usuário de programa do governo); instalações sanitárias (destino do lixo, uso e tratamento da água, uso de banheiro); visita domiciliar pelo AIS; uso de bebida alcoólica e De acordo com os resultados obtidos, observa-se que o sexo feminino representa 80% da amostra estudada. Esse alto percentual feminino na amostra pode ter ocorrido pelo fato de as entrevistas terem sido realizadas no horário diurno (horário de trabalho formal ou informal). Esse resultado corrobora os dados obtidos por várias outras pesquisas, demonstrando que, na atual sociedade, as mulheres ainda permanecem mais tempo em casa, sendo responsáveis pelo trabalho doméstico, enquanto o homem sai em busca de trabalho e de dinheiro, sendo considerado o mantenedor da casa.7 Quanto à idade, constata-se a predominância da faixa etária de 20 a 50 anos, somando 65,4% do total da amostra. Em seguida, aparece o grupo etário de 51 a 65 anos, que obteve, também, um percentual expressivo de 34,5%. Em relação ao estado civil, 47,3% eram casados representando o maior percentual, depois os solteiros, que correspondem a 27,3%. Quanto à escolaridade, houve predomínio daqueles com o ensino fundamental incompleto, representando 63,6% dos entrevistados. Esse dado revela que dificilmente os índios conseguirão trabalho mais bem remunerado, em razão do baixo nível de escolaridade. Constata-se essa questão quando se comparam com os resultados referentes à ocupação profissional, os quais mostraram que 67,3% dos índios potiguaras desenvolvem atividades voltadas para a agricultura, 9,1% estão aposentados, 3,6% são artesãos, 5,5% são professores e merendeiras, e as demais representaram apenas 1,8% das ocupações (auxiliar e técnico de enfermagem, agente indígena, auxiliar de limpeza e pajé). Diante disso, pode-se inferir que, em sua maioria, os potiguaras sobrevivem de uma economia mais voltada para a subsistência, pois, em relação à fonte de renda, verifica-se que a agricultura aparece com 72% como remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 83 Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara única fonte de rendimentos. As demais fontes provêm da aposentadoria, com 9,1% e trabalho assalariado (18,9%). Acredita-se que essa condição econômica vem se agravando com o desmatamento e o despejo de agrotóxicos nos mananciais com implicação direta nas atividades agrícolas e pesqueiras, com perda de lavouras e a diminuição do pescado nas terras indígenas potiguaras. Isso se dá, também, em razão da proximidade dessas terras das áreas urbanas dos municípios circunvizinhos.4 Os fatores econômicos, particularmente, constituem causas importantes de doenças, uma vez que a pobreza e o desemprego podem resultar em precária nutrição, habitações superlotadas, vestuário inadequado, estresse psicológico e abuso de álcool. Nos países em desenvolvimento, seja qual for sua cultura local, as más condições de saúde, geralmente, estão intimamente ligadas à baixa renda, o que, por sua vez, influencia no tipo de saneamento, de água, no alimento e na moradia que o indivíduo pode pagar. Portanto, “uma cultura nunca pode ser analisada num vácuo, mas sim como componente de um complexo de influências que se refere àquilo em que as pessoas acreditam e ao modo como vivem”.8 A religião que se destaca entre os potiguaras é a católica com 76,4%, seguida da protestante/evangélica, com 14,6%, e apenas 1,8% afirmou sua religiosidade ao deus Tupã. O catolicismo é a religião mais institucionalizada entre os potiguaras, remontando ao período colonial e fonte dos símbolos étnicos, históricos e territoriais. São representadas pelas velhas igrejas de Nossa Senhora dos Prazeres e São Miguel, com seus oragos e festas anuais. Há, também, a presença das demais crenças cristãs, como as igrejas Batista, Betel e Assembleia de Deus, além de cultos afro-brasileiros, como a Umbanda e a Jurema Sagrada.4 No que se refere ao núcleo familiar, 82% dos entrevistados têm sua família constituída de quatro pessoas, enquanto 18% são constituídos de três pessoas. Percebe-se, portanto, que o núcleo familiar potiguara é numeroso, o que, aliado às condições econômicas precárias dessa população, pode trazer péssimas condições de vida, gerando uma dependência acentuada por programas assistenciais do governo. Esses programas não são suficientes para resolver um problema que é estrutural e reflete a necessidade de solucionar as questões relacionadas às terras e as de autossustentação econômica dos povos indígenas.2 Os resultados demonstram que 90,9% dos depoentes são usuários de algum programa assistencial do governo, dos quais 72,8% são beneficiados com o programa Bolsa Família e 18,1% com a cesta básica, distribuída pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Hoje as áreas que esses povos ocupam dificilmente possibilitam uma vida autônoma de produção e reprodução de suas culturas, tradições e valores para as quais necessitariam do resgate e da reorganização social. Por causa disso, essas comunidades indígenas tornaram-se dependentes das políticas assistenciais do 84 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 governo ou da sociedade de maneira geral. As possíveis soluções para seus problemas quase sempre dependem exclusivamente da vontade política do governo, portanto, alheias aos seus desejos e necessidades.2 Em 2007, o Sistema de Informação em Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) potiguara identificou que, das 1.608 crianças menores de 5 anos existentes nas 29 aldeias, 6,61% encontravam-se desnutridas, prevalência duas vezes maior que o esperado. Com relação à prática de aleitamento materno, foi observada na comunidade potiguara a introdução precoce de alimentos para bebês menores de seis meses de idade. Somente 26% das mães declararam que alimentavam seus filhos exclusivamente com amamentação até esta idade.5 Quanto à qualidade da água utilizada na aldeia, 89,1% dos entrevistados afirmaram que a água é boa e 98,2%, que não fazem nenhum tratamento na água para uso doméstico, pois ela já vem tratada da caixa d’água e que o AISAN faz a manutenção dos equipamentos e tratamento da água. No campo de recursos humanos, tem-se viabilizado a seleção e contratação de AISANs por meio de convênios celebrados entre a FUNASA e os municípios, com vista à operação e à manutenção dos serviços de saneamento. O AISAN, como membro da aldeia, é indicado pela comunidade e capacitado para desempenhar funções voltadas para a realização de censo sanitário das aldeias, operar e manter os sistemas de abastecimento de água, realizar análise de cloro residual e pH da água para consumo humano, orientar a comunidade para a utilização adequada dos serviços de saneamento e realizar ações de educação em saúde ambiental, atuando com os AISs.10 Atualmente, 67,07% da população indígena brasileira possui sistema de abastecimento de água, seja com atendimento domiciliar, seja coletivo. Em termos de cobertura por Unidade de Federação, observa-se que os maiores déficits, em termos populacionais, ocorrem nos Estados do Amazonas, Acre e Roraima, onde a cobertura com sistemas de abastecimento ainda não alcançou os 50%. Em termos de alcance de aldeias, porém, somente os Estados do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina e Sergipe têm mais de 80% das aldeias com abastecimento de água. Segundo dados do Departamento de Engenharia da FUNASA/ CORE/PB, das 29 aldeias existentes nas terras indígenas potiguaras, com uma população de 13.790 índios,10 28 (96%) têm sistema de abastecimento de água. No que se refere às instalações sanitárias existentes na aldeia, verifica-se que 87,3% dos entrevistados têm banheiro na sua residência. De acordo com o cadastro do Censo Sanitário indígena, dos 3.039 domicílios existentes nas aldeias potiguaras, 2.405 dispõem de privadas individuais instaladas, perfazendo um percentual de cobertura de 79,14%, ocupando, assim, o 4º lugar entre os 24 Estados brasileiros que têm população indígena com melhorias sanitárias individuais instaladas nos domicílios indígenas.10 Sobre o destino do lixo produzido em casa, 63,6% dos participantes afirmaram que enterram o lixo e os demais (36,4%), que o queimam. Todos eles foram unânimes quanto ao recolhimento e destino adequado do lixo, pronunciando que todos os índios são responsáveis pela limpeza da aldeia. Em relação aos resíduos sólidos (lixo domiciliar) produzido nas 29 aldeias potiguaras em Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto, apenas 9 aldeias dispõem de serviços de coleta e transporte: Jaraguá e Mont Mor (Rio Tinto), Três Rios, Caeira, Camurupim, Tramataia e Ibikuâra (Marcação), Akajutibiró e Forte (Baia da Traição). Nas demais aldeias, o lixo é coletado e enviado para um local adequado (próprio para receber o lixo) para ser enterrado ou queimado. Para isso, toda comunidade deve ser orientada e acompanhada pelos AISs e AISANs, sob a supervisão da equipe técnica da FUNASA. Quanto aos resíduos sólidos provenientes dos atendimentos feitos pela equipe de saúde nos postos das aldeias, estes são acondicionados e levados para os três Polos Base dos municípios acima citados e recolhidos pelo serviço municipal de coleta e transporte.10 Quanto à visita domiciliar realizada pelo AIS, os resultados mostram que 90,9% dos entrevistados afirmaram receber a visita dos AISs. Quanto à frequência dessas visitas, eles disseram que era quinzenal (43,6%), mensal (45,5%) e bimestral (1,8%). Esses resultados são considerados positivos em virtude do importante papel que eles exercem para a promoção da saúde na comunidade indígena; eles representam o elo entre a comunidade e os serviços de saúde disponíveis na aldeia e no Polo Base. Para atuar na saúde indígena, o AIS passa por um processo seletivo dentro das comunidades previamente esclarecidas sobre seu papel, com assessoria dos Conselhos Distritais de Saúde. São exigidos requisitos para ser AIS: ser indicado pela comunidade; residir na área de atuação; pertencer preferencialmente à sociedade (etnia) na qual vai atuar; não ter vínculo profissional; ter um bom relacionamento com a comunidade; ter idade, preferencialmente, acima de 18 anos; ser alfabetizado, preferencialmente; e manifestar interesse, aptidão e responsabilidade para o trabalho de saúde. Após esse processo de seleção, o AIS recebe formação/ capacitação com carga horária total de 1.080 horas com 700 horas de concentração em salas de aula (teórica) e 380 horas para dispersão (prática) nas aldeias, onde o enfermeiro/facilitador com habilitação pedagógica o acompanha no decorrer de sua formação e atuação nas aldeias. Em seu universo cultural, os índios potiguaras estão, hoje, vivenciando um movimento significativo de valorização e intensificação das suas tradições, caracterizado pela sua expressão étnica. “Estão o tempo todo realizando releituras e novas proposituras sobre sua cultura, em conexão direta com os processos étnicos, políticos e sociais”.4 Nesse sentido, a dança do toré foi referenciada por eles com muita alegria e satisfação por ser uma prática de ritual sagrado realizada coletivamente entre seus familiares e parentes, para celebrar alguma vitória e ou conquista, em ocasiões especiais, quando pessoas (turistas, alunos, entidades oficiais) visitam a aldeia. O toré representa, para os índios potiguaras, aquilo de mais precioso na sua cultura: é um momento de celebração, de comunicação com seus ancestrais, com os seres da natureza. A dança do toré é o ritual mais característico dos povos indígenas do Nordeste.4 Como adorno para a celebração do toré, os potiguaras usam brincos, colares e pulseiras de sementes, penas, quenga de coco, ossos, conchas, dentes de animais, espinhos de guandu, dentre outros. A pintura corporal é feita de urucum e a vestimenta usada, de imbira de jangada encontrada na mata e na antecasca do pau de jangada.4 Dentre essas atividades práticas de conteúdo cultural denominada por alguns deles de resgate cultural, citase: a formação/capacitação de professores indígenas bilíngues para reabilitação do uso da língua tupi; a semana cultural potiguara para divulgação das danças, cânticos, músicas, desenhos, pinturas corporais, artesanato com a confecção de enfeites e instrumentos musicais para a comunidade; e a semana dos jogos indígenas, realizada pela Organização dos Professores Indígenas Potiguara (OPIP/PB), para práticas com o uso de arco e flecha, arremesso de lança, corrida com toras, tendo como objetivo despertar nas crianças essas modalidades exercidas pelos seus antepassados. Quanto ao uso de bebida alcoólica, os resultados deste estudo mostram que 41,8% têm, pelo menos, um membro da família fazendo uso desse tipo de bebida. Desses, 27,3% disseram que a bebida traz, sim, problemas para toda a família, como casos de óbito, causados pela cirrose hepática (5,5%). O uso do álcool é multideterminado, envolvendo fatores biopsicossociais, com grande incentivo ao uso, por ser esta uma droga lícita e amplamente consumida. Faz parte de festividades e de relações sociais, de tal modo que o consumo abusivo de álcool tem sido vivenciado nas mais diversas culturas, 11 e atualmente vem afligindo, também, a população indígena potiguara. Discutir o uso de bebida alcoólica na população indígena requer que se desvende uma rede de relações que envolvem essa prática, e para isso faz-se necessário entender as múltiplas causas relacionadas ao processo de alcoolização nas comunidades indígenas. Entre os agravos que acometem os povos indígenas no Brasil, é notório que o consumo de bebida alcoólica tem se intensificado, embora faltem dados precisos para quantificar tais tendências.11 Tal condição se aplica aos índios potiguaras, pois até o momento o DSEI não dispõe de nenhum registro (levantamento de dados) sobre o uso de bebida alcoólica na etnia potiguara. Quanto ao uso do fumo, 54,5% dos participantes alegaram que fumam ou já fumaram alguma vez na vida. Quando questionados sobre os malefícios do cigarro no organismo, a maioria (74,6%) informou que, até o remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 85 Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara momento, o fumo não lhes trouxe nenhum problema de saúde. No que diz respeito à morbidade referida pelos participantes, a hipertensão apresenta-se com maior percentual (16,4%), seguida de problemas na coluna com 5,5%, dor de cabeça 3,6% e demais doenças (diabetes, sinusite, artrose, gripe, pneumonia, hemorroidas) com apenas 1,8%. Apesar de a hipertensão e a diabetes representarem, respectivamente, apenas 16,4% e 1,8% das doenças citadas pelos índios, são as que chamam atenção, pois elas vêm, dentre outros agravos, destacando-se no decorrer dos anos no DSEI potiguara, em virtude do número de atendimentos médicos (TAB. 1) realizados nas aldeias aos índios cadastrados no Programa Hiperdia. Observam-se, também, outras questões, que poderão estar contribuindo para a frequência desses agravos, uma vez que a maioria dos idosos não tem como prática a procura dos serviços de saúde na aldeia para a realização de exames ou outros procedimentos de prevenção às doenças; a ingestão de alimentos provenientes da pesca (peixe e camarão) é muitas vezes conservada no sal; alguns índios, nessa faixa etária, já estão aposentados, não desenvolvem atividades na agricultura no mesmo ritmo quando eram mais jovens e o próprio ritmo de vida na aldeia conduz ao sedentarismo, com pouca atividade física; e, por fim, o uso abusivo do fumo e do álcool. O controle da hipertensão e da diabetes requer, além do uso contínuo de medicações, alterações nos hábitos de vida e comparecimento periódico a consultas médicas e serviços de saúde. Medidas de combate ao alcoolismo, tabagismo, sedentarismo e condutas não medicamentosas, como redução do peso, do sal e do açúcar da dieta, são capazes de contribuir eficazmente para o controle dos níveis de sódio e glicose no sangue.12 O seguimento dessas orientações é um processo complexo para os índios de maneira geral, porque essas medidas de controle exigem mudanças quanto aos seus hábitos alimentares, os quais envolvem aspectos socioeconômicos e culturais importantes para eles. Deve-se ressaltar que se tais aspectos não forem considerados pela Equipe Multidisciplinar que atua nas aldeias na prevenção e controle desses agravos, poderão ser ineficientes as intervenções prestadas a essa população. Por causa da transição epidemiológica e demográfica que vem ocorrendo nas comunidades indígenas, observam-se mudanças nos padrões alimentares e nutricionais, revelando a complexidade dos modelos de consumo e de seus fatores determinantes, cujos déficits nutricionais estão marcados por alterações nos níveis de atividade física e composição da dieta.3 Naquelas comunidades indígenas que têm um relacionamento mais estreito com a população regional próxima às áreas urbanas, nota-se o aparecimento de novos problemas de saúde relacionados às mudanças introduzidas no seu modo de vida e, especialmente, na alimentação, como obesidade, hipertensão arterial, diabetes, câncer e alcoolismo.3 Para Luciano-Baniwa, 2 o problema número 1 para essas questões é a terra. São grandes concentrações de pessoas em pequenos espaços, ao contrário da cultura que lhes é própria. “Tradicionalmente, quando havia projeções de novas lideranças, os índios se dividiam, iam cada um para um canto. Hoje, é impossível. Os grupos familiares são obrigados a conviver em um espaço reduzido com imposições constantes dos não índios em seus territórios”. Por causa desses problemas de saúde, atrelados a questões conflitantes de tensão social, como a expansão de frentes econômicas e a indefinição territorial, é que o controle social indígena vem, desde a época do movimento pela Reforma Sanitária, em 1986, conseguindo significativas reivindicações e conquistas em prol da melhoria das condições de vida dessa população.2 O Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) potiguara foi criado em consonância com as propostas da Política de Saúde do índio, sendo um órgão de caráter TABELA 1 – Distribuição do número de consultas médicas realizadas de acordo com as doenças do aparelho circulatório (hipertensão) e endócrino (diabetes), no período de 2004 a 2007, DSEI potiguara-PB – 2008 ANO Total de atendimento médico realizado no DSEI potiguara Nº de consultas médicas por doenças Consulta ao diabético Circulatório Endócrinas N % N % 2004 9.929 660 165 557 84,3 124 75,2 2005 7.188 558 202 464 83,1 171 84,6 2006 11.323 1.059 340 778 73,5 192 56,5 2007 8.556 844 205 693 82,2 171 83,4 Total 36.996 3.121 912 2.492 79,8 658 72,1 Fonte: Relatório mensal/FUNASA/DSEI potiguara, 2004-2007. 86 Consulta ao hipertenso remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 permanente e deliberativo para o exercício do controle social, instituído nos termos do Decreto n. 3.156, de 27 de agosto de 1999. O CONDISI potiguara tem por finalidade deliberar, fiscalizar e supervisionar assuntos e políticas relacionadas ao campo de saúde indígena, como também sobre quaisquer ações e serviços de saúde prestados por instituições públicas e entidades não governamentais na abrangência do DSEI potiguara na Paraíba.13 Atualmente o CONDISI é composto de 32 Conselheiros, dos quais 16 são representantes de usuários indígenas; de 8 profissionais de saúde dos 3 Polos Base e 7 de instituições governamentais (FUNAI, FUNASA, UFPB, SES, SMS); e 1, representante da instituição não governamental Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), atualmente representado pelo cacique-geral dos potiguaras, o índio Caboquinho. Vinculados ao CONDISI potiguara, existem 3 Conselhos Locais de Saúde, composto por 29 conselheiros, representantes das 29 aldeias dos 3 Polos Base. Ao serem questionados sobre a existência e participação nas reuniões dos Conselhos existentes – o Conselho Local e Distrital Indígena –, os dados apontaram que 53% afirmaram que conheciam sobre o Conselho Local e desses somente 18,2% tinham participação nas reuniões. Em relação ao CONDISI, apenas 20% declararam ter conhecimento desse Conselho, no entanto apenas 3,6% disseram que tinham participação efetiva nas reuniões, como conselheiros distritais e locais, representando o segmento de usuário indígena; ou seja, na amostra estudada nenhum dos sujeitos teve participação nas reuniões como ouvinte, convidado pelas lideranças locais da aldeia. Sabe-se que existe uma organização e normas que devem ser seguidas para a composição paritária dos membros/conselheiros estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Resolução nº 333/2003. Mas nada impede que a comunidade participe das reuniões como ouvintes, tomando conhecimento das decisões deliberadas pelos conselheiros de saúde, os quais foram escolhidos pela comunidade para representá-los. Pode-se, assim, considerar que a comunidade indígena potiguara precisa tomar conhecimento das decisões e da participação dos Conselhos locais já instituídos nas aldeias. As lideranças precisam buscar alternativas para o incentivo e maior envolvimento dos índios nas reuniões dos Conselhos locais, visto que é com base nos resultados dessas reuniões que estes, atuando com o CONDISI, terão autonomia para deliberar em prol da saúde de toda a população potiguara. No tocante a outras morbidades presentes na população potiguara estão as doenças infecciosas e parasitárias (amebíase, esquistossomose, micose, helmintíase, tuberculose, DST/HIV), que têm os maiores percentuais (TAB. 2) sobre as demais morbidades do mesmo grupo. Historicamente, a morbimortalidade na população indígena tem sido dominada pelas doenças infecciosas e parasitárias.3 No tocante aos índios potiguaras, acreditase que isso se dê pela deficiência e ineficácia de um trabalho de educação em saúde permanente nas aldeias sobre práticas de higiene pessoal e domiciliar. Contudo, são bastante relevantes os aspectos culturais dessa comunidade em relação aos hábitos, como: grandes aglomerações domiciliares, andar descalço, tomar banho em rios, e o fato de não utilizarem as melhorias sanitárias domiciliares.13 Com as alterações ocorridas no delineamento da morbimortalidade no Brasil, há diminuição de importância quanto às doenças transmissíveis, especialmente a partir da década de 1980, com falsas expectativas de que esse grupo de doenças estaria próximo da extinção. No entanto, o que se observa é que as doenças TABELA 2 – Distribuição de frequência das doenças infecciosas e parasitárias segundo os atendimentos médicos realizados no período de 2004 a 2007 – DSEI potiguara-PB – 2008 Morbidade Doenças infecciosas e parasitárias 2004 2005 2006 2007 N % N % N % N % Doenças infecciosas intestinais 661 34,8 94 5,8 65 3,5 162 11,2 Amebíase 48 2,5 67 4,3 84 4,6 145 10,0 Micoses 132 7,0 168 10,6 199 10,9 130 9,0 Helmintíases (ascaridíase, oxiuríase). 635 33,5 781 49,0 737 40,4 382 26,6 Pediculose, acaríase e escabiose 173 9,1 346 21,7 374 20,5 268 18,7 Tuberculose 04 0,2 02 0,1 02 0,1 03 0,2 DST 245 12,9 137 8,5 362 20,0 349 24,3 Total 1.898 100,0 1.595 100,0 1.823 100,0 1.439 100,0 Fonte: Relatório mensal/FUNASA/DSEI potiguara, 2004 a 2007. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 87 Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara transmissíveis ainda causam impacto na morbidade, principalmente aquelas que ainda não dispõem de mecanismos eficazes de controle e prevenção.14 A presença da tuberculose e das DSTs/HIV entre os potiguaras é preocupante em razão de quatro casos confirmados da coinfecção tuberculose/HIV entre 2006 e 2008. Sabe-se que a coinfecção dessas enfermidades constitui, nos dias atuais, um desafio para a saúde pública, podendo levar ao aumento da morbidade e mortalidade pela tuberculose em muitos países. Um indivíduo infectado pelo HIV é 25 vezes mais susceptível à tuberculose em relação aos não infectados e o risco de morte em pacientes coinfectados pelo HIV e TB é duas vezes maior que em pacientes com HIV sem tuberculose.15 Historicamente, a tuberculose sempre representou uma proeminente causa de morbimortalidade entre grupos indígenas, tendo contribuído para o expressivo declínio populacional. Infelizmente, ainda que seja bem conhecida a presença da tuberculose e do HIV nessas populações, há significativa carência de estudos e pesquisas a respeito do tema.16 Existem fatores que favorecem a incidência da tuberculose entre os índios. Dentre eles, observa-se a ausência de um sistema eficaz de busca ativa dos casos; a deficiência sanitária nas comunidades indígenas; a crescente deterioração de suas condições de vida em decorrência do contato com os não índios; problemas de acessibilidade (geográfica, linguística e cultural) aos centros de referência para o tratamento; a falta de supervisão dos doentes pelos serviços de saúde ambulatorial; o abandono frequente do tratamento; e a prática ineficiente de atividades educativas nas aldeias.16 As DSTs na comunidade potiguara são evidenciadas pelos atendimentos prestados às mulheres indígenas que procuram os serviços para a consulta médica e de enfermagem no pré-natal, para a coleta do exame Papanicolau. É oportuno dizer que, conforme se dá no gênero masculino da população de forma geral, acontece também no gênero masculino da etnia potiguara em relação ao controle das DSTs. Há, no entanto, uma subnotificação dessas afecções entre os homens indígenas, em virtude de a maioria não procurar os serviços de saúde para tratamento. Quando o serviço tem acesso a eles, é por intermédio das abordagens feitas pela equipe juntamente com as mulheres índias. Essas evidências são ratificadas por meio do número de atendimentos prestados a essa população, em que se encontra uma diferença de 90%, constando, em 2007, 1,7% de atendimento masculino e 98,3% feminino.5 Em 1986 foram registrados os primeiros casos da infecção pelo vírus HIV entre os índios do Brasil. No período de 1988 a 2007, foram registrados 624 casos de aids na população indígena. De acordo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre 2000 e 2008, foram registrados 401 casos de aids em populações indígenas. A proporção de casos entre os sexos é semelhante à da população em geral, 88 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 com 1,6 em homens para cada 1 em mulheres, mas essa tendência vem mudando, com um número maior de mulheres sendo afetadas; as pessoas na faixa etária de 30 a 60 são as mais vulneráveis, representando 65% de todos os casos notificados.17 Os dados epidemiológicos mostram que a principal categoria de exposição é a heterossexual, representando 61% dos casos notificados. Mesmo assim, 21% dos casos foram notificados nas categoriais homo e bissexual, e 6,7% na categoria de usuários de drogas injetáveis. Com relação à transmissão vertical do HIV, de 2001 a 2008, 94 casos de mulheres índias foram registradas no SINAN. Com relação à aids entre os potiguaras, foram registrados 32 casos no período de 1998 a 2008, dos quais 17 (masculino) e 15 (feminino) no DSEI potiguara.17 O curto período de tempo transcorrido entre o diagnóstico e o óbito dos pacientes, a falta de informação entre os índios sobre os modos de transmissão do vírus e a prevenção da doença, bem como as limitações de ordem linguística e cultural para a comunicação com eles, são desafios a enfrentar e expressam a situação altamente vulnerável adiante da tendência de interiorização da epidemia de aids no País.17 A desestruturação interna das comunidades, a falta de informação entre os índios sobre os modos de transmissão do vírus, a mobilidade sazonal em busca de trabalhos temporários, garimpos, exploração madeireira e turismo são fatores diretamente associados à magnitude do problema de disseminação do vírus HIV entre os indígenas no País.17 A presença das DSTs na etnia potiguara se deve, principalmente, à presença de núcleos pesqueiros nos municípios próximos; à migração dos indígenas para centros urbanos; à ocorrência frequente de alcoolismo; ao não uso de preservativos (masculino e feminino); à influência da mídia introduzindo valores relacionados à sexualidade e relações pessoais; e ao movimento turístico constante nas aldeias, por ser região litorânea, levando à desestruturação interna nas aldeias e aumento da violência (prostituição e tráfico de drogas).4,17 Para superar esses desafios e estando ciente da complexa situação de vulnerabilidade na população indígena, o Ministério da Saúde, em Parceria com a Funasa, implantou em 2004 o Programa de DST/aids nos Distritos e Polos Base, tendo como objetivo ações básicas de prevenção, assistência, vigilância e monitoramento. Para tanto, o DSEI potiguara vem, desde 2005, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde/SES/PB, realizando cursos de vigilância epidemiológica, aconselhamento e abordagem sindrômica sobre as DST/aids para a Equipe Multidisciplinar que atua nas terras indígenas. Em 2007, foi implantado o exame Teste Rápido para Diagnóstico do HIV nos três Polos Base e uma Capacitação de 103 horas para os 37 AISs sobre DST/aids e hepatites virais.17 Quanto aos óbitos, os resultados desta pesquisa revelaram que 58,2% dos entrevistados referiram casos de óbito na família nos últimos cinco anos, e, desses, 25,5% não souberam informar a causa da morte. Ao somar o número de óbitos causados pelas doenças do aparelho circulatório e endócrino, constata-se que 16,4% estão relacionados a hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), problema do coração e diabetes. As demais causas foram para: cirrose (5,5%), acidente com veículo automotor (3,6%), tuberculose (1,8%), tétano (1,8%), tumor de esôfago (1,8%) e infecção pulmonar (1,8%). Quanto ao fato de o óbito por tuberculose ser de apenas 1,8% do total dos óbitos citados, merece atenção pelo fato de que era um caso que não tinha acompanhamento médico nem pelo DSEI potiguara nem pelos demais serviços de referência no Estado. Vale destacar que esse caso foi citado por cinco participantes da pesquisa como óbito no núcleo familiar. Levando em conta a questão do parentesco, a proximidade, a organização social e a distribuição geográfica, torna-se preocupante a disseminação não somente da tuberculose, como também de outras doenças transmissíveis. Em relação à idade, percebe-se que 43,6% dos óbitos entre os potiguaras ocorreram com índios a partir de 51 anos. No Brasil, dados demográficos têm demonstrado que a partir da década de 1970, a população de pessoas mais velhas vem aumentando lentamente. Entre os povos indígenas, a despeito da escassez de estudos demográficos, existe uma tendência semelhante. A análise de dados relativos aos indivíduos autodeclarados indígenas nos censos demográficos de 1991 e 2000 aponta para um aumento consistente da população idosa (com 65 anos ou mais).18 De modo geral, o envelhecimento tem ocorrido, principalmente, nas populações urbanas, estando associado aos mesmos determinantes observados entre não indígenas – redução da fecundidade e da mortalidade infantil. Nas populações rurais, que correspondem de modo geral às populações aldeadas, o grau de envelhecimento foi menor. De todo modo, é relevante considerar que doenças pouco expressivas no passado estão se tornando cada vez mais prevalentes, em especial as crônicas não transmissíveis (hipertensão, diabetes, câncer).18 O Departamento de Saúde Indígena (DESAI) mostra que o coeficiente geral de mortalidade indígena por mil habitantes, em 2000 e 2006, foi, respectivamente, 7,10 e 3,11. Para o DSEI potiguara, esse coeficiente aparece com um percentual no mesmo período de 6,96 em 2000 e 2,12 em 2006. Quanto ao percentual e número de óbitos indígenas por causas agrupadas, no período de 2003 a 2006, as mortes por outras causas maldefinidas aparece em primeiro lugar com cerca de 20% na média, o que indica precariedade no sistema de informação, falta de diagnóstico ou investigação de causas ou subnotificação nos registros. Dos óbitos ocorridos nesse mesmo período, as doenças infectocontagiosas aparecem com um percentual entre 32,2% e 36,67% comparadas com as demais causas.19 A distribuição por grupos de causas de mortalidade pode sugerir associações com fatores contribuintes ou determinantes das doenças. Nesse sentido, proporções elevadas de óbitos por doenças infecciosas e parasitárias refletem, em geral, baixas condições socioeconômicas e de saneamento ambiental nas comunidades indígenas.19 Em relação aos óbitos ocorridos nas outras faixas etárias entre os potiguaras, percebe-se que não foi citado nenhum óbito abaixo de 20 anos na população estudada. A taxa de mortalidade infantil (TMI) na etnia potiguara, no período de 2003 a 2007, foi, em média, de 19,16%. Em 2006 representou 35,8, passando para 7,2 em 2008.5 Entre os indicadores de saúde existentes, a TMI é considerada um dos indicadores mais sensíveis à situação de saúde e condição social de uma população “porque ela se refere a um grupo populacional (nascidos vivos antes de completar um ano de vida) bastante vulnerável às condições de vida, intra e extra-uterina”. A definição de faixas de valores da TMI consideradas altas ou baixas é sempre arbitrária e sujeitas a controvérsias. Os valores atualmente utilizados são: inferior (<20 óbitos), intermediário (20 a 40 óbitos) e elevado (≥ 50 óbitos).20 Na análise da mortalidade infantil, deve-se considerar que, embora altas taxas de mortalidade infantil possam revelar precárias condições sociais e de saúde, baixos níveis de mortalidade infantil não refletem, necessariamente, melhorias das condições de vida da população. Por outro lado, o aumento na taxa de mortalidade infantil pode, em determinadas situações, ser resultante da melhoria dos registros dos óbitos infantis.20 Vem ocorrendo uma queda da TMI na área indígena potiguara, dado o aumento no número de profissionais nas Equipes de Saúde Indígena, gerando, assim, intensificações nas ações de enfermagem, como: imunização, acompanhamento do crescimento desenvolvimento (CD), acompanhamento de gestantes e vigilância nutricional, como também maior frequência de visitas domiciliares realizadas especialmente pelos AISs nas aldeias.13 CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização desta pesquisa possibilitou melhor compreensão sobre a situação de saúde dos índios potiguaras e pontuar aspectos relevantes dessa população. Conhecer sobre o modo de vida dos índios, o contato com aqueles que convivem em seu ambiente e as representações sobre o processo saúde/doença são questões fundamentais para o exercício dos profissionais que atuam na saúde indígena e para a efetivação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Diante dessa condição de vida e de saúde dos índios potiguaras, torna-se necessário que a Equipe Multiprofissional, em especial a enfermagem, promova a integração entre o sistema local de saúde e a sabedoria indígena. Isso porque abordagens culturais possibilitarão compreender o universo cultural dos índios potiguaras sobre suas práticas relacionadas à saúde e à doença, tornando, assim, as intervenções de controle mais eficazes, principalmente em relação às doenças remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 89 Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara infecciosas e parasitárias. Para isso, é indispensável uma definição da política de recursos humanos para a saúde indígena e capacitação/qualificação de profissionais sobre os povos indígenas em relação à sua organização social, política, cultural e, principalmente, no que diz respeito a sua concepção sobre saúde e doença. Quanto ao DSEI potiguara, este deveria intensificar parcerias com os Conselhos Locais e Distrital de Saúde, Secretarias de Saúde e Educação dos municípios sede dos Polos Base e lideranças indígenas para a elaboração de estratégias de promoção, prevenção e recuperação da saúde com a participação da comunidade local. Sugerese, portanto, que o DSEI potiguara reveja sua estrutura organizacional de modo a favorecer o acompanhamento efetivo das ações de saúde realizadas na atenção básica e nos serviços de referência e contrarreferência. REFERÊNCIAS 1. Bittencourt MF, Toledo ME, Argentino S, Oliveira LSS. Acre, rio negro e xingu: a formação indígena para o trabalho em saúde. 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Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012 SENTIMENTOS DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM em relação ao PACIENTE ONCOLÓGICO* NURSING PROFESSIONALS’ FEELINGS TOWARDS ONCOLOGY PATIENTS SENTIMIENTOS DE ENFERMEROS HACIA PACIENTES ONCOLÓGICOS Márcia Cristina Lucas de Oliveira1 Maria da Penha Rodrigues Firmes2 RESUMO O distúrbio onco-hematológico caracteriza-se pelo crescimento desordenado de células que invadem tecidos e órgãos. Quando ocorre na fase infantojuvenil, mesmo sendo considerado raro, desencadeia, de forma abrupta, uma mudança geral na vida desses pacientes e de seus familiares. Esse processo também gera nos profissionais de enfermagem o envolvimento e sentimentos que são influenciados pelo vínculo afetivo decorrente da assistência direta e indireta prestada a essa clientela. O objetivo com este estudo foi identificar os sentimentos da equipe de enfermagem diante da situação de cuidar da criança e do adolescente hospitalizados com câncer, assim como verificar os mecanismos de defesa desenvolvidos para evitar ou minimizar o envolvimento emocional. Utilizou-se a pesquisa descritiva investigativa com abordagem qualitativa. O roteiro do instrumento constou de dados de identificação dos participantes e de duas questões abertas gravadas em fitas cassete, sendo abordados os profissionais de enfermagem que trabalham no setor de oncologia de um hospital vinculado aos servidores públicos de Minas Gerais situado em Belo Horizonte-MG. Com base nas análises dos depoimentos, foi possível perceber que as participantes vivenciam sentimentos de tristeza diante da criança e o adolescente oncológicos e que, muitas vezes, a equipe de enfermagem utiliza como estratégia de enfrentamento o distanciando e a naturalização dos fatos. Foi possível evidenciar que esses profissionais necessitam de um suporte emocional para lidar com essa doença e que as instituições hospitalares devem buscar uma educação permanente da equipe de enfermagem como estratégia para promover mudanças. Palavras-chave: Câncer; Enfermagem Oncológica; Sentimentos. ABSTRACT Oncologic and hematologic disturbances are described as the disordered growth of cells that invade tissue and organs. Even if it is considered rare, the occurrence of the disease at an infantile-juvenile stage generates an abrupt change in the patients’ and in the patients’ family lives. The nursing professionals’ involvement in the whole process generates feelings that arise from the emotional bond created by direct or indirect caring provided to this particular clientele. The purpose of this study is to identify the nursing team feelings when caring for children and adolescents hospitalized with cancer, as well as the defense mechanisms developed for avoiding or reducing the emotional involvement. A descriptive and investigative research using qualitative methods was carried out. The research roadmap consisted of the participants’ identification and two open questions recorded on cassette tapes. The interviewed nursing professionals work at the oncological unit of a hospital for the public-sector workers in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. An analysis of the nurses’ accounts demonstrated that the research participants experienced feelings of sadness towards the child and the adolescent with cancer. The professionals’ coping strategies were detachment and trivialization. The research results evidenced that these professionals need emotional support to be able to deal with the disease. Hospitals should provide continuing education opportunities specially directed to the nursing team as a strategy to promote changes. Keywords: Cancer; Oncology Nursing; Feelings. RESUMEN Las enfermedades hematológicas oncológicas se caracterizan por el crecimiento sin control de células que invaden tejidos y órganos. Cuando ocurre en la infancia o adolescencia, considerado algo raro, provoca cambios bruscos en la vida de pacientes y familiares. Este proceso involucra enfermeros que crean vínculos afectivos con los pacientes durante su atención directa o indirecta. El objetivo de este estudio es identificar los sentimientos del personal de enfermería al cuidar niños y adolescentes internados con cáncer y, asimismo, analizar sus mecanismos de defensa para evitar o reducir su implicación emocional. Se trata de un estudio de investigación cualitativa con método descriptivo. El trabajo de investigación consistió en la obtención de datos de identificación de los participantes y en dos preguntas abiertas grabados en casetes. Los enfermeros entrevistados trabajan en oncología en un hospital de funcionarios públicos de Belo Horizonte – Minas Gerais. El análisis de los relatos señaló que los participantes sienten pena y dolor hacia los niños y adolescentes con cáncer. Como estrategia para enfrentar esta situación los enfermeros suelen distanciarse de los pacientes y tratarlos con naturalidad. Los resultados mostraron que estos profesionales necesitan apoyo emocional y que los hospitales deberían contar con personal de educación continua de enfermería como estrategia para promover cambios. Palabras clave: Cáncer; Enfermería Oncológica; Sentimientos. * Trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 2010. Acadêmica do 8º semestre do Curso de Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM. 2 Professora Doutora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM. Endereço para correspondência – Rua Travessa Professora Dacília Godói nº 43, Sagrado Coração de Jesus, Diamantina-MG. CEP: 39100-000. E-mail: [email protected]. 1 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 91 Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico INTRODUÇÃO Câncer é o nome dado aos tumores malignos e às leucemias. Corresponde a uma totalidade de mais de cem doenças que têm em comum o crescimento irregular de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo.1 Atualmente, por sua relevância como doença crônico-degenerativa, é considerado um problema de saúde pública. Vários aspectos devem ser aprimorados a fim de minimizar suas consequências, como o diagnóstico precoce e os meios de reabilitação, física, social e psicológica.2 O câncer infantojuvenil, que ocorre abaixo de 19 anos, é considerado raro quando comparado com os tumores do adulto, correspondendo a 2% e 3% de todos os tumores malignos. Apesar disso, estimativa realizada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), para o biênio 2008/09, revelou que ocorreria cerca de 9.890 casos por ano em crianças e adolescentes com até 18 anos de idade.3 O câncer em crianças/adolescentes, até cerca de duas décadas, era considerado uma doença aguda, com pouca possibilidade de cura, resultando, na maioria dos casos, em morte. Não obstante isso, com a possibilidade do diagnóstico precoce da doença e a introdução da terapêutica adequada, a partir do desenvolvimento científico e tecnológico, tem possibilitado o controle de sua evolução e cura, na maioria dos casos.4,5 A criança e o adolescente com câncer têm seu cotidiano modificado, muitas vezes com limitações, principalmente físicas, em decorrência de sinais e sintomas da doença, de hospitalizações para exames e tratamento. A doença impõe mudanças no estilo de vida desses indivíduos e de suas famílias, exigindo novas adaptações e estratégias de enfrentamento. Quando o diagnóstico ocorre na fase infantojuvenil, o choque emocional torna-se maior, pois essa fase da vida é vista como um período no qual a alegria, a vivacidade e a perspectiva de futuro mais se expressam.6 O indivíduo acometido por um distúrbio onco-hematológico se percebe como um ser diferente das outras pessoas, tendo de encarar problemas relacionados com a patologia e seu tratamento – dor, hospitalização, procedimentos invasivos, efeitos colaterais da medicação, dificuldades nas relações sociais, restrições às suas atividades cotidianas e problemas com a sua própria identificação –, bem como com a aparência. No contexto hospitalar, a equipe de enfermagem assume grandes responsabilidades com esses pacientes, tendo como competência prestar assistência na avaliação diagnóstica, tratamento, reabilitação e atendimento aos familiares.7,8 Os profissionais de enfermagem ficam bastante mobilizados emocionalmente diante dos pacientes oncológicos, visto que a doença traz o estigma do sofrimento e da morte. A relação entre câncer e morte, decorrente de conceitos errôneos relacionados com tal morbidade, é frequente e contribui, nesse contexto social, para um comportamento de fuga na maioria das pessoas.9 92 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 Tanto auxiliares de enfermagem como técnicos e enfermeiros estão em contato permanente com esses pacientes e participam ativamente de todo o processo do adoecer, da dor e do tratamento. Por isso, devem ser capazes de reconhecer as variações das características dos indivíduos, de acordo com as etapas de evolução da doença e também com a fase do desenvolvimento em que o paciente se encontra, para compreender os sentimentos dessa criança/adolescente e seus próprios sentimentos diante de tal moléstia. A equipe de enfermagem em atenção oncológica lida permanentemente com situações de penosidade, sofrimento e morte, que são exacerbadas pelas características da demanda e do ambiente de trabalho. Esse contexto, em que se exige uma assistência qualificada, avaliando o paciente e sua família integralmente, requer dos profissionais um movimento de doação.10 São esses profissionais, por se encontrarem mais próximos nos momentos difíceis, que o paciente e a família buscam quando necessitam de esclarecimentos ou de cuidados imediatos. Assim, esses singulares atores devem lidar com o sofrimento, com a angústia e com os temores que podem surgir em diversas situações que envolvem esse cuidar. O cuidar é a base do processo de atuação da enfermagem e, para ocorrer de forma eficaz, é imprescindível determinar as reais necessidades de seu cliente e familiares e as formas de intervenção, numa perspectiva de atuação holística e humanizada.11 A assistência qualificada, para ser considerada efetiva, requer da equipe de enfermagem o conhecimento da patologia em si e, além disso, a habilidade para lidar com os próprios sentimentos e não permitir que estes influenciem na prestação do cuidado. As situações vivenciadas por esses pacientes – o que lhes causa dor e sofrimento e o que lhes proporciona conforto e alívio – devem ser compartilhadas com a equipe de enfermagem. É com base nessas informações que o plano de ação da enfermagem deve ser construído, para que o cuidado realmente constitua uma relação de ajuda.12 Os profissionais de saúde são preparados para prolongar a vida e promover a cura. Em face do paciente terminal, eles confrontam com seus limites, impotências e incapacidades que geram raiva e culpa, o que pode resultar em negação e fuga da realidade. O controle emocional, o conhecimento, a disponibilidade, a flexibilidade, a capacidade de interação, o reconhecimento de limites e posturas éticas que garantam a confidência e a segurança emocional tornam-se aspectos vitais na relação terapêutica para auxiliar as crianças, os adolescentes e seus familiares, e até mesmo o próprio profissional, a serem resistentes diante das limitações que essa patologia causa, dos efeitos do câncer e do seu tratamento.13 Por mais que a equipe de enfermagem se faça mais presente do que outros profissionais, ela costuma apresentar dificuldade em lidar com as emoções e ideias expressas pelos pacientes em consequência da preparação insuficiente e do envolvimento emocional mais significativo.14 A rotina de trabalho da enfermagem não leva em conta os problemas que os profissionais enfrentam em seu cotidiano, tanto dentro quanto fora do trabalho. Espera-se que eles jamais expressem ao paciente suas dificuldades e que possam transmitir-lhe apenas tranquilidade.15 Segundo Haddad,15 na assistência de enfermagem é exigida a simpatia por parte do profissional. à medida que a relação com o paciente se torna frequente, ele passa a lidar com sua dor, sua dependência e sua intimidade. Por outro lado, esse cuidado é influenciado, pelo menos, por três fatores complicantes e interrelacionados: o salário, que é a fonte de sobrevivência do trabalhador; o medo da perda do paciente, seja por alta, seja por óbito; e a obrigação de se mostrar diante do paciente sempre como profissional, não lhe sendo permitido expressar preferências ou recusas, atração ou repulsa por este ou aquele paciente. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 7º, assegura à criança e ao adolescente “o direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam ao ser humano o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”.16 E é nesse contexto que se insere a importância de o profissional de enfermagem em cuidar, de forma holística, da criança e do adolescente. No entanto, é preciso avaliar, também, de que maneira esse cuidado influencia os sentimentos desses profissionais e como é possível tornar essa assistência menos complexa. O objetivo com este estudo foi identificar os sentimentos da equipe de enfermagem de uma unidade de internação diante da situação de cuidar da criança e do adolescente hospitalizados com câncer e verificar quais são os mecanismos de defesa para o não envolvimento emocional com o paciente oncológico. DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA O referencial teórico-metodológico desta pesquisa baseou-se na investigação descritiva qualitativa. O estudo descritivo permite que os fatos sejam observados, registrados e classificados sem que o pesquisador interfira neles, além de possibilitar analisar e interpretar a complexidade do comportamento humano em âmbito psicossocial.17, 18 Este estudo foi realizado na Unidade de Internação da Pediatria geral de um hospital localizado na cidade de Belo Horizonte-MG, e oferece, há mais de 35 anos, serviços na área médico-hospitalar em diversas especialidades, como a pediatria. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, para a realização na unidade de internação pediátrica. A pesquisa obedeceu aos princípios éticos dispostos na Resolução n° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde –, e garantiu aos participantes o sigilo das informações e a privacidade mediante a enumeração em ordem crescente das entrevistas. Os depoimentos foram coletados em todos os turnos de trabalho e realizados em uma sala a critério do serviço com a duração, em média, de 20 minutos. A população estudada foi composta por 13 profissionais, sendo 2 enfermeiros, 2 técnicos de enfermagem e 9 auxiliares de enfermagem, que integravam a equipe de enfermagem da Unidade, sendo excluídos os profissionais de enfermagem que tinham menos de seis meses de trabalho no setor oncológico e aqueles que estavam afastados por algum problema de saúde em geral. Todos os profissionais foram convidados, independentemente de gênero, cor, raça, religião e classe social. Alguns profissionais recusaram-se a participar. Os dados foram coletados por uma das pesquisadoras, mediante a utilização de técnica de entrevista individual estruturada, gravada em fitas cassetes. O roteiro do instrumento constou de dados de identificação dos participantes e de duas questões abertas: 1. Quais são os sentimentos que você vivencia ao prestar assistência a uma criança/adolescente com câncer? 2. Como você lida com esses sentimentos? Esse instrumento de coleta de dados ofereceu a possibilidade de anonimato completo e imparcialidade diante da enumeração sequencial das entrevistas. A coleta de dados ocorreu em janeiro de 2010. Buscouse, também, coletar dados por meio de leitura de publicações de livros, textos, documentos elaborados por instituições governamentais e associações científicas e a busca online em periódicos nas seguintes bases de dados: Medline, Scielo e Lilacs, no período de 2000 a 2010, com a utilização dos descritores: câncer, enfermagem oncológica, sentimentos. A interpretação/análise dos dados seguindo as diretrizes do método qualitativo proposto envolveu os seguintes passos: ordenação dos dados, classificação, síntese e interpretação dos dados.15 A primeira etapa – ordenação dos dados – constou do agrupamento das respostas semelhantes a fim de organizá-las. Cada entrevista foi analisada detalhadamente segundo seu conteúdo de discurso. Após essa fase, foi feita a classificação dos dados por meio da leitura exaustiva e repetitiva dos textos com o propósito de identificar as ideias centrais para estabelecer uma categorização e, posteriormente, a análise final baseada na literatura. RESULTADOS E DISCUSSÃO Sentimentos dos profissionais quanto à dimensão do cuidar Cuidar de crianças e adolescentes diagnosticados e hospitalizados com alguma neoplasia desperta inúmeros sentimentos na equipe de enfermagem. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 93 Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico O cuidar, palavra tão expressiva no cotidiano desses profissionais, reflete as ações voltadas para seus clientes de forma humanizada e holística. Mediante os depoimentos, foi possível evidenciar que todos os entrevistados se mantêm presentes ao lado do paciente, procurando dedicar seu cuidado para ajudá-lo em suas necessidades, implementando medidas para promover a vida e aliviar ao máximo seu sofrimento, como pode ser demonstrado nas falas a seguir: Sentimento de querer ajudar, saber o que eu posso fazer por ela, ajudá-la a passar de uma forma mais tranquila o possível sem traumatizar a criança. (E9) Primeiramente, meu sentimento é de tristeza, mas depois vem o sentimento de que você tem que fazer alguma coisa para essa criança, não pode também ficar pensando, sei lá, fazer o que tem que ser feito, cuidar mesmo, tentar passar força para os pais, para a mãe, para a criança. (E10) Pode-se perceber que o sentimento de ajudar decorre, muitas vezes, da tristeza e da impotência emocional diante daquele paciente tão frágil. Na prática, os profissionais de enfermagem objetivam desenvolver ações que melhorem a qualidade de vida do indivíduo enquanto este se encontra hospitalizado. O cuidado com o paciente oncológico é limitado, restringindo-se ao tempo que ele tem de hospitalização ou de vida.19 Em um estudo realizado por Faria e Maia sobre os sentimentos diante de pacientes terminais, verificouse que 25% dos profissionais tinham sentimentos de sofrimento e tristeza, 17% sentiam-se angustiados, 7% sentiam impotência e 5,1% sentiam medo.13 O sentimento de tristeza foi apontado, também neste estudo, como predominante. Meu sentimento é de estar contribuindo pra eles. Mas, assim, a gente fica triste, tipo, o número é alto, o índice de câncer ainda é muito alto na criança e no adolescente. [...] É um sentimento bom de ajudar, mas fica aquela tristeza de ver o que vai passar. (E5) A tristeza, eu fico triste em saber que uma criança que tem tudo pela frente não tem mais nada pela frente, que é só sofrer, sofrer, e na maioria das vezes é em vão. Eu sinto tristeza sabe, sinto pena. (E7) Assim como a tristeza, a impotência diante do paciente pode ocasionar sofrimento em toda a equipe de enfermagem, a qual se questiona o que de melhor poderia ser feito ou o que se deixou de fazer para recuperar ou manter a vida da criança/adolescente que estava sob seus cuidados.20 Uma sensação de impotência, de você querer ajudar, querer fazer alguma coisa e não ter o que fazer entendeu, de tristeza mesmo. (E13) Me sinto impotente de ver tanto sofrimento, uma enorme tristeza, pena, tenho muita pena das mães dos meninos, do pai, da família em geral. (E7) 94 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 O trabalho com pacientes terminais leva o profissional a uma confrontação com a própria mortalidade, com suas limitações e sua impotência. Os sentimentos gerados desse confronto podem variar entre depressão, culpa, tristeza, ansiedade e medo pela própria identificação com o paciente. O sentimento de medo foi descrito por apenas dois participantes: Eu tenho sentimento assim de medo porque tá acontecendo com eles e pode também vir a acontecer algum dia com um filho meu. (E7) O medo que a gente sente neles, o medo da morte, o medo do insucesso do tratamento, e pra gente, às vezes, a gente fica um pouco impotente. (E8) Percebe-se, neste depoimento, que o profissional de enfermagem tem esse sentimento diante da situação em que o paciente se encontra e que o medo representa o temor diante do desconhecido, bem como de algum membro da família vir a desenvolver o câncer. A especificidade da oncologia pediátrica expõe os profissionais de enfermagem a situações de dor e sofrimento que os fazem temer pelos próprios filhos, diante da hipótese de que estes desenvolvam uma neoplasia.6 Apesar dos avanços tecnológicos do diagnóstico e do tratamento das mais variadas patologias, ao se ouvir o diagnóstico de câncer ainda tem-se a ideia de morte.21 Percebe-se que os profissionais criam um vínculo afetivo com a criança/adolescente e com seu familiar, até pela própria característica dolorosa do tratamento, e diante da fragilidade em que se encontra o paciente passam a sentir piedade, o que pode ser evidenciado nas falas: Sinto muita dó deles, pena, penso porque com eles sabe! Tão novos... e por isso tento fazer tudo o que eles querem, faço todas as vontades, porque fico pensando como se fosse um parente meu, por isso tento fazer meu trabalho da melhor forma, tento dar o melhor para eles. (E2) Esse sentimento, também, foi apontado por outra participante: No primeiro momento, a gente fica com dó de ver uma criança... depois a gente vai acostumando, igual, eu já to com muito tempo de profissão, então a gente vai mais ou menos se acostumando, aí no início a gente fica com dó, depois a gente acostuma, leva na brincadeira e vai levando, tratando, o mais profissional possível. Se a gente ficasse triste por causa de todo mundo, a gente estava perdido. (E4) Nesse depoimento, percebe-se que no primeiro momento surge o sentimento de compaixão; a seguir, o de apatia, como forma de autoproteção diante de tantos casos vivenciados, transformando o momento como rotineiro. A função da enfermagem, principalmente no ambiente hospitalar exige muito do profissional: lidar com a dor, o sofrimento e a morte, os quais, associados à proximidade emocional com pacientes do setor de oncologia, produzem conflitos no profissional diante daquela condição tão sensível, como pode ser percebido no depoimento abaixo: Esses sentimentos, apesar da gente ser profissional da saúde, é importante que a gente vivencie pra gente tentar ajudar da melhor maneira possível.. (E6) Você tem que ter sensibilidade, mas acima de tudo tem que ser profissional porque é com o cuidado da gente é que se vai estabelecer a vida normal deles.. (E11) A condição do trabalho suscita sentimentos contraditórios na enfermagem, como piedade, compaixão e amor, culpa e ansiedade, raiva e mágoa contra os pacientes, que os fazem manifestar essas sensações. Diante da condição de sofrimento, tanto do paciente quanto de seus familiares, a equipe de profissionais, como seres humanos dotados de sentimentos e emoções, também manifesta reações ambíguas diante da criança/adolescente oncológico. O envolvimento, a forma de comportamento em que uma pessoa mantém proximidade com outra, expressa claramente a ligação com que a maioria dos profissionais de enfermagem assiste os pacientes oncológicos. As entrevistas confirmam que o contato com o outro é restrito ao mínimo necessário, como pode ser observado nas falas a seguir: Eu tento não pensar muito, não! Tipo, quando sair daqui desligar, continuar a viver... (E1) Eu procuro assim não envolver, eu envolvo, sofro, mas procuro esquecer, porque é uma profissão. Da porta para fora tenho minha vida. (E7) Mais do que relatar como lidavam com seus sentimentos, os profissionais, em suas falas, descreviam sentimentos ambíguos, como pode ser observado nos depoimentos de E2 e E4, respectivamente: Não posso me envolver muito, apesar de que por dentro eu sofro. A gente se envolve, mas sem querer, por mais que você evite. São justamente essas contradições que apontam o sofrimento desses profissionais. O profissional de enfermagem deve e precisa se envolver emocionalmente para conhecer melhor o paciente e, assim, identificar e atender às reais necessidades das crianças/adolescentes e de seus familiares, a fim de oferecer uma assistência de qualidade.20 O envolvimento com o paciente é visto como algo desgastante, especialmente nos casos em que o prognóstico de cura é remoto, o que se traduz em sentimento de impotência, frustração e inconformismo, como transcrito no relato a seguir: Quando fico assim chateada, eu choro. Entro no chuveiro, abro a boca e dano a chorar. Porque eu fico inconformada. Por que criança? Por que adolescente? E não é só a criança e o adolescente, tem a família também, que você acaba se apegando. Você fica vendo o sofrimento da mãe, do pai, dos irmãos e você acaba sensibilizando com isso. (E3) Conforme observado nesta fala, o envolvimento traz descontentamento no profissional pelo fato de a neoplasia afetar a criança e o adolescente que são reconhecidos como especiais e inseguros e que a seu ver teriam uma vida inteira pela frente (E7). Por causa disso, esses pacientes acabam buscando os cuidados técnicos e emocionais na equipe de enfermagem. Na visão desses profissionais, “se apegar” ao paciente é algo proibido, devendo a atuação da equipe de enfermagem limitar-se apenas a desenvolver seu trabalho, evitando ao máximo a ligação enfermagempaciente-família, como observado na fala da entrevistada E8: O pessoal fala que a enfermagem não pode se envolver. O não envolver-se foi mencionado por muitas das entrevistadas, na tentativa de não estabelecer vínculos afetivos de nenhuma espécie, já que a assistência a esses clientes mobiliza as mais variadas emoções. Diante da dificuldade em lidar com os sentimentos do paciente, o não envolvimento surge como um mecanismo de enfrentamento da situação hospitalar.22 Esse artifício aparenta ser o meio encontrado pelos profissionais para suportar o sofrimento que sentem. Além disso, os profissionais de enfermagem afirmaram em seus depoimentos que não deixam transparecer sua real emoção, dando um ar de naturalidade diante do paciente, como se isso fizesse parte da rotina do serviço, como se segue: Você, como profissional, tenta ao máximo não passar sua fragilidade para a família; pelo contrário, se faz de forte para passar confiança, esperança de que aquilo tudo vai passar. (E2) Lido contribuindo com o máximo que eu posso, dando a melhor assistência, procurando ajudar a fazer o máximo possível para a criança não sofrer e tentando a gente não transparecer que ta triste. (E5) A gente tenta ser o mais profissional possível, a gente tenta estar bem emocionalmente. (E12) Na maioria das falas, subentende-se a preocupação em exercer o trabalho da melhor maneira. A atenção aos portadores de câncer deve abranger todas as demandas, já que a própria patologia e sua terapêutica implicam comprometimentos nos aspectos físicos, emocionais e sociais.11 Além disso, é de extrema importância verificar as necessidades dos familiares que acompanham essas crianças/adolescentes. Os profissionais de enfermagem ficam sensibilizados e preocupados com a dor vivida remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 95 Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico por eles: Por dentro eu sofro, e muito. Sofro com a tristeza da criança, da mãe, do pai, a família inteira fica abalada. (E2) E não é só a criança e o adolescente, tem a família também, que você acaba se apegando. Você fica vendo o sofrimento da mãe, do pai, dos irmãos e você acaba sensibilizando com isso. (E3) O envolvimento surge em decorrência da piedade perante o sofrimento desses pacientes e também pelo fato de terem longa hospitalização. A enfermagem é a categoria que tem maior tempo de contato com essa clientela durante todo o processo terapêutico.11 Nesse contato intenso, são imprescindíveis cuidados especiais, e para isso é preciso perceber o outro, ter afinidade e afetividade, e isso só é possível envolvendo-se, criando laços afetivos com os pacientes neoplásicos. É nesse sentido a fala deste profissional: Eu lido bem, se tiver momento de tristeza eu me envolvo, às vezes até a gente chora e muito. Durante muito tempo eu ouvi as pessoas dizendo que não era para a gente se envolver, mas eu não sei como não fazer isso, não! Eu me envolvo, ainda mais pacientes com câncer que não ficam internados apenas um dia, dois dias, ficam um ano; o tratamento muitas vezes leva um ano inteiro [...], aí a gente fica com eles muitos dias, assim, muito tempo mesmo [...] Eu me envolvo demais com a família, com a criança, com tudo. Não vejo uma forma de não acontecer isso. (E12) Muitas vezes esse envolvimento é diretamente proporcional ao tempo de internação, que varia conforme o prognóstico da doença e o direcionamento do tratamento. Além disso, o conhecimento insuficiente sobre a patologia e seus reflexos no paciente pode provocar um distanciamento da enfermagem com o paciente como um mecanismo de proteção do profissional por não saber enfrentar os próprios sentimentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste estudo, mostrou-se que os profissionais de enfermagem que atuam no setor de oncologia pediátrica têm representações diferenciadas, mas que englobam sentimentos comuns. Os discursos apontaram a tristeza como o sentimento mais comum diante do paciente oncológico e o não envolvimento como forma de lidar com a situação, o que confirma ser o câncer uma doença repleta de estigma e capaz de desencadear reações complexas. As respostas dos profissionais participantes deste estudo a respeito dos seus sentimentos diante da situação de cuidar da criança e do adolescente hospitalizados com câncer denotam a busca de maior compreensão do sofrimento e das perdas que perpassam suas vivências. As tentativas de agir com naturalidade e de distanciamentos dos pacientes, mencionadas em algumas entrevistas, parecem ser estratégias encontradas para que o profissional possa suportar todas as demandas de suas funções. O ambiente hospitalar traz consigo a ideia de sofrimento e a rotina de trabalho da equipe de enfermagem gera momentos de grande vulnerabilidade emocional. Além disso, como os depoimentos confirmam, esses profissionais não se sentem preparados para lidar com o paciente acometido por câncer e com possibilidades terapêuticas reduzidas, ficando evidentes muitas dificuldades. É preciso criar possibilidades para que esses profissionais possam se abrir e falar sobre o que estão vivendo, pois, como qualquer sujeito, eles também se comovem. E, por conviverem com a sombra do medo em relação à doença, vivem sob a tensão de que eles ou seus familiares desenvolvam a patologia. Com o intuito de resgatar a dimensão emocional dessas práticas de saúde, ficou evidente a necessidade de ampliação do conhecimento oncológico no preparo dos profissionais de saúde, além do fornecimento informações que possibilitem aperfeiçoar os métodos de humanização nas instituições de saúde. É necessário um preparo contínuo, que faça parte da rotina de trabalho dos profissionais de saúde atuantes na área da enfermagem oncológica pediátrica. Esse preparo deve acontecer tanto por meio de medidas educativas e de aprimoramento de conhecimento técnico e teórico quanto pela atenção e consideração aos aspectos das relações humanas desenvolvidas no contexto institucional – por exemplo, a presença de um profissional que proporcione suporte psicológico à equipe de enfermagem, atuando de forma preventiva e/ou curativa. REFERÊRENCIAS 1. Instituto Nacional de Câncer. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2008. [Citado em 2010 set. 20]. Disponível em: <http://www.inca. gov.br/cgi/notatecnica_11012007.pdf>. 2. Machado SM, Sawada NO. Avaliação da qualidade de vida de pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico adjuvante. Texto Contexto Enferm. 2008; 17(4):750-7. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância de Câncer. 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Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012 97 A OBRIGAÇÃO DE (DES) CUIDAR: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O CUIDADO À SEQUELADOS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL POR SEUS CUIDADORES “(DE) CARING” AS AN OBLIGATION: CAREGIVERS SOCIAL REPRESENTATIONS ON CARING FOR STROKE VICTIMS LA OBLIGACIÓN DE (DES) CUIDAR: REPRESENTACIONES SOCIALES DE LOS CUIDADORES SOBRE EL CUIDADO DE PACIENTES CON SECUELAS DE ACV Jeferson Santos Araújo1 Silvio Éder Dias da Silva2 Vander Monteiro da Conceição3 Mary Elizabeth de Santana4 Esleane Vilela Vasconcelos5 RESUMO O cuidado prestado ao paciente sequelado após acidente vascular cerebral exige uma dedicação quase sempre integral, gerando, por vezes, a sobrecarga, o que implica o desgaste emocional e, possivelmente, o desequilíbrio do processo de saúde e doença. Nesse contexto, objetiva-se, com este estudo, identificar e analisar as representações sociais dos cuidadores de pacientes sequelados após acidente vascular cerebral sobre o cuidado prestado. Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, com uma abordagem qualitativa, para a qual foi empregado o método de estudo de caso e Teoria das Representações Sociais, para trabalhar os significados dos conteúdos relatados. Foram entrevistados 20 cuidadores domiciliares, cujos relatos foram organizados para análise. O estudo traz como principais ideias representadas: o fator dessocializante da doença, o acúmulo de sequelas, a angústia, o sofrimento durante o cuidado prestado, a dependência gerada pela doença e o sentimento de invalidez do cuidador perante o cuidado prestado. Emergiram da exploração dessas ideias a consolidação de quatro grandes unidades temáticas: "Mazelas no cuidado ao indivíduo com acidente vascular cerebral"; "Quanto mais sequela mais atenção"; "O acidente vascular cerebral como fator dessocializante"; e "Sequelas, angústias e suas implicações para o cuidado prestado". O estudo contribuiu para a caracterização do cuidado ao indivíduo sequelado com uma tarefa árdua, visto que as representações atribuídas pelos cuidadores entrevistados foram ancoradas na ideia consequente de exaustão no receptor, desarmonizando a assistência prestada. Nesse contexto, é necessário que o enfermeiro promova o envolvimento dos cuidadores no preparo para a alta hospitalar. Palavras-chave: Cuidadores; Cuidados de Enfermagem; Psicologia Social. ABSTRACT Caring for a stroke survivor with sequelae almost always requires a comprehensive care. This situation generates work overload that results in emotional distress and imbalance of the health/disease process. In this context this study aims at identifying and analysing the social representations of stroke victims caregivers on the care provided. This is an exploratory and descriptive research using a qualitative approach. The case study method and the Social Representations Theory were used to analyse the reported contents. A total of 20 home caregivers were interviewed, and their reports were organized for analysis. The main ideas represented were, as follows: desocializing effect of the disease; accumulation of sequelae; anguish; suffering during caring process; dependence generated by the disease; caregiver’s sense of disability regarding the care provided. A survey of these ideas allowed the consolidation of four major thematic units, namely: the flaws in stroke patient care; the more the sequelae, the more the attention; stroke desocializing fator; sequelae, anguish and their implications in the care provided. The study contributed to the characterization of the care to the individual with stroke sequelae as an arduous task: the representations given by the interviewed caregivers were anchored in the idea of exhaustion, in the recipient’s view. This fact could unbalance the caring provided so in this context nurses should promote the caregivers’ involvement in preparation for the hospital discharge. Keywords: Caregivers; Nursing Care; Social Psychology. 1 2 3 4 5 Enfermeiro licenciado pleno e bacharel em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected], Belém-PA, Brasil. Telefone: (091) 81527574. Enfermeiro. Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, Belém-PA, Brasil. E-mail: [email protected]. Enfermeiro. Licenciado pleno e bacharel em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. Belém-PA, Brasil. E-mail: [email protected]. Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, vinculada ao Núcleo de Pesquisa EPOTENA. Professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da UFPA. E-mail: [email protected]. Enfermeira do Hospital Ophir Loyola e da SESPA. Especialista em Enfermagem Cirúrgica e Terapia Intensiva. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Rua Carlos Drummond de Andrade, nº: 25, ap. 03. CEP: 66615-025. E-mail: [email protected], Belém-PA, Brasil. Telefone: (091) 81527574 98 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 RESUMEN El cuidado de pacientes con secuelas de accidente cerebro vascular generalmente exige tiempo integral, produce sobrecarga, causa desequilibrio en la salud y desgaste emocional. El presente estudio tiene el objetivo de identificar y analizar las representaciones sociales de cuidadores sobre la atención brindada de estos pacientes. Se trata de una investigación exploratoria descriptiva con enfoque cualitativo que siguió el método de estudio de casos y la teoría de las representaciones sociales para desentrañar el significado de los contenidos reportados. Se entrevistaron 20 cuidadores domiciliarios y sus relatos fueron organizados para análisis posterior. Las principales ideas representadas son: el fator de des-socialización de la enfermedad, la acumulación de secuelas, la angustia, el sufrimiento al cuidar, la dependencia generada por la enfermedad, la discapacidad y los sentimientos del cuidador a la atención recibida. La exploración de estas ideas surgieron de la consolidación de cuatro grandes unidades temáticas que se llama: Los fallos en la atención de personas con accidente cerebro vascular; A más secuelas mayor atención; El ACV como fator de des-socialización y Secuelas, angustias y sus implicaciones en la atención brindada. El estudio ha contribuido a caracterizar la atención al paciente con secuelas como tarea ardua ya que las representaciones de los cuidadores se basan en la idea de extenuación, desde la perspectiva de los receptores. Tal hecho podría desequilibrar la asistencia provista y por ello, en este contexto, los enfermeros deberían promover la participación de los cuidadores en el alta hospitalaria del paciente. Palabras clave: Cuidadores; Atención de Enfermería; Psicología Social. INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o acidente vascular cerebral (AVC) é definido como rápido desenvolvimento dos sinais clínicos de perturbação focal da função cerebral, com sintomas que duram entre 24 horas ou mais e que podem levar à morte, sem causa aparente, exceto os acidentes de origem vascular. Em adultos, o AVC é frequentemente associado com o processo aterosclerótico dos vasos intracranianos e cervical, no entanto, ele tem várias causas, tais como a trombofilia (por exemplo, deficiências de proteína C e S), anemia falciforme, infecções e congênitas ou adquiridas, emboligênico doenças do coração (por exemplo, prótese valvar cardíaca e defeitos do septo ventricular), que geralmente são causas não são identificadas.1 Trata-se de uma doença mais incapacitante do que fatal, pois, após sofrer um AVC, os pacientes podem apresentar alterações em diversas funções perceptualsensoriais, cognitivas e sensório-motoras, como fraqueza muscular, espasticidade, tipos anormais de movimento e da perda da condição física.2 Essas deficiências podem limitar a capacidade de realizar tarefas funcionais, como locomover-se (andar), e atividades práticas do dia a dia e de cuidar de si, dependendo, dessa maneira, de cuidados constantes de terceiros, neste caso de um cuidador. O cuidador é o ser que presta cuidados com base nos objetivos estabelecidos por instituições especializadas ou responsáveis, zelando pelo bem-estar do ser. É a pessoa que presta cuidados a outra pessoa que esteja necessitando, por estar acamada, com limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração. O cuidado prestado ao paciente acometido de AVC exige dedicação exclusiva e quase sempre integral, que muitas vezes leva o cuidador à instalação de uma nova dinâmica de vida, atrelada não mais às suas necessidades, e sim à do ser cuidado.1 A busca pela promoção da autonomia e independência do paciente sequelado é uma tarefa árdua e desgastante para os cuidadores, pois estes passam a realizar tarefas que outrora eram de cunho pessoal e desenvolvidas de maneira autônoma pelo paciente. A carga de tarefas é reconhecida pelo cuidador como estressante, dado o excesso de atenção dedicado ao ser, o que implica pouco tempo para cuidar de si mesmos.3 Ao prestar cuidados, o cuidador passa a ter menos tempo para cuidar de si, passa a descansar menos e trabalhar mais, muitas vezes privando-se do convívio social, uma vez que o doente portador de AVC se torna o centro das atenções. Isso leva o cuidador à reacomodação de suas praticas diárias às atividades exigidas pela evolução da doença, submetendo-se, assim, na maioria dos casos, a uma sobrecarga física e emocional relacionada à intensidade de cuidados prestados. A sobrecarga, por si só, é um fator preocupante, pois desencadeia a perda progressiva de energia e concentração, levando o indivíduo ao desenvolvimento da fadiga ocupacional, dada a constante repetição de exercícios. Quando somada à prestação de cuidados, atividade que exige determinação, destreza e atenção por parte do executante, pode levá-lo ao desgaste emocional e, possivelmente, ao desequilíbrio no processo de saúde e doença. Daí a necessidade de que tanto ele como o portador de AVC tenham necessidade de cuidados especiais. Os cuidadores sobrecarregados e exaustos, dada a assistência que desenvolvem, têm sua qualidade de vida ameaçada por causa do estresse gerado pela responsabilidade dos cuidados que oferece, que muitas vezes os levam a apresentar sentimentos de impotência, problemas de saúde, cansaço, irritabilidade e insatisfação com o que fazem.4 O interesse por este estudo surgiu durante a experiência de vida de um dos pesquisadores, que presenciou o AVC, em seu avô materno, sendo ele o principal cuidador, e de discussões sobre a temática por meio de reuniões do grupo de Pesquisa Políticas de Saúde no Cuidado de Enfermagem Amazônico (EPOTENA) com os demais autores. O conhecimento gerado neste estudo visa remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 99 A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores contribuir para pesquisas futuras sobre a temática e auxiliar os profissionais de saúde e cuidadores em suas práxis assistenciais, minimizando, assim, dúvidas para a manutenção e a prevenção de um cuidado idealizado. Nesse contexto, com este estudo objetiva-se identificar e analisar as representações sociais dos cuidadores de pacientes sequelados após AVC sobre o cuidado prestado. PERCURSO METODOLÓGICO Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, com uma abordagem qualitativa. Para trabalhar os conteúdos dos relatos dos cuidadores foi empregada a Teoria das Representações Sociais, que fornece o conhecimento teórico para a obtenção de indicações sobre o modo de pensar e agir diante do cuidado. Buscou-se compreender a relação estabelecida pela população estudada com esse ato consensual, bem como sua influência sobre os valores, atitudes, opiniões e comportamentos.5 O estudo exploratório permite ao pesquisador captar conhecimento e comprovações teóricas, com base em investigações de determinadas hipóteses avaliadas em uma realidade específica, podendo proporcionar o levantamento de possíveis problemas ou o desenvolvimento posterior de uma pesquisa descritiva.6 Quanto ao método descritivo, permite a descrição das características de determinada população ou fenômeno com o estabelecimento de relações entre variáveis alcançadas.7 A representação social é uma forma de saber do senso comum, criada no psicossocial de cada ser, que enriquece os saberes e práticas dos grupos que o dividem por meio da comunicação, dos símbolos, das linguagens e dos gestos, dos medos, dos anseios, dos conhecimentos e das características em comum, de forma a consolidar as relações do processo ensino/aprendizagem que favoreçam a criação de um novo saber que os guiem no seu dia a dia com o cuidado. As emergências das representações sociais provêm de teorias científicas, seguindo suas transformações em uma sociedade e a maneira como elas se renovam com o senso comum ou originam-se de acontecimentos correntes, experiências e conhecimentos objetivos.8 Este estudo foi desenvolvido com 20 cuidadores informais, sendo 16 do sexo feminino e 4 do sexo masculino, na faixa etária entre 18 e 78 anos, que acompanhavam seus familiares em consultas ambulatoriais no Hospital Ophir Loyola e na clínica neurológica Unineuro, ambos referência no atendimento neurológico em Belém do Pará, e que manifestaram disponibilidade e interesse em participar do estudo, após o conhecimento dos objetivos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A escolha dos sujeitos ocorreu por meio de amostragem aleatória e não probabilística, sendo o número de 100 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 cuidadores determinado pelo princípio de saturação da pesquisa qualitativa, ou seja, quando nenhuma informação nova estava sendo acrescentada ao estudo.9 Foram excluídos os cuidadores que apresentavam vínculo com o cuidado ao paciente havia menos de um ano. Os dados foram obtidos por meio de duas técnicas de coletas de dados: a livre associação de palavras e a entrevista semiestruturada orientada por um roteiro. A técnica da livre associação de palavras consiste em um tipo de investigação aberta que se estrutura na evocação de respostas dadas com base em um ou mais estímulo indutores. Essa técnica permite a evidência de universos semânticos de palavras que agrupam determinadas populações ou, ainda, permite a atualização de elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos ou mascarados nas produções discursivas.10 Na aplicação da livre associação de palavras, foram fornecidas aos sujeitos palavras que estimularam uma associação livre aos objetos solicitados, o que favoreceu a emergência de suas ideias de forma espontânea, orientados por um roteiro de entrevista semiestruturada. O roteiro de entrevista empregado foi composto por questões sobre o cuidado à pessoa acometida por AVC, sobre a sequela e o cuidado ofertado, bem como sobre o cuidado “do cuidador” diante do cuidado prestado ao outro. Para proceder à análise do material coletado, empregouse a técnica de análise de conteúdo, que pode ser compreendida como a expressão mais comumente utilizada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa,11 a qual se desdobra nas seguintes etapas: 1ª Pré-análise: é o primeiro contato com o conteúdo a ser analisado. Favorece a organização do material e a leitura das entrevistas para que haja impregnação das ideias que emergirão. Nessa etapa, retomam-se os objetivos iniciais, reformulando-os ou operacionalizando-os diante do material coletado. 2ª Exploração do material: consiste essencialmente na operação de codificação e se realiza na transformação dos dados brutos, visando alcançar o núcleo de compreensão do texto. Posteriormente, as regras de contagem que permitem a quantificação são escolhidas. 3ª Por último, classificam-se e agregam-se os dados escolhendo as categorias teóricas ou empíricas que comandaram a especificação dos temas. Procedeu-se ao levantamento de temas significativos com base nas histórias contadas pelos cuidadores, correspondentes aos textos produzidos. Em seguida, passou-se a traduzir cada história em um discurso elaborado que, em suma, expressam as representações sociais com o processo cuidar/cuidado dos cuidadores. Após a leitura flutuante dos textos produzidos, as unidades de analise emergidas foram agrupadas e frequenciadas e, a seguir, submetidas a uma exploração para melhor compreensão do objeto da pesquisa mediante conteúdos considerados mais significativos em cada texto,11 de forma a se consolidarem em cinco grandes unidades temáticas: "Mazelas no cuidado ao indivíduo com AVC"; "Quanto mais sequela mais atenção"; "O AVC como fator dessocializante"; e "Sequelas, angústias e suas implicações para o cuidado prestado", que serão discutidas a seguir. Ressalte-se que todas as etapas deste estudo foram realizadas com aprovação dos cenários do estudo e do Comitê de Ética em pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará, sobre o Parecer nº 086/10, e respeitados todos os preceitos da Resolução nº 196/96 do CNS/MS, que normativa a pesquisa envolvendo seres humanos. RESULTADOS E DISCUSSÃO A elaboração e o funcionamento de uma representação social ocorrem por meio de dois processos primordiais presentes na criação do senso comum e do coletivo: a objetivação e a ancoragem.5,8 A objetivação é entendida como uma operação criadora de imagens, a qual faz com que se torne real um esquema conceitual, que dá consistência material às ideias, estabelece correspondência entre coisas, pessoas e palavras, e dá estrutura ao conceito. Já a ancoragem, significa a inserção no social da representação e do seu objeto que, nesse caso, comporta a integração cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente e nas transformações que dele decorrem.8 Neste estudo, os cuidadores objetivaram imagens e ancoraram pensamentos a seus receptores de cuidado de forma a que emitissem significados em relação às sequelas do AVC, tendo como principais ideias representadas o fator dessocializante da doença; o acúmulo de sequelas; a angústia; o sofrimento durante o cuidado prestado; a dependência gerada pela doença; e o sentimento de invalidez do cuidador perante o cuidado prestado. Tais ancoragens favoreceram a consolidação das unidades temáticas a seguir. Mazelas no cuidado ao indivíduo com AVC A ideia agrupada nos textos produzidos por 55% dos depoentes está relacionada ao sentimento de sofrimento, em que o cuidador se envolve e traz para si as mazelas de seu objeto de cuidado. Os cuidadores emanaram sentimentos como se tais problemas cognitivos fossem deles também, o que acaba por leválos ao sofrimento não na mesma intensidade da dor do ser cuidado, mas na intensidade da dor semelhante à do outro. Tais fatores podem ser observados nos textos exemplificados abaixo: A pessoa tem que ter paciência, devido o estresse e tem que ter aceitação do doente. Sofro com ele, mas tenho que ser forte. (A1) A vida da pessoa muda totalmente; o papai ficou todo mudado, só que a mudança dele foi para pior. Isso me deixa muito triste. (A11) Depois que meu pai teve derrame, presenciei a cada dia sua vida acabando e a minha também. Não aguento ver ele assim. (A19) O antropofagismo sentimental expresso nas representações dos cuidadores ocorre em razão da sensibilidade, da convivência e da identificação com o cuidado, uma vez que o cuidar, para ser um processo de solicitude, exige identidade com o ato, o reconhecimento, o respeito e a sensibilização, de forma a superar as dificuldade e as limitações. Assim, os cuidadores, para serem fidedignos ao cuidado, devem envolver-se com o que fazem.12 Cuidar de pessoas vítimas de AVC mobiliza muitos sentimentos antagônicos em um curto espaço de tempo: amor e raiva, paciência e intolerância, carinho, tristeza, irritação, desânimo, pena, revolta, insegurança, negativismo e solidão. Todos esses sentimentos colocam muitas dúvidas quanto aos cuidados, sobretudo os sentimentos negativos que podem causar sofrimento e dor.13 O cuidador é exposto a diversos eventos causadores de sofrimento. Ele sofre por não saber do futuro do ser cuidado, pelas incertezas quanto à doença e ao tratamento do AVC, e por temer a possibilidade de agravo da incapacitação gerada pelas sequelas da doença.2 O cuidador sofre assumindo o sofrimento junto com o acometido de AVC e pelo fato de vê-lo sofrendo, e também por sentir-se impotente de ser incapaz de livrar o outro do sofrimento. O sofrimento apresentado com o surgimento do fenômeno social dos cuidadores de pacientes após AVC desencadeou um processo de elaboração nos planos individuais e coletivos de teorias que combinam valores, crenças, atitudes e informações, as quais permitiram que esses cuidadores/seres sociais guiassem seu saber diante do envolvimento com o ser cuidado. Para as representações sociais, é pelo estudo e divulgação de tais saberes e teorias, como as dos cuidadores de pacientes acometidos por AVC, que o indivíduo organiza uma visão coerente do objeto de cuidado e do ser humano, ao mesmo tempo em que procura negociar um espaço de aceitação e inclusão nos grupos nos quais interagem os cuidadores e o ser cuidado.14 Entretanto, a tarefa da representação social não é apenas social em sua função epistêmica na produção de conhecimento sobre o objeto-mundo dos cuidadores; ela é também regulada pela dinâmica do desejo e pela economia da psique, que estão subordinadas a processos inconscientes de representar o sujeito cuidado e suas limitações.15 Nesse contexto, observase que os aspectos afetivos das representações sociais estiveram intimamente introjetados nos depoimento dos cuidadores, constituindo-se elementos primordiais para o reconhecimento de uma realidade repleta de sofrimento no ato de cuidar. As representações sociais desveladas auxiliam o enfermeiro na compreensão do processo de adoecimento remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 101 A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores do cuidador e nas concepções e práticas do cuidado ao indivíduo acometido por AVC, na compreensão dos comportamentos e hábitos de saúde desse grupo – por exemplo, os processos de construção dos conceitos coletivos sobre o cuidado prestado –, permitindo entender a articulação que esses grupos sociais fazem entre o conhecimento científico, o saber popular e as relações de cuidado do outro no dia a dia. como deveria ser, pois elementos novos são inseridos a todo instante em seus pensamentos, modificando-lhes a estrutura a respeito dos objetos, dos seres e do cuidado ao outro. Por isso, na visão/pensamento/representação dos cuidadores indagados, o AVC gera grandes mudanças no paciente, uma vez que quanto mais sequelas apresentarem, maiores serão as necessidades de atenção, cuidado e zelo que eles destinarão a fim de estabelecer harmonia e conforto ao ser cuidado.5 Quanto mais sequelas, mais atenção A enfermagem, diante da busca da manutenção do processo saúde e doença, deve apropriar-se das concepções de cuidados junto às representações sociais dos cuidadores, visto que nesse cenário as concepções de cuidado e descuidado são vistas como processos dinâmicos, históricos e sociais. O cuidado proporcionado pelos profissionais, nessa perspectiva, também deve estar em constante transformação, aberto às inúmeras influências cotidianas, as quais exigem um constante repensar do conteúdo e expressão das estratégias cuidativas nas práticas sociais. A quantidade de sequelas mencionadas nos textos produzidos foi um fator relevante nas falas de (60%) dos depoentes, uma vez que representam mais atenção requerida pelos cuidadores, sendo mais um agente implicante no processo de cuidado, como pode ser observado nos trechos abaixo: Meu pai, depois do derrame. ficou assim, não anda mais e tudo depende da gente; é muito. Ele é um incômodo, pois deixo de fazer as coisas para fazer tudo que ele quer. (A9) Antes ele fazia tudo, andava, resolvia os problemas dele, e agora ele mal consegue falar, até eu tenho que ajudar, essa sequela que eles falam que ele ficou, só prejudica as pessoas, tanto eu como ele. (A13) Antes ele não era assim, ele fazia tudo, parece que quanto mais sequela ele tem pior fica para cuidar. (A20) Dessa forma, por meio da riqueza de elementos levantados sobre os grupos de cuidadores atrelados a situações de cuidado ao sequelado de AVC, os enfermeiros podem transpor e transformar estratégias nas práticas de cuidado em saúde, as influências de modelos ou desenhos assistenciais limitantes e que reduzem a complexidade do processo cuidar/cuidado. O AVC como fator dessocializante Os cuidadores relatam que quanto mais sequelas o receptor de cuidados apresentar, maior o tempo de atenção destinado a ele. Muitos estão cansados e, por vezes, adicionam componentes religiosos ao cuidar, como a ajuda de Deus para a continuidade do cuidado. É perceptível, também, que a incapacidade gerada pelo AVC relaciona-se à mudança, em que estar incapaz e depender exclusivamente de outros, em momentos da vida, significa estar mudando para pior, estar ocasionando intrigas na vida do cuidador, estar em estado de deficiência total, sem autonomia de si. As necessidades de cuidados às pessoas sequeladas por AVC são inúmeras. A começar pelo seu acentuado grau de comprometimento funcional para o provimento do autocuidado corporal, necessidades em graus variados da ajuda de outros para o desempenho das atividades da vida diária, sem as quais o bem-estar, a autoestima, a apresentação, convivência e a inclusão social dessas pessoas seriam inviáveis.16, 17 Quando os cuidadores percebem-se sobrecarregados, dado o aumento da sua atenção para com o outro, tendem a sentir maiores níveis de cansaço e, consequentemente, a desempenhar suas funções além de suas capacidades, o que resulta numa situação de cuidado desequilibrada, normalmente acompanhada por resultados insatisfatórios, passando a ter restrições também em relação à sua própria vida e ao cuidado de si.13,18 As representações sociais dos cuidadores fazem com que seu mundo seja o que eles pensam que ele é ou 102 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 Os cuidadores também relataram a dessocialização como parte do seu cotidiano, fato identificado nas expressões de 20% da população estudada, quando ocorre a repetição de informações que fazem alusão à marginalização do receptor de cuidados, conforme ilustrado nos textos a seguir: Porque é uma coisa ruim que muda a vida da pessoa, afasta os amigos; eles ficam à margem de tudo. (A2) A pessoa sofre preconceito, rejeição, pois as pessoas não entendem o que aconteceu e acaba se afastando, isso prejudica a melhora dele. Fico triste por isso. (A12) Dificilmente as pessoas dão oportunidade de emprego às pessoas com sequelas; as pessoas têm limitações físicas e ficam sem emprego, são vistos como um atraso ao serviço das empresas, por isso não tem oportunidade. (A8) O AVC é representado pelos cuidadores como um agente marginalizador. Segundo eles, existem dois fatores que implicam essa dessocialização: o primeiro remete às sequelas, uma vez que a gravidade delas pode gerar incapacidade, impedindo que o indivíduo possa realizar atividades de vida diárias com a mesma destreza de antes, logo passa a isolar-se; o segundo relaciona-se à dependência gerada pela sequela. Dessa forma outras pessoas, principalmente quando esse cuidador é familiar, preferem afastar-se, pois a presença contínua implica divisão do cuidado, a qual, segundo os cuidadores, é falha, um fator que leva também à marginalização. Preocupações com o cuidado e com a divisão desse cuidado entre outros cuidadores para a manutenção do processo saúde e doença são universais na vida humana e estão presentes em todas as sociedades. Cada grupo de cuidadores se organiza coletivamente por meios materiais, pensamento e elementos culturais para compreender e desenvolver técnicas em resposta a experiências ou episódios de doença e infelicidade, seja individual, seja coletiva.19 Dessa forma, os relatos levam a refletir sobre uma das características da civilização capitalista na qual os cuidadores estão inseridos: a cultura do belo, do saudável e do produtivo. Nessa cultura, predomina a comunicação utilitária e perversa, quando a ciência estabelece que o portador de sequela de AVC tende à neurodegeneração contínua e em muitos casos irreversível, chegando a não mais responder à nossa comunicação, verbal ou não verbal.20 Se o portador de sequela de AVC não é mais “produtível” economicamente para o país, então ele é descartado socialmente, não servindo mais à produção, haja vista que, na visão dos empreendedores, ele encerrou sua contribuição trabalhista, portando-se às margens do social.20 No modo de produção do trabalho, atualmente vigente no Brasil, as pessoas constroem-se na cisão da elaboração/execução de projeto e atividades, na divisão de ações manuais e intelectuais, na operacionalização de rotinas e normas repetitivas e destituídas de sentido singular. Quando uma pessoa não é produtiva, ela encontra a rejeição, visto que sua utilidade cai ao julgamento social, sugerindo que o bom trabalhador é aquele que produz em larga escala.21 Os seres humanos, hoje em dia, vivenciam a queda da identidade pessoal, da ruptura dos vínculos e normas sociais, da aceleração existencial traduzida pelo consumismo, competitividade e premência de tempo. O mundo transforma-se em um grande balcão de negócios, onde o poder de compra é conseguido pelo trabalho. As sequelas de AVC ameaçam a ascensão do paciente ao mercado de trabalho, transformando-o em um ser vulnerável socioeconomicamente.18 Relacionando a marginalização social dos sequelados, criada no imaginário dos cuidadores, e por meio dos conteúdos expressos nas informações, imagens, opiniões, atitudes e outros que se relacionam com o ser sequelado por AVC, cria-se uma representação social, ou seja, um trabalho a realizar, um acontecimento econômico, um personagem social. Converge, também, a representação social de um cuidador, de um grupo de cuidadores, em relação ao paciente, pois as representações sociais são definidas com base em conteúdos expressos do seu dia a dia que lhes motivem comportamentos, saberes e atitudes.8 Dessa forma, os cuidadores demonstram suas representações sobre ser cuidado perante a sociedade, que impõe sua concepção excludente em relação ao sujeito com sequelas, demonstrando a posição que, segundo ela, lhe é cabível à margem do cenário social. O enfermeiro, por sua vez, deve apropriar-se de tais conhecimentos representativos e promover o alívio do sofrimento e manutenção da dignidade do paciente sequelado por AVC, seja em meio às experiências de saúde, seja em meio à doença, à vida e à morte. Convém lembrar que o cuidado humano dispensado pelo enfermeiro deve atingir, além dos sujeitos receptores de cuidados, seus cuidadores e seus familiares, de modo a garantir melhor relacionamento, interdependência, autonomia e respeito à dignidade do ser. Sequelas, angústias e suas implicações para o cuidado prestado As sequelas presentes nos pacientes de AVC são identificadass nos textos produzidos como geradoras de momentos angustiantes para 25% dos cuidadores entrevistados. A angústia foi relacionada ao fato dos cuidadores não deterem noção do prognóstico do ser cuidado, não saberem sobre a possibilidade de reabilitação ao estado anterior à doença ou se haverá adaptação ao estado atual e, sobretudo, por tentarem compreender como o paciente se sente diante desse processo de mudanças, conforme observado nas falas abaixo: A pessoa tem que se adaptar para viver melhor, a pessoa fica defeituosa nos braços, na perna, na boca, nos olhos... horrível, a pessoa desfigurada. (A4) As sequelas levam ele a lugar nenhum; ele fica parado, não posso ajudar ele em nada para sair dessa; não encontro remédio algum que faça essas sequelas saírem; sinto-me inútil por não conseguir tirar ele desse estado. (A5) A gente não sabe o que fazer para mudar isso, não sabe que remédio vai dar o que fazer. A pessoa se submete a fisioterapia, tem que ir todo dia, e na maioria das vezes não volta a ser quem era. (A7) A qualidade de vida se traduz pela satisfação com a vida e é subjetivamente baseada na satisfação das necessidades do indivíduo. Dessa forma, a qualidade de vida da pessoa apos AVC deve ir além do caráter atributivo biológico, psicológico e social, deve ser dotada de características que possibilite ao paciente ser incluído no meio autônomo e independente, ser uma pessoa capaz de reagir diante de uma sociedade em mudanças.22 A qualidade de vida dos pacientes acometidos por AVC foi mencionada como prejudicada pelas sequelas, fator desencadeador de maiores cuidados por parte do cuidador, a fim de suprir as necessidades alteradas do outro. Os cuidados, quando oferecidos em excesso, geram sobrecarga ao seu provedor, levando-os a experimentar situações contínuas de estresse e angústia, que podem implicar diretamente a qualidade dos cuidados oferecidos.23 Após o AVC, muitas vezes, vem as sequelas, que levam à vivência de uma nova realidade, que envolve o redimensionamento de limitações e possibilidades do ser, compreendidas pela complexa experiência do adulto remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012 103 A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores que se depara com a reaprendizagem e a rearticulação de novas formas de ser/fazer.24 A busca pela reabilitação do sequelado de AVC é um bem necessário, porém cansativo, pois as sequelas dificultam esse feito. Os cuidadores, entre seu universo de cuidar, podem apresentar sentimento de impotência diante do futuro tão aflitivo do paciente. O processo de reabilitação demanda tempo, dedicação e cuidados específicos até o ser readquirir algumas funções ou mesmo adaptar-se à nova condição de vida. Diante desse fato, os cuidadores sentem angústia por não saberem executar atividades específicas dirigidas para esse ser que, a cada dia, mostra-se menos dinâmico na melhoria de sua qualidade de vida.25 As representações sociais emergidas pelos cuidadores, nesse caso, constituem processos psicossociais que determinam a produção de comportamentos e a relação deste com o meio ambiente de cuidados ofertados, desencadeando modificações nos seres em uma dinâmica constante.5 Desse modo, para os cuidadores em questão, o processo psicossocial criado junto ao paciente sequelado conferiu-lhes sentimentos negativos de angústia ao tentar compreender como o ser se sente depois do AVC. As sequelas e os sentimentos de angústia implicam diretamente o cuidado prestado ao ser e, por fim, a oferta de maiores esforços para a qualidade de vida do paciente. Para primar pela melhora da independência e autonomia do outro, esses sentimentos devem ser controlados. Os cuidadores devem apresentar-se dotados do sentimento de cuidar, pois, dessa forma, é possível atrelar o cuidado aos aspectos imperativos da individualidade do ser, seguindo o modelo holístico de cuidado, bastante defendido pela enfermagem atual, que leve o sujeito à maior autonomia e independência. CONCLUSÃO O cuidado ao indivíduo sequelado após AVC foi representado como uma tarefa árdua, visto que as representações atribuídas pelos cuidadores entrevistados foram ancoradas com a ideia de exaustão. Pode-se afirmar que o cuidado era prestado em alguns momentos com obrigação, o que não representa, então, o real conceito de cuidado, que é atender às necessidades do outro com domínio e satisfação da assistência. Os cuidadores também representaram sua assistência associada ao sentimento de angústia, seja por sofrer junto com seu objeto de cuidado, seja pela dependência que o outro tem deles, seja pela invalidez que sentem quando algo lhes ultrapassa a capacidade de assistir seu receptor de cuidados. As representações geradas por esse grupo favoreceram a compreensão do cansaço que cotidianamente os cuidadores familiares encontram ao deparar-se com os cuidados aos sequelados pós-AVC. O enfermeiro, durante o desvelar de sua práxis assistencial, acaba interagindo mais com essas situações no processo de ensino e aprendizagem, visto ser o profissional mais próximo do doente e de seu cuidador, e, principalmente, por ser o profissional responsável por orientações para o cuidado do outro. As representações sociais encontradas também possibilitam ao enfermeiro o acesso a um campo vasto para investigação no sentido de compreender as diversas relações que se estabelecem na área da saúde – por exemplo, aquelas que se constroem nas vivências individuais e coletivas do sequelado de AVC, do cuidado e dos cuidadores. É valido ressaltar que, ao orientar o indivíduo a cuidar do outro, é necessário não negligenciar o cuidar de si e que atender o outro é um ato de doação, e não de obrigação, pois quando esta se torna presente, além de ser caracterizado como um fardo, promoverá no cuidador diversas mazelas, como cansaço, estresse e descuidado de si, o que acabará implicando, consequentemente, o ato de prestar cuidados, desarmonizando, assim, a assistência prestada. Diante desse fato e sabendo que os cuidadores assumirão os cuidados, é necessário que a enfermagem promova estratégias que possibilitem o envolvimento dos prestadores de cuidado, da família e do paciente no preparo para a alta hospitalar e para a assistência domiciliar, além do desenvolvimento de um cuidado holístico centrado na beneficência e na promoção da autonomia e da independência do ser. REFERÊNCIAS 1. Matta APC, Galvao KRF, Oliveira BS. Cerebrovascular disorders in childhood: etiology, clinical presentation, and neuroimaging findings in a case series study. Arq Neuro-Psiquiatr. 2006; 64(2A):181-5. 2. Pavan K, Cruz LCA, Nunes MF, Menezes LG, Marangoni BEM. Cross-cultural adaptation and validation of the Rivermead Mobility Index in stroke patients within the brazilian cultural and language context. Arq Neuro-Psiquiatr. 2010; 68(1):52-5. 3. Goncalves LHT, Costa MAM, Martins MM, Nassar SM, Zunino R. The family dynamics of elder elderly in the context of Porto, Portugal. 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Das publicações selecionadas, foram evidenciadas três temáticas: "Educação profissional como necessidade", "Educação profissional como desafio" e "Rumos para a educação profissional em enfermagem". As publicações apontam que a enfermagem vivencia as demandas de transformação profissional, porém existem enfrentamentos relacionados à integração entre o saber e o fazer com a aproximação da ciência, das aptidões práticas e das vivências empíricas, em que a educação se torna cotidiana e transformadora da atuação profissional. Palavras-chave: Enfermagem; Educação Profissionalizante; Educação em Enfermagem; Pesquisa em Educação de Enfermagem. ABSTRACT Professional education is a very important strategic element for the construction of citizenship and for the fortification of the bases of professional nursing regarding the new demands of the profession. It is a qualitative study that aims at carrying out an Integrative Literature Review of researches developed from 1998 to 2008 on Professional Nursing Education, identifying and discussing directions for the practice. The selected publications evidenced three main themes: Professional education as a necessity; Professional Education as a challenge; Directions for professional nursing education. The publications indicate that nursing experience the demands of professional transformation. However, there are confrontations related to the integration between theory and practice through the association of science, practical skills and empirical experiences. In this context, education becomes a daily and revolutionizing practice of the professional performance. Keywords: Nursing; Vocational Education; Nursing Education; Nursing Education Research. RESUMEN La educación profesional se reviste de importancia como elemento estratégico para la construcción de la ciudadanía y del fortalecimiento de las bases profesionales de enfermería frente a las nuevas demandas de la profesión. Se trata de un estudio con enfoque cualitativo, teniendo como objetivo realizar una Revisión Integradora de la Literatura sobre investigaciones desarrolladas entre 1998 y 2008 sobre Educación Profesional en Enfermería, evidenciando y discutiendo directivas para la práctica. De las publicaciones seleccionadas surgieron tres temas: Educación profesional como necesidad, Educación profesional como desafío y Rumbos para la educación profesional en enfermería. Las publicaciones apuntan que la enfermería vivencia las demandas de transformación profesional. Sin embargo, persisten enfrentamientos en cuanto a la integración entre el saber y la práctica con la asociación de la ciencia, las aptitudes prácticas y las experiencias empíricas. En este contexto, la educación se convierte en una práctica diaria y revolucionaria de la actuación profesional. Palabras clave: Enfermería; Educación Profesional; Educación en Enfermería; Investigación en Educación de Enfermería. 1 2 3 4 5 6 Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista CAPES/REUNI. Membro do Núcleo de Estudos e Assistência em Enfermagem e Saúde às Pessoas com Doenças Crônicas (NUCRON/UFSC). Enfermeira. Doutoranda do PEN/UFSC. Bolsista CAPES. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde (GEPADES/UFSC). Professora substituta do Departamento de Enfermagem da UFSC Enfermeira. Mestre em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Enfermagem (EDEN/UFSC). Psicóloga. Mestre em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos sobre Enfermagem, Quotidiano, Imaginário e Saúde de Santa Catarina (NUPEQUIS/UFSC). Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Vice-coordenadora do EDEN/UFSC. Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Coordenadora do EDEN/UFSC. Endereço para correspondência – Rua Jerusalém n° 1.255, Centro. Pomerode – Santa Catarina. CEP: 89107-000. E-mail: [email protected]. 106 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO METODOLOGIA A equipe de enfermagem desenvolve seu fazer profissional centrado no cuidado ao ser humano em seu processo de viver, sendo que suas ações não se referem somente ao desenvolvimento de técnicas, mas ao conjunto de saberes que se articulam para que o cuidado seja efetivo, incluindo atitudes de preocupação, responsabilidade, envolvimento, liderança, autonomia, educação em saúde, cooperação e trabalho em equipe.1,2 Trata-se de revisão integrativa de literatura com abordagem qualitativa para a identificação de estudos sobre educação profissional em enfermagem. Adotou-se esse tipo de revisão, visto que ele contribui no processo de sistematização e análise dos resultados, visando à compreensão de determinado tema com base em outros estudos independentes.12 Para que o cuidar seja congruente com as demandas sociais e realizado com qualidade, é imprescindível que a educação profissional proporcione a formação de profissionais com conhecimento científico, habilidades técnicas e raciocínio crítico-reflexivo que satisfaçam tais exigências.3-5 Nessa perspectiva, emergem necessidades e desafios que devem ser enfrentados com relação à formação do trabalhador em saúde, sendo muitas delas intrínsecas ao contexto histórico da formação profissional e do modelo de saúde no Brasil.6 Convém lembrar que a ênfase na atuação hospitalar predominou nos currículos de enfermagem, sendo que, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, cujo enfoque é a promoção da saúde e a prevenção de doenças, surgiram novas demandas e a necessidade de adequação dos currículos e das estratégias de ensino.6 Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)7, em 1996, foi fortalecido o desenvolvimento de habilidades e competências, além do estímulo para a aprendizagem contínua ao longo do processo de trabalho, reforçando a importância do aprender durante toda a vida profissional, do despertar do raciocínio crítico e comprometido com a busca constante por aperfeiçoamento e conhecimentos para utilização individual e coletiva.6-8 Dessa forma, atenção especial deve ser destinada à formação pedagógica visando instrumentalizar o futuro profissional para elaborar estratégias de ensinoaprendizagem, posicionando-o como agente de transformação tanto no processo educativo quanto no exercício prático da profissão.9 A formação profissional, além de promover mudanças no educando, no educador e na escola, repercutirá significativamente no mundo do trabalho. Atualmente, a saúde aparece como principal problema, com 52% de indicações pela população brasileira.10 Assim, a educação profissional tornou-se um ponto de grande relevância para o contexto profissional e social,11 tendo em vista sua estreita relação com a realização do cuidado com maior segurança, qualidade, eficácia e resolutividade em menor tempo e com o menor custo, bem como para a promoção do cuidado humanizado e integral.6 Nessa perspectiva, com este estudo o objetivo foi realizar uma revisão integrativa de literatura das pesquisas desenvolvidas no período de 1998 a 2008 sobre educação profissional em enfermagem evidenciando e discutindo os direcionamentos para a prática. As etapas da revisão integrativa da literatura estão alicerçadas em uma estrutura formal de trabalho que inclui o estabelecimento de critérios bem definidos sobre a coleta de dados, análise e apresentação dos resultados desde o início do estudo, com base em um protocolo de pesquisa previamente elaborado e validado.12 Nesse sentido, foram adotadas as seis etapas indicadas para constituição da revisão integrativa da literatura: 1. seleção da pergunta de pesquisa; 2. definição dos critérios de inclusão de estudos e seleção; 3. representação dos estudos selecionados em formato de tabelas, considerando todas as características em comum; 4. análise crítica dos achados, identificando diferenças e conflitos; 5. interpretação dos resultados; e 6. reportar de forma clara a evidência encontrada.12 A busca pela literatura ocorreu dos dias 21 a 28 de outubro de 2008, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) na base de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de Enfermagem (BDENF), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e contemplou um universo de 56 publicações (FIG. 1). Os descritores foram selecionados com base na terminologia em saúde consultada nos Descritores em Ciências da Saúde (DECS-BIREME), sendo utilizados “Educação Profissionalizante” AND “Educação em Enfermagem”, em suas respectivas traduções para os idiomas português, espanhol e inglês. Nos critérios de inclusão adotados, foram considerados estudos completos, contendo os descritores selecionados, disponíveis para a leitura por meio do portal CAPES/MEC e que estivessem publicados no período de janeiro de 1998 a janeiro de 2008, nos idiomas português, espanhol e/ou inglês. Foram excluídas, automaticamente, produções duplicadas, cartas, opiniões, manuais, cadernos, relatórios, teses, dissertações, TCCs, boletins epidemiológicos e produções não relacionadas ao escopo do estudo. Foram selecionados 13 estudos completos para análise mais aprofundada. Em concordância com o terceiro item das etapas estabelecidas na revisão integrativa da literatura, para a extração dos dados foi construído um quadro contendo colunas discriminando informações relevantes, como o tipo de estudo, os resultados, as conclusões e os direcionamentos para a prática. Os dados foram agregados conforme a identificação de semelhanças e diferenças, compondo achados que foram interpretados e sustentados com outras literaturas pertinentes, sendo evidenciadas três temáticas: "Educação profissional como necessidade", "Educação profissional como desafio" e "Rumos para a educação profissional em enfermagem". remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012 107 Educação profissional em enfermagem: necessidades, desafios e rumos FIGURA 1 – Processo de seleção de estudos para a revisão integrativa RESULTADOS E DISCUSSÕES Das publicações selecionadas, temos: sete pesquisas, quatro reflexões teóricas, uma revisão e um relato de experiência, sendo que os textos apontam para os seguintes temas: "Educação profissional como necessidade", "Educação profissional como desafio" e "Rumos para a educação profissional em enfermagem". Educação profissional como necessidade Os artigos em que se aborda essa temática focam suas atenções no mercado de trabalho em saúde e nas demandas atuais de produção de serviços. Retratam a enfermagem como uma profissão inserida no contexto global e vivenciando as demandas de produtividade tais como os demais segmentos da economia.4,13 Saliente-se que a equipe de enfermagem desenvolve grande parte das ações em saúde dado o número elevado de profissionais dessa categoria inseridos nos serviços de saúde,13,14 porém existem dificuldades de gestão no que concerne à obtenção de trabalhadores qualificados. Nesse contexto, enfatize-se tanto a necessidade de adequação curricular das escolas de enfermagem para a formação de novos profissionais como a urgência na realização de ações de educação permanente para os que já estão em atividade.14,15 A educação permanente aos trabalhadores da saúde pode ser compreendida como um processo de transformação, por meio da aprendizagem no trabalho, desenvolvendo habilidades para a melhor compreensão dos fatores pessoais, socioeconômicos e ambientais que afetam a saúde em decorrência de problemas enfrentados na prática.16 Embora a educação permanente esteja bem fundamentada teoricamente e apresentando bons resultados,17 percebe-se a necessidade de fortalecer mecanismos de inserção da educação e da reflexão no cotidiano dos trabalhadores em saúde, a qual possibilitará um novo agir e um caminho mais seguro para o fazer da enfermagem.18 Temas como a informatização e a sistematização do serviço de enfermagem são reconhecidos como competências deficitárias a um grande número de profissionais disponíveis ao mercado de trabalho, 108 bem como a criatividade e autonomia são pouco encontradas, fato decorrente de uma formação profissional centrada nos moldes educacionais formais que enfatizavam as atividades técnicas, tarefeiras e pouco reflexivas.13,15,19,20 Com relação ao cenário de assistência à saúde no Brasil, que nas últimas décadas fortaleceu a promoção da saúde e a prevenção da doença por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), são evidenciadas reflexões sobre o perfil de formação dos profissionais da equipe de enfermagem com bases hospitalocêntricas e pouco preparadas para o exercício das atividades de atenção primária à saúde.13,15 Novos paradigmas entendem que o processo de ensino e aprendizagem é dinamizado pela desconstrução e reconstrução de conceitos já sedimentados e enriquecidos pela compreensão que busca apreender as relações entre as diferentes dimensões do ser humano e da realidade, superando os desafios da fragmentação do saber e simplificação reducionista.21 Assim, emerge a necessidade de educação profissional tanto na formação inicial quanto permanente, sendo necessário que os currículos proporcionem a formação de profissionais com saberes que possam ser mobilizados e articulados para atender à demanda do mundo do trabalho.9 Ressalte-se a importância da adequação contínua de currículos escolares e das propostas pedagógicas visando à formação crítico-reflexiva para que a categoria, em seus diversos níveis de formação, possa ocupar com competência o papel que lhe é conferido em todos os segmentos da assistência à saúde. Educação profissional como desafio Nesse tema foram evidenciadas as dificuldades de implementação de ações educativas para a formação de profissionais de enfermagem mais aptos ao agir reflexivo e crítico, haja vista a ênfase e valorização das atividades técnicas que ainda perdura nos cenários de atuação prática.5,22 Corroborando com esse achado, estudos indicam tentativas de mudanças na estrutura curricular priorizando a valorização do ser humano em suas múltiplas dimensões.22,23,24 Entretanto, a fragmentação teórico-prática, somada à baixa participação dos remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012 docentes no processo decisório dos planos de ensino e insegurança destes com relação ao conteúdo da disciplina, dificulta a disseminação de uma visão de mundo mais ampla.22,23,24 Também emergiu a fragilidade no desenvolvimento de aptidões administrativas, gerenciais e de informática, principalmente pelos profissionais que estão há mais tempo no mercado de trabalho.4 Ainda, no que tange à utilização de ferramentas tecnológicas no processo de ensino e aprendizagem, alguns estudos indicam que é baixa a apropriação dessas práticas por parte dos docentes.22,25 Assim, mesmo evidenciadas necessidades de conhecimento e aperfeiçoamento tanto para a atuação em instituições hospitalares quanto para a atenção em saúde coletiva e sendo o saber imprescindível para a adequação ao processo produtivo, a efetivação dessas ações realiza-se a passos lentos. Observou-se que as condições de atuação e a conduta de enfermeiros que desenvolvem atividades de docência, principalmente em cursos técnicos, também são pontos frágeis do processo de ensino e aprendizagem. Foi ressaltado que a incipiente formação pedagógica do enfermeiro para o exercício da docência constitui o ponto que fragiliza esse processo, sendo necessários o aprofundamento acadêmico e a ampliação da compreensão sociocultural para a melhoria do ensino médio e do fazer profissional.26 Tal fato é decorrente da baixa remuneração e da instabilidade de contratação, que levam ao exercício de atividades assistenciais paralelas à docência e à desmotivação para o aperfeiçoamento acadêmico.19,24,27,28 Nesse sentido, um dos desafios ainda é a mudança de paradigma do docente em relação à educação tradicional, sendo preciso que o enfermeiro docente busque estratégias metodológicas inovadoras e dinâmicas. Tais ações precisam integrar o ensinoserviço como forma de aproximação e transformação da realidade do trabalho, para uma aprendizagem significativa por meio de estratégias que possibilitem o estímulo à crítica e à reflexão.9 É necessário que haja maior investimento na formação inicial e permanente do docente para que este possa desenvolver o perfil profissional e atender aos princípios propostos pela educação profissional. Rumos para a educação profissional em enfermagem Algumas publicações revelam o profissional de enfermagem imerso no contexto mundial e vivenciando as necessidades de transformação, porém mostram os enfrentamentos necessários à utilização das metodologias ativas de ensino nessa realidade,5,29,30 bem como o desejo da integração entre o saber e o fazer com a aproximação da ciência, das aptidões práticas e das vivências empíricas pessoais de cada trabalhador, em que a educação se torna cotidiana durante a atuação profissional.15 Alguns autores enfatizam a participação da academia nesse processo, por meio da estruturação curricular que favoreça a comunicação com a prática profissional durante as atividades de ensino, extensão e pesquisa.29,31 Comentam que o contato com a realidade da comunidade e com suas características econômicas, culturais e sociais proporciona o despertar do senso crítico, bem como a formação científica visando às necessidades do contexto onde exercerão suas atividades. Tal fato promove a formação de profissionais mais preparados para o mercado de trabalho e ao mesmo tempo já adaptados às demandas que este possui29-31. Um estudo de revisão efetuado com base nas produções entre 1988 e 1998 sobre a educação profissional em enfermagem no Brasil já apontava a necessidade de qualificação do saber dos profissionais para o cumprimento de seus papéis no fazer da enfermagem e nas demandas sociais nas quais estão inseridos.26 Dessa forma, é necessário que o profissional da enfermagem compreenda o contexto do processo produtivo onde atua, sendo que a educação profissional tem o papel de despertar a visão do todo, do compromisso social e da compreensão do ser humano em sua totalidade.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação profissional em enfermagem, como processo, é capaz de oferecer subsídios para o desenvolvimento de ações interdisciplinares e humanizadas de cuidado. É nítido que, diante dos avanços tecnológicos e das exigências do mundo do trabalho, é essencial que o profissional se aproprie do conhecimento e de atitudes para alicerçar sua prática. O profissional imbuído nesse processo necessita, entretanto, de ampliar e aprofundar continuamente os saberes específicos de sua área de atuação, sem se esquecer do enfoque interdisciplinar e multidimensional. Observou-se que a educação profissional vem sofrendo mudanças ao longo do tempo por interferências do contexto em saúde. No entanto, os estudos revelam que não houve grandes avanços no que tange à autonomia, à criatividade e à colaboração entre os profissionais de enfermagem no campo prático. Assim, evidencia-se que os cursos continuam formando os alunos em uma perspectiva tradicional, ou seja, tecnicista. É preciso retomar o perfil do profissional de enfermagem, o qual define a identidade do curso, sendo necessário que as instituições de ensino revejam suas estratégias para responder aos desafios da formação. Que os currículos sejam o meio para o desenvolvimento de competências e para o exercício da cidadania e do trabalho. Dessa forma, a educação profissional terá ressignificado seu papel para o fortalecimento das ações e da evolução do ser e fazer em enfermagem. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012 109 Educação profissional em enfermagem: necessidades, desafios e rumos REFERÊNCIAS 1. Lanzoni GMM, Lessmann JC, Sousa FGM, Erdmann AL, Meirelles BHS. Interações no ambiente de cuidado: explorando publicações de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011; 64(3): 580-6. 2. Amestoy SC, Schveitzer MC, Meirelles BHS, Backes VMS, Erdmann AL. Paralelo entre educação permanente em saúde e administração complexa. Rev Gaúcha Enferm. 2010; 31(2):383-7. 3. Montanha D, Peduzzi M. 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Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012 Revisão teórica OBESIDADE INFANTIL COMO FATOR DE RISCO PARA A HIPERTENSÃO ARTERIAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA CHILDHOOD OBESITY AS A RISK FatoR FOR THE DEVELOPMENT OF ARTERIAL HYPERTENSION: AN INTEGRATIVE REVIEW OBESIDAD INFANTIL COMO FatoR DE RIESGO PARA LA HIPERTENSIÓN ARTERIAL: UNA REVISIÓN INTEGRADORA Carla Campos Muniz Medeiros1 Inácia Sátiro Xavier2 Victor Emmanuell Fernandes Apolônio Santos3 Marcos Antônio de Oliveira Souza4 Adriana Santana de Vasconcelos5 Estela Rodrigues Paiva Alves6 RESUMO O fator mais relevante para a origem da hipertensão arterial na infância é a obesidade, a qual vem apresentando um rápido crescimento nas últimas décadas, sendo considerada uma epidemia, atingindo todas as faixas etárias, especialmente as crianças. O objetivo com este trabalho é descrever a correlação existente entre obesidade infantil como fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial na literatura. Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e bibliográfico, uma revisão integrativa da literatura sobre artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), capturados nas bases de dados LILACS e ADOLEC, no período de 2000 a 2010, produzidos no Brasil mediante o cruzamento dos descritores “Obesidade”, “Criança” e “Hipertensão”. Foi obtido um quantitativo de 419 artigos nas bases de dados utilizadas, sendo selecionados apenas aqueles que versaram sobre a obesidade infantil como fator de risco para hipertensão arterial, tendo obtido ao final um total de 11 publicações, as quais foram sintetizadas em um quadro comparativo. Os resultados da pesquisa revelam que doenças como a obesidade e a hipertensão arterial, que eram prevalentes na população adulta, agora atingem, também, as crianças de forma semelhante. Conclui-se, assim, que é fundamental o diagnóstico prematuro e a implantação de estratégias de prevenção e promoção da saúde por uma equipe multiprofissional com esse grupo etário, a fim de evitar complicações futuras que comprometam a qualidade de vida desses indivíduos. Palavras-chave: Obesidade; Hipertensão; Saúde da Criança. ABSTRACT The most relevant fator in the development of arterial hypertension in infancy is obesity. There has been a rapid increase in obesity in the last decades and it is considered an epidemic affecting all age groups, especially children. This paper aims at identifying childhood obesity as a risk fator for the development of arterial hypertension. It is an exploratory, descriptive and bibliographical study, as well as, an integrative literature review on articles available in the Virtual Health Library. The articles were produced in Brazil from 2000 to 2010 and retrieved from LILACS and ADOLEC databases using the intersection of descriptors “Obesity”, “Child”, and “Hypertension”. A total of 419 articles were found on the databases and only those which discussed childhood obesity as a risk fator for arterial hypertension were selected, totaling 11 publications. These were collected and summarized in a comparative table. The research results revealed that illnesses such as obesity and arterial hypertension, which were prevalent in the adult population, now affect also children in a similar way. To conclude, an early diagnosis and the implementation of obesity prevention strategies and promotion of health by a multidisciplinary team are of fundamental importance for a younger age group. Such measures could help future complications to the quality of life of these individuals. Keywords: Obesity; Hypertension; Child Health. 1 2 3 4 5 6 Médica. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade de Campinas (Unicamp). Docente dos Mestrados Acadêmicos em Saúde Coletiva da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e do Mestrado Acadêmico Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Enfermeira. Doutora. Docente do Departamento de Enfermagem e dos Mestrados Acadêmicos em Saúde Coletiva da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e do Mestrado Acadêmico Associado em Enfermagem em Promoção a Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista Produtividade CNPq. Enfermeiro. Especialista em Cardiologia Clínica. Mestrando do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES. Enfermeiro. Estomaterapeuta. Mestrando do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES. Enfermeira. Especialista em Saúde Coletiva. Mestranda do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Enfermeira. Especialista em Saúde da Família. Mestranda do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 111 Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa RESUMEN El fator más relevante para la hipertensión en la niñez es la obesidad. La obesidad ha aumentado considerablemente en las últimas décadas y ha sido considerada como epidemia que afecta todas las edades, especialmente niños. Este trabajo tiene como objetivo describir la correlación entre la obesidad infantil como fator de riesgo para el desarrollo de la hipertensión en la literatura. Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo y bibliográfico, una revisión integradora de la literatura de artículos producidos en Brasil entre 2000 y 2010 disponibles en las bases de datos LILACS, ADOLEC de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS). Al vincular las palabras clave “obesidad”, “niño” e “hipertensión” se obtuvieron 419 artículos de los cuales se seleccionaron 11 que trataban de la obesidad infantil como fator de riesgo para la hipertensión. Estas 11 publicaciones se resumieron en un cuadro comparativo. Los resultados de la investigación señalan que enfermedades como obesidad e hipertensión, frecuentes en la población adulta, ahora también afectan niños de manera similar. De ello se deduce que el diagnóstico precoz y la aplicación de estrategias de prevención de la obesidad y promoción de la salud por un equipo multidisciplinario son sumamente importantes para este grupo de edad. Con tales medidas se podrían evitar futuras complicaciones que comprometen la calidad de vida de estos individuos. Palabras Clave: Obesidad. Hipertensión. Salud de los niños. INTRODUÇÃO A obesidade pode ser entendida como um acúmulo de tecido gorduroso, regionalizado ou em todo corpo, que afeta a saúde do indivíduo. Sua causa é multifatorial, podendo ser provocada por fatores psicológicos, genéticos, endócrinos e socioeconômicos.1 Apresentando um rápido crescimento nas últimas décadas, a obesidade vem sendo considerada uma epidemia, alastrando-se tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, e atingindo todas as faixas etárias, especialmente as crianças.2 No Brasil, está ocorrendo um processo de transição epidemiológica, na qual a obesidade vem ocupando o lugar da desnutrição infantil de acordo com o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN),3 além de estar em destaque no cenário epidemiológico do grupo de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e ser um fator de risco para outras doenças deste grupo.4 A obesidade infantil é um fator preocupante dado o risco que os indivíduos desse grupo etário têm de se tornarem adultos obesos.5 No caso do Brasil, as crianças mais atingidas pela obesidade pertencem às classes mais privilegiadas, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde há uma mudança desse perfil, de modo que a maioria das crianças obesas pertence a classes sociais menos favorecidas. O INAN aponta que a obesidade infantil atinge 16% das crianças brasileiras.3 Desse modo, considera-se que os hábitos alimentares constituem um dos principais fatores relacionados ao aumento da adiposidade na criança. Dependendo dos hábitos familiares, a ausência dos pais no ambiente familiar, dadas as responsabilidades do mundo globalizado, o estresse das grandes cidades ou por simples praticidade, são oferecidos à criança alimentos industrializados, além da preferência infantil por “guloseimas”. Vale salientar que, aliado ao avanço tecnológico, veio o sedentarismo, a TV, o computador e o videogame, os quais estão cada vez mais sendo inseridos como os únicos meios de diversão das crianças, deixando práticas saudáveis, como as atividades físicas, em outro plano. 112 Esse aumento da adiposidade ainda na infância gera uma série de complicações como: alterações ortopédicas, articulares, dermatológicas, respiratórias, cardiovasculares, psicossociais e metabólicas. Na maior parte das vezes, as alterações metabólicas são mais evidentes na vida adulta. No entanto, cada vez mais precocemente, temos verificado que crianças e adolescentes apresentam associação de resistência insulínica, hipertensão e dislipidemias, aproximando o risco cardiovascular dessa faixa etária.6 Dentre elas, as que se destacam são as doenças cardiovasculares (DCVs), consideradas como a principal causa de morte no mundo atual e seus fatores de risco, como a hipertensão arterial (HA), e os níveis elevados de colesterol têm papel decisivo nos gastos com a saúde, assim como grande influência na qualidade de vida dos doentes e seus familiares.7 Evidencia-se a obesidade como o fator mais relevante para a origem da hipertensão arterial na infância.8 Segundo alguns autores, acreditava-se que a HA só ocorresse em adultos. No entanto, recentes estudos epidemiológicos brasileiros têm demonstrado prevalência da HA entre 6% e 8% na população infantil. Grande porcentagem dos casos de hipertensão essencial nos adultos inicia-se na infância.9,10 Desde o nascimento, a pressão arterial (PA) aumenta proporcionalmente à faixa etária, isso, no entanto, nem sempre ocorre com todas as crianças de uma dada população.11 A criança que apresenta o percentil da pressão arterial acima do normal para sua faixa etária está propícia a desenvolver uma série de fatores que contribuem para aparecimento de outras doenças. Seja por fatores associados à história familiar positiva, obesidade e qualidade de vida, a elevação da pressão arterial em pediatria requer atenção primordial para que não ocorra ou amenizem esse fator de risco prémorte. Como consequência do aumento da PA na infância, podemos destacar hipertrofia ventricular esquerda, apresentando um aumento na prevalência de geometria ventricular esquerda anormal, doença renovascular, coarctação da aorta, doença parênquima renal, hipertensão essencial, dentre outras.12 Assim, evidencia-se o motivo pelo qual há a suma importância de realizar o diagnóstico da HA na remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 infância, interferindo na elevação da PA e evitando suas complicações. Com o intuito de ampliar os estudos sobre essa temática mediante o agrupamento e a análise das informações disponíveis nas Bases de Dados estudadas, propõe-se, com este artigo, contribuir para a melhor compreensão e contextualização da obesidade infantil na gênese da hipertensão arterial, gerando nos leitores estímulo para a reflexão crítica sobre o tema proposto, como também o despertar gestores e profissionais da saúde para uma nova perspectiva de atendimento às crianças com obesidade nas Unidades Básicas de Saúde, visto que é nessa faixa etária específica da população brasileira que se concentram as chances maiores de encontrar os futuros hipertensos e diabéticos que irão gerar ônus individual, familiar e social para o país. Saúde na Adolescência (ADOLEC), no período de 2000 a 2010, produzidos no Brasil. Para tanto, foram usados como descritores os termos “Obesidade”, “Criança” e “Hipertensão”. Foi realizado o cruzamento desses descritores por meio do operador booleano AND, sendo selecionados os artigos originais, que estavam disponíveis na íntegra e em língua portuguesa. Diante do exposto, o objetivo com este estudo é descrever a correlação entre a obesidade infantil e a hipertensão arterial, descritas em artigos científicos nacionais. A coleta de dados ocorreu de abril a junho de 2010, sendo obtido um quantitativo de 419 artigos pelas bases de dados utilizadas, os quais inicialmente foram analisados mediante a leitura crítica de seus resumos. Em seguida, foram selecionados apenas aqueles que versavam sobre a obesidade infantil como fator de risco para o surgimento da hipertensão arterial. Ao final, restaram 11 publicações, as quais foram sintetizadas em um quadro comparativo contendo as seguintes informações: título do artigo, autor e ano de publicação, objetivos, metodologia, resultados principais e conclusão. Os resultados foram apresentados em um quadro e analisados de acordo com a literatura específica. METODOLOGIA RESULTADOS Para atender ao objetivo proposto, foi desenvolvido um estudo descritivo e bibliográfico, do tipo revisão integrativa da literatura, mediante levantamento dos artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), capturados nas bases de dados: Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Foi evidenciado que de 2000 a 2003 e em 2006, os quais foram incluídos no recorte temporal da pesquisa, não foram encontrados artigos publicados com os objetivos propostos neste estudo. No entanto, o ano de 2004 obteve-se um quantitativo de 4 artigos que se enquadravam com a temática trabalhada. FIGURA 1– Dados nacionais da relação entre obesidade infantil e hipertensão arterial encontrados nos artigos selecionados – 2010 Título Autor(es) e Ano de publicação Objetivos 1. Avaliação de Garcia FD, Terra AF, Identificar fatores associados a níveis fatores de risco Queiroz AM, Corassociado com a reia CA, Ramos OS, elevados de pressão elevação da pres- Ferreira QT et al.13 arterial em crianças são arterial em 2004 crianças 2. Prevalência de pressão arterial em escolares e adolescentes de Maceió Moura AA, Silva MAM, Ferraz MRMT, Rivera IR9 2004 Metodologia Estudo transversal no período de setembro e dezembro de 2001 Resultados principais Conclusão Níveis mais elevados O sobrepeso de pressão sistólica e e obesidade diastólica estiveram estiveram assoassociados a crianças ciados a níveis de cor branca de região mais elevados com alto índice de qua- de pressão artelidade de vida urbano e rial sistólica. com elevado índice de massa corporal. A prevalência Definir a prevalência Estudo epidemioForam identificados de pressão arterial lógico, transversal, 118 estudantes com de pressão elevada em amostra randomizado, rea- pressão arterial eleva- arterial elevada representativa de lizado entre maio da, média de idade de foi de 9,4% e escolares e adolesde 2000 e setem13 anos, sendo 44% foi significancentes de Maceió bro de 2002 do gênero masculino. temente maior e pesquisar a assoRisco de sobrepeso foi nos estudantes ciação da pressão identificado em 9,3% com sobrepeso arterial elevada com das crianças e sobree com risco de idade, gênero estado peso, em 4,5%; houve sobrepeso. nutricional. associação significante dessas variáveis com pressão arterial elevada. continua... remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 113 Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa Título Autor(es) e Ano de publicação Objetivos Metodologia Resultados principais Conclusão A prevalência Estabelecer a preEstudo epidemioForam avaliados 3. Prevalência de Silva MAM, Rivera valência de hiperlógico, transversal. 1.253 estudantes, de sedentarisfatores de risco IR, Ferraz MRMT, Amostragem por demonstrando-se que mo, “risco de cardiovascular Pinheiro AJT, Alves tensão arterial sisconglomerados 1.172 não praticavam sobrepeso”, em crianças e SWS, Moura AÁ et têmica, do “risco de sobrepeso”, sobreem escolas de níatividade física de sobrepeso, al.14 adolescentes da pressão artepeso, sedentarismo, vel fundamental e moderada a intensa; rede de ensino 2004 tabagismo em crianmédio. “risco de sobrepeso” e rial sistêmica da cidade de ças e adolescentes, sobrepeso presentes e tabagismo Maceió de 7 a 17 anos, de em 116 e 56 indivídu- na população ambos os sexos, na os, respectivamente, estudada foi de 93,5%; 9,3%; rede pública e prihavendo forte assovada de ensino de ciação destas variáveis 4,5%; 7,7%; e Maceió-AL. com estudantes de 2,4%, respectiescolas particulares; vamente. pressão arterial no percentil ≥ de 95 identificada em 97 estudantes e apenas 30 admitiram fumar regularmente. O sedentarismo esteve prevalente no sexo feminino. 4. Fatores amOliveira AMA, Oliveira AC, Almeida bientais e antropométricos AC, Almeida FS, associados à Almeida JBC, Silva CEP et al.15 hipertensão arterial infantil 2004 Avaliar a associação Estudo transversal A prevalência de HA O excesso entre fatores bioló- com 701 crianças em escolares avade peso está gicos e ambientais e de 5 a 9 anos de liados foi de 3,6%. fortemente a presença de hiper- Feira de Santana-BA. Ao analisarem-se as associado à pretensão arterial (HA) variáveis sobrepeso e sença de HA na obesidade, as preva- infância, sendo lências encontradas fundamental o foram de 9,1% e 4,3%, esclarecimento respectivamente. de profissionais de saúde, educadores e familiares acerca da modificação do estilo de vida para a prevenção e tratamento da obesidade e suas co-morbidades. Inquérito epideAs prevalências de Estudantes com Ribeiro RQC, Lotu- Examinar a associa5. Fatores em ção de sobrepeso miológico com sobrepeso e obesida- sobrepeso ou crianças em ado- fo PA, Lamounier e obesidade com 1.450 estudantes de foram 8,4% e 3,1%. obesos aprelescentes. o estuJA, Oliveira RG, perfis de atividade – 6 a 18 anos em Os estudantes com sentaram níveis do do coração de Soares JF, Botter física pressão arterial Belo Horizonte-MG. sobrepeso e obesos mais elevados DA16 Belo Horizonte e lípides séricos. tiveram 3,6 vezes mais de PA e perfil 2006 riscos de apresentar lipídico de risco PA sistólica aumentaaumentado da, e 2,7 vezes para PA para o desendiastólica aumentada. volvimento de aterosclerose. continua... 114 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 Título Autor(es) e Ano de publicação Objetivos Metodologia Resultados principais Conclusão 6. Determinantes Monego ET, Jardim Conhecer a ocorrên- Estudo transversal, cia e associação de base populacional, de risco para PCVB17 hipertensão arterial amostra aleatória doenças cardio2006 com algumas variáem indivíduos vasculares em veis relacionadas ao (7 a 14 anos) de escolares estilo de vida. escolas da rede pública e particular. Investigados o estado nutricional, pressão arterial e hábitos de vida. Dos 3.169 escolares avaliados, destacaramse 5,0% de hipertensão arterial e 6,2% de pressão arterial normal-alta. A categorização por sexo mostra 6,4% meninos e 6,0% meninas com pressão normalalta e 4,3% meninos e 5,7% meninas com hipertensão arterial. O índice de massa corporal identificou 16,0% com excesso de peso, dos quais 4,9% obesos. Houve associação significante (p= 0,01) entre hipertensão arterial e excesso de peso. Diante do encontro de escolares com valores médios de pressão arterial e IMC com frequência acima da esperada, associado a hábitos de vida que tendem a favorecer o desenvolvimento das doenças cardiovasculares, sugere-se a proposição de medidas de intervenção cujo foco seja a escola. Avaliar relação da Estudo transversal pressão arterial com dividido em duas a obesidade em esetapas: uma fase colares do município de triagem com de Santos. avaliação antropométrica e medida de pressão arterial em 7.440 crianças; e outra fase onde as crianças foram revisitadas um ano mais tarde e novas medidas foram verificadas. Na triagem, 15% das crianças apresentaram a pressão elevada; crianças obesas apresentaram pressão elevada frequentemente. Na segunda fase, 2,7% apresentaram pressão elevada e novamente a presença de obesidade conferiu maior risco para pressão elevada. O estudo reforça os dados que sugere aumento no risco de pressão elevada em crianças obesas. Estudo transversal A frequência de hiperque incluiu 229 tensão arterial infantil crianças na faixa foi de 13,5%. Não etária de 5 a 15 houve diferença signianos. ficativa entre percentis de pressão arterial na distribuição por sexo, nem entre crianças que praticavam ou não atividades físicas. As crianças obesas, 13,5%, apresentaram os níveis pressóricos mais elevados, incluindo-se 54,8% de indivíduos com hipertensão arterial. A frequência de hipertensão arterial infantil mostrou-se elevada em relação a outros estudos nacionais. O índice da massa corporal teve correlação com valores de pressão arterial, indicando influência da obesidade nos níveis de pressão elevados. 7. Pressão arterial elevada em escolares de Santos – relação com a obesidade Nogueira PCK, Costa RF, Cunha JSN, Silvestrini L, Fisberg M18 2007 8. Prevalência de hipertensão arterial em escolares vinculados à Universidade de Uberaba (UNIUBE) Xavier RM, Xavier MM, Cartafina RA, Magalhães FO, Nunes AA, Santos VM10 2007 Determinar os valores de pressão arterial nas crianças que frequentam a Escola Ricardo Misson, vinculados à Universidade de Uberaba, de acordo com o percentil de pressão arterial segundo sexo e idade, e correlacioná-los com obesidade. continua... remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 115 Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa Título 9. Correlação entre pressão arterial e peso em crianças e adolescentes de uma escola municipal do noroeste paulista Autor(es) e Ano de publicação Objetivos Zanoti MDU, Pinna Verificar a correlação entre a alteração do JC, Manetti ML19 peso e pressão arte2009 rial em escolares do ensino fundamental de uma escola municipal do noroeste paulista. 10. Fatores asso- Costanzi CB, Halp- Verificar a prevalência de níveis pressóciados a níveis ern R, Rech RR, ricos e fatores assopressóricos Bergmann MLA, elevados em es- Alli LR, Mattos AP20 ciados em escolares de Caxias do Sul-RS. colares em uma 2009 cidade de porte médio do sul do Brasil 11. Prevalência de hipertensão arterial em crianças e adolescentes obesos. Ferreira JS, Aydos RD21 2010 Estudo quantitativo, descritivo, e correlacional. Resultados principais Conclusão 36,5% apresentaram Os resultados índice de massa corcontribuem pórea alterado, 4,7% para o diagnósapresentaram a pres- tico precoce de são arterial limítrofe, alterações prese 9,5%, hipertensão. sóricas da popuCom correlação forte lação estudada e positiva entre índice e sua prevenção de massa corpórea e nos indivíduos pressão arterial. obesos e com sobrepeso. Estudo transversal de base escolar avaliou crianças de 7 a 12 anos de ambos os sexos, provenientes das redes privada e pública. A prevalência de escolares com níveis pressóricos elevados foi de 13,8% e a proporção foi maior (dobro) para as crianças obesas e/ou sobrepeso de que para as com peso normal. As crianças com circunferência da cintura aumentada apresentaram 2,8 vezes mais chance de ter níveis pressóricos elevados. Já os indivíduos com nível alto no Índice Econômico Nacional apresentaram 2,6 vezes mais chance de terem pressão arterial elevada. Neste estudo, os escolares de 7 a 12 anos de Caxias do Sul apresentaram uma alta prevalência de níveis pressóricos elevados e a medida da circunferência aumentada mostrou-se associada a essa condição, bem como o nível socioeconômico alto e a baixa aptidão física. Estudo analítico Investigar a prevalência de hipertentransversal com são arterial em crian- 129 crianças e adoça e adolescente lescentes obesos obesos na tentativa com idade de 7 a de verificar sua ma- 14 anos de ambos nifestação conforme os gêneros, no gênero e idade. período de agosto de 2005 a julho de 2006. Prevalência de hipertensão arterial não diferiu estatisticamente entre os gêneros. Nos diferentes grupos etários, a doença se manifestou com destaque para os indivíduos de 13 e 14 anos, os quais diferiram estatisticamente dos demais grupos etários. A hipertensão arterial se fez presente de forma marcante, indicando que a obesidade pode interferir na elevação da pressão arterial de crianças e adolescentes. DISCUSSÃO O conhecimento da prevalência de hipertensão arterial em crianças obesas é importante para a compreensão dos mecanismos de interação entre as duas doenças, uma vez que o risco precoce para doenças do aparelho cardiovascular pode ser potencializado em idades mais jovens, dada a presença do excesso de peso corporal. Como a obesidade na infância propicia um prognóstico de adulto obeso, o qual estará exposto a padecer mais facilmente de doenças crônicas, estudos que investigam a alta prevalência de hipertensão arterial representam um 116 Metodologia importante sinal de alerta para a avaliação das condições de saúde cardiovascular desse grupo etário.22 As doenças cardiovasculares representam a principal causa de mortalidade da população no Brasil, onde o risco da pressão arterial com valores elevados varia de acordo com a duração da obesidade.23 Ou seja, o risco de desenvolver hipertensão torna-se maior conforme a permanência do estado de obesidade. Alguns estudos epidemiológicos brasileiros têm demonstrado prevalência de hipertensão arterial (HA) em crianças e adolescentes entre 6% e 8%.9 Silva remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 et al.14, em pesquisa realizada com 1.253 estudantes de Maceió na faixa etária de 7 a 17 anos, identificaram 7,7% de hipertensos. No entanto, Xavier et al.10 e Costanzi et al.,20 ao avaliarem 229 crianças na faixa etária de 5 a 15 anos e 1.413 na faixa etária de 7 a 12 anos, encontraram a prevalência de HA de 13,5% e 13,9%. Já nos estudos realizados por Oliveira et al.15 com 701 crianças na faixa etária de 5 a 9 anos e na pesquisa de Nogueira et al.18 com uma amostra de 1.713 na cidade de Santos, na faixa etária de 7 a 10 anos, foi encontrada a prevalência de 3,6% e 2,7%, respectivamente. A ampla variação na prevalência de HA pode decorrer da metodologia utilizada na medição da pressão arterial, da faixa etária investigada e do número de medidas de pressão arterial realizadas, visto que o fator ansiedade durante a aferição pode interferir na medida.24 No estudo de Ferreira e Aydos,21 onde foram avaliadas 129 crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, a HA se manifestou com destaque para os indivíduos de 13 e 14 anos, com um percentual de 52,4%, os quais diferiram estatisticamente dos demais grupos etários. Em relação à prevalência da hipertensão arterial entre os sexos, foi verificado, em alguns dos artigos selecionados para este estudo, que não há diferença estatisticamente relevante para essa associação. 9,15,10,20,21 No entanto, algumas pesquisas constataram maior porcentagem de indivíduos hipertensos ora no sexo feminino,25 ora no sexo masculino.26 Monego e Jardim17 identificaram diferenças estatisticamente significantes na relação acima, aos 9-10 e 8-9 anos, para meninos e meninas, respectivamente. Nas situações em que a presença da hipertensão foi mais marcante entre o sexo feminino, os autores justificam a obtenção de tais achados dado o fato de que outros fatores de risco para hipertensão são mais comuns nas mulheres, como no caso da obesidade, que se mostrou mais frequente no sexo feminino, em alguns estudos.27 Na pesquisa realizada por Nogueira et al.18 com uma amostra de 10.905 crianças, porém, identificou-se uma diferença estatisticamente significante entre os grupos, com maior frequência de obesidade em meninos. A prevalência de hipertensão arterial infantil está diretamente relacionada ao aumento do índice de massa corporal, sendo a obesidade importante fator de risco. Esse dado pode ser verificado com base nos resultados dos artigos coletados, em que altos níveis pressóricos foram vistos, correlacionando-se com o índice de massa corporal elevado. Na pesquisa realizada por Xavier et al.,10 foi encontrada prevalência de obesidade infantil de 13,5%. As crianças obesas apresentaram a maior proporção de HA (54,8%) e entre aquelas com sobrepeso 25,9% tinham hipertensão. Ribeiro et al.,16 em seu estudo com 1.450 indivíduos na faixa etária de 6 a 18 anos, identificou taxas de prevalência de 8,4% para estudantes com sobrepeso, 3,1% para obesidade e 11,5% para estudantes com excesso de peso, onde os estudantes com excesso de peso apresentaram 3,60 e 2,70 vezes mais chances de ter pressão arterial sistólica e diastólica aumentadas. Silva et al.14 identificaram a prevalência de “risco de sobrepeso” e de sobrepeso na população estudada de 7 a 17 anos, de 9,3% e 4,5%, respectivamente. Costanzi et al.20 demonstraram que as crianças que obtiveram circunferência da cintura aumentada apresentaram 2,8 vezes mais chances de ter níveis pressóricos elevados. Na pesquisa de Moura et al.,9 com uma amostra de 1.253 escolares e adolescentes na faixa etária entre 7 e 17 anos, a prevalência de pressão arterial foi de 9,4%. Esse dado foi significantemente maior nos estudantes com sobrepeso e com risco de sobrepeso. Zanoti, Pinna e Manetti,19 em seu estudo com 148 escolares na faixa etária de 6 a 11 anos, identificaram a prevalência 10,1% de sobrepeso e 23% de obesos; entre os estudantes que apresentaram índice de sobrepeso, 80% eram normotensos e 20% hipertensos; aproximadamente 82% das crianças e adolescentes obesos eram normotensos; entretanto, entre esses, 8,8% foram classificados como limítrofes e 8,8% como hipertensos; nesse estudo notase o maior percentual de crianças obesas. No estudo apresentado por Garcia et al.13, composto por 672 crianças entre 2 e 11 anos, houve associação entre cor branca e IMC elevado; das 307 crianças consideradas brancas, 66 (21,5%) apresentaram sobrepeso ou obesidade; das 364 crianças não brancas, 53 (14,5%) apresentavam essa característica. Verificou-se, também, que as médias de pressão arterial sistólica e diastólica foram significativamente mais elevadas nas crianças brancas provenientes de escola com elevado índice de qualidade de vida urbana. Segundo a pesquisa realizada por Costanzi et al.,20 as crianças brancas apresentaram 2,4 vezes mais chances de ter níveis pressóricos elevados; nas redes de ensino, as escolas particulares apresentaram o dobro (24,7%) de crianças com pressão arterial elevada, quando comparadas com as escolas estaduais (13,5%) e municipais (11,3%). Nessa linha, Oliveira et al.15 mostrou associação de 1,9 vez maior entre estudar em escola privada e desenvolver HA. Já no estudo de Silva et al.14, o percentual de hipertensos encontrados na sua pesquisa teve significante associação com as classes econômicas A + B, as quais são definidas pelos autores como: classe A renda familiar equivalente a R$ 6.220,50 e classe B R$ 2236,50. Verificou-se que 72,3% dos estudantes dessas classes estudavam em escolas particulares, enquanto 89,8% das classes C, D e E, com renda familiar equivalente a R$ 927,00, R$ 424,00 e R$ 207,00, pertenciam a escolas públicas. A influência de fatores ambientais corrobora com o desenvolvimento de obesidade e a HA. Esse dado retrata o conjunto socioeconômico, cultural, relacionado ao grupo social do individuo, estilo de vida adotado, hábitos alimentares, dentre outros. A atividade física tem sido associada à melhor expectativa de vida e diminuição do risco cardiovascular. Isso ocorre pela prevenção do desenvolvimento da obesidade, que evita a elevação da pressão arterial, melhora a resistência à insulina e também evita a elevação do colesterol, frequentemente presentes em crianças.28 Afinal, a prática remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 117 Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa regular de atividade é recomendada não apenas para a prevenção e reabilitação de doenças cardiovasculares, mas também como promoção da saúde. Estudos em crianças e adolescentes têm demonstrado a prevalência de sedentarismo de até 89,5%.29 Em estudo realizado com estudantes de 7 a 17 anos das redes pública e privada de ensino de Maceió, Silva et al.14 identificaram 93,5% sedentários, sendo prevalente no sexo feminino. Esse percentual é relevante, pois a participação em atividades físicas diminui com a idade. Já na pesquisa realizada por Monego e Jardim17 com 3.169 crianças e adolescentes na faixa etária de 7 a 14 anos de escolas da rede pública e particular, participam da educação física na escola 88,4% dessas crianças. Na informação referente à prática de atividades físicas fora do horário escolar, 1.199 (37,8%) dessas crianças são sedentárias, 1.786 (54,0%) realizam atividades leves e 184 (5,4%) atividades físicas moderadas ou intensas; não havendo, entretanto, associação significante entre educação física na escola e alterações nos níveis pressóricos e excesso de peso. O que talvez explique esse resultado é o método utilizado no referido trabalho, em que não houve avaliação do tipo, intensidade ou duração da atividade física. No estudo de Xavier et al.,10 também não houve diferença significativa entre as crianças que praticavam ou não atividade física e os percentis de pressão arterial. CONSIDERAÇÕES FINAIS As doenças não transmissíveis são consideradas problemas de saúde pública. Em razão disso, doenças como a obesidade e a hipertensão arterial, que eram prevalentes na população adulta, agora também vêm atingir crianças de forma semelhante. Requer-se, assim, maior atenção voltada para os fatores desencadeadores dessa problemática, de modo a estabelecer metas que venham melhorar a qualidade de vida e promover a saúde desse grupo etário. Como a hipertensão arterial apresentou forte associação com crianças e adolescentes obesos e com sobrepeso, é possível que o elevado índice de massa corporal esteja alterando os mecanismos responsáveis pelo funcionamento adequado do aparelho cardiovascular. Isso pode implicar futuras complicações relacionadas à qualidade e à expectativa de vida desses indivíduos, dado o desgaste prematuro. Dessa forma, é fundamental o envolvimento conjunto de profissionais de saúde, educadores e familiares com o desenvolvimento de estratégias educativas em saúde para que venham atuar em mudanças de comportamento com a adoção de hábitos mais saudáveis na infância. São necessários, ainda, o diagnóstico precoce e a prevenção nas primeiras etapas de vida mediante o controle dos fatores de risco, para evitar as futuras complicações dessas doenças. Por isso, a implementação da aferição de pressão arterial infantil deve ser rotineira e associada a medidas antropométricas (peso, altura e índice de massa corporal), sendo importante instrumento de avaliação precoce de risco cardiovascular na vida adulta. Dada a importância da temática, é necessário realizar mais pesquisas relacionadas sobre a correlação da obesidade com a hipertensão arterial em crianças, pois são escassos na literatura estudos que abordem essa problemática nessa faixa etária, sendo encontrados muitos trabalhos envolvendo o grupo de adolescentes e adultos. REFERÊNCIAS 1. Fisberg M. Obesidade na infância e adolescência. Rev Bras Educ Fís. 2006; 20:163-4. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Obesidade. Cadernos de Atenção Básica - n°12 Série A. Normas e Manuais Técnicos. 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Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012 119 TRANSCULTURALIDADE: O ENFERMEIRO COM COMPETÊNCIA CULTURAL TRANSCULTURALITY: THE NURSE WITH SKILLS IN CULTURAL COMPETENCY TRANSCULTURALIDAD: ENFERMEROS CON COMPETENCIA CULTURAL José Manuel da Silva Vilelas1 Sandra Isabel Dias Janeiro2 RESUMO A enfermagem transcultural é um aspecto essencial da saúde de hoje. A crescente população transcultural em Portugal representa um significativo desafio para os enfermeiros que prestam cuidados individualizados e holísticos aos seus utentes. Isso requer que o enfermeiro reconheça e valorize as diferenças culturais na área da saúde relativamente aos valores, às crenças e aos costumes. Os enfermeiros devem adquirir os conhecimentos necessários e competências tendo em conta as culturas dos utentes. Cuidados de enfermagem culturalmente competentes ajudam a garantir a satisfação do utente e, consequentemente, a atingir ganhos em saúde. Neste artigo, são discutidas as mudanças importantes para a promoção de uma enfermagem transcultural. São identificados os fatores que definem os métodos transculturais em enfermagem e analisa-se a promoção dos cuidados multiculturais em enfermagem. A necessidade de uma enfermagem transcultural continua a ser um aspecto importante nos cuidados de saúde. Torna-se fundamental realizar pesquisas em enfermagem para promover a enfermagem transcultural. Palavras chave: Cuidados de Enfermagem; Cuidados Transculturais; Competência Cultural. ABSTRACT Transcultural nursing is an essential aspect of healthcare today. The ever-increasing transcultural population in the Portugal poses a significant challenge to nurses providing individualized and holistic care to their patients. This requires nurses to recognize and appreciate cultural differences in healthcare values, beliefs, and customs. Nurses must acquire the necessary knowledge and skills in cultural competency. Culturally competent nursing care helps ensure patient satisfaction and positive outcomes. This article discusses changes that are important to transcultural nursing. It identifies fators that define transcultural nursing and analyzes methods to promote culturally competent nursing care. The need for transcultural nursing will continue to be an important aspect in healthcare. Additional nursing research is needed to promote transcultural nursing. Keywords: Nursing Care; Transcultural Nursing; Cultural Competency. RESUMEN La enfermería transcultural es un aspecto esencial de la salud hoy. La creciente población transcultural en Portugal representa un desafío importante para los enfermeros que prestan atención integral e individual a los pacientes. Los enfermeros deben reconocer y valorar las diferencias culturales en valores, creencias y costumbres de atención de la salud. Los enfermeros deben adquirir habilidades y conocimientos en competencia cultural. Cuidados de enfermería culturalmente competentes ayudan a garantizar la satisfacción de los usuarios y resultados positivos. Este artículo enfoca cambios importantes para la enfermería transcultural. Se identifican fatores que definen la enfermería transcultural y analiza métodos para promover la atención de enfermería culturalmente competente. Es esencial realizar más investigación en enfermería para promover la enfermería transcultural. Palabras clave: Atención de Enfermería; Enfermería Transcultural; Competencia Cultural. 1 2 Enfermeiro. Doutor em Psicologia da Saúde. Professor Coordenador da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Enfermeira. Licenciada em Enfermagem. Centro Hospitalar Barreiro. Montijo. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Casas de Azeitão, Rua dos Amores, lote 42. 2925-010. Azeitão, Portugal. E-mail: [email protected]. 120 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO A enfermagem transcultural tornou-se uma componente chave na área da saúde e uma exigência por parte dos enfermeiros de hoje, por causa do crescimento do fenómeno transcultural que está a ocorrer na população portuguesa. Com efeito, têm-se registado, nas últimas décadas, alterações importantes, quer em termos absolutos de fluxos migratórios, com inversão do saldo migratório, quer também na composição étnico-cultural das comunidades migrantes instaladas no nosso país. A esse aumento quantitativo do número de imigrantes somam-se alterações da estrutura de nacionalidades de origem, extravasando o âmbito tradicional dos países de origem de imigração para Portugal. Já não são somente os países africanos de língua oficial portuguesa – com particular destaque para Cabo Verde –, mas também o Brasil e os países do Leste Europeu, com a Ucrânia em primeiro lugar, a surgir como países de origem de imigração.1 No entanto, enquanto a população de Portugal, continua rapidamente a crescer na diversidade, os enfermeiros têm permanecido um grupo mais ou menos homogêneo. Embora em Portugal não existam estudos, cerca de 90% de todos os enfermeiros dos Estados Unidos são caucasianos.2 Sabe-se que, em Portugal o número total de imigrantes com situação regularizada ultrapassava, em 2000, os 200 mil, prevendo-se que o apuramento definitivo relativamente a 2001 aponte para 350 mil.1 Quanto ao acesso aos cuidados de saúde, geralmente, as mulheres brasileiras recorrem mais frequentemente a consultas de rotina do que as mulheres de qualquer outra comunidade, e os imigrantes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) são os que menos utilizam os serviços de saúde, quer preventivos, quer curativos, situação que pode estar relacionada com as dificuldades e o conhecimento da importância do uso dos serviços de saúde. Além disso, há indicações de que, em caso de doença, os imigrantes de Leste recorrem, frequentemente, às farmácias porque nos seus países de origem tais estabelecimentos prestam conselhos de saúde; por sua vez, os brasileiros têm mais seguros privados de saúde e recorrem mais aos médicos privados. Outra razão apontada refere-se às condições de trabalho dos imigrantes brasileiros que podem ser mais estáveis a ponto de os empregadores providenciarem seguros privados de saúde aos empregados. Finalmente, os imigrantes dos PALOPs usam mais que outras comunidades os centros de saúde e hospitais, porque estão instalados há mais tempo em Portugal e, por conseguinte, sabem como aceder a esses serviços. Além disso, alguns vêm receber tratamento em Portugal ao abrigo dos acordos de cooperação no domínio da saúde, celebrados entre Portugal e os PALOPs.1-3 Dado o crescimento da sociedade transcultural em Portugal, os enfermeiros devem estar munidos de competências culturais, ou seja, devem possuir conhecimentos de outras culturas de forma a identificar as particularidades de cada cultural para que o planejamento dos cuidados seja individualizado.4 Além disso, a prática de enfermagem inclui a prestação de cuidados, que é holística, ou seja, aborda o desenvolvimento físico, psicológico, social, emocional e as necessidades espirituais dos utentes. É importante enfatizar que o enfermeiro deve identificar e atender a essas necessidades, a fim de prestar um atendimento individualizado, que foi estipulado como um direito do utente e uma marca da prática profissional de enfermagem.5 A fim de prestar um cuidado integral, o enfermeiro deve, também, ter consciência das diferenças culturais nas intervenções de enfermagem. Isso ajuda a garantir que os enfermeiros prestam um cuidado integral, pois a gestão dos cuidados é formulada com base nas necessidades dos indivíduos e das suas culturas. Assim, esses profissionais precisam manter a competência cultural na sua prática diária como indivíduos de um sistema de saúde muito complexo e uma sociedade diversificada culturalmente. DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA CULTURAL Podemos descrever a competência cultural como um processo contínuo de o individuo se esforçar para tornar-se cada vez mais autoconsciente, para valorizar a diversidade e tornar-se um perito em conhecimento sobre os pontos fortes da cultura. A profissão de enfermagem tem adoptado esse conceito. Os enfermeiros descrevem como competência cultural a capacidade de compreender as diferenças culturais, a fim para prestar cuidados de qualidade a uma diversidade de pessoas.6 Culturalmente, os enfermeiros competentes são sensíveis às questões relacionadas com a cultura, raça, etnia, gênero e orientação sexual. Além disso, os enfermeiros com competência cultural melhoram a eficácia na capacidade de comunicação, apreciações culturais e aquisição de conhecimentos relacionados com as práticas de saúde de diferentes culturas. A competência cultural exige dos enfermeiros um esforço contínuo para oferecer cuidados efetivos nos limites culturais aos seus utentes. A definição mais abrangente de competência cultural na prática de enfermagem é considerá-la um processo em curso com o objetivo de alcançar a capacidade de trabalhar efetivamente com pessoas culturalmente diferentes. Além disso, para cuidar dessas pessoas com uma aguçada consciência da diversidade, uma base sólida de conhecimentos e competências em enfermagem transcultural e, especialmente, um forte respeito pessoal e profissional para com os outros de vários culturas. 6 É claro que ter conhecimentos específicos sobre os utentes com diversas culturas garante um cuidado holístico e cultural de enfermagem. TEORIA LEININGER – O CUIDADO CULTURAL Leininger introduziu o conceito de cuidado transcultural em enfermagem e desenvolveu a teoria do cuidado cultural para explicar a competência cultural. Foi a primeira tentativa na profissão de enfermagem para destacar a necessidade de enfermeiros com competências em nível cultural. A teoria do cuidado remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 121 Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural cultural de Leininger pode ser considerada a maior contribuição para a enfermagem transcultural. Sua teoria continua a ser usada como um modelo credível e holístico que contribui continuamente para novas pesquisas e para o aumento do corpo de conhecimentos para a enfermagem transcultural. Leininger explicou que os enfermeiros tinham de adquirir um conhecimento aprofundado das diferentes culturas a fim de prestar cuidados a pessoas de diversas etnias. Além disso, é a única teoria que explicitamente foca a relação entre a cultura, os cuidados de saúde e o bem-estar. Os enfermeiros podem ter de prestar cuidados a utentes de inúmeras culturas na prática diária. É improvável que os enfermeiros possuam conhecimentos sobre a cultura relacionada com a saúde de todas as pessoas. No entanto, eles podem adquirir conhecimentos e competências em comunicação intercultural que os ajudarão a prestar cuidados individualizados que se baseiam nas práticas culturais.6 A comunicação transcultural A comunicação transcultural inclui alguns fatores que devem ser considerados quando os enfermeiros interagem com os utentes e seus familiares a partir de contextos culturais que diferem dos deles.6,7 No entanto, é importante que os enfermeiros, em primeiro lugar, entendam seus próprios valores culturais, suas atitudes, crenças e práticas que adquiriram com a própria família antes de aprenderem sobre outras formas culturais. Isso os ajuda a realizar uma introspecção sobre os preconceitos que podem existir. Esses preconceitos devem ser reconhecidos, a fim de evitar estereótipos e discriminação, o que pode comprometer a capacidade dos enfermeiros para aprender e aceitar as diferentes crenças e práticas culturais, especialmente na área da saúde. A comunicação transcultural envolve vários aspectos individuais e sociais que devem ser entendidos no sentido de alcançar a competência cultural, que é necessária para prestar cuidados de enfermagem de elevada qualidade.7 É, portanto, imprescindível analisar a comunicação dos enfermeiros com as pessoas de diferentes origens culturais. Esse processo comunicacional envolve mais do que a comunicação oral e escrita. A comunicação não verbal desempenha papel fundamental na transmissão das mensagens, que podem variar consideravelmente entre as diferentes culturas. Entender essa comunicação e os seus significados para as pessoas de diferentes culturas torna-se imperativo para que os enfermeiros atinjam e mantenham a competência cultural. Estudos qualitativos recentes têm mostrado que os problemas relacionados com a comunicação foram os principais motivos pelos quais os enfermeiros não foram capazes de fornecer cuidados culturalmente competentes. 8 Os enfermeiros relataram que eles não estavam preparados para prestar cuidados a utentes com diferentes culturas, dadas as barreiras linguísticas. Mais importante é o fato de os enfermeiros explicarem que não foram capazes de compreender 122 as mensagens verbais e não verbais utilizadas por esses utentes para se comunicarem. Os enfermeiros expressaram a necessidade de receber educação e formação em comunicação transcultural, a fim de fornecer um cuidado eficaz aos seus utentes de várias culturas. Embora não seja provável que os enfermeiros dominem vários idiomas, a compreensão do significado de alguns sinais de comunicação não verbais utilizados por diferentes culturas pode ser muito benéfico para a prestação culturalmente competentes de cuidados de enfermagem. Contato com os olhos O contato visual é um importante meio de comunicação não verbal. Ela também é a variável e difere muito na maioria das culturas.9 Os enfermeiros portugueses são ensinados a manter o contato no olhar quando falam com seus utentes. Esse comportamento é inadequado para as pessoas árabes, que consideram o contato direto nos olhos indelicado e agressivo. Da mesma forma, os hispânicos e os africanos usam o contato do olhar na comunicação apenas em algumas situações, tendo em conta a idade, o sexo, a posição social, a posição econômica, e no nível de autoridade do emissor. Por exemplo, os idosos falam com as crianças mantendo o contato com os olhos, mas considera-se inadequado para crianças olhar directamente seus anciãos quando falam com eles. Na cultura ucraniana, é importante o contato com os olhos ocasionalmente, mas os gestos das mãos e do corpo são reduzidos ao mínimo na comunicação. As expressões são reservadas e o olhar para um estranho não é usual.10 Num sistema de saúde, os utentes portugueses esperam que os enfermeiros e outros prestadores de cuidados de saúde mantenham o contato visual direto, quando estão em interação com eles, mas não é esperado que os doentes hispânicos e os africanos retribuam o contato visual direto, quando recebem cuidados médicos e de enfermagem. Esses são apenas alguns exemplos para demonstrar que as pessoas de várias culturas percebem o contato visual de forma diferente. É essencial que os enfermeiros estejam conscientes de que o contato visual direto pode ter várias interpretações, a fim de se comunicarem eficazmente com os utentes. Toque Os enfermeiros formados em escolas americanas e europeias usam o toque como meio terapêutico de comunicação com os utentes.11,12 No caso particular dos ucranianos, o toque também pode variar com o gênero – por exemplo num simples aperto de mão deve ser a mulher a primeira a tomar a iniciativa.10 Na cultura chinesa, não se aprecia o toque de estranhos; o sorriso é a forma de comunicação mais apreciada por essa cultura. Os utentes asiáticos não permitem o toque na cabeça, porque se pensa ser a fonte de força de uma pessoa. Portanto, os enfermeiros também devem perceber que remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 o toque não pode ter o mesmo significado positivo na saúde para pessoas que são de culturas diferentes. 10 Algumas culturas proíbem ou restringem o toque nos outros. Utentes de origem árabe não permitem que os prestadores de cuidados de saúde do sexo masculino toquem em certas partes do corpo do sexo feminino. As enfermeiras dessa cultura também podem ser impedidas de cuidar de utentes do sexo masculino. É improvável que os enfermeiros tenham conhecimento de todos esses sentidos atribuídos ao toque por pessoas de várias culturas. No entanto, o enfermeiro deve reconhecer e respeitar que o toque tem significados diferentes nas diferentes de tocá-los para evitar que esses indivíduos neguem o uso do toque no cuidado. Silêncio Essa é outra forma de comunicação não verbal, cujo significado é diferente em pessoas de diferentes culturas. Os enfermeiros podem sentir-se desconfortáveis quando há um período de silêncio ao falar com seus utentes. Eles podem interpretar o silêncio de forma negativa por diversas razões. Podem concluir que o silêncio representa uma forma de falta de interesse, que o utente está deprimido ou não motivado a responder. Os profissionais podem até questionar se os utentes têm deficiência auditiva. Embora essas sejam explicações importantes para o silêncio e devem ser consideradas pelos enfermeiros quando falam com os utentes, eles também devem perceber que o silêncio é utilizado de forma diferente na comunicação entre pessoas de outras culturas. O silêncio pode ser um sinal positivo na comunicação não verbal entre pessoas de culturas diferentes.7 É comum à cultura americana e à europeia usar o silêncio como forma de mostrar respeito pela pessoa que fala. Esses povos também usam o silêncio como pausa depois de ser feita uma pergunta. Isso significa que eles estão a analisar a questão, para posteriormente responder com significado ao assunto. O silêncio também é obrigatório quando se fala de anciãos nas culturas asiáticas. É um sinal de grande respeito pelas pessoas mais velhas. A cultura inglesa e a árabe usam o silêncio como forma de respeito pela privacidade alheia. Os utentes franceses, portugueses, espanhóis e russos também demonstram seu acordo com o uso do silêncio.10 Espaço e distância Geralmente, os indivíduos não estão conscientes do espaço e da distância entre si e os outros até entrarem em contato direto com pessoas de outras culturas. Os americanos e o povo do norte da Europa, geralmente, sentem-se mais confortáveis quando não estão em contato próximo com o outro. Contrariamente, os asiáticos e árabes sentem-se muito confortáveis em estreita proximidade com os outros. 10 Em Portugal existem várias noções de distância entre o emissor e o receptor as comunicações íntimas distanciam-se do interlocutor meio metro, as sociais que vão de um a um metro e meio, e, finalmente a distância pública, que é a mais extensa, vai de dois a trinta metros.13 Os enfermeiros devem perceber que o espaço e a distância entre eles e os utentes são muito importantes no atendimento de indivíduos de culturas diferentes. Manter uma certa distância com os utentes pode ser especialmente difícil para os enfermeiros, uma vez que os cuidados de enfermagem requererem um contato estreito com os utentes. No entanto, o ponto-chave na enfermagem transcultural é compreender e respeitar as necessidades dos utentes de várias culturas em relação ao espaço e exigências de distância. Crenças de saúde Há, também, as variações entre pessoas de culturas diferentes em relação às crenças com a saúde. Essas diversas crenças são baseadas na perspectiva do relacionamento da cultura de um indivíduo com o ambiente. 12 Pessoas que acreditam que possuem algum controle nos eventos da vida também acreditam que conseguem controlar sua saúde. Esses indivíduos tenderão a ser mais complacentes em seguir planos de saúde prescritos para eles, e será mais provável que desenvolvam hábitos positivos de saúde. A cultura asiática e a latino-americana, geralmente, são dessa natureza. Em contraste, os europeus sentem que têm menos controle sobre o própria vida e tendem a ser mais pessimistas nas suas opiniões sobre a saúde. Esses utentes tendem a não cumprir facilmente o regime terapêutico instituído pelos profissionais de saúde, contrariamente aos utentes das culturas asiáticas e latino-americanas. As questões culturais e identitárias desempenham papel central no estado de saúde dos imigrantes e no uso dos serviços de saúde. O uso da medicina tradicional/popular e a consulta de curandeiros, amigos e familiares para resolver problemas de saúde são, também, práticas recorrentes em alguns segmentos da população residente em Portugal, sobretudo entre alguns grupos de imigrantes como os africanos e europeus de Leste.14,15 As razões apontadas para esse comportamento entre os imigrantes prendemse à falta de confiança no Sistema Nacional de Saúde; ao receio de serem presos ou repatriados, dadas as situações de irregularidade quanto ao estatuto legal; à desvalorização dos problemas de saúde; à fuga aos estigmas e estereótipos relacionados com determinados problemas de saúde (ex. HIV-SIDA; doenças mentais); e ao desconhecimento da existência de determinados serviços (ex. consultas materno-infantis gratuitas e consultas de planejamento familiar). Os enfermeiros com competências culturais entendem essas diferentes visões e incluem na prestação de cuidados as diferenças culturais. Por exemplo, o enfermeiro pode oferecer um ensino mais focalizado na gestão da dieta e terapêutica para utentes que sentem que têm menos controle sobre sua saúde. Os enfermeiros com competências culturais respeitam os hábitos culturais dos cidadãos, especialmente na questão da saúde e na individualização da gestão dos cuidados. O desenvolvimento da competência cultural remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 123 Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural exige, em primeiro lugar o interesse em tornar-se culturalmente competente e, por outro, desenvolver as medidas necessárias para alcançá-lo. PASSOS PARA PROMOVER COMPETÊNCIA CULTURAL O acesso aos Serviços de Saúde surge como um dos maiores obstáculos ao processo de integração dos imigrantes, seguido pelas dificuldades inerentes à prestação de cuidados de saúde. A Ordem dos Enfermeiros 16 coloca que é necessário “ [...] descobrir o significado do cuidado cultural e as práticas de cuidados específicos de cada cultura [...]” e acrescenta “[...] para proporcionar um cuidado de enfermagem culturalmente sensível, congruente com os fatores que influenciam a saúde/ bem-estar”. Diversos instrumentos legais em âmbitos nacional e internacional garantem cuidados de saúde de qualidade a todas as pessoas, independentemente da sua origem. No caso da enfermagem o Decreto de Lei nº 104/98, artigo 81, diz que é dever do enfermeiro: alínea a) Cuidar da pessoa sem qualquer discriminação económica, social, política, étnica, ideológica ou religiosa; e) Abster de juízos de valor sobre o comportamento da pessoa assistida e não lhe impor os seus próprios critérios e valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida; f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas, culturais, morais e religiosas da pessoa e criar condições para que ela possa exercer, nestas áreas, os seus direitos”. Há um foco atual na área da saúde para garantir que as pessoas com diversidade cultural recebam cuidados de qualidade. A profissão de enfermagem promove esse foco na competência cultural não somente para cumprir disposições regulamentares, mas também para promover a satisfação do utente. Quando os enfermeiros prestam cuidados que estão em conformidade com os utentes, suas crenças culturais, seus valores e suas práticas, o pressuposto é que os utentes estarão mais propensos a aderir aos cuidados do que aqueles quando os aspectos culturais não foram tidos em conta na abordagem dos enfermeiros. A competência cultural tem três etapas progressivas que ajudam os enfermeiros a prestar cuidados aos utentes de diversas origens.17 Etapa 1 – Adotar atitudes para promover a transculturalidade nos cuidados de enfermagem Certas atitudes têm sido associadas a cuidados de enfermagem efectivos e culturalmente competentes.17 Cuidar é uma das quatro atitudes importantes e necessárias para a promoção de uma enfermagem transcultural e cuidados culturalmente competentes. Os enfermeiros demonstram uma atitude carinhosa quando utilizam algum tempo para entender e apreciar as necessidades e perspectivas culturais dos seus utentes. Isso mostra, também, respeito e preocupação com esses utentes, que se sentem confiantes de que estão a ser cuidados por enfermeiros que abordam suas preferências culturais. 124 A empatia é a segunda qualidade para os enfermeiros adotarem uma competência transcultural. Isso requer que os enfermeiros vejam os problemas ou situações tendo em conta a perspectiva cultural dos utentes. Este proporciona aos utentes uma sensação de segurança, sabendo que as suas formas culturais são entendidas e respeitadas pelos enfermeiros que cuidam deles. A aceitação é a terceira atitude para os enfermeiros que cultivam uma enfermagem transcultural efetiva. O enfermeiro deve possuir uma abertura para conseguir aceitar as diferentes perspectivas culturais dos doentes que cuidam. A aceitação demonstra que os enfermeiros valorizam a diversidade cultural quando prestam cuidados de enfermagem. A flexibilidade é a quarta atitude que os enfermeiros devem adotar para se tornarem culturalmente competentes. Eles precisam de integrar as crenças culturais, valores e práticas dos seus utentes nos cuidados de enfermagem para esses indivíduos e não impor os próprios desejos para cuidar dessas pessoas. Os enfermeiros demonstram flexibilidade quando mostram disponibilidade para prestar cuidados baseados nos fatores culturais dos utentes, o que os ajuda a se sentirem seguros de que o seu atendimento é individualizado e, consequentemente, contribui para a definição de metas em conjunto. Etapa 2 – Desenvolver a consciência das diferenças culturais Como foi mencionado, as culturas variam consoante os padrões de comunicação e o estrato social.17 Embora seja útil para obter informações sobre os hábitos culturais dos utentes, os enfermeiros precisam se lembrar de que mesmo em um grupo cultural existe, ainda, a diversidade. A pessoa não é um estereótipo de uma cultura. Os indivíduos têm crenças, valores e práticas que podem afastar-se de suas culturas. Isso aponta para a necessidade de os enfermeiros darem o passo seguinte na direcção da competência cultural, que é a realização de avaliações culturais nos utentes. Etapa 3 – Realizar uma avaliação cultural A avaliação cultural concisa é uma forma eficaz de obter informações pertinentes sobre as perspectivas dos utentes sobre os aspectos importantes dos seus cuidados.17 Por exemplo, uma investigação completa sobre a cultura dos utentes será identificar se estes aceitam a medicina alternativa ou se defendem, apenas e unicamente, a medicina tradicional. A avaliação da dor é especialmente importante para os enfermeiros cuidarem de forma humanizada. A dor é uma sensação muito subjetiva porque os utentes descrevem as sensações de forma diferente e têm diferentes níveis de tolerância para a dor. Os enfermeiros precisam avaliar a dor pedindo aos utentes que descrevam como se sentem, mas também é necessário incluir as expressões faciais e a linguagem corporal nas suas avaliações. Isso os ajuda a identificar melhor a dor nos utentes com base em culturas que aceitam a dor – por exemplo, a cultura asiática. Em contraste, os europeus e os latinos apresentam altos níveis remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 de emoção e ansiedade com a dor.17,18 Os enfermeiros precisam examinar as próprias crenças e valores sobre a dor e o controle desta, a fim de serem objetivos ao realizar a avaliação da dor nos utentes. Aprender e entender as estruturas da família do utente é, também, importante para realizar uma avaliação cultural. A família é a unidade social básica modeladora da pessoa de culturas diferentes do ponto de vista da saúde e da doença. A avaliação cultural também dá insight aos enfermeiros sobre os sistemas de apoio para os utentes. Esses fatores têm papel importante na recuperação e manutenção da saúde dos utentes, que irão desenvolver um sentimento de confiança com os enfermeiros, pois os cuidados são coerentes com seus valores e práticas culturais. Às vezes, os enfermeiros podem avaliar os padrões de cultura dos utentes e estes poderão entrar em conflito com as necessidades de saúde do próprio utente. É, então, necessário que o enfermeiro tente desenvolver e implementar novos padrões de saúde para esses utentes, o que é alcançado de forma mais eficiente quando os enfermeiros têm uma abertura para ouvirem e entenderem as perspectivas que os utentes possuem sobre a sua doença. Os enfermeiros devem, em seguida, informar os utentes sobre o uso de meios terapêuticos diferentes das suas culturas que são úteis para a tratamento da doença e a promoção da saúde. Os enfermeiros com competências culturais geram os cuidados de saúde do utente de forma individualizada que promovem-lhes a adesão dos utentes e incorpora segura e eficazmente as suas práticas culturais. FatoRES DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL As mudanças que ocorrem na população de Portugal podem ser atribuídas às mudanças demográficas, sociais e culturais. A crescente população idosa e o número crescente dos imigrantes têm contribuído de forma significativa para o total aumento da população total em Portugal. O grande número de imigrantes tem tido um grande impacto sobre as mudanças na população. Essa situação gerou uma grande diversidade cultural da população nos últimos anos. O grande número de pessoas de diversas culturas reforçou a necessidade de mudanças sociais, nomeadamente a introdução em alguns planos de estudos dos cursos de enfermagem, de uma língua estrangeira: o inglês e a linguagem gestual. Para promover a enfermagem transcultural e a avaliação da competência cultural dos enfermeiros, existe um modelo que engloba seis fatores.1 O primeiro é a consciencialização. Os enfermeiros precisam ter uma consciência individual dos mitos e preconceitos em relação aos outros de culturas diferentes. A competência é o segundo fator. Os enfermeiros devem ter a capacidade para conduzir as avaliações culturais dos utentes de uma maneira sensível. O terceiro fator é o conhecimento. Os enfermeiros devem adotar uma perspectiva ampla sobre os diferentes pontos de vista para cuidar de utentes de várias culturas. O encontro cultural é também considerado um fator para apoiar a enfermagem transcultural. É importante que os enfermeiros proporcionem um cuidado efetivo que seja congruente com as suas formas culturais. O quinto fator e mais importante é o desejo. Os enfermeiros devem querer atingir a competência cultural. Isso significa que o enfermeiro deve ter uma atitude entusiasta para aprender sobre as outras formas culturais e integrá-las nos cuidados de enfermagem. O último fator é a avaliação. Os enfermeiros devem fazer uma autoavaliação para determinar se eles são culturalmente competentes nos cuidados de enfermagem que prestam. ENFERMAGEM TRANSCULTURAL E A ÉTICA Os enfermeiros são confrontados diariamente, na sua prática, com situações éticas de difícil resolução, que podem ser ainda mais desafiadoras para os enfermeiros quando os utentes envolvidos são de várias origens culturais. No entanto, a capacidade de o profissional se centrar na cultura do utente pode gerar alguns conflitos, pois os enfermeiros, tantas vezes chamados a promover a mudança de hábitos nos utentes, têm frequentemente dificuldade em admitir que suas ideias, culturalmente bem cimentadas, sejam postas em causa por um utente apenas pelo fato de pertencer a outra cultura.14 Um dilema ético é saber se o enfermeiro deve discutir os cuidados antecipatórios com os utentes que não se sentem confortáveis com isso porque sua cultura é diferente relativamente às suas crenças sobre saúde. Um dos papéis do enfermeiro é oferecer aos utentes sessões de informação sobre os cuidados que lhes vão ser prestados. Assim pretende-se proteger a autonomia do utente tendo em consideração que estes possuem capacidade de tomada de decisão. As informações prévias são facilmente aceitas pela cultura americana e europeia. Outros povos não a consideram como uma medida positiva de saúde. Algumas culturas defendem a crença de que o destino dos seres humanos está fora de seu controle. Os filipinos, por exemplo, sentem que a doença pode conduzir à morte e que esta se encontra fora do seu controle. Assim, se tentarem controlar o que para eles faz parte do destino, é uma tentação e trará a morte, com certeza. Os enfermeiros podem ter dificuldade em compreender e aceitar esta passividade diante de uma doença que pode ser fatal.14 Os enfermeiros também podem ter outro dilema ético, que é dar a informação verdadeira ao utente quando para este é um tabu em termos culturais, pois acredita que o simples fato de discutir esses assuntos o conduzirá à morte. Os enfermeiros têm uma decisão difícil, nessa situação, especialmente porque, acima de tudo, eles são obrigados a ser sensíveis às crenças e culturas e, ao mesmo tempo, proteger a saúde dos utentes. Os enfermeiros devem saber que a veracidade e a confidencialidade são princípios éticos que norteiam as interacções com os utentes e famílias. Os enfermeiros são ensinados a promover uma autonomia individual em benefício do utente. Na cultura portuguesa, os enfermeiros fornecem informações fidedignas aos utentes a fim de estes possam tomar uma decisão sobre sua saúde. No entanto, em outras culturas, os membros da família são remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 125 Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural os responsáveis da decisão sobre questões de saúde do utente. Isso é especialmente verdadeiro quando a doença é terminal. Em certas culturas, o papel da família é proteger o utente da ansiedade e angústia associados ao conhecimento da morte iminente. As famílias dos utentes dos países do Leste possuem culturas que são especialmente protetoras no caso de se tratar de doentes terminais. Acreditam que é sua responsabilidade proteger o utente do conhecimento do prognóstico da sua situação, permitindo, dessa forma, que este morra em paz.19 Os enfermeiros portugueses podem encontrar um dilema ético ao cuidarem de utentes terminais. Eles têm o dever e aprenderam a ser verdadeiros, no sentido de darem uma informação correta e adequada à situação do doente. No entanto, ao cuidarem de utentes de culturas orientais, os fatores culturais impedem de ser aberto e honesto sobre a doença terminal. A forma de minimizar esse problema centra-se na consciencialização do profissional acerca das suas próprias crenças e atitudes, assim como na aceitação e compreensão de que estas possam ser diferentes dos padrões culturais dos outros. Não são as deles nem as dos outros que estão erradas, elas simplesmente são diferentes. Na tomada de decisões éticas, os enfermeiros precisam de salvaguardar a saúde dos seus utentes e, ainda, oferecer, nessas situações, cuidados de enfermagem alicerçados na competência cultural. EDUCAÇÃO E ENFERMAGEM TRANSCULTURAL Em Portugal, tem ocorrido um fenômeno de movimentos migratórios, de proveniências e causas variadas, que tem transformado algumas cidades, nomeadamente Lisboa, num local de encontro de raças e etnias. Nessa concepção de sociedade transcultural, torna-se importante que o profissional de saúde esteja atento e perceba como sua população mudou drasticamente nos últimos anos ou como se pode ter modificado, em consequência de uma mudança do local de trabalho ou da alteração da zona de influência da instituição onde trabalha. Torna-se primordial que, numa sociedade transcultural, os profissionais de saúde estejam preparados para trabalhar com todos os utentes, qualquer que seja o seu meio, procurando estabelecer uma relação de interdependência, compreendendo e aceitando as diferenças das crenças e valores e encontrando as semelhanças estabelecidas entre as deles e as dos utentes. Essa abordagem global implica, como refere Ramos,10 o desenvolvimento de uma competência social, cultural, pedagógica e comunicacional, construída na experiência da alteridade e diversidade, no equilíbrio entre o universal e o singular. Tal competência cultural, na qual se inclui a consciencialização cultural, exige que os profissionais de saúde possuam conhecimentos de base sobre a cultura, os valores e a diversidade cultural dos cuidados e desenvolvam atitudes e práticas adequadas. Isso implica que na formação dos futuros enfermeiros se adotem métodos e estratégias de ensino e de aprendizagem que propiciem a cooperação, o consenso, a reflexão, a adaptação à mudança, à diversidade e ao 126 imprevisto. Os enfermeiros expressam repetidamente sua frustração inerente à falta de formação necessária para fornecer cuidados culturalmente competentes a doentes de outras culturas.8,20 Aos enfermeiros deve ser oferecido um programa de desenvolvimento pessoal que incida especificamente sobre o conhecimento e as competências necessárias para a implementação de uma enfermagem transcultural. Nesse programa, os enfermeiros devem desenvolver uma consciência dos seus próprios valores culturais e crenças. É necessário fazer isso antes de os enfermeiros poderem evoluir para o passo seguinte, que é aceitar as diferenças culturais em saúde. Os enfermeiros que são capazes de aceitar as crenças culturais dos outros serão, então, capazes de aprender a conduzir as avaliações culturais. A última fase desse programa teria como finalidade avaliar sua capacidade para fornecer uma enfermagem culturalmente competente. Os resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem culturalmente competentes poderiam ser avaliados tendo em conta a confiança demonstrada dos utentes pelos enfermeiros e o grau de satisfação com os cuidados de enfermagem. CONCLUSÃO A enfermagem transcultural é essencial na prática dos cuidados diários de enfermagem. O número crescente de utentes de diferentes culturas cria um grande desafio para os enfermeiros ao exigir que prestem uma assistência individualizada e holística baseada nas necessidades culturais de cada utente. Isso impele os enfermeiros à compreensão das diferenças culturas em termos de conceito de saúde, crenças e costumes. Os enfermeiros devem ter uma mente aberta e interesse positivo, bem como sincero desejo para aprender outras formas de cultura. O conhecimento transcultural é importante para os enfermeiros, para que possam se tornar sensíveis às necessidades dos utentes de várias culturas, especialmente na nossa sociedade cada vez mais global e complexa. Uma vez que os enfermeiros têm o contato íntimo com utentes e são responsáveis pela formulação de planos de saúde que ajudam a satisfazer as necessidades individuais dos utentes, é necessário que entendam, apreciem as preferências culturais dos utentes e deem respostas. Essa situação destaca a necessidade de reformulação na educação em enfermagem no sentido de incluir a enfermagem transcultural no currículo. Deve-se incutir logo nos estudantes de enfermagem o interesse pela diversidade cultural, diferenças de valores, crenças e costumes relativamente à saúde. O currículo de enfermagem transcultural também deve ensinar os conhecimentos e as competências necessárias para fornecer cuidados de enfermagem culturalmente adequados. Além disso, os hospitais e outras instituições de saúde devem oferecer aos enfermeiros programas de formação e atualização em competência cultural, a fim aumentar-lhes o nível de confiança e conhecimento da enfermagem transcultural. Além disso, há necessidade de futuras investigações remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 para expandir a base de conhecimentos dos cuidados de enfermagem multiculturais. Uma área particular para investigar pode ser o significado dos cuidados de enfermagem de qualidade sob diferentes perspectivas culturais. A investigação também deve dar ênfase na determinação das intervenções de enfermagem eficazes que defendem e proveem um cuidado culturalmente competente para utentes de maneira significativa e agradável. Isso ajudará a enfermagem a assegurar a competência cultural nos cuidados. REFERÊNCIAS 1. Falcão L. 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Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012 127 Artigo reflexivo O CUIDADO À MULHER NA CONTEMPORANEIDADE: REFLEXÕES TEÓRICAS PARA O EXERCÍCIO DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL THE CARE OF WOMEN IN CONTEMPORARY SOCIETY: THEORETICAL REFLECTIONS FOR THE PRACTICE OF TRANSCULTURAL NURSING EL CUIDADO DE LA MUJER EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA: REFLEXIONES TEÓRICAS PARA LA PRÁCTICA DE LA ENFERMERÍA TRANSCULTURAL Adriana Teixeira Reis1 Rosângela da Silva Santos2 Aloir Paschoal Júnior3 RESUMO Trata-se de um estudo teórico sobre a Teoria Transcultural de enfermagem, com apresentação de sua interface e contribuições para a prestação de uma assistência de enfermagem humanística, culturalmente congruente e coerente com a mulher. Propõe-se uma reflexão sobre o cuidar não apenas restrito a mero ato, tarefa destinada à intervenção de determinada disfunção orgânica, e sim a ações que promovam um equilíbrio universal do ser humano. Ressalte-se a necessidade do aperfeiçoamento e do envolvimento do enfermeiro na incorporação de novas formas de pensar e agir em saúde no âmbito da assistência à mulher, respeitando-as como seres sociais, detentores de conhecimentos. Palavras-chave: Mulheres; Enfermagem; Teoria de Enfermagem. ABSTRACT This is a theoretical study on the Theory of Transcultural Nursing, with its interface and presentation of contributions to the provision of humanistic nursing care, culturally congruent and consistent for the women. Proposes a reflection on caring, not just restricted to a simple act, task assigned to the intervention of a specific organ dysfunction, but the actions that promote a balance of universal human being. Emphasizes the need for improvement and involvement os nurses in the incorporation os new ways of thinking and acting in the healthin care for women, respecting them as social beings, knowledge holders. Keywords: Woman; Nursing; Nursing Theory. RESUMÉN Este es un estudio teórico sobre la Teoría de la Enfermería Transcultural, con su interfaz y la presentación de las contribuciones a la prestación de cuidados de enfermería humanística, la mujer culturalmente congruente y coherente. Propone una reflexión sobre el cuidado, y no sólo limitarse a un simple acto, tarea asignada a la intervención de una disfunción de órganos específicos, pero las acciones que promuevan un equilibrio universal de ser humano . Hace hincapié en la necesidad de mejorar y la participación de laas enfermeras en la incorporación de nuevas formas de pensar y actuar en la atención de salud para las mujeres, respetádolos como seres sociales, titulares de conocimientos. Palabras-clave: Mujeres; Enfermería; Teoría de Enfermería. 1 2 3 Doutora pela Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). Enfermeira do Instituto Fernandes Figueira. Professora Assistente do Departamento Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem da UERJ. E-mail: [email protected]. E-mail: [email protected]. Tel.: 55 21 2587-6335. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Pesquisadora 1C CNPq; FAPERJ, UFRJ. Integrante do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher-NUPESM e do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Criança (NUPESC/DEMI/UFRJ). E-mail: [email protected]. Aluno de Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência – Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem UERJ. Edifício Paulo de Carvalho. Boulevard 28 de Setembro, 157, 7º andar Vila Isabel. CEP: 20551-030, Rio de Janeiro-RJ. E-mail: [email protected]. Tel.: 55 21 2587-6335. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 129 O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural INTRODUÇÃO A saúde, ao longo dos anos, vem passando por um processo de transformação que leva a um novo entendimento de seu real significado. Não se concebe mais o conceito de saúde como mera ausência de doença. Nesse novo paradigma vigente, entender a mulher sob a ótica do antigo modelo de saúde-doença também não é mais possível. As antigas concepções em que o sujeito do cuidar é desprovido de qualquer conhecimento já não fazem mais parte de discussões sobre a saúde de grupos sociais. Este novo paradigma, no qual a historicidade e as dinâmicas sociais demandam estratégias mais amplas, levam em consideração a construção da cidadania e da transformação da cultura sanitária.1 A mulher é detentora de saberes particulares que foram construídos e moldados com base em uma história de vida, uma experiência social, impregnada, sobretudo, de valores culturais. De modo geral, a cultura exerce influência em vários aspectos na vida de uma pessoa – crenças, comportamentos, percepções, emoções, linguagem, religião, rituais, estrutura familiar, dieta, modo de vestir, imagem corporal, conceitos de tempo e espaço, atitudes diante da doença, da dor e do infortúnio –, podendo, esses elementos apresentar importantes implicações para a saúde e a assistência. Culturalmente, as mulheres são reconhecidas ao longo da história como as principais cuidadoras de uma criança. Ainda hoje a mulher é vista como aquela que tem as atribuições de maternagem ao seu filho, dada uma conexão aparentemente “natural” entre as capacidades das mulheres de dar à luz e amamentar. É a mulher que, ao longo de séculos, tem a responsabilidade pelo cuidado do filho e na família.2 Do ponto de vista cultural, a sociedade de hoje ainda mantém a representação do ser-mulher associada ao ser-mãe, sendo a maternidade considerada um destino natural das mulheres.3,4 A maternidade, ainda hoje, é algo esperado pela mulher, muitas vezes imputado a elas como uma condição de obrigação e vocação. No século XIX, por exemplo, a maternidade era entendida como um sacerdócio, uma experiência feliz, mas que implicava dores e sofrimentos; um real sacrifício da mulher.3 Esse conceito, entretanto, vem se modificado ao longo dos séculos. Simone de Beauvoir, escritora, filósofa e feminista da década de 1960, questionou a existência do instinto materno como algo natural e inevitável nas mulheres. Em 1980, Beauvoir rompia com um conceito quase sagrado ao afirmar que a maternidade favorece o exercício da dominação masculina.4 O movimento feminista das últimas décadas, sem dúvida, também contribuiu para um significativo impulso às pesquisas sobre a mulher e sua problemática no mundo contemporâneo. No Brasil, as políticas de atenção à mulher foram somente incorporadas às políticas nacionais nas primeiras décadas do século XX, 130 representando, ainda, uma reduzida discussão sobre a problemática feminina associando as questões do parto, gravidez e considerando a mulher como responsável pelo cuidado dos filhos e demais familiares. Em 1984, com o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), houve a ruptura com os conceitos até então utilizados nos modelos de atenção à mulher, apresentando novos critérios e prioridade para esta área de atenção. Em 2003, a área Técnica de Atenção à Mulher do Ministério da Saúde, reconheceu a necessidade de maior articulação da política vigente com outras áreas e ações, como a atenção às mulheres rurais, com deficiência, negras, índias, presidiárias e lésbicas.5 O PAISM buscou a promoção da atenção obstétrica e neonatal qualificada. O programa também adotou princípios de humanização, qualidade e fortalecimento da identificação de necessidades e demandas das próprias usuárias. Assim, é importante dar voz a essas mulheres objetivando, também, ampliar, qualificar e humanizar a atenção integral a esse grupo social com tantas particularidades. Dessa forma, as unidades de saúde devem garantir esforços para o oferecimento de serviços de qualidade, pautados por uma atenção humanizada e individualizada à mulher. A mulher contemporânea não pode ser vista apenas pelo prisma reducionista da procriação humana. A mulher é um ser tridimensional, que deve ser compreendida sob a ótica das transformações sociais. No que tange à prática de enfermagem, compreender a mulher à luz da coletividade permite uma reavaliação de conceitos e práticas de enfermagem coerente com as reais necessidades desse grupo. Madeleine Leininger, com sua Teoria Transcultural, propõe uma visão de mundo que permite ao enfermeiro planejar junto com a cliente os cuidados, preservando as características culturais diversas e/ou comuns do grupo ao qual pertence.6 Sua teoria permite-nos a classificação dos elementos do cuidado, favorecendo o diagnóstico e avaliação. Por meio desses conceitos, temos elementos que nos permitem estabelecer uma relação com a visão do mundo dos indivíduos e dos grupos sociais. Com base nessas reflexões, rediscutimos e aplicamos os conceitos de Madeleine Leininger6 em uma abordagem da saúde coletiva prestada pela enfermagem à mulher. ORIGEM DA TEORIA TRANSCULTURAL Madeleine Leininger nasceu em Sutton, Nebraska, e iniciou sua carreira como enfermeira em 1948. Cursou Enfermagem em Denver, na St. Antony ’s School of Nursing, e em 1965 cursou Doutorado em Antropologia na Universidade de Washington, Seattle. Trabalhou em unidades médico-cirúrgicas e de psiquiatria. Em 1954, iniciou o primeiro programa de especialização em enfermagem psiquiátrica clínica infantil no mundo.6 Com base em suas vivências práticas, na década de 1950, com seus pais e seus filhos, percebeu que crianças remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 apresentavam diferenças comportamentais que se repetiam com frequência. Atribuiu tais diferenças a um fundo de base cultural e percebeu que a enfermagem não possuía conhecimentos suficientes a respeito da cultura dessas crianças para compreendê-las melhor e desenvolver as práticas de cuidados de enfermagem diversificadas, significativas e eficazes, de acordo com as suas culturas.7 A partir de então, formulou conceitos, teorias, práticas e princípios da disciplina que fundou, chamada “Enfermagem Transcultural”. A Enfermagem Transcultural surgiu das transformações mundiais que vêm ocorrendo progressivamente em nossa sociedade. Leopardi7 e González8 apresentam os fatores que influenciaram Madeleine Leininger à instalação de uma nova disciplina para a enfermagem: diferenças regionais, de idade, gênero, religiões, capacidade e incapacidade; múltiplas crenças, valores e estilos de vida, conferidos pelo aumento das identidades multiculturais; uso excessivo de tecnologia aplicado aos cuidados de saúde dos pacientes, gerando conflito com os valores culturais dos pacientes; conflitos culturais mundiais, choque e violência que desencadeiam impactos sobre os cuidados de saúde; aumento do número de pessoas que viajam e trabalham em partes diferentes do mundo; aumento dos temas legais resultantes de conflito cultural, como negligência, ignorância e imposição de práticas de cuidados de saúde; aumento de problemas de gênero e feminismo com novas demandas de sistemas sanitários para dar conta da saúde das mulheres e crianças; aumento da necessidade de serviços de cuidado em saúde baseado na cultura por parte da comunidade. Neves9 afirma que o desenvolvimento teórico do cuidar em enfermagem teve início, como dito, na década de 1950, com Madeleine Leininger. A partir da década de 1980, quando se formalizou sua teoria, houve um crescimento do interesse sobre o cuidado humano e o cuidado transcultural de enfermagem, sendo a teoria do cuidar/cuidado sua primeira e maior contribuição. Ela percebeu que havia diferença nas formas de as pessoas se expressarem e interagir em relação ao cuidar/cuidado, e essas diversidades pareciam estar relacionados a diferentes padrões culturais. CONCEPÇÕES TEÓRICAS Madeleine Leininger6 foi aprimorando sua teoria e método de pesquisa a partir de um enfoque êmico – EMIC (percepções internas das pessoas) –, permitindo que fossem compartilhadas ideias, crenças e experiências com pesquisadores (ético – ETIC). Assim, reconhecia duas categorias de cuidar: o genérico (associado ao EMIC) e o profissional (ETIC), que diz respeito a recuperar enfermidades e sobreviver.6,9 O cuidado genérico estaria correlacionado ao enfoque êmico e o profissional, ao ético. Culturas diferentes percebem, conhecem e praticam cuidado de diferentes maneiras, ainda que alguns elementos comuns existam, em relação ao cuidado, em todas as culturas do mundo.7 O cuidado é a essência da enfermagem, sendo imprescindível para todo desenvolvimento e manutenção da saúde em todas as culturas do mundo. É uma ação individual e coletiva, sendo uma atitude de preocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.10 Assim, o cuidado prestado pela enfermagem varia de acordo com a cultura do local, a cultura humana, ou seja, varia transculturalmente.9 A meta da Teoria Transcultural é proporcionar cuidado cultural coerente com valores, crenças e práticas culturais dos indivíduos, a fim de que a enfermagem possa ser um agente facilitador da saúde e do bemestar dos indivíduos, das famílias e dos ambientes institucionais.6,8,11 A teoria é definida como uma forma sistemática e criativa de descobrir conhecimentos sobre algo e explicar alguns fenômenos conhecidos de forma vaga ou limitada. A Teoria Transcultural vem, assim, dar conta das crenças culturais, de cuidados e valores de indivíduos, famílias e grupos para proporcionar cuidados de enfermagem efetivos, satisfatórios e coerentes.8 Uma assistência de enfermagem coerente do ponto de vista cultural só pode ser desempenhada quando os valores, expressões e modelos de cuidados culturais da pessoa, do grupo, família ou comunidade são conhecidos e utilizados de maneira adequada pelo profissional de enfermagem.8 Assim, o enfermeiro e os sujeitos das ações de enfermagem são envolvidos para a busca de cuidados culturalmente congruentes, desconstruindo o modelo vigente, tecnocrático e verticalizado, pautado por atitudes impositivas por parte dos profissionais de saúde. O cuidado cultural congruente (de enfermagem) é aquele que existe à medida que ocorrem ações e decisões assistenciais, de suporte, de facilitação ou capacitação embasadas cognitivamente no indivíduo, grupo ou instituição, com a finalidade de promover cuidados de saúde significativos, benéficos e satisfatórios. 6,8 Essa perspectiva admite um trabalho de enfermagem centrado no cuidado baseado na cultura, nas crenças de saúde e doença, nos valores e práticas das pessoas para ajudá-las a manter ou recuperar sua saúde, fazer frente a suas incapacidades ou à sua morte.6 De forma abrangente, o cuidar é o modo de ação para ajudar as pessoas de diversas culturas, enquanto o cuidado foi o fenômeno a ser entendida e ações de orientação. A visão de mundo, linguagem, religião, contexto social, político, educacional, econômico exercem influência sobre os valores, crenças e práticas do cuidado cultural. Com relação a esses fatores, Madeleine Leininger6 propõe buscar as diversidade e universalidade; para ela, o cuidado só será culturalmente congruente quando os valores, bem como os cuidados culturais, dos grupos, família ou indivíduos forem conhecidos. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 131 O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural Por meio das observações feitas e suas diferenças, pôde relacionar o cuidar aos padrões culturais. O cuidar passa a ser desenvolvido e decidido sob a visão das pessoas, e não mais sob a visão do enfermeiro.8 Essa nova visão proporciona aos enfermeiros uma forma nova de cuidar, bem como de entender os indivíduos, famílias e culturas. Observa-se a importância do cuidado e da cultura caminharem sempre juntos no processo de avaliação e cuidado de enfermagem. A partir do cuidado popular, cultural, é estabelecido o cuidado de enfermagem. O cuidado se desenvolve entre pessoas. Identificando a relação enfermeiro-paciente, percebe-se que este troca conhecimento, habilidade técnica e sensibilidade e ajuda o outro a crescer. O profissional enfermeiro, ao cuidar, está se desenvolvendo profissional e pessoalmente. No âmbito da saúde da mulher, essa relação está impregnada de valores, crenças e atitudes que nascem e se transformam no convívio social e da comunidade. Quando pensamos na mulher, devemos refletir que esta é fruto de uma sociedade e de valores culturais que vão delinear sua história de vida.12 Deve-se adequar os cuidados praticados assistencialmente com a forma de viver de cada grupo, portanto, ao se propor determinado tipo de cuidado, deve-se atentar para as necessidades e prioridades de cada grupo assim como de seu interesse. O ambiente sofre influência cultural, portanto, o enfermeiro deve analisá-lo para prover um cuidado culturalmente congruente.11,13 O cuidado cultural é prestado com base em valores, crenças e modos de vida que são objetiva e subjetivamente apreendidos e transmitidos por quem assiste, apoia, facilita ou capacita outro indivíduo ou grupo a manter seu bem-estar, sua saúde, a melhorar sua condição e seu modo de vida humano, ou lidar com a doença, deficiência ou morte.6 Uma Teoria de Enfermagem deve levar em consideração o desenvolvimento criativo dos indivíduos, famílias, grupos, com suas práticas, valores, impressões, crenças e ações baseadas em seu estilo de vida e cultura, para procurar uma assistência de enfermagem eficaz, satisfatória e coerente do ponto de vista cultura.13 Levando-se em consideração a cultura dos grupos sociais, a enfermagem, além de compor um grupo detentor de determinada cultura, interage com o outro – individual ou social – por meio de seu objeto de trabalho, que é o cuidar/cuidado. Dessa forma, o cuidar não está restrito a mero ato, tarefa destinada à intervenção de determinada disfunção orgânica, mas, sim, a ações promotoras de um equilíbrio universal do ser humano. O sentido transcultural nos remete a uma visão de multifatoriedade e causalidade no processo saúde-doença. Assim, a essência da enfermagem é uma prática cultural e holística voltada para o ser humano. A prática do cuidado sofrerá, o tempo todo, influência da cultura individual ou coletiva, podendo esta repercutir de forma positiva ou negativa sob o cuidado prestado ou ensinado. 132 O desenvolvimento da teoria da diversidade e universalidade dos cuidados culturais é baseado na convicção de que pessoas de culturas diferentes podem oferecer informações e orientar os profissionais a direcionar seus cuidados. Como a cultura determina estilos de vida e vice-versa, o enfermeiro deve considerar a existência do ser humano, com uma história de vida, visão de mundo, modelos populares de saúde, expressões de linguagem. Ou seja, admitir a existência de um saber social que contribui para o direcionamento da prática de enfermagem.8,11 Apesar da percepção, conhecimento e práticas de cuidados diferenciados em diversas culturas (diversidade), os cuidados podem apresentar elementos comuns entre si (universalidade). Assim, dar voz às mulheres nos serviços de saúde permite o conhecimento de suas histórias e a elaboração de ações que atendam às suas reais necessidades, pois, assim como a enfermagem exerce influência na saúde da mulher, esta também interfere na enfermagem com suas concepções de mundo. É com base no conhecimento das realidades individuais e sociais que a enfermagem busca embasamentos para o planejamento das ações do seu cuidar. E se entendemos que cuidar é um ato social, a busca do equilíbrio dessa relação traz, também, um equilíbrio social, tendo, assim, um potencial de transformação das realidades assistenciais vigentes. O MODELO SUNRISE Alguns aspectos são fundamentais na Teoria Transcultural, tais como cultura, cuidados, cuidados culturais, visão de mundo, sistemas de saúde e bem-estar tradicionais. Quanto à cultura, podemos entendê-la como um conjunto de valores, crenças e normas referentes a práticas de determinado grupo social. É responsável por orientar o pensamento, as decisões e as ações de um indivíduo, de maneira específica. Os cuidados são a ajuda, o apoio e condutas estimuladoras que facilitam ou melhoram a situação de uma pessoa. É fundamental para a sobrevivência o desenvolvimento e a capacidade de enfrentar as situações de vida. Os cuidados culturais são valores e crenças que auxiliam o grupo de indivíduos a manter seu bem-estar, melhorar suas condições pessoais, enfrentar a morte e a incapacidade. Nos cuidados culturais, Madeleine Leininger6 ainda apresentou um desafio de desenvolver as ações do cuidar a partir do olhar das pessoas como comunidade e não da visão do enfermeiro. Existem três modalidades para a realização do cuidado cultural ou, também, podemos entender como modos de atuação da enfermagem: preservação e/ou manutenção do cuidado cultural; acomodação e/ ou negociação do cuidado cultural; repadronização ou reestruturação do cuidado cultural.8,14 A visão de mundo, para a teórica6 depende de uma estrutura social (religião, educação, cultura) e de remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 um contexto ambiental (um acontecimento, uma experiência, emocional ou física que confere significado às expressões humanas). E as dimensões estruturais culturais e sociais apresentam características dinâmicas em determinado grupo ou sociedade. O contexto ambiental refere-se às experiências particulares, que dão sentido a expressões, interpretações e interações sociais. Os sistemas de saúde referem-se aos cuidados e às práticas de cuidados, que têm significados distintos em diferentes culturas. O modelo proposto por Leininger6 é utilizado para estudos que ressaltam a importância de serem estudadas pessoas do seu ponto de vista e conhecimentos locais (EMIC) para posteriormente ser contrastado com fatores externos (ETIC). Admite, assim, o uso da etnoenfermagem, etnografia, história de vida e fenomenologia.8 O Modelo Sunrise é o esquema gráfico utilizado para descrever e ilustrar os principais componentes da Teoria Transcultural.6-8 Esse modelo consta de quatro níveis, sendo: • Nível I: representativo da visão de mundo e sistemas sociais, possibilitando a compreensão dos atributos dos cuidados em três perspectivas: microperspectiva (indivíduos de uma cultura), perspectiva média (fatores mais complexos de uma estrutura específica), macroperspectiva (fenômenos transversais em diversas culturas). • Nível II: proporciona informações sobre os indivíduos, sobre uma família, bem como sobre significados e expressões específicas relacionadas com o cuidado de saúde. • Nível III: proporciona informações sobre s sistemas tradicionais e profissionais, incluindo a enfermagem, que atuam em uma cultura e permite a identificação da diversidade e universalidade dos cuidados culturais; • Nível IV: determina o nível de decisões dos cuidados de enfermagem, incluindo a preservação, a acomodação e a repadronização do cuidado cultural. Nesse nível, ocorrem os cuidados culturalmente coerentes. Fonte: Leopardi, 1999. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 133 O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural Essa forma de entender saúde nos coloca numa situação de igual para igual com nosso cliente, rompendo com o velho paradigma de que o profissional de saúde é o detentor do saber e o paciente/cliente desprovido de qualquer conhecimento. Ao reconhecermos a existência desse saber social, transcendemos velhos conceitos de saúde e doença e nos lançamos para uma nova perspectiva de enfermagem que vai para adiante de um modelo intervencionista e curativo. A prática assistencial à mulher analisada sob o aspecto da coletividade é influenciada o tempo todo pela bagagem cultural que recebe em seus grupos sociais, bem como na família. A prática do cuidado sofrerá, o tempo todo, influência da cultura individual ou coletiva, podendo esta repercutir de forma positiva ou negativa sob o cuidado prestado ou ensinado. Ao admitirmos que o contexto da saúde da mulher é impregnado de questões sociais, econômicas, inclusive influenciando seu estilo de vida e determinados comportamentos, também podemos dizer que a enfermagem, ao reconhecer essa realidade, pode contribuir para uma ação de transformação social. A TEORIA DE LEININGER APLICADA À SAÚDE DA MULHER A enfermagem no contexto da coletividade é um dos instrumentos de ação social para a promoção da saúde. A enfermagem, exercida como prática social, integra-se às práticas dos demais trabalhadores em saúde.1 A prática de enfermagem baseia suas ações no cuidar do ser humano em sua integralidade. Ao admitirmos que o contexto da saúde da mulher é impregnado de questões sociais, econômicas, influenciando até mesmo seu estilo de vida e determinados comportamentos, também podemos dizer que a enfermagem, ao reconhecer essa realidade, pode contribuir para uma ação de transformação social. A enfermagem procura equilibrar as necessidades do indivíduo para mantê-lo em uma situação de saúde. É com base em seu conhecimento técnico-científico (físico, químico e biológico) e psicossocial que a enfermagem desempenha esse papel. A enfermagem reconhece o ser humano como membro de uma família e de uma comunidade.8 Ao refletirmos sobre tais afirmativas, podemos compreender o verdadeiro papel da enfermagem na saúde coletiva: não mais como um agente de reabilitação de uma disfunção orgânica, mas, sim, como verdadeiro instrumento facilitador da manutenção de condições adequadas de saúde de uma população. Revisitando tais conceitos, também podemos refletir sobre o significado do cuidar para a enfermagem como uma ação que transcende o antigo modelo curativista e caminha para um modelo mais preventivo e promotor da saúde, levando em conta um conjunto de dimensões sociais.10 São muitos os casos em que os profissionais de saúde enfrentam dificuldades na implementação do plano 134 de cuidados ao cliente. Tais dificuldades são geradas pela não compreensão da cultura e, com isso, o profissional se esquece de planejar o cuidado de forma integral.15 No que se refere à saúde da mulher, é fundamental que se conheça sua cultura, pelo simples fato de que suas crenças e determinados saberes populares estão intimamente ligados com o conhecimento de antepassados, principalmente tratando-se da maternidade, em que a sociedade a encaixa no papel de “mãe” como sua principal função. A mulher provém de uma família e de uma cultura, sendo sua vida permeada por inúmeros acontecimentos. O desenvolvimento de uma teoria que contempla a diversidade e a universalidade dos cuidados culturais, explica por que pessoas de culturas diferentes podem oferecer informações e orientar os profissionais a direcionarem seus cuidados. Como a cultura determina estilos de vida, e vice-versa, o enfermeiro deve considerar a existência do ser humano com uma história de vida, visão de mundo, modelos populares de saúde, expressões de linguagem. Ou seja, a existência de um saber social contribui para o direcionamento da prática de enfermagem. Essa forma de entender saúde nos coloca numa situação de igual para igual com nosso cliente, rompendo com o velho paradigma de que o profissional de saúde é o detentor do saber e o paciente/cliente desprovido de qualquer conhecimento. Ao reconhecermos a existência desse saber social, transcendemos velhos conceitos de saúde e doença e nos lançamos em uma nova perspectiva de enfermagem que ultrapassa um modelo intervencionista/curativista. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Teoria Transcultural traz à tona a importância do fator cultura, capacitando o indivíduo ou grupo a efetuar atividades segundo padrões definidos por uma variação de crenças, valores e condições socioeconômicas em uma sociedade. Ao aprofundarmos os estudos em Leininger6, percebemos claramente sua aplicabilidade à saúde coletiva e a contribuição que ela traz, de forma bastante atual, para o entendimento de processos sociais referentes à saúde da mulher. Dessa forma, os constructos de Leininger6 fazem crer que a Teoria Transcultural é aplicável para a compreensão dos processos que envolvem as questões de gênero e a condição feminina no contexto da coletividade. Ao admitirmos a importância do saber social, lançamonos em um novo modelo assistencial, fundamentado nas necessidades específicas e culturais desses grupos. Faz-se necessário, então, o aperfeiçoamento e o envolvimento do enfermeiro na incorporação de novas formas de pensar e agir em saúde no âmbito da assistência à mulher, respeitando-os como seres sociais, detentores de conhecimentos. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 A contemporaneidade impõe-nos grandes desafios como profissionais de saúde, e não de doença. Conhecer e transformar saberes e práticas em saúde torna-se uma árdua tarefa. O “pensar a saúde” na atualidade requer espaços de negociação, na busca de estratégias inclusivas e transformadoras da realidade de saúde vigente. Assim, com base no conhecimento das realidades individuais e sociais, a enfermagem amplia sua compreensão diante dos processos de saúde e doença, fundamentando sua prática e suas formas de cuidar da mulher na coletividade. Conhecendo as realidades individuais e sociais, a enfermagem pode vir a buscar melhor entendimento dos processos de saúde e doença e melhor embasamento para a prática de seu cuidar da mulher, em suas diversas fases da vida. Desse modo, o enfermeiro é convidado a desenvolver sua sensibilidade cultural, de modo que possa adequar seu cuidado às diversas características da religiosidade, da moralidade e outras particularidades que vão ser base para a implementação integral do cuidado, construindo com a mulher o processo de cuidar. REFERÊNCIAS 1. Rocha CMR. Uma experiência de trabalho com adolescentes em atenção primária à saúde. In: Ramos FRS, Monticelli M, Nitschke RG, organizadores. Um encontro da enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília: ABEn/ Governo Federal; 2000. 2. Chodorow N. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 2002. 3. Badinter E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. 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Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012 135 PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA CUIDADORES DE IDOSOS: UM OLHAR DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA FREIREANA HEALTH EDUCATION PRACTICES FOR ELDERLY CAREGIVERS: A LOOK AT NURSING FROM PAULO FREIRE’S PERSPECTIVE PRÁCTICAS DE EDUCACIÓN EN SALUD PARA CUIDADORES DE ANCIANOS: MIRADA DE ENFERMERÍA DESDE LA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE Roberta Fortes Santiago1 Maria Helena Barros Araújo Luz 2 RESUMO Diante do envelhecimento populacional que ocorre no Brasil, é possível observar o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, as maiores responsáveis por incapacidades e dependências, passando a ter destaque os cuidadores de idosos que, para exercerem o cuidado, necessitam ser orientados e acompanhados por meio de atividades educativas. Cabe aos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros, a execução dessas práticas. Com este trabalho, objetiva-se refletir sobre as práticas de Educação em Saúde realizadas pelos enfermeiros com os cuidadores de idosos, na perspectiva problematizadora e libertadora de Paulo Freire. Muitas vezes a educação desenvolvida é realizada desconectada da realidade na qual se encontra inserida essa população. No desenvolvimento das práticas educativas, os profissionais devem passar confiança para que, sob um prisma humanizado, possam conquistar os cuidadores e, assim, ocorrer um diálogo claro e construtivo entre educador-educando. A teoria freireana preza pelo respeito, tanto do senso comum como da capacidade criadora do educando, por meio da defesa e incentivo da curiosidade ingênua, que se transforma em pergunta, que leva à problematização da realidade. Isso resulta na curiosidade epistemológica e, consequentemente, na reflexão crítica, e assim a consciência se criticiza. Com a ocorrência dessa superação, o indivíduo é capaz de entender, analisar e enfrentar a realidade na qual está inserido, transformando-a. A incorporação das ideias freireanas, principalmente pelos enfermeiros, pode proporcionar aos cuidadores de idosos a conscientização, o desenvolvimento de uma reflexão crítica e, por sua vez, o desempenho melhor de suas ações. Palavras-chave: Educação em Saúde; Enfermagem; Cuidadores. ABSTRACT The increase in chronic non-communicable diseases rate, which is the main cause of disabilities and dependencies, is consequence of an aging population. In this context, elderly caregivers are of the upmost importance. To be able to provide better care they need to be advised and guided through educational activities. It is the health professionals’ responsibility, especially the nurses’, to implement such activities. This study aims at reflecting on the nurses’ health education practices directed to elderly caregivers using Paulo Freire’s problematizing and liberating perspective. Often the education imparted is disconnected from that population’s context. When developing their educational practices the professionals must transmit confidence, and through a humanized approach, be able to captivate caregivers, establishing a clear and constructive dialogue between teacher and student. The theory of Paulo Freire values the respect for both the common sense, and the student’s creative capacity; it defends and encourages the naive curiosity that is changed into question that leads to epistemological curiosity that turns into critical reflection, generating a critical consciousness. So the individual is capable of understanding, analysing and confronting his/her given reality, and change it. The nurses’ assimilation of Freire’s ideas can offer elderly caregivers awareness, a critical thinking, and consequently improve their performances. Keywords: Health Education; Nursing; Caregivers. RESUMEN Ante el envejecimiento de la población en Brasil se observa aumento de enfermedades crónicas no transmisibles, principales causantes de incapacidades y dependencias. Por ello se destacan los cuidadores de ancianos que necesitan orientación y asistencia para ejercer su trabajo. Les corresponde a los profesionales de salud, especialmente a los enfermeros, implementar dichas prácticas. Este trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre las prácticas de Educación en Salud realizadas por enfermeros con cuidadores de ancianos desde la perspectiva liberadora de Paulo Freire. La educación a menudo está desvinculada de la realidad en la que se inserta esta población. En el desarrollo de las prácticas educativas los profesionales deben transmitir confianza, para que, dentro de un prisma humanizado, conquisten a los cuidadores y que haya diálogo franco y constructivo entre profesores y alumnos. La pedagogía de Paulo Freire valora el respeto al sentido común y a la capacidad creativa del estudiante cuya curiosidad ingenua se transforma en pregunta y conlleva a la problematización de la realidad. Ello resulta en la curiosidad epistemológica y, a su vez, en reflexión y en conciencia crítica. Con esta superación, el individuo es capaz de entender, analizar y confrontar la realidad en la que está insertado, transformándola. La incorporación de las ideas de Freire, especialmente por enfermeros, puede concientizar a los cuidadores de ancianos y desarrollar en ellos reflexión crítica para desempeñar mejor sus tareas. Palabras clave: Educación en Salud; Enfermería; Cuidadores. 1 2 Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí. Enfermeira ambulatorial da Fundação Municipal de Saúde de Teresina-PI. E-mail: [email protected]. Fone: (86)3213 3471/8841 8441. Endereço: Acarape, Rua Moisés Said, 2812. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. Endereço para correspondência – Rua Moisés Said, 2812, Acarape, Teresina-PI – CEP: 64002-070 E-mail: [email protected]. 136 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 INTRODUÇÃO Atualmente, é possível observar que o aumento da população idosa brasileira acontece de forma rápida, pois, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida no Brasil cresceu 3,3 anos de 1998 a 2008, chegando à média de 73 anos. No sexo masculino, a expectativa de vida aumentou de 65,9 para 69,3 anos, enquanto no sexo feminino, de 73,6 para 76,8 anos. Apesar de a média de crescimento nos últimos dez anos ter sido maior para os homens, as mulheres têm uma situação mais favorável por viverem em média mais que os homens.1 O envelhecimento demográfico, por sua vez, vem ocasionado mudanças epidemiológicas que se caracterizam pelo aumento da morbimortalidade pelas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), patologias típicas de idades avançadas. Essas doenças são as maiores responsáveis por incapacidades e dependências, e com isso passam a ter destaque outros atores, os envolvidos no cuidado à saúde, que são os cuidadores de idosos. Os cuidadores são indivíduos que assumem a responsabilidade de cuidar. Eles são fundamentais na assistência a idosos no domicílio e representam o elo entre o ser cuidado, a família e os serviços de saúde.2 Assim, para prestar um atendimento adequado ao idoso no domicílio, são necessários cuidadores bem orientados e preparados, capazes de avaliar a pessoa cuidada quanto às suas necessidades, potencialidades e limites, para que possam gerenciar e executar seu autocuidado. Cabe aos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros, o desenvolvimento de práticas de Educação em Saúde com esses indivíduos que prestam o cuidado no domicílio, uma vez que são eles que estão em contato diário com o cliente, logo necessitam aprender e adotar medidas para prevenir uma série de agravos e incapacidades – por exemplo, as úlceras por pressão. As práticas educativas correspondem a um dos eixos norteadores da atuação do enfermeiro, como atividades que são de sua competência que devem ser desenvolvidas no cuidado de enfermagem em Saúde Pública, quer seja em atividades em grupos, quer seja individualizada, realizada na comunidade, no próprio domicílio, em serviços de saúde vinculados à Atenção Básica, quer em outros cenários.3 O objetivo com este trabalho foi refletir sobre as práticas de Educação em Saúde realizadas pelos enfermeiros com os cuidadores de idosos sob a perspectiva problematizadora e libertadora de Paulo Freire. EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ATENÇÃO BÁSICA: INSERÇÃO DOS CUIDADORES A atenção à saúde da família é uma atividade em franca expansão em todo o mundo. Constitui a unidade de referência para que seja implementada a Estratégia Saúde da Família (ESF), criada inicialmente com a denominação de Programa Saúde da Família (PSF), implantada no Brasil em 1994. Trata-se de uma estratégia inovadora no cenário dos serviços de saúde que prioriza as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e das famílias de forma integral, contínua e participativa.4,5 A ESF tem suas ações baseadas na Atenção Básica, que visa à reorganização das práticas assistenciais, em substituição ao modelo hospitalocêntrico para outro modelo centrado na família, com ações individuais e coletivas em seu ambiente físico e social. Para o enfermeiro desenvolver seu papel de educador é fundamental a realização de Educação em Saúde, por constituir uma ação inerente ao seu cuidado e por ser um meio de vinculação dos profissionais e serviços com a comunidade. As práticas de Educação em Saúde devem respeitar e valorizar a participação e a autonomia dos sujeitos e possibilitar que sejam supridas suas necessidades, carências, expectativas, anseios e dúvidas. No entanto, o que se observa é que a educação desenvolvida, em especial com as massas populares, muitas vezes é realizada apenas como ato de transferência e depósito de conteúdos, desconectados da realidade vivenciada pelo sujeito e do contexto no qual se encontra inserida essa população. Na assistência a idosos no domicílio, os profissionais de saúde da ESF não podem tratar a realidade como algo isolado e estático, nem ter como foco de suas ações apenas as alterações fisiopatológicas, pois é importante que se considere o contexto psicoemocional, socioeconômico, cultural e religioso no qual se encontram inseridos, os riscos a que o idoso está sujeito, bem como a experiência existencial do indivíduo e/ou de seus cuidadores. É preciso considerar a realidade social que está pautada pela trama das relações e das correlações de forças que formam a totalidade social, buscando perceber as particularidades na totalidade, porque nenhum fato ou fenômeno se justifica por si mesmo, isolado do contexto social onde é gerado e se desenvolve.6 É preciso nessa assistência que os profissionais de saúde deem suporte aos cuidadores de idosos através de Educação em Saúde para que haja o cuidado adequado, visto que uma série de incapacidades leva os idosos à dependência, evento esse que muitas vezes acontece de forma inesperada. Por sua vez, em sua maioria, quem assume o papel de cuidador principal são membros da família ou pessoas leigas, assim, frequentemente os indivíduos que executam o cuidado têm uma série de dificuldade em exercê-los por decorrência da doença de base que o idoso dispõe, da falta de experiência e de recursos para o cuidar. A Educação em Saúde é de extrema importância, visto que, à medida que os saberes são trocados, se constrói, conjuntamente, um novo saber; é justamente esse processo que favorece a autonomia do educando. Ao contrário da memorização do conteúdo narrado pelo educador, que não possibilita a construção remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 137 Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana do conhecimento, visto que os educandos não são chamados a conhecer, a refletir, a desvelar a realidade e a se inserir criticamente nela. A capacidade crítica do educando é constituída do estímulo à sua curiosidade, que leva a indagação; do respeito ao saber popular, que é baseado no senso comum; e da concepção freireana. Esse saber é denominado “curiosidade ingênua” e corresponde à consciência. Essa curiosidade deve ser superada, em vez de haver sua ruptura, que ocorre quando o saber popular é desconsiderado e a superação corresponde, justamente, à aliança entre o saber popular e o científico. Essa forma de construção do conhecimento Freire denomina “construção de um saber democrático”.7 O ato de cuidar, muitas vezes, é realizado com base apenas no senso comum, visto que essa ação não caracteriza o cuidador do idoso como profissional de saúde. Por isso o cuidado a ser desenvolvido deve ser de forma planejada com os profissionais de saúde da ESF, para possibilitar a construção do saber democrático. As práticas educativas, ainda nos dias atuais, ocorrem de forma prescritiva, conservadora e normativa, ou seja, sem levar em consideração o saber prévio do educando, e sim a imposição do saber do educador sobre o educando, o que corresponde apenas ao repasse de informações, e alerta para a importância da realização de “verdadeiras práticas” de Educação em Saúde, a qual deve ser realizada tendo como base as necessidades, os interesses e as potencialidades dos grupos populares, valorizando os processos dialógicos e participativos baseados na troca de experiências e no contexto sóciopolítico, econômico e cultural dos sujeitos para proporcionar a construção do saber democrático.3, 8 Nesse sentido, a ESF se mostra como uma estratégia fragilizada, principalmente no que se refere ao suporte que se deve dar a pacientes acamados, visto que enfocam demasiadamente as ações voltadas para a patologia. Em decorrência dessa fragilidade, os cuidadores acabam assumindo responsabilidades no que se refere à promoção da saúde e do bem-estar do idoso sem ter o devido conhecimento, respaldo e preparo técnico-científico. Isso favorece ao surgimento de situações estressantes para esses cuidadores, em decorrência da sobrecarga física e emocional.9 Além disso, há consequências para o idoso acamado, que tem sua qualidade de vida diminuída dada a maior exposição a riscos que comprometem suas condições de saúde. Logo, torna-se necessário maior empenho dos governantes para que haja, de fato, a efetivação da ESF, principalmente no tocante ao cuidado domiciliar de forma integralizada, para garantir ações voltadas para a melhor qualidade de vida, tanto dos acamados como de seus cuidadores, bem como das famílias no geral. Torna-se urgente a reorganização dos serviços de saúde no ambiente domiciliar com ênfase na promoção da saúde baseada em práticas educativas, para identificar as reais necessidades dos envolvidos e permitir, também, a autonomia e a corresponsabilidade, a valorização da 138 subjetividade e a criação de vínculo. A ação educativa em saúde é um processo dinâmico que tem como objetivo a capacitação dos indivíduos e/ou grupos de clientes e cuidadores em busca da melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida da população.10 É fundamental, portanto, que os profissionais de saúde reconheçam que a concepção de saúde e doença dos indivíduos é histórica e culturalmente formada, e que mudar essa situação significa um (re)aprendizado, tornando-se essencial a realização de práticas educativas baseadas na aliança entre o saber popular e o saber técnico, para que, assim, seja possível reconstruir o conceito do real significado do cuidado para o cuidador.11 Nesse sentido, Freire considera fundamental que o educador conheça o saber prévio do educando, bem como reconheça a abertura à produção de novos conhecimentos. Ele considera o ensinar e o aprender momentos cíclicos, nos quais quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Salienta, ainda, a importância do ato de escutar, que significa ir além da capacidade auditiva de cada um, proporcionando a abertura à fala, aos gestos e às diferenças do educando.7 EDUCAÇÃO LIBERTADORA E PROBLEMATIZADORA: UM DESAFIO PARA A ENFERMAGEM No desenvolvimento das práticas educativas, os profissionais de saúde devem se fundamentar na pedagogia libertadora e problematizadora de Paulo Freire. Segundo essa teoria, o educador deve passar confiança, para que, em um prisma humanizado, possa conquistar o educando e, assim, ocorra um diálogo claro e construtivo entre educador-educando, em que ambos devem estar integrados na comunidade, trabalhando não apenas a questão intelectual, mas o desenvolvimento da investigação, seguida da crítica, reflexão e transformação.12 O referido teórico considera que existem três tipos de consciência: a semi-intransitiva, a ingênua-transitiva e a crítica. A consciência semi-intransitiva é aquela que é dominada, tem uma visão deturpada da realidade, capta apenas os fatos que se encontraram na órbita de sua própria existência; caracteriza-se pela quase imersão na realidade, atribui a origem dos fatos a uma realidade superior, denominada mágica, por estar fora da realidade objetiva. Nela o homem assume uma posição mágica diante do mundo e dos fatos, não consegue discernir a verdadeira causa dos eventos, dada a limitação da sua esfera de apreensão.6, 13 A consciência transitiva surge enquanto consciência ingênua, também é dominada, mas tem uma visão superficial da realidade oriunda do senso comum, o poder de captação e de respostas surge no seu próprio contexto, no entanto não consegue estabelecer uma relação com o mundo e com os homens, logo não age conscientemente por não estabelecer uma relação reflexiva e crítica com o mundo e com os outros, vê a realidade como algo estático, logo se caracteriza, remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 principalmente, por aceitar a realidade como ela se apresenta. Vale ressaltar que a relação dialogal que aí se desenvolve não busca conhecer a causalidade dos fatos, e sim se acomoda com explicações fabulosas dos fatos.13,14 Freire menciona que esses níveis de consciência são historicamente formados e podem ser historicamente alterados por um processo de amadurecimento, no qual a educação exerce papel essencial, de forma a proporcionar a mudança social. Isso significa a passagem da intransitividade e da transitividade para a consciência crítica.14 A consciência crítica caracteriza-se, especialmente, por perceber a causalidade dos fatos e pela profundidade na interpretação dos problemas. Compreende a realidade por uma reflexão profunda, é curiosa, interrogativa, não se satisfaz com explicações mágicas, mas com explicações fundamentadas, estimula tanto a reflexão quanto a ação do homem sobre a realidade, promovendo a transformação criadora. Assim, acredita que a realidade é dinâmica, pode ser transformada.14, 15 No cuidado exercido pelos cuidadores aos idosos acamados, é possível observar que muitas vezes a consciência dominada se faz presente no que se refere ao processo de saúde-doença, quer seja a intransitiva, quer a transitiva. Isso acontece pelo fato de eles não conseguirem estabelecer uma relação crítica e reflexiva com o mundo e, assim, não são capazes de identificar uma série de riscos a que o idoso acamado está susceptível, dentre os quais, faz-se importante destacar, os riscos à úlcera por pressão. A educação libertadora e problematizadora prezase pelo respeito tanto do senso comum como pela capacidade criadora do educando. Ela significa, justamente, a superação da consciência semiintransitiva ou ingênua-transitiva para uma crítica por meio da defesa e incentivo da curiosidade ingênua, que se transforma em pergunta, problematização da realidade. O resultado é a curiosidade epistemológica, bem como a reflexão crítica, e assim a consciência se criticiza, mudando de qualidade, não de essência. Com a ocorrência dessa superação, o indivíduo é capaz de entender, analisar e enfrentar a realidade na qual está inserido, transformando-a.7 No processo educativo a ser desenvolvido pelos profissionais de saúde, sobretudo pelos enfermeiros com os cuidadores, é preciso que lhes proporcione oportunidades de reflexão partindo da problematização da sua realidade, das expressões do conhecimento empírico prévio da situação em que se encontram envolvidos, principalmente pelo fato de a maioria não ter o conhecimento técnico-científico. Desse modo, devese buscar ampliar a visão desses cuidadores mediante o estabelecimento de relações com o mundo e com os outros. Tal ação viabiliza a conscientização, que orienta a capacidade de transformação e melhorias na qualidade do cuidado prestado. Isso porque esses indivíduos são essenciais para a equipe de saúde, uma vez que são provedores de cuidados e, por isso, necessitam ser orientados e acompanhados, papel que cabe aos profissionais da ESF. Para que a Educação em Saúde seja eficaz, é preciso que os enfermeiros incorporem as ideias freireanas e tenham sempre em mente cinco conceitos que norteiam a teoria libertadora e problematizadora freireana: conscientização, práxis, diálogo, saber de experiência feito e cultura. Freire define conscientização como um ato de conhecimento e como prática da liberdade, uma aproximação crítica da realidade; ou seja, é o processo no qual se ultrapassa a esfera espontânea da apreensão da realidade para se chegar a uma esfera crítica que vai se desenvolver a partir do contato do homem com o mundo, o que resulta em uma reflexão crítica da relação consciência-mundo e na criação de uma nova realidade.12 Esse processo não esgota a conscientização, pelo contrário, é um processo permanente, pois a nova realidade criada deve ser tomada como objeto pelo indivíduo para uma nova reflexão crítica. A conscientização, fenômeno tipicamente humano, é possível a partir do momento em que a consciência se torna reflexiva. As práticas educativas só podem levar ao atendimento das necessidades humanas se elas proporcionarem a conscientização dos homens, sua humanização, a qual pretende a libertação dos homens por meio de um processo que implica reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.6 A educação não pode se basear num depósito de conteúdos, em uma consciência mecanicista, mas nos homens como“corpus conscientes”e na consciência como consciência intencionada ao mundo. É a consciência que leva ao pensar autêntico, ou seja, ao pensar e atuar, que conduz o homem a apoderar-se permanentemente da realidade, levando-o a uma contínua revolução cultural. Por isso Freire tem suas ideias centradas na conscientização dos indivíduos, tanto do educador quanto dos educandos, representados nesse contexto, respectivamente, pelo profissional de saúde e cuidador de idoso. Quando as ideias freireanas são trazidas para o cotidiano da prática educativa (cuidativa) dos profissionais de saúde, pode-se, pela crítica e reflexão, ver transformados ou reconstruídos saberes em um grupo que não tem o conhecimento advindo do contexto acadêmicocientífico, ao mesmo tempo em que ele se apropria do conhecimento que vem do universo comum.16 Nessa perspectiva, a pessoa tem a oportunidade de pontuar e refletir sobre os próprios veículos da educação em saúde. É de extrema importância que o educador, profissional de saúde, especialmente os enfermeiros, na realização de atividades educativas, desenvolvam um processo dialógico que estimule a capacidade de pensar dos educandos, os cuidadores de idosos, valorizando seus conteúdos, o que representa a visão de mundo que o indivíduo traz consigo, a partir de seu meio sociocultural remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 139 Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana e das suas experiências, para que estes sirvam de base para o possível aprendizado de novas informações. que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado.14 Assim, para que haja a conscientização sobre os cuidados a desenvolver com o idoso, é fundamental que as orientações técnicas baseadas no conhecimento científico dos profissionais de saúde tenham como ponto de partida a expressão do conhecimento que os cuidadores já possuem, oriundo de suas vivências e experiências, para ser utilizado como fio condutor para despertar reflexões e gerar novos conhecimentos e conscientização da sua atuação. Acredita-se que, dessa forma, os cuidadores possam se perceber como indivíduos que têm papel relevante no cuidado ao idoso, especialmente na promoção de saúde e prevenção de doenças e agravos. O diálogo possibilita a permanente troca de conhecimentos, é fundamental para proporcionar a libertação dos homens, é uma exigência existencial, por isso deve conservar a identidade do indivíduo respeitálo, além de ser realizado com o povo e não ao povo, ou seja, por meio não da imposição do saber do educador, e sim da associação desse saber com o popular, que Freire denomina saber de experiência feito, o qual é resultante da experiência sociocultural. Subestimar essa experiência é ocultar a realidade objetiva, o que induz ao erro científico.12 A conscientização não consiste apenas em estar perante a realidade, mas leva os homens a não apenas “ser no mundo”, mas “ser com o mundo”, proporcionando a práxis, ou seja, o processo de transformação, pois ela não existe fora da práxis.17 A práxis é considerada como a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, ou seja, é um processo no qual se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos, o pensar crítico-reflexivo e a transformação-ação.6 O homem é um ser de práxis. Por ser capaz de comprometer-se, de agir, de refletir e, a partir daí, mudar seu agir, pode refletir sobre si mesmo e descobrir-se como um ser inacabado, em constante busca de ser mais.18 Uma vez os cuidadores conscientizados sobre as práticas de promoção de saúde, prevenção de doenças e agravos que precisam adotar com os idosos, eles devem sentir-se comprometidos em desenvolvê-las no ambiente domiciliar. Essas práticas devem acontecer na perspectiva dialógica entre o pensar e o fazer articuladas com ações de supervisão, avaliação e monitorização dos profissionais de saúde. Dessa forma, faz-se necessária a atuação de uma equipe multiprofissional integrada aos cuidadores para garantir a qualidade da assistência prestada ao idoso acamado no domicílio. Por sua vez, o diálogo que se dá por meio da palavra constitui o meio para se buscar a práxis, ou seja, ação e reflexão, por isso a palavra verdadeira é capaz de transformar e humanizar os homens e o mundo. Freire destaca que o diálogo não deve ser a forma imperativa de transmissão do conhecimento, característica do modelo tradicional, que só faz reforçar a dominação cultural e política, impedindo a conscientização dos homens, mas, segundo ele, consiste em uma relação horizontal e não vertical entre as pessoas envolvidas e que é a forma mais segura para a educação e a libertação de todos os homens, opressores e oprimidos.19 A arte do diálogo se baseia na contraposição de ideias que leva a outras ideias. A existência humana não pode ser silenciosa nem nutrida de palavras falsas; a práxis só pode ser obtida por palavras verdadeiras, palavras que não se reduzem ao dizer sozinho nem ao dizer para os outros, mas é o encontro dos homens em 140 O diálogo deve tomar como ponto de partida o saber anterior das pessoas, o qual é construído das suas experiências e vivências e possibilita a troca de experiências e a construção do conhecimento entre o saber técnico e popular daí a denominação educação dialógica, é por meio dele que o saber anterior das pessoas deve ser valorizado.3 A Educação em Saúde só é válida quando os profissionais ensinam de maneira a provocar o ato de conhecimento que os cuidadores têm, para que eles manifestem seu saber de experiência feito, suas curiosidades e dúvidas, para em seguida haver a superação desse conhecimento de forma a torná-lo crítico; o que não é possível é o desrespeito ao senso comum, tentar superá-lo sem partir dele. Dessa forma, vê-se a extrema importância da valorização do saber de experiência feito, que representa a compreensão de mundo que o indivíduo traz consigo, nas mais variadas dimensões de sua prática social, sendo impossível dicotomizar os saberes, o popular do erudito.12 Entretanto, valorizar esse saber não significa ficar girando em torno dele, mas envolve a passagem do conhecimento ao nível do senso comum para o conhecimento resultante de procedimentos mais rigorosos de aproximação aos objetos cognoscíveis. Os profissionais de saúde devem, como educadores, desenvolver práticas de Educação em Saúde que valorizem a história de vida, a autonomia e a independência desses cuidadores, para que, assim, possam expandir o conhecimento científico e cooperar na construção de um pensamento mais crítico.10 Para tal Freire12 defende que nas ações educativas é necessário que o educador compreenda a realidade concreta dos educandos, para que o ensino não se limite à pura transferência mecânica de conteúdo. Em vez de falar ao povo o educador deve falar com o povo, o que implica o respeito ao saber de experiência feito. A Educação em Saúde deve ser desenvolvida por todos os profissionais da Saúde da Família, no entanto não deve ser realizada de qualquer maneira. Ressalte-se que as práticas educativas não devem se limitar às alterações fisiopatológicas, mas ao indivíduo em sua totalidade. Para que isso aconteça, é importante que os profissionais de saúde da Atenção Básica abordem assuntos relacionados à promoção da saúde e à remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 prevenção de doenças, considerando o saber prévio dos cuidadores, para que, então, possam problematizar esse conhecimento e fazer com que eles desenvolvam a consciência crítica, que necessita da valorização do saber de experiência feito, logo do contexto cultural no qual estão inseridos. Nesse sentido, Freire destaca que para a conscientização é preciso que o educador se familiarize com o saber popular, a linguagem dos grupos populares, entenda como o homem faz sua leitura do mundo, o que significa a necessidade de compreensão da cultura dos indivíduos, para que não imponha sua cultura à deles.12 O respeito ao saber popular implica, necessariamente, o respeito ao contexto cultural, o entendimento do que é cultura, ou seja, implica a compreensão das questões de raça, sexo e do corte de classe, o que por sua vez significa a linguagem, a forma de ser, de andar, de se vestir, os gostos, os sonhos, religião, projetos e valores de um povo que está relacionado com o contexto socioeconômico, político e histórico em que vivem.12 Freire define cultura como o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem em seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens.13 Assim é no ato de estabelecer relações, de responder aos desafios, de criticar, de incorporar ao seu próprio ser e de traduzir por uma ação criadora da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam que o homem se cultiva e faz cultura. Por isso o processo de educação exige que o educador conheça a cultura dos seus educandos, caso contrário dificilmente será capaz de conquistá-los. Perceber-se no mundo é se perceber com o mundo e com os outros, nele se inserindo, e para que isso ocorra é necessário o conhecimento da cultura do indivíduo, pois só desse modo é possível conquistá-lo e fazer com que ele se conscientize da realidade e lute por sua transformação.7 Logo, o conhecimento, tanto o científico quanto o cotidiano, é produção cultural. Os conteúdos da experiência histórica do homem não estão consolidados somente nas coisas materiais, mas, principalmente, nas formas verbais de comunicação produzidas entre os homens, que se caracteriza pelo contexto cultural no qual estão inseridos. Cabe aos profissionais de saúde que trabalham na Atenção Básica (ESF) a atualização, a capacitação e o preparo adequados para problematizar a educação e, com isso, possibilitar o desenvolvimento da consciência crítica dos educandos. Para tal, esses profissionais devem ampliar a compreensão de saúde e entender seu real significado, de maneira a ultrapassar a concepção unicamente biológica, conceito não mais aceito desde 1978, ano em ocorreu, em âmbito internacional, a Conferência de Alma Ata com enfoque nos cuidados primários de saúde, em que a Organização Mundial de Saúde declara que a saúde não corresponde apenas à ausência de doenças, mas ao completo bem-estar físico, mental e social.20 O saber biomédico voltado para o lado educativo, tendo em vista a prevenção de doenças e a promoção da saúde, desliga-se da perspectiva existencial do sujeito doente por meio da focalização da atenção na doença como entidade distinta e alheia ao sujeito. Como consequência, esse saber ganha caráter prescritivo, não se integrando ao universo vivenciado pelo sujeito.21 O referido autor salienta, ainda, que predominam, cada vez mais, práticas educativas prescritivas baseadas na supremacia do saber biomédico, em vez de práticas em que deve haver a valorização cultural, representações, religiões e crenças populares. Os saberes atuais adotados nas ações educativas pelos profissionais de saúde tendem a minimizar a autonomia dos sujeitos. É necessário que esses profissionais se façam mais presentes no dia a dia, para que possam ser notados e ter seu papel educativo reconhecido. As práticas educativas são inerentes ao cuidado de enfermagem em Saúde Pública e devem ser realizadas com cautela, de modo a valorizar o diálogo, a escuta ao outro, tendo como ponto de partida o saber anterior das pessoas, uma vez que todos adquirem conhecimento com base nas suas experiências e vivências, além de dever possibilitar a troca de conhecimento entre o saber técnico e o popular.20 A enfermagem é uma profissão essencialmente de cuidar, portanto, deve desenvolver práticas educativas com cuidadores de idosos acamados, especialmente na ESF, de forma a orientar o cuidado a ser desenvolvido por esses indivíduos. Para a realização de um cuidado adequado, a enfermagem deve fornecer orientações de maneira congruente e respeitosa em relação aos valores culturais e estilo de vida dos idosos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente, o que se observa nas práticas educativas é que os cuidadores de idosos se enquadram no grupo de oprimidos e os profissionais de saúde, no grupo de opressores a que se refere Freire. Isso porque, em muitas situações, esses profissionais permanecem fechados, alheios, fazendo perpetuar a cultura do silêncio entre os cuidadores ou a imposição de conceitos e ações do cuidar. Nas práticas de Educação em Saúde realizadas no ambiente domiciliar, é necessário que os profissionais da ESF estejam abertos e bem atentos com a pessoa que cuida do idoso, pelo fato de terem a oportunidade de analisar e avaliar as reais necessidades do cuidador, do ser cuidado e do ambiente. O desenvolvimento da problematização por meio da relação dialógica com os cuidadores é fundamental para que haja a conscientização desses indivíduos e, dessa forma, sejam evitados danos e agravos à pessoa cuidada, tendo sempre a atenção para o uso uma linguagem clara e de fácil entendimento, em vez de termos técnico-científicos. Logo, é preciso que esses profissionais tenham bastante cautela na realização das práticas de educação em saúde, evitando que esse processo ocorra de forma verticalizada, remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 141 Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana com um diálogo impositivo e autoritário. Devem, portanto, possibilitar a construção do conhecimento horizontalmente, baseado no conhecimento prévio do cuidador e nas suas vivências com influências histórica, cultural e social. A incorporação das ideias freireanas por parte dos profissionais de saúde da ESF, principalmente pelos enfermeiros, que têm papel fundamental nessa estratégia, pode proporcionar aos cuidadores de idosos a conscientização, o desenvolvimento de uma reflexão crítica e proporcionar melhor desempenho de suas ações. A humanização dos cuidadores por meio de sua libertação é a base da pedagogia de Freire, sendo ponto fundamental nessa libertação o desenvolvimento da Educação em Saúde, que possibilita a aliança de saberes popular e profissional, bem como o estímulo à reflexão, instrumentalização, aquisição e autonomia na condução do cuidado. Nesse sentido, a abordagem crítico-reflexiva de Freire é pertinente, porque discute a ação educativa de forma inovadora, centrada no diálogo entre o educador e o educando, em que sempre há partes de um no outro. REFERÊNCIAS 1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais de 2009. 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Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012 Normas de publicação REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM INSTRUÇÕES AOS AUTORES 1 SOBRE A MISSÃO DA REME A REME – Revista Mineira de Enfermagem é uma publicação da Escola de Enfermagem da UFMG em parceria com Faculdades, Escolas e Cursos de Graduação em Enfermagem de Minas Gerais: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz; Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí; Fundação de Ensino Superior de Passos; Centro Universitário do Leste de Minas Gerais; Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Possui periodicidade trimestral e tem por finalidade contribuir para a produção, divulgação e utilização do conhecimento produzido na enfermagem e áreas correlatas, abrangendo a educação, a pesquisa e a atenção à saúde. 2 SOBRE AS SEÇÕES DA REME Cada fascículo, editado trimestralmente, terá a seguinte estrutura: Editorial: refere-se a temas de relevância do contexto científico, acadêmico e político-social; Pesquisas: incluem artigos com abordagem metodológicas qualitativas e quantitativas, originais e inéditas que contribuem para a construção do conhecimento em enfermagem e áreas correlatas; Revisão teórica: avaliações críticas e ordenadas da literatura em relação a temas de importância para a enfermagem e áreas correlatas; Relatos de experiência: descrições de intervenções e experiências abrangendo a atenção em saúde e educação; Artigos reflexivos: textos de especial relevância que trazem contribuições ao pensamento em Enfermagem e Saúde; Normas de publicação: instruções aos autores referentes à apresentação física dos manuscritos nos idiomas: português, inglês e espanhol. 3 SOBRE O JULGAMENTO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos recebidos serão analisados pelo Conselho Editorial da REME, que se reserva o direito de aceitar ou recusar os trabalhos submetidos. O processo de revisão – peer review – consta das etapas a seguir, nas quais os manuscritos serão: a) protocolados, registrados em base de dados para controle; b) avaliados quanto à apresentação física – revisão inicial quanto aos padrões mínimos de exigências da REME (folha de rosto com identificação dos autores e títulos do trabalho) e a documentação; podendo ser devolvido ao autor para adequação às normas antes do encaminhamento aos consultores; c) encaminhados ao Editor-Geral, que indica o Editor Associado, que ficará responsável por indicar dois consultores em conformidade com as áreas de atuação e qualificação; d) remetidos a dois revisores especialistas na área pertinente, mantidos em anonimato, selecionados de um cadastro de revisores, sem identificação dos autores e o local de origem do manuscrito. Os revisores serão sempre de instituições diferentes da instituição de origem do autor do manuscrito. e) Após receber ambos os pareceres, o Editor Associado avalia e emite parecer final, e este é encaminhado ao Editor-Geral, que decide pela aceitação do artigo sem modificações, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Cada versão é sempre analisada pelo Editor-Geral, responsável pela aprovação final. 4 SOBRE A APRESENTAÇÃO DOS MANUSCRITOS 4.1 Apresentação gráfica Os manuscritos devem ser encaminhados gravados em disquete ou CD-ROM, utilizando programa "Word for Windows", versão 6.0 ou superior, fonte "Times New Roman", estilo normal, tamanho 12, digitados em espaço 1,5 entre linhas, em duas vias impressas em papel padrão ISO A4 (212 x 297mm), com margens de 2,5 mm, padrão A4, limitando-se a 20 laudas, incluindo as páginas preliminares, texto, agradecimentos, referências e ilustrações. 4.2 As partes dos manuscritos Todo manuscrito deverá ter a seguinte estrutura e ordem, quando pertinente: a) Páginas preliminares: Página 1: Título e subtítulo – nos idiomas: português, inglês, espanhol; Autor(es): nome completo acompanhado da profissão, titulação, cargo, função e instituição, endereço postal e eletrônico do autor responsável para correspondência; Indicação da Categoria do artigo: Pesquisa, Revisão Teórica , Relato de Experiência, Artigo Reflexivo/Ensaio. Página 2: Título do artigo em português; Resumo e palavras-chave; Abstract e Key words; Resumen e Palabras clave. (As Palavraschave (de três a seis), devem ser indicadas de acordo com o DECS – Descritores em Ciências da Saúde/BIREME), disponível em: <http:// decs.bvs.br/>. O resumo deve conter até 250 palavras, com espaçamento simples em fonte com tamanho 10. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 143 Página 3: a partir desta página, apresenta-se o conteúdo do manuscrito precedido pelo título em português, que inclui: b) Texto: – introdução; – desenvolvimento (material e método ou descrição da metodologia, resultados, discussão e/ou comentários); – conclusões ou considerações finais; c) Agradecimentos (opcional); d) Referências como especificado no item 4.3; e) Anexos, se necessário. 4.3 Sobre a normalização dos manuscritos: Para efeito de normalização, serão adotados os Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de Vancouver). Esta norma poderá ser encontrada na íntegra nos endereços: em português: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html> em espanhol: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm> em inglês: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html> As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto. As citações no texto devem ser indicadas mediante número arábico, sobrescrito, correspondendo às referências no final do artigo. Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o “Journals Database” – Medline/Pubmed, disponível em: <http://www.ncbi. nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> ou com o CCN – Catálogo Coletivo Nacional, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), disponível em: <http://www.ibict.br.> As ilustrações devem ser apresentadas em preto & branco imediatamente após a referência a elas, em conformidade com a Norma de apresentação tabular do IBGE, 3ª ed. de 1993 . Em cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (TAB. 1, FIG. 1, GRÁF 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e o número da ilustração. Ex. (TAB. 1). As abreviaturas, grandezas, símbolos e unidades devem observar as Normas Internacionais de Publicação. Ao empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo quando se tratar de uma unidade de medida comum. As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas, em graus Celsius. Os valores de pressão arterial, em milímetros de mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Os agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências. 5 SOBRE O ENCAMINHAMENTO DOS MANUSCRITOS Os manuscritos devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento contendo nome do(s) autor(es), endereço para correspondência, e-mail, telefone, fax e declaração de colaboração na realização do trabalho e autorização de transferência dos direitos autorais para a REME. (Modelos disponíveis em www.enf.ufmg.br/reme) Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhada uma cópia de aprovação emitido pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS/196/96). Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo apoios financeiros, estes deverão estar claramente identificados no manuscrito e o(s) autor(es) deve(m) declarar, juntamente com a autorização de transferência de autoria, não possuir(em) interesse(s) pessoal, comercial, acadêmico, político ou financeiro no manuscrito. Os manuscritos devem ser enviados para: At/REME – Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190, sala 104 Bloco Norte CEP.: 30130-100 Belo Horizonte-MG – Brasil – Telefax.: 55(31) 3409-9876 E-mail: [email protected] 6 SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO EDITORIAL Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Editorial. A REME não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos. (Versão de setembro de 2007) 144 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 Publication norms REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM INSTRUCTIONS TO AUTHORS 1. THE MISSION OF THE MINAS GERAIS NURSING MAGAZINE – REME REME is a journal of the School of Nursing of the Federal University of Minas Gerais in partnership with schools and undergraduate courses in Nursing in the State of Minas Gerais, Brazil: Wenceslau Braz School of Nursing, Higher Education Foundation of Vale do Sapucaí, Higher Education Foundation of Passos, University Center of East Minas Gerais, Nursing College of the Federal University of Juiz de Fora. It is a quarterly publication intended to contribute to the production, dissemination and use of knowledge produced in nursing and similar fields covering education, research and healthcare. 2. REME SECTIONS Each quarterly edition is structured as follows: Editorial: raises relevant issues from the scientific, academic, political and social setting. Research: articles with qualitative and quantitative approaches, original and unpublished, contributing to build knowledge in nursing and associated fields. Review of theory: critical reviews of literature on important issues of nursing and associated fields. Reports of experience: descriptions of interventions and experiences on healthcare and education. Critical reflection: texts with special relevance bringing contributions to nursing and health thinking. Publication norms: instructions to authors on the layout of manuscripts in the languages: Portuguese, English and Spanish. 3. EVALUATION OF MANUSCRIPTS The manuscripts received are reviewed by REME’s Editorial Council, which has the right to accept or refuse papers submitted. The peer review has the following stages: a) protocol, recorded in a database for control b) evaluated as to layout – initial review as to minimal standards required by REME – (cover note with the name of authors and titles of the paper) and documentation. They may be sent back to the author for adaptation to the norms before forwarding to consultants. c) Forwarded to the General Editor who name an Associate Editor who will indicate two consultants according to their spheres of work and qualification. d) Forwarded to two specialist reviewers in the relevant field, anonymously, selected from a list of reviewers, without the name of the authors or origin of the manuscript. The reviewers are always from institutions other than those of the authors. e) After receiving both opinions, the General Editor and the Executive Diretor evaluate and decide to accept the article without alterations, refuse or return to the authors, suggesting alterations. Each copy is always reviewed by the General Editor or the Executive Diretor who are responsible for final approval. 4. LAYOUT OF MANUSCRIPTS 4.1 GRAPHICAL LAYOUT Manuscripts are to be submitted on diskette or CD-ROM in Word for Windows, version 6.0 or higher, Times New Roman normal, size 12, space 1.5, printed on standard ISO A4 paper (212 x 297 mm), margins 2.5 mm, limited to 20 pages, including preliminary pages, texts, acknowledgement, references and illustrations. 4.2 PARTS OF THE MANUSCRIPTS Each manuscript should have the following structure and order, whenever relevant: REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 103 a) Preliminary pages: Page 1: title and subtitle – in Portuguese, English and Spanish. Authors: full name, profession, qualifications, position and institution, postal and electronic address of the author responsible for correspondence. Indication of paper category: Research, Review of Theory, Report of Experience, Critical Reflection/Essay. Page 2: Title of article in Portuguese; Resumo e palavras-chave; Abstract and key-words; Resumen e palavras clave (Key words - 3 to 6 – should agree with the Health Science Descriptors/BIREME, available at http://decs.bvs.br/ . The abstract should have up to 250 words with simple space, font size 10. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 145 Page 3: the content of the paper begins on this page, starting with the title in Portuguese, which includes: b) Text: • Introduction; • Main body (material and method or description of methodology, results, discussion and/or comments); • Conclusions or final comments. c) Acknowledgements (optional); d) References as specified in item 4.3 e) Appendices, if necessary. 4.3 REQUIREMENTS FOR MANUSCRIPTS: The requirements are those of the International Committee of Medical Journal Editors (Vancouver Norm), which can be found in full at the following sites: Portuguese: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html> Spanish: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm> English: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html> References are numbered in the same order in which they are mentioned for the first time in the text. Quotations in the text should be numbered, in brackets, corresponding to the references at the end of the article. The titles of journals are abbreviated according to “Journals Database” – Medline/Pubmed, available at: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/ entrez/ query. fcgi? db=Journals> or according to the CCN – National Collective Catalogue of the IBICT- Brazilian Information Institute in Science and Technology, available at: <http://www.ibict.br.> Illustrations should be sent in black and white immediately after the reference in the text, according to the tabular presentation norm of IBGE, 3rd ed. of 1993. Under each category they should be numbered sequentially in the text. (Example: TAB 1, FIG. 1, GRÁF 1). Each illustration should have a title and the source. Headings and titles should be clear and understandable, without the need to consult the text. References to illustrations in the text should be in brackets, indicating the category and number of the illustration. Ex. (TAB. 1). Abbreviations, measurement units, symbols and units should agree with international publication norms. The first time an abbreviation is used, it should be preceded by the complete term or expression, except when it is a common measurement. Length, height, weight and volume measures should be quoted in the metric system (meter, kilogram, liter) or their multiples or sub-multiples. Temperature, in degrees Celsius. Blood pressure, in millimeters of mercury. Abbreviations and symbols must follow international standards. Acknowledgements should be in a separate paragraph, placed before the bibliography. 5. SUBMITTAL OF MANUSCRIPTS Manuscripts must be accompanied by a cover letter containing the names of the authors, address for correspon¬dence, e-mail, telephone and fax numbers, a declaration of collaboration in the work and the transfer of copyright to REME. (Samples are available at: www.enfermagem.ufmg.br/reme) For manuscripts resulting from research involving human beings, there should be a copy of approval by the ethics committee recognized by the National Ethics Committee for Research (CONEP), according to the norms of the National Health Council – CNS/196/96. Manuscripts that recived financial support need to have it clearly identified. The author(s) must sign and send the Responsability Agreement and Copyright Transfer Agreement and also a statement informing that there are no persnonal, comercial, academic, political or financial interests on the manuscript. Manuscripts should be sent to: ATT/REME- Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190, sala 104 Bloco Norte CEP.: 30130-100 Belo Horizonte - MG – Brasil - Telefax.: 55(31) 3409-9876 – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 104 E-mail: [email protected] 6. EDITORS RESPONSIBILITY Further issues will be decided by the Editorial Council. REME is not responsible for the opinions stated in articles. (September version, 2007) 146 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 Normas de publicación REME – REVISTA DE ENFERMERÍA DEL ESTADO DE MINAS GERAIS INSTRUCCIONES A LOS AUTORES 1. SOBRE LA MISIÓN DE LA REVISTA REME REME – Revista de Enfermería de Minas Gerais – es una publicación trimestral de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal de Minas Gerais – UFMG – conjuntamente con Facultades, Escuelas y Cursos de Graduación en Enfermería del Estado de Minas Gerais: Escuela de Enfermería Wenceslao Braz; Fundación de Enseñanza Superior de Passos; Centro Universitario del Este de Minas Gerais; Facultad de Enfermería de la Universidad Federal de Juiz de Fora – UFJF. Su publicación trimestral tiene la finalidad de contribuir a la producción, divulgación y utilización del conocimiento generado en enfermería y áreas correlacionadas, incluyendo también temas de educación, investigación y atención a la salud. 2. SOBRE LAS SECCIONES DE REME Cada fascículo, editado trimestralmente, tiene la siguiente estructura: Editorial: considera temas de relevancia del contexto científico, académico y político social; Investigación: incluye artículos con enfoque metodológico cualitativo y cuantitativo, originales e inéditos que contribuyan a la construcción del conocimiento en enfermería y áreas correlacionadas; Revisión teórica: evaluaciones críticas y ordenadas de la literatura sobre temas de importancia para enfermería y áreas correlacionadas; Relatos de experiencias: descripciones de intervenciones que incluyen atención en salud y educación; Artículos reflexivos: textos de especial relevancia que aportan al pensamiento en Enfermería y Salud; Normas de publicación: instrucciones a los autores sobre la presentación física de los manuscritos en los idiomas portugués, inglés y español. 3. SOBRE CÓMO SE JUZGAN LOS MANUSCRITOS Los manuscritos recibidos son analizados por el Cuerpo Editorial de la REME, que se reserva el derecho de aceptar o rechazar los trabajos sometidos. El proceso de revisión – paper review – consta de las siguientes etapas en las cuales los manuscritos son: a) protocolados, registrados en base de datos para control; b) evaluados según su presentación física – revisión inicial en cuanto a estándares mínimos de exigencias de la R.E.M.E ( cubierta con identificación de los autores y títulos del trabajo) y documentación ; el manuscrito puede devolverse al autor para que lo adapte a las normas antes de enviarlo a los consultores; c) enviados al Editor General que indica el Editor Asociado que será el responsable por designar dos consul¬tores de conformidad con el área. d) remitidos a dos revisores especilistas en el área pertinente, manteniendo el anonimato, seleccionados de una lista de revisores, sin identificación de los autores y del local de origen del manuscrito. Los revisores siempre serán de instituciones diferentes a las de origen del autor del manuscrito. e) después de recibir los dos pareceres, el Editor General y el Diretor Ejecutivo los evalúan y optan por la aceptación del artículo sin modificaciones, por su rechazo o por su devolución a los autores con sugerencias de modificaciones. El Editor General y/o el Diretor Ejecutivo, a cargo de la aprobación final, siempre analizan todas las versiones. 4. SOBRE LA PRESENTACIÓN DE LOS MANUSCRITOS 4.1 PRESENTACIÓN GRÁFICA Los manuscritos deberán enviarse grabados en disquete o CD-ROM, programa “Word for Windows”, versión 6.0 ó superior, letra “Times New Roman”, estilo normal, tamaño 12, digitalizados en espacio 1,5 entre líneas, en dos copias impresas en papel estándar ISO A4 (212x 297mm), con márgenes de 25mm, modelo A4, limitándose a 20 carillas incluyendo páginas preliminares, texto, agradecimientos, referencias, tablas, notas e ilustraciones. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 106 4.2 LAS PARTES DE LOS MANUSCRITOS Los manuscritos deberán tener la siguiente estructura y orden, cuando fuere pertinente: a) páginas preliminares: Página 1: Título y subtítulo en idiomas portugués, inglés y español; Autor(es): nombre completo, profesión, título, cargo, función e institución; dirección postal y electrónica del autor responsable para correspondencia; Indicación de la categoría del artículo: investigación, revisión teórica, relato de experiencia, artículo reflexivo/ensayo. Página 2: Título del artículo en portugués; Resumen y palabras clave. Las palabras clave (de tres a seis) deberán indicarse en conformidad con el DECS – Descriptores en ciencias de la salud /BIREME), disponible en: http://decs.bvs.br/. El resumen deberá constar de hasta 250 palabras, con espacio simple en letra de tamaño 10. remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 147 Página 3: a partir de esta página se presentará el contenido del manuscrito precedido del título en portugués que incluye: b) Texto: – introducción; • desarrollo (material y método o descripción de la metodología, resultados, discusión y/o comen¬tarios); • conclusiones o consideraciones finales; c) Agradecimientos (opcional); d) Referencias como se especifica en el punto 4.3; e) Anexos, si fuere necesario. 4.3 SOBRE LA NORMALIZACIÓN DE LOS MANUSCRITOS: Para efectos de normalización se adotarán los Requisitos del Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de Vancouver). Esta norma se encuentra de forma integral en las siguientes direcciones: En portugués: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html> En español: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formación/vancouver.htm> En inglés: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html> Las referencias deberán enumerarse consecutivamente siguiendo el orden en el que se mencionan por primera vez en el texto. Las citaciones en el texto deberán indicarse con numero arábico, entre paréntesis, sobrescrito, correspondiente a las referencias al final del articulo. Los títulos de las revistas deberán abreviarse de acuerdo al “Journals Database” Medline/Pubmed, disponible en: <http://www.ncbi. nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> o al CCN – Catálogo Colectivo Nacional, del IBICT- Ins¬tituto Brasileño de Información en Ciencia y Tocología, disponible en: <http://www.ibict.br.> Las ilustraciones deberán presentarse en blanco y negro luego después de su referencia, en conformidad con la norma de presentación tabular del IBGE , 3ª ed. , 1993. Dentro de cada categoría deberán enumerarse en secuencia durante el texto. Por ej.: (TAB.1, FIG.1, GRAF.1). Cada ilustración deberá tener un titulo e indicar la fuente de donde procede. Encabezamientos y leyendas deberán ser lo suficientemente claros y comprensibles a fin de que no haya necesidad de recurrir al texto. Las referencias e ilustraciones en el texto deberán mencionarse entre paréntesis, con indicación de categoría y número de la ilustración. Por ej. (TAB.1). Las abreviaturas, cantidades, símbolos y unidades deberán seguir las Normas Internacionales de Publicación. Al emplear por primera vez una abreviatura ésta debe estar precedida del término o expresión completos, salvo cuando se trate de una unidad de medida común. Las medidas de longitud, altura, peso y volumen deberán expresarse en unidades del sistema métrico decimal (metro, kilo, litro) o sus múltiplos y submúltiplos; las temperaturas en grados Celsius; los valores de presión arterial en milímetros de mercurio. Las abreviaturas y símbolos deberán seguir los estándares internacionales. Los agradecimientos deberán figurar en un párrafo separado, antes de las referencias bibliográficas. 5. SOBRE EL ENVÍO DE LOS MANUSCRITOS Los manuscritos deberán enviarse juntamente con el oficio de envío, nombre de los autores, dirección postal, dirección electrónica y fax así como de la declaración de colaboración en la realización del trabajo y autorización de transferencia de los derechos de autor para la revista REME. (Modelos disponibles en: www.enfermagem.ufmg.br/reme) Para los manuscritos resultados de trabajos de investigación que involucren seres humanos deberá enviarse una copia de aprobación emitida por el Comité de Ética reconocido por la Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) – Comisión Nacional de Ética en Investigación, en conformidad con las normas de la resolución del Consejo Nacional de Salud – CNS/196/96. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 107 Para los manuscritos resultantes de trabajos de investigación que hubieran recibido algún tipo de apoyo financiero, el mismo deberá constar, claramente identificado, en el propio manuscrito. El autor o los autores también deberán declarar, juntamente con la autorización de transferencia del derecho de autor, no tener interés personal, comercial, académico, político o financiero en dicho manuscrito. Los manuscritos deberán enviarse a: At/REME – Revista Mineira de Enfermagem Escola de Enfermagem da UFMG, sala 104 Bloco Norte CEP 30130- 100 Belo Horizonte MG – Brasil – Telefax **55 (31) 3409-9876 Correo electrónico: [email protected] 6. SOBRE LA RESPONSABILIDAD EDITORIAL Los casos omisos serán resueltos por el Consejo Editorial. REME no se hace responsable de las opiniones emitidas en los artículos. (Versión del 12 de septiembre de 2007) 148 remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012 ! Revista Mineira de Enfermagem Nursing Journal of Minas Gerais remE Revista de Enfermería de Minas Gerais Formulário para Assinatura da REME Assinatura Anual | Annual Subscription | Suscripción anual Periodicidade Trimestral | Every Quarter | Periodicidad Trimestral Nome / Name / Nombre ou Instituição assinante: _______________________________________________________________ Endereço / Adress / Dirección: ________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________ Cidade / City / Ciudad: ____________________________________País / Country / Pais: __________________________________ UF / State / Provincia: ________________________________________ CEP / Zip Code / Código Postal: _____________________ Tel. / Phone / Tel.: _____________________ fax: ______________________ Celular / Cell Phone / Cellular: ___________________ E-mail:____________________________________________________________________________________________________ Categoria Profissional / Occupation / Profesión: _________________________________________________________________ Data / Date / Fecha: _______/_______/_______ Assinatura / Signature / Firma: ______________________________________________________________________________ Encaminhar este Formulário de Assinatura acompanhado do comprovante de depósito bancário, por fax (31 3409-9876) ou e-mail ([email protected]) Send your subscription to: Enviar la inscripción a: Dados para depósito: BANCO DO BRASIL Agência / Branch Number / Sucursal Número: 1615-2 Conta / Bank Account / Cuenta de Banco: 480109-1 Código identificador/ Identification code/ Clave de identificación: 4828011 Valores Anuais: Individual: R$100,00 ( ) US$80,00 ( ) Institucional: R$150,00 ( ) US$100,00 ( ) Escola de Enfermagem – Universidade Federal de Minas Gerais REME – revista Mineira de Enfermagem Av. Alfredo Balena, 190 - sala 104, Bloco Norte Campus Saúde, Bairro Santa Efigênia - CEP: 30130-100 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefax/Fax: +55 (31) 3409-9876 Home page: www.enf.ufmg.br/reme.php