ISSN 1415-2762
E
Revista Mineira de Enfermagem
Nursing Journal of Minas Gerais
Revista de Enfermería de Minas Gerais
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EDITORA GERAL
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REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
Publicação da Escola de Enfermagem da UFMG
Em parceria com:
Escola de Enfermagem Wenceslau Braz – MG
Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Fundação de Ensino Superior de Passos – MG
Universidade do Vale do Sapucaí – MG
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Revista filiada à ABEC – Associação Brasileira de Editores
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Periodicidade: trimestral – Tiragem: 400 exemplares
REME – Revista Mineira de Enfermagem da Escola de Enfermagem
da Universidade Federal de Minas Gerais. - v.1, n.1, jul./dez. 1997.
Belo Horizonte: Coopmed, 1997.
Semestral, v.1, n.1, jul./dez. 1997/ v.7, n.2, jul./dez. 2003.
Trimestral, v.8, n.1, jan./mar. 2004 sob a responsabilidade Editorial
da Escola de Enfermagem da UFMG.
ISSN 1415-2762
1. Enfermagem – Periódicos. 2. Ciências da Saúde – Periódicos.
I. Universidade Federal de Minas Gerias. Escola de Enfermagem.
NLM: WY 100
CDU: 616-83
Errata
No artigo intitulado PERCEPÇÃO MATERNA ACERCA DO DISTÚRBIO NUTRICIONAL DO FILHO: UM ESTUDO
COMPREENSIVO, no vol. 15 n. 4 – 2011, o nome correto da coautora Fabrícia Marques Ribeiro Ferreira é Fabrícia
Cecília Marques Ribeiro.
Na página 407 do artigo intitulado ERROS E AÇÕES PRATICADAS PELA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR NO PREPARO
E ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS, vol. 15 n. 3 – 2011, onde se lê “possíveis falhas que possam ocorrer
durante o processo sejam ‘cometidas’” leia-se: “possíveis falhas que possam ocorrer durante o processo sejam
interceptadas.”
No artigo intitulado AVALIAÇÃO DO PROGRAMA DE TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO EM
SÃO JOSÉ DO RIO PRETO-SP, BRASIL, v. 15, n. 4 – 2011, o cargo do segundo escritor, Raphael Del Roio Liberatore Jr., é MÉDICO, e não ENFERMEIRO, do Serviço de Endocrinologia Pediatria (FAMERP).
Sumário
9
Editorial
11
Pesquisa
11
SABERES E PRÁTICAS DOS CLIENTES COM FERIDAS: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE CRUZEIRO
DO SUL, ACRE / KNOWLEDGE AND PRACTICES OF CLIENTS WITH WOUNDS: A CASE STUDY IN THE MUNICIPALITY
OF CRUZEIRO DO SUL, ACRE / CONOCIMIENTO Y PRÁCTICAS DE CLIENTES CON HERIDAS: ESTUDIO DE CASO EN
CRUZEIRO DO SUL, ACRE
Carla Lucia Goulart Constant Alcoforado
Fátima Helena do Espirito Santo
18
ACONSELHAMENTO EM HIV/AIDS: REPRESENTAÇÕES DOS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE / HIV/AIDS COUNSELLING: REPRESENTATIONS OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS /
Asesoramiento en VIH / SIDA: representaciones de los profesionales que TRABAJAN en atención
básica DE LA salud
Marina Celly Martins Ribeiro de Souza
Maria Imaculada de Fátima Freitas
25
CIRURGIA AMBULATORIAL PEDIÁTRICA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ACERCA DO IMPACTO DA CONSULTA
DE ENFERMAGEM / PEDIATRIC AMBULATORY SURGERY: AN EXPLORATORY STUDY ON THE IMPACT OF NURSING
VISIT / CIRUGÍA AMBULATORIA PEDIÁTRICA: ESTUDIO EXPLORATORIO SOBRE EL IMPACTO DE LA CONSULTA DE
ENFERMERÍA
Carlos Eduardo Peres Sampaio
Maristela Villarinho de Oliveira
Vanessa Marques de Medeiros Leal
Liany Bonilla da Silveira Comino
Regina Aurora Trino Romano
Antonio Marcos Tosoli Gomes
31
MULHERES COM CÂNCER DE MAMA: INTERAÇÕES E PERCEPÇÕES SOBRE O CUIDADO DO ENFERMEIRO /
WOMEN WITH BREAST CANCER: NURSE-PATIENT INTERACTIONS AND PERCEPTIONS OF NURSING CARE / MUJERES
CON CÁNCER DE MAMA: INTERACCIONES Y PERCEPCIONES SOBRE LA ATENCIÓN DE LOS ENFERMEROS
Wagner Barreto Costa
Marta Raquel Mendes Vieira
Weide Dayane Marques Nascimento
Luciana Barbosa Pereira
Maisa Tavares de Souza Leite
38
PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EM UM SERVIÇO AMBULATORIAL
DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA EM BELO HORIZONTE / SOCIO-DEMOGRAPHIC AND CLINICAL PROFILE OF
PATIENTS TREATED IN AN OUTPATIENT PALLIATIVE CHEMOTHERAPY CLINIC IN BELO HORIZONTE / PERFIL
SOCIODEMOGRÁFICO Y CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EN UN SERVICIO AMBULATORIO DE QUIMIOTERAPIA
PALIATIVA DE BELO HORIZONTE
Raissa Silva Souza
Delma Aurélia da Silva Simão
Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima
48
SATISFAÇÃO E FRUSTRAÇÃO NO DESEMPENHO DO TRABALHO DOCENTE EM ENFERMAGEM / SATISFACTION
AND FRUSTRATION IN THE PERFORMANCE OF NURSING FACULTY JOB / SATISFACCIÓN Y FRUSTRACIÓN EN EL
DESEMPEÑO DEL TRABAJO DE DOCENTES EN ENFERMERÍA
Maithê de Carvalho e Lemos
Joanir Pereira Passos
56
REPERCUSSões da hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade
/ LEPROSY effects oN PATIENTS’ DAILY LIVES: vulnerabiliTY AND SOLIDARITY / REPERCUSIONES DE LA
ENFERMEDAD DE HANSEN EN LA VIDA COTIDIANA DE LOS PACIENTES: VULNERABILIDAD Y SOLIDARIDAD
Jairo Aparecido Ayres
Bianca Sakamoto Ribeiro Paiva
Marli Teresinha Cassamassimo Duarte
Heloísa Wey Berti
63
AVALIAÇÃO DA DOR CRÔNICA EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS / EVALUATION OF CHRONIC PAIN IN THE
INSTITUTIONALIZED ELDERLY / EVALUACIÓN DEL DOLOR CRÓNICO EN ANCIANOS INSTITUCIONALIZADOS
Maria Helena Barbosa
Larissa Carvalho Silva
Érica Vieira de Andrade
Raissa Bianca Luiz
Alisson Fernandes Bolina
Ana Lúcia De Mattia
Daniel Ferreira da Cunha
69
AÇÕES EDUCATIVAS PARA PREVENÇÃO DE INFECÇÕES HOSPITALARES EM UMA UNIDADE NEONATAL /
EDUCATIONAL ACTIVITIES FOR THE PREVENTION OF HOSPITAL INFECTION IN A NEONATAL UNIT / ACCIONES
EDUCATIVAS PARA PREVENIR INFECCIONES HOSPITALARIAS EN UNIDAD NEONATAL
Mayara Sousa Vianna
Aline Martins Braga
Luciana Camponez de Ávila Menezes
Guilherme Augusto Armond
Dirciana Cangussu
Lenize Adriana de Jesus
Wanessa Trindade Clemente
Edna Maria Resende
Roberta Maia de Castro Romanelli
75
O OLHAR DO IDOSO SOBRE O ATENDIMENTO EM UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE DE CORONEL FABRICIANO-MG
/ CARE AT BASIC HEALTH UNITS IN CORONEL FABRICIANO FROM THE PERSPECTIVE OF ELDERLY PEOPLE / MIRADA
DE LOS ANCIANOS SOBRE LA ATENCIÓN EN LAS UNIDADES BASICAS DE SALUD DE CORONEL FABRICIANO-MG
Helisamara Mota Guedes
Elis Any de Pinho Batista
Janaína Alves Rosa
Martha Elisa Ferreira de Almeida
81
SITUAÇÃO DE VIDA, SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO INDÍGENA POTIGUARA / LIFE, HEALTH AND DISEASE
AMONG THE POTIGUARA PEOPLE / SITUACIÓN DE VIDA, SALUD Y ENFERMEDAD DE LA POBLACIÓN INDÍGENA
POTIGUARA
Rita de Cassia Cordeiro de Oliveira
Antonia Oliveira Silva
Silvana Carneiro Maciel
Juliana Rízia Félix de Melo
91
SENTIMENTOS DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM EM RELAÇÃO AO PACIENTE ONCOLÓGICO / NURSING
PROFESSIONALS’ FEELINGS TOWARDS ONCOLOGY PATIENTS / SENTIMIENTOS DE ENFERMEROS HACIA PACIENTES
ONCOLÓGICOS
Márcia Cristina Lucas de Oliveira
Maria da Penha Rodrigues Firmes
98
A OBRIGAÇÃO DE (DES) CUIDAR: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O CUIDADO À SEQUELADOS DE ACIDENTE
VASCULAR CEREBRAL POR SEUS CUIDADORES / “(DE) CARING” AS AN OBLIGATION: CAREGIVERS SOCIAL
REPRESENTATIONS ON CARING FOR STROKE VICTIMS / LA OBLIGACIÓN DE (DES) CUIDAR: REPRESENTACIONES
SOCIALES DE LOS CUIDADORES SOBRE EL CUIDADO DE PACIENTES CON SECUELAS DE ACV
Jeferson Santos Araújo
Silvio Éder Dias da Silva
Vander Monteiro da Conceição
Mary Elizabeth de Santana
Esleane Vilela Vasconcelos
106
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM ENFERMAGEM: NECESSIDADES, DESAFIOS E RUMOS / PROFESSIONAL NURSING
EDUCATION: NEEDS, CHALLENGES AND DIRECTIONS / EDUCACIÓN PROFESIONAL EN ENFERMERÍA: NECESIDADES,
DESAFÍOS Y RUMBOS
Juliana Cristina Lessman
Gabriela Marcellino de Melo Lanzoni
Edilmara Gubert
Paula Xavier Gums Mendes
Marta Lenise do Prado
Vânia Marli Backes
111
Revisão teórica
111
OBESIDADE INFANTIL COMO FATOR DE RISCO PARA A HIPERTENSÃO ARTERIAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA /
CHILDHOOD OBESITY AS A RISK FatoR IN THE DEVELOPMENT OF ARTERIAL HYPERTENSION: AN INTEGRATIVE REVIEW
/ OBESIDAD INFANTIL COMO FatoR DE RIESGO PARA LA HIPERTENSIÓN: UNA REVISIÓN INTEGRADORA
Carla Campos Muniz Medeiros
Inácia Sátiro Xavier
Victor Emmanuell Fernandes Apolônio Santos
Marcos Antônio de Oliveira Souza
Adriana Santana de Vasconcelos
Estela Rodrigues Paiva Alves
120
TRANSCULTURALIDADE: O ENFERMEIRO COM COMPETÊNCIA CULTURAL / TRANSCULTURALITY: THE NURSE WITH
SKILLS IN CULTURAL COMPETENCY / TRANSCULTURALIDAD: ENFERMEROS CON COMPETENCIA CULTURAL
José Manuel da Silva Vilelas
Sandra Isabel Dias Janeiro
129
Refexivo
129
O CUIDADO À MULHER NA CONTEMPORANEIDADE: REFLEXÕES TEÓRICAS PARA O EXERCÍCIO DA
ENFERMAGEM TRANSCULTURAL / THE CARE OF WOMEN IN CONTEMPORARY SOCIETY: THEORETICAL REFLECTIONS
FOR THE PRACTICE OF TRANSCULTURAL NURSING / EL CUIDADO DE LA MUJER EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA:
REFLEXIONES TEÓRICAS PARA LA PRÁCTICA DE LA ENFERMERÍA TRANSCULTURAL
Adriana Teixeira Reis
Rosângela da Silva Santos
Aloir Paschoal Júnior
136
OLHAR DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA FREIREANA / HEALTH EDUCATION PRACTICES FOR ELDERLY
CAREGIVERS: A LOOK AT NURSING FROM PAULO FREIRE’S PERSPECTIVE / PRÁCTICAS DE EDUCACIÓN EN SALUD
PARA CUIDADORES DE ANCIANOS: MIRADA DE ENFERMERÍA DESDE LA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE
Roberta Fortes Santiago
Maria Helena Barros Araújo Luz
143
Normas de publicação
145
Publication norms
147
Normas de publicación
Editorial
RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL E EM ÁREA PROFISSIONAL NA SAÚDE
Jeanne Liliane Marlene Michel1
José Rubens Rebelatto2
“Residência” é a denominação utilizada para definir uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu,
fundamentada essencialmente na educação em serviço. Desenvolvida em 1889 como uma forma de capacitação
profissional para médicos no hospital da universidade norte-americana Johns Hopkins, somente na década de
1940 chegou ao Brasil, criando-se em São Paulo o primeiro programa de residência médica1. Duas décadas depois,
programas similares para capacitação de outros profissionais da saúde começaram a ser criados. Atualmente,
considerando o avanço acelerado na geração do conhecimento e da inovação tecnológica na área da saúde,
entende-se a residência como um importante mecanismo de formação de recursos humanos especializados.
Pouco se discute, no entanto, o papel essencial das residências na mudança de paradigmas das práticas assistenciais
e das práticas de ensino, bem como do seu consequente impacto sobre a graduação. Graças à sua característica
fundamental de integração entre o saber da academia e o saber do serviço, os programas de residência constituem
um importante instrumento para a definição de padrões de qualidade para a prática assistencial, por meio do
questionamento e discussão diários das decisões e condutas clínicas mais adequadas, com base em evidências
científicas. A presença de residentes torna, também, o ambiente clínico menos hostil aos alunos de graduação, que
estabelecem uma identidade com esses profissionais-aprendizes, buscando, frequentemente, o apoio e a orientação
deles no fenômeno conhecido como “ensino em cascata”, que, em síntese, significa a criação de condições adequadas
para a ocorrência do processo de ensino-aprendizagem.
Ao longo das duas últimas décadas, houve muita polêmica em relação ao desenvolvimento de residências
multiprofissionais e em área profissional no Brasil. A forte resistência inicial por parte da corporação médica
desencadeou resposta de polarização dos demais profissionais, criando um ambiente de desconfianças mútuas.
A regulamentação da residência multiprofissional e em área profissional da saúde por meio da Lei nº 11.129, de
30 de junho de 2005, que criou também a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS),
permitiu que, após um período inicial conturbado, se caminhasse para uma situação de equilíbrio.
É cada vez mais clara a compreensão de que, no século XXI, todos precisam aprender a trabalhar, de fato, em
equipe, respeitando o papel e as competências inerentes a cada profissional. É notório, também, que a equipe de
saúde precisa ser cada vez mais qualificada para fazer frente aos desafios da crescente complexidade do cuidado
à saúde da população.
O papel do governo na gestão da educação na saúde, zelando pela formação e qualificação de profissionais cada
vez mais competentes para o atendimento das demandas do Sistema Único de Saúde (SUS), é fundamental. Dessa
forma, a articulação entre os Ministérios da Educação e da Saúde e de ambos com os gestores do SUS na construção
de políticas voltadas para a expansão e qualificação das residências, tanto médica como multiprofissional e em
área profissional (em regiões e especialidades consideradas estratégicas para o sistema), é fator determinante para
a consecução desse objetivo.
REFERÊNCIAS
Nunes, MPT. Residência médica no Brasil: situação atual e perspectivas. Boletim ABEM. 2003 nov.-dez. [Citado em 2012 abr. 24]. Disponível em:
<www.abem-educmed.org.br/pdf.../art_patrocinio_completo.pdf>.
Brasil. Lei nº 11.129, de 30 de junho de 2005. Institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, cria o Conselho Nacional da Juventude
– CNJ e a Secretaria Nacional de Juventude, altera as Leis nos 10.683e 10.429 e dá outras providências. Brasília, 30 de junho de 2005.
1
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordenadora Geral de Residências em Saúde da
Diretoria de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC/SESu/DHR/CGRS.
Fisioterapeuta. Doutor em Educação. Pós-doc em Fisioterapia Geriátrica. Professor associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Diretor do
Departamento de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC/SESu/DHR.
remE – Rev. Min. Enferm.;14(3): 19-24, jul./set., 2010
9
Pesquisas
SABERES E PRÁTICAS DOS CLIENTES COM FERIDAS: UM ESTUDO DE CASO
NO MUNICÍPIO DE CRUZEIRO DO SUL, ACRE
KNOWLEDGE AND PRACTICES OF CLIENTS WITH WOUNDS: A CASE STUDY IN THE MUNICIPALITY OF
CRUZEIRO DO SUL, ACRE
CONOCIMIENTO Y PRÁCTICAS DE CLIENTES CON HERIDAS: ESTUDIO DE CASO EN CRUZEIRO DO
SUL, ACRE
Carla Lucia Goulart Constant Alcoforado1
Fátima Helena do Espirito Santo2
RESUMO
Estudo de caso qualitativo, exploratório, descritivo, cujo objetivo foi descrever os saberes e práticas dos clientes com
feridas. A coleta de informações ocorreu mediante observação direta e entrevista semiestruturada com 12 clientes
com feridas de uma unidade básica de saúde no município de Cruzeiro do Sul, Acre. Após análise temática dos dados,
emergiram duas categorias: “Saberes dos clientes com feridas” e “As práticas do cuidado”. É importante manter uma
relação dialógica buscando a congruência do cuidado, considerando que o cuidado transcende o tratamento das
feridas, envolvendo o cliente de forma integral e humanizada, além de considerar seu contexto cultural e sua visão
de mundo.
Palavras-chave: Cuidados de Enfermagem; Estudo de Caso; Cicatrização de Feridas.
ABSTRACT
This is an exploratory, descriptive, and qualitative case study that aims at describing the knowledge and practices
of clients with wounds. Data were collected through direct observation and the administration of semi-structured
interviews to 12 clients with wounds attended at a basic health care unit in the municipality of Cruzeiro do Sul, Acre.
After thematic data analysis two categories were identified: the ‘knowledge of clients with wounds’; and ‘care practices’. It
is important to maintain a dialogic relationship aiming for the consistency of care. It should be taken into consideration
that caring transcends wound treatment because it involves the clients comprehensively and humanely, considering
their cultural context and their world view.
Keywords: Nursing; Case Study; Wound Healing.
RESUMEN
Estudio de caso descriptivo exploratorio cualitativo que busca describir el conocimiento y las prácticas de clientes con
heridas. Los datos se recogieron mediante observación directa y entrevistas semiestructuradas a 12 clientes atendidos
en una unidad de atención primaria de la ciudad de Cruzeiro do Sul, Estado de Acre. Después del análisis temático,
los datos fueron clasificados en dos categorías: “conocimiento de clientes con heridas” y “prácticas de cuidado”. Es
importante mantener una relación dialógica buscando la consistencia de la atención. Debe considerarse que la atención
trasciende el tratamiento de las heridas porque involucra al cliente integralmente y humanamente, considerando su
contexto y visión de mundo.
Palabras clave: Atención de Enfermería; Estudio de Caso; Cicatrización de Heridas.
1
2
Enfermeira. Mestre em Ciências do Cuidado em Saúde pela Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da UFF. Docente da Universidade Federal do Acre
(UFAC), Campus Floresta. E-mail: [email protected].
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Ana Nery, UFRJ. Docente da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, da UFF.
Endereço para correspondência – Rua Paulino Vaz de Melo, 205, ap. 201, Bairro Dona Clara, Belo Horizonte, Minas Gerais. E-mail: [email protected].
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
11
Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre
INTRODUÇÃO
O interesse pelo cuidado aos clientes com feridas emerge
das experiências durante a prática profissional, quando
se percebe que a presença de uma ferida modifica o
cotidiano das pessoas, sensibilizando-as emocional e
fisiologicamente. Portanto, é necessário ver esse cliente
como um ser único, com suas necessidades e portador
de uma realidade e de um cotidiano particulares.
É importante encarar o sujeito com feridas como uma
pessoa que se emociona, que tem sentimentos e desejos.
Ao cuidar, a enfermagem deve integrar práticas objetivas
às subjetivas, para ver o cliente como um todo e, então,
demonstrar afeto, respeito ao sujeito e à sua família,
saber ouvir, tocar sem receios, dialogar antes de tomar
decisões, recomendar e compartilhar conhecimentos.1
No entanto, ainda se observa uma prática que prioriza o desenvolvimento da terapêutica tópica, do
acompanhamento da cicatrização e do desenvolvimento
do procedimento da técnica do curativo, em detrimento
do paciente como um ser que tem necessidades e um
cotidiano próprios. Nesse sentido, é importante que
os profissionais fiquem atentos tanto com relação à
realização da técnica quanto à pessoa que precisa ser
considerada nesse processo, pois a ação do cuidado
deve ser focalizada mais na pessoa, e não apenas na sua
doença ou equipamentos.2
Cuidar dos clientes com feridas implica buscar compreender a realidade, a visão de mundo, os valores
e as crenças desses sujeitos, para proporcionar um
cuidado adequado às suas necessidades.3 E, para isso, o
enfermeiro precisa adotar uma postura mais dialética e
menos centralizadora,4 vendo o cliente em seu mundo,
entendendo suas ações.5
Na Teoria da Universalidade e Diversidade do Cuidado
Transcultural, Leininger advoga que o cuidado deve ser
ajustado às necessidades, às crenças, aos valores e aos
modos de viver das diferentes culturas, proporcionando,
assim, um cuidado benéfico e eficiente. Isso porque, ao
considerar o estilo de vida, as crenças e os padrões de
comportamento, a enfermagem tende a proporcionar
um cuidado adequado à sua clientela.6,7
A estrutura social e os fatores ambientais influenciam no
cuidado e na saúde, e a enfermagem precisa conhecer
esses aspectos para compreender a visão de mundo e o
cotidiano da clientela e, assim, cuidar de forma adequada
à cultura e às reais necessidades dos clientes.6,7
Ao considerar a realidade e a cultura, emerge a importância do cuidado cultural congruente que envolve o
encontro entre o sistema de saúde popular e o profissional
de saúde. O sistema popular de saúde é aquele que
abarca os conhecimentos e práticas desenvolvidos pela
família, vizinhos, comunidade e tem um significado
muito grande, pois é aprendido e transmitido de
geração em geração. Já o sistema profissional de saúde
é desenvolvido por profissionais que oferecem serviços
de cuidado ou de cura organizados. Ao interagir com
os clientes, a enfermagem deve usar ações de cuidado
12
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
de forma a preservá-las, negociá-las ou repadronizálas, sempre em busca do cuidado cultural congruente.
Tais ações precisam estar organizadas e harmonizadas,
objetivando o bem-estar e a autonomia do cliente e do
profissional, evitando, assim, a imposição cultural. 6,7
No município de Cruzeiro do Sul, Acre, é comum os
clientes usarem outras formas de tratamento das feridas
que muitas vezes vão de encontro às orientações da
equipe de enfermagem, tornando necessário que os
membros da equipe de enfermagem conheçam suas
crenças, valores, saberes e práticas, para poder orientar
e interagir melhor com esses clientes, estabelecendo
uma relação dialógica, na qual devem ser valorizados
os saberes dos sujeitos. O diálogo, então, torna-se
fundamental, pois é o encontro entre os homens,
intermediado pelo mundo, sendo uma necessidade
existencial.8
Dessa forma, com este estudo objetivou-se descrever
os saberes e práticas dos clientes com feridas e discutir
suas implicações ao cuidado de enfermagem.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória,
qualitativa, do tipo estudo de caso, realizada no
município de Cruzeiro do Sul, Acre, cujo cenário foi o
ambulatório de curativos da Unidade Básica de Saúde
Doutor Abel Pinheiro. A escolha do campo se deu por
critérios como acesso, grande demanda e proximidade
da clientela. Os sujeitos da pesquisa constituíram-se 12
clientes com feridas atendidos no referido ambulatório.
Como critérios de inclusão, foram considerados aqueles
atendidos no ambulatório de feridas da referida unidade,
com idade superior a 18 anos, com condições mentais
preservadas, que oficializassem a participação por
meio da assinatura no Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE). Como critérios de exclusão, foram
definidos os clientes que se recusassem a participar do
estudo e idade inferior a 18 anos.
A pesquisa obedece à Resolução nº 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O protocolo
de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética do
Hospital Universitário Antônio Pedro, da Universidade
Federal Fluminense (HUAP/UFF), sob o nº 187/09, em 8
de setembro de 2009.
A coleta de dados envolveu observação direta e
entrevistas semiestrutradas. A observação teve como
finalidades a aproximação com o cenário e os prováveis
sujeitos do estudo, bem como descrever o cuidado
dos clientes com feridas. As entrevistas objetivaram
aprofundar aspectos emergentes da observação e
captar o ponto de vista dos sujeitos sobre as formas
como eles cuidavam de suas feridas. Para a análise dos
dados, utilizou-se a análise temática, que visa desvelar
os diferentes núcleos de sentido que constituem a
comunicação.9 Após a análise dos dados, emergiram
duas categorias: "Saberes dos clientes com feridas" e "As
práticas do cuidado".
RESULTADOS
A cidade de Cruzeiro do Sul dista de Rio Branco,
aproximadamente, 710 km, pela rodovia BR 364.10 Limitase ao norte com o Estado do Amazonas, a oeste com
Tarauacá, ao sul com Porto Walter e a Leste com o Peru
e os municípios de Rodrigues Alves e Mâncio Lima.11
A população atual de Cruzeiro do Sul é de 77.004
pessoas, distribuídas nas regiões urbanas e rurais
da cidade.12 No município existem grandes e graves
desigualdades sociais e econômicas entre grupos, por
isso a maior parte da população vive em condições
precárias de saneamento, renda, trabalho restringindo
o acesso a bens essenciais.10
Fizeram parte do estudo 12 clientes atendidos no
ambulatório de feridas da referida UBS. O estado civil da
maioria é casado: oito clientes (67%) e quatro solteiros
(33%). Sobre o nível de estudo, nove (75%) têm nível
fundamental incompleto e três (8,3%), nível médio,
superior completo e analfabeto. Sobre o número de filhos,
seis (50%) clientes têm de um a três filhos e os demais, três
(25%), não têm filhos e três (25%) têm mais de três filhos.
eles verbalizavam sobre os saberes que possuíam para
cuidar das suas feridas ou de outras pessoas próximas
com feridas.
O cliente Julio relata, em relação à alimentação, que é
contraindicada pela medicina popular local durante o
cuidado com os pacientes com feridas, fazendo referência
ao peixe de couro, que segundo ele é reimoso:
É porque peixe de couro ele é, apesar daquele couro dele
tem a rema no couro. É por isso que ele é reimoso. Ele é...
peixe que não é reimoso é peixe assim, que tem escama,
como cascuda, sabe, outros tipo de peixe, vários outros
tipos de peixe, mas qualquer peixe de couro é reimoso
[...] Não pode comer esse peixe. Isso, tanto pela gordura
dele, como pelo couro dele. É um peixe que tudo que
fica na flor d’água ele pega. Por isso que ele é reimoso.
Tudo que vai pela flor d’água assim... (faz o gesto)
sujeira, ele pega. E se você tiver alguma coisa assim,
uma enfermidade, ela vai arrebentar.
Para a cliente Eliete, o termo reimoso se justifica porque
inflama tudo, inflama, a mulher fica toda... A mulher
que está de resguardo, a mulher fica toda inflamada
por dentro, fica purgando aquele pus podre.
Em relação ao bairro onde residem, nove (75%) moram
no Formoso e os demais (2) em outros bairros, que não
são cobertos pela equipe da UBS, mas, mesmo assim,
buscam o atendimento na unidade. Somente um cliente
não reside no município de Cruzeiro do Sul, e sim no
município de Marechal Thaumaturgo.
E existem outros alimentos de origem animal que não
devem ser consumidos em razão das complicações que
provocam nas pessoas:
A maioria dos clientes reside em moradias de madeira,
com água de poço instalado no quintal da residência,
e o banheiro na maioria das casas é localizado fora do
domicílio.
Não come jabuti nem a paca e anta também não. A
curimatã, o peixe de couro, porque ele tem esporão. É
o peixe de couro e quem tem enfermidade não pode
comer porque ele tem esporão, inflama.
Os sujeitos apresentam as mais variadas formas de
feridas, predominando as feridas operatórias (2),
feridas ocasionadas por arma branca (1), provenientes
de processos alérgicos e picadas de insetos (1),
escoriações (1), traumatismos provenientes de acidentes
automobilísticos (1) e feridas infectadas (6).
Para o cuidado de feridas, os clientes geralmente
usam as mais variadas formas, que vão desde práticas
de higiene a limpeza das feridas. Usam a água de
torneira ou de poço para lavar a lesão, pois é a solução
disponível em seus domicílios. O sabão é usado para
fazer espuma, e com um pano esfregam a lesão. Existem
relatos da utilização de álcool, mercúrio, polvilho (talco)
e água de sal.
O cuidado também envolve restrições alimentares, como
evitar peixes e carnes muito gordurosas, e a valorização de
práticas religiosas. Usam plantas como a andiroba e seu
óleo, bem como soluções como o azeite virgem. O uso de
plantas em forma de chás e cataplasmas para o tratamento
de doenças e feridas é mantido e valorizado, principalmente
por mulheres, e com idade mais avançada.
Saberes do cliente com feridas
Durante o cuidado aos clientes, observou-se que
enquanto o procedimento do curativo era realizado,
O cliente Felício acredita que a ingestão de carne de boi
gordurosa agravou sua ferida:
Eu calculei assim porque eu comi um churrasco com
a carne gordurosa, aí, quando foi no outro dia, já
amanheceu inflamado.
Na região, é comum a relação entre o tipo de alimento
consumido e sua influência na cicatrização de feridas,
sendo contraindicada a ingestão de peixes, carne bovina
gordurosa, de porco e algumas de caça. Sabe-se que
o consumo dos peixes é recomendado por ser uma
excelente fonte de proteínas e elevado valor nutricional,
pois pequenas quantidades satisfazem as necessidades
diárias de proteínas. Em toda a carne encontram-se
proteínas de alto valor biológico e uma excelente fonte
de ferro, fósforo é potássio, que são importantes para
prevenir e curar as anemias.13
Já o peixe é um dos recursos naturais mais abundantes e
mais explorados na Amazônia e, talvez, um dos aspectos
mais relevantes do peixe para esta população seja o fato
de ser um alimento mais acessível às classes com menor
poder econômico.14 Entretanto, não são recomendados
pelos sujeitos em casos de debilidade do organismo e
na presença de lesões no corpo.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
13
Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre
Uma pesquisa desenvolvida com pescadores profissionais
artesanais no Estado do Mato Grosso-MT apontou que os
sujeitos, ao pescarem o peixe pintado, preferem vendêlo, pois acreditam que a reima do couro do peixe faz mal
aos indivíduos que apresentam ferimentos ou que estão
em período pós-operatório.15
Nesse contexto, as práticas do cuidado podem ser
diferentes ou similares, variando de cultura para cultura,
de região para região, e que, da mesma forma, as práticas
dos cuidados do sistema de saúde popular são diferentes
do sistema profissional.7,16
Contudo, nem sempre as ações do cuidado devem ser
preservadas, mas sim analisadas juntamente com a
clientela e, posteriormente, acomodadas ou renegociadas,
desde que não sejam prejudiciais à saúde do indivíduo,
favorecendo-lhe o bem-estar e atendendo-lhe as
necessidades. Nesse caso, a acomodação do cuidado
deve estar presente e é importante que a população
seja orientada em relação aos benefícios do consumo
de determinados alimentos, os quais são importantes à
saúde. No caso das carnes de boi e peixe, por exemplo,
para minimizar o teor de gordura, é interessante que
os profissionais orientem a população sobre opções de
preparo, preferindo consumi-los cozidos ou na brasa, e
não fritos, o que aumentaria a quantidade de gordura.
Portanto, não aboli-los de sua dieta, até mesmo pelo fato
de que o peixe constitui grande parcela dos alimentos da
população da região amazônica.
As práticas do cuidado
Enquanto era desenvolvida a assistência ao cliente
com feridas no ambulatório da unidade de saúde,
pôde-se perceber que existem práticas relacionadas
ao tratamento das feridas dos clientes que são
desenvolvidas, na maioria das situações, por pessoas
mais experientes, que transmitem seus saberes para
outras gerações.
O saber local sobre a terapêutica dos diversos males
que afetam o ser humano, geralmente, é percebido
em pessoas mais idosas que carregam consigo
preciosas informações, as quais foram recebidas de seus
ancestrais.17
aí ‘esfrega’, fica passando um pano, ou mesmo a mão
limpa até tirar aquele sabão. (Cliente Júlio)
Cobre, pois é, com ‘paradapo’, aí todo dia a gente lava e
torna a passar aquele remédio. (Cliente Eliete)
A gente lava com água, com água, como é... água de
poço, que hoje a gente usa, de poço, poço artesiano, a
minha água não é encanada, não tem, não usa mais
água de igarapé, tudo é água de poço. Então, lava
e passa aquele, como é que se chama? Mercúrio, e a
gente passa. Quando a gente tem, a gente passa assim.
(Cliente Homero)
Ó, é muito difícil, cara, a gente não tem um material
pra fazer um curativo de nada. Então, o que a gente
usa caseiro, quando a gente tem, é álcool ou então
água de sal. Se por acaso alguém cortou e não tem
assim outra coisa pra gente fazer, que a gente tem um
álcool em casa, a gente lava aquilo ali com um álcool,
esfrega, sabão também, depois, no ferimento, vamos
supor, cortou, e aí, ninguém costura, porque não tem
como costurar, fica aberto lá. E aí só pra gente ter o
cuidado de tá lavando. Todo dia, a gente lava com
sabão mesmo. Não tem outra coisa pra fazer depois de
estar inflamado; a gente não vai mais colocar no álcool
porque dói muito, aí então, a gente lava só na água com
sabão. (Cliente Oswaldo)
Observa-se, nas falas dos sujeitos, que mesmo sem
possuir as soluções e medicamentos preconizados
pelo sistema profissional de saúde, eles usam seus
conhecimentos empíricos para realizar a limpeza nas
suas feridas.
No entanto, um cliente desenvolve o cuidado considerando as orientações do sistema profissional de saúde:
Eu sou orientado que na hora do banho eu devo ter o
cuidado pra não molhar, ou seja, na hora de um curativo
em casa mesmo, ter carinho, colocar luva, se você tiver.
(Cliente Alberico)
Já a cliente Melissa além da higiene, ainda aplicava o
talco, que, segundo ela, “sarou” a ferida de sua filha:
Aí, eu curei com, passando polvilho. Daí virava ‘pereba’
da bolha, aí eu passava polvilho, e ela sarou.
Nesse sentido, a maioria dos tratamentos de saúde usados
pelo sistema popular ocorre por pessoas da mesma
família, por amigos, pessoas que residem no mesmo
local, organizações religiosas ou profissionais.18
O primeiro cuidado com a ferida inicia-se com a limpeza e
sua assepsia cuidadosa que objetiva evitar ou minimizar
os riscos de infecção e complicações, bem como facilitar
o processo de cicatrização.19
Isso foi evidenciado na fala do cliente Hélio:
Mesmo que durante a fala do cliente mostre que a assepsia
não é efetuada da forma preconizada pelo saber científico,
existe uma preocupação em manter a lesão longe de
sujidades, que, para eles, contribuem para o agravamento
da lesão. Dessa forma, eles usam os saberes e as práticas
da medicina popular para prestar o cuidado que atenda
às necessidades, de acordo com a realidade deles.
A gente usa, a gente usa aqueles cozimentos de... (chás)
a pessoa, pelo menos a minha mulher, ela é daquelas
pessoas mais antigas e faz aqueles cozimentos.
No tocante à prática de cuidado às feridas, os clientes
citaram o cuidado relacionado à limpeza e proteção:
Rapaz, primeiramente, se for uma abertura assim
(aponta para lesão), pega água, água corrente, sabão,
14
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
Assim, a medicina popular, que é aquela desenvolvida
pelo sistema popular, em casa, por famílias e vizinhos,
transmitida de geração em geração,6 possui uma forma
específica de atuação e legitimidade.4
eu tenho malvarisco, ‘hortelã’ para fazer chá, aqui é bom
pra tosse. (Cliente Eliete)
No Brasil, o uso da medicina popular surgiu da
contribuição dos índios, negros e europeus, persistindo
até hoje. O uso das práticas em saúde se mantém
não somente pela dificuldade de acesso à assistência
profissional de saúde pelo cliente, mas também como
opção pessoal.20
No entanto, existem clientes que, além das plantas
medicinais, também se amparam em práticas religiosas
para sustentar suas necessidades.
A clientela, quando tem dificuldade de buscar o
atendimento profissional, por diferentes motivos, utiliza
seus saberes e práticas, com recursos da região, como
mostra a fala do cliente Homero:
Quando uma pessoa se encontra diante de situações
como doenças graves, problemas materiais, espirituais
ou morais, busca o amparo religioso, que pode se
desenvolver por meio da cura ou dos milagres. 24
Mas aí quando a gente não tem condição da gente vir
ao posto, a gente faz isso (o uso dos chás para tratar
as doenças).
Já a cliente Eliete afirma que para cuidar das feridas é
preciso,
quando terminar de lavar, enxugar, aí se tiver um óleo,
azeite doce ou óleo de andiroba. Óleo de andiroba
serve muito pra curar ferida, aí a gente passa, aí deixa
se quiser cobrir ela com papelzinho fino se cobre com
aqueles ‘paradapo’.
Nesse sentido, ela usa os conhecimentos para proporcionar a drenagem da secreção de alguns tumores:
O tumor, quando começa, vai crescendo aquela coisa
dura, aquela carne vai ficando dura, dura ao redor. Aí
vai cuidando de criar aquele bico, aí você... são duas
coisas que a gente bota em cima, quando vê que ele já
tá perto de espocar, aí você raspa um pouco de sabão
virgem aí coloca em cima, aí coloca um papinho assim
em cima, pode deixar, no outro dia quando você puxar,
já vem com tudo. Fica o buraco limpinho. Só o óleo ao
redor, só o óleo mesmo de andiroba, ou azeite doce
(depois que o tumor é drenado)
No relato da cliente acima, ressalte-se o uso de planta
medicinal no tratamento da ferida. Sabe-se que desde a
Antiguidade as plantas medicinais ocupam um espaço
significativo no cotidiano das pessoas21 e o uso delas faz
parte da história humana, com importância nos aspectos
medicinais e culturais.20
Para tratar as feridas, a fitoterapia pode ser usada
mediante a aplicação tópica de cataplasmas, óleos
essenciais, preparados com folhas e flores, chás ou
infusões. É importante que as plantas a serem usadas
tenham certificação e sejam comprovadas, por meio de
mateiros ou herbalistas experts.22 Portanto, reconhecer as
ervas medicinais para preparar o remédio caseiro tornase uma necessidade de segurança tanto para quem o
prepara quanto para quem o ingere. 23
Assim, o relato sobre o uso dos chás:
É bom, vale a pena a pessoa ensinar esses remédios,
esses ensinamentos, porque muita gente não sabe fazer
um chá pra uma criança, não sabe; aqui tem muita
pessoa que não sabe fazer. Eu mandei várias vezes
hortelã pra fazer chá pra criança e a mãe nem aí, não
está nem ai, e o ‘bichim’ está com uma tosse medonha,
O termo “cura” é um fenômeno por meio do qual
as pessoas recuperam a saúde física e mental, recuperando também a sua segurança, o bem-estar, a honra,
o prestígio, ou tudo aquilo que seja reordenação
do caótico, do negativo. Já o milagre se restringe
a significar a consecução de um bem, podendo ser
saúde, material ou espiritual, considerado impossível
de ser alcançado pelas forças naturais ou pelos
recursos do devoto.23:66
O cliente Oswaldo ressalta que a fé é necessária,
independentemente do nível socioeconômico:
Mas a gente como pobre também tem uma confiança
em Deus. Foi assim, eu fiquei, pedi que Deus me
ajudasse.
Nesse contexto, a fé é uma forma que as pessoas
encontram para acreditar e confiar que algum processo
terá resultado satisfatório por meio de intervenções
divinas. Denota um desejo, uma esperança de
transformação da situação individual, de uma forma
que o fiel acredita fielmente na intervenção sobrenatural,
“de acordo com a vontade de Deus”.24
Alguns sujeitos buscam esse amparo religioso por causa
do conforto espiritual e emocional:
Umas amigas minhas vinham me visitar e diziam que
eu tinha que levá-lo pra benzer, que eu tinha que levá-lo
na benzedeira, porque ele ia ficar curado. E tinha que
ser três vezes. Três visitas. Eu cheguei a levar durante
três vezes [...] Me sentia (bem) porque, como mãe, você
procura fazer tudo que acredita fazer que é possível
para curar teu filho. Eu acreditava que a benzedeira
podia curá-lo, porque as pessoas me passavam essa
confiança. E eu como mãe eu achava que eu tinha que
na verdade fazer aquilo, porque, eu tinha fé de que ele
ia ficar bom. (Cliente Margarida)
Esses rituais de benzedura têm semelhança com os
rituais de pajelança ou xamanismo. No entanto, o
benzedor não possui nenhuma religião específica. Seu
conhecimento para realizar tais ações é proveniente
da sua longa experiência e de um aprendizado ligado
a família. Contudo, tem autoridade e prestígio e, em
razão desse fato, costuma atender pessoas de outras
comunidades.25
Essas atividades de benzeção ou reza normalmente são
realizadas diante de imagens, crucifixo, bíblias, terços
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
15
Saberes e práticas dos clientes com feridas: um estudo de caso no município de Cruzeiro do Sul, Acre
(símbolos sagrados), com o uso de velas, águas e ramos
de folhagens como arruda. São constituídas por preces,
gestos e movimentos, que têm início com o sinal da cruz.
Durante a “benzeção”, são verbalizadas palavras e ações
que produzem graças divinas, atraem paz ao espírito e
afastam as entidades maléficas.25
Nesse sentido, compreender a crenças e o cotidiano
em vez de ignorá-los é indispensável para prestar
um cuidado adaptado à cultura. Assim, é preciso
imergir no mundo do cliente para compreender seus
valores e crenças, bem como os significados que estes
representam para cada indivíduo,6 facilitando, portanto,
o direcionamento de um cuidado eficiente.26
Isso porque, para cuidar dessa clientela, é fundamental
estabelecer interação com cada cliente, visando
conhecer sua trajetória desde o surgimento da ferida,
experiências e práticas que ele utiliza para tratá-la. Assim,
pelo fato de esses clientes usarem formas populares
para o cuidado de feridas comuns na região, emerge a
necessidade de aliar saberes e práticas no cuidado a eles,
respeitando-lhes as crenças, as experiências, os valores e
os saberes, os quais são aprendidos e compartilhados no
grupo social a que pertencem, proporcionando, assim,
uma relação dialógica na qual experiências, saberes e
práticas são compartilhados, minimizando o espaço
entre o saber científico e o saber popular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No município de Cruzeiro do Sul, Acre, comumente, os
clientes usam formas de tratamento das feridas que
muitas vezes vão de encontro às orientações da equipe
de enfermagem, tornando necessário que os membros
da equipe conheçam suas crenças, valores, saberes e
práticas para orientá-los e melhor interagir com eles.
Os sujeitos do estudo apresentam feridas cirúrgicas,
traumáticas, por mordidas de cães, cobras, oriundas de
picadas de insetos, dentre outras. Adquiriram de seus
antepassados vários hábitos, costumes e crenças, que
são colocados em prática até os dias atuais e servem de
base para desenvolver o cuidado diário.
Existe uma prática dos cuidados populares no tratamento
de feridas em que usam as mais variadas formas de
cuidado, que vão desde práticas de higiene e limpeza
às feridas, perpassando pelas restrições alimentares,
valorização de práticas religiosas, até o uso de plantas
e soluções tópicas no tratamento.
Usam água de torneira ou de poço para lavar a lesão.
O sabão é usado para fazer espuma, e ainda existem
relatos da utilização de álcool, mercúrio, polvilho (talco)
e água de sal. Soluções tópicas no tratamento, como a
aplicação do azeite virgem e óleo de andiroba após a
limpeza, foram relatadas para facilitar a cicatrização, pois
“curam” a ferida. O uso de plantas em forma de chás e
cataplasmas para o tratamento de doenças e feridas é
mantido e valorizado.
As restrições alimentares, bem como a ingestão de
peixes considerados reimosos (gordurosos), carne de
porco, de paca e jabuti são comumente relatadas. Para
os clientes, o consumo dessas fontes proteicas durante o
período em que se encontram com lesões é prejudicial,
pois a gordura existente na pele dos animais e a sujidade
que eles carreiam interferem na cicatrização, podendo
proporcionar inflamação das feridas.
Além disso, os sujeitos valorizam as práticas religiosas
(religiões da floresta, catolicismo e evangélicos). Para
eles, a fé em Deus possibilita conseguir a melhora do
quadro ou até mesmo a cura da doença. Ao desenvolver
tais práticas, o cliente busca um conforto espiritual e
emocional, pois lhe traz segurança e confiança em uma
perspectiva de saúde positiva.
Assim, é importante e necessário manter uma relação
dialógica visando identificar e atender às necessidades
da clientela, buscando juntamente com o cliente a
congruência do cuidado. Nesse sentido, é preciso
considerar que o cuidado transcende o tratamento das
feridas, devendo envolver o cliente de forma humanizada
Para que isso ocorra, o profissional deve ter, além da
competência técnica, a competência humana para saber
orientar esses clientes com feridas, considerando seu
contexto cultural e suas visões de mundo.
Considerando a importância do estudo, tanto para o
contexto da cidade de Cruzeiro do Sul quanto para
o nacional, ainda existem lacunas a ser trabalhadas
e exploradas, tendo em vista a necessidade de aliar
o saber científico ao saber popular, buscando a
congruência do cuidado, o que pode ser difícil, se o
profissional adotar uma postura de detentor do saber
e da prática, não valorizando a cultura e a realidade dos
clientes. Desenvolver debates, discussões e seminários
abordando essa temática pode ser um caminho
rumo a uma enfermagem que prioriza o cuidado de
qualidade à clientela em todos os cenários do nosso
país, que, pelas suas dimensões geográficas, oferece
contínuos desafios quando pretendemos desenvolver
competências e habilidades para cuidar do outro na
perspectiva da recuperação, reabilitação e promoção
da saúde.
AGRADECIMENTO
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ), pela concessão da bolsa de estudos.
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Data de aprovação: 14/2/2012
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 11-17, jan./mar., 2012
17
ACONSELHAMENTO EM HIV/AIDS: REPRESENTAÇÕES DOS
PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
HIV/AIDS COUNSELLING: REPRESENTATIONS OF PRIMARY HEALTH CARE PROFESSIONALS
Asesoramiento en VIH / SIDA: representaciones de los profesionales que TRABAJAN en
atención básica DE LA salud
Marina Celly Martins Ribeiro de Souza1
Maria Imaculada de Fátima Freitas2
RESUMO
O objetivo com este estudo foi analisar representações de profissionais que atuam na atenção primária sobre
aconselhamento em HIV/aids. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa, fundamentada em noções das
Representações, segundo Giami. Foram realizadas entrevistas abertas, gravadas em áudio, com sete enfermeiros e
cinco médicos de centros de saúde do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, atuantes em equipes de saúde da
família. O número final de participantes se deu por repetição de conteúdos das entrevistas. Para a análise dos dados,
utilizou-se o método da análise estrutural de narração. Os resultados mostraram representações de reconhecimento da
importância do aconselhamento em HIV/aids como ferramenta no cuidado, mas com distanciamento entre o cotidiano
do trabalho e o que é preconizado pelo Ministério da Saúde para essa prática. Representações em torno da prevenção
em HIV/aids e do processo de trabalho em unidade básica contribuem para essa distância. Os profissionais de saúde
entrevistados relatam posturas na prática cotidiana referentes ao aconselhamento, apoiadas tanto na ciência como
no senso comum, e que transformam a atividade do aconselhamento em menos prioritária e menos importante no
conjunto das ações realizadas, dificultando a integralidade do cuidado. Dessa forma, tornam-se necessários o aumento
e a melhoria de ações que incluam capacitações e melhores condições de trabalho para a superação das dificuldades,
visando à prevenção e ao controle do HIV/aids na atenção primária.
Palavras-chave: Aconselhamento; Prática Profissional; Sorodiagnóstico de HIV; Representações Sociais; Atenção
Primária à Saúde.
ABSTRACT
The objective of this study was to analyse the representations of primary health care professionals on HIV/aids
counselling. It is a qualitative research based on Giami’s Theory of Social Representations. Open interviews with
seven nurses and five doctors working in family health teams in the municipality of Belo Horizonte, Minas Gerais
were conducted and audio-recorded. The final number of participants made up for the repetition of information in
the interviews. Structural analysis of narrative was used for data analysis. The results revealed representations that
recognize HIV/aids counselling as a valuable aid for patient care. However, there is a gap between everyday work and
the Ministry of Health recommendations for the practice. Representations on HIV/aids prevention and unit’s work
process contribute to the disparity. As reported by the health professionals interviewed, their daily counselling practice
is supported by both science and common sense which transform counselling activity in the least of their priorities
and the less important among the many actions performed. Consequently, an integrated approach to health care
becomes more challenging. The increase and improvement of training opportunities as well as better work conditions
are needed to overcome difficulties to HIV/aids prevention and control in primary health care.
Keywords: Counselling; Professional Practice; Serodiagnosis of HIV; Social Representations; Primary Health Care.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue analizar las representaciones de profesionales que actúan en la atención básica
asesorando sobre el VIH/Sida. La investigación es cualitativa y se basa en nociones de las Representaciones, de acuerdo
con Giami. Se realizaron entrevistas grabadas a siete enfermeros y cinco médicos de equipos de salud de la familia
de centros de atención del municipio de Belo Horizonte, Minas Gerais. El número final de participantes resultó de la
repetición de los contenidos de las entrevistas. Los datos se analizaron según el análisis estructural de la narración. Los
resultados enseñaron representaciones de reconocimiento de la importancia del asesoramiento como herramienta en
el cuidado. Sin embargo, hay una brecha entre el trabajo cotidiano y las recomendaciones del Ministerio de la Salud. Las
representaciones sobre la prevención del VIH/Sida y el proceso de trabajo en unidades básicas de atención contribuyen
a esta situación. Los profesionales de salud entrevistados relatan posturas en la práctica cotidiana de asesoramiento
en base a la ciencia y al sentido común que le restan importancia y prioridad al conjunto de prácticas y dificultan el
cuidado en su totalidad. Es necesario aumentar y mejorar acciones que incluyan capacitaciones y mejores condiciones
de trabajo para superar las dificultades con miras a prevenir y controlar el VIH/Sida en la atención básica de salud.
Palabras clave: Asesoramiento; Práctica Profesional; Serodiagnóstico del VIH; Representaciones Sociales; Atención
Básica de Salud.
1
2
Doutoranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais. Rua Deputado Bernardino de Sena Figueiredo 252/101, Cidade Nova, Belo HorizonteMG. CEP 31170-210. E-mail: [email protected].
PhD. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas
Gerais. Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Rua Deputado Bernardino de Sena Figueiredo 252/101, Cidade Nova, Belo Horizonte-MG. CEP: 31170-210.
E-mail: [email protected].
18
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
O aconselhamento é entendido como uma prática
preventiva ampla que transcende o âmbito da testagem
e contribui para a qualidade das ações educativas em
saúde. Pressupõe-se que essa ferramenta de prevenção
possa ser utilizada em vários momentos e serviços de
saúde, não devendo restringir-se à oferta do exame
anti-HIV. Dessa forma, deve ser um processo contínuo,
inserido nas atividades das unidades básicas de saúde
e articulado aos demais programas assistenciais
existentes e ao cotidiano das práticas desenvolvidas
pelos profissionais que atuam nos serviços de atenção
primária à saúde.1
O aconselhamento propõe uma prática que perpassa
a atenção integral e a promoção da saúde, mediante
intervenções pautadas na singularidade da visão
de mundo dos sujeitos e nas experiências sociais
compartilhadas. Além disso, as abordagens preventivas
são direcionadas a temas pessoais e coletivos, como
relações de gênero, preconceito e direitos civis.2,3
Desempenha, também, papel fundamental na estratégia
de ampliação da testagem sorológica para o HIV e se
reafirma como um campo de conhecimento estratégico
para a qualificação do diagnóstico de HIV e da atenção à
saúde. Destaca-se, ainda, como atividade que contribui
efetivamente para a quebra da cadeia de transmissão
do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e de outras
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), uma vez que
permite ao usuário avaliar suas reais possibilidades de
risco. Oferece ao usuário, também, a possibilidade de
refletir e decidir por medidas preventivas segundo suas
vivências e singularidades e buscar melhor qualidade de
vida, independentemente de sua condição sorológica.1
Para tanto, o aconselhamento deve ser desenvolvido
com base no estabelecimento de uma relação de
confiança, em que o profissional esteja atento às
situações conflituosas vivenciada pelos usuários e que
podem bloquear a ação preventiva.4,5
Essa prática é considerada fundamental na prevenção
e no controle do HIV/aids pelo Ministério da Saúde
do Brasil, que lançou, a partir de 1997, o Manual de
Aconselhamento.6 Apesar disso, não sofre, de forma
sistemática, avaliações de natureza qualitativa que
mostrem não somente sua existência nos serviços, mas a
forma como está ocorrendo. Com este estudo pretendese contribuir nesse eixo de avaliação de serviços.
Considerando-se a importância da atenção primária
e reconhecendo-se o aconselhamento como prática
decisiva na prevenção das DSTs, HIV e aids, questionam-se
as representações que os profissionais de saúde possuem
no desenvolvimento de ações de aconselhamento
com vista ao controle e prevenção da aids na área de
abrangência dos serviços onde atuam. Nesse sentido,
pode-se afirmar que as representações que eles trazem
sobre o aconselhamento em HIV/aids são explicitadas
em sua prática profissional, refletindo no modo como
atuam e realizam (ou não) o aconselhamento no
cotidiano dos serviços.
O desenvolvimento deste estudo poderá contribuir para
a melhoria do contexto da atuação dos profissionais
de saúde que se propõem a trabalhar com prevenção
na atenção primária. Com isso, será possível incentivar
reflexões sobre a importância da prevenção da aids
nesses serviços de saúde e oferecer subsídios para
relacioná-los com as representações dos profissionais
sobre a aids. De maneira geral, espera-se que os
resultados da pesquisa contribuam para fortalecer
propostas de efetivação da prática do aconselhamento
no cotidiano dos serviços de saúde.
Assim, o objetivo com este estudo foi analisar as
representações dos profissionais que atuam na atenção
primária sobre o aconselhamento em HIV/aids.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, fundamentado em noções das representações, como propostas
por Giami7. Esse autor afirma que as representações
constituem uma construção do sujeito como sujeito
social, agregando informações e vivências tanto de
caráter científico como do senso comum, com sua
maneira própria de introjetá-las e explicitá-las. Por isso,
para Giami8, toda representação é de caráter social e
psicológico, não havendo necessidade de adjetivá-la,
como o faz Moscovici9: “Ela obtém seus conteúdos dos
materiais presentes na sociocultura contemporânea e
passada, funcionando como o imaginário” O mesmo
autor7 explica que “não há ruptura entre as expressões e
significados individuais e coletivos das representações,
mas homologia, o que se traduz em uma abordagem
que considera que o social está contido e é observável
no discurso individual”. Nesse sentido, pode-se afirmar
que os sujeitos sociais constroem representações e as
estruturam, introjetando-as “por processos psíquicos que
fazem parte do fenômeno social em sua totalidade.”7,8
Assim, o referido autor extrapola a noção apresentada por
Moscovici,9 afirmando que as representações são também
construções individuais que alimentam e se modificam
nas interações sociais, comungando pontos de vista,
julgamentos, imagens e opiniões que se tornam, portanto,
ao mesmo tempo, construções coletivas do social.10
A pesquisa foi realizada em 2008 e teve como cenário dois
centros de saúde localizados na Regional Administrativa
Leste da Secretaria Municipal de Saúde de Belo
Horizonte, Minas Gerais.
Considerando-se que o critério utilizado para a
pesquisa qualitativa, que busca a compreensão sobre o
ponto de vista dos sujeitos, é o de saturação de dados
pelo conteúdo expresso nas entrevistas, e não o de
representatividade espacial ou amostral para a totalidade
do município, a decisão foi de incluir profissionais de um
só distrito sanitário para facilitar a organização da coleta.
A escolha dos dois centros de saúde citados deveu-se,
primeiramente, ao fato de que são serviços dotados
de equipes completas da Estratégia Saúde da Família
(ESF) e, em segundo lugar, à disponibilidade expressa
dos profissionais e dos gerentes em contribuírem com
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
19
Aconselhamento em Hiv/aids: representações dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde
a pesquisa. Considerou-se, ainda, que essas unidades
possuem consultórios que permitiram a realização das
entrevistas com garantia de sigilo e preservação da
liberdade dos sujeitos entrevistados.
Fizeram parte deste estudo profissionais que lidam
diretamente com as ações de prevenção da aids nos
serviços de saúde, sendo cinco médicos e sete enfermeiros
que trabalhavam havia, pelo menos, seis meses, na rede
básica do município de Belo Horizonte-MG. O critério
desse período mínimo de tempo de atuação no serviço
foi considerado para garantir que o entrevistado tivesse
vivenciado experiências profissionais sobre o objeto
de estudo. O número de sujeitos não foi definido a
priori, considerando-se que, para o tipo de investigação
proposto, a análise do material coletado se deu durante
a pesquisa de campo até que o conteúdo dos relatos dos
participantes se tornou repetitivo, quando se decidiu pelo
encerramento da coleta.11,12
A coleta se deu por meio de entrevistas abertas e em
profundidade, gravadas em áudio, com a seguinte
questão não diretiva: “Relate-me o que pensa a
respeito do aconselhamento em HIV/aids e sobre seu
atendimento nessa área”. Questões de relance foram
acrescentadas para manter a entrevista em torno do
objeto da pesquisa.
Os dados foram tratados utilizando-se o método de
análise estrutural de narração,13 que seguiu os seguintes
passos: transcrição fiel das entrevistas gravadas em
áudio, leitura vertical, análise horizontal, nomeação
das sequências, primeira categorização, busca das
representações por densidade na estrutura do discurso,
análise transversal com elaboração de um esquema das
representações e análise aprofundada com leituras de
outros autores sobre as representações encontradas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (Parecer
nº 096/2007) e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer nº
647/07). Todos os profissionais leram e assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), não
havendo nenhuma recusa entre os sujeitos convidados.
Cada profissional recebeu um pseudônimo para garantia
do anonimato: as enfermeiras foram chamadas de ENF
e os médicos de MED, seguidos do número relativo à
sequência numérica da entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistadas sete enfermeiras (ENF) e cinco
médicos (MED), sendo três do sexo feminino. A idade
dos profissionais variou entre 27 e 60 anos e o tempo
de atuação na atenção primária variou entre 6 meses
e 13 anos. Apesar dessas grandes diferenças, o fato de
alguns atuarem há mais tempo em saúde coletiva não
trouxe representações mais específicas, ou que possam
ser consideradas mais elaboradas ou diversas daquelas
dos que atuam há menos tempo.
Pôde-se constatar, também, que a formação acadêmica
diferente (no caso, enfermagem e medicina) não
20
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
influenciou as representações encontradas nos relatos
analisados. Assim, independentemente da categoria
profissional, há homogeneidade nas falas de todos os
participantes, não sendo possível concluir que algum tipo
de representação esteja relacionada, exclusivamente, a
um grupo em decorrência da formação profissional
específica.
Os resultados apontaram duas categorias: 1. Representações sobre a prevenção do HIV/aids. 2. Representações sobre o aconselhamento em HIV/aids.
1. Representações sobre a prevenção do HIV/aids
Nesta primeira categoria, há conformidade entre
os profissionais entrevistados em reconhecerem a
necessidade de prevenção da doença e apontarem como
estratégia de redução de sua disseminação as ações de
prevenção. É evidente, na fala dos sujeitos entrevistados,
a importância de se utilizar a atenção primária como
“palco” para a execução das práticas preventivas em
saúde e, por conseguinte, em HIV/aids, considerando-as
como dispositivos eficazes de controle da doença.
As representações relacionadas à problemática da
prevenção se fazem muito presentes nas falas de
profissionais de saúde, com conjunções e disjunções
entre o que é considerado por eles como o ideal e o que é
possível no cotidiano dos serviços, mas todas ancoradas
em uma representação central de que “prevenção é
objeto privilegiado da ‘chamada’ saúde pública”. Na fala
abaixo, explicitam-se a afirmação e o reconhecimento da
importância da prevenção no controle da doença:
Então, eu acho que a prevenção é o principal; se não
trabalhar em cima disso, a gente vai continuar tendo
aumento no número de casos mesmo, e a epidemia
fora de controle. (ENF 3)
Os profissionais destacam, também, a necessidade de
efetivação das ações de prevenção na atenção primária
e que elas sejam desenvolvidas por outros setores, como
a mídia, a educação, e não somente pelo setor saúde
ou por eles, os profissionais “na ponta do atendimento”.
As representações de que o controle da aids é pela
prevenção e de que esta deve ser feita nos serviços de
atenção primária são claras nas falas dos profissionais,
porém pouco avançam sobre esse compromisso.
Destacam que há muitos empecilhos para que hoje
ocorram tais ações de forma contínua e quase não as
executam em suas práticas cotidianas nas unidades de
saúde, além de não relatarem conhecimento e domínio
sobre métodos e instrumentos para tal fim.
Considerando-se a necessidade de articulação do
setor saúde aos demais, como a Assistência Social e
a Educação, dentre outros, depreende-se, das falas a
seguir, certo desabafo em relação à baixa capacidade de
intersetorialidade nas ações voltadas para a prevenção
da aids. Nas narrativas sobre esse tema, depreende-se
a busca pela aquiescência do entrevistado, além de um
julgamento explícito no que se pode intitular de discurso
projetivo, tal como: “Nós não fazemos ou não o fazemos
suficientemente, mas também os outros não o fazem”,
como na fala seguinte:
Eu acho que a televisão, ela tinha que ter o papel
social que ela não faz... Eu acho que tinha que ter na
novela um assunto impactante mesmo, como alguém
contaminado. Que se contaminou numa festa, usando
uma droga, entendeu? Eu acho que a televisão tinha
que usar. (MED 4)
Nessa fala, chama a atenção, ainda, o fato de que as
representações da aids estão centradas na ideia de
impacto, de imagens que assustam, pela televisão, para
que seja possível atingir a população, o público.
Além de citarem a baixa intersetorialidade, alguns
entrevistados avaliam a atuação do governo como
insuficiente, no sentido de proporcionar campanhas
preventivas mais efetivas, considerando as existentes
como pontuais e a atuação centrada nas pessoas
sabidamente infectadas:
Eu acho que falta mais é, é assim, o governo, ele
dá muita assistência pro pessoal que já tem o HIV,
diagnosticado, que tá com aids e faz uso do coquetel,
dessas medicações, é, antivirais e tudo. Mas, assim, com
relação à prevenção eu não vejo muito, não. Eu acho
que deveria ter mais. Ter, tem, por exemplo, na época
de carnaval tem muito, entendeu? (MED 5)
Gonçalves e Varandas14 apontam que a mídia tem como
obrigação promover informação de qualidade, pois
desempenha um papel social diante da população, um
dos requisitos mais importantes em uma sociedade:
a formação de opinião. No entanto, a mídia tornou-se
uma fonte de considerável imprecisão e distorção no
que se refere à prevenção em HIV/aids, desconsiderando
o risco do contato heterossexual, principalmente para
as mulheres. Além disso, destacam que o processo de
desvelamento da epidemia e das formas de contágio deuse mais por um caráter denunciatório e responsabilista do
que propriamente preventivo. A representação do caráter
social da mídia, apontado pelos entrevistados, traz várias
outras representações, tais como: “No Brasil, todo mundo
vê novela”, “A televisão é veículo que atinge as massas
populares”, o que deixa os profissionais decepcionados
por não verem tal veículo servir, de forma eficiente, à
causa da prevenção e do controle da aids.
Desde 1996, Parker e Galvão 15 apontavam que as
campanhas de prevenção, no combate à aids, organizadas
pelo governo federal, eram levadas a efeito tardiamente
e, em sua maioria, de forma questionável. Críticas às
formas de direcionar as atividades de prevenção ainda
existem, sobretudo quanto ao fato de que não há
nenhuma especificidade pela vulnerabilidade social ou
por comportamentos de risco, mesmo que se considere
que houve avanços na organização dos serviços e nas
propostas de descentralização das ações.
Depreende-se, assim, da análise das entrevistas, que
há um consenso de que é função do Estado coordenar
e implantar ações de promoção, prevenção e controle
das doenças, o que também retrata a literatura, mas
vale questionar em que limite os profissionais de
saúde se sentem envolvidos por essas propostas ou
se comprometem a aplicá-las. Fica claro que é sempre
necessário reelaborar o trabalho de prevenção, o que é da
ordem de repensar o que está constituído culturalmente,
buscando ultrapassar os limites da informação genérica,
com fundamentos metodológicos que fujam das teorias
comportamentalistas. Faz-se necessário construir
atividades de educação em saúde que sejam pertinentes
e eficazes para a população assistida e que incluam os
profissionais da atenção primária de forma efetiva.16
2. Representações sobre o aconselhamento em
HIV/aids
Com base na análise das entrevistas, emergiram,
primeiramente, representações de reconhecimento da
importância do aconselhamento pelos entrevistados,
evidenciada no relato de ENF 4:
Faço aconselhamento, a gente conversa com o paciente.
É um aconselhamento assim, para a abordagem das
DSTs. De uma maneira geral, qualquer uma delas
você tem que abordar, porque o paciente tem que
compreender o que vai ser feito e consentir. Inclusive
você tem que pedir permissão pra, se, por exemplo,
ele mudar de endereço e a gente poder procurá-lo
pra entregar o resultado, porque nem isso, sem o
consentimento, você pode fazer. Nem solicitar e nem
entregar se não for com o consentimento.
Alguns profissionais que realizam o aconselhamento,
porém, descrevem-no como uma atividade restrita, apenas
oferecendo o teste anti-HIV e explicando sobre ele, sem
haver interação com o usuário para que ele tenha clareza
de todos os aspectos que envolvem a testagem. Outras
vezes, não há nem mesmo explicações sobre os pedidos
de exames laboratoriais, apesar de se contradizerem,
afirmando que conversam com os pacientes. Vê-se, então,
uma distância entre a forma como os profissionais de
saúde falam sobre o aconselhamento e desenvolvem as
atividades e a concepção dessa prática como preconizada
pelo Ministério da Saúde.1,17,18 Tal distância pode ser
compreendida como um conjunto representacional
que se inscreve em determinado contexto situacional
no qual o peso de outras representações,7,8 tais como
as ligadas ao trabalho em saúde, trabalho em unidade
básica, além daquelas relativas à sexualidade, família,
doenças transmissíveis, HIV/aids, é mais relevante como
condicionante da forma que assumirá o exercício da
prevenção em HIV/aids.
Considerando, como alguns autores,19 que a modificação
de circunstâncias externas a uma dada representação
conduz, em alguns casos, os indivíduos a desenvolver
práticas em desacordo com a representação do objeto
social em questão, pode-se afirmar, com base nos relatos
dos participantes, que o modo como percebem essa
modificação externa tem papel importante na dinâmica
entre prática e representação.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
21
Aconselhamento em Hiv/aids: representações dos profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde
Merece destaque o relato de ENF 6 de que, no início de sua
atuação como enfermeira, realizava o aconselhamento,
mas atualmente, após trabalhar cinco anos na atenção
primária, não o realiza mais. Ela atribui o abandono da
atividade ao pouco tempo que tem para a realização dos
atendimentos, à rapidez dos acontecimentos no serviço
e à demanda sempre elevada sobre a enfermagem:
Pra falar a verdade, até que antes eu até fazia aconselhamento. Eu tenho cinco anos de saúde pública.
Então no começo eu fazia, explicava e tudo. Acho que
devido à correria do dia a dia, hoje eu já não faço mais.
Já vai pro pedido direto, já vou falando: ‘Esses são
exames de rotina, é importante tá fazendo’. E quando
vem o resultado a única coisa que eu falo é isso.
Assim, a representação sobre o teste anti-HIV aparece,
também, como “uma rotina”, já que faz parte de um
protocolo, como se tornam todas as ações em saúde
quando se perde o foco do usuário e se centraliza no
evento. Tal representação, originada de um cotidiano do
senso comum, mostra-se, portanto, mais poderosa do
que aquela do aconselhamento como um ideal previsto
pelo Ministério da Saúde, originada da ciência.
De modo geral, pode-se afirmar que os profissionais, ao
se omitirem nas orientações necessárias aos usuários,
estão favorecendo a permanência de desinformação
ou de conceitos errôneos sobre a infecção pelo
HIV e aids,20,21 que podem contribuir para medos e
preconceitos que nada ajudarão no controle e na
prevenção da infecção. Além disso, o Ministério da
Saúde prevê que os aconselhamentos pré- e pós-teste
devam ser rotineiramente realizados, uma vez que
favorecem a interação entre usuário e profissional.
Tal ação deve ser realizada, considerando-se as
prerrogativas éticas, respeitando-se o cliente tanto na
voluntariedade da realização do teste quanto na garantia
de confidencialidade das informações.21 Como fazer isso
sem se dar o tempo necessário para um diálogo franco
e claro?
Na prática cotidiana, os profissionais de saúde não têm
como referência o aconselhamento pré- e pós-teste
anti-HIV, fundamentando-se em inúmeros relatos em
que se evidenciaram as desconsiderações dos usuários
em suas individualidades, em seus sentimentos e em
suas percepções sobre si mesmos e sua capacidade de
enfrentamento diante da descoberta da doença.22,23
Ao se analisar o conteúdo das falas dos profissionais,
percebe-se que a maioria relata que realiza o
aconselhamento considerando-o como uma ação
que visa à prevenção da doença, mas não há um
reconhecimento explícito das limitações com as quais
lidam por dificuldades externas ou por não se sentirem
implicados suficientemente com a proposta diferenciada
da medicalização pura e simples dos atos em saúde na
unidade.
Assim, os relatos mostram que a prática do aconselhamento ainda está muito voltada para a gestante,
sendo referida por alguns sujeitos como parte de um
22
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
protocolo a ser seguido. Tal posicionamento levanta
a discussão se esses profissionais reconhecem e
valorizam o aconselhamento ou se apenas o realizam
por uma obrigatoriedade imposta por um protocolo
voltado para o cuidado à gestante, como explicitado
na fala abaixo:
No atendimento da mulher grávida só peço os exames
de HIV porque está no protocolo. E a única coisa pra
falar mais pra ela quando o exame é negativo, é que
isso não significa imunidade pra doença. Que a doença
pode se pegar a qualquer momento. (ENF 6)
Também como estratégia de prevenção da disseminação
do vírus HIV, é quase unânime entre os entrevistados
o relato de algumas atividades de cunho coletivo,
como necessárias ou sendo realizadas em seus
locais de trabalho. Entre elas estão os grupos com
adolescentes, seja na própria unidade ou em escolas
na área de abrangência, seja nos grupos voltados
para o planejamento familiar. Nesses últimos, há
relato de abordagem e orientação sobre os métodos
contraceptivos existentes e sobre as principais infecções
sexualmente transmissíveis.
Nos serviços de saúde, cenários deste estudo, nos
quais há grupos de planejamento familiar, há discussão
sobre prevenção e aconselhamento, quando possível
e dependendo do profissional responsável pela
atividade.
Eu tento passar informação tipo individualmente,
coletivo tem o grupo de... de... Como é que chama?...
Planejamento familiar, que com certeza a enfermeira
fala sobre uso de preservativo que vai prevenir, além
da gravidez, vai prevenir a transmissão de doença
sexualmente transmissível. (MED 1)
Além disso, as falas apontam certo desconforto ou
desvalorização das atividades de aconselhamento em
grupo, sem haver autocríticas, mas todos mostram
que a prevenção em IST e aids é parte integrante do
planejamento familiar. Parece que saúde sexual ainda
é representada como ações de saúde para explicar
aos outros como fazer para ter relação sexual sem
haver reprodução, como nos tempos do controle de
natalidade. 22,23 As falas dos profissionais apontam,
também, a existência de formas de pensar e agir pautadas
pela representação de educação como um processo de
transmissão de informação, fundado no conhecimento
como uma única verdade, em contraposição às
concepções interacionistas em educação, enfim, na ideia
de conhecimento como verdade. Alguns entrevistados
lembram, ainda, que não existem atividades planejadas
e sistematizadas específicas sobre IST e aids, ou voltadas
para a saúde sexual, de modo geral:
De forma sistemática, não tem desenvolvimento de
ações de prevenção da aids. Não tem nenhum grupo,
por exemplo, específico. Sempre no grupo, às vezes, de
Planejamento Familiar, sempre a gente aborda, né?
Sempre quando você pode, tem alguma oportunidade
de reunir com algumas pessoas, a gente aborda. Mas,
o que eu te falo assim, não tem uma coisa sistemática,
que estivesse trabalhando exclusivamente voltado pra
isso. (ENF 2)
Estudo realizado anteriormente4 apresenta resultado
semelhante ao encontrado na análise das ações
realizadas pelos sujeitos desta pesquisa. Os profissionais
da atenção primária verbalizavam a importância de
informações aos usuários sobre prevenção contra a aids
e a maioria detalhou quais ações considera preventivas,
mas não as conduziu considerando o contexto de
vida dos usuários ou dando-lhes oportunidade de se
expressarem na interação.
É reconhecida a importância das práticas sociais de
informação, educação e comunicação na promoção da
saúde articuladas como formas de apoio social e com
serviços de assistência de qualidade e resolutividade.24,25
Ao se fazer um exame crítico das práticas de educação
para a saúde – particularmente aquelas destinadas
à prevenção contra a infecção com o vírus HIV –,
nota-se uma dissociação paradoxal entre a teoria e a
prática.26,27
O paradoxo se reflete ao realizar-se uma análise sobre
as ações desenvolvidas pelo relato dos profissionais
desse estudo. Considerando-se a atenção primária como
espaço no qual se propõe o desenvolvimento de ações
centradas na promoção da saúde, que também visam,
portanto, à prevenção de doenças, desvela-se que as
ações aqui descritas encontram-se desarticuladas, sem
um trabalho coletivo de equipe, sem metodologias
adequadas e com representações desvalorizantes sobre
essas ações, incluindo nelas o aconselhamento em HIV/
aids.28,29
Nesse sentido, considera-se que os profissionais devem
estar aptos para a educação em saúde de forma mais
abrangente, tanto para as abordagens de caráter
individual como para as de caráter coletivo, em uma
compreensão ampliada da promoção de saúde e de
adoção de práticas integradas de saúde coletiva.29,30
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu reconhecer que os profissionais
de saúde entrevistados relataram posturas na prática
cotidiana referentes ao aconselhamento apoiadas nas
representações que compartilharam, sobretudo, sobre
o trabalho em unidade básica de saúde. De um lado,
mostraram representações de reconhecimento da
importância do aconselhamento como ferramenta no
cuidado, mas, de outro, realizaram-no de forma muito
distante do preconizado. Isso evidenciou a existência
de discrepâncias entre um discurso que se aproxima da
norma, da obrigação colocada, inclusive pelo Ministério
da Saúde, o chamado discurso oficial, e o discurso
do cotidiano, que encontra as justificativas na falta
de estrutura e condições materiais específicas para a
realização efetiva da ação.
Dessa forma, cabe apontar, aqui, a necessidade de
aumento e melhoria das ações visando à prevenção e
ao controle do HIV/aids, ainda que existam e continuem
a existir aspectos dificultadores para tal na atenção
primária.
A sensibilização dos profissionais para a mudança
fundada no respeito aos saberes específicos e no
compartilhamento, na aproximação de cada sujeito
com a realidade objetiva e na compreensão das
subjetividades poderá propiciar o desenvolvimento de
ações preventivas como ferramenta do cuidado capaz
de promover a emancipação e o reconhecimento de
estratégias de enfrentamento e articulação social para
a prevenção e o controle do HIV/aids.
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Data de submissão: 9/8/2010
Data de aprovação: 14/2/2012
24
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 18-24, jan./mar., 2012
CIRURGIA AMBULATORIAL PEDIÁTRICA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
ACERCA DO IMPACTO DA CONSULTA DE ENFERMAGEM
PEDIATRIC AMBULATORY SURGERY: AN EXPLORATORY STUDY ON THE IMPACT OF NURSING VISIT
CIRUGÍA AMBULATORIA PEDIÁTRICA: ESTUDIO EXPLORATORIO SOBRE EL IMPACTO DE LA
CONSULTA DE ENFERMERÍA
Carlos Eduardo Peres Sampaio1
Maristela Villarinho de Oliveira2
Vanessa Marques de Medeiros Leal3
Liany Bonilla da Silveira Comino4
Regina Aurora Trino Romano5
Antonio Marcos Tosoli Gomes6
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com abordagem quantitativa, cujos objetivos foram traçar o perfil dos
usuários do ambulatório de cirurgia pediátrica, identificar os procedimentos cirúrgicos pediátricos realizados e conhecer
os fatores determinantes de suspensão das cirurgias pediátricas correlacionadas com o não atendimento dessas crianças
pela consulta de enfermagem. O cenário foi a Unidade de Cirurgia Ambulatorial e a Clínica Cirúrgica Pediátrica de uma
Policlínica no Município do Rio de Janeiro. O estudo ocorreu no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009. A fonte
para a coleta dos dados foi constituída pelos registros institucionais relativos aos atendimentos cirúrgicos a crianças
menores de 12 anos, encontrados nos arquivos da clínica cirúrgica e da unidade de cirurgia ambulatorial (prontuário,
impresso da consulta de enfermagem), e pelas informações obtidas por meio de telefonemas para a família no pré- e
no pós-operatório. O universo do estudo abrangeu 434 crianças. O perfil apresentou predominância de crianças do
sexo masculino, na faixa etária entre 4 a 6 anos, submetidos a postectomia e que foram atendidas ou não na consulta
de enfermagem. Evidenciou-se que das cirurgias suspensas o maior índice foi de crianças que não foram atendidas
pela consulta de enfermagem, cuja ausência não foi justificada pelos responsáveis. Os resultados demonstraram que a
consulta de enfermagem tem papel determinante, evitando a suspensão de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais.
Concluiu-se, também, que a ausência aos procedimentos cirúrgicos de crianças atendidas pela consulta de enfermagem
foi por motivos de condições clínicas desfavoráveis da própria criança.
Palavras-chave: Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais; Cuidados de Enfermagem; Pediatria.
ABSTRACT
This is a descriptive and exploratory study using a quantitative approach. It aims at profiling the users of pediatric
ambulatory surgery, at identifying pediatric surgical procedures and the determinants for the deferral of pediatric
surgeries, as well as the deferral’s relationship with the children not being attended by a nurse. The research was
developed at an ambulatory surgery unit and a pediatric surgery polyclinic in the municipality of Rio de Janeiro, from
August of 2008 to December of 2009. The source of data collection was the institutions’ medical records on the surgical
care of children aged less than 12 years old. The records were retrieved from the archives of the surgical clinic and the
ambulatory surgery unit (medical and nursing visit records). Data obtained through phone calls to the family during
pre-and postoperative were also used. A total of 434 children participated on the study. The predominant profile was:
male, aged between four and six years old, submitted to circumcision, attending or not nursing visit.
Keywords: Ambulatory Surgical Procedure; Nursing Care; Pediatrics.
RESUMEN
Estudio exploratorio descriptivo con enfoque cuantitativo que busca trazar el perfil de los usuarios de cirugía pediátrica
ambulatoria, identificar los procedimientos pediátricos y conocer los fatores determinantes de la suspensión de cirugías
pediátricas y su correlación con el hecho de no haber sido atendidos por enfermería. El estudio se llevó a cabo en
la unidad de cirugía ambulatoria y en la clínica quirúrgica pediátrica de un policlínico de la municipalidad de Río de
Janeiro entre agosto de 2008 y diciembre de 2009. La fuente para recogida de dados fue: registros institucionales
de atención quirúrgica de niños menores de 12 años encontrados en los archivos de la clínica quirúrgica y los de
la unidad de cirugía ambulatoria (registro impreso de la consulta de enfermería) y las informaciones obtenidas por
las llamadas telefónicas a las familias de los niños en pre y pos operatorio. Participaron del estudio 434 niños. El
perfil predominante fue: niños varones, entre 4 y 6 años, sometidos a circuncisión, con o sin consulta de enfermería.
Palabras clave: Procedimiento Quirúrgico Ambulatorio; Atención de Enfermería; Pediatría.
1
2
3
4
5
6
Enfermeiro. Doutor em Bioquímica Médica. Professor adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da UERJ. Membro do GEPACHS. Orientador
da Pesquisa. E-mail: [email protected]. Telefone: (21) 2721-2619/9363-2239.
Enfermeira. Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista 2009-2010/PROATEC/UERJ.
Enfermeira. Graduada em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista 2008-20009/PROATEC/UERJ.
Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Faculdade de Enfermagem/UERJ.
Responsável pelo Núcleo de Integração Ensino e Serviço da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ.
Enfermeira. Mestre em Tecnologias Educacionais nas Ciências da Saúde. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da
Faculdade de Enfermagem/UERJ. Diretora do Departamento de Assistência e Ensino em Enfermagem da Policlínica Piquet Carneiro/UERJ.
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Faculdade de Enfermagem/UERJ.
Endereço para correspondência – Rua Fagundes Varela, 530/901, Ingá, Niterói-RJ. CEP 24.210-520 E-mail: [email protected].
Telefone: (21) 2721-2619/9363-2239.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
25
Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem
Introdução
A cirurgia ambulatorial tornou-se uma realidade a partir
de 1960, dados os avanços das técnicas cirúrgicas e
das drogas anestésicas, que possibilitam recuperação
rápida do paciente com mínimas complicações. A
cirurgia ambulatorial despontou com o primeiro
serviço inaugurado em 1961, no Butter Worth
Hospital, em Michigan. No ano seguinte, houve a
abertura de unidade semelhante na Universidade da
Califórnia, em Los Angeles, criada por Cohen e Dillon.
Esse serviço foi organizado com base em critérios e
rotinas bem definidos, desde a admissão até a alta do
paciente, pautados por um princípio fundamental: a
“segurança”.1
A cirurgia ambulatorial é definida como procedimentos
cirúrgicos realizados com anestesia geral, local, regional
ou sedação, que requerem cuidados pós-operatórios
pouco intensivos e de curta duração. Essa modalidade
dispensa internação hospitalar por viabilizar a alta em
poucas horas após a realização do procedimento.2
As intervenções em unidades ambulatoriais abrangem
as cirurgias de pequeno e médio portes, sob efeito
de anestesia de diferentes naturezas, tais como
amigdalectomia, rinosseptoplastia, tenorrafia e
miorrafia, correção de fístula arteriovenosa, postectomia,
vasectomia, exérese de nódulo de mama, curetagem
uterina, hemorroidectomia, fissurectomia, remoção
da vesícula biliar por minilaparotomia e biópsias.
Cirurgias pediátricas como herniorrafias, postectomia
e orquidopexia também podem ser realizadas nessas
unidades.2,3
A implantação de serviços de cirurgia ambulatorial
exige seleção criteriosa do paciente, devendo-se
considerar alguns fatores, como idade, condição
física e mental, risco anestésico, atitudes em relação
à cirurgia ambulatorial e situação sociofamiliar. Os
candidatos a procedimentos sob anestesia podem
ser ordenados pela classificação americana de
anestesiologia (American Society of Anesthesiologists
– ASA), pertencendo à classe I – portadores de processo
patológico não sistêmico ou ausência de alterações
fisiológicas bioquímicas ou psíquicas; ou classe II –
portadores de distúrbio sistêmico de grau leve.4
No Brasil, a alta demanda de portadores de afecções
cirúrgicas pode encontrar na cirurgia ambulatorial
uma importante maneira de resolução. A cirurgia
ambulatorial apresenta diversas vantagens: evita
ou diminui o risco de infecção hospitalar; colabora
na redução da ansiedade pré-operatória, tanto do
paciente como de seus familiares; proporciona retorno
mais rápido para o ambiente doméstico e social.
Além disso, reduz os custos para o paciente e para a
instituição, bem como diminui a fila de espera na rede
pública para procedimentos cirúrgicos, deixandoos livre para atendimento de pacientes que exijam
cuidados mais complexos.
26
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
As ações de enfermagem no bloco de cirurgia em
ambulatório são divididas em três fases: a primeira
ocorre no ato da marcação da intervenção cirúrgica,
quando a identificação das necessidades e a orientação
de enfermagem possuem papel fundamental; a
segunda compreende todo o tempo de permanência do
paciente no bloco operatório; e a terceira corresponde
à orientação e à supervisão quanto aos cuidados pósoperatórios.2
Dessa forma, é necessária a avaliação do paciente
identificando os aspectos pré-operatórios diferenciados
na cirurgia ambulatorial, como as condições físicas e os
exames laboratoriais. Assim, a realização da consulta
de enfermagem pré-operatória tornou-se crucial para
minimizar os riscos de complicações pós-operatórios
e ocorrência de suspensões de cirurgias. A consulta
de enfermagem pré-operatória desponta como uma
ferramenta importante para minimizar a ansiedade
gerada pelo enfrentamento de uma intervenção
cirúrgica, uma vez que podem ser identificados
sentimentos, expectativas e nível de informação do
paciente e familiar sobre o procedimento.
Cabe ressaltar que a consulta de enfermagem está
contemplada, como atividade privativa do enfermeiro,
na Lei do exercício profissional nº 7.498/86, no seu art.
11, inciso I, alínea i:
A consulta de enfermagem se dá, rotineiramente,
entre o profissional e o cliente, em interação face
a face, afirmando com isso que deve-se encarar a
consulta de enfermagem não como um simples
procedimento técnico, mas como um rico contexto
de relacionamento interpessoal.
Pode-se inferir que a consulta de enfermagem, sob a
percepção do cliente, no contexto da comunicação
interpessoal, é vista de forma positiva e como um
importante meio para manter uma relação pessoal e
educativa com o cliente.3
A prática de enfermagem perioperatória, no contexto
da cirurgia ambulatorial, constitui uma abordagem
individualizada, cujo planejamento dos cuidados respeita os componentes físicos, psicológicos, sociais e
espirituais de cada paciente. Os cuidados de enfermagem
devem ser coerentes com os padrões da prática de
enfermagem perioperatória estabelecidos e devem
incluir familiares ou outras pessoas significativas durante
a experiência cirúrgica.4
O paciente, ao se preparar para a cirurgia, leva consigo expectativas, dúvidas e temores a respeito
do que vai acontecer. O ambiente estranho, com
pessoas desconhecidas, e as incertezas pela falta de
esclarecimento sobre o contexto cirúrgico têm surgido
como relevantes indicadores da importância da consulta
de enfermagem.
No caso de cirurgia pediátrica, a família representa a
principal fonte de segurança e de apoio para a criança. A
família adequadamente orientada estará em condições
para desempenhar seu papel ”protetor”. Isso propicia
o apoio e a segurança de que a criança precisa para
enfrentar a experiência de um procedimento cirúrgico,
tornando-a mais habilitada para realizar os cuidados
pós-operatórios imediatos, bem como de continuar o
cuidado após a alta da unidade cirúrgica.5
A ausência de crianças ao procedimento cirúrgico, que
não foram atendidas pela consulta de enfermagem,
indica que a falta de esclarecimento adequado sobre
o contexto cirúrgico pode estar contribuindo para a
ausência dessas crianças no centro cirúrgico.
Diante dessa hipótese, optou-se por desenvolver
este estudo, cujos objetivos foram traçar o perfil
dos usuários do ambulatório de cirurgia pediátrica,
identificar os procedimentos cirúrgicos pediátricos
realizados e conhecer os fatores determinantes de
suspensão das cirurgias pediátricas correlacionadas
com o não atendimento dessas crianças pela consulta
de enfermagem.
Os resultados deste estudo poderão subsidiar tomadas
de decisão e o estabelecimento de protocolos específicos,
com o propósito de melhorar cada vez mais a qualidade
de assistência prestada à clientela infantil.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, retrospectivo, com análise quantitativa dos dados. De acordo
com Gil, 6 as pesquisas descritivas são capazes de
descrever as características de determinada população
e a relação entre suas variáveis, enquanto as pesquisas
exploratórias têm a finalidade de desenvolver, esclarecer
e modificar ideias.
As pesquisas quantitativo-descritivas propõem a análise
das características de fatos ou fenômenos, a avaliação
de programas com a finalidade de fornecer dados para
a verificação de hipóteses.7
Esta investigação ocorreu no âmbito do projeto “Cirurgia
Ambulatorial: cenário de produção de novas tecnologias e
de conhecimento de enfermagem”, vinculado ao Programa
de Apoio Técnico às Atividades de Ensino, Pesquisa e
Extensão, que envolve a Faculdade da Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e o
Departamento de Assistência e Ensino de Enfermagem
da Policlínica Piquet Carneiro da UERJ.
O cenário escolhido foi a Unidade de Cirurgia Ambulatorial
e a Clínica Cirúrgica Pediátrica de uma policlínica no
município do Rio de Janeiro, caracterizada como uma
unidade de saúde do tipo III, autônoma, especializada
e fora do contexto hospitalar. O estudo ocorreu no
período de agosto de 2008 a dezembro de 2009. Os
critérios de seleção e representatividade da população
infantil foram: necessidades cirúrgicas de pequeno e
médio portes, de resolução ambulatorial; faixa etária
de 2 a 12 anos; atendimento na consulta médica e de
enfermagem na Policlínica Piquet Carneiro e aquelas
oriundas da consulta médica do ambulatório do Hospital
Universitário Pedro Ernesto.
O projeto de pesquisa foi enviado ao Comitê de Ética
em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEP/HUPE/
UERJ), e aprovado sob o Parecer nº 1760-CEP/UERJ.
Foi assegurado o anonimato dos sujeitos, assim como
total liberdade de resposta, podendo o participante
interromper sua participação a qualquer momento,
sem que houvesse qualquer prejuízo, de acordo com a
Resolução nº 196/96 CNS/MS.
O levantamento dos dados ocorreu por meio de uma
planilha de Excel, contendo nome da criança, a idade, o
sexo, o procedimento cirúrgico, se foi atendida ou não
na consulta de enfermagem, o motivo de suspensão da
cirurgia. A fonte da coleta foi constituída pelos registros
institucionais (mapa cirúrgico, prontuário e impressos da
consulta de enfermagem), existentes nos arquivos do
Ambulatório de Cirurgia Pediátrica, além de informações
obtidas por meio de telefonemas para a respectiva
família no pré-operatório. O universo estudado totalizou
434 crianças. A estatística descritiva foi utilizada
para a análise, entendendo que os procedimentos
estatísticos capacitam o pesquisador a reduzir, resumir,
organizar, avaliar, interpretar e comunicar a informação
numérica.8
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados coletados dos mapas cirúrgicos e arquivos das
consultas de enfermagem foram consolidados, analisados
e apresentados na forma de gráficos e tabelas.
No período (TAB. 1), 434 crianças com idade entre 2 a
12 anos, oriundas da PPC e do HUPE, foram submetidas
a cirurgia. Houve predominância do sexo masculino
com consulta de enfermagem – 222 crianças (51,14%);
sem consulta – 114 (26,27%); e da faixa etária de 4 a 6
anos (29,71%). O percentual de crianças atendidas na
consulta de enfermagem é significativo, alcançando
222 (51,15%) do sexo masculino e 52 (11,98%) do
feminino. Infere-se aqui a observação de que todas as
crianças, oriundas do HUPE, chegam sem consulta de
enfermagem e são encaminhadas diretamente para
o procedimento cirúrgico. Como integram o universo
de crianças operadas, essa situação implica elevação
do percentual de crianças não atendidas na consulta
de enfermagem e, consequentemente, diminui o
índice geral do atendimento. Isso se deve à fase inicial
de implantação do projeto, que não contemplava o
atendimento de enfermagem das crianças oriundas
do HUPE.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
27
Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem
TABELA 1 – Distribuição de crianças atendidas na clínica cirúrgica pediátrica da PPC, por sexo e faixa etária,
atendidas ou não na consulta de enfermagem, no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009
Idade / Sexo
Com consulta
Masculino
Sem consulta
Feminino
Masculino
Feminino
TOTAL
TOTAL
N
%
N
%
N
%
N
%
N
2 |_______ 4
48
11,05
8
1,84
30
6,91
10
2,30
96
22,11
4 |_______ 6
71
16,35
22
5,07
26
5,99
10
2,30
129
29,71
6 |_______ 8
35
8,06
10
2,30
19
4,38
11
2,53
75
17,28
8 |_______ 10
33
7,6
6
1,38
13
3,00
7
1,61
59
13,59
10 |______12
25
5,76
2
0,46
11
2,53
6
1,38
44
10,14
12 |______
10
2,3
4
0,92
15
3,46
2
0,46
31
7,14
222
51,15
52
11,98
114
26,27
46
10,60
434
Total
%
100
GRÁFICO 1 – Principais procedimentos cirúrgicos
realizados em crianças do sexo masculino, no período
de agosto de 2008 a dezembro de 2009
GRÁFICO 2 – Principais procedimentos cirúrgicos
realizados em crianças do sexo feminino, no período
de agosto de 2008 a dezembro de 2009
De acordo com os dados obtidos apresentados no
GRÁF. 1, é possível notar que, entre os procedimentos
cirúrgicos realizados em crianças do sexo masculino, se
destacam as cirurgias urológicas e gerais, dentre as quais
a postectomia: 213 (59,49%), a herniorrafias inguinal: 60
(16,75%) e 44 (12,29%) umbilical . A evidente prevalência
do sexo masculino está vinculada à maior demanda de
afecções cirúrgicas que ocorrem em meninos, como
postectomia, criptorquidia, orquidopexia e hidrocele,9 e
que são atendidos na Policlínica Piquet Carneiro. Verificase que a fimose é a afecção cirúrgica mais comum, na
especialidade de cirurgia pediátrica, seguida da hérnia
inguinal.
masculino que realizaram a consulta de enfermagem.
Os procedimentos cirúrgicos mais realizados foram as
cirurgias urológicas (postectomia) e gerais (herniorrafias
inguinais e umbilicais).
No GRÁF. 2, revela-se que, entre os procedimentos
realizados em crianças do sexo feminino, a maior
incidência é a realização de herniorrafia umbilical 40
(47,05%) e herniorrafia inguinal 25 (29,41%). Como se
vê, as meninas são mais submetidas a procedimentos
cirúrgicos referentes a hérnias, totalizando 65 (76,45%)
cirurgias. A hérnia inguinal é uma das afecções mais
comuns em ambos os sexos, sendo predominante em
meninas.9
Os resultados desse estudo mostram que, na população
estudada, houve o predomínio de crianças do sexo
28
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
A determinação do perfil das crianças que realizam
cirurgias ambulatoriais contribui para o planejamento de
uma assistência de enfermagem direcionada ao público
infantil, que, dada sua imaturidade, apresenta maior
dificuldade em lidar com situações cirúrgicas.
A consulta de enfermagem é decisiva para a implantação
da Sistematização da Assistência de Enfermagem,
em ambulatório, determinando melhor assistência
aos clientes, redução de suspensão de cirurgias e
de complicações trans e pós-operatórias. Contribui,
também, para a redução das ansiedades vivenciadas
no período cirúrgico e favorece a recuperação pósoperatória.
Conforme apresentado no GRÁF. 3, a maior incidência
de suspensão de cirurgias – 67 (63,80%) – ocorreu
entre crianças que não foram atendidas na consulta de
enfermagem. Entre aquelas que foram atendidas pela
enfermeira na consulta, o percentual de suspensão foi
significativamente inferior – 38 (36.20%). Os resultados
cirurgias na data marcada e de acordo com todas as
condições de segurança requeridas.11
GRÁFICO 3 – Cirurgias suspensas de crianças
atendidas ou não na consulta de enfermagem no
período de agosto de 2008 a dezembro de 2009
demonstram o impacto da consulta de enfermagem na
redução de suspensão dos procedimentos cirúrgicos.
Para o paciente cirúrgico e sua família, o procedimento
anestésico cirúrgico é percebido como uma ameaça
ou desafio. Por meio da consulta, o enfermeiro tem a
oportunidade de oferecer informações, na tentativa de
que haja o deslocamento da percepção de ameaça para o
enfrentamento necessário e resolução de dificuldades.10
Assim, a percepção e a atuação do enfermeiro relativas a
sentimentos de ansiedade da criança e de desinformação
dos membros da família favorecem a realização das
A consulta de enfermagem tem proporcionado
aos candidatos à cirurgia ambulatorial pediátrica a
oportunidade de sanar suas dúvidas, rever conceitos,
minimizar a ansiedade e, principalmente, criar um
vínculo de segurança entre profissional, paciente e
família. Na consulta de enfermagem são diagnosticados
fatores determinantes para a realização/suspensão do
procedimento cirúrgico, muitas vezes em tempo hábil,
para que o procedimento seja realizado.
No GRÁF. 4, verifica-se que dos 105 procedimentos
cirúrgicos suspensos o maior índice dos que foram
atendidos pela consulta de enfermagem ocorreu por
motivo alheio à vontade do paciente: gripe (15,23%),
asma e bronquite (3,8%) e tosse (3,8%). Entre aqueles
não atendidos pela enfermeira, o maior percentual foi
por falta não justificada do paciente (25,71%). No outro
grupo, somente 6 (5,71%) deixaram de comparecer
sem justificativa ao serviço no dia da cirurgia. Essa
constatação representa o grande diferencial decorrente
da realização da consulta de enfermagem, considerado
como um indicador positivo de influência na redução de
ausência da criança no centro cirúrgico, desmistificando
as percepções de medos e anseios das crianças diante
do procedimento cirúrgico.12-14
GRÁFICO 4 – Principais motivos de suspensão de cirurgias das crianças atendidas ou não na consulta de
enfermagem no período de agosto de 2008 a dezembro de 2009
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
29
Cirurgia ambulatorial pediátrica: um estudo exploratório acerca do impacto da consulta de enfermagem
CONCLUSÃO
A identificação do perfil das crianças que realizam
cirurgias ambulatoriais contribui para o planejamento de
uma assistência de enfermagem direcionada ao público
infantil, que, dada sua imaturidade, apresenta maior
dificuldade em lidar com situações cirúrgicas.
Os dados obtidos permitiram evidenciar que houve
o predomínio de crianças do sexo masculino e que
a maioria das crianças foi atendida na consulta de
enfermagem. Os procedimentos cirúrgicos mais
frequentes foram cirurgias urológicas (postectomia) e
gerais (herniorrafias inguinais e umbilicais). É evidente
que a população tem buscado a resolução de problemas
cirúrgicos pediátricos de pequeno e médio portes nos
serviços ambulatoriais.
A consulta de enfermagem proporcionou um atendimento de qualidade, individualizado e de esclarecimentos sobre o contexto cirúrgico. O preparo adequado e
a maior aproximação com as crianças e seus familiares
no pré-operatório consistem importante estratégia para
minimizar a ansiedade gerada pelo contexto cirúrgico,
reduzindo significativamente a ausência das crianças
aos procedimentos programados.
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Data de submissão: 1º/3/2011
Data de aprovação: 14/2/2012
30
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 25-30, jan./mar., 2012
MULHERES COM CÂNCER DE MAMA: INTERAÇÕES E PERCEPÇÕES SOBRE
O CUIDADO DO ENFERMEIRO
WOMEN WITH BREAST CANCER: NURSE-PATIENT INTERACTIONS AND PERCEPTIONS OF NURSING CARE
MUJERES CON CÁNCER DE MAMA: INTERACCIONES Y PERCEPCIONES SOBRE LA ATENCIÓN DE LOS
ENFERMEROS
Wagner Barreto Costa1
Marta Raquel Mendes Vieira2
Weide Dayane Marques Nascimento3
Luciana Barbosa Pereira4
Maisa Tavares de Souza Leite5
RESUMO Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, cujo objetivo foi compreender a percepção das mulheres portadoras
de câncer de mama, durante o tratamento quimioterápico em relação ao cuidado realizado pelo enfermeiro, e analisar
o relacionamento entre eles numa perspectiva de humanização. O instrumento de coleta de dados foi a entrevista
individual com roteiro semiestruturado, realizada após a aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa, sob
o Parecer nº 621/07. Os sujeitos foram nove mulheres com câncer de mama entrevistadas no período de agosto e
setembro de 2008, em dois centros oncológicos de referência no norte do Estado de Minas Gerais, Brasil. A análise de
discurso teve como orientação teórico-metodológica a dialética, o que permitiu a construção de duas categorias: “O
cuidado em múltiplas formas” e “Instrumentos básicos para o cuidado”. Os resultados mostraram que mulheres com
câncer de mama em tratamento quimioterápico reconheceram tanto as habilidades técnicas quanto as humanas do
profissional enfermeiro. Atributos como carinho, atenção, paciência, respeito e proteção na relação do cuidado estiveram
presentes no discurso das participantes e foram destacados como estratégias eficazes da humanização. Conclui-se que
as mulheres perceberam o cuidado de enfermagem de modo humanizado e qualificado, entretanto não diferenciam
o enfermeiro da equipe. Como líder da equipe de enfermagem, cabe a esse profissional dar maior visibilidade à sua
atuação, função e papel exercido na prática do cuidado ambulatorial a mulheres portadoras de câncer.
Palavras-chave: Saúde da Mulher; Câncer de Mama; Cuidados de Enfermagem; Relações Enfermeiro-Paciente.
ABSTRACT
This a qualitative descriptive research conducted with female patients with breast cancer during their chemotherapy treatment.
The objective was to understand these patients’ perception of nursing care and how the relationship between professional
and patient is established, on a humane perspective. Data was collected via individual semi-structured interviews, performed
after the research project approval by the Research Ethics Committee, according to report no. 621/07. The subjects were nine
women interviewed between August and September 2008 at two referral centres for oncology at the north of the state of
Minas Gerais, Brazil. Discourse was analysed according to dialectical theories, out of which two categories emerged: multiple
ways of caring, and basic caring methods. The results revealed that women with breast cancer undergoing chemotherapy
treatment acknowledged the nursing professionals’ technical and human abilities. Attributes such as affection, attention,
patience, respect, and protection connected to caring were present in the participants discourse and were highlighted as
effective humanizing strategies. In conclusion, the patients perceived the nursing care as humanised and qualified; however
they were not able to differentiate the nursing team leader. It is up to this professional to give more visibility to his/her
performance, function, and role played in the practice of ambulatory care to women with cancer.
Keywords: Women’s Health; Breast Cancer; Nursing; Nurse-Patient Relationship.
RESUMEN
Esta es una investigación descriptiva cualitativa realizada con mujeres con cáncer de mama durante el tratamiento
quimioterapéutico. El objetivo del estudio fue comprender la percepción de estas pacientes sobre la atención de enfermería y
cómo se establece la relación entre profesionales y pacientes desde la perspectiva humana. Los datos se recogieron mediante
entrevistas individuales semiestructuradas, realizadas tras la aprobación del proyecto en el Comité de Ética en Investigación,
bajo el edicto 621/07. Se entrevistaron a nueve mujeres entre agosto y septiembre de 2008, en dos Centros Oncológicos de
referencia en el norte del Estado de Minas Gerais, Brasil. El discurso fue analizado según teorías de la dialéctica. Surgieron
dos categorías: múltiples formas de cuidar e instrumentos básicos para el cuidado. Se llega a la conclusión que las pacientes
entrevistadas reconocen las habilidades técnicas y humanas de los enfermeros. En los testimonios de todas las encuestadas
estuvieron presentes atributos como cariño, paciencia, respeto y protección habiendo sido destacados como estrategias
eficaces en el proceso de humanización. Esas pacientes perciben el cuidado de enfermería humanizado y calificado. Sin
embargo, no distinguen al líder del equipo de enfermería. Le corresponde a este profesional dar mayor visibilidad a su
actuación, función y rol desempeñado en la práctica del cuidado ambulatorio a las mujeres con cáncer.
Palabras clave: Salud de la Mujer; Cáncer de Mama; Cuidados de Enfermería; Relaciones Enfermero-Paciente.
1
2
3
4
5
Enfermeiro. Pós-graduado em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família. E-mail: [email protected].
Enfermeira. Pós-graduada em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família. E-mail: [email protected].
Enfermeira. Mestranda em Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes)-MG. E-mail: [email protected].
Enfermeira. Mestranda em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Enfermagem da Unimontes. E-mail: [email protected].
Enfermeira. Doutora em Ciências. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Unimontes. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Avenida Cula Mangabeira, 1.517, Santo Expedito, Montes Claros-MG, Brasil. CEP: 39401-001. Telefones: (38) 32142544/ (38)
91178012. E-mail: [email protected].
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
31
Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro
INTRODUÇÃO
O câncer de mama é considerado um grave problema
de saúde pública.1 É o segundo tipo de câncer mais
frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres.
A cada ano, 22% dos casos novos de câncer em mulheres
são de mama. Na Região Sudeste do Brasil, o câncer de
mama é o mais incidente, com um risco estimado de 65
casos novos por 100 mil mulheres.2
Com a confirmação da doença, a mulher com câncer
passa por tratamento que comumente é composto por
cirurgia, quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia e
imunoterapia, que podem ser indicadas isoladamente
ou combinadas entre si.3 Entende-se que o diagnóstico
de câncer, geralmente, representa uma sobrecarga
emocional para o paciente e familiar, podendo provocar
vários transtornos, como depressão, ansiedade e
outros.4
A cirurgia realizada em mulheres com câncer de mama
para extirpação do tumor ou nódulo é denominada
mastectomia, sendo considerada a fase mais traumatizante do tratamento, pois consiste, em muitos casos,
na retirada total da mama, o que gera na mulher uma
sensação enorme de perda e de mutilação.5
Diversos autores, em estudos recentes sobre câncer de
mama em mulheres, trazem contribuições importantes
para o conhecimento do cuidado nas áreas da saúde e
da enfermagem.6-12
O Instituto Nacional do Câncer reconhece o papel do
enfermeiro na equipe multidisciplinar ao afirmar que sua
atuação deve perpassar todas as etapas de assistência,
de modo que tenha início logo após o diagnóstico da
doença e acompanhe a mulher após o momento da alta
até sua reintegração à vida cotidiana.10
O termo “enfermeiro”, abordado neste estudo, referese à categoria profissional, não está relacionado
ao gênero. Esse cuidador mencionado compõe a
equipe multiprofissional que presta assistência aos
pacientes oncológicos e, dada sua própria formação,
pode significar para a cliente com câncer de mama
e para sua família um importante elo na sua relação
com os demais membros da equipe de saúde. Por
meio da consulta de enfermagem, o enfermeiro pode
definir metas de cuidado para a cliente e propor uma
assistência individualizada, humanizada e pautada pelos
principais diagnósticos de enfermagem identificados
em cada situação de cuidado. Portanto, a consulta de
enfermagem deve ser percebida como um instrumento
que pode contribuir para o enfrentamento do câncer de
mama pela mulher e pela família.11
Ao refletir sobre esta temática, pôde-se nortear a
seguinte questão que fundamenta este estudo: Qual é
a percepção das mulheres com câncer de mama sobre o
cuidado promovido pelo enfermeiro e sobre a sua interação
com esse profissional?
Visto que a problemática tem sido pouco explorada pelos
profissionais de enfermagem, nesta pesquisa de campo
objetivou-se compreender a percepção das mulheres
32
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
portadoras de câncer de mama durante o tratamento
quimioterápico em relação ao cuidado promovido pelo
enfermeiro e analisar o relacionamento entre eles numa
perspectiva de humanização.
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
Trata-se de pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva
em que se procurou aprofundar no mundo dos
significados das ações e relações humanas, um lado
não perceptível e não captável em operacionalizações.13
Tal abordagem ofereceu técnicas especializadas para
adquirir respostas profundas sobre o que as mulheres
com câncer de mama pensavam e sentiam em relação
ao cuidado prestado pelo enfermeiro.
O estudo foi realizado em dois centros oncológicos do
município de Montes Claros, localizado no Estado de
Minas Gerais, Brasil. Tais instituições são referência na
Macrorregião de Saúde do norte do Estado de Minas
Gerais para atendimento a clientes com câncer. Os
centros prestam serviço, em sua maioria, a usuários do
SUS em busca de tratamento para todos os tipos de
câncer e atendem mensalmente cerca de 600 pessoas. É
oferecida aos clientes assistência desde o diagnóstico até
a alta hospitalar, disponibilizando ainda grupos de apoio
multiprofissional com enfoque nos aspectos educativo,
social e emocional. Os referidos centros disponibilizam
para o tratamento de câncer de mama, além da cirurgia,
a radioterapia, a quimioterapia e a hormonioterapia. Para
o diagnóstico, as instituições contam com exame clínico,
ultrassonografia, mamografia, biópsia, ductografia e
ressonância magnética.
Participaram do estudo nove mulheres com câncer
de mama atendidas nos referidos centros. Os critérios
de inclusão e seleção ocorreram por acessibilidade,
em que o elemento pesquisado foi autosselecionado
por estar disponível no local e no momento em que a
coleta foi realizada. O número de entrevistas foi definido
pela saturação dos dados, que se refere à sensação de
fechamento, avaliada pelo pesquisador.13 O fechamento
amostral por saturação é operacionalmente definido
como a suspensão de inclusão de novos participantes
quando os dados obtidos passam a apresentar
redundância ou repetição; dessa forma o pesquisador
interrompe a coleta de dados, visto que esta para de
produzir novas informações.
A fase da coleta de dados ocorreu após apreciação do
projeto deste estudo no Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual de Montes Claros, com aprovação
por meio do Parecer Consubstanciado n° 621/07.
O instrumento escolhido foi a entrevista individual com
roteiro semiestruturado, que consiste na técnica mais
usada no processo de trabalho de campo, obtendo-se
dados de natureza objetiva e subjetiva. Ressaltam-se os
que se referem às mulheres entrevistadas em relação a
suas atitudes, crenças, valores e opiniões.
A entrevista foi direcionada pelas questões norteadoras:
O que você acha da assistência prestada pelo enfermeiro
durante o tratamento? Como é construída sua relação
com o enfermeiro durante o seu tratamento? As respostas
foram gravadas com uso de um microgravador, após
anuência das nove mulheres participantes, assinando
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE),
conforme preconizado na Resolução nº 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde, sobre a realização de
pesquisas envolvendo seres humanos.
Com a finalidade de garantir o anonimato e o sigilo
dos sujeitos do estudo, estabeleceu-se um código de
identificação para as nove mulheres participantes: P1,
P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8 e P9. Os dados foram coletados
no período de agosto e setembro de 2008.
Os dados foram interpretados mediante análise de
discurso e classificados por meio de um questionamento
com base na fundamentação teórica, sendo elaboradas
categorias relacionadas a um conceito central e reunidas
por meio de elementos ou aspectos comuns.
A fim de obter uma adequada análise, foram seguidos
os passos: ordenação dos dados e mapeamento dos
dados; classificação dos dados, que consiste na leitura
exaustiva do material para identificação de temas
relevantes e estabelecimento de categorias temáticas;
e análise final, que é a realização de articulações entre
os dados e autores pesquisados. Após a transcrição e a
leitura dos relatos, foi realizada a seleção das temáticas,
que apareceram como as mais destacadas nas falas
das informantes, ou seja, aquilo que estava sendo mais
importante e problematizado, pertinente aos objetivos
da pesquisa.13
O levantamento das categorias baseou-se nas unidades
significativas, que se mostraram inter-relacionadas
à medida que o assunto ia sendo explorado, o que
proporcionou uma aproximação da visão das mulheres
sobre a humanização e sobre o cuidado recebido. Os
temas comuns foram, então, agrupados em categorias,
que estão explicitadas nos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os temas contemplados pelas mulheres entrevistadas
foram agrupados em duas categorias: “O cuidado
em múltiplas formas” e “Instrumentos básicos para o
cuidado”.
O cuidado em múltiplas formas
O termo “cuidado” origina-se do latim cura e designa
relação de amor e amizade. Implica pensar em alguém,
inquietar-se no espírito para com esse alguém de modo
que a atenção e a preocupação se voltem para ele,
tomando-o como fim. Assim, pode-se dizer que a cura
não se dá unicamente pelo processo curativo-técnico, mas
principalmente pelo sentimento universal da simpatia, da
amizade ou do amor, expressos no cuidado.14
Contudo, curar e cuidar não devem ser entendidos como
processos paralelos, visto que se complementam. O
cuidado humano permeia a ação de várias profissões
ligadas à saúde, mas é na enfermagem que este encontra
a sua singularidade, uma vez que significa a essência
dessa profissão.15
No universo da enfermagem, a “humanização” representa
uma ligação intrínseca com seu instrumento de trabalho,
o cuidado, uma vez que este é caracterizado como
uma relação de ajuda, cuja essência constitui uma
atitude humanizada. O cuidado, portanto, pode ser
colocado como a essência da enfermagem e resulta
em troca de energia e de valores, o que se dá numa
relação que transcende os aspectos técnico-científicos
e tecnológicos,16 estabelecendo-se por meio da interrelação humanística.9
Ao analisar os discursos, buscou-se diferenciar as
percepções do cuidado pelas mulheres entrevistadas
desvelando a técnica do cuidado, cuidado como
acolhimento, apoio psicológico e aspecto espiritual.
Essas diferentes faces do cuidado se entrelaçaram. No
relato que se segue, considerou-se uma percepção
técnica do cuidado quando a mulher disse que, no seu
relacionamento com o cuidador, esse deve “agir como
enfermeiro”, e deve “tratar a doença”. Mas, logo em
seguida, expôs o desejo de um cuidado como de um
amigo ou cuidado espiritual (“da alma”).
Tem que ser um relacionamento de amizade e de
enfermeiro também (risos). E as enfermeiras têm que
tratar a doença e a alma da gente. É isso que elas aqui
fazem. (P1)
O tratamento para o câncer de mama provocou
no indivíduo uma ruptura com seu ambiente
habitual, alterou costumes, hábitos, capacidade de
autorrealização e de cuidado pessoal. Acarretou,
ainda, reações de incertezas gerando angústia diante
do desconhecido, a falta de confiança e a expectativa
do “vir a ser”. Portanto, o enfermeiro deve ajudar
a cliente, atento para a linguagem verbal e não
verbal da mulher, orientando-a sobre seus anseios e
preocupando-se com a melhoria da qualidade de vida.
O “ser enfermeiro” poderá exercer plenamente o ato de
cuidar e possibilitar a superação dos obstáculos. 17,18
Atitudes assim foram vistas pelas mulheres como uma
forma de tratamento da alma.
Compreendendo, ainda, no relato acima, que a
visibilidade do enfermeiro pareceu ser ofuscada, pois a
utilização da expressão isso elas aqui fazem denunciou
uma possível confusão de funções, uma vez que remete
a mais de uma pessoa, sendo que no setor há apenas um
enfermeiro por turno. Contudo, não se pode descartar
a possibilidade de se referirem ao total de enfermeiros
no centro oncológico, já que as clientes, geralmente,
fazem várias sessões de quimioterapia, tendo contato
com mais de um enfermeiro. Os discursos desvelaram, na
percepção de P1, que essas mulheres não diferenciam o
enfermeiro da equipe de enfermagem, pois a expressão
pluralizada induz pensar que se remete a estes, que, na
prática, são os que administram com mais frequência os
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
33
Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro
medicamentos, uma vez que os enfermeiros se ocupam
mais com funções gerenciais.
Cabe à enfermagem e às outras profissões de saúde
(medicina, fisioterapia, psicologia) a construção de
trabalhos que focalizem a atenção na cliente e nas suas
necessidades. As evidências científicas são fundamentais,
mas não podem estar separadas da reflexão, do contato
com a cliente, do desenvolvimento do serviço e da
sensibilidade.17
As mulheres com câncer de mama perceberam o
cuidador como um profissional capacitado, que
lhes dispensava um cuidado de forma adequada,
proporcionando-lhes satisfação da assistência direta.
O relato abaixo evidenciou isso: As enfermeiras sabem
dispensar [...] o cuidado medicamentoso. (P2)
Percebe-se que os profissionais de enfermagem utilizam
competência técnica, conhecimentos científicos
específicos da clínica oncológica, mas também empatia
para compreender o ser humano naquilo que vivencia
com o cliente ou o familiar em um ambulatório
oncológico.19
A experiência de cuidar da paciente mostra que é
imprescindível a atuação conjunta da equipe de saúde
de modo a desenvolver uma prática coerente com o
Modelo de Atenção Integrada à Saúde de pessoas com
câncer, instituído pela Política Nacional de Atenção
Oncológica.20
No estudo em questão, pode-se confirmar tal ideia,
já que o enfermeiro adotou uma conduta estreita no
que se refere à técnica e ao humanismo, exercendo um
cuidado humanizado. Todavia, inferiu-se que a condição
de dependência de doente pode ter levado a cliente a
visualizar a assistência do enfermeiro como diferenciada
(amigável, atenciosa, carinhosa) quando, na verdade,
ele cumpre uma rotina; presta, então, uma assistência
igualitária.
Outro enfoque da percepção do cuidado, segundo as
entrevistadas, foi o cuidado humanizado. O cuidar está
fundamentado num sistema de valores humanísticos
universais, tais como a amabilidade, o respeito, o afeto
por si e pelos outros. A humanização destaca-se, no
espaço assistencial, como um movimento que favorece
a adoção de práticas individualizadas com novas formas
de agir e produzir o cuidado, a assistência e a relação
com o cliente em saúde.21 Tal humanização foi percebida
como acolhimento e apoio psicológico, conforme registros das falas. Todas afirmaram que perceberam um
cuidado humanizado, visto como um acolhimento,
que se deu de forma carinhosa, permitindo lidar com a
doença de maneira menos “chocante” do que esperavam,
acrescentando que:
Desde o primeiro momento fui muito bem assistida. As
enfermeiras são muito boas com nós que temos esta
doença triste. (P3)
Me acolhem com carinho, brincam, aliviam meu
coração do desespero e do medo que a doença dá. Me
34
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
explicam tudo direitinho e quando as coisas acontecem
como cair o cabelo, dá ânsia de vomito por causa da
quimioterapia eu já nem assusto mais. (P4)
As clientes entenderam que o enfermeiro demonstrou
importar-se com elas durante a internação e que ele
valorizou os momentos de dor e de medo que a doença
e o tratamento acarretam. Observou-se o saber ouvir, o
saber “estar com”, o importar-se com o outro. As mulheres
com câncer de mama notaram o esforço dos enfermeiros
em animá-las e mantê-las informadas. A atuação
percebida é similar à proposta por Barreto, quando afirma
que o enfermeiro deve agir de maneira a tentar aliviar o
medo e a ansiedade, explicar os procedimentos que serão
efetuados e buscar meios de facilitar a verbalização de
sentimentos, temores, preocupações, anseios, dúvidas
e expectativas.9
As falas evidenciaram que o enfermeiro não pode nem
deve abrir mão da competência e do rigor da técnica,
mas não deve perder de vista que o ato de cuidar
envolve dois sujeitos: o cliente e o profissional, cujas
singularidades estão acima dos princípios da ciência.
Assim, o enfermeiro que se propõe a trabalhar com
mulheres com câncer de mama deve prestar assistência
que congregue técnica, ciência e humanização, fornecer
todas as informações e orientações, respeitar as
necessidades e o nível de entendimento, reabilitar as
clientes para o auto-cuidado.8-22
De acordo com as entrevistadas, o enfermeiro promoveu,
ainda o apoio psicológico, percebido por elas como
um importante fator de humanização, visto que ele
identifica as preocupações, as ansiedades e os medos,
orientando-as. A equipe de enfermagem tem mais
oportunidade de conviver com essas clientes e, portanto,
experienciar com elas suas dores, seus sofrimentos e,
consequentemente, estabelecer maior vínculo com a
fragilidade humana.8
Por meio de uma conduta cuidadosa e calma, o
enfermeiro pode ajudar a mulher a diminuir a ansiedade
diante do diagnóstico e durante o tratamento, já que os
medos podem influenciar na terapia e comprometer o
processo de promoção da saúde.21 Assim, a mulher com
câncer precisa de ajuda profissional, e o enfermeiro como
facilitador do processo educativo e terapêutico pode
auxiliá-la nesse sentido. Para isso, exige-se sensibilidade
perante cliente e à família.
Não sei o que teria sido de mim se não fosse o apoio
das enfermeiras. Senti tanto medo de enfrentar meu
marido quando tive que tirar o seio, mas elas me
apoiaram, chamaram ele para conversar e explicaram
que eu precisava do apoio dele agora mais do que
nunca. (P5)
As enfermeiras foram as que mais me apoiaram. (P4)
São bastante humanos e pessoalmente foram
carinhosas com o meu problema. [...] as enfermeiras
dão apoio pessoal pra mim. (P6)
Ainda bem que as enfermeiras sempre acham um
tempinho para conversar comigo. Essa doença não é
fácil. Tem dia que eu choro, mas é assim mesmo. Vou
vencer essa batalha como a enfermeira me disse. (P7).
O medo é um sentimento que está presente em
todos os momentos por que passa a cliente. A doença
expõe a vulnerabilidade do ser humano: “Talvez seja
na doença que o sujeito tem máxima percepção de
sua vulnerabilidade”.15:767 O câncer, particularmente,
é carreado de estigma, o que justifica o medo e a
ansiedade de ter de encarar o problema ao aparecimento
dos primeiros sinais e sintomas, da hospitalização, da
quimioterapia, da radioterapia, dos efeitos adversos,
do medo de recidiva e, principalmente, da morte.21 Tais
colocações foram confirmadas nos depoimentos:
Desde o primeiro dia que aqui cheguei para fazer o
tratamento, já sabendo que estava com câncer de
mama, as enfermeiras foram e continuam sendo muito
carinhosas comigo. Estou ameaçada de perder meu seio
esquerdo, e isto me dá muito medo. Fiquei imaginando
que nunca mais ia poder usar um biquíni, ir à praia ou
piscina. Mas as enfermeiras me tranquilizaram, me
mostraram fotos de pessoas que passaram por esse
problema e reconstituíram o seio. Me contaram o caso
de uma atriz. Hoje assisto à novela e fico aliviada de
saber que esta é uma doença que tem cura. (P7)
Outro fator essencial a considerar, principalmente em
mulheres jovens que possuem o câncer em questão, é que
a mama, além da amamentação, está diretamente ligada
ao prazer sexual e, consequentemente, à feminilidade.
Além disso, marca o início do amadurecimento
do aparelho reprodutor, sendo determinantes no
desenvolvimento físico da mulher. 9 É inegável sua
valorização diante da estruturação da imagem corporal.
A fala acima demonstrou tais percepções.
A humanização foi enfocada ainda em seu aspecto
espiritual, conforme relato a seguir:
As enfermeiras sabem dispensar o cuidado espiritual e
pessoal a todas nós que estamos passando pelo trauma
do câncer de mama. (P2)
As mulheres deixaram claro que veem o cuidado
humanizado como o domínio da técnica aliado ao
apoio espiritual, psicológico, pessoal e até material. E
confirmaram receber esse apoio, até mesmo suporte
material quando chegavam da área rural do município
e não tinham onde ficar para concluir o tratamento. Elas
pareceram valorizar um cuidado diferenciado e esperavam
ser tratadas em dois ângulos: corpo e alma. Na verdade, o
fato de a cliente perceber o cuidado como humanizado
pode estar relacionado à carência psicossocial em âmbito
familiar, levando à sensação de conforto em ambiente
fora de seu domicílio. Os familiares são apontados como
elementos importantes na recuperação de mulheres
com câncer de mama; contudo, observa-se que eles
devem também ser alvos de cuidados porque adoecem
juntamente com o paciente.6
Dessa forma, o grande desafio para os profissionais
de saúde, seres humanos, encontra-se em combinar
trabalho e cuidado, uma vez que eles não podem se
colocar em lados opostos, já que “juntos constituem a
integralidade da experiência humana, por um lado, ligada
à materialidade e, por outro, à espiritualidade”.21:97
Instrumentos básicos para o cuidado
A assistência de enfermagem consistiu no encontro
entre o enfermeiro com aquele que necessitava de
cuidados e com os seus familiares; encontro que, a
partir do primeiro momento, aproximou o profissional
e o cliente, possibilitando interação, construção da
confiança, auxiliando no processo de viver saudável –
instrumentos utilizados numa assistência humanizada.
O cuidado de enfermagem incluiu o diálogo, o saber
ouvir, a segurança, a valorização das queixas e o apoio
dos familiares. Além disso, na assistência e no cuidado em
saúde, os gestos e as expressões faciais apresentaram-se
mais importantes que a comunicação verbal. Existem
alguns princípios e valores que devem prevalecer e
nortear a relação entre equipe de enfermagem e cliente:
respeito pelo outro, informações claras e precisas e,
ainda, reconhecimento do outro como ser único e com
desejos próprios.12
O enfermeiro respondeu a necessidades emergentes da
doença e de seu tratamento, agiu como um elo entre o
cliente e a instituição. Cuidar da saúde das pessoas não
significa lidar apenas com suas enfermidades, mas vê-las
como seres abertos ao mundo. Assim, o profissional e o
cliente se relacionam e deixam aparecer seu modo de
ser, constroem ou desconstroem relações.19
No estudo desenvolvido, as respostas das entrevistadas
demonstraram que o cuidar/cuidado de pessoas
acometidas pelo câncer de mama constituiu uma
construção social, resultante da interação com os
enfermeiros. Os profissionais, ao interagir com as
mulheres, construíram símbolos positivos, refletidos no
modo de cuidar durante a hospitalização.
A relação entre enfermeiros e mulheres foi percebida
por estas de modo mais próximo, mais íntimo, o que
facilitou a comunicação. As falas a seguir elucidam tais
considerações:
Não há o que mudar no relacionamento entre nós e as
enfermeiras. Elas são nota dez, dão carinho, dispensam
todos os cuidados possíveis. Não tenho do que reclamar.
(P8)
Espero continuar recebendo o carinho e apoio que
recebo das enfermeiras daqui. É assim com essa alegria
e humildade que o enfermeiro tem que tratar nós que
estamos passando por essa tristeza e sofrimento todo.
Tem que ser um relacionamento de amizade e de
enfermeiro também (risos). (P2)
E elas são como amigas pra nós. Parece até que eu já
conhecia elas antes de ficar doente de tanto que elas
me trata bem. (P3)
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
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Mulheres com câncer de mama: interações e percepções sobre o cuidado do enfermeiro
A maior intimidade na relação foi reconhecida como
amizade, carinho e respeito. Tal reconhecimento vai ao
encontro de afirmações que definem o cuidado como
um relacionamento interpessoal originado no sentido de
ajuda e confiança mútuas, que se desenvolve com base
em valores humanísticos e conhecimentos científicos.
O cuidado humano é uma forma de expressão e
relacionamento com o outro ser e com o mundo, e não
apenas uma atividade ou tarefa; é uma atitude ética
em que os seres humanos reconhecem os direitos uns
dos outros.21
familiares. Mas reconheciam no enfermeiro alguém com
condições de lhes dispensar esse apoio pretendido.
Percebe-se que as mulheres com câncer de mama
esperam receber dos enfermeiros um cuidar que ganha
o significado de uma atenção especial que é mais que
um ato singular ou uma virtude ao lado de outras. É um
modo de ser, na forma como as pessoas se estruturam
e se realizam no mundo com os outros.21
A relação enfermeiro/cliente foi sentida como interativa,
uma vez que foi permeada pelo diálogo e pela
cumplicidade, além de ter sido reconhecida como uma
relação terapêutica, ancorada no apoio e encorajamento
contínuo e sincero. Os depoimentos apresentados
reforçaram a importância de um cuidado mais qualitativo
e humano em oncologia e a importante contribuição
que pode ser dada pelo enfermeiro no seu cuidar
diferenciado. As mulheres ainda reconheceram o
cuidado dispensado pelo enfermeiro como importante
no seu tratamento e reabilitação.
Quando as mulheres com câncer receberam apoio,
carinho, atenção, orientação, sentiram-se seguras como
se tais suportes partissem de um familiar. A família
representa toda a força, o ânimo e o apoio de que as
portadoras de câncer necessitam para prosseguir o
tratamento, tornando-se um contribuinte na recuperação
psicológica da mulher. Contudo, nem sempre o familiar,
como o marido, está preparado para aceitar o ocorrido,
como uma mastectomia, causando mais conflitos
na cliente. O cônjuge demonstra sentimentos de
insegurança, preocupação com a morte da esposa e, às
vezes, incerteza no desempenho das atividades do lar
e no cuidado da mulher.6 Por outro lado, o enfermeiro
está acostumado a lidar com a situação e as diferentes
reações manifestadas pelas mulheres com câncer ao
longo do tratamento, o que facilitou essa relação de
apoio e cumplicidade.
É imperativo que o enfermeiro estabeleça um canal
de comunicação aberto, condição indispensável
para a assistência em saúde da família, na estrutura
operacional do processo terapêutico e acompanhamento
emocional, bem como na orientação sexual do casal.6 O
relacionamento enfermeiro/cliente passou, portanto,
a ser visto como agradável; mais do que amigável, é
fraternal e necessário para as entrevistadas. É o que
pode ser observado em alguns depoimentos nos quais
a relação com o enfermeiro foi definida como uma
relação familiar.
Olha, nem a minha família me tratou com tanto carinho
igual às enfermeiras. (P9)
Elas se preocupam comigo como se eu fosse da família
delas. Quando chego perguntam como tenho passado,
perguntam pelo meu filho, querem saber como meu
marido esta recebendo a situação que estou vivendo.
(P2)
Por meio dos discursos, todas as clientes deixaram
implícita ou explícita a necessidade da presença de
algum membro de sua família. De maneira geral, as
mulheres sentiam dificuldade em lidar com sua doença e
precisavam de um suporte emocional, normalmente dos
36
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
No cuidado, há uma atitude favorável à nossa natureza
que nos impede de nos tornarmos desumanos no
sentido comportamental. Assim, se queremos resgatar
o cuidado, temos de nos abrir aos sentimentos, que
nos unem e nos envolvem com o próximo. Será esse
o caminho para o usuário dos serviços de saúde sair
do esquecimento, voltando a fazer caso dele. Assim, a
atividade de enfermagem passará a ser verdadeiramente
o cuidado.14
Confirma-se a ideia de que a saúde não pode estar
limitada ao âmbito puramente biologicista, mas, sim,
envolvida com o ambiente econômico, social e cultural
nos quais os seres humanos estão inseridos.23 Os discursos
deixaram explícitos a valorização e o reconhecimento da
assistência prestada pelo enfermeiro, já que compreende
o ser humano e sua família como alvo do cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo possibilitou-nos compreender a percepção
sobre o enfermeiro na visão das mulheres vivenciando
o câncer e ainda refletir sobre a prática do cuidado
prestado por esse profissional, além de elucidar parte
dos anseios, medos, angústias, dúvidas e incertezas das
portadoras de câncer de mama.
As mulheres em tratamento de câncer de mama
perceberam o cuidado prestado pelo enfermeiro como
uma relação dialógica entre o profissional e a cliente/
família. Tal relação, segundo as entrevistadas, foi
permeada pela confiança e pelo apoio. O vínculo a ser
estabelecido entre eles não se ancoraram apenas nas
competências técnicas, mas também nas competências
humanas, como esperança, carinho e respeito.
Tanto as habilidades técnicas quanto as humanas
do enfermeiro foram reconhecidas pelas clientes. Os
discursos revelaram aspectos como carinho, atenção,
paciência, respeito e proteção na relação do cuidado
e foram destacados como instrumentos eficazes da
humanização. A competência técnica também foi
enfatizada sendo relacionada à segurança e ao apoio,
tão necessários nessa fase da vida.
A habilidade de interagir e o estar aberto ao outro, aliados
aos conhecimentos e habilidades técnicas, permitiram
uma assistência individualizada e favoreceram o bemestar das clientes e familiares.
Assim, é necessário enfatizar que o enfermeiro deve
ser um participante educador, ativo e transformador
nas equipes multidisciplinares; atuar com ética e
conhecimentos específicos da área; contribuir para
desmistificar o estigma que representa o câncer para
a mulher e a sua família; e, portanto, permitir melhor
qualidade de vida.
Na busca pela melhoria da atenção à saúde, gestores
e enfermeiros devem refletir sobre a necessidade de
rever a prática de cuidados ao usuário com câncer e sua
família, bem como sobre as políticas públicas existentes,
trabalhando com práticas baseadas na integralidade e
na inserção do acolhimento e humanização.
As mulheres perceberam o cuidado de enfermagem
prestado como humanizado e qualificado; entretanto,
cabe aos enfermeiros, como líderes da equipe de
enfermagem, dar visibilidade à sua função. Verificou-se
que o desenvolvimento das competências humanas
constitui um diferencial da prática do cuidado em saúde
realizado pelo enfermeiro.
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Data de submissão: 1º/7/2010
Data de aprovação: 10/9/2011
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 31-37, jan./mar., 2012
37
PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO E CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EM
UM SERVIÇO AMBULATORIAL DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA EM BELO
HORIZONTE
SOCIO-DEMOGRAPHIC AND CLINICAL PROFILE OF PATIENTS TREATED IN AN OUTPATIENT
PALLIATIVE CHEMOTHERAPY CLINIC IN BELO HORIZONTE
PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO Y CLÍNICO DE PACIENTES ATENDIDOS EN UN SERVICIO AMBULATORIO
DE QUIMIOTERAPIA PALIATIVA DE BELO HORIZONTE
Raissa Silva Souza1
Delma Aurélia da Silva Simão2
Elenice Dias Ribeiro de Paula Lima3
RESUMO
O objetivo com esta pesquisa foi identificar o perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes atendidos em um serviço
ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte. Trata-se de estudo descritivo, com abordagem quantitativa.
Foram entrevistados 70 pacientes submetidos a quimioterapia paliativa entre os meses de outubro de 2010 a fevereiro
de 2011. Os dados foram inseridos no Programa SPSS e analisados utilizando-se estatística descritiva. O estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o nº 0388.0.203.000-10, de 15/9/2010, e os sujeitos consentiram
formalmente em participar. A população, em sua maioria, constituiu-se do sexo feminino, com média de 56 anos de
idade, baixo nível de escolaridade e de renda. Os principais sítios primários do câncer foram: mama (n=31; 44,3%) e trato
gastrintestinal (n= 21; 30%). A maioria apresentava apenas uma metástase (61,4%, cujos principais órgãos acometidos
foram fígado, ossos e pulmões, e 70% da amostra encontrava-se na faixa considerada de capacidade funcional estável.
Quanto à ocorrência de sintomas, todos os domínios apresentaram de baixa a moderada pontuação. O escore de
ocorrência de sintomas apresentou a mediana geral de 16,50 (M= 17,09; DP=10,05). Para o escore de intensidade do
estresse relacionado aos sintomas, obteve-se a mediana de 5,5 (M=8,91; DP=9,07). A experiência de sintomas obteve
a mediana de 23,5 pontos (M= 26; DP= 17,96). O perfil predominante foi o de pacientes com boa capacidade funcional
e com condições de desenvolver relativamente bem suas atividades de vida diária (AVDs). Uma pequena porcentagem
dos pacientes encontrava-se com capacidade funcional afetada, os quais se beneficiariam grandemente de um serviço
de assistência paliativa domiciliar.
Palavras-chave: Assistência Paliativa; Enfermagem Oncológica; Assistência Ambulatorial.
ABSTRACT
This study aimed at identifying the socio-demographic and clinical profile of patients treated in an outpatient palliative
chemotherapy unit in Belo Horizonte. It is a descriptive study using a quantitative approach. Data were collected
through interviews with 70 patients who underwent palliative chemotherapy between October 2010 and February
2011. Data were entered into the SPSS program and analysed using descriptive statistics. The study was approved
by the Research Ethics Committee under report nº. 0388.0.203.000-10 from 15/09/2010. The research subjects gave
their informed consent to participation in the research. The subjects were mostly female; their average age was 56
years, with a low education level, and a low income. The main primary sites of cancer were: breast (n = 31; 44.3%),
and gastrointestinal tract (n = 21; 30%). The majority had only one metastasis (61.4%), the main organs affected were
liver, bone and lungs. 70% of the sample presented a stable functional capacity. As to the occurrence of symptoms, all
areas had a low to moderate scoring. The occurrence of symptoms score showed an overall median age of 16.50 (M
= 17.09; SD = 10.05). The intensity of stress-related symptoms score obtained median of 5.5 (M = 8.91, SD = 9.07). The
experience of symptoms had a median score of 23.5 points (M = 26, SD = 17.96). The predominant profile was patients
with good functional capacity and relatively good ADL index score. A small percentage of patients presented their
functional capacity affected, and they would benefit greatly from palliative home care.
Keywords: Palliative Care; Oncology Nursing; Ambulatory Care.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue identificar el perfil sociodemográfico y clínico de pacientes tratados en un servicio
ambulatorio de quimioterapia paliativa de Belo Horizonte. Se trata de un estudio descriptivo con enfoque cuantitativo. Se
entrevistaron a 70 pacientes sometidos a quimioterapia paliativa entre octubre de 2010 y febrero 2011. Los datos fueron
introducidos en el SPSS y analizados mediante estadística descriptiva. El estudio fue aprobado por el Comité Ético
1
2
3
Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista do Programa Capes/Reuni. Especialista em Enfermagem Hospitalar –
Terapia Intensiva/UFMG.
Mestranda em Enfermagem pela UFMG. Bolsista do Programa Capes/Reuni, Especialista em Enfermagem Hospitalar – Oncologia/UFMG.
Doutora em Research and Theory Development pela New York University. Professora adjunta da UFMG. Subcoordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Cuidado e Desenvolvimento Humano da UFMG.
Endereço para correspondência – Rua Padre Francisco Arantes nº 151, apto. 503, Bairro Vila Paris. CEP: 30380-730. Belo Horizonte-MG – Brasil.
E-mail: [email protected].
38
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
de Investigación bajo el N º 0388.0.203.000-10 15/09/2010 y los sujetos consintieron formalmente en participar. Los
resultados indican que predominan mujeres, edad promedio de 56 años, bajo nivel de ingresos y de educación. Principales
sitios primarios de cáncer: mama (n = 31, 44,3%) y tracto gastrointestinal (n = 21; 30%). La mayoría presentaba una sola
metástasis (61,4%), los principales órganos afectados eran hígado, huesos y pulmones. 70% de la muestra presentó
capacidad funcional estable. Todas las áreas mostraron entre baja y moderada puntuación para la aparición de síntomas. El
escore de incidencia de síntomas mostró promedio general de 16,50 (M = 17,09, SD = 10.05). El escore de intensidad de
síntomas asociados al estrés obtuvo promedio de 5,5 (M = 8,91, SD = 9,07). La experiencia de síntomas fue promedio 23,5
puntos (M = 26, SD = 17.96). Llegamos a la conclusión que el perfil predominante fue de pacientes con una buena capacidad
funcional y condiciones relativamente buenas para desarrollar sus actividades de vida diarias. Un pequeño porcentaje
de pacientes con capacidad funcional afectada se beneficiarían mucho con cuidados paliativos domiciliarios.
Palabras clave: Cuidados Paliativos; Enfermería Oncológica; Atención Ambulatoria.
INTRODUÇÃO
A população brasileira está envelhecendo rapidamente.
Consequentemente, o Brasil tem experimentado uma
importante transição epidemiológica, com alterações
relevantes no quadro de morbimortalidade. Em menos
de 40 anos, o País passou de um perfil de mortalidade
típico de uma população jovem para um retrato
caracterizado por enfermidades complexas e mais
onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas.1
Além disso, mudanças atuais nos padrões de vida em
relação ao trabalho, nutrição e consumo em geral expõem
os indivíduos a fatores ambientais mais agressivos,
relacionados a agentes químicos, físicos e biológicos
resultantes de um processo de industrialização cada
vez mais evoluído. Essa maior exposição das pessoas
a fatores potencialmente danosos, também, tem
colaborado para o aumento da incidência das doenças
crônico degenerativas, dentre elas o câncer.2
Dentre as diversas causas de morbimortalidade no
mundo, o câncer é a única que continua a crescer,
independentemente do país ou continente, e, nos países
em desenvolvimento, é atualmente responsável por uma
entre dez mortes. Por esse motivo, configura-se como
um grave problema de saúde pública.3
A Agência Internacional para Pesquisa em Câncer
declarou, em recente relatório publicado pelo Instituto
Nacional do Câncer (Inca), que o impacto global do
câncer excedeu o dobro em 30 anos, sendo que as
maiores taxas de incidência são encontradas nos
países desenvolvidos (Estados Unidos, Itália, Austrália,
Alemanha, Canadá e França).4
No Brasil, as estimativas para 2010-2011 apontam para
a ocorrência de 489.270 casos novos de câncer, com
distribuição heterogênea entre os Estados e as capitais
do País. As regiões Sul e Sudeste, de maneira geral,
apresentam as maiores taxas, enquanto as regiões Norte
e Nordeste, as menores.4
Mundialmente, o termo "câncer" é usado para denominar
um conjunto de mais de cem doenças cuja característica
fundamental é o crescimento celular desordenado e,
portanto, maligno, de células que adquirem a capacidade
de invadir tecidos e órgãos e, assim, provocar metástases
para outras regiões do corpo.5,6
Nos locais do corpo onde os tumores se alojam, à medida
que crescem, começam a comprometer o funcionamento
dos órgãos e a provocar sintomas que acabam por
prejudicar a qualidade de vida da pessoa. A maior parte
das mortes relacionadas ao câncer está associada às
metástases espalhadas pelos tumores malignos, as quais
são responsáveis por, aproximadamente, 90% dos óbitos
causados pela doença.7
Quando o câncer se torna metastático, entende-se
que a pessoa acometida não mais se beneficiará dos
tratamentos modificadores da doença, cujo objetivo
é exclusivamente a cura. Essas pessoas encontram-se
fora de possibilidade terapêutica de cura, porém, com
um bom tratamento, podem ter expressivo aumento
de sobrevida.8
O modelo assistencial proposto a essas pessoas fora de
possibilidade terapêutica de cura tem como principal
objetivo permitir que elas sobrevivam o máximo possível
e com a mesma qualidade de vida que teriam se não
fossem portadores de neoplasias malignas.5 Esse modelo
é descrito na literatura como tratamento paliativo,
assistência paliativa ou cuidados paliativos. 9,10 Usamos,
neste trabalho, a denominação “cuidados paliativos”.
O termo “paliativo” vem do latim palio, nome dado a
uma espécie de cobertura ou toldo, que na Antiguidade,
protegia reis e autoridades e que hoje é utilizado pela
Igreja Católica para cobrir o Santíssimo Sacramento nas
procissões. Por analogia, paliativo indica algo que cobre
e protege uma pessoa considerada de grande valor e
dignidade. A vida humana, mesmo sem possibilidade
de cura, ainda que limitada por deficiências físicas ou
sofrimento, terá sempre grande valor e dignidade,
devendo receber o melhor cuidado possível.11
Os cuidados paliativos constituem um modelo
recentemente incorporado pela Organização Mundial
de Saúde aos programas direcionados às pessoas com
câncer, como uma das prioridades na atenção. São
definidos como “uma abordagem que visa melhorar a
qualidade de vida dos doentes – e suas famílias – com
problemas decorrentes de uma doença incurável e com
prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do
sofrimento”. 12
Fornecer cuidados paliativos simultaneamente ao
tratamento oncológico-padrão tem sido a estratégia
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
39
Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte
defendida pela Organização Mundial de Saúde, para
que, pela somatória de esforços de uma equipe
multidisciplinar, seja oferecido o máximo de bemestar físico, psíquico e social à pessoa com câncer.11,12
A Sociedade Americana de Oncologia Clínica apoia
essa proposta, entendendo que os cuidados paliativos
são mais eficazes quando incorporados à assistência
oncológica, integrando os outros modelos de tratamento,
desde o diagnóstico da doença.13
A proposta dos cuidados paliativos inclui a avaliação
multidimensional da pessoa no intuito de identificar,
prevenir e aliviar sintomas que possam estar
ocasionando sofrimento. Além disso, prevê a consecução
das atividades nos níveis de atenção, de acordo com a
demanda, em que a equipe interdisciplinar favorece
o cuidado integral e integrador, com vista à contínua
melhoria e excelência da assistência.8,14,15
Para atender às demandas de cuidado advindas da
pessoa com doença em fase avançada, com metástases
regionais ou a distância, intervenções específicas podem
ser implementadas. Além dos tratamentos sintomáticos,
podem ser destacadas a cirurgia, a radioterapia, a
hormonioterapia e a quimioterapia, todas com finalidade
paliativa. 16
A quimioterapia consiste no emprego de substâncias
químicas isoladas ou em combinação, que atuam no
nível celular, interferindo no seu processo de reprodução.
Quando empregada com finalidade paliativa, beneficia a
pessoa pela redução do tamanho da massa tumoral, com
consequente melhora no metabolismo e redução dos
sintomas, não repercutindo, obrigatoriamente, sobre sua
sobrevida.4,5 Esse tratamento pode aumentar o intervalo
livre de doença, corroborando não apenas para com o
aumento da sobrevida, mas também com a melhora da
qualidade de vida. Independente da via de administração,
a quimioterapia paliativa é de duração limitada, tendo
em vista a incurabilidade do tumor (estádio IV, doença
recidivada ou metastática) que tende a se tornar
progressivo a despeito do tratamento aplicado.4,17
A ideia de quimioterapia paliativa é relativamente nova.
Apenas nas últimas décadas o alívio dos sintomas se
tornou um importante componente das pesquisas
clínicas em oncologia. Nesse ínterim, apesar de
determinado que a doença esteja fora da possibilidade
de cura, a quimioterapia ainda pode ser usada para
aliviar sintomas e retardar o progresso da doença,
prolongando a vida com melhor qualidade, o que
dependerá intimamente do protocolo terapêutico
adotado, da dose e da via de administração.18 Contudo, o
uso de quimioterapia em estádios avançados de câncer
com o foco em medidas de conforto ainda permanece
controverso. O uso de quimioterápicos não é livre de
riscos, notório até mesmo por causar efeitos colaterais
estressantes. Os riscos podem sobrepujar os potenciais
benefícios e afetar drasticamente a qualidade de vida
do paciente, conceito central em cuidados paliativos
oncológicos.19,20
Alguns autores consideram o estado de desempenho
pessoal como o melhor indicador de risco versus
40
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
benefício. Se o estado de desempenho estiver restrito,
há maior probabilidade de a pessoa desenvolver sérios
efeitos adversos à quimioterapia.19, 21
A Organização Mundial de Saúde entende que, para que
os cuidados paliativos sejam eficazes, há necessidade de
abordagem por uma equipe interdisciplinar.13 Entendese que a equipe interdisciplinar seja o resultado do
conhecimento e do respeito da competência de cada
profissional, permeado pela comunicação clara e franca
entre os membros.22
Os objetivos da atuação das equipes de cuidados
paliativos são o emprego adequado da comunicação,
o controle efetivo da dor e dos sintomas e a adaptação
do organismo, visando à manutenção da qualidade
de vida.23 As contribuições da equipe de enfermagem
são fundamentais para que se alcancem os objetivos
propostos, visto que cuidar é a essência dessa profissão,
assim como base dessa modalidade assistencial.17 Além
disso, a presença do cuidado é facilmente reconhecida
como uma necessidade nos momentos críticos da
existência do ser humano, isto é, o nascimento, a doença
e a morte.24
O cuidado paliativo de enfermagem implica, principalmente, a relação entre as pessoas que cuidam e
as que são cuidadas, sendo as intervenções técnicas
secundárias à relação que se estabelece entre equipe de
cuidados e pacientes.25 Nessa conjuntura, torna-se um
desafio para a equipe de enfermagem a construção de
seu fazer, considerando as dimensões éticas, subjetivas,
técnicas e institucionais do cuidado e os valores,
sentimentos e limites do ser cuidado.26
Para o alcance dos objetivos propostos, é necessário
ir além da interação entre o enfermeiro e a pessoa. Os
profissionais necessitam se instrumentalizar para a
avaliação acurada dos sintomas, da qualidade de vida,
da capacidade funcional pessoal e das necessidades
de cuidados existentes, além de conhecer as medidas
farmacológicas e não farmacológicas usadas na
abordagem dos sintomas.22 O enfermeiro é responsável
por sensibilizar toda a equipe de enfermagem,
estimulando o desenvolvimento de competências
humanísticas no mesmo nível em que se estimula a
competência técnico-científica.26
Por tudo isso, para a implementação dos cuidados
paliativos com qualidade é importante conhecer e
descrever características específicas da população
em quimioterapia paliativa com vista a favorecer a
individualização da assistência. A proposta com este
estudo foi, portanto, identificar o perfil sociodemográfico
e clínico dos pacientes atendidos em um serviço
ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo
Horizonte. Esse conhecimento, certamente, poderá
subsidiar o planejamento de cuidados prestados a
essas pessoas, favorecendo a aproximação do cuidado
à realidade vivenciada por elas.
Destaque-se que este trabalho faz parte de um projeto
de mestrado intitulado “Perfil sociodemografico e
de saúde dos pacientes atendidos em um serviço de
cuidados paliativos em Belo Horizonte”.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem
quantitativa, realizado em um ambulatório de
quimioterapia de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Local
O local do estudo foi um ambulatório de um hospital
universitário de grande porte de Minas Gerais. Esse
ambulatório atende às especialidades de oncohematologia adulta e pediátrica, cirurgia ambulatorial,
endocrinologia e saúde mental, e oferece atendimento
ambulatorial quimioterápico. Funciona de segunda
a sexta-feira, das 7 às 18 horas, com capacidade para
realizar 15 mil atendimentos por mês nas diversas
especialidades. Atende, diariamente, entre 50 e 60
pacientes para esse tipo de tratamento. Os pacientes
permanecem no mínimo 45 minutos e no máximo 6
horas recebendo medicação por via endovenosa. As
sessões de quimioterapia são marcadas após consulta
médica ambulatorial previamente agendada, quando se
determina a quantidade e a frequência das aplicações.
Coleta de dados
Os dados foram coletados em um período de quatro
meses, entre outubro de 2010 a fevereiro de 2011,
alcançando uma amostra de 70 pacientes. Os critérios de
inclusão foram: estar em tratamento quimioterápico de
modalidade paliativa, ser maior de 18 anos e estar lúcido
e em condições de se comunicar verbalmente.
Os pacientes foram selecionados no setor administrativo,
por meio do levantamento das Autorizações para
Procedimentos de Alto Custo/Complexidade (APACs),
registradas como quimioterapia paliativa. Após a obtenção
do nome e registro desses pacientes, verificou-se qual a
data agendada para a quimioterapia seguinte de cada
um. Nas datas agendadas para comparecimento dos
pacientes selecionados, a investigadora os abordava,
explicava o objetivo da pesquisa, verificava o interesse e
a disponibilidade em participar e solicitava, em seguida,
o consentimento formal por meio da assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta
de dados foi realizada pela pesquisadora, por meio de
entrevista, utilizando-se os instrumentos propostos. O
estudo foi realizado em conformidade com a Resolução
nº 196/96, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética da
instituição sob o Parecer n} 0388.0.203.000-10, de 15 de
setembro de 2010.
Instrumentos
Na coleta de dados, foram utilizados três instrumentos,
sendo um deles o formulário elaborado pelos
pesquisadores contendo questões relacionadas ao
perfil demográfico e clínico da amostra, o outro a
escala Capacidade Pessoal Paliativa (PPS) e o Índice de
Experiência de Sintomas (Symptom Experience Index)
SEI, versão em português.
A escala de Capacidade Pessoal Paliativa (PPS) é uma
ferramenta que permite a mensuração do declínio
progressivo da funcionalidade de doentes em cuidados
paliativos. 27,28 Apesar de existirem várias escalas
vastamente utilizadas em oncologia para a mensuração
da capacidade funcional, optamos pela PPS, por ser
uma escala específica para a avaliação de pessoas com
doenças fora de possibilidade terapêutica de cura.
Essa escala foi traduzida para a língua portuguesa pela
Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP),
tendo a versão aprovada pela Victoria Hospice Society,
instituição canadense de hospices e cuidados paliativos,
criadora da escala.29
A escala PPS apresenta indicadores (grau de deambulação,
capacidade de fazer atividades/extensão da doença,
capacidade de realizar o autocuidado, capacidade
de ingerir alimentos/ingestão de líquidos, nível de
consciência) a serem verificados pelo avaliador para a
determinação da capacidade funcional da pessoa, que
é, então, expressa em porcentagens que podem variar
de 100% (completa funcionalidade) a até 0% (completa
falência).28,30
Para lidar adequadamente com os sintomas dos
pacientes, é fundamental a utilização de instrumentos
que mensurem com precisão a experiência dos múltiplos
sintomas e o estresse que eles causam. Na tentativa de
prover um instrumento de medida que permita essa
avaliação, foi desenvolvido o Symptom Experience Index
(SEI).31 O instrumento avalia 21 sintomas categorizados em
oito subescalas: respiratória, cognitiva, gastrointestinal/
alimentação, dor/desconforto, neurológica, fadiga/
sono/inquietação, eliminação e aparência. Cada item
é classificado, na subescala, com pontuação de 0
(nenhuma ocorrência de sintoma ou de estresse) a 4 (pior
ocorrência do sintoma ou do estresse). O SEI mensura,
também, a experiência de sintomas, que reflete o grau de
sofrimento ou desconforto físico, emocional ou mental,
percebido e reconhecido pela pessoa.31
Esse instrumento foi traduzido para o português e
validado em um estudo com homens em tratamento
oncológico. O instrumento demonstrou ótima
confiabilidade, com um alfa de Cronbach de 0,963
para “experiência de sintomas”, 0,945 para “ocorrência
de sintomas” e de 0,973 para “estresse relacionado ao
sintoma”.32
O SEI contém 41 itens que identificam o sintoma e
medem o estresse por ele causado. A intensidade de
cada sintoma, bem como do estresse, é registrada em
uma subescala de Likert de 5 pontos, O instrumento
avalia 21 sintomas categorizados em oito subescalas: 1)
respiratória; 2) cognitiva; 3) gastrointestinal/alimentação;
4) dor/desconforto; 5) neurológica; 6) fadiga/sono/
inquietação; 7) eliminação; e 8) aparência. Cada item
é classificado na subescala, com pontuação que varia
de 0 (nenhuma ocorrência de sintoma ou de estresse)
até 4 (extrema ocorrência do sintoma ou do estresse).31
Os escores do SEI são verificados somando-se as
pontuações marcadas nas subescalas. Quanto mais alto
o escore obtido, maior o desconforto ou sofrimento
causado pelos sintomas.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
41
Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte
Para a análise da ocorrência dos sintomas, do estresse
relacionado a cada sintoma e da experiência de sintomas
foram obedecidos os critérios estabelecidos pelos
autores. A avaliação do comprometimento por domínio
foi feita mediante o somatório da pontuação atribuída
aos sintomas do domínio, ao estresse relacionado aos
sintomas do domínio e à experiência obtida ao final. O
escore dos sintomas e estresse varia de 0 a 4 e o escore
da experiência varia de 0 a 8, em que quanto maior a
pontuação, pior a avaliação do domínio.31
O escore da Ocorrência de Sintomas pode ter uma
variação de 0 a 84; o escore de intensidade de estresse
relacionado ao sintoma pode variar de 0 a 80; o escore de
experiência de sintomas é obtido pela soma dos escores
de ocorrência de sintomas e intensidade de estresse. O
escore total da experiência de sintomas pode variar de
0 a 164.31
Análise dos dados
Os dados foram inseridos no Programa Estatístico Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0, onde
foram tratados e analisados, utilizando-se estatística
descritiva. Os resultados foram apresentados em tabelas
e gráficos e discutidos à luz da literatura revisada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Características sociodemográficas
A amostra estudada foi composta por 70 pacientes
oncológicos em tratamento paliativo. Os dados
sociodemográficos demonstram uma população com
média de 56 anos de idade (DP = 11,76), com baixo
nível de escolaridade e baixa renda. As características
sociodemográficas estão apresentadas na TAB.1.
A maior parcela dessas pessoas encontrava-se na faixa
etária abaixo dos 60 anos de idade (57,1%). A média de
idade entre os homens foi de 58,29 anos (DP= 11,46),
variando de 43 a 78 anos. Já entre as mulheres, a média
de idade foi de 54,73 anos (DP= 11,85), variando de 29
a 81 anos.
Houve maior concentração de pessoas do sexo feminino
(n= 46; 65,7%). Essa informação pode ser reflexo do
maior agrupamento de mulheres em Minas Gerais.33 A
população estudada se comporta de acordo com perfil
esperado para países em desenvolvimento, em que o
número de câncer nas mulheres é maior em relação aos
homens.33 Em países desenvolvidos, o número de casos
entre gêneros em tratamento paliativo é similar.34
Com relação à localidade de residência da amostra,
verificou-se que a maioria reside em Belo Horizonte
e região metropolitana (n=55; 78,2%). Um fato que
chamou a atenção foi a quantidade de pacientes do
interior de Minas Gerais que realizam tratamento nesse
ambulatório (n=15; 21,4%). Acredita-se que embora
existam projetos que visem à descentralização das ações
em oncologia, como é o caso do Projeto de Expansão de
Assistência Oncológica (Projeto Expande), ainda podem
42
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
TABELA 1 – Características sociodemográficas da
amostra – Belo Horizonte, outubro 2009/fevereiro
2011
FREQUÊNCIA
(n=70)
PERCENTUAL
(%)
Feminino
46
65,7
Masculino
24
34,3
Sem parceiro
26
37,1
Com parceiro
44
62,9
Analfabeto
6
8,6
Ensino fundamental
41
58,5
Ensino médio
16
22,9
Ensino superior
7
10,0
BH e região
metropolitana
55
78,6
Interior de Minas Gerais
15
21,4
Trabalhando
4
5,7
Não trabalhando
66
94,3
44
62,9
26
37,1
VARIÁVEL
SEXO
SITUAÇÃO CONJUGAL
ESCOLARIDADE
PROCEDÊNCIA
SITUAÇÃO LABORAL
RENDA FAMILIAR
Menor que 2 salários
mínimos
Maior que 2 salários
mínimos
existir fatores que limitam a adesão dos pacientes a
esses projetos.35
Com relação à situação conjugal, verificou-se que a
maioria das pessoas referiu ter um parceiro (62,9%). O
apoio do cônjuge ou de outros familiares é de grande
importância para a pessoa com uma doença que lhe
ameaça a vida. Estudos têm demonstrado que a pessoa
com câncer tende a adaptar-se melhor à situação de
enfermidade ameaçadora da vida e ao estresse que
a condição ocasiona quando tem níveis elevados de
apoio social.36,37
É importante distinguir rede social e apoio ou suporte
social. Entende-se como rede social todas as pessoas
que têm algum vínculo com a pessoa, incluindo não
apenas familiares e amigos íntimos, mas também outros
grupos que podem lhe prestar apoio social. Sabe-se que
a presença de uma rede social não necessariamente
determina o apoio social à pessoa. Por apoio ou suporte
social entende-se a participação ativa de terceiros na
identificação de demandas da pessoa nos aspectos
material e emocional, o que deve resultar em efeitos
emocionais e comportamentais positivo.37,38
Estudos apontam que quanto maior o suporte social
dado pelo familiar à pessoa com câncer, melhor o seu
enfrentamento com relação à doença e ao próprio
tratamento. 37 Um estudo investigando a relação
entre suporte social, estado civil e solidão, com 144
pacientes com câncer, revelou que o nível de suporte
social percebido pelo paciente não estava diretamente
relacionado a ser casado, mas os índices de solidão
estavam mais relacionados ao envolvimento familiar do
que ao estado civil.37,38
É importante que enfermeiro entenda a dinâmica familiar,
na tentativa de estabelecer, junto com a pessoa em
tratamento, a melhor forma de conduzir sua vida laboral,
evitando que ela prejudique sua qualidade de vida.
O enfermeiro deve investigar o suporte social percebido
pelo paciente e, quando esse suporte não estiver
atendendo às suas necessidades, buscar intervir
adequadamente junto ao paciente e à família. O ponto
crucial, neste quesito, é avaliar se a relação é saudável o
bastante para contribuir com a adesão ao tratamento,
o controle dos eventos adversos e a qualidade de vida
do paciente. 36-38
O sítio primário do câncer foi predominantemente a
mama (n=31; 44,3%), seguido pelo câncer do trato
gastrintestinal (n= 21; 30%) e os outros tipos de câncer,
agrupados, representaram 25,7% do total (n=18).
Quanto à escolaridade, verificamos que a maior
concentração da amostra foi entre os que declararam
terem ensino fundamental (58,5%) e médio (22,9%).
Também verificamos que a amostra apresentou alto
índice de analfabetismo (8,6%). Os dados encontrados
apontam para a mesma tendência apresentada
por estudos com pacientes com câncer, onde foi
demonstrada maior concentração da amostra nas faixas
de menor escolaridade 32,39 Esse dado é preocupante pela
necessidade de essas pessoas entenderem corretamente
uma série de orientações relacionadas à saúde e
tratamentos específicos. Além de estar relacionada a
diagnósticos de câncer em estágios mais avançados e à
maior mortalidade, a baixa escolaridade está associada
a piores padrões de cuidados à saúde.40,41
Com relação à situação laboral da amostra, a maioria não
estava trabalhando (94,3%), sendo que a maior parte
era aposentada (35,7%) ou em licença médica (28,6%).
Dos que estavam trabalhando, a maioria (71,4%) revelou
que desenvolvia atividades com predomínio de esforço
físico, tais como pedreiros, doméstica, diarista, serviços
gerais e atividades no lar.
O prejuízo à capacidade laboral da pessoa produzido
pela doença impacta-lhe negativamente a saúde e
a qualidade de vida, uma vez que a renda familiar é
afetada. Neste estudo, verificou-se que a renda familiar
da maioria dos participantes era de até dois salários
mínimos (62,9%). Estudos evidenciam o predomínio de
neoplasias malignas em pessoas com baixa renda.32,39
A queda do poder aquisitivo da família, associada,
principalmente, a licenças médicas e aposentadorias, em
uma situação em que os gastos com medicamentos, com
transporte ou outras necessidades da pessoa aumentam,
produzem sentimentos negativos que influenciam
diretamente na saúde e no bem-estar da pessoa. 39
Na tentativa de fugir dessa situação, algumas pessoas
permanecem no mercado de trabalho. No entanto, as
dificuldades em realizar as atividades pela presença de
sintomas como a fadiga predispõem ao afastamento
das atividades laborais, o que, por sua vez, pode ser
mal interpretado pelos provedores. Ademais, a própria
atividade pode gerar piora da intensidade e frequência
dos sintomas.41
Características clínicas
O câncer de mama apresenta alta incidência entre mulheres
na faixa etária de 30 a 49 anos. Entre as mulheres idosas,
dadas as menores oportunidades de diagnóstico precoce,
encontram-se as maiores taxas de doença oncológica
mamária avançada ou metastática.33 No Brasil, diagnósticos
em estágios avançados da doença ainda são frequentes,
elevando as taxas de mortalidade de um tipo de câncer
com bom prognóstico se detectado precocemente. O
rastreamento mamográfico para mulheres de 50 a 69 anos
é a estratégia recomendada para controle do câncer de
mama, sendo que nas mulheres nas faixas etárias inferiores
o exame clínico das mamas é o preconizado. A descoberta
tardia do tumor de mama, quando já em fase avançada
e com metástases, pode estar associado a uma gama de
fatores, dentre os quais o rastreamento mamográfico
ineficiente ou não executado.1
Entre os homens, o câncer mais prevalente foi o do trato
gastrintestinal (58,3%), seguido pelo câncer de próstata
(16,7%). O fato de a proposta terapêutica de escolha no
câncer de próstata metastático ser a hormonioterapia
e de essa modalidade não estar incluída neste estudo
pode ter contribuído para o número reduzido de
pacientes com câncer de próstata na amostra.
Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o
câncer de cólon e do reto em homens é o terceiro mais
frequente na Região Sudeste (19/100 mil). A história
familiar de câncer de cólon e reto e a predisposição
genética ao desenvolvimento de doenças crônicas
do intestino (como as poliposes adenomatosas)
configuram-se como o mais importante fator de risco
para o desenvolvimento desse tipo de neoplasia. Além
disso, uma dieta baseada em gorduras animais, baixa
ingestão de frutas, vegetais e cereais; assim como
consumo excessivo de álcool e tabagismo são fatores
de risco para o aparecimento da doença.1
Apesar do o câncer de próstata ter sido o segundo
mais prevalente entre os homens neste estudo, dados
revelam que esse tipo de câncer é o mais incidente
entre os homens no Brasil. O aumento observado nas
taxas de incidência do câncer de próstata no mundo
é parcialmente justificado pela evolução dos métodos
diagnósticos, melhoria na qualidade dos sistemas de
informação e pelo aumento na expectativa de vida.42-44
A presença de metástase e sua localização são indicadores
de prognóstico. Todas as pessoas deste estudo possuíam
câncer em estágio avançado (estágio III e IV), com
metástases espalhadas por um ou mais locais do corpo.
A maioria apresentava apenas uma metástase (61,4%),
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
43
Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte
seguida de duas metástases (27,1%). Os locais mais
comumente acometidos por metástases foram o fígado
(25%), os ossos (20%) e o pulmão (13%).
O alto índice de acometimento metastático no fígado
pode estar relacionado à característica desse órgão, que
é alvo frequente de células cancerosas provenientes da
circulação sistêmica. Sabe-se que a agressão hepática por
metástases é muito mais comum do que por um tumor
primário, chegando a ser 20 vezes mais frequente.42
Do mesmo modo, sugere-se que a alta prevalência de
metástase óssea detectada neste estudo possa estar
relacionada ao fato de o câncer mais encontrado ter
sido o de mama, sendo que esse tipo de metástase é
consequência comumente associada a esse tipo de
neoplasia maligna.32,39
A capacidade funcional da pessoa reflete o impacto
da doença e do tratamento na disposição dela para
realizar as atividades de vida diária (AVDs) e as atividades
instrumentais de vida diária (AIVDs).27,43 A presença de
comorbidades está associada ao declínio funcional
progressivo.1 O estado funcional é, geralmente, avaliado
subjetivamente, por meio de relatos próprios sobre
dificuldades em desempenhar atividades básicas da
vida diária (cuidado pessoal) e as AIVDs mais complexas,
necessárias para se viver de forma independente na
comunidade. Após a obtenção dos dados subjetivos, o
profissional utiliza escalas para determinar qual o grau de
comprometimento encontrado.27,28
A capacidade funcional foi mensurada por meio da escala
PPS, sendo que os valores foram agrupados em três
subgrupos (estável com PPS de 100 a 70%; transitório
com PPS de 60 a 40%; e fim de vida com PPS < a 30%),
conforme indicado pela literatura. Neste estudo, a
maior parcela das pessoas (70%) encontrava-se na faixa
considerada de capacidade funcional estável, com pouco
ou nenhum prejuízo para a realização das AVDs e AVDIs.
A presença de uma doença confronta a pessoa com sua
fragilidade, ameaçando-a com a possibilidade de perdas
significativas nos níveis físico, relacional e profissional,
provocando-lhe angústia e insegurança em relação ao
seu desfecho.27 Quando a doença produz impacto sobre a
capacidade funcional da pessoa, ela vivencia sentimento
de impotência.
O sentimento de impotência é definido como a percepção
de que uma ação própria não afetará significativamente
um resultado ou a falta de controle percebida sobre
uma situação atual ou um acontecimento imediato. É
caracterizado pela expressão de insatisfação e frustração
quanto à incapacidade de realizar tarefas ou atividades
prévias.32
Esse dado reflete a necessidade de a equipe de saúde
considerar que, muitas vezes, o paciente em assistência
paliativa não se encontra em estado terminal e pode
estar ainda bastante ativo em seu ambiente social,
necessitando de intervenções eficazes que aliviem seus
sintomas e promovam seu bem-estar e funcionalidade.
Sabe-se que a terapêutica paliativa é empregada quando
não há mais possibilidade de modificar o curso natural
da doença, no entanto, a pessoa, nessa modalidade
de tratamento, tem sobrevida indeterminada. Nesse
sentido, a equipe de saúde deve esforçar-se ao máximo
para que seja livre de sintomas e com a máxima qualidade
de vida e funcionalidade possível. É importante que o
enfermeiro avalie individualmente os pacientes em
cuidados paliativos, para que possa estabelecer quais as
demandas e qual o plano de cuidados mais adequado.
Por meio da consulta de enfermagem e com a utilização
de instrumentos adequados essa avaliação é facilitada.
A experiência de sintomas foi avaliada pelo Symptom
Experience Índex (SEI), na versão traduzida e adaptada
para o português, no intuito de avaliar a presença e a
intensidade de sintomas e se a pessoa experienciou
ou não estresse relacionado ao sintoma, além da
intensidade do estresse. Os sintomas, o estresse e a
experiência de sintomas referentes a cada domínio estão
apresentados na TAB. 2.
TABELA 2 – Ocorrência, estresse e experiência de sintomas, por domínio, em pessoas em quimioterapia
paliativa – Belo Horizonte, outubro 2009/fevereiro 2011
Sintomas
0a4
Estresse
0a4
Experiência
0a8
M DP
M DP
M DP
Respiratório
0,92 1,40
0,37 0,93
1,30 2,18
Cognitivo
1,45 2,00
0,70 1,48
2,15 3,19
Alimentação e gastrintestinal
2,21 2,15
1,62 2,33
3,84 4,06
Dor e desconforto
2,55 1,93
1,48 1,75
4,04 3,28
Problemas neurológicos
3,65 2,73
1,31 1,73
5,10 3,95
Fadiga, sono e inquietação
3,30 2,92
2,18 2,51
5,48 5,10
Eliminação
1,17 1,44
0,78 1,36
1,95 2,56
Mudança na aparência
1,08 1,08
0,44 0,98
1,52 1,77
Domínios
M= média
DP= desvio-padrão
44
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
O domínio que apresentou a maior pontuação na
ocorrência de sintomas foi “problemas neurológicos”
(M=3,65; DP= 2,73), visto que essas pessoas estão em
quimioterapia com o uso de drogas potencialmente
neurotóxicas, como os taxanes e derivados da platina.
Esse resultado pode refletir que, apesar dos benefícios
da quimioterapia relacionados ao controle de sintomas,
a toxicidade pode acarretar prejuízo na qualidade de
vida, o que deve ser monitorizado de perto por toda a
equipe de saúde.
O domínio “fadiga, sono e inquietação” foi o segundo
sintoma com maior pontuação no escore de ocorrência
(M=3,30; DP=2,92) e experiência de sintoma (M=5,10;
DP=3,95). O próprio fato de estarmos lidando com
pessoas em quimioterapia paliativa, que, em sua maioria,
sabe que doença tem (94,3%) e conhece a gravidade
dela (54,3%), pode estar associado ao aumento de
preocupações e percepções negativas em relação ao
futuro, o que pode estar interferindo na qualidade do sono
e trazendo inquietação. O tratamento quimioterápico é
potencialmente causador de sintomas como a fadiga. Um
fato interessante é que a capacidade funcional da amostra
se concentra, em sua maioria, no subgrupo estável (70%
da amostra), o que não condiz com a alta prevalência
de fadiga, que interfere diretamente na capacidade de
realizar as AVDs e as AVDIs. A alta prevalência da fadiga
também pode estar relacionada à inquietação no sentido
de que a amostra é predominantemente composta por
mulheres, sendo que a redução da capacidade de realizar
AVDs e AVDIs produz insatisfação, angústia, inquietação e
estresse, como reflete o escore de estresse (M=2,18; DP=
2,51) e a experiência de sintomas mais alto apresentados
(M=5,48; DP=5,10).
O domínio “dor e desconforto” encontra-se em terceiro
lugar com relação à pontuação no escore de ocorrência
de sintomas (M= 2,55; DP=1,93), o que se repete no
escore de experiência de sintomas (M= 4,04; DP=
3,28). Há relação entre a pontuação significativa nesse
domínio e a alta prevalência de metástase óssea (20%)
na amostra, no sentido de que a existência desse tipo
de metástase prediz existência de dor de intensidade
moderada a severa.23
A alta prevalência de ocorrência de sintomas, estresse
e experiência de sintomas relacionada ao domínio
“alimentação e gastrintestinal” pode estar associada à alta
prevalência de metástases hepáticas (25% das pessoas
apresentaram metástases hepáticas), que comumente
se manifesta por sintomas gastrintestinais.44
Apesar de termos encontrado uma quantidade
significativa de pessoas com metástases pulmonares
(13% da amostra), verificamos as menores pontuações
no domínio respiratório nos escores de sintomas
(M=0,92; DP= 1,40), estresse (M=0,37; DP=0,93) e
experiência de sintomas (M=1,30; DP= 2,18), o que pode
estar sinalizando pequena repercussão desse tipo de
metástase na percepção das pessoas da amostra.
Apesar do tipo mais frequente de sítio primário do
câncer ser o de mama, que geralmente é abordado com
intervenção cirúrgica (mastectomia), comprometendo a
imagem corporal da pessoa, e a própria quimioterapia,
que produz alopécia, neste estudo, o domínio referente
à mudança de aparência apresentou pontuação abaixo
da média no escore de sintomas(M=1,08; DP=1,08),
estresse (M=0,44; DP= 0,98) e de experiência (M=1,52;
DP= 1,77).
O escore de ocorrência de sintomas que varia de 0 a
84, neste estudo, apresentou uma mediana geral de
16,50 (M= 17,09; DP=10,05). O escore de intensidade
do estresse relacionado aos sintomas varia de 0 a 80,
sendo que neste estudo obtivemos uma mediana de
5,5 (M=8,91; DP=9,07). A experiência de sintomas, que
tem escore que varia de 0 a 164, tendo obtido, neste
estudo, uma mediana de 23,5 pontos (M= 26; DP= 17,96).
Ao contrário do esperado, para uma população com
câncer avançado, as queixas apresentaram pontuação de
moderada a baixa de modo geral. Esse dado corrobora
outro estudo que também utilizou esse instrumento em
homens com câncer.32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo com este estudo foi delinear o perfil
sociodemográfico e clínico de pacientes em quimioterapia
paliativa do um serviço ambulatorial de Belo Horizonte.
Participaram 70 pessoas que estavam em tratamento
quimioterápico.
A identificação do perfil dos pacientes em quimioterapia
paliativa muito contribui para compreendermos
características e necessidades do paciente, as quais são
importantes para o planejamento e a implementação
de uma assistência que promova sua qualidade de vida,
que seja pautada pela individualidade e peculiaridade
de cada paciente e que favoreça a prática humanizada
e humanizadora.
Os dados obtidos revelaram a predominância de
uma população com baixos níveis de escolaridade e
renda familiar. Ao planejar e propor intervenções de
enfermagem aos pacientes em quimioterapia paliativa,
é fundamental que o enfermeiro considere a metodologia, os recursos e a linguagem utilizados na orientação
dos cuidados propostos, para que o paciente consiga a
máxima compreensão e motivação possível e haja boa
aderência ao tratamento paliativo. Além disso, para
a identificação e a avaliação de sintomas, a utilização
de instrumentos de mensuração padronizados, bem
como de recursos visuais – por exemplo, a escala visual
analógica –, são de grande auxílio para precisão dos
registros e direcionamento das intervenções.
No estudo mostramos, também, que nem sempre os
pacientes em terapêutica paliativa se encontram em
fase terminal. O perfil predominante foi o de pacientes
com boa capacidade funcional e com condições de
desenvolver relativamente bem suas atividades de
vida diária. Uma pequena porcentagem dos pacientes
encontrava-se com capacidade funcional afetada. Estes
últimos se beneficiariam grandemente de um serviço de
assistência paliativa domiciliar.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
45
Perfil sociodemográfico e clínico de pacientes atendidos em um serviço ambulatorial de quimioterapia paliativa em Belo Horizonte
Os cuidados paliativos devem ser incluídos na atenção
ao paciente oncológico durante todo o curso da doença,
desde o seu diagnóstico, com vista a proporcionar
sobrevida com qualidade, incluindo provisão de suporte
para a família. Entretanto, ainda é reduzido o número de
profissionais capacitados para cuidados paliativos, da
mesma forma que essa modalidade terapêutica e seus
benefícios são ainda pouco conhecidos.
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Data de submissão: 1º/3/2011
Data de aprovação: 10/10/2011
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 38-47, jan./mar., 2012
47
SATISFAÇÃO E FRUSTRAÇÃO NO DESEMPENHO DO TRABALHO DOCENTE
EM ENFERMAGEM
SATISFACTION AND FRUSTRATION IN THE PERFORMANCE OF NURSING FACULTY JOB
SATISFACCIÓN Y FRUSTRACIÓN EN EL DESEMPEÑO DEL TRABAJO DE DOCENTES EN ENFERMERÍA
Maithê de Carvalho e Lemos1
Joanir Pereira Passos2
RESUMO
A satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de difícil definição, por se tratar de um estado subjetivo,
podendo variar de acordo com a pessoa, com as circunstâncias e com o tempo. Ela pode afetar a saúde física e
mental do trabalhador, interferindo em seu comportamento profissional e/ou social. Os objetivos com este estudo
foram identificar e classificar as expressões de satisfação no desempenho do trabalho do docente de enfermagem.
Optou-se pela realização de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa. Os 21 sujeitos participantes eram
docentes enfermeiros. Para coleta dos dados foi utilizada como instrumento a entrevista semiestruturada individual.
Os aspectos éticos foram respeitados. Obteve-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição envolvida.
Como resultado, verificou-se que a satisfação no trabalho docente significa, para os entrevistados, um conjunto de
fatores ideais que devem ser bem articulados no ambiente laboral e que cada um desses elementos, isoladamente,
não proporciona a satisfação plena no que diz respeito ao processo produtivo do docente de enfermagem. Concluiu-se
que o significado gerado do relato de pessoas que estão na lida diária com as atividades pertinentes à sua profissão
deve ser considerado como relevante para a instituição à qual pertencem, de forma a otimizar o ambiente de trabalho
e potencializar a qualidade de vida nele, gerando resultados positivos na produção.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Docente de Enfermagem; Satisfação no Trabalho.
ABSTRACT
Job satisfaction is a complex phenomenon and difficult to define, as it deals with a subjective state that change
according to person, circumstance, and time. It can affect the worker’s physical and mental health and interfere with
his/her professional and/or social behavior. This study aims at identifying and classifying the expressions of satisfaction
in the work performance as nursing professor. A descriptive research using a qualitative approach was carried out. The
research subjects were 21 teaching nurses. Data was collected through individual, semi-structured interview. Ethical
aspects were observed: the research received the approval of the institution’s Research Ethics Committee. The results
revealed that, considering that specific productive process, teacher job satisfaction means, for the interviewed, a set
of ideal fators that must be well articulated inside the job environment and that these elements, taken separately, do
not provide full satisfaction. To conclude, the meaning extracted from the narrative of those performing the activities
pertinent to their profession, must be considered as relevant to the institution to which they belong, aiming at optimizing
the work environment and potentiating the quality of working life that generates positive product results.
Keywords: Occupational Health; Nursing Faculty; Job Satisfaction.
RESUMEN
La satisfacción laboral es un fenómeno complejo y difícil de definir porque es un estado subjetivo que
depende de cada persona y varía según las circunstancias y momentos. Puede afectar la salud física y mental
e interferir en el comportamiento profesional y / o social. Este estudio tuvo como objetivo identificar y
clasificar las expresiones de satisfacción en el desempeño laboral de docentes de enfermería. Se realizó un
estudio descriptivo con enfoque cualitativo. Los sujetos objeto de esta investigación fueron 21 enfermeros
docentes La recogida de datos se realizó mediante entrevistas semiestructuradas individuales. Se respetaron
los aspectos éticos: la investigación fue aprobada por el Comité de Ética en Investigación de la institución implicada.
Los resultados revelaron que, considerando el proceso productivo específico, la satisfacción laboral de los profesores
representa un conjunto ideal de los fatores que deben estar bien articulados dentro del ambiente de trabajo
ya que aislados no producen plena satisfacción para el proceso productivo. Podemos concluir que el
significado extraído de los relatos de estos profesionales debe considerarse relevante para la institución
a la que pertenecen, con la finalidad de optimizar el ambiente laboral y mejorar la calidad de vida para
generar resultados positivos en la producción.
Palabras clave: Salud del Trabajador; Docentes de Enfermería; Satisfacción en el Trabajo.
1
2
Enfermeira egressa da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mestranda-bolsista CAPES do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UNIRIO. Integrante do Grupo: Laboratório de Pesquisa: Enfermagem, Tecnologias, Saúde e Trabalho.
E-mail: [email protected].
Doutora em Enfermagem. Professora Associada do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Líder do Grupo: Laboratório de Pesquisa: Enfermagem, Tecnologias, Saúde e Trabalho. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Rua João Pinto, 114. Piratininga, Niterói, Rio de Janeiro-RJ. CEP: 24358-210. E-mail: [email protected].
48
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
Na busca da produção do conhecimento em enfermagem,
observamos que a ênfase dos estudos relativos à saúde
do trabalhador de enfermagem está voltada para a
assistência. Diante de tal fato, surge o interesse sobre a
relação trabalho-saúde-doença, priorizando o prazer e
a frustração do trabalho docente de enfermagem.
O termo “trabalho” se refere a uma atividade própria do
homem, entendido como um processo entre a natureza
e o homem. Nesse processo, ao final do trabalho humano
surge um resultado que antes do início do processo já
existia na mente do homem. Assim, trabalho em sentido
amplo é toda a atividade humana que transforma a
natureza de dada matéria. A palavra deriva do latim
tripaliare, que significa torturar; daí passou à ideia de
sofrer ou esforçar-se e, finalmente, de trabalhar ou agir.
O trabalho, em sentido econômico, é toda atividade
desenvolvida pelo homem sobre uma matéria-prima,
geralmente com a ajuda de instrumentos, com a
finalidade de produzir bens e serviços.1
No caso dos professores, o significado de seu trabalho
é formado pela finalidade da ação de ensinar, isto é,
pelo seu objetivo e pelo conteúdo concreto efetivado
através das operações realizadas conscientemente
pelo professor, considerando as condições reais e
objetivas na condução do processo de apropriação
do conhecimento pelo aluno. [...] O trabalho docente
concebido como uma unidade é considerado
em sua totalidade que não se reduz à soma das
partes, mas sim em suas relações essenciais, em
seus elementos articulados, responsáveis pela sua
natureza, sua produção e seu desenvolvimento. A
análise do trabalho docente, assim compreendido,
pressupõe o exame das relações entre as condições
subjetivas – formação do professor – e as condições
objetivas, entendidas como as condições efetivas de
trabalho, englobando desde a organização da prática
– participação no planejamento escolar, preparação
de aula etc. – até a remuneração do professor.2:21
O trabalho docente é permeado de situações com
intencionalidade, problematização e enfrentamento que
induzem o professor a renovar estratégias para produzir
um ensino inovador. Na enfermagem, a reprodução do
processo de ensino-aprendizagem em uma organização
curricular fechada dificulta a interação do professor com
seus alunos, inviabiliza o pensamento reflexivo e, por
fim, gera frustrações a ambos.3
O docente em enfermagem, portanto, passou a enfrentar
diversos problemas, como conhecer a teoria, possuir
a vivência prática, lidar com exigências da carreira
universitária e ainda saber como administrar a relação
docente-aluno de maneira a contribuir de forma
positiva no aprendizado.4 Desse modo, entendemos
que o processo de trabalho do docente em enfermagem
envolve os seguintes elementos: pessoas – alunos,
indivíduos doentes ou indivíduos/grupos sadios, os quais
constituem seu objeto de trabalho; os instrumentos, as
condutas didático-pedagógicas e técnicas próprias
dessas áreas de conhecimento – o saber (educação e
saúde) –, que representam os meios de trabalho; e as
atividades desenvolvidas por esses profissionais – os
docentes têm por finalidade: a formação (o ensino), a
produção científica (o saber técnico) e a assistência (o
fazer – cuidado), que determinam o produto final do
trabalho docente.
Os valores das organizações também podem ser uma
das fontes geradoras de prazer no trabalho, se favorece
o trabalho flexível, com possibilidade de negociações
das regras e normas dos processos de trabalho, com
participação dos trabalhadores e gestão coletiva das
necessidades individuais e organizacionais. Quando isso
não acontece, dá-se lugar ao sofrimento no trabalho, que
pode muitas vezes ser mascarado, levando à dificuldade
de identificação de suas causas e meios para que haja
uma transformação.5
As vivências de prazer-sofrimento formam um único
constructo composto por três fatores: valorização e
reconhecimento, que definem o prazer; e desgaste
com o trabalho, que define o sofrimento. O prazer é
vivenciado quando são experimentados sentimentos
de valorização e reconhecimento no trabalho.
A valorização é o sentimento de que o trabalho
tem sentido e valor por si mesmo, é importante
e significativo para a organização e a sociedade.
O reconhecimento é o sentimento de ser aceito e
admirado no trabalho e ter liberdade para expressar
sua individualidade. O sofrimento é vivenciado
quando experimentado o desgaste em relação
ao trabalho, que significa a sensação de cansaço,
desânimo e descontentamento com o trabalho.
Assim sendo, prazer-sofrimento são vivências de
sentimentos de valorização, reconhecimento e/ou
desgaste no trabalho.5:40
Satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de
difícil definição, por se tratar de um estado subjetivo,
podendo variar de pessoa para pessoa, de circunstância
para circunstância e ao longo do tempo para a mesma
pessoa. A satisfação está sujeita à influência de forças
internas e externas ao ambiente de trabalho imediato.
Ela pode afetar a saúde física e mental do trabalhador,
interferindo em seu comportamento profissional e/ou
social.6
Nesse contexto, o objeto deste estudo é a satisfação no
desempenho do trabalho docente.
OBJETIVOS
Identificar e classificar as expressões de satisfação e
frustração no desempenho do trabalho docente em
enfermagem.
METODOLOGIA
Considerando o recorte estabelecido e o objeto deste
estudo, a satisfação no desempenho do trabalho
docente de enfermagem, optou-se pela realização de
uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
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Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem
O cenário do estudo foi uma instituição pública de
ensino superior, da cidade do Rio de Janeiro, onde
os dados foram coletados nos meses de setembro e
outubro de 2009. Os participantes foram constituídos
por docentes enfermeiros, totalizando 21 sujeitos.
Foram adotados os seguintes critérios de inclusão e
exclusão de sujeitos, respectivamente: fazer parte do
quadro permanente e fazer parte do quadro de docentes
temporários da instituição.
Para coleta dos dados, utilizamos como instrumento a
entrevista semiestruturada individual, direcionada para
estabelecer o perfil dos participantes e identificar as
expressões de prazer e frustração no desempenho do
trabalho docente.
Para a análise das entrevistas, adotamos os seguintes
procedimentos: leitura e re-leitura das entrevistas e
mapeamento das falas individuais com base na leitura e
dos objetivos da pesquisa, destacando as palavras e/ou
frases significativas interpretadas pelas pesquisadoras.
Posteriormente, foram analisadas e classificadas à luz do
referencial teórico de satisfação e frustração no trabalho.
É importante ressaltar que todos os cuidados relacionados
aos aspectos éticos envolvidos na pesquisa foram
devidamente observados, o projeto foi submetido
e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Instituição envolvida (CAAE: 0014.0.313.000-09), sob o
nº 17/2009, de acordo com estabelecido na Resolução
nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.7
Os sujeitos manifestaram aceitação em participar da
pesquisa, por escrito, mediante assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e lhes
foi facultada a possibilidade de desistirem a qualquer
momento de participar, sem qualquer tipo de prejuízo.
Para garantir o anonimato dos sujeitos participantes, os
fragmentos das falas quando apresentados nos resultados,
foram identificados e codificados pela letra “D” e o
respectivo número relativo à ordem de sua entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base nas entrevistas, apresentamos os dados
coletados de forma conjunta, com vista à análise
descritiva na perspectiva de ampliar o entendimento
dos resultados encontrados.
Os resultados das entrevistas foram organizados e
sistematizados em duas partes, a fim de facilitar a
apresentação das respostas obtidas e sua compreensão.
conhecimentos na grande área enfermagem, como pode
ser observado na TAB. 1.
TABELA 1 – Distribuição dos docentes por departamento de ensino – Rio de Janeiro, 2009
Departamento de Enfermagem
fi
%
Fundamental
05
24
Materno- Infantil
04
19
Médico-Cirúrgico
07
33
Saúde Pública
05
24
TOTAL
21
100
Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes
Dos 21 docentes entrevistados (TAB. 1), 7 (33%) eram
lotados no Departamento de Enfermagem MédicoCirúrgico, seguido do Departamento de Enfermagem
de Saúde Pública e de Enfermagem Fundamental, com
5 (25%), respectivamente, e 4 (19%) do Departamento
de Enfermagem Materno-Infantil.
Na TAB. 2, apresentamos a distribuição dos docentes
por regime de trabalho, visto que nem todos possuíam
a mesma carga horária e, portanto, o mesmo tempo de
dedicação à docência.
TABELA 2 – Distribuição dos docentes quanto ao
regime de trabalho – Rio de Janeiro, 2009
Regime de trabalho
fi
%
20 horas
-
-
40 horas
02
09
Dedicação exclusiva
19
91
TOTAL
21
100
Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes
Podemos observar, na TAB. 2, que o regime de trabalho
do total dos investigados representa 19 docentes (91%)
de dedicação exclusiva e os 2 docentes restantes (9%)
possuem o regime de trabalho de 40 horas.
Na primeira parte, a apresentação descritiva, os sujeitos
estudados foram caracterizados por departamento de
ensino, regime de trabalho, tempo de docência e classe.
A segunda relacionou-se ao significado da satisfação no
trabalho docente de enfermagem.
Na TAB. 3, apresentamos o tempo de docência dos
entrevistados, visto que alguns docentes começaram a
lecionar precocemente em sua carreira profissional.
Caracterização dos sujeitos
Na TAB. 4, apontamos a classe dos docentes entrevistados
e, consequentemente, a titulação dos professores dessa
Universidade.
Os sujeitos entrevistados foram alocados por departamentos de ensino na Universidade, que agrupam os
50
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
Verificamos, na TAB. 3, que a maioria 16 (76%) dos
entrevistados exerce atividade docente há mais de 11
anos, denotando experiência de vida profissional.
TABELA 3 – Distribuição dos docentes por tempo de
docência – Rio de Janeiro, 2009
exercem, ou seja, a maioria (76%) atua há mais de 11
anos, a totalidade (100%) dispõe de tempo integral para
dedicação à docência, além de 96% possuírem o título
de Doutor, conforme demonstrado na distribuição por
classe (adjunto, associado, titular) o que efetivamente
pode contribuir para um ensino de qualidade.
Tempo de docência
fi
%
Até 10 anos
05
24
De 11 a 20 anos
11
52
De 21 a 30 anos
03
14
Significado da satisfação no trabalho docente
Acima de 30 anos
01
05
Sem resposta
01
05
TOTAL
21
100
Com relação ao significado da satisfação no trabalho
docente de enfermagem, as respostas foram agrupadas
em categorias, seguindo as frases mais relevantes para a
pergunta em questão, como apontado no QUADRO 1.
Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes
TABELA 4 – Distribuição dos docentes por classe – Rio
de Janeiro, 2009
Classe dos docentes
fi
%
Assistente
04
19
Adjunto
12
57
Associado
03
14
Titular
02
10
TOTAL
21
100
Observa-se que o significado da satisfação no trabalho
para os entrevistados decorre da relação professoraluno, relação trabalho-docente, atividades acadêmicas,
incluindo as condições de trabalho.
Categoria – Relação professor-aluno
Na categoria relação professor-aluno, percebe-se que a
satisfação do trabalho docente perpassa pelo convívio
com os discentes, o crescimento do aluno ao longo do
curso, a possibilidade de formar profissionais, além de o
reconhecimento pelos discentes do trabalho docente.
Fonte: Entrevistas realizadas com os docentes
Observamos (TAB. 4) que a maioria dos investigados
pertence à classe de professores adjuntos, representando
12 (57%) do total dos entrevistados.
Dentre os resultados das características dos entrevistados
apresentadas, destaca-se a experiência na atividade que
O trabalhador comprometido com o trabalho sentese excitado pelos desafios, satisfeito com a atividade
que realiza e sente prazer em transmitir seus valores
na relação com o outro. Na docência do ensino
superior, não é diferente, o professor é o transmissor
de conteúdos, deve cumprir metas, prazos e detém
poder decisório no que se refere à metodologia e ao
emprego do conhecimento. Nesse sentido, o docente
em enfermagem deve assumir o papel de mediador e
ampliar as possibilidades de conhecimento, de dúvidas e
interação entre os alunos, porém essa dinâmica somente
QUADRO 1 – Significado da satisfação no trabalho docente
Relação professor-aluno
Convívio com os discentes
Relação
trabalho-docente
Prazer/motivação no
desempenho do trabalho
docente
Reconhecimento pelos
discentes do trabalho
docente
Crescimento e formação
profissional
Bom relacionamento com o
corpo social da escola
Atividades acadêmicas
Condições de trabalho
Prazer no desenvolvimento
das atividades docentes,
englobando ensino,
pesquisa, extensão além de
propiciar a construção do
conhecimento
Salário/
remuneração digna
Possibilitar novas
descobertas e contínuo
aprendizado
Boas condições de
infraestrutura
Cuidar/assistir os clientes
mesmo que indiretamente
Instrumentos
administrativos ágeis no
processo de trabalho
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51
Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem
ocorre, de fato, se esse profissional estiver satisfeito com
as atividades que desempenha e se sentindo valorizado
na Universidade onde trabalha.8
Fica claro, nas falas a seguir, que para o educador o
interesse e o desenvolvimento profissional de seu aluno,
além do convívio com o estudante, produzem não
somente o resultado do seu trabalho, mas lhe trazem
prazer para trabalhar e satisfação no trabalho. O discente
começa o curso inexperiente, e é lapidado aos poucos,
até se tornar um profissional, dotado de conhecimento
teórico e habilidades técnicas:
Ter prazer em estar com o discente, vê-lo crescer durante
a formação. (D10)
Significa reconhecimento dos discentes pelo seu
trabalho. (D2)
Estudantes entusiasmados e com interesse em aprender;
estudantes participativos. (D5)
Verificar os alunos seguros, crescendo em sua formação
e encontrá-los bem profissionalmente. (D14)
Poder contribuir na formação de pessoas que atuaram
profissionalmente na assistência. (D20)
Deve-se considerar, ainda, a questão do vínculo
afetivo, quando mencionamos o sentimento de prazer
associado ao papel desempenhado pela enfermagem.
Nesse sentido, o professor percebe-se importante
para o aluno e, da mesma maneira, o convívio diário
pode proporcionar o surgimento de amizade entre
o educador e o educando. Essa convivência gera
sentimentos gratificantes de alegria, satisfação,
realização e aprendizagem para ambos os lados.9
Categoria – Relação trabalho-docente
A satisfação no trabalho também engloba a relação
trabalho-docente. O prazer e a motivação no desempenho
do trabalho e o bom relacionamento com o corpo social
do curso de graduação são os aspectos que podem ser
observados nas seguintes falas:
Os colegas de trabalho reconheçam seu esforço e que
não haja tanta competição desnecessária. (D4)
Bom relacionamento no ambiente de trabalho. (D18)
Ter prazer em vir trabalhar na [...], os docentes se
respeitarem. (D3)
É trabalhar num espaço sem pressão, com delicadeza,
com clareza acerca das coisas, com lealdade. (D21)
Os professores entrevistados relataram o prazer em
trabalhar e o bom relacionamento com seus pares como
geradores de satisfação, que podem ser entendidos
como formadores de sua identidade profissional.
Entende-se que a experiência profissional demanda
domínio cognitivo e instrumental, porém existe outros
saberes igualmente importantes para a formação da
52
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
identidade profissional. A socialização na profissão
e a vivência profissional permitem ao indivíduo
experimentar elementos emocionais, relacionais e
simbólicos e, assim, assumir sua condição de professor,
abrangendo aspectos como se sentir bem em trabalhar
na profissão, o sentimento de estar no seu lugar, o
estabelecimento de relações positivas com seus colegas
de trabalho, capacidade de enfrentar problemas, etc.10
Categoria – Atividades acadêmicas
Para os investigados, o significado da satisfação no
trabalho docente inclui as atividades acadêmicas,
explicitadas no prazer em desenvolver as atividades
docentes, além da possibilidade de realizar novas
descobertas e contínuo aprendizado, como pode ser
percebido nas falas a seguir:
Possibilidade de novas descobertas e contínuo
aprendizado. (D9)
Fazer o que gosto; ter o que aprender no processo.
(D16)
O retorno na forma de produtividade acadêmica do
empenho profissional, a experiência de constante
desenvolvimento intelectual. (D18)
Segundo os docentes, a satisfação surge do desafio, de
realizar as atividades de sua competência e de estar se
aprimorando intelectualmente. A docência pode ser
entendida como uma forma de compartilhamento,
troca e aprendizado mútuos, por esse motivo depende
da disponibilidade tanto do professor quanto do aluno
para que, de fato, aconteça.9
Embora cuidar/assistir o cliente não tenha aparecido com
grande frequência, consideramos importante destacá-lo,
no significado dado pelos entrevistados, pelo fato de se
tratar do trabalho docente de enfermagem. Além disso, o
professor não se desvincula da essência de sua formação
de enfermeiro, ou seja, cuidar/assistir estão sempre presentes no seu processo de trabalho, ainda que indiretamente.
As falas significativas que evidenciam a associação da
prática assistencial à docência de enfermagem são:
O desenvolvimento e amadurecimento dos alunos,
gerando resultados positivos na profissão e nos clientes.
(D11)
Poder contribuir na formação de pessoas que atuarem
profissionalmente na assistência as pessoas com
agravos a sua saúde durante todo o ciclo vital. (D20)
Cuidar dos clientes, mesmo que indiretamente. (D10)
Os docentes, ao mencionarem a assistência, no contexto
do significado da satisfação no trabalho docente, deixam
claro que, mesmo não atuando diretamente no cliente,
possuem a intenção de perpetuar o sentido da profissão
enfermagem.
Antes a docente de enfermagem concentrava suas ações
nas tarefas assistenciais, era vista e respeitada como
aquela que sabia cuidar do paciente. Posteriormente,
a enfermagem tornou-se uma carreira universitária e a
pesquisa passou a ser imprescindível. Com esta evolução,
o docente passou a enfrentar o problema de ter que
conhecer a teoria, de ter vivência da prática, embora
deixando de desenvolver uma atividade contínua no
campo. Passou a ser vista pelo aluno como aquela que
conhece a teoria e é respeitada pelo seu saber, enquanto
o enfermeiro assistencial é o modelo da capacidade
técnica, é o que sabe fazer.4:81
Categoria – Condições de trabalho
Por fim, as condições de trabalho é outra categoria
relacionada ao significado da satisfação no trabalho
docente e envolve a remuneração digna, boas condições
de infraestrutura e instrumentos administrativos ágeis
no processo de trabalho, o que pode ser visto nas
seguintes falas:
Satisfação no trabalho docente é o resultado de um
conjunto de fatores, tais como ambiente de trabalho
com condições de trabalho dignas [...]. A questão da
remuneração é também um fator importante quando
o que está em jogo é a satisfação de todo e qualquer
trabalhador. (D6)
Ter estrutura mínima que permita o desenvolvimento
das atividades. (D16)
O perfil da instituição que proporciona satisfação no
trabalho docente é aquele em que são oferecidas
condições para um bom desempenho profissional,
otimização do trabalho, identificação com as atividades,
seguido de uma remuneração considerada justa, que
reverterá em melhor qualidade de vida e de trabalho.11
Os diversos conflitos presentes na atividade docente, em
sua maioria no campo das relações sociais, dificultam
a conciliação entre família e profissão, gerando
conflitos e desestimulando o docente. Esses fatores,
associados à falta de condições de trabalho, que levam
ao constante improviso na tentativa de suprir a falta de
recursos, geram sobrecarga no trabalho e insatisfação
ao trabalhar. Na enfermagem, os sentimentos de
inferioridade, discriminação, desvalorização e falta de
apoio institucional já são conhecidos, porém os mesmos
sentimentos se fazem presentes quando falamos da
docência em enfermagem, além dos baixos salários e
falta de reconhecimento dos pares.12
Podemos entender, portanto, que a satisfação no
trabalho docente significa, para os entrevistados,
um conjunto de fatores ideais que devem ser bem
articulados no ambiente laboral e que cada um desses
elementos, isoladamente, não proporciona a satisfação
plena no que diz respeito ao processo produtivo do
docente de enfermagem.
Ao significado da satisfação no trabalho os docentes
atribuem a construção de uma carreira em uma instituição
com infraestrutura que permita o desenvolvimento
pleno das atividades relativas ao processo de trabalho,
que valorize o profissional, que tenha remuneração
condizente com as atividades, além do bom convívio
com o corpo social e da contribuição de inserir seus
discípulos no mercado de trabalho.
Atividades exercidas com satisfação
No processo produtivo, há atividades que podem ser
exercidas com satisfação ou insatisfação. As atividades
apontadas pelos entrevistados como as que são
realizadas com satisfação são aquelas pautadas pelo
próprio processo de trabalho do docente (como
aulas teóricas, aulas práticas, pesquisas, orientações e
atividades de extensão); a participação e a divulgação
a produção do conhecimento em eventos científicos; e
também a possibilidade de participar do crescimento
dos alunos na sua formação profissional. As falas mais
significativas que evidenciam tais atividades exercidas
com satisfação são:
Aula teórica, prática, orientação de pesquisa, porque
envolve a relação docente-discente que eu amooo!!!
(D2)
As aulas teóricas na graduação. O ensino clínico com
os alunos. Essas atividades são prazerosas visto que
podemos passar a nossa vivência profissional para os
discentes. (D3)
[...] Poder contribuir mais diretamente para o
conhecimento do discente. Estar com os alunos, trocar
conhecimentos. Ensinar e aprender. Oportunidade de
estudar e ampliar conhecimentos. (D17)
Para muitos dos docentes entrevistados, alcançar a
satisfação e exercer suas atividades de forma prazerosa
é estar sintonizado na realidade do aluno. As expressões
“ter o que aprender”, “contato com os alunos” e “gosto de
participar do crescimento” surgiram na maioria das falas,
o que reforça a ideia de que cada vez mais o professor se
aproxima dos alunos de forma interativa, o que facilita a
produção do conhecimento e do pensamento crítico.
Em contrapartida, a arrogância do docente e a sensação de segurança e de poder podem produzir um
aprendizado equivocado e covarde, já que se torna
um costume culpabilizar o aluno pelos resultados
aquém das expectativas. Nesses casos, o que ocorre é
a reprodução sequencial do que já existe, inibindo o
pensamento crítico e a criatividade.13
Na enfermagem, o modelo de educação é pautado
pela atuação instrumental do professor e baseado
em princípios e técnicas cientificas, ignorando-se, por
fim, atitudes e valores éticos e políticos. Existe, porém,
a corresponsabilidade das instituições de ensino
superior no que diz respeito à formação de cidadãos e
profissionais. Esse modelo retrógrado é concebido como
mero reprodutor de vícios e mitos, sem sustentação
conceitual, o que viabiliza o empobrecimento do
pensamento e a diminuição do estímulo e do interesse
de docentes e de alunos.14
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
53
Satisfação e frustração no desempenho do trabalho docente em enfermagem
No sentido de buscar uma prática educativa e reflexiva
com ênfase na investigação da própria prática e no
diálogo, os docentes buscam situações de aprendizagem
em que é preciso construir, experimentar e corrigir para
que os alunos se conscientizem dos objetivos propostos
e das estratégias escolhidas e possam exercer sua
autonomia.14
Por meio da fala Ensinar a cuidar (D4), podemos observar
que a assistência ao cliente é um elo determinante
na enfermagem e não se dissocia mesmo quando o
processo de trabalho se diferencia da prática hospitalar,
como foi dito. Assim como a assistência está presente no
ideal do significado da satisfação no trabalho docente,
o cuidado permeia como atividade real que é exercida
com satisfação:
Ministrar aulas, desenvolver atividades práticas nos
diferentes cenários de atuação profissional, participar de
grupos de ensino-pesquisa e extensão. Acredito que essas
atividades fortalecem o trabalho acadêmico. (D9)
Ver o resultado dos alunos quanto às aprovações em
concursos. (D13)
O contato com os alunos me instiga a melhora e isso é
precioso [...]. Trabalhar com unidades que compõem a rede
de saúde (o que me faz aprender). [...] Aprender é o meu
combustível de prazer e renovação no trabalho. (D16)
De acordo com os entrevistados, as atividades exercidas
com satisfação são aquelas inerentes ao processo de
trabalho. O contato com o aluno está presente nas
falas, ou seja, o seu objeto de trabalho é uma fonte de
satisfação, deixando de ser um elemento passivo e se
tornando um fator de interação, troca e aprendizado.
O ato de ensinar gera fatores estressantes e motivação.
Neste último, a satisfação está na relação emocionalmente
afetiva com os alunos, prazer em ensinar, superar
dificuldades e vivenciar o crescimento dos discentes.
Se por um lado o trabalho docente gera desgaste, por
outro é renovador e potencializador da qualidade de
vida no trabalho.11
Atividades que trazem frustração
As atividades que não trazem satisfação ao docente,
nesse contexto, são aquelas em que há sobrecarga
de trabalho, tanto docente quanto administrativo,
e a obrigatoriedade de produção, que geralmente
deixam o docente cansado, gerando irritação e baixa
produtividade.
Os professores assumem enorme carga de trabalho,
ocupam cargos de chefia e de representações, dadas as
atividades acadêmicas, e ainda contam com ausência
de recursos humanos na área técnico-administrativa,
estrutura física inadequada, escassez de recursos materiais
e equipamentos que viabilizem sua prática profissional.
Esse aumento quantitativo de carga de trabalho, bem
como aumento qualitativo, pois cada vez mais se exige
um grande aprofundamento teórico-metodológico, é
54
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
visível e ocorre dada a necessidade de alcançar resultados
e produtividade para manter em elevado grau de estima
a universidade em que se trabalha.14
Dessa forma, a qualidade da educação e da pesquisa é
constantemente ameaçada pela pressão por produção,
uma vez que o aumento da produtividade nem sempre
significa aumento de qualidade. Nesse sentido, os
resultados apontam para a diminuição das ações
inovadoras e do desenvolvimento do pensamento.15
As falas significativas que demonstram quais atividades
geram insatisfação ao docente são:
Trabalhos burocráticos, que deveriam fazer parte do
trabalho técnico-administrativo. (D2)
As atividades realizadas na nossa casa, à noite,
geralmente, tais como elaborar aulas, projetos, correção
de provas e outros. (D3)
Atividades burocráticas que deveriam ser realizadas
por técnicos administrativos. A imposição de produção
e publicação. (D12)
O excesso de atividades, como estar no ensino teórico e
prático, tudo ao mesmo tempo, e ainda ter que publicar
é muita atividade. Não temos tempo nem para almoçar.
(D14)
As atividades que resultam do trabalho docente, porém,
não são de exclusiva competência deste. Por exemplo:
protocolar, encaminhar (levar) documentos, digitar
ofícios, memorandos, atas. (D15)
Trabalho de secretaria, como redigir e entregar
memorandos, tais atividades ocupam um tempo que
poderia ser específico para trabalho docente. Participar
de reuniões que muitas vezes são pouco objetivas e
produtivas. Aplicar prova momento que poderia estar
realizando outra atividade docente. (D17)
Reuniões chatas que não vão a lugar nenhum, em que
se repetem as mesmas coisas. (D21)
A realização de atividades que não trazem satisfação
pode se tornar fator estressor no ambiente de trabalho,
o qual é categorizado em intrínsecos, papéis estressores,
relações no trabalho, estressores na carreira, estrutura
organizacional e interface trabalho-casa. As condições
inadequadas de trabalho, o turno, a carga horária, os
riscos, os papéis conflituosos, o grau de responsabilidades,
as relações difíceis com o chefe e subordinados, a
insegurança no trabalho, dentre outros, são alguns dos
muitos fatores estressores no trabalho.16
Em síntese, exercer uma profissão em que algumas
atividades trazem sobrecarga de trabalho, como ter
de trabalhar além do horário estabelecido e realizar
afazeres que competem a outra profissão, além de ser
pressionado constantemente em prol da produção, gera
insatisfação no trabalho, contribuindo para a diminuição
da qualidade de vida no trabalho.
Soma-se a isso o fato de a enfermagem ser uma profissão
composta, majoritariamente, por mulheres e, por esse
motivo, a multiplicidade de atividades se torna um
desafio diário. Constantemente a satisfação no trabalho
vai estar ameaçada intrinsecamente por aspectos como
falta de tempo para cuidar da casa, do marido e dos
filhos, ou seja, aspectos relacionados a outros papéis
assumidos e a cobrança que existe em torno dele. Não
obstante isso, o desejo de sucesso profissional se projeta
concomitantemente com a satisfação no desempenho
de seus papéis no plano familiar.17
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regime de trabalho dos entrevistados nos leva a crer que
a disponibilidade do tempo para as atividades docentes
faz o professor se dedicar de forma integral à docência,
obtendo e compartilhando experiências, perpetuando
o conhecimento de forma saudável e aprimorando seu
saber, o que leva a um ensino sólido e de qualidade.
Além disso, percebemos, por meio das entrevistas, que,
apesar da insatisfação ao realizar algumas atividades
e da obrigatoriedade do cumprimento de metas, a
satisfação e o prazer em estar com o aluno, realizar as
atividades docentes e, principalmente, vê-lo crescer
profissionalmente superam qualquer desagravo com
a profissão.
O fato de conviver com o discente promove renovação
e satisfação no desempenho do trabalho docente. Ao se
aproximar da realidade do aluno, o professor compreende
melhor suas dúvidas, transmite o conhecimento de
forma clara e contribui para o aprendizado de forma
interessante e interativa. Podemos, portanto, associar o
ideal ao real, no que tange à satisfação no desempenho
do trabalho docente, por meio do que foi apresentado
nas entrevistas, quando os investigados apontam
a relação docente-discente como um dos fatores
relevantes para o estímulo e o prazer no trabalho.
Construir um ambiente laboral no qual haja qualidade
de vida e os trabalhadores exerçam suas atividades com
satisfação requer modificações de forma a torná-lo de
acordo com seus anseios como profissional e com suas
necessidades intelectuais. Na docência de enfermagem,
também há exploração da força de trabalho, exigindo,
nesse caso, mais do intelecto do que das propriedades
físicas, mas não é menos cansativo e desgastante.
Para que se possa implementar a qualidade de vida no
trabalho, usufruindo o significado atribuído à satisfação
no trabalho, é preciso, primeiro, entendê-la, porém não
há uma definição específica para a mesma. Contudo,
para amenizarmos o desprazer gerado pelo exercício
da docência, englobando aquelas atividades que não
trazem satisfação ao professor, há que se explorar
a fundo o significado dado pelos entrevistados à
satisfação no desempenho do trabalho docente de
enfermagem. O significado gerado do relato de pessoas
que estão na lida diária com as atividades pertinentes à
sua profissão deve ser considerado como relevante para
a instituição à qual pertencem, de forma a propiciar
condições no ambiente laboral a fim de potencializar
a qualidade de vida no trabalho, gerando resultados
positivos na produção.
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a luz da fenomenologia social. Rev Latinoam Enferm. 2011; 19(1):164-70.
Data de submissão: 30/9/2010
Data de aprovação: 6/10/2011
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 48-55, jan./mar., 2012
55
REPERCUSSões da hanseníase no cotidiano de pacientes:
vulnerabilidade e solidariedade
LEPROSY effects oN PATIENTS’ DAILY LIVES: vulnerabiliTY AND SOLIDARITY
REPERCUSIONES DE LA ENFERMEDAD DE HANSEN EN LA VIDA COTIDIANA DE LOS PACIENTES:
VULNERABILIDAD Y SOLIDARIDAD
Jairo Aparecido Ayres1
Bianca Sakamoto Ribeiro Paiva2
Marli Teresinha Cassamassimo Duarte3
Heloísa Wey Berti4
Resumo
Com a finalidade de subsidiar a assistência de enfermagem prestada ao hanseniano em um Centro de Saúde-Escola,
com este estudo objetivou-se analisar as repercussões da hanseníase no cotidiano desses pacientes. O referencial
metodológico foi o Discurso do Sujeito Coletivo. Para a análise dos discursos foram utilizados referenciais teóricos
da Bioética. Fizeram parte da pesquisa 17 pacientes com diagnóstico de hanseníase, acompanhados pelo serviço. As
repercussões da doença relatadas pelos entrevistados indicaram alta vulnerabilidade desses pacientes, que convivem,
ao mesmo tempo, com uma frágil solidariedade. O estudo cumpriu seu propósito de oferecer subsídios para uma
assistência de enfermagem que possibilite a identificação de aspectos que vulnerabilizam os doentes de hanseníase,
objetivando intervenções para o enfrentamento e a superação das fragilidades, com vista ao seu empoderamento.
Palavras-chave: Assistência de Enfermagem; Hanseníase; Vulnerabilidade; Bioética.
ABSTRACT
With the purpose of supporting the nursing care provided to leprosy patients at a teaching health care unit, this
study aimed at analysing the effects of leprosy on the patients’ daily lives. The Discourse of Collective Subjects was
the methodological framework used. Discourses were analysed using bioethical theories. Seventeen leprosy patients
cared for at the unit were recruited for the study. The effects of the disease, as reported by the respondents, indicated
the patients’ high vulnerability that coexists with a weak solidarity. The study fulfilled its purpose of providing nursing
care with a theoretical support that will enable the identification of aspects that make leprosy patients vulnerable. It
will allow as well the patients empowerment through nursing interventions for facing and overcoming fragility.
Keywords: Nursing Care; Leprosy; Vulnerability; Bioethics.
Resumen
Con el fin de subsidiar la atención de enfermería para le enfermedad de Hansen en un centro de salud escuela,
este estudio tuvo como objetivo analizar los efectos de la lepra en la vida cotidiana de estos pacientes. El enfoque
metodológico fue el Discurso del Sujeto Colectivo. Para el análisis de los discursos fueron utilizados marcos teóricos
de la Bioética. El presente estudio incluyó 17 pacientes con diagnóstico de lepra, con seguimiento del servicio. Las
repercusiones de la enfermedad reportadas por los entrevistados indicaron una alta vulnerabilidad de estos pacientes
que, al mismo tiempo, conviven con una solidaridad frágil. El estudio cumplió con su propósito de ofrecer subsidios
para la atención de enfermería que posibilite la identificación de los aspectos que hacen que los enfermos de lepra
sean vulnerables, buscando cómo enfrentar y superar las fragilidades con miras a su empoderamiento.
Palabras clave: Atención de Enfermería; Enfermedad de Hansen; Vulnerabilidad; Bioética.
1
2
3
4
Doutor em Doenças Tropicais. Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). E-mail: ayres@
fmb.unesp.br.
Doutoranda em Saúde Coletiva pela UNESP. E-mail: [email protected].
Doutoranda em Doenças Tropicais. Docente do Departamento de Enfermagem da UNESP. E-mail: [email protected].
Doutora em Saúde Pública. Docente do Departamento de Enfermagem da UNESP. E-mail: [email protected]
Endereço para correspondência – Faculdade de Medicina de Botucatu – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Departamento de
Enfermagem. Distrito de Rubião Júnior. Botucatu-SP. CEP: 18.618-000. Fones: (14)3811-6070/ (14) Cel. (14)8125-0057.
56
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma doença crônica, infectocontagiosa,
de evolução lenta e manifestações dermatoneurológicas,
determinadas pela resposta imune do indivíduo
acometido.1
As alterações neurológicas ocorrem por lesões nos troncos
nervosos periféricos, causadas tanto pela ação direta
do bacilo nos nervos como pela reação do organismo
ao bacilo. Os dois tipos de reação que ocorrem na
hanseníase – Reação tipo I e Eritema Nodoso Hansênico –
afetam, aproximadamente, de 30% a 50% dos indivíduos,
podendo surgir antes, durante e após o tratamento.
Constituem emergência porque poderá ocorrer injúria
severa nos nervos afetados, com consequente perda da
sensibilidade, paralisias e deformidades.1,2
As incapacidades e deformidades geram impacto
significativo para o doente, nos aspectos físico, social
e econômico.3
Em razão das deformidades físicas e do tratamento
excludente dado à pessoa portadora de hanseníase ao
longo dos séculos, foi construído certo horror em torno
da doença, o que acarretou profundo estigma social.4
Os portadores da doença reagem emocionalmente
com tristeza, raiva, revolta, culpa, vergonha e angústia,
relacionadas ao medo de enfrentar outras pessoas, ao
futuro, às transformações mutilantes, além do temor da
solidão, do abandono, dentre outros.4
Embora a prevalência de casos conhecidos venha
sendo reduzida por meio do tratamento e saída do
registro ativo, a detecção de casos novos de hanseníase
permanece alta em muitos países, inclusive no Brasil,
cujo coeficiente de detecção de casos novos, em 2007,
foi de 21,08/100 mil habitantes e o de prevalência,
21,94/100 mil habitantes.5
Tendo em vista que sua magnitude e sua transcendência
representam relevante problema de saúde pública, seu
controle figura entre as ações prioritárias no Pacto pela
Saúde e na Política Nacional de Atenção Básica.6,7
Uma vez que o Brasil se mantém como o maior
contribuinte de casos de hanseníase na América,
assumiu um compromisso na Estratégia Global para
maior redução da carga da hanseníase e a sustentação
das atividades de controle da doença de 2006 a 2010,
com o objetivo de reduzir a carga sanitária decorrente
e enfrentar os desafios remanescentes.8
Como problema de saúde pública, o tratamento tem
o objetivo de interromper a transmissão da doença,
quebrando a cadeia epidemiológica, como também
prevenir incapacidades físicas, promover a cura e a
reabilitação física e social do doente.9
No cuidado das pessoas com hanseníase, o enfermeiro
tem atuação importante no acompanhamento do doente
durante todo o tratamento, na identificação de possíveis
efeitos colaterais de medicamentos, na prevenção
de incapacidades físicas e no desenvolvimento de
autonomia e autocuidado.
Os enfermeiros vêm desempenhando esse papel no
programa de hanseníase, compondo a equipe de saúde
que atende o portador e seus familiares, especialmente
em serviços de atenção primária.
Estudos10,11 apontam a importância da realização de
amplo reconhecimento de necessidades de saúde
das pessoas portadoras de hanseníase, tendo em
vista os aspectos biopsíquicos e socioculturais acima
destacados, que envolvem seu cotidiano, permitindo,
assim, a identificação de vulnerabilidades e riscos a fim
de melhor subsidiar o cuidado integral dessa clientela.
Após vários anos de experiência no acompanhamento
ambulatorial de pacientes hansenianos, muitas
inquietações relacionadas ao cotidiano desses pacientes
foram sentidas, razão pela qual este estudo foi proposto
com o objetivo de analisar as repercussões da hanseníase
no cotidiano de portadores atendidos em uma unidade
de atenção primária à saúde.
SUJEITOS E MÉTODOS
Este estudo exploratório, com abordagem qualitativa, foi
realizado no Centro de Saúde Escola (CSE), unidade de
atenção básica da Faculdade de Medicina de Botucatu. O
CSE desenvolve o Programa de Controle da Hanseníase
desde 1989, atuando com a população do município
de Botucatu e sendo referência para os municípios
da microrregião de Botucatu, Departamento Regional
de Saúde DRS VI, Bauru. Visa à assistência integral ao
portador de hanseníase e seus comunicantes, bem
como desenvolve, na comunidade, ações voltadas
para o diagnóstico precoce e minimização do estigma
associado à doença.
Atua no programa uma equipe multiprofissional
composta por enfermeiros, médico dermatologista,
médico sanitarista, terapeuta ocupacional e técnica de
enfermagem, contando, ainda, com o apoio de outros
profissionais do serviço.
No período de janeiro de 2005 a julho de 2008, 49
pacientes foram tratados com poliquimioterapia no CSE,
sendo 26 multibacilares e 23 paucibacilares.
Fizeram parte da pesquisa 17 pacientes com diagnóstico
de hanseníase, acompanhados pelo programa, e
que aceitaram participar do estudo. O número de
entrevistados foi o considerado suficiente para atender
aos objetivos deste estudo, pela saturação das respostas.
Os dados foram obtidos por meio de entrevista
semiestruturada, no período de maio a julho de 2008.
As questões apresentadas aos entrevistados foram:
Você poderia me contar como foi receber o diagnóstico
de hanseníase? Como tem sido para você o convívio com a
hanseníase? E como tem sido o seu convívio com as outras
pessoas? Você poderia me contar como é o seu dia a dia?
As entrevistas, gravadas em fitas magnéticas, foram
transcritas e destruídas, organizando-se os depoimentos
de modo a extrair de cada um as ideias centrais e
expressões-chave. Variáveis sociodemográficas e clínicas
foram obtidas dos prontuários dos pacientes.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
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Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade
O referencial metodológico adotado foi o do Discurso
do Sujeito Coletivo (DSC), 12 o qual possibilita melhor
visualização sobre a representação de atores sociais
com quesitos básicos em comum: neste caso, doentes
de hanseníase, acompanhados em um mesmo serviço
de saúde.
Com base no material coletado, para cada questão analisada foram destacadas as Ideias Centrais – “Formulas
sintéticas que descrevem o(s) sentido(s) presentes
nos depoimentos de cada resposta” – e expressõeschave –“Trechos selecionados do material que melhor
descrevem seu conteúdo”. 13 O DSC foi elaborado reunindose as expressões-chave presentes nos depoimentos cujas
ideias centrais apresentavam sentido semelhante ou
complementar.13 Para a análise dos discursos recorreu-se
a referenciais teóricos da Bioética.
Vale ressaltar que o estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu
(UNESP), Of. 179/08-CEP.
Os pacientes foram devidamente informados sobre os
objetivos da pesquisa e entrevistados após assinarem o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Dos 17 pacientes entrevistados, 11 eram do sexo
masculino, 12 casados, com idade entre 29 a 75 anos. A
maioria (13 pacientes) tinha baixo nível de escolaridade
e procedia de Botucatu e região (16 pacientes). Dentre as
ocupações, cinco pacientes desenvolviam atividades no
lar, cinco eram prestadores de serviços, três trabalhavam
na indústria, dois no comércio, um era servidor público
municipal e um recebia auxílio da previdência social.
Quanto à classificação operacional de hanseníase,
11 eram portadores de formas multibacilares e 6,
paucibacilares. A seguir são apresentadas as questões
formuladas, as respectivas sínteses das ideias centrais
contidas nas falas dos respondentes e o DSC, referentes
a cada uma das ideias centrais.
A convivência com a hanseníase
Questão analisada: “Como tem sido para você o
convívio com a hanseníase?”
Síntese das ideias centrais
A. É terrível, você se machuca e não sente nada e também
tem muita dor.
B. A gente tem medo de passar a doença para outra
pessoa e se exclui.
C. Tem gente que tem receio desta doença.
D. Estou convivendo bem.
E. Não consigo fazer as coisas que eu fazia antes e fico
muito triste
F. Isso não tem cura.
58
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
Discurso do Sujeito Coletivo
A. É terrível, você se machuca e não sente nada e também
tem muita dor (E1, E2, E12)
É terrível, você se machuca e não sente nada, se
você queima você não sente, quando você vê já está
queimado, a pele é morta. Ela me trouxe mancha no
corpo, muita dor, daí que eu precisei operar. Trouxeme muito nervoso, a pior coisa foi que achei que não
ia sarar. Já foi muito difícil (choro) talvez você sente o
caminho da morte (choro) é mais difícil de entender,
até você superar [...].
B. A gente tem medo de passar a doença para outra
pessoa e se exclui (E3, E10, E16).
Na época a gente ficava com medo das pessoas
pegar e se afastar da gente, principalmente a pessoa
que a gente mora junto, que convive, a família [...].
A gente fica meio nervoso, com medo de passar em
outro. Só fico em casa, não vou passear, só fico com a
minha família... E não é que sou excluído das coisas,
sou excluído pela minha cabeça; se você fica fraco
psicologicamente você é excluído, você mesmo se
exclui na verdade.
C. Tem gente que tem receio desta doença (E3, E5, E7, E8).
Tem gente que tem receio desta doença. As pessoas
achavam que transferia, que passava para eles, então
ficavam evitando a minha pessoa, separavam copos,
separavam pratos, tudo... Fiquei bem mal porque até
meu companheiro ficava evitando dormir comigo.
Andando na rua, todo mundo fica às vezes me olhando,
comentando, nem chegam a falar comigo, têm medo de
ficar perto de mim, ter contato comigo [...]. No começo
não foi nada fácil conviver com essa doença. Assim,
quando eu falava que tinha essa doença, neguinho
já falava que tinha que fazer alguma coisa, então já
cumprimentava a gente se despedindo e se afastava,
inclusive muitos colegas meus de escola, na época, se
afastaram de mim.
D. Estou convivendo bem (E4, E6, E11, E13, E17).
Eu, praticamente, estou convivendo bem, no momento.
A gente vai aprendendo a conviver com ela. Através
dos medicamentos, a gente tem um pouco de solução
na dor [...], vai se harmonizando conforme a situação.
[...] Pra mim também é fácil eu não tive dificuldade
nenhuma por ter sido descoberta meio rápido antes que
tivesse afetado os nervos, a sensibilidade. [...] As pessoas
tocam nisso daí, eu não sinto, mas eu não me preocupo.
É uma doença como qualquer outra, normal.
E. Não consigo fazer as coisas que eu fazia antes e fico
muito triste (E6, E7, E9, E16).
As coisas que eu fazia antes, algumas coisas eu não
consigo fazer. Você não poder fazer alguma coisa que
você fazia, é complicado; é complicado conviver com
esta doença... Muitas coisas você deixa de fazer por
ela (doença), principalmente bebida, bebida acho que
todo mundo, a maioria gosta de tomar, e você não pode
tomar mais. Então, um pedaço de lazer que você curtia
você tem que deixar. Tem dia que eu estou assim bem
mais conformado, tem outros dias que eu fico muito
triste. Nossa! A tristeza é tamanha [...]. Mas eu imagino
assim: nós estamos no mundo não é para [...], tem gente
que tem a felicidade de nascer e morrer e não ter nada,
mas infelizmente eu não fui assim.
F. Isso não tem cura (E13, E14, E15).
Na minha opinião, isso daí cura não tem não, só Jesus
para curar. É meio difícil, eu corri atrás para tratar, para
ter cura [...].
só de falar [...]. Então a gente usa o termo que é uma
inflamação, uma neurite bem acentuada, bem forte,
então eu não tenho falado abertamente o nome dela
antigo nem que é hanseníase, por causa das pessoas
não entenderem realmente o que vem a ser a doença.
C. Só converso com meus familiares (E3, E17).
Eu só converso com minhas irmãs e meus irmãos, não.
[...] Foi muita surpresa e estamos vivendo até agora.
Converso também com meu marido e com minha
família sobre o problema da doença. Com pessoas de
fora, não, por preconceito.
D. Fica tudo bem quando eu informo as pessoas sobre
a hanseníase (E4, E8, E9, E12 e E15).
Vida relacional e a hanseníase
Questão analisada: E como tem sido o seu convívio
com as outras pessoas?
Síntese das ideias centrais
A. Tem gente que fica com cisma e se afasta.
B. Tem gente que pergunta e eu minto, evito falar ou
não falo claramente.
C. Só converso com meus familiares.
D. Fica tudo bem quando eu informo as pessoas sobre
a hanseníase.
E. Para se tratar a gente vive perdendo dia de serviço.
Algumas pessoas, quando eu conto a verdade sobre
a doença, elas dão uma parada, mas depois que eu
passo a informar como que é a situação da doença, aí
fica tudo ok. As pessoas ficam assustadas porque elas
lembram do passado em que as pessoas se tratavam no
lugar fechado. Hoje, como tem mais conhecimento da
doença, quando você passa a informar a situação da
doença, aí tudo fica bem. Acho que é mais a curiosidade
de saber o que é. Hoje em dia, graças a Deus, quando
você fala que tem hanseníase todo mundo concorda,
não se afasta, porque antigamente, eu não sei se estou
certo nisso, a hanseníase era conhecida como a lepra.
Hanseníase é um nome mais bonito em comparação
à Lepra. Tem pessoas que não sabem ainda que
hanseníase é lepra.
Discurso do Sujeito Coletivo
A. Tem gente que fica com cisma e se afasta (E1, E2, E5,
E6, E7, E11, E16).
Ficam abismados, tem gente que fica até com cisma,
é a doença. Porque antigamente a doença pegava de
qualquer jeito, na água, na vasilha em todas as coisas,
pegava [...]. Eu acho que têm muitos que não vêm na
minha casa por medo. Ficam meio assustados, saem
de perto, não conversam muito comigo, é isso daí.
Às vezes, no ônibus, quando eu estava com os braços
enfaixados, era difícil a pessoa sentar no banco, tinham
algumas que ficavam com medo de chegar perto. Uma
vez eu comentei com uma pessoa, de dentro do hospital,
uma pessoa que eu conhecia, e quando eu toquei no
assunto desse problema (risos) esse rapaz saiu rápido
de perto de mim. Sabe, eu me senti pequeno, o cara me
deixou falando sozinho e... vupt. No outro dia que eu vim
analisar, o cara estava com medo de mim.
B. Tem gente que pergunta e eu minto, evito falar, ou
não falo claramente (E1, E10, E13)
Tem gente que pergunta e eu minto, digo que isso ai
é reumatismo (risos). Eu evito até de falar porque tem
pessoas que se a gente fala se afasta. Isso daí não é
uma coisa que é contagiosa, era contagiosa no começo
do mundo, agora tem o tratamento. Dizem que não
tem perigo de transmitir pro outro com o tratamento.
Então, a pessoa fica com preconceito, e isso aí prejudica
um pouco, a gente sente, mas tem que encarar. Para
outras pessoas que realmente não conhecem a doença
E. Para se tratar a gente vive perdendo dia de serviço
(E10, e14).
Ah, é meio trabalhoso, viu? Porque a gente vive perdendo dia de serviço para fazer tratamento médico. Eles
falaram que era para eu entrar em tratamento pra eu
me curar que era melhor pra mim.
O cotidiano e a hanseníase
Questão analisada: Você poderia me contar como é o
seu dia a dia?
Síntese das ideias centrais
A. Tem muitos problemas pra gente devidos à doença.
B. Não tenho problema porque evito me machucar.
C. É como não estar na presença de Deus, a gente fala
e ninguém escuta.
D. Não consigo raciocinar rápido.
Discurso do Sujeito Coletivo
A. Tem muitos problemas para a gente, devidos à doença
(E1, E2, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E13, E15, E16)
Ah! Tem muitos problemas pra gente, porque a gente
não consegue fazer o que devia fazer. O que eu gosto
mesmo é de trabalhar, e agora faz tempo que eu não
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
59
Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade
trabalho. Tem dia que me dá ataque nervoso. Eu sinto
nervo porque tudo que eu fazia, eu digo meu Deus, isso
não poso fazer mais [...]. Através da doença que eu tenho
então vem o caso de que meu caminhar dói muito e a
dificuldade minha maior está nas dores que eu tenho
[...]. A falta de tato também é um problema, porque eu
não consigo ter, às vezes, o tato pra pegar as coisas, não
tenho as forças nas mãos e nos dedos. [...] A sequela que
ficou no pé, que é caído, vou andar eu ‘trupico’, caio,
no plano mesmo. Tem bastante problema na vida da
gente, vem junto com a doença, problemas financeiros,
e a gente tem que encarar. Outra coisa que acontece
também, a pessoa fica um pouco deprimida, fica sem
vontade de fazer as coisas, um pouco meio assim
desanimado. A gente não fica 100% como antes. Antes
eu gostava muito de sol, hoje o sol pra mim é terrível.
Então, pra mim esta doença só trouxe infelicidade.
B. Não tenho problema porque evito me machucar (E3,
E10, E11, E14, E17).
Não enfrento problema não, eu evito até de me
machucar, de aumentar, de virar ferida, então, eu tenho
mais cuidado. Convivo com meu parceiro como se eu
fosse uma pessoa normal. Agora eu estou bem.
C. É como não estar na presença de Deus, a gente fala e
ninguém escuta (E12)
É a mesma coisa que não estar na presença de Deus.
Sabe, é como que faltou alguma coisa e a gente não
consegue entender (pausa-choro). Eu enfrento (choro)
a dificuldade das pessoas entenderem o quê é que eu
quero, entender o que é bom, e o que vai me ajudar, só
isso mais nada [...]. Eu acho que a doença pode ter sido
causada pela própria ignorância de não entender, de
não falar, de não sentir, será que não é isso?Talvez a
gente fala mas ninguém vai escutar. Só.
E. Não consigo raciocinar rápido (E16).
Eu não consigo, às vezes, ser rápido na cabeça para
dar a resposta ali, não sei, não sei explicar como, talvez
você faz a pergunta agora e eu vou demorar para dar a
resposta, eu não consigo. Quando é amanhã eu já tenho
a resposta, eu consigo analisar devagarzinho. Eu não
tinha isso antes. Eu fiquei lerdo, demente, muito lerdo.
O nervoso eu não tinha. É tão rápido, às vezes eu estou
brincando e se alguém me ofender eu me estouro tão
rápido que eu não entendi porque fiz aquilo. Aí, quando
eu vou analisar já fiz, então eu tenho que voltar lá na
pessoa, conversar de novo, pedir desculpa. Já fiz isso
várias vezes, cheguei perder até emprego por causa
disso na época.
de 1974, com o objetivo de diminuir o preconceito e o
estigma que a envolve, observou-se que os entrevistados,
neste estudo, expressaram sentimentos negativos,
demonstrando que a hanseníase continua sendo uma
experiência existencial difícil e dolorosa. Outros estudos
também observaram sentimentos semelhantes.14-16
Narrativas, fatos e vivências empíricas e/ou científicas
indicam que a doença propicia reações emocionais
diversas que podem diferenciar de pessoa para pessoa,
associadas às imagens culturais sobre a doença ou o
doente.15
Da análise dos DSCs, verifica-se que os entrevistados
falam e reconhecem a própria vulnerabilidade. Esse
reconhecimento pode ser um ponto de partida para
uma construção maior que possibilite superar suas
fragilidades.17
A vulnerabilidade física apontada no DSC contido nas
ideias centrais A e E, da primeira pergunta, deriva de
condições individuais relacionadas às limitações que a
doença, por vezes, propicia.
Nos DSCs relativos às ideias centrais B e C, também
da primeira questão, verifica-se que a vulnerabilidade
social se mostra nessas falas. Essa condição de indivíduo
vulnerável decorre de uma relação desigual entre o
hanseniano e demais pessoas, até mesmo por causa
da histórica segregação social imposta aos seus
portadores. Mesmo com a evolução dos métodos de
diagnóstico e de tratamento, ainda persistem temores
infundados relacionados ao contágio, às mutilações
e, talvez o pior dos medos: o da perda da liberdade e
do isolamento social, especialmente nos indivíduos
ou grupos desinformados, entre os quais se incluem
alguns doentes de hanseníase. Estes parecem rejeitar a
si mesmos, isolando-se do convívio social,18 fato também
observado em estudo anterior.19
O DSC referente à ideia Central “Isso não tem cura” indica
que portadores de hanseníase não vislumbram essa
possibilidade para si. Esse fato pode estar indicando
a manifestação de estados reacionais, sequelas e
deformidades irrecuperáveis, ou, ainda, desinformação,
esta considerada inadmissível, porque são indivíduos
que vêm sendo acompanhados rotineiramente em
serviço de saúde.
DISCUSSÃO
Entretanto, quando diagnóstico e tratamento são feitos
precocemente e esclarecimentos e informações sobre
a doença são devidamente prestados, são relatados
enfrentamentos menos sofridos, melhor qualidade de
vida e melhor convívio com a enfermidade, conforme
DSC contido na idéia central D, da primeira questão,
“Estou convivendo bem”.
Em virtude de a hanseníase ser uma doença historicamente relacionada a tabus, crenças de natureza
simbólica e estigmatizante, se configura ainda como
uma doença mutilante, provocando assim a rejeição e
a discriminação do doente e a exclusão social.14
No DSC sobre convívio social aparecem a desinformação
e, novamente, o estigma, bem como os preconceitos,
fragilizando as relações. Nota-se que isso impede ou
dificulta a formação de laços afetivos e, como consequência,
o hanseniano se isola, sente-se perdido e só.
Apesar de a doença ter passado pela mudança de
denominação de lepra para hanseníase em meados
Pelo seu convívio cotidiano com a falta de solidariedade,
teme a discriminação, o escárnio, a rejeição, o que o leva
60
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
a sentir vergonha da sua moléstia. Desse modo, há os
que procuram ocultá-la, como também observado em
outro estudo.6
Outros, porém, talvez mais bem esclarecidos, fazem
questão de transmitir informações sobre sua doença a
outras pessoas e, com isso, percebem que são aceitos
e que as pessoas não se afastam, tornando-se mais
compreensivas e solidárias.
A falta de divulgação de informações sobre a hanseníase,
seu contágio, manifestações clínicas e sua evolução, por
parte dos profissionais e serviços de saúde, contribui para
a persistência de incompreensões e preconceitos.20
Do ponto de vista ético e jurídico, a informação é
pressuposto para que o indivíduo realize suas escolhas
no contexto de uma existência equilibrada em sociedade.
Portanto, sua insuficiência, nesse caso específico
relacionado à hanseníase, traz prejuízos à saúde dos
portadores por inviabilizar diagnóstico e tratamento
precoces e dificultar sua vida em sociedade.21
Analisando os DSCs que decorreram das respostas à
última questão sobre o dia a dia dos entrevistados, foi
possível identificar que até mesmo aqueles que, em falas
anteriores, referiram conviver bem com a doença e com
a sociedade, aqui, denotam certa ambiguidade. Passam
a falar dos mais diferentes problemas vivenciados,
relacionando-os à condição de portador de hanseníase,
revelando um cotidiano pleno de dificuldades, dores e
sofrimento.
Falam das dores físicas que limitam liberdades de
movimento e de ação para os afazeres diários, bem como
do tratamento que, por vezes, impede certos tipos de
lazer e outros prazeres.
Dessas dores físicas e da falta de solidariedade nascem
as emocionais, as dores da alma, a tristeza, a depressão.
O hanseniano se sente só, perdido no nada, longe do seu
Deus: A gente fala, mas ninguém vai escutar.
O doente de hanseníase, como todo ser vivo, é suscetível
de ser ferido pelo desamparo, pelo desamor e pela
solidão. Esse ferimento é o que causa a dor maior, porque
pode significar a exclusão ou a morte social.
Entretanto, as políticas de saúde vêm abordando a
inclusão, a realização plena dos direitos de cidadania. Os
serviços de saúde, pautados pelo princípio da equidade,
que pressupõe condutas que possibilitem igualdade
quando a diferença inferioriza, devem estar preparados
para conviver com o diferente, para proporcionar um
olhar com base nas diferenças e oferecer acolhimento
inclusivo e integral.22
Constatam-se, neste estudo, vivências diversas com
relação à hanseníase. No entanto, destacam-se, nos DSCs,
a experiência da dor física pelas reações hansênicas, bem
como as incapacidades e deformidades que limitam
desde as atividades profissionais até as mais cotidianas.
Ressalte-se, ainda, o preconceito vivido, ou temido,
que leva, muitas vezes, ao receio ou ao isolamento do
convívio social. O reconhecimento dessas e de outras
situações de vulnerabilidade é fundamental para o
planejamento da assistência com vista a um cuidado
integral que propicie o “empoderamento” desses
sujeitos a fim de desenvolver maior autonomia para o
autocuidado e garantia dos direitos de cidadania.
Reflexões sobre esse contexto nos indicam a necessidade
de revisão das nossas práticas na atenção e no
acompanhamento do paciente com hanseníase.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, foi possível identificar, no cotidiano dos
pacientes entrevistados, repercussões derivadas da
doença e dos estigmas que historicamente ela ainda
carrega.
O hanseniano é suscetível de ser ferido fisicamente,
mesmo que a dor desse ferimento seja perceptível
somente mais tarde. Ele é igualmente vulnerável em sua
subjetividade e sua exposição ao outro.
Vivendo num cenário de iniquidades sociais, de
desrespeito aos direitos humanos, de violência, de
preconceitos e intolerâncias às imperfeições estéticas,
dentre outras insuficiências e injustiças sociais,
o hanseniano procura ocultar sua doença e sua
vulnerabilidade, apesar dos avanços alcançados no
tratamento da hanseníase.
Reportando-se à reflexão ética, a percepção da
vulnerabilidade apela para o dever. Dever de reconhecer
em nós, seres humanos e profissionais de saúde, a nossa
parte que pertence aos outros e de atender ao clamor
de solidariedade do hanseniano, aqui compreendida
como um reconhecer-se no outro. Isso pode possibilitar
o encontro construtivo com o outro, o enfrentamento e
a superação das fragilidades.
A inclusão social do hanseniano, visando ao fim das
relações interpessoais e institucionais que o discriminam,
está na dependência da percepção que esses doentes têm
sobre si mesmos. Logo, deve-se partir da identificação
das causas estruturais da vulnerabilidade do portador de
hanseníase para se adequarem estratégias de atenção à
sua saúde que possibilitem o enfrentamento solidário
dos estigmas e preconceitos e a sua real inclusão na
sociedade.23
Igualmente necessário se faz o reconhecimento, por
parte das instituições e dos serviços de saúde, das suas
deficiências e vulnerabilidades, para proporcionar atenção
universal, integral e igualitária com sustentabilidade.
Neste estudo, em que se buscou identificar repercussões
da hanseníase no cotidiano de portadores dessa
moléstia, cumpriu-se a finalidade de oferecer subsídios
para uma assistência de enfermagem que propicie a
identificação de aspectos da vulnerabilidade desses
doentes, objetivando intervenções que garantam seu
empoderamento.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
61
Repercussões da Hanseníase no cotidiano de pacientes: vulnerabilidade e solidariedade
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Data de submissão: 30/6/2010
Data de aprovação: 10/10/2011
62
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 56-62, jan./mar., 2012
AVALIAÇÃO DA DOR CRÔNICA EM IDOSOS INSTITUCIONALIZADOS
EVALUATION OF CHRONIC PAIN IN THE INSTITUTIONALIZED ELDERLY
EVALUACIÓN DEL DOLOR CRÓNICO EN ANCIANOS INSTITUCIONALIZADOS
Maria Helena Barbosa1
Larissa Carvalho Silva2
Érica Vieira de Andrade3
Raissa Bianca Luiz4
Alisson Fernandes Bolina5
Ana Lúcia De Mattia6
Daniel Ferreira da Cunha7
RESUMO
Objetiva-se com esta pesquisa avaliar a dor e caracterizar os idosos institucionalizados segundo as variáveis
sociodemográficas e clínicas. Trata-se de estudo descritivo realizado com 124 idosos residentes nas Instituições
de Longa Permanência para Idosos de Minas Gerais. Para a obtenção dos dados, realizou-se entrevista, bem como
avaliação clínica. Utilizou-se estatística descritiva com análise univariada dos dados. Verificou-se a predominância
do sexo feminino, com hipertensão arterial sistêmica referida, solteiros e com filhos, média de idade 76,2 anos e
IMC médio 23,1 kg/m². A dor crônica, a adoção de tratamento medicamentoso e a não realização de atividade física
regular foram referidas pela maioria dos idosos. Os principais fatores de melhora e piora referidos foram o repouso e
a movimentação física, respectivamente. A dor crônica e a não realização de atividade física regular são vivenciadas
pela maioria dos idosos institucionalizados. Espera-se que novas medidas de monitoramento, prevenção e controle
da dor sejam implementadas nessas instituições.
Palavras-chave: Assistência à Saúde; Dor Referida; Percepção da Dor; Institucionalização; Serviços de Saúde para
Idosos.
ABSTRACT
This study objective was to evaluate the pain in institutionalized elderly as well as characterize this group according
to socio-demographic and clinical variables. It is a descriptive study with 124 elderly people living in long-term care
facilities (LTCF) in the state of Minas Gerais, Brazil. Data were obtained via interview and clinical assessment. Descriptive
statistics with univariate data were used. There was predominance of women with systemic arterial hypertension, single
and with children. The mean age was 76.2 years, and the median BMI was 23.1 kg / m². Chronic pain, the medication
treatment and the lack of physical activity were reported. Key fators for improvement and worsening of health were the
physical rest and physical activity, respectively. Results indicated that chronic pain and lack of regular physical activity
are experienced by most of the institutionalized elderly. New measures for monitoring, preventing and controlling the
pain should be implemented in these institutions.
Keywords: Health Care; Referred Pain; Pain Perception; Institutionalization; Health Care for the Elderly.
RESUMEN
El objetivo del presente estudio fue evaluar el dolor y caracterizar ancianos institucionalizados en función de variables
demográficas y clínicas. Se trata de un estudio descriptivo de 124 ancianos hospedados en establecimientos de
larga permanencia de Minas Gerais. Llevamos a cabo entrevistas y evaluación clínica para obtener datos. Se utilizó
estadística descriptiva con los datos de una variable. Los resultados indican que hay predominio de individuos del
sexo femenino, hipertensos, solteros y con hijos. Edad promedio de 76,2 años y promedio de IMC de 23,1 kg / m².
Dolor crónico, tratamiento con fármacos y falta de actividad física regular fueron mencionados por la mayoría de los
ancianos. Principales fatores de mejora y empeoramiento fueron reposo y actividad física, respectivamente. Llegamos
a la conclusión que la mayoría de los ancianos vive con dolor crónico y falta de actividad física regular. Se espera que
sean implementadas nuevas medidas de control, prevención y control del dolor en estas instituciones.
Palabras clave: Atención de la Salud; Dolor Referido; Percepción del Dolor; Institucionalización; Servicios de Salud
para Ancianos.
1
2
3
4
5
6
7
Professora adjunta da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutora em Enfermagem na Saúde do Adulto.
Graduanda em Enfermagem pela UFTM. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Uberaba-MG.
Aluna do Programa de Pós-Graduação stricto sensu – Mestrado em Atenção à Saúde da UFTM. Enfermeira. Uberaba-MG.
Egressa do curso de Graduação em Enfermagem da UFTM. Uberaba-MG. Colaboradora.
Egresso do curso de Graduação em Enfermagem da UFTM. Uberaba-MG.
Professora adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte-MG. Doutora em Enfermagem.
Professor titular da UFTM. Doutor em Clínica Médica. Uberaba-MG.
Endereço para correspondência – Praça Manoel Terra, 330. Abadia. Uberaba-MG, Brasil. CEP: 38015-050. Telefone: (34) 3318-5484.
E-mail: [email protected].
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
63
Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados
Introdução
Atualmente, chegar à velhice é uma realidade
mesmo nos países menos desenvolvidos. No Brasil, as
modificações relacionadas ao aumento da população
idosa ocorrem de forma radical e bastante acelerada.1
Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) evidenciaram o aumento de 9,1%
para 11,3% da população com 60 anos ou mais no
período de 1999 a 2009.2 Tais transformações foram
acompanhadas pelo aumento da incidência de doenças
incapacitantes, crônicas e degenerativas que resultam
no aumento da dependência e são agravadas pelas
queixas de dor.3
Entre as consequências que a longevidade tem trazido
à sociedade, a dor é uma das mais importantes.4 Ela é
definida como “uma experiência sensorial e emocional
desagradável relacionada com o dano real ou potencial
de algum tecido ou que se descreve em termos de tal
dano”. 5 Pode ser descrita como aquela que, mesmo
não estando no corpo, não sendo visível, é percebida
e descrita como estando nele pelo indivíduo 5. É
compreendida como um fenômeno multifatorial
e multidimensional. A lesão tecidual e os aspectos
emocionais, socioculturais e ambientais são fatores que
compõem o fenômeno.4,5
A dor aguda tem função de alerta; segue-se a uma lesão
tecidual e, geralmente, desaparece após a resolução do
processo patológico. Já a dor crônica é principalmente
reconhecida quando sua duração ultrapassa seis meses.
Dessa forma, o tempo de duração é o elemento de
diferenciação entre a dor aguda e a crônica.5
Quando a dor direciona e limita as decisões e os
comportamentos do indivíduo e acarreta outros
sintomas como fadiga, anorexia, alterações do sono,
constipação, náuseas, dificuldade de concentração,
associada à impossibilidade de controlá-la, traz sempre
sofrimento físico e psíquico, levando ao aumento da
morbidade entre os idosos.4
Nessa população, a dor crônica pode ser um fator de
limitação funcional, além de aumentar a agitação, o
risco de estresse emocional e de mortalidade. 4 Em
um estudo com cem idosos institucionalizados foram
encontrados 66% deles com dores intermitentes,
sendo que 51% dessas dores ocorriam diariamente
e 35%, semanalmente, o que leva à compreensão de
que tais aspectos estariam ligados ao desconforto e
comprometimento da qualidade de vida dos sujeitos
avaliados4.
A dor é considerada um problema de saúde pública, pois
impede que a pessoa acometida realize suas funções
adequadamente, o que pode acarretar em incapacidade
física e funcional, dependência, afastamento social,
alterações na dinâmica familiar, desequilíbrio econômico
e outros problemas que se agravam entre os idosos.3
Assim, a dor necessita ser diagnosticada, mensurada,
avaliada e devidamente tratada pelos profissionais de
saúde, a fim de minimizar a morbidade e melhorar a
qualidade de vida da população idosa.3
64
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
Para o alívio da dor crônica, somente os agentes
farmacológicos analgésicos não são eficazes, o
que possivelmente se deve aos efeitos secundários
indesejáveis e à baixa adesão ao tratamento medicamentoso.6 Entre as estratégias empregadas pelos
programas multidisciplinares destinados ao alívio da
dor crônica estão atividades como gestão do estresse,
educação dos pacientes e das famílias, psicoterapia e
relaxamento, sendo o exercício físico a estratégia mais
utilizada.6
As Instituições de Longa Permanência para Idosos
(ILPIs) são alternativas para quem ficou sem condições
de autonomia.7 A questão da institucionalização de
idosos continua sendo um assunto delicado, visto que
sua aceitação como alternativa de suporte social ainda
não é consensual, embora seja indiscutível o aumento
da demanda por esse serviço.8 Nessas instituições,
a dor também é uma experiência vivenciada pelos
idosos, como observado por um estudo realizado em
ILP, no Rio Grande do Sul, no qual foi encontrado como
um dos principais diagnósticos de enfermagem a dor
relacionada a doenças degenerativas e evidenciada pelo
relato verbal dos idosos.9
A maioria dos idosos refere dor crônica, e muitas vezes
essa queixa não é devidamente valorizada entre as
pessoas de seu convívio. Isso aponta para a importância
de avaliações tanto de sua prevalência quanto de
intensidade para que medidas adequadas para seu
controle e tratamento sejam planejadas.4
OBJETIVOS
Geral
Analisar as características da dor crônica em idosos
institucionalizados.
Específicos
1. Caracterizar o perfil dos idosos segundo dados clínicos
e sociodemográficos.
2. Identificar fatores que propiciam a manifestação da
dor e aqueles que podem minimizar-lhe a ocorrência.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, com
abordagem quantitativa, realizada nas ILPIs do município
de Uberaba-MG, Brasil, as quais são cadastradas
pela Prefeitura Municipal no Conselho Municipal de
Assistência Social (CMAS).
O município de Uberaba possui 9 ILPI cadastradas, as
quais abrigam atualmente 295 cidadãos. Participaram
do estudo, 124 idosos que atenderam aos seguintes
critérios de inclusão: aceitar participar da pesquisa e
assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), ter idade acima de 60 anos e conseguir verbalizar.
Foram excluídos da pesquisa 171 (57,9%) residentes
das instituições por não atenderem aos critérios de
inclusão, 13 (7,6%) por terem falecido ou não morarem
mais na instituição e 8 (4,6%) por não estarem presente
no momento da entrevista em razão de passeio ou
internação hospitalar.
Para a coleta dos dados, inicialmente foram agendados
os horários com os responsáveis pelas ILPIs, campos de
estudo, para a realização das entrevistas e avaliações dos
idosos pelos pesquisadores. Os dados foram coletados,
no período de fevereiro a julho de 2010, após o aceite
em participar da pesquisa com a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por essa
população.
Utilizou-se para a obtenção dos dados um instrumento
constituído de duas partes. A primeira referia-se
aos dados de identificação dos idosos e às variáveis
clínicas e sociodemográficas e a segunda, aos aspectos
relacionados à dor (localização, fatores de melhora e
piora e tratamentos adotados).
Os dados foram inseridos em uma planilha eletrônica
do programa Excel XP® da Microsoft,® validados por
dupla entrada e exportados para o programa Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) para processamento
e análise. Utilizou-se estatística descritiva com análise
univariada para as variáveis sociodemográficas e clínicas
e para os aspectos relacionados à dor.
TABELA 1 – Características sociodemográficas e
clínicas dos idosos em ILPI – Uberaba-MG, 2010
Variáveis
Sexo
Faixa etária
(em anos)
Estado civil
Filhos
Escolaridade
Variáveis do estudo
Variáveis clínicas e sociodemográficas: idade, escolaridade,
profissão, procedência, sexo, estado civil, número de
filhos, IMC e comorbidades; e variáveis relacionadas à dor:
localização, tempo do início (surgimento), tratamentos a
dor nos adotados (farmacológico e não farmacológico).
IMC*
Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
sob o Parecer CEP/UFTM nº 1360/09.
RESULTADOS
Comorbidades
No período de fevereiro a julho de 2010, fizeram parte
deste estudo 124 idosos das 9 ILPIs cadastradas em
Uberaba-MG. Todos os idosos entrevistados eram
aposentados. A maioria – 63 (50,8%) – era do sexo
feminino; a média de idade foi de 76,2 anos, com
variação de 60 a 105 anos, prevalecendo 46 (37,1%) na
faixa etária entre 70 e 80 anos; 49 (39,5%) eram solteiros
e 72 (58,1%) tinham filhos, com média de 2,1 filhos
por idoso; 98 (78%) idosos procederam de Uberaba.
Quanto à escolaridade, 72 (58,1%) estudaram até o
ensino fundamental (TAB. 1).
Em relação ao estado nutricional, o IMC médio foi de 23,1
kg/m², com variação de 12,4 a 36,1 kg/m² e 34 (43,6%)
idosos apresentavam-se abaixo do peso. A maioria dos
idosos – 85 (68,5%) – apresentavam comorbidades,
com prevalência de 22 (17,7%) idosos com hipertensão
arterial sistêmica (HAS) isolada (TAB. 1).
N
%
Masculino
61
49,2
Feminino
63
50,8
60├ 70
35
28,2
70├ 80
46
371
80 e mais
43
347
Solteiro
49
39,5
Separado
21
16,9
Casado
14
11,3
Viúvo
40
32,3
Não
52
41,9
Sim
72
58,1
Nenhuma
46
37,1
Fundamental
72
58,1
Médio
4
3,2
Superior
2
1,6
Abaixo do peso
34
43,6
Eutrófico
31
39,7
Excesso de peso
13
16,7
Desconhece
39
31,5
Hipertensão
arterial sistêmica
(HAS)
22
17,7
Diabetes mellitus
(DM)
7
5,6
HAS + DM
6
4,8
HAS + outras
19
15,3
DM + outras
4
3,2
HAS + DM +
outras
5
4
Outras
22
17,6
*Classificado segundo critérios do Ministério da Saúde, 2004.
Fonte: Dados coletados pelos autores (2010).
Com relação aos aspectos relacionados à dor, a maioria
dos idosos, 72 (58,1%) referiu apresentar dor crônica; 55
(76,4%) relataram surgimento da dor há mais de um ano;
24 (33,3%) disseram que sentiam dor do tipo pontada;
23 (31,9%) informaram como local de dor somente os
membros inferiores (TAB. 2).
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
65
Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados
TABELA 2 – Distribuição dos fatores relacionados à
dor entre os idosos (n=72) em ILPI – Uberaba-MG,
2010
Início da dor
Tipo de dor
Localização
da dor
Variáveis
N
%
< 1 ano
17
23,6
Entre 1 e 2 anos
14
19,4
>2 anos
9
12,5
> 4 anos
13
18,1
>10 anos
19
26,4
Queimação
13
18,1
Pontada
24
33,3
Aperto
11
15,3
Ferroada
9
12,5
Latejante
4
5,6
Ferroada + latejante
1
1,4
Queimação+ aperto
1
1,4
Queimação +
latejante
1
1,4
Dormente
1
1,4
Não sabe explicar
7
9,7
Membros inferiores
23
31,9
Região dorsal
11
15,3
Abdome
6
8,3
Corpo inteiro
5
6,9
Membros superiores
4
5,6
DISCUSSÃO
Membros inferiores +
Região dorsal
4
5,6
Membros inferiores+
Articulações +
Abdome
4
5,6
Outros
15
20,8
Neste estudo, observou-se a prevalência de idosos do
sexo feminino, o que corrobora com outros estudos.10,11
A predominância de mulheres evidencia a chamada
“feminização da velhice”, a qual é justificada, por alguns
estudiosos, pela menor exposição das mulheres a fatores
de risco, como tabagismo e etilismo, além das diferenças
de atitude entre homens e mulheres em relação ao
controle e tratamento das doenças, o que resulta em
maior longevidade.12
Fonte: Dados coletados pelos autores (2010).
Quanto ao tratamento adotado, 24 (33,3%) idosos
disseram que faziam uso de medicamentos; 23 (31,9%)
não adotavam medidas de tratamento; 17 (23,6%)
relataram tratamento medicamentoso associado à
fisioterapia; e 8 (11,1%), tratamento fisioterapêutico
isolado.
Em relação aos fatores de melhora da dor, 30 (41,7%)
idosos não referiram fator de melhora, 16 (22,2%)
relataram melhora com a posição deitada e 8 (11,1%)
com repouso. Quanto aos fatores de piora da dor, 25
(34,7%) idosos não referiram fator de piora, 23 (31,9%)
relataram piora ao caminhar e/ou movimentar-se e 7
(9,7%) ao sentar-se.
66
A maioria dos idosos – 69 (55,6%) – apresentava
mobilidade física prejudicada, sendo 20 (29,0%) por
sequela de acidente vascular encefálico, 11 (15,9%) por
fraqueza e 10 (14,4%) por presença de dor.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
Com relação à realização de atividade física regular
entre os idosos que referiram dor, 9 (12,5%) realizavam
algum tipo de atividade e, desses, 5 (55,5%) relataram
haver melhora da dor com essa prática. Entre os idosos
que não realizavam atividade física, 52 (72,2%) relataram
que a dor não era o fator impeditivo para a realização da
atividade, embora não a realizassem (TAB. 3).
TABELA 3 – Distribuição dos idosos que apresentavam
dor (n=72) segundo a realização de atividade física
em ILPI – Uberaba-MG, 2010
Variáveis
Atividade física
Dor impede
realizar at. física
Exercício melhora
a dor
N
%
Não realiza
regularmente
63
87,5
Caminhada
8
11,1
Natação
0
0
Ginástica
1
1,4
Não
52
72,2
Sim
20
27,8
Não
4
5,6
Sim
5
6,9
Fonte: Dados coletados pelos autores (2010).
A média de idade da população deste estudo foi de
76,2 anos, o que também foi evidenciado em estudo
de metodologia similar realizado na Região Nordeste
do Brasil.13 Já em estudo realizado com idosos não
institucionalizados, observou-se média de idade menor.14
Acredita-se que essa diferença etária possa ser explicada
pelo fato de se considerar que a institucionalização
ocorre, em grande parte, quando o idoso perde a
autonomia, ocorrência mais evidente com o avançar
da idade.7 Isso remete às questões socioeconômicas da
realidade atual, as quais podem dificultar ou mesmo
impedir a manutenção de um cuidador no ambiente
familiar diante das necessidades de saúde dos idosos
com autonomia comprometida.
Observou-se que a maioria dos idosos entrevistados
tinha filhos, o que diverge dos resultados evidenciados
em estudo realizado na Região Sul do País.15 Isso pode
estar relacionado às diferenças culturais encontradas no
Brasil, considerando, além das dimensões geográficas, os
valores e crenças da população em cada região.
Entre as comorbidades relatadas pela população deste
estudo, verificou-se a prevalência de HAS, também
verificada em outras pesquisas.9,14 O envelhecimento
populacional trouxe a incidência de doenças
incapacitantes, crônicas e degenerativas, dentre as quais
se destacam a HAS e o diabetes mellitus.3 A HAS constitui
um dos problemas de saúde de maior prevalência na
atualidade, principalmente entre os idosos.9,14,16
Em relação à dor, evidenciou-se, nesta pesquisa, o relato
de dor crônica na maioria dos idosos estudados, o que
corrobora com outras investigações.4,13 Para alguns autores,
a prevalência de dor em idosos que vivem em ILPI pode
estar relacionada às condições precárias de saúde dessa
população.4 No que se refere à localização da dor, a maioria
dos idosos referiu os membros inferiores, o que também
foi evidenciado em outros estudos.10,17 Tal fato pode estar
relacionado à prevalência de doenças osteomusculares
nessa população, como artrite, artrose, artralgia, esporão
de calcâneo, osteoporose e artrite reumatoide, as quais
foram as mais citadas em estudo sobre a influência da dor
na limitação da capacidade funcional.14
Já quanto ao tipo de tratamento adotado, houve um
equilíbrio entre o número de idosos que não faziam
tratamento e os que usavam somente medicamentos
para o controle da dor. Embora neste estudo não se
tenha avaliado a adesão ao tratamento, sabe-se que esta
pode ser influenciada também pelo tipo de tratamento
utilizado. 18 Em pesquisa que avaliou a adesão ao
tratamento de dor crônica, verificou-se adesão parcial
pela maioria dos sujeitos investigados e a não adesão
ao tratamento por 30% dessa população.18
Outro aspecto relevante a ser considerado no tratamento
da dor crônica é a possibilidade de inclusão de tipos
diversificados de práticas terapêuticas, dentre as quais
a massagem, a atividade física, além do tratamento
fisioterápico e acupuntura.6,18 Outros autores relatam
que a associação de terapêuticas não farmacológicas
são eficazes e seguras, além de diminuir a necessidade
de medicamentos e, consequentemente, reduzir a
ocorrência de reações adversas nos idosos.10
Embora a maioria dos idosos participantes deste estudo
tenha apresentado mobilidade física prejudicada, a dor não
foi o principal fator desencadeante, e sim a incapacidade
funcional decorrente de AVE, reiterando resultados
de estudo no qual se evidenciou o AVE associado à
incapacidade funcional grave.19 Entretanto, o achado no
estudo em questão diverge de pesquisa que apontou a dor
como principal fator associado às limitações na realização
de atividades cotidianas, dentre as quais deambulação,
higiene íntima e ato de vestir-se.17
Destaque-se, neste estudo, que a maioria dos sujeitos
não referiu fatores de piora, tampouco fatores de
melhora da dor. Contudo, entre os fatores de melhora,
foram referidos deitar-se e ficar quieto. Já entre os fatores
de piora informados foi apontada a movimentação do
corpo como caminhar e sentar-se, o que coincide com
os achados de pesquisa sobre dor crônica em idosos da
comunidade.10 Alguns autores afirmam que os aspectos
relacionados ao estado mental, à localização da dor e
a doença de base podem influenciar na dor de idosos
institucionalizados.13.
Apesar de a maioria dos idosos que relataram dor não
realizar atividade física regular, a dor não foi apontada
como o fator responsável para tal. Entretanto, entre os
idosos que apresentavam dor, a atividade física foi referida
como uma prática que auxiliava na melhora dessa dor.
Pesquisa com idosos institucionalizados no Rio Grande
do Sul mostrou que 100% dos idosos não realizavam
atividade física.15 A atividade física está relacionada ao
bem-estar físico, mental e à inclusão social, além de atingir
efeito analgésico em alguns casos.6.
Para os idosos residentes nas ILPIs, a saúde é relacionada
à ausência de dor, ao conforto físico e à segurança
proporcionada pela instituição que garanta comida,
moradia e atendimento médico.9
CONCLUSÃO
Neste estudo, evidenciou-se que entre os idosos
residentes nas ILPIs houve predominância do sexo
feminino, solteiros, com escolaridade até o ensino
fundamental e com filhos. A média de idade desses
idosos foi de 76,2 anos e o IMC médio foi de 23,1 kg/m²,
com 43,6% dos idosos abaixo do peso ideal. A maioria
dos idosos referiu apresentar comorbidades, com
prevalência de hipertensão arterial sistêmica.
A maioria dos idosos relatou dor crônica, com surgimento
há mais de um ano, predomínio de dor em membros
inferiores, do tipo pontada, sendo que 33,3% faziam
uso de medicamento para o alívio da dor e 31,9% não
adotavam medidas de tratamento.
A posição deitada e o repouso foram referidos como
fatores de melhora da dor, enquanto caminhar e/ou
movimentar e sentar-se como fatores de piora. Entre
os idosos que referiram dor, a maioria não realizava
atividade física e, daqueles que a realizavam, a maioria
relatou haver melhora da dor com essa prática. A maioria
dos idosos apresentava mobilidade física prejudicada
decorrente de sequela de acidente vascular encefálico,
fraqueza referida e dor.
A dor crônica se destaca entre os principais fatores que
influenciam negativamente a qualidade de vida da
pessoa idosa, limitando suas atividades e aumentando
seu o isolamento social.
A enfermagem tem importante papel no cuidado em
saúde relacionado a limitações físicas e mentais. A
atenção à pessoa idosa institucionalizada e que apresenta
dor crônica representa um desafio para os profissionais
de enfermagem no sentido de minorar o sofrimento
causado pela dor, bem como as consequências que
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
67
Avaliação da dor crônica em idosos institucionalizados
se somam a essa situação. Nesse sentido, a realização
de avaliação da condição de dor é fundamental para
determinar o diagnóstico de enfermagem e elaborar
um projeto de intervenção que contemple, além da
redução da dor especificamente, a avaliação constante
dos resultados obtidos com as medidas implementadas
e o controle sistemático no sentido de prevenir
complicações estabelecendo vínculos de confiança
e atitudes de interesse com vista à assistência de
enfermagem holística.
O aumento da expectativa de vida no Brasil e no mundo
reflete a necessidade da incorporação de várias áreas
do saber para atuar em assistência à saúde de pessoas
idosas. A formação de equipes multiprofissionais para
esse fim tende a ser benéfica no sentido de congregar
conhecimentos diversificados para melhorar a qualidade
de vida dos idosos. Assim, o planejamento conjunto das
ações de assistência ao idoso institucionalizado para o
controle da dor crônica pode potencializar resultados
positivos no sentido da socialização, redução da
inatividade e do isolamento social decorrentes da dor
vivenciada.
Espera-se que os resultados evidenciados neste estudo
possam colaborar na articulação e construção coletiva de
programas multi e interdisciplinares de atenção à saúde
ao idoso institucionalizado, com foco na prevenção
e controle da dor crônica no sentido de favorecer a
qualidade de vida dessas pessoas.
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Data de submissão: 12/9/2011
Data de aprovação: 10/10/2011
68
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 63-68, jan./mar., 2012
AÇÕES EDUCATIVAS PARA PREVENÇÃO DE INFECÇÕES HOSPITALARES
EM UMA UNIDADE NEONATAL
EDUCATIONAL ACTIVITIES FOR THE PREVENTION OF HOSPITAL INFECTION IN A NEONATAL UNIT
ACCIONES EDUCATIVAS PARA PREVENIR INFECCIONES HOSPITALARIAS EN UNIDAD NEONATAL
Mayara Sousa Vianna1
Aline Martins Braga2
Luciana Camponez de Ávila Menezes2
Guilherme Augusto Armond3
Dirciana Cangussu3
Lenize Adriana de Jesus3
Wanessa Trindade Clemente4
Edna Maria Resende5
Roberta Maia de Castro Romanelli6
RESUMO
As infecções hospitalares (IHs), importantes causas de morbimortalidade, são frequentes em recém-nascidos
(RNs) internados em unidades neonatais. Para o controle de IH, é importante a orientação aos pacientes e a seus
acompanhantes. O objetivo com este trabalho foi avaliar informações assimiladas por mães e acompanhantes de RNs
internados na Unidade Neonatal que participaram de atividades de educação em saúde em prevenção de infecções no
setor. Trata-se de estudo prospectivo, com aplicação de questionários às mães e acompanhantes de RNs na Unidade
Neonatal do Hospital das Clínicas da UFMG, realizado nos meses de agosto de 2008 a abril de 2009. O questionário foi
aplicado em duas diferentes amostras: antes e após as orientações de prevenção de infecção. A amostra total foi de
268 usuários, sendo que 121 deles receberam a orientação previamente à aplicação do questionário e 147 receberam
as informações após o preenchimento deste. Observou-se um percentual de acerto maior após as orientações em
todas as questões e houve diferenças estatísticas significativas (p<0,05) entre os grupos em oito das dez questões
realizadas. Concluiu-se que essa foi uma medida eficaz para a educação de acompanhantes dos RNs, que adquiriram
noções básicas de infecção após as orientações, por isso podem contribuir para o controle e a prevenção de infecções
na Unidade e em casa após a alta.
Palavras-chave: Recém-Nascido; Vigilância; Controle de Infecções.
ABSTRACT
Hospital-acquired infections (HAI) are a major cause of morbidity and mortality and are common in neonatal units. To
control hospital infection it is important to advise patients and their companions on the subject. This study aimed at
evaluating the mothers and their companions’ assimilation of information conveyed during health education activities
on the prevention of hospital-acquired infections. This was a prospective study that applied questionnaires to mothers
and companions of newborns admitted to the Neonatal Unit of the Clinics Hospital of the Federal University of Minas
Gerais (UFMG). The study was carried out from August 2008 to April 2009. The questionnaire was administered in
two different samples: one before and another after the training on infection prevention. Total sample size was 268:
121 received the information prior to questionnaire application, and 147 received it after questionnaire filling in.
Results indicated that there were a higher percentage of correct answers after the groups were given instructions in
all questions. There were significant statistical differences (p<0.05) between groups in eight of the ten questions. In
conclusion, this was an effective educational activity for the newborn companion. He/she acquired basic notions on
infection following the training and therefore may contribute to infection control and prevention in the unit and at
home after hospital discharge.
Keywords: Newborn; Surveillance; Infection Control.
RESUMEN
Las infecciones hospitalarias (IH), comunes en recién nacidos (RN) internados en unidades neonatales, son la causa
principal de morbilidad y mortalidad. Para controlar IH es importante instruir pacientes y cuidadores. El objetivo del
presente estudio fue evaluar las informaciones asimiladas por madres y cuidadores de RN internados en una unidad
1
2
3
4
5
6
Enfermeira da Unidade de Pronto Atendimento Centro-Sul, Prefeitura de Belo Horizonte. Ex-estagiária da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG.
Acadêmica do curso de graduação em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Ex - Estagiárias da Comissão de
Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG
Estatística da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG
Presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG. Professora do Departamento de Propedeutica Complementar da Faculdade de
Medicina da UFMG.
Professora da Escola de Enfermagem da UFMG. Membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG.
Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HC/UFMG.
Endereço para correspondência – Avenida Alfredo Balena 110, 1º andar, ala oeste – CCIH. Bairro Santa Efigênia. Belo Horizonte-MG. CEP 30130 100.
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Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal
neonatal que participaron en actividades de educación para prevenir infecciones. Se trata de un estudio prospectivo
con encuesta a madres y cuidadores de bebés en Neonatología del Hospital de Clínicas, entre agosto 2008 y abril
2009. Se realizaron dos muestras diferentes: antes y después de las directivas para la prevención de infecciones. La
muestra total consistió en 268 usuarios: 121 recibieron orientaciones antes y 147 después de la encuesta. Los resultados
indican que hay mayor porcentaje de respuestas correctas después de las directivas en todas las preguntas y hubo
diferencias estadísticamente significativas (p <.05) entre los dos grupos en ocho de las diez preguntas. Se llega a la
conclusión que se trata de una medida de educación eficaz para cuidadores de recién nacidos. Al adquirir nociones
básicas de infecciones los cuidadores son capaces de contribuir al control y prevención de infecciones en la unidad y
en el domicilio después del alta hospitalaria.
Palabras clave: Recién Nacido; Vigilancia; Control de Infecciones.
INTRODUÇÃO
As infecções hospitalares (IHs) são importantes causas
de morbimortalidade. O Ministério da Saúde (MS), pela
Portaria no 2.616 de 1998, define IH como a infecção
adquirida após a admissão do paciente na unidade
hospitalar e que se manifesta durante a internação
ou após a alta quando puder ser relacionada com
internação ou procedimentos hospitalares. São também
consideradas hospitalares as infecções que ocorrem
até 72 horas da admissão do paciente quando se
desconhece o período de incubação do microorganismo
e não houver evidência clínica e/ou dado laboratorial de
infecção no momento da internação. 1
As IHs variam entre 10 a 35% de recém-nascidos (RNs)
internados em unidades neonatais e encontram-se
entre as principais causas de morbidade e mortalidade
neonatal, o que varia de acordo com o peso.2-5
A mortalidade alcança taxas de 26% a 41%, sendo que os
principais agentes são o Streptococcus, beta-hemolítico,
do grupo B; Listeria monocitogenes; Escherichia coli
(em sepse precoce), Staphylococcus sp, Klebisiella sp,
Pseudomonas sp, Enterobacter e Candida sp (em sepse
tardia). (2, 4, 6). Em torno de 4% das mortes nos três
primeiros dias de vida e 45% dos óbitos após duas
semanas em RNs de muito baixo peso são atribuídas a
infecção.6 Os principais fatores de risco são condições
inadequadas de assistência, prematuridade, tempo de
permanência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal,
uso de antimicrobianos, ventilação mecânica e cateter
venoso central.3,6- 8
De acordo com o National Healthcare Safety Network,
em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal nível III,
as taxas de infecções da corrente sanguínea associada
ao cateter central estão entre 1,9 e 3,9, variando de
acordo com o peso do RN. Quando associadas ao cateter
umbilical, as taxas são de 0,9 a 3,9 e com ventilação
mecânica, variam de 0,7 a 2,2.
9
A prevenção dessas infecções deve ser baseada em
estratégias que visam limitar a susceptibilidade a
infecções, com o objetivo de aumentar as defesas do
hospedeiro, interromper a transmissão de organismos
pelos profissionais de saúde e promover o uso criterioso
de antimicrobianos.5
De acordo com estudo realizado por The UK Neonatal
Staffing Study Group,10 as IHs podem ser reduzidas com
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um dedicado controle de infecções pela enfermagem e
com maior quantidade de pias para a lavagem de mãos.
A lavagem das mãos e a utilização correta de medidas
de precaução e isolamento e conscientização da equipe
de saúde sobre essas medidas, aliada à orientação dos
acompanhantes do paciente, são essenciais como
medidas de controle de IH nesses setores.8
A educação em saúde aparece, em estudo realizado
em duas unidades básicas de atendimento à saúde da
família,11 como a quarta atividade mais desenvolvida
pelos enfermeiros no atendimento à mulher. Para os
autores, isso revela uma atuação discreta, considerando
que, para um bom atendimento e uma boa prevenção
em saúde, é necessário um trabalho efetivo em relação
à educação da população. Dessa forma, os enfermeiros
devem proporcionar à mulher atividades educativas
em grupo ou individualmente, com linguagem clara e
compreensível, propiciando respostas às indagações da
mulher ou da família e as informações necessárias.
Segundo Gazzinelli et al. 12, as ações de educação
em saúde são essenciais na intervenção para a
redução e controle das taxas de mortalidade infantil,
principalmente em neonatologia, em que as mães
e acompanhantes estão diretamente envolvidos no
cuidado com o recém-nascido. Segundo a autora,
educação em saúde é “processo teórico prático que
visa integrar os vários saberes: científico, popular e do
senso comum, possibilitando aos sujeitos envolvidos
uma visão crítica, uma maior participação responsável
e autônoma”.
Silva13 discute que toda a relação entre profissional
de saúde e usuários é pedagógica, uma vez que os
participantes do processo devem ser considerados
portadores de conhecimentos.
Segundo Melles e Zago,14 geralmente, os autores que
desenvolvem questionários e entrevistas de avaliação
não submetem seus trabalhos à análise estatística ou
à qualitativa. Há apenas a preocupação em avaliar a
aplicação imediata das aprendizagens desenvolvidas
no final do programa, e não em longo prazo. Assim,
considera-se que “os resultados apresentados pela
maioria dos autores não são parâmetros objetivos com
os quais se pode afirmar que os programas realizados
tiveram sucesso e que conseguiram atingir os objetivos e
pressupostos conceituais inicialmente apresentados”.
O objetivo com este trabalho foi avaliar informações
assimiladas por mães e acompanhantes de RNs
internados na Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas
da UFMG que participaram de atividades de educação
em saúde em prevenção de infecções no setor.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de estudo descritivo longitudinal, com
aplicação de questionários às mães e acompanhantes
de RNs na Unidade Neonatal do Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais, realizado nos
meses de agosto de 2008 a abril de 2009.
A identificação e a abordagem dos entrevistados foram
realizadas diariamente pelo acadêmico de enfermagem
do projeto a todas as mães e acompanhantes que
se encontravam presentes na Unidade Neonatal. Os
sujeitos foram convidados a participar da pesquisa e,
diante do aceite, assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles que não sabiam ler
ouviram a leitura do conteúdo do termo feita pelos
pesquisadores e o assinaram.
A população incluiu todas as mães e acompanhantes
de RNs internados na Unidade Neonatal do HC/
UFMG. Consideraram-se perdas quando os usuários
se encaixavam nas seguintes situações: mães com
confusão mental, recusa de conversar, abandono do
recém-nascido, permanência no berçário apenas no
final de semana ou noite, impossibilidades da mãe de
visitar o bebê e óbitos.
Para que a mãe participasse, ela deveria estar em
condições de dialogar, ficar assentada, além de estar
tranquila. As entrevistas foram realizadas, no mínimo,
24 horas após o parto normal e 48 horas após o parto
cesariano. Momentos de amamentação, ordenha de
leite, visitas de parentes ou refeições das mães não foram
interrompidos.
Os participantes foram orientados pelos pesquisadores
quanto à infecção hospitalar, formas de prevenção,
dúvidas e curiosidades a respeito de assuntos
relacionados à saúde, além de avaliação do conhecimento
dos usuários sobre esses assuntos.
Como forma de avaliação do aprendizado, o instrumento
de coleta de dados consistiu de questionários elaborados
a respeito do assunto, aplicados antes ou após as
orientações. Cada questionário possuía dez questões,
incluindo assuntos abordados durante as entrevistas
sobre o controle de infecção hospitalar e outros.
As questões se referiram à patogenicidade dos microorganismos (questão 1); à diferença entre colonização
e infecção (questão 2); às formas de transmissão de
infecção (questão 3); à defesa imunológica do RN
(questão 4); à pele como proteção à infecção dos RNs
(questão 5); ao prejuízo do uso indiscriminado de
antibióticos (questão 6); ao método mais eficiente
na prevenção de infecções (questão 7a); ao uso de
roupas em RNs admitidos na unidade (questão 7b);
a como lavar as mãos (questão 7c); à transmissão de
micro-organismos por RNs sadios (questão 7d); ao leite
materno como fonte de alimento completo para o RN
(questão 7e); aos fatores de proteção que diminuem a
chance de adquirir infecção (questão 8); à ordem correta
de higienização das mãos (questão 9); e à prevenção de
infecção no hospital e em casa (questão 10).
O questionário foi aplicado de forma aleatória a uma
amostra, também aleatória, de 268 usuários, incluindo
mães e acompanhantes, da seguinte maneira: durante
a primeira quinzena do mês de estudo, o questionário
foi aplicado após a orientação (grupo 1-121 usuários) e
posteriormente, na segunda quinzena, o questionário foi
aplicado anteriormente a essa orientação (grupo 2-147
usuários). Para finalizar, foi aberto um momento para
perguntas, discussões e curiosidades sobre assuntos
relacionados à saúde, o qual consistiu em aprendizado
para o entrevistado e o entrevistador.
Os pesquisadores elaboraram uma cartilha, que foi
entregue a todos os participantes após a entrevista,
baseada nas dúvidas mais frequentes dos entrevistados
e adaptada de maneira a acrescentar informações
importantes e pertinentes ao controle de infecções
hospitalares. A cartilha permitiu a consulta contínua dos
usuários e da comunidade, uma vez que abordava uma
linguagem de fácil acesso, servindo, portanto, como
educação continuada.
A analise dos dados foi realizada mediante a
contabilização do número de erros e acertos em cada
questão do questionário, separando os dados do
grupo 1 e do grupo 2. As informações coletadas foram
digitadas em banco de dados criado no Epi-Info versão
3.4.1. Realizou-se a análise estatística descritiva com
frequência e percentual e análise comparativa entre os
grupos por meio de qui-quadrado de Pearson (X2).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da UFMG (ETIC 312/08)
RESULTADOS
As orientações e a aplicação dos questionários foram
feitas a 268 usuários, sendo 121 do grupo 1 e 147 do
grupo 2. Observou-se que houve percentual de acerto
maior após as orientações em todas as questões, como
demonstrado no GRÁF. 1.
Houve diferenças estatísticas significativas (p<0,05)
entre os grupos 1 e 2 na quase totalidade das perguntas
do questionário, exceto nas questões 1 e 4. A primeira
questão relacionou-se a se há evolução para a doença
em todo RN colonizado por micro-organismos. Em 58,2%
dos casos, os entrevistados responderam como correta
a opção que afirmava que todos os micro-organismos
causam doenças nos RNs. A questão 4 referiu-se à
comparação da resposta imunológica de um e de um
RN adulto saudável e apenas 4,1% dos entrevistados
responderam que não há diferença na resposta
imunológica quando comparadas as duas populações.
Os resultados encontram-se na Tab. 1.
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Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal
TABELA 1 – Resposta corretas do questionário aplicado a responsáveis pelos RNs da Unidade Neonatal HC/
UFMG – 2008 a 2009
RESPOSTAS ESPERADAS NAS QUESTÕES
RESPOSTAS CORRETAS
VALOR
Grupo 1
Grupo 2
p
(N=121)
(N=147)
Nem todos os micro-organismos causam doenças nos RNs
53
59
0,545
A infecção causa sinais e sintomas, a colonização, não
105
96
< 0,001
Micro-organismos podem se transmitidos pelo ar ou por contato
105
88
< 0,001
A defesa de um adulto saudável é diferente de um RN prematuro
117
140
0,55
A pele é uma barreira para a entrada de micro-organismos no corpo
98
102
0,03
O antibiótico deixa de fazer efeito quando usado muitas vezes
112
119
0,006
Lavar as mãos é a melhor forma de prevenir infecção hospitalar
117
127
0,003
Os RNs internados devem usar roupas de dentro do hospital
114
114
< 0,001
Devemos lavar as mãos antes e após o contato com o bebê
77
64
0,001
Um bebê que não está doente pode passar micro-organismos
110
93
< 0,001
O leite materno é um alimento completo para crianças até 6 meses
120
139
0,037
A lavagem das mãos não aumenta a chance de adquirir infecção.
111
122
0,035
O álcool deve ser passado nas mãos após a lavagem das mãos.
103
101
0,002
A prevenção deve ser feita em casa e no hospital por todos.
92
91
0,013
micro-organismos e o reconhecimento da importância
das formas de prevenção.
Observou-se, de modo geral, um grande interesse
e atenção de mães e acompanhantes durante as
orientações e importante colaboração e paciência ao
responderem ao questionário.
GRÁFICO 1 – Percentual de respostas certas por
questão dos questionários aplicados a usuários
responsáveis pelos RNs da Unidade Neonatal HC/
UFMG – 2008-2009
DISCUSSÃO
Gazzinelli12 afirma que as representações dos sujeitos
devem ser levadas em conta numa educação em saúde.
Assim, valorizando os pensamentos construídos ao lado
da trajetória de vida dos sujeitos, esse projeto estimulou
o desenvolvimento de um pensamento crítico nos
usuários sobre infecção, além de favorecer autonomia
para prática de hábitos que previnam a transmissão de
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Destaque-se que, provavelmente, há boa orientação às
mães quanto à amamentação na Unidade, considerandose que 96,86% dos usuários responderam corretamente
quanto à importância do leite materno para crianças
até seis meses, sem considerar os diferentes grupos. Em
uma pesquisa realizada por Percegoni et al.15 em dois
hospitais de Viçosa-MG, observou-se, também, que a
maioria (99,2%) das mães manifestou a necessidade de
a criança ser amamentada, indicando o reconhecimento
do valor do leite materno para o bebê.
Embora tenha ocorrido diferença de acerto após a
informação sobre a importância da lavagem das mãos
antes e após o contato com o RN, o percentual de acerto
pelos usuários do grupo 1 e do grupo 2 foi de apenas
63,6% e 43,53%. A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) considera a higienização das mãos
a medida mais importante e reconhecida no controle e
prevenção das infecções nos serviços de saúde.16
Pode-se observar grande influência da educação em
saúde para os usuários. As orientações contribuíram para
melhor informação de muitos deles quanto às formas de
transmissão de micro-organismos, o que foi evidenciado
pela grande diferença de percentual de acerto de
algumas questões antes e após as orientações.
Após as orientações, a maioria dos usuários assimilou as
informações de que um RN que não está doente pode
passar micro-organismos para os outros bebês, que essa
transmissão pode se dar pelo ar ou por contato e que
infecção é diferente de colonização. O percentual de
acerto nessas questões aumentou após as orientações
em 27,64%, 26,91% e 21,47%, respectivamente.
Segundo Traesel,17 a educação em saúde pode ser uma
ferramenta de atuação em saúde por possibilitar a troca
entre conhecimento técnico e popular, permitindo o
desenvolvimento de ações de prevenção e controle de
doenças que possam vir a se instalar.
Quanto à questão da evolução para a doença em todo
RN colonizado por micro-organismos, acredita-se que a
população tem dificuldade de assimilar que nem todos
os micro-organismos são transmissores de doenças,
fato afirmado por um estudo realizado por Verjovsky et
al.18 em três escolas de ensino fundamental do Estado
do Rio de Janeiro. É relevante a comparação com este
estudo, pois foram incluídas escolas particulares e
públicas, abrangendo a população de diferentes esferas
socioeconômicas, semelhante ao público atendido no
hospital público universitário que foi desenvolvido neste
trabalho.
Na questão que se referia à diferença de imunidade entre
RNs e adultos saudáveis, não houve diferença estatística
antes e após orientação (p=0,55). No entanto, nas falas,
observou-se que os entrevistados já consideravam os
RNs indivíduos mais frágeis e que demandavam maior
proteção e atenção mesmo antes das orientações,
considerando que conceitos técnicos são de difícil
compreensão e assimilação pelos usuários.
O RN, especialmente prematuro, apresenta menor
resposta imunológica, por causa da pele imatura, menor
produção de anticorpos e maior invasão em razão dos
procedimentos invasivos.4 Sabe-se que o feto adquire a
capacidade de produzir imunoglobulinas na gestação,
mas produz somente pequena quantidade de anticorpos
após o nascimento. A concentração de IgG semelhante
à encontrada em adultos ocorre por volta dos 4 a 6
anos de idade e a de IgM, por volta de um ou 2 anos de
idade. Os anticorpos circulares ao nascimento são, na
sua maioria, IgG, que foram transportados da circulação
materna pela placenta.19
Fonseca et al.20 realizou um estudo para analisar a
percepção de mães de prematuros internados em uma
unidade neonatal sobre a vivência em um programa de
educação em saúde. As mães destacaram o programa
como espaço novo para o aprendizado, favorecendo a
elucidação das dúvidas de forma descontraída e com
liberdade, contribuindo para o desenvolvimento da
segurança para o cuidado do filho, tanto no hospital
como no domicílio. Destacaram, também, o aprendizado
da família, enfatizando a relevância de ter um material
escrito, por meio de uma cartilha, para ajudar no
relacionamento e na transmissão de informações para
familiares e visitantes, como realizado neste estudo.
Em outro trabalho com o objetivo de descrever a
repercussão de uma cartilha educativa com orientações
sobre cuidados diários e especiais a bebês pré-termo,
percebeu-se que esse instrumento contribuiu para
a ampliação do conhecimento da família sobre os
cuidados com esse bebê. As mães relataram dificuldades
no cuidado após a alta, pois as orientações recebidas no
hospital não eram dirigidas às necessidades particulares
do seu bebê e à necessidade do material impresso para
levarem do hospital para casa.21 A distribuição da cartilha
elaborada para prevenções de infecções na Unidade
Neonatal do HC/UFMG visa cobrir essa lacuna, para
que usuários tenham acesso e utilizem as informações
no domicilio.
Neste estudo, foram utilizados o diálogo e o manual de
informações. Esses instrumentos são considerados por
Patterson22 como possíveis recursos a serem utilizados
em educação em saúde. Uma grande falha observada
por esse autor em trabalhos analisados é a ausência de
avaliação desses recursos. O autor considera, também,
que a informação escrita pode ajudar os pacientes
reforçando a informação oral já dada, como lembrança
para referência futura, além de prevenção de má
compreensão sobre o assunto, embasando a importância
da distribuição de cartilhas após as orientações. Ressaltese que, neste estudo, houve validação do questionário,
por meio do qual foram avaliadas as informações dadas
aos usuários por meio de pré e pós-teste.
CONCLUSÃO
Observando-se o aumento estatisticamente significativo
de acertos após as orientações em quase todas as
questões, considera-se que as orientações sobre infecção
podem construir um método eficaz para minimizar
o risco de infecção para os pacientes do setor, o que
poderá ser monitorado pela atuação contínua com os
usuários e também mediante taxas de infecção.
Concluiu-se que a orientação de pais e responsáveis
por RNs da Unidade Neonatal do HC/UFMG foi uma
medida eficaz para a educação de responsáveis pelos
RNs que adquiriram noções básicas de infecção após as
orientações. Assim, considera-se que usuários podem
contribuir para o controle e a prevenção de infecções
na Unidade e em casa após a alta.
AGRADECIMENTOS
À equipe da Unidade Neonatal, que realiza um trabalho
de excelência na assistência ao recém-nascido e seus
responsáveis, e por estar disponível para contribuir
com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
do HC/UFMG. À Pró-Reitoria de Extensão, pelo apoio
na realização do projeto e pela concessão da bolsa de
extensão.
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Ações educativas para prevenção de infecções hospitalares em uma unidade neonatal
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Data de submissão: 28/9/2010
Data de aprovação: 16/1/2011
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remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 69-74, jan./mar., 2012
O OLHAR DO IDOSO SOBRE O ATENDIMENTO EM UNIDADES BÁSICAS DE
SAÚDE DE CORONEL FABRICIANO-MG
CARE AT BASIC HEALTH UNITS IN CORONEL FABRICIANO FROM THE PERSPECTIVE OF ELDERLY PEOPLE
MIRADA DE LOS ANCIANOS SOBRE LA ATENCIÓN EN LAS UNIDADES BASICAS DE SALUD DE
CORONEL FABRICIANO-MG
Helisamara Mota Guedes1
Elis Any de Pinho Batista2
Janaína Alves Rosa2
Martha Elisa Ferreira de Almeida3
RESUMO
Diante do grande número de idosos existentes no Brasil, as políticas públicas de saúde têm estabelecido metas para
a promoção de modos de viver mais saudáveis e seguros, mas o atendimento realizado a esse público em Unidades
Básicas de Saúde ainda necessita de mudanças e adaptações às diversas realidades locais. O objetivo com este estudo
foi analisar o atendimento realizado em Unidades Básicas de Saúde sob a ótica de idosas de um grupo de terceira idade.
A pesquisa transversal com abordagem qualitativa foi realizada no mês de julho de 2008, em Coronel Fabriciano-MG.
Por meio dos relatos, observou-se que havia satisfação quanto ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde realizada
mediante palestras educativas sobre as patologias preexistentes e alimentação saudável. As perspectivas de melhoria
dos serviços foram quanto ao aumento do número de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas e
psicólogos); maior respeito à Lei nº 10.741/2003 quanto ao atendimento preferencial e imediato; maior disponibilidade
e qualidade das medicações distribuídas e mais orientações e acompanhamento de pacientes diabéticos. Com base no
Pacto pela Saúde e a visão do atendimento realizado nas Unidades Básicas de Saúde pelas idosas avaliadas, as políticas
públicas nas três esferas (municipais, estaduais e federais) devem rever as ações desempenhadas pelas equipes de
saúde nas Unidades Básicas de Saúde, bem como definir metas de saúde com a população usuária do serviço para
que as necessidades de saúde identificadas sejam incorporadas à prática clínica.
Palavras-chave: Idoso; Satisfação; Atendimento em Unidades Básicas de Saúde.
ABSTRACT
Given the large number of elderly people in Brazil, Public Health Policy has established goals to promote a healthier
and safer lifestyle. However, senior care at Basic Health Units also requires changes and adaptations to the various local
realities. This study aimed at analyzing the service provided at Basic Health Units from the perspective of a group of
elderly women. The qualitative cross-sectional study was carried out in July 2008 in Coronel Fabriciano - MG. The reports
indicated that users were satisfied with services provided at Basic Health Unit, namely the educational lectures on preexisting diseases and healthy eating. Services are expected to improve through an increase in the number of health
professionals (doctors, nurses, nutritionists, and psychologists), compliance with Law No. 10741/2003 on preferential
and immediate care, increased availability and quality of medication, and more guidance and monitoring of diabetic
patients. Based on the Health Pact and the elderly women’s point of view on the care at Basic Health Units, municipal,
state and federal public policies should reassess health teams’ actions as well as define health goals in conjunction
with the service’s users so health needs are identified and incorporated into clinical practice.
Keywords: Elderly; Satisfaction; Care at Basic Health Units.
RESUMEN
Ante el gran número de personas mayores en Brasil, las políticas públicas de salud han establecido objetivos para
promover formas de vivir más saludables y seguras. La atención de ancianos en unidades básicas de salud debe,
sin embargo, cambiar y adaptarse a la realidad local. El objetivo del presente estudio fue analizar los servicios de las
unidades básicas de salud desde la perspectiva de un grupo de señoras mayores. Se trata de un estudio cuantitativo
transversal que se llevó a cabo en julio de 2008 en Coronel Fabriciano, MG. Los informes señalan que las usuarias estaban
satisfechas con la atención y, sobre todo, con las charlas educativas sobre patologías preexistentes y alimentación sana.
Se preveían mejoras en los servicios con el aumento de profesionales de salud (médicos, enfermeras, nutricionistas y
psicólogos), más respeto a la Ley 10741/2003 que trata de la atención preferencial e inmediata, más disponibilidad y
calidad de los medicamentos distribuidos y mejor orientación y control de pacientes diabéticos. En base al Pacto para
la Salud y a la opinión respecto de la atención de las personas mayores, las políticas públicas municipales, estatales y
federales deben rever las acciones de los equipos de salud y definir metas conjuntamente con los usuarios del servicio
para detectar las necesidades de salud e incorporarlas a la práctica diaria.
Palabras clave: Ancianos; Satisfacción; Atención en las Unidades Básicas de Salud.
1
2
3
Enfermeira. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal de Goiânia. Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. E-mail:
[email protected].
Enfermeira pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – Unileste-MG. Pós-graduanda em Saúde Pública pelo Centro Universitário de Volta Redonda.
Nutricionista. Professora da Universidade Federal de Viçosa, Campus de Rio Paranaíba (UFV). E-mail: [email protected]
Endereço para correspondência – Avenida Jorge Dias Duarte, 214, Bairro Ana Rita, Timóteo-MG, CEP: 35182-352. E-mail: [email protected].
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012
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O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg
INTRODUÇÃO
No Brasil o número de idosos passou de 3 milhões
em 1960 para 7 milhões em 1975, para 14 milhões em
2002 (um aumento de 500% em 40 anos) e estima-se
que alcançará 32 milhões em 20201. Diante do grande
número de indivíduos nesse estágio de vida, uma grande
preocupação tem sido voltada para esse público, na
tentativa de evitar os efeitos negativos ofertados pelo
avanço da idade, bem como reverter sua capacidade
funcional e ampliar a qualidade de vida.2
A Organização Mundial de Saúde (OMS), no final da década
de 1990, começou a utilizar o conceito de “envelhecimento
ativo”, que busca incluir, além dos cuidados em geral com
a saúde, outros fatores que afetam o envelhecimento
saudável, melhorando as oportunidades de saúde,
participação e segurança para aprimorar a qualidade de
vida à medida que as pessoas envelhecem.3
A preocupação com a qualidade de vida iniciou-se no
século XVIII, mediante o apoio das Políticas Públicas
e de movimentos sociais em prol da saúde4. Com o
passar dos anos, a relação entre condições, qualidade
de vida e saúde vem se atualizando e tem no conceito
de promoção da saúde sua estratégia central, que vem
inserindo os parâmetros, estilo de vida, avanços da
biologia humana, ambiente físico e social e qualidade
dos serviços de saúde como fatores determinantes da
saúde em uma sociedade.4
Segundo os princípios do SUS e as necessidades da
população, foi criado o Pacto pela Saúde, que tem como
uma das esferas o Pacto pela Vida, que estabeleceu medidas
sanitárias derivadas da análise da situação de saúde da
população e das prioridades definidas pelos três gestores.
Dessas prioridades, destacou-se o grupo de idosos, na
tentativa de melhorar-lhes a saúde e a qualidade de vida,
a fim de definir recursos para que as propostas sejam bemsucedidas5. Dessa forma, as Políticas Públicas de Saúde
têm estabelecido metas para a promoção de modos de
viver mais saudáveis e seguros em todas as etapas da vida,
favorecendo a prática de atividades físicas no cotidiano e
no lazer, prevenindo a violência e facilitando o acesso a
alimentos saudáveis e a redução do tabagismo.3
A prática de avaliação dos serviços de saúde por meio
de perguntas aos usuários iniciou-se na Europa e nos
Estados Unidos, na década de 1960, e no Brasil ganhou
espaço a partir da segunda metade da década de 1990. A
incorporação de usuários na avaliação tem sido valorizada
não apenas por constituir-se um indicador sensível
de qualidade dos serviços prestados, mas por estar
potencialmente relacionada à maior adequação no uso
dos serviços.6 Em 2000, a OMS introduziu nas pesquisas
de avaliação em saúde o conceito de “responsividade”
dos sistemas de saúde, em contraposição ao conceito de
“satisfação”, utilizado desde a década de 1960. Enquanto
as pesquisas de “satisfação” focalizavam as distintas
dimensões que envolvem o cuidado à saúde, desde a
relação médico-paciente até a qualidade das instalações
e dos profissionais de saúde, a responsividade surgiu
referindo-se aos aspectos não médicos do cuidado.7
76
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012
Segundo Polizer e D’Innocenzo,8 a preocupação com a
avaliação dos serviços de saúde vem se manifestando,
dentre outros fatores, em consequência do aumento
da população brasileira na faixa etária dos 65 anos ou
mais. Com o aumento dos custos com a atenção à saúde
e, principalmente, com aumento de doenças crônicodegenerativas que acompanham o crescimento da
população, porém, torna-se importante que a avaliação
em saúde esteja baseada nas necessidades da população,
permitindo a melhora da qualidade de vida.
Por meio do conhecimento das necessidades de saúde
do idoso, o profissional de saúde estará apto a direcionar
suas atividades, atuando de forma ativa e integral na
saúde do idoso para desenvolver ações de caráter
coletivo e/ou individual. Assim, com este estudo tevese como objetivo analisar o atendimento realizado nas
Unidades Básicas de Saúde sob a ótica de idosas de um
grupo de terceira idade.
METODOLOGIA
A pesquisa transversal com abordagem qualitativa e
descritiva foi autorizada pelo responsável do grupo de
Terceira Idade “Renascer”, fundado pela Paróquia São
Sebastião em Coronel Fabriciano-MG, e teve seu início no
mês de julho de 2008, após aprovação do Comitê de Ética
em Pesquisa do Centro Universitário do Leste de Minas
Gerais (UNILESTE-MG), Parecer n° 15.71.08. Segundo
Espiridião e Trad,6 a falta de uma definição consistente da
satisfação e de uma teoria que oriente sua mensuração é
refletida na diversidade de abordagens metodológicas.
Esse grupo possuía 50 idosos cadastrados, de vários
bairros da cidade, de ambos os sexos, que realizavam
ginástica uma hora/dia, durante dois dias da semana, no
período da manhã. A amostra do estudo foi constituída de
idosas, uma vez que os homens não aceitaram participar
do estudo. Foram adotados como critérios de inclusão na
pesquisa: estar participando das atividades do grupo há
mais de seis meses, concordar em participar do estudo
mediante a assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE) com base na Resolução nº
196/96,9 e responder à entrevista por meio de um roteiro
semiestruturado e ao questionário socioeconômico.
A pesquisa foi realizada de forma a não comprometer o
andamento das atividades do grupo, após o encerramento
da sessão de ginástica. O critério para encerrar a pesquisa
foi a saturação dos dados, que aconteceu com 14 idosas.
As entrevistas foram transcritas na íntegra, preservando
toda a linguagem incluindo o tom coloquial. Utilizou-se
a análise de conteúdo para extrair os dados necessários
da pesquisa.4 Esse processo foi feito imediatamente
após cada entrevista, ou no máximo após cada duas
entrevistas para não perder a riqueza de informações
e detalhes. Após a transcrição das fitas e digitação dos
discursos, as falas foram lidas e relidas, sublinhadas e
enumeradas para extrair as unidades de significado.
Para tabulação dos dados socioeconômicos, foi utilizado
o software Microsoft Excel (2003), sendo esses expressos
na forma de frequência absoluta e percentagem e
apresentados sobre a forma de tabelas e gráfico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Houve predomínio de idosas nas faixas etárias de 60 a 64
e de 65 a 69 anos (TAB. 1). A maioria das idosas estudadas
era casada ou possuía união consensual (57,2%), bem
como escolaridade de 1 a 4 anos (64,3%) e tinham renda
mensal de até um salário mínimo (50,0%). Segundo Pires
e Silva,10 o reduzido grau de instrução de grande parte dos
idosos brasileiros está relacionado à falta de oportunidade
de frequentar escola entre as décadas de 1930 e 1940,
além das atribuições do trabalho doméstico daquela
época, sendo que atualmente o nível de escolaridade
vem aumentando em decorrência dos programas de
alfabetização para adultos e idosos. Segundo Davin et al.,11
a baixa renda apresentada pela maioria dos idosos está
relacionada à baixa escolaridade. Entre as idosas avaliadas,
a renda relatada era exclusivamente de aposentadorias, o
que dificulta o atendimento adequado das necessidades
desses indivíduos quanto ao lazer, alimentação e saúde,
principalmente entre aquelas que recebiam apenas um
salário mínimo.
A maioria das entrevistadas frequentava uma Unidade
Básica de Saúde de 15 em 15 dias (GRÁF. 1). A Política
Nacional de Saúde do Idoso enfatiza um envelhecimento
saudável, priorizando ações educativas que possam
preservar a melhoria na qualidade de vida. A Unidade
Básica de Saúde é de grande importância nesse contexto,
pois ela acolhe os usuários na tentativa de resolver
os problemas e as necessidades apresentadas. 12 O
envelhecimento, bem como o período da menopausa,
faz com que a idosa a procure os serviços médicos,
facilitando, assim, um contato direto com os profissionais
para que, juntos, possam intervir de forma efetiva nas
mudanças do estilo de vida.13 Entretanto observou-se
que 35,7% das entrevistadas relataram baixa procura
(semestral) pelas Unidades Básicas de Saúde.
TABELA 1 – Características socioeconômicas das
idosas – Coronel Fabriciano-MG, 2008
Características
N°
%
60 – 64
5
35,7
65 – 69
5
35,7
70 – 74
2
14,3
75 – 79
2
14,3
≥80
-
-
Idade (anos)
Estado civil
Solteira
1
7,1
Casada/União consensual
8
57,2
Viúva
4
28,6
Separada/Divorciada
1
7,1
1–4
9
64,3
5–7
2
14,3
8 – 10
2
14,3
≥11
1
7,1
415,00
7
50,0
416,00 – 830,00
4
28,6
831,00 – 1245,00
1
7,1
1246,00 – 1660,00
2
14,3
Escolaridade (anos)
Renda mensal (SM)
SM = Salário mínimo (415,00 reais)
Fonte: Dados da pesquisa
GRÁFICO 1 – Frequência de utilização das unidades
básicas de saúde pelas idosas – Coronel FabricianoMG, 2008
Fonte: Dados da pesquisa
Segundo os relatos, quanto à presença de patologias, a
hipertensão arterial e o diabetes mellitus foram as mais
citadas (TAB. 2). Foi relatado como patologia “falta de ar”
e “ostopelia”. A hipertensão arterial é muito comum entre
idosos, pois, com o avanço da idade, os vasos diminuem
a elasticidade e comprometem o funcionamento do
sistema cardiovascular.14
TABELA 2 – Patologias presentes segundo relato das
idosas – Coronel Fabriciano-MG, 2008
Patologia
N°
Hipertensão arterial
Diabetes mellitus
Hipercolesterolemia
Osteoporose
Glaucoma
Artrite reumatoide
Artrose
Ostopelia
Falta de ar
Bronquite
Não possui nenhum problema de saúde
9
4
2
2
1
1
1
1
1
1
1
Fonte: Dados da pesquisa
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O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg
Categorização dos relatos dos idosos avaliados
Ações desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde
A realização de palestras educativas sobre as patologias que
acometem a população idosa deve ser uma rotina entre as
ações desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde, e foi
relatada por três idosas avaliadas. Segundo Vasconcelos,15
as palestras devem ter caráter preventivo, com o intuito de
promover e manter uma educação em saúde.
Reuniões com pessoas que têm pressão alta, diabetes,
colesterol, controle do peso, pedido de exame e
remédios. (E1)
Reunião com os hipertensos e diabéticos, porque é
importante aprender e tratar direitinho a doença que
a gente tem. (E4)
As enfermeiras dão palestras sobre diabetes, colesterol
e pressão alta. (E8)
Segundo Albuquerque e Stotz,16 a educação popular é um
processo contínuo no qual está referenciada a promoção
da saúde. A participação da população idosa em grupos
como o Sistema de Cadastramento e Acompanhamento
de Hipertensos e Diabéticos do Sistema Único de Saúde
(HIPERDIA) é importante, pois constantemente são
vivenciadas ações de promoção da saúde que estimulam
práticas de atividades físicas, alimentação e hábitos
saudáveis. Essas práticas interferem de forma positiva
nas condições de saúde do usuário.
Dentre as entrevistadas, uma preocupou-se apenas com
a realização do exame preventivo:
Eu vejo lá pessoas participando de reunião e eles
parecem gostar muito. Eu não participo porque eu não
tenho pressão alta. Quando eu participo, é das reuniões
para marcar o preventivo. (E11)
A abordagem nas palestras quanto à alimentação
saudável e à forma de controle patológico via dieta foi
relatada por três entrevistadas.
Toda sexta-feira tem palestra com o enfermeiro, onde lá
explica sobre o colesterol, explica também qual a forma
de se alimentar bem para não aumentar o colesterol.
Acho que devo frequentar mais, pois frequento muito
pouco. (E2)
Lá no posto tem reunião sobre como alimentar bem.
Quando temos dúvidas sobre qualquer coisa o pessoal
da reunião explica pra gente, porque é muito importante
a gente saber das coisas. (E10)
São as palestras que eles dão pra gente a cada mês que
a gente vai lá buscar os medicamentos e instrui a gente
sobre muitas coisas sobre alimentação sobre o que fazer
para cuidar da nossa saúde. Então ajuda muito a gente
na alimentação e também no estado de saúde da gente
favorece muito. (E12)
A educação nutricional é um dos recursos mais utilizados
na promoção, manutenção e recuperação da saúde17 e
78
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012
deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar,18
sendo que uma dieta adequada e com qualidade são
importantes na manutenção do estado de saúde.19
Segundo relatos de três idosas, o profissional nutricionista
estava presente nas Unidades Básicas de Saúde e
realizava atendimentos nutricionais individuais e/ou
grupais, segundo a demanda de usuários e a necessidade
de cada indivíduo:
O atendimento da nutricionista é porque tem muito
idoso, então assim favorece muito no controle da
alimentação dos idosos. (E5)
Também tem atendimento com a nutricionista, que
ajuda muito na alimentação porque é importante se
alimentar bem, seguir direitinho o que ela fala. (E7)
Nas reuniões do HIPERDIA e nas consultas com a
nutricionista mandam comer pouco sal e pouca gordura
e, além disso fazem controle do peso, olham a pressão
toda vez que a gente vai lá. (E13)
As instituições de saúde têm trabalhado focando a
prevenção e, também, a implementação de políticas
públicas voltadas para o idoso, atendendo aos critérios
mínimos para que todas as necessidades de saúde
possam ser abrangidas. Portanto, os profissionais de
saúde devem proceder de formar resolutiva integral
e humanizada para que possam manter o idoso na
sociedade de forma participativa.20 Segundo Esperidião
e Trad,21 a satisfação dos usuários é um importante
parâmetro utilizado para avaliar o cumprimento
das metas estabelecidas pelos serviços de saúde.
Quatro idosas relataram grande satisfação quanto ao
atendimento pelos profissionais de saúde das Unidades
Básicas de Saúde:
Assistência que dá ao idoso de não ficar mais na fila,
trata com carinho os idosos e dá atenção a família. Lá
também tem reuniões em que dão orientações sobre
diabetes e nutrição. (E3)
Eu acho que a saúde tá muito boa e que melhorou muito
porque antes as pessoas tinham que dormir na fila e
hoje não tem mais isso; além disso, encontra-se mais
qualidade de remédio na farmácia. (E6)
Lá tem muito médico bom. Eles têm muitos aparelhos
para a pessoa fazer os exames, aparelho de fazer exame
de sangue, de olhar a pressão, mas lá tá tudo bom,
precisa mudar mais nada não. (E9)
Médicos muito bons atendem a gente direitinho, as
pessoas que trabalham lá são boas também. (E11)
Segundo Espiridião e Trad,6 a mudança de comportamento
com a adesão à orientação recebida nas Unidades
Básicas de Saúde pode ser identificada como resultante
do engajamento do usuário como responsável pela
avaliação do sistema. Nos estudos sobre satisfação de
usuários, independentemente do tipo de abordagem
(quantitativas e qualitativa), há levada taxa de satisfação,
mesmo quando as expectativas sobre os serviços são
negativas. Como sugestão para avaliar as dimensões
da satisfação são aspectos dos serviços, existem itens
como acesso, qualidade, estrutura física e organizacional
e aspectos entre a relação médico-paciente.
Perspectivas das idosas em relação a Unidades Básicas
de Saúde
Observou-se que as idosas apresentavam dificuldades
de relatar sobre suas necessidades de saúde de forma
geral, visto que a maioria estava à procura de consultas
médicas focadas na prática de assistência curativa,
individual e assistencialista. Ao serem abordadas quanto
a esse assunto, 50% emitiram opinião e ressaltaram
a necessidade de maior número de profissionais,
principalmente de médicos:
Ter mais médico, mais especialista e geriatra para cuidar
do idoso. (E4)
Ter mais médicos e mais especialidades, como
cardiologista, porque tem muita gente com problema
de coração. (E6)
Arrumar mais médico, mais consultas, porque a gente
não acha ficha. Ter mais recurso lá dentro do posto como,
por exemplo, exames, e também ter ortopedista. (E7)
Precisa de mais profissionais, porque aqui só tem um
médico. Então eu acho que deve ter mais médicos. (E11)
Aumentar o atendimento com os profissionais médicos,
enfermeiros, nutricionista. (E13)
Acompanhamento com o psicólogo porque se
tivesse mais assistência iria ajudar muito o idoso no
acompanhamento de sua velhice. (E3)
Ter mais psicólogo para atender mais os idosos. (E4)
O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma organização
política estabelecida pela Constituição de 1988 que
visa a um modelo de saúde não mais curativo, e sim
preventivo, que estabelece níveis de complexidade
de acordo com a necessidade das pessoas.22 Os idosos
avaliados conviveram a maior parte da vida com um
sistema de saúde curativista, tendo como principal
foco a cura da doença. A inversão do modelo de saúde
com ênfase nas ações curativistas para um modelo que
enfoca a promoção da saúde é algo recente e que sugere
as justificativas das falas acima.
Observou-se que as idosas, em sua maioria, ainda
possuíam uma visão de saúde focada no modelo
curativista, pois consideravam importante o número de
vagas para consultas médicas, exames e o tratamento
oferecido pela equipe de saúde. Algumas idosas, porém,
relataram que participavam das reuniões realizadas com
os grupos do HIPERDIA, as quais geravam oportunidades
de participação em várias ações realizadas nas Unidades
Básicas de Saúde.
A Lei nº 10.741/2003 assegura ao idoso todos os seus
direitos como cidadão: ele deve ser tratado com respeito
e dignidade, sempre preservando sua imagem, seus
valores e crenças. Segundo esse estatuto, a população
idosa tem direito ao atendimento preferencial e imediato,
tanto em órgãos públicos quanto privados, que prestam
serviços à comunidade, destacando-se o direito de
acesso a instrumentos diagnósticos adequados, a
medicação e à reabilitação funcional.23 Segundo a fala
de duas entrevistadas, é comum a falta de atendimento
preferencial e imediato aos idosos:
Melhorar o atendimento para o idoso não ficar
esperando na fila, porque tem vez que a gente fica lá
mais de uma hora na fila, e hoje tem uma lei que proíbe
o idoso de ficar na fila. (E1)
Ter mais atenção com o idoso, porque às vezes tem
muita gente que pensa o fulano é idoso mesmo e tá nem
prestando atenção do que é bom do que é ruim. Tratar
o idoso com mais carinho porque idoso é igual criança,
porque se a pessoa tá passando mal às vezes eles pedem
para esperar um mucadinho, mas se tá passando mal
não pode esperar não, se a gente procura é porque tá
precisando. (E2)
O cuidado com o idoso requer do profissional maior
atenção, principalmente quanto ao uso do medicamentos,
porque é nessa fase da vida que as reações adversas
dos medicamentos são mais comuns.24 Observou-se
uma preocupação de quatro das entrevistadas quanto
à disponibilidade e à qualidade das medicações
disponibilizadas nas Unidades Básicas de Saúde:
Ter mais remédio. (E5)
Mais orientação como tomar os remédios. (E12)
Receber informações sobre os remédios. (E13)
Ter também mais qualidades de medicamento. (E14)
Os profissionais de saúde têm papel importante
na educação do paciente diabético, tendo como
foco priorizar o atendimento com qualidade para
prevenir complicações. Assim, torna-se necessário
o acesso as informações sobre a doença para que
ocorra mudanças significativas do seu estilo de
vida.25 O processo educativo para o idoso requer uma
literatura mais adequada que inclua todo o contexto
do envelhecimento e a manutenção da saúde. 26
Apenas duas idosas demonstraram preocupação com
o tratamento do diabetes mellitus visando à melhoria
da qualidade de vida, sendo a presença dessa patologia
relatada por quatro idosas (TAB. 2).
Dar mais orientação para o diabético para ele aprender
a cuidar dele mesmo. (E3)
Mais acompanhamento com o diabético, porque sou
diabética é só fiz o exame uma vez só, depois não pediu
mais. (E8)
Segundo Santos,26 a qualificação dos serviços de saúde
para atender à população idosa precisa ser valorizada,
tornando-se necessário atuar com as redes de suporte
social do idoso, para fortalecer a formação de vínculos
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012
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O olhar do idoso sobre o atendimento em Unidades Básicas de Saúde de Coronel Fabriciano-mg
de forma a aperfeiçoar as atividades de grupo para
a promoção da saúde de hipertensos, diabéticos e
obesos.
CONCLUSÃO
Por meio dos relatos, foram identificados pontos positivos
quanto ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde,
uma vez que eram realizadas palestras educativas
sobre as patologias preexistentes e a alimentação
saudável. As perspectivas de melhoria dos serviços
foram quanto ao aumento do número de profissionais
de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionistas e
psicólogos); maior respeito à Lei nº 10.741/2003
quanto ao atendimento preferencial e imediato; maior
disponibilidade e qualidade das medicações distribuídas
e mais orientações e acompanhamento dos pacientes
diabéticos.
Com base no Pacto pela Saúde e a visão do atendimento
realizado nas Unidades Básicas de Saúde pelas
idosas avaliadas, as políticas públicas nas três esferas
(municipal, estadual e federal) devem rever as ações
desempenhadas pelas equipes de saúde nas Unidades
Básicas de Saúde, bem como definir metas de saúde com
a população usuária do serviço, para que as necessidades
identificadas sejam incorporadas à prática clínica.
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Data de submissão: 19/8/2009
Data de aprovação: 28/10/2011
80
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 75-80, jan./mar., 2012
SITUAÇÃO DE VIDA, SAÚDE E DOENÇA DA POPULAÇÃO INDÍGENA
POTIGUARA
LIFE, HEALTH AND DISEASE AMONG THE POTIGUARA PEOPLE
SITUACIÓN DE VIDA, SALUD Y ENFERMEDAD DE LA POBLACIÓN INDÍGENA POTIGUARA
Rita de Cassia Cordeiro de Oliveira1
Antonia Oliveira Silva2
Silvana Carneiro Maciel3
Juliana Rízia Félix de Melo4
RESUMO
O objetivo com este estudo foi averiguar a situação de vida, saúde e doença dos índios potiguaras, aldeados na Paraíba.
Trata-se de um estudo exploratório, com uma abordagem quantitativa. A amostra foi definida como o núcleo familiar de
acordo com o cadastro do Sistema de Informação de Atenção a Saúde Indígena (SIASI). Foram realizadas 55 entrevistas
com índios da aldeia São Francisco, em Baía da Traição-PB. O instrumento utilizado foi uma entrevista semiestruturada com
questões relativas à temática e à caracterização socioeconômica. Este estudo possibilitou o conhecimento da realidade
social da amostra estudada, levantando índices elevados com relação ao baixo nível socioeconômico e suas consequências
para a manifestação de doenças, alto índice de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), alcoolismo, dentre outras.
Tais achados apontam para a necessidade de adoção de propostas voltadas para a melhoria das condições de saúde
dessa comunidade. A Equipe Multiprofissional em Saúde Indígena (EMSI), em especial a enfermagem, deve promover a
integração entre o sistema local de saúde e a sabedoria indígena, de modo que, mediante abordagens culturais, possibilite
compreender o universo cultural dos índios potiguaras, suas práticas relacionadas à saúde e a doenças, tornando, assim,
as intervenções de controle mais eficazes, principalmente em relação às doenças infecciosas e parasitárias.
Palavras-chave: Enfermagem; População Indígena; Processo Saúde/Doença; Condições de Vida.
ABSTRACT
This research aimed at studying the life and health conditions as well as the occurrence of diseases among the potiguara
people in the state of Paraíba. It is an exploratory, quantitative study. The sample unit consisted of the nuclear family
according to the Health Information System for Indigenous Peoples survey (in Portuguese, SIASI). The 55 potiguara
Indians interviewed belonged to the São Francisco indigenous settlement in the municipality of Baía da Traição, Paraíba.
Semi-structured interviews with questions related to the issue and the socioeconomic characterization were applied.
This study provided information on the study sample social reality, the low socioeconomic status of the population and
its relationship with the appearance of diseases, the high levels of STD, and alcoholism, among others. Such results
indicate the need for the improvement of the community’s health conditions. In this context a Multidisciplinary Team
dedicated to indigenous health care, and particularly the nursing team, should promote integration between the
local health system and indigenous knowledge. A cultural approach to the situation might contribute to understand
the potiguara Indians culture, their health care and disease control practices, and to intervene more efficiently in the
control of infectious and parasitic diseases.
Keywords: Nursing; Indigenous Population; Health Aad Disease Process; Social Conditions.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo evaluar las condiciones de vida, salud y enfermedades de los indios potiguara del
Estado de Paraíba. Se trata de una investigación exploratoria con enfoque cuantitativo. La muestra consistió en el
núcleo familiar de acuerdo con el registro de las familias en el Sistema de Información de Atención de la Salud Indígena
(SIASI). Se realizaron 55 entrevistas con indios de la aldea São Francisco en Baia da Traição – Paraíba. El instrumento
utilizado fue la entrevista semiestructurada, con cuestiones relativas al tema y a la clasificación socioeconómica. Este
estudio permitió conocer la realidad social de la muestra que señala altos índices de bajo nivel socioeconómico, sus
consecuencias para la manifestación de enfermedades, el alto índice de ETS y de alcoholismo, entre otros. Los resultados
apuntan la necesidad de adotar propuestas para mejorar las condiciones de salud de esta población, en la que el
Equipo Multiprofesional de Salud Indígena, en especial la enfermería, promueva la integración entre el sistema local
de salud y la sabiduría indígena. El enfoque cultural de la situación podría contribuir a entender la cultura, la salud y
las prácticas de control de enfermedades de los indios potiguara y , a partir de ello, controlar y tratar con más eficiencia
las enfermedades infecciosas y parasitarias.
Palabras clave: Enfermería; Población indígena; Proceso Salud-Enfermedad; Condiciones Sociales.
1
2
3
4
Enfermeira da Fundação Nacional de Saúde. Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba. [email protected].
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem. Professora Associado II
da Universidade Federal da Paraíba/Centro de Ciências da Saúde/CCS/UFPB. [email protected].
Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do Curso de Psicologia da UFPB. [email protected].
Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. [email protected].
Endereço para correspondência: Rua Caetano Figueiredo, 2131, Cristo João Pessoa/PB, Brasil, CEP: 58.071-220. E-mail: [email protected].
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Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara
INTRODUÇÃO
A partir da década de 1990, a população indígena vem
fazendo reivindicações constantes e sistemáticas ao
governo e à sociedade nacional, dado o agravamento
progressivo de suas condições de saúde, as quais são
caracterizadas por altos índices de morbimortalidade
e pela oferta inadequada e ineficaz dos serviços de
saúde. Essas reivindicações têm como pano de fundo
uma situação socioeconômica precária, a indefinição
territorial e as relações interétnicas conflitantes que
comprometem diretamente a integridade física e
etnocultural dos povos indígenas.1
São vários os fatores determinantes para as condições
de vida e saúde dos índios brasileiros. O respeito ao
índio, a atenção à saúde e a preservação da vida desses
povos são influenciados por uma série de questões em
que os índios se veem dependentes, em sua maioria, do
governo local. Dentre outras questões, destacam-se o
assédio de usineiros, garimpeiros, posseiros, fazendeiros,
de madeireiras e da sua própria tolerância diante das
políticas indigenistas direcionadas para a alimentação,
educação, moradia, saúde e previdência social.2
O estudo desses determinantes é de grande relevância
para o conhecimento do processo saúde-doença
nessas comunidades. Entretanto, existem limitações
e dificuldades para a realização desses estudos, em
virtude de informações insuficientes, na maioria das
vezes indisponíveis para o diagnóstico e a avaliação das
condições de saúde das comunidades indígenas.3
Somente com a estruturação de um sistema de estatísticas
contínuas e com o maior refinamento metodológico e
de outros mecanismos de coleta de dados no que tange
aos povos indígenas será possível reverter uma danosa
invisibilidade demográfica e epidemiológica.3
Atualmente, a população indígena brasileira é estimada
em, aproximadamente, 538 mil pessoas, pertencentes a
210 povos, com mais de 170 línguas identificadas. Estão
presentes em todos os Estados brasileiros, exceto no
Piauí e no Rio Grande do Norte, vivendo em 579 terras
indígenas que se encontram em diferentes situações
de regularização fundiária, e ocupam 12% do território
nacional. Uma pequena parcela vive em áreas urbanas,
geralmente em periferias.3
Para a reestruturação da Atenção à Saúde Indígena, o
Ministério da Saúde instituiu, por meio da Portaria de
nº 254, de 31 de janeiro de 2002, a “Política Nacional
de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas”. O objetivo é
assegurar aos povos indígenas o acesso à atenção integral
à saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde (SUS). Tais princípios contemplam
a diversidade social, cultural, geográfica, histórica e
política, de modo a beneficiar a superação dos fatores
que tornam essa população mais vulnerável aos agravos à
saúde de maior relevância e qualidade entre os brasileiros,
certificando a eficácia de sua medicina e o direito desses
povos à sua cultura.2
A organização dos serviços de atenção à saúde dos povos
indígenas é prestada por meio dos Distritos Sanitários
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Especiais Indígenas (DSEI) e Polos Base, em âmbito
local, reunindo as terras indígenas e os municípios. A
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) é responsável
pela prestação da atenção básica mediante atuação das
Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI),
compostas por médicos, enfermeiros, odontólogos,
auxiliares de enfermagem, agentes indígenas de saúde
(AISs) e agentes indígenas de saneamento (AISANs),
com referências para os serviços de média e alta
complexidade.2
OS ÍNDIOS POTIGUARAS
No Estado da Paraíba existe a população indígena
potiguara, a única comunidade indígena reconhecida
nesse Estado, sendo uma das maiores do Brasil e a maior
do Nordeste etnográfico. Sua população é de 13.790
índios, dos quais 2.061 são desaldeados, residindo em
outras cidades do Estado. Os demais aldeados estão
distribuídos em 29 aldeias nos municípios de Baia da
Traição, Marcação e Rio Tinto.4,5
Os índios potiguaras são referidos no litoral do Estado
desde 1501 e suas condições de saúde estão estritamente
relacionadas com os diversos impactos causados
pela interação com a sociedade, a qual vem, desde a
chegada dos colonizadores europeus no século XVI, com
alterações no seu perfil epidemiológico e demográfico,
tais como a ruptura com o passado e suas tradições,
miscigenação étnica intensa e adaptação agressiva a
novos meios socioeconômicos e ambientais.4,6 Mota6
ratifica essa questão quando diz que “as matrizes
culturais mais antigas certamente sofreram o impacto
da colonização, tendo sido impostas por novos modos
de viver e de conhecer o mundo”.
A assistência à saúde da população potiguara é feita
pelo DSEI potiguara, localizado em João Pessoa, capital
do Estado da Paraíba, e dista das terras indígenas cerca
de 90 quilômetros. Dispõe de três Polos Base, situados
nos municípios acima citados, os quais são responsáveis
pela administração local dos serviços de atenção básica
das 29 aldeias existentes. Para os serviços de média e alta
complexidade, os índios são referenciados para a rede
SUS e a rede privada no Estado.4
Atualmente, os potiguaras sobrevivem da agricultura,
pesca, artesanato e outros meios, enfrentando situações
distintas de tensão social, vulnerabilidade, perda da
identidade e da autoestima. A expansão das frentes
econômicas (extrativismo e trabalho assalariado
temporário) vem ameaçando além da preservação
cultural a integridade do ambiente nos seus territórios.
O fato de a comunidade potiguara localizar-se em zona
litorânea favorece o surgimento do turismo acentuado
e desordenado, trazendo como consequência as
mudanças de hábitos e de costumes, associadas ao
surgimento de doenças como as doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs)/aids e a tuberculose.4
Pode-se afirmar, assim, que essas alterações trouxeram
como consequência problemas relacionadas aos modos
de vida dos índios, levando-os, forçadamente, à mudança
dos costumes no seu próprio território. Desse modo,
para discutir a situação de saúde dos índios potiguaras,
faz-se necessário ir além dos fatores epidemiológicos
determinantes, pois é preciso observar diversidade social
existente e os fatores culturais e ambientais que estão
influenciando suas condições de saúde.
Mediante tais considerações e observando as Diretrizes
da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas, que se baseiam no princípio de respeito às
concepções, valores e práticas relativos ao processo
saúde e doença própria a cada sociedade indígena,
objetivou-se com este estudo averiguar a situação de
vida, saúde e doença dos índios potiguaras aldeados
na Paraíba.
A relevância deste estudo centra-se no contexto sociocultural e científico como produção de conhecimento,
visando oferecer informações úteis para o fortalecimento
e a avaliação das ações voltadas para a promoção da
saúde indígena, o que corrobora no planejamento de
estratégias de intervenção para a melhoria da situação
de vida dessa população.
fumo; morbidade e óbito no núcleo familiar (causa,
idade, doença).
Foi utilizado gravador de voz para registro das
informações, desde que permitido pelos índios, após
o devido esclarecimento feito pela pesquisadora com
leitura e entrega do Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE). O tratamento do corpus produzido
nas entrevistas foi submetido à análise através do
software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)
versão Windows 15.
Esta pesquisa seguiu as determinações da Instrução
Normativa 01/95/FUNAI/PRESI e as observâncias éticas
contempladas nas Resoluções nº 196/1996 e nº 304/2000,
do Conselho Nacional de Saúde, que trata da ética em
pesquisas envolvendo seres humanos e da temática, em
especial população indígena, com aprovação do Comitê
de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro
Wanderley da UFPB (CEP/HULW, Protocolo nº 05/2008)
e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer
nº 695/2008/CONEP).
RESULTADOS E DISCUSSÕES
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório, documental, com
abordagem quantitativa para o levantamento das
questões relacionadas à situação de vida, saúde e doença
dos índios potiguaras aldeados na Paraíba. Foi utilizada
amostragem não probabilística intencional. Esse tipo de
técnica amostral não tem interesse na generalização dos
resultados, tem caráter de investigação e visa apenas à
opinião de elementos da população sobre o assunto
estudado, elencando um número mais reduzido de
depoentes em razão da saturação dos resultados. De
todo modo, permite a apreensão dos significados e dos
fatores determinantes da saúde-doença na população
indígena potiguara e a verificação de serviços de saúde
voltados para as problemáticas encontradas.
A unidade amostral foi definida considerando o núcleo
familiar de acordo com o cadastro das famílias no
Sistema de Informação de Atenção a Saúde Indígena
(SIASI), sendo identificado um membro por família
de ambos os sexos e acima de 18 anos. Para tanto, foi
utilizado como parâmetro uma tabela de números
aleatórios simples para a seleção e a identificação da
família no SIASI.
Participaram do estudo 55 famílias pertencentes à aldeia
São Francisco, município de Baia da Traição-PB. Além
dos sujeitos, foram consultados relatórios, profissionais
e sujeitos-chave na comunidade estudada.
O instrumento para coleta de dados foi uma entrevista
semiestruturada, elaborada especificamente para
este estudo, com seleção das seguintes variáveis:
socioeconômicas (idade, sexo, escolaridade, estado civil,
ocupação, renda familiar, núcleo familiar, usuário de
programa do governo); instalações sanitárias (destino
do lixo, uso e tratamento da água, uso de banheiro);
visita domiciliar pelo AIS; uso de bebida alcoólica e
De acordo com os resultados obtidos, observa-se que o
sexo feminino representa 80% da amostra estudada. Esse
alto percentual feminino na amostra pode ter ocorrido
pelo fato de as entrevistas terem sido realizadas no
horário diurno (horário de trabalho formal ou informal).
Esse resultado corrobora os dados obtidos por várias
outras pesquisas, demonstrando que, na atual sociedade,
as mulheres ainda permanecem mais tempo em casa,
sendo responsáveis pelo trabalho doméstico, enquanto
o homem sai em busca de trabalho e de dinheiro, sendo
considerado o mantenedor da casa.7
Quanto à idade, constata-se a predominância da faixa
etária de 20 a 50 anos, somando 65,4% do total da
amostra. Em seguida, aparece o grupo etário de 51 a 65
anos, que obteve, também, um percentual expressivo de
34,5%. Em relação ao estado civil, 47,3% eram casados
representando o maior percentual, depois os solteiros,
que correspondem a 27,3%.
Quanto à escolaridade, houve predomínio daqueles com
o ensino fundamental incompleto, representando 63,6%
dos entrevistados. Esse dado revela que dificilmente os
índios conseguirão trabalho mais bem remunerado,
em razão do baixo nível de escolaridade. Constata-se
essa questão quando se comparam com os resultados
referentes à ocupação profissional, os quais mostraram
que 67,3% dos índios potiguaras desenvolvem atividades
voltadas para a agricultura, 9,1% estão aposentados,
3,6% são artesãos, 5,5% são professores e merendeiras,
e as demais representaram apenas 1,8% das ocupações
(auxiliar e técnico de enfermagem, agente indígena,
auxiliar de limpeza e pajé).
Diante disso, pode-se inferir que, em sua maioria, os
potiguaras sobrevivem de uma economia mais voltada
para a subsistência, pois, em relação à fonte de renda,
verifica-se que a agricultura aparece com 72% como
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Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara
única fonte de rendimentos. As demais fontes provêm
da aposentadoria, com 9,1% e trabalho assalariado
(18,9%). Acredita-se que essa condição econômica
vem se agravando com o desmatamento e o despejo
de agrotóxicos nos mananciais com implicação direta
nas atividades agrícolas e pesqueiras, com perda de
lavouras e a diminuição do pescado nas terras indígenas
potiguaras. Isso se dá, também, em razão da proximidade
dessas terras das áreas urbanas dos municípios
circunvizinhos.4
Os fatores econômicos, particularmente, constituem
causas importantes de doenças, uma vez que a pobreza
e o desemprego podem resultar em precária nutrição,
habitações superlotadas, vestuário inadequado,
estresse psicológico e abuso de álcool. Nos países em
desenvolvimento, seja qual for sua cultura local, as más
condições de saúde, geralmente, estão intimamente
ligadas à baixa renda, o que, por sua vez, influencia no tipo
de saneamento, de água, no alimento e na moradia que o
indivíduo pode pagar. Portanto, “uma cultura nunca pode
ser analisada num vácuo, mas sim como componente de
um complexo de influências que se refere àquilo em que
as pessoas acreditam e ao modo como vivem”.8
A religião que se destaca entre os potiguaras é a católica
com 76,4%, seguida da protestante/evangélica, com
14,6%, e apenas 1,8% afirmou sua religiosidade ao deus
Tupã. O catolicismo é a religião mais institucionalizada
entre os potiguaras, remontando ao período colonial e
fonte dos símbolos étnicos, históricos e territoriais. São
representadas pelas velhas igrejas de Nossa Senhora
dos Prazeres e São Miguel, com seus oragos e festas
anuais. Há, também, a presença das demais crenças
cristãs, como as igrejas Batista, Betel e Assembleia de
Deus, além de cultos afro-brasileiros, como a Umbanda
e a Jurema Sagrada.4
No que se refere ao núcleo familiar, 82% dos entrevistados
têm sua família constituída de quatro pessoas, enquanto
18% são constituídos de três pessoas. Percebe-se,
portanto, que o núcleo familiar potiguara é numeroso,
o que, aliado às condições econômicas precárias
dessa população, pode trazer péssimas condições
de vida, gerando uma dependência acentuada por
programas assistenciais do governo. Esses programas
não são suficientes para resolver um problema que
é estrutural e reflete a necessidade de solucionar as
questões relacionadas às terras e as de autossustentação
econômica dos povos indígenas.2
Os resultados demonstram que 90,9% dos depoentes
são usuários de algum programa assistencial do governo,
dos quais 72,8% são beneficiados com o programa Bolsa
Família e 18,1% com a cesta básica, distribuída pela
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Hoje as áreas que esses povos ocupam dificilmente
possibilitam uma vida autônoma de produção e
reprodução de suas culturas, tradições e valores para
as quais necessitariam do resgate e da reorganização
social. Por causa disso, essas comunidades indígenas
tornaram-se dependentes das políticas assistenciais do
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governo ou da sociedade de maneira geral. As possíveis
soluções para seus problemas quase sempre dependem
exclusivamente da vontade política do governo,
portanto, alheias aos seus desejos e necessidades.2
Em 2007, o Sistema de Informação em Vigilância Alimentar
e Nutricional (SISVAN) potiguara identificou que, das
1.608 crianças menores de 5 anos existentes nas 29
aldeias, 6,61% encontravam-se desnutridas, prevalência
duas vezes maior que o esperado. Com relação à prática
de aleitamento materno, foi observada na comunidade
potiguara a introdução precoce de alimentos para bebês
menores de seis meses de idade. Somente 26% das mães
declararam que alimentavam seus filhos exclusivamente
com amamentação até esta idade.5
Quanto à qualidade da água utilizada na aldeia, 89,1%
dos entrevistados afirmaram que a água é boa e 98,2%,
que não fazem nenhum tratamento na água para uso
doméstico, pois ela já vem tratada da caixa d’água e
que o AISAN faz a manutenção dos equipamentos e
tratamento da água.
No campo de recursos humanos, tem-se viabilizado a
seleção e contratação de AISANs por meio de convênios
celebrados entre a FUNASA e os municípios, com vista à
operação e à manutenção dos serviços de saneamento.
O AISAN, como membro da aldeia, é indicado pela
comunidade e capacitado para desempenhar funções
voltadas para a realização de censo sanitário das aldeias,
operar e manter os sistemas de abastecimento de
água, realizar análise de cloro residual e pH da água
para consumo humano, orientar a comunidade para
a utilização adequada dos serviços de saneamento e
realizar ações de educação em saúde ambiental, atuando
com os AISs.10
Atualmente, 67,07% da população indígena brasileira
possui sistema de abastecimento de água, seja com
atendimento domiciliar, seja coletivo. Em termos de
cobertura por Unidade de Federação, observa-se que os
maiores déficits, em termos populacionais, ocorrem nos
Estados do Amazonas, Acre e Roraima, onde a cobertura
com sistemas de abastecimento ainda não alcançou os
50%. Em termos de alcance de aldeias, porém, somente
os Estados do Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Paraíba, Santa Catarina e Sergipe têm mais de
80% das aldeias com abastecimento de água. Segundo
dados do Departamento de Engenharia da FUNASA/
CORE/PB, das 29 aldeias existentes nas terras indígenas
potiguaras, com uma população de 13.790 índios,10 28
(96%) têm sistema de abastecimento de água.
No que se refere às instalações sanitárias existentes
na aldeia, verifica-se que 87,3% dos entrevistados têm
banheiro na sua residência. De acordo com o cadastro do
Censo Sanitário indígena, dos 3.039 domicílios existentes
nas aldeias potiguaras, 2.405 dispõem de privadas
individuais instaladas, perfazendo um percentual de
cobertura de 79,14%, ocupando, assim, o 4º lugar entre
os 24 Estados brasileiros que têm população indígena
com melhorias sanitárias individuais instaladas nos
domicílios indígenas.10
Sobre o destino do lixo produzido em casa, 63,6% dos
participantes afirmaram que enterram o lixo e os demais
(36,4%), que o queimam. Todos eles foram unânimes
quanto ao recolhimento e destino adequado do lixo,
pronunciando que todos os índios são responsáveis pela
limpeza da aldeia.
Em relação aos resíduos sólidos (lixo domiciliar)
produzido nas 29 aldeias potiguaras em Baía da Traição,
Marcação e Rio Tinto, apenas 9 aldeias dispõem de
serviços de coleta e transporte: Jaraguá e Mont Mor
(Rio Tinto), Três Rios, Caeira, Camurupim, Tramataia e
Ibikuâra (Marcação), Akajutibiró e Forte (Baia da Traição).
Nas demais aldeias, o lixo é coletado e enviado para um
local adequado (próprio para receber o lixo) para ser
enterrado ou queimado. Para isso, toda comunidade
deve ser orientada e acompanhada pelos AISs e AISANs,
sob a supervisão da equipe técnica da FUNASA. Quanto
aos resíduos sólidos provenientes dos atendimentos
feitos pela equipe de saúde nos postos das aldeias, estes
são acondicionados e levados para os três Polos Base
dos municípios acima citados e recolhidos pelo serviço
municipal de coleta e transporte.10
Quanto à visita domiciliar realizada pelo AIS, os resultados mostram que 90,9% dos entrevistados afirmaram
receber a visita dos AISs. Quanto à frequência dessas visitas,
eles disseram que era quinzenal (43,6%), mensal (45,5%)
e bimestral (1,8%). Esses resultados são considerados
positivos em virtude do importante papel que eles
exercem para a promoção da saúde na comunidade
indígena; eles representam o elo entre a comunidade e os
serviços de saúde disponíveis na aldeia e no Polo Base.
Para atuar na saúde indígena, o AIS passa por um
processo seletivo dentro das comunidades previamente
esclarecidas sobre seu papel, com assessoria dos
Conselhos Distritais de Saúde. São exigidos requisitos
para ser AIS: ser indicado pela comunidade; residir na área
de atuação; pertencer preferencialmente à sociedade
(etnia) na qual vai atuar; não ter vínculo profissional; ter
um bom relacionamento com a comunidade; ter idade,
preferencialmente, acima de 18 anos; ser alfabetizado,
preferencialmente; e manifestar interesse, aptidão e
responsabilidade para o trabalho de saúde.
Após esse processo de seleção, o AIS recebe formação/
capacitação com carga horária total de 1.080 horas com
700 horas de concentração em salas de aula (teórica)
e 380 horas para dispersão (prática) nas aldeias, onde
o enfermeiro/facilitador com habilitação pedagógica
o acompanha no decorrer de sua formação e atuação
nas aldeias.
Em seu universo cultural, os índios potiguaras estão, hoje,
vivenciando um movimento significativo de valorização
e intensificação das suas tradições, caracterizado pela
sua expressão étnica. “Estão o tempo todo realizando
releituras e novas proposituras sobre sua cultura, em
conexão direta com os processos étnicos, políticos e
sociais”.4
Nesse sentido, a dança do toré foi referenciada por
eles com muita alegria e satisfação por ser uma prática
de ritual sagrado realizada coletivamente entre seus
familiares e parentes, para celebrar alguma vitória e
ou conquista, em ocasiões especiais, quando pessoas
(turistas, alunos, entidades oficiais) visitam a aldeia. O
toré representa, para os índios potiguaras, aquilo de mais
precioso na sua cultura: é um momento de celebração,
de comunicação com seus ancestrais, com os seres da
natureza. A dança do toré é o ritual mais característico
dos povos indígenas do Nordeste.4
Como adorno para a celebração do toré, os potiguaras
usam brincos, colares e pulseiras de sementes, penas,
quenga de coco, ossos, conchas, dentes de animais,
espinhos de guandu, dentre outros. A pintura corporal
é feita de urucum e a vestimenta usada, de imbira de
jangada encontrada na mata e na antecasca do pau de
jangada.4
Dentre essas atividades práticas de conteúdo cultural
denominada por alguns deles de resgate cultural, citase: a formação/capacitação de professores indígenas
bilíngues para reabilitação do uso da língua tupi; a
semana cultural potiguara para divulgação das danças,
cânticos, músicas, desenhos, pinturas corporais,
artesanato com a confecção de enfeites e instrumentos
musicais para a comunidade; e a semana dos jogos
indígenas, realizada pela Organização dos Professores
Indígenas Potiguara (OPIP/PB), para práticas com o
uso de arco e flecha, arremesso de lança, corrida com
toras, tendo como objetivo despertar nas crianças essas
modalidades exercidas pelos seus antepassados.
Quanto ao uso de bebida alcoólica, os resultados
deste estudo mostram que 41,8% têm, pelo menos,
um membro da família fazendo uso desse tipo de
bebida. Desses, 27,3% disseram que a bebida traz, sim,
problemas para toda a família, como casos de óbito,
causados pela cirrose hepática (5,5%). O uso do álcool é
multideterminado, envolvendo fatores biopsicossociais,
com grande incentivo ao uso, por ser esta uma droga
lícita e amplamente consumida. Faz parte de festividades
e de relações sociais, de tal modo que o consumo
abusivo de álcool tem sido vivenciado nas mais diversas
culturas, 11 e atualmente vem afligindo, também, a
população indígena potiguara.
Discutir o uso de bebida alcoólica na população indígena
requer que se desvende uma rede de relações que
envolvem essa prática, e para isso faz-se necessário
entender as múltiplas causas relacionadas ao processo
de alcoolização nas comunidades indígenas. Entre os
agravos que acometem os povos indígenas no Brasil,
é notório que o consumo de bebida alcoólica tem
se intensificado, embora faltem dados precisos para
quantificar tais tendências.11 Tal condição se aplica aos
índios potiguaras, pois até o momento o DSEI não dispõe
de nenhum registro (levantamento de dados) sobre o
uso de bebida alcoólica na etnia potiguara.
Quanto ao uso do fumo, 54,5% dos participantes
alegaram que fumam ou já fumaram alguma vez na vida.
Quando questionados sobre os malefícios do cigarro
no organismo, a maioria (74,6%) informou que, até o
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Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara
momento, o fumo não lhes trouxe nenhum problema
de saúde.
No que diz respeito à morbidade referida pelos participantes, a hipertensão apresenta-se com maior
percentual (16,4%), seguida de problemas na coluna com
5,5%, dor de cabeça 3,6% e demais doenças (diabetes,
sinusite, artrose, gripe, pneumonia, hemorroidas) com
apenas 1,8%. Apesar de a hipertensão e a diabetes
representarem, respectivamente, apenas 16,4% e
1,8% das doenças citadas pelos índios, são as que
chamam atenção, pois elas vêm, dentre outros agravos,
destacando-se no decorrer dos anos no DSEI potiguara,
em virtude do número de atendimentos médicos (TAB.
1) realizados nas aldeias aos índios cadastrados no
Programa Hiperdia.
Observam-se, também, outras questões, que poderão
estar contribuindo para a frequência desses agravos,
uma vez que a maioria dos idosos não tem como prática a
procura dos serviços de saúde na aldeia para a realização
de exames ou outros procedimentos de prevenção às
doenças; a ingestão de alimentos provenientes da pesca
(peixe e camarão) é muitas vezes conservada no sal;
alguns índios, nessa faixa etária, já estão aposentados,
não desenvolvem atividades na agricultura no mesmo
ritmo quando eram mais jovens e o próprio ritmo de vida
na aldeia conduz ao sedentarismo, com pouca atividade
física; e, por fim, o uso abusivo do fumo e do álcool.
O controle da hipertensão e da diabetes requer, além
do uso contínuo de medicações, alterações nos hábitos
de vida e comparecimento periódico a consultas
médicas e serviços de saúde. Medidas de combate ao
alcoolismo, tabagismo, sedentarismo e condutas não
medicamentosas, como redução do peso, do sal e do
açúcar da dieta, são capazes de contribuir eficazmente
para o controle dos níveis de sódio e glicose no
sangue.12
O seguimento dessas orientações é um processo
complexo para os índios de maneira geral, porque
essas medidas de controle exigem mudanças quanto
aos seus hábitos alimentares, os quais envolvem
aspectos socioeconômicos e culturais importantes para
eles. Deve-se ressaltar que se tais aspectos não forem
considerados pela Equipe Multidisciplinar que atua
nas aldeias na prevenção e controle desses agravos,
poderão ser ineficientes as intervenções prestadas a
essa população.
Por causa da transição epidemiológica e demográfica
que vem ocorrendo nas comunidades indígenas,
observam-se mudanças nos padrões alimentares e
nutricionais, revelando a complexidade dos modelos de
consumo e de seus fatores determinantes, cujos déficits
nutricionais estão marcados por alterações nos níveis
de atividade física e composição da dieta.3 Naquelas
comunidades indígenas que têm um relacionamento
mais estreito com a população regional próxima às áreas
urbanas, nota-se o aparecimento de novos problemas
de saúde relacionados às mudanças introduzidas no
seu modo de vida e, especialmente, na alimentação,
como obesidade, hipertensão arterial, diabetes, câncer
e alcoolismo.3
Para Luciano-Baniwa, 2 o problema número 1 para
essas questões é a terra. São grandes concentrações de
pessoas em pequenos espaços, ao contrário da cultura
que lhes é própria. “Tradicionalmente, quando havia
projeções de novas lideranças, os índios se dividiam, iam
cada um para um canto. Hoje, é impossível. Os grupos
familiares são obrigados a conviver em um espaço
reduzido com imposições constantes dos não índios
em seus territórios”.
Por causa desses problemas de saúde, atrelados a
questões conflitantes de tensão social, como a expansão
de frentes econômicas e a indefinição territorial, é
que o controle social indígena vem, desde a época
do movimento pela Reforma Sanitária, em 1986,
conseguindo significativas reivindicações e conquistas
em prol da melhoria das condições de vida dessa
população.2
O Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI)
potiguara foi criado em consonância com as propostas
da Política de Saúde do índio, sendo um órgão de caráter
TABELA 1 – Distribuição do número de consultas médicas realizadas de acordo com as doenças do aparelho
circulatório (hipertensão) e endócrino (diabetes), no período de 2004 a 2007, DSEI potiguara-PB – 2008
ANO
Total de
atendimento
médico realizado
no DSEI potiguara
Nº de consultas médicas por
doenças
Consulta ao diabético
Circulatório
Endócrinas
N
%
N
%
2004
9.929
660
165
557
84,3
124
75,2
2005
7.188
558
202
464
83,1
171
84,6
2006
11.323
1.059
340
778
73,5
192
56,5
2007
8.556
844
205
693
82,2
171
83,4
Total
36.996
3.121
912
2.492
79,8
658
72,1
Fonte: Relatório mensal/FUNASA/DSEI potiguara, 2004-2007.
86
Consulta ao hipertenso
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012
permanente e deliberativo para o exercício do controle
social, instituído nos termos do Decreto n. 3.156, de
27 de agosto de 1999. O CONDISI potiguara tem por
finalidade deliberar, fiscalizar e supervisionar assuntos
e políticas relacionadas ao campo de saúde indígena,
como também sobre quaisquer ações e serviços de
saúde prestados por instituições públicas e entidades
não governamentais na abrangência do DSEI potiguara
na Paraíba.13
Atualmente o CONDISI é composto de 32 Conselheiros,
dos quais 16 são representantes de usuários indígenas;
de 8 profissionais de saúde dos 3 Polos Base e 7 de
instituições governamentais (FUNAI, FUNASA, UFPB,
SES, SMS); e 1, representante da instituição não
governamental Articulação dos Povos Indígenas do
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME),
atualmente representado pelo cacique-geral dos
potiguaras, o índio Caboquinho. Vinculados ao CONDISI
potiguara, existem 3 Conselhos Locais de Saúde,
composto por 29 conselheiros, representantes das 29
aldeias dos 3 Polos Base.
Ao serem questionados sobre a existência e participação
nas reuniões dos Conselhos existentes – o Conselho
Local e Distrital Indígena –, os dados apontaram que
53% afirmaram que conheciam sobre o Conselho Local e
desses somente 18,2% tinham participação nas reuniões.
Em relação ao CONDISI, apenas 20% declararam ter
conhecimento desse Conselho, no entanto apenas 3,6%
disseram que tinham participação efetiva nas reuniões,
como conselheiros distritais e locais, representando
o segmento de usuário indígena; ou seja, na amostra
estudada nenhum dos sujeitos teve participação nas
reuniões como ouvinte, convidado pelas lideranças
locais da aldeia.
Sabe-se que existe uma organização e normas que
devem ser seguidas para a composição paritária dos
membros/conselheiros estabelecidas pelo Conselho
Nacional de Saúde (CNS), por meio da Resolução nº
333/2003. Mas nada impede que a comunidade participe
das reuniões como ouvintes, tomando conhecimento
das decisões deliberadas pelos conselheiros de saúde,
os quais foram escolhidos pela comunidade para
representá-los.
Pode-se, assim, considerar que a comunidade indígena
potiguara precisa tomar conhecimento das decisões
e da participação dos Conselhos locais já instituídos
nas aldeias. As lideranças precisam buscar alternativas
para o incentivo e maior envolvimento dos índios nas
reuniões dos Conselhos locais, visto que é com base
nos resultados dessas reuniões que estes, atuando com
o CONDISI, terão autonomia para deliberar em prol da
saúde de toda a população potiguara.
No tocante a outras morbidades presentes na população
potiguara estão as doenças infecciosas e parasitárias
(amebíase, esquistossomose, micose, helmintíase,
tuberculose, DST/HIV), que têm os maiores percentuais
(TAB. 2) sobre as demais morbidades do mesmo grupo.
Historicamente, a morbimortalidade na população
indígena tem sido dominada pelas doenças infecciosas e
parasitárias.3 No tocante aos índios potiguaras, acreditase que isso se dê pela deficiência e ineficácia de um
trabalho de educação em saúde permanente nas aldeias
sobre práticas de higiene pessoal e domiciliar. Contudo,
são bastante relevantes os aspectos culturais dessa
comunidade em relação aos hábitos, como: grandes
aglomerações domiciliares, andar descalço, tomar banho
em rios, e o fato de não utilizarem as melhorias sanitárias
domiciliares.13
Com as alterações ocorridas no delineamento da morbimortalidade no Brasil, há diminuição de importância
quanto às doenças transmissíveis, especialmente a partir
da década de 1980, com falsas expectativas de que
esse grupo de doenças estaria próximo da extinção.
No entanto, o que se observa é que as doenças
TABELA 2 – Distribuição de frequência das doenças infecciosas e parasitárias segundo os atendimentos
médicos realizados no período de 2004 a 2007 – DSEI potiguara-PB – 2008
Morbidade
Doenças infecciosas e parasitárias
2004
2005
2006
2007
N
%
N
%
N
%
N
%
Doenças infecciosas intestinais
661
34,8
94
5,8
65
3,5
162
11,2
Amebíase
48
2,5
67
4,3
84
4,6
145
10,0
Micoses
132
7,0
168
10,6
199
10,9
130
9,0
Helmintíases (ascaridíase, oxiuríase).
635
33,5
781
49,0
737
40,4
382
26,6
Pediculose, acaríase e escabiose
173
9,1
346
21,7
374
20,5
268
18,7
Tuberculose
04
0,2
02
0,1
02
0,1
03
0,2
DST
245
12,9
137
8,5
362
20,0
349
24,3
Total
1.898
100,0
1.595
100,0
1.823
100,0
1.439
100,0
Fonte: Relatório mensal/FUNASA/DSEI potiguara, 2004 a 2007.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012
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Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara
transmissíveis ainda causam impacto na morbidade,
principalmente aquelas que ainda não dispõem de
mecanismos eficazes de controle e prevenção.14
A presença da tuberculose e das DSTs/HIV entre os
potiguaras é preocupante em razão de quatro casos
confirmados da coinfecção tuberculose/HIV entre 2006
e 2008. Sabe-se que a coinfecção dessas enfermidades
constitui, nos dias atuais, um desafio para a saúde
pública, podendo levar ao aumento da morbidade e
mortalidade pela tuberculose em muitos países. Um
indivíduo infectado pelo HIV é 25 vezes mais susceptível
à tuberculose em relação aos não infectados e o risco
de morte em pacientes coinfectados pelo HIV e TB
é duas vezes maior que em pacientes com HIV sem
tuberculose.15
Historicamente, a tuberculose sempre representou
uma proeminente causa de morbimortalidade entre
grupos indígenas, tendo contribuído para o expressivo
declínio populacional. Infelizmente, ainda que seja
bem conhecida a presença da tuberculose e do HIV
nessas populações, há significativa carência de estudos
e pesquisas a respeito do tema.16
Existem fatores que favorecem a incidência da tuberculose
entre os índios. Dentre eles, observa-se a ausência de um
sistema eficaz de busca ativa dos casos; a deficiência
sanitária nas comunidades indígenas; a crescente
deterioração de suas condições de vida em decorrência do
contato com os não índios; problemas de acessibilidade
(geográfica, linguística e cultural) aos centros de referência
para o tratamento; a falta de supervisão dos doentes pelos
serviços de saúde ambulatorial; o abandono frequente
do tratamento; e a prática ineficiente de atividades
educativas nas aldeias.16
As DSTs na comunidade potiguara são evidenciadas
pelos atendimentos prestados às mulheres indígenas
que procuram os serviços para a consulta médica e
de enfermagem no pré-natal, para a coleta do exame
Papanicolau. É oportuno dizer que, conforme se dá
no gênero masculino da população de forma geral,
acontece também no gênero masculino da etnia
potiguara em relação ao controle das DSTs. Há, no
entanto, uma subnotificação dessas afecções entre os
homens indígenas, em virtude de a maioria não procurar
os serviços de saúde para tratamento. Quando o serviço
tem acesso a eles, é por intermédio das abordagens
feitas pela equipe juntamente com as mulheres índias.
Essas evidências são ratificadas por meio do número de
atendimentos prestados a essa população, em que se
encontra uma diferença de 90%, constando, em 2007,
1,7% de atendimento masculino e 98,3% feminino.5
Em 1986 foram registrados os primeiros casos da
infecção pelo vírus HIV entre os índios do Brasil. No
período de 1988 a 2007, foram registrados 624 casos
de aids na população indígena. De acordo com dados
do Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) entre 2000 e 2008, foram registrados 401 casos
de aids em populações indígenas. A proporção de casos
entre os sexos é semelhante à da população em geral,
88
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012
com 1,6 em homens para cada 1 em mulheres, mas
essa tendência vem mudando, com um número maior
de mulheres sendo afetadas; as pessoas na faixa etária
de 30 a 60 são as mais vulneráveis, representando 65%
de todos os casos notificados.17
Os dados epidemiológicos mostram que a principal
categoria de exposição é a heterossexual, representando
61% dos casos notificados. Mesmo assim, 21% dos casos
foram notificados nas categoriais homo e bissexual, e
6,7% na categoria de usuários de drogas injetáveis. Com
relação à transmissão vertical do HIV, de 2001 a 2008, 94
casos de mulheres índias foram registradas no SINAN.
Com relação à aids entre os potiguaras, foram registrados
32 casos no período de 1998 a 2008, dos quais 17
(masculino) e 15 (feminino) no DSEI potiguara.17
O curto período de tempo transcorrido entre o
diagnóstico e o óbito dos pacientes, a falta de informação
entre os índios sobre os modos de transmissão do vírus
e a prevenção da doença, bem como as limitações
de ordem linguística e cultural para a comunicação
com eles, são desafios a enfrentar e expressam a
situação altamente vulnerável adiante da tendência de
interiorização da epidemia de aids no País.17
A desestruturação interna das comunidades, a falta
de informação entre os índios sobre os modos de
transmissão do vírus, a mobilidade sazonal em busca
de trabalhos temporários, garimpos, exploração
madeireira e turismo são fatores diretamente associados
à magnitude do problema de disseminação do vírus HIV
entre os indígenas no País.17
A presença das DSTs na etnia potiguara se deve,
principalmente, à presença de núcleos pesqueiros nos
municípios próximos; à migração dos indígenas para
centros urbanos; à ocorrência frequente de alcoolismo;
ao não uso de preservativos (masculino e feminino); à
influência da mídia introduzindo valores relacionados
à sexualidade e relações pessoais; e ao movimento
turístico constante nas aldeias, por ser região litorânea,
levando à desestruturação interna nas aldeias e aumento
da violência (prostituição e tráfico de drogas).4,17
Para superar esses desafios e estando ciente da complexa
situação de vulnerabilidade na população indígena,
o Ministério da Saúde, em Parceria com a Funasa,
implantou em 2004 o Programa de DST/aids nos Distritos
e Polos Base, tendo como objetivo ações básicas de
prevenção, assistência, vigilância e monitoramento. Para
tanto, o DSEI potiguara vem, desde 2005, em parceria
com a Secretaria Estadual de Saúde/SES/PB, realizando
cursos de vigilância epidemiológica, aconselhamento e
abordagem sindrômica sobre as DST/aids para a Equipe
Multidisciplinar que atua nas terras indígenas. Em 2007,
foi implantado o exame Teste Rápido para Diagnóstico do
HIV nos três Polos Base e uma Capacitação de 103 horas
para os 37 AISs sobre DST/aids e hepatites virais.17
Quanto aos óbitos, os resultados desta pesquisa revelaram
que 58,2% dos entrevistados referiram casos de óbito
na família nos últimos cinco anos, e, desses, 25,5% não
souberam informar a causa da morte. Ao somar o número
de óbitos causados pelas doenças do aparelho circulatório
e endócrino, constata-se que 16,4% estão relacionados a
hipertensão, acidente vascular cerebral (AVC), problema
do coração e diabetes. As demais causas foram para:
cirrose (5,5%), acidente com veículo automotor (3,6%),
tuberculose (1,8%), tétano (1,8%), tumor de esôfago
(1,8%) e infecção pulmonar (1,8%).
Quanto ao fato de o óbito por tuberculose ser de apenas
1,8% do total dos óbitos citados, merece atenção pelo
fato de que era um caso que não tinha acompanhamento
médico nem pelo DSEI potiguara nem pelos demais
serviços de referência no Estado. Vale destacar que
esse caso foi citado por cinco participantes da pesquisa
como óbito no núcleo familiar. Levando em conta a
questão do parentesco, a proximidade, a organização
social e a distribuição geográfica, torna-se preocupante
a disseminação não somente da tuberculose, como
também de outras doenças transmissíveis.
Em relação à idade, percebe-se que 43,6% dos óbitos
entre os potiguaras ocorreram com índios a partir de 51
anos. No Brasil, dados demográficos têm demonstrado
que a partir da década de 1970, a população de pessoas
mais velhas vem aumentando lentamente. Entre os
povos indígenas, a despeito da escassez de estudos
demográficos, existe uma tendência semelhante. A
análise de dados relativos aos indivíduos autodeclarados
indígenas nos censos demográficos de 1991 e 2000
aponta para um aumento consistente da população
idosa (com 65 anos ou mais).18
De modo geral, o envelhecimento tem ocorrido,
principalmente, nas populações urbanas, estando
associado aos mesmos determinantes observados entre
não indígenas – redução da fecundidade e da mortalidade
infantil. Nas populações rurais, que correspondem
de modo geral às populações aldeadas, o grau de
envelhecimento foi menor. De todo modo, é relevante
considerar que doenças pouco expressivas no passado
estão se tornando cada vez mais prevalentes, em especial
as crônicas não transmissíveis (hipertensão, diabetes,
câncer).18
O Departamento de Saúde Indígena (DESAI) mostra
que o coeficiente geral de mortalidade indígena por mil
habitantes, em 2000 e 2006, foi, respectivamente, 7,10 e
3,11. Para o DSEI potiguara, esse coeficiente aparece com
um percentual no mesmo período de 6,96 em 2000 e
2,12 em 2006. Quanto ao percentual e número de óbitos
indígenas por causas agrupadas, no período de 2003 a
2006, as mortes por outras causas maldefinidas aparece
em primeiro lugar com cerca de 20% na média, o que
indica precariedade no sistema de informação, falta de
diagnóstico ou investigação de causas ou subnotificação
nos registros. Dos óbitos ocorridos nesse mesmo
período, as doenças infectocontagiosas aparecem com
um percentual entre 32,2% e 36,67% comparadas com
as demais causas.19
A distribuição por grupos de causas de mortalidade
pode sugerir associações com fatores contribuintes ou
determinantes das doenças. Nesse sentido, proporções
elevadas de óbitos por doenças infecciosas e parasitárias
refletem, em geral, baixas condições socioeconômicas e de
saneamento ambiental nas comunidades indígenas.19
Em relação aos óbitos ocorridos nas outras faixas
etárias entre os potiguaras, percebe-se que não foi
citado nenhum óbito abaixo de 20 anos na população
estudada. A taxa de mortalidade infantil (TMI) na etnia
potiguara, no período de 2003 a 2007, foi, em média,
de 19,16%. Em 2006 representou 35,8, passando para
7,2 em 2008.5
Entre os indicadores de saúde existentes, a TMI é
considerada um dos indicadores mais sensíveis à situação
de saúde e condição social de uma população “porque
ela se refere a um grupo populacional (nascidos vivos
antes de completar um ano de vida) bastante vulnerável
às condições de vida, intra e extra-uterina”. A definição
de faixas de valores da TMI consideradas altas ou
baixas é sempre arbitrária e sujeitas a controvérsias. Os
valores atualmente utilizados são: inferior (<20 óbitos),
intermediário (20 a 40 óbitos) e elevado (≥ 50 óbitos).20
Na análise da mortalidade infantil, deve-se considerar que,
embora altas taxas de mortalidade infantil possam revelar
precárias condições sociais e de saúde, baixos níveis
de mortalidade infantil não refletem, necessariamente,
melhorias das condições de vida da população. Por outro
lado, o aumento na taxa de mortalidade infantil pode, em
determinadas situações, ser resultante da melhoria dos
registros dos óbitos infantis.20
Vem ocorrendo uma queda da TMI na área indígena
potiguara, dado o aumento no número de profissionais
nas Equipes de Saúde Indígena, gerando, assim,
intensificações nas ações de enfermagem, como:
imunização, acompanhamento do crescimento
desenvolvimento (CD), acompanhamento de gestantes
e vigilância nutricional, como também maior frequência
de visitas domiciliares realizadas especialmente pelos
AISs nas aldeias.13
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa possibilitou melhor
compreensão sobre a situação de saúde dos índios
potiguaras e pontuar aspectos relevantes dessa
população. Conhecer sobre o modo de vida dos índios,
o contato com aqueles que convivem em seu ambiente
e as representações sobre o processo saúde/doença são
questões fundamentais para o exercício dos profissionais
que atuam na saúde indígena e para a efetivação da Política
Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
Diante dessa condição de vida e de saúde dos índios potiguaras, torna-se necessário que a Equipe
Multiprofissional, em especial a enfermagem, promova
a integração entre o sistema local de saúde e a sabedoria
indígena. Isso porque abordagens culturais possibilitarão
compreender o universo cultural dos índios potiguaras
sobre suas práticas relacionadas à saúde e à doença,
tornando, assim, as intervenções de controle mais
eficazes, principalmente em relação às doenças
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012
89
Situação de vida, saúde e doença da população indígena potiguara
infecciosas e parasitárias. Para isso, é indispensável uma
definição da política de recursos humanos para a saúde
indígena e capacitação/qualificação de profissionais
sobre os povos indígenas em relação à sua organização
social, política, cultural e, principalmente, no que diz
respeito a sua concepção sobre saúde e doença.
Quanto ao DSEI potiguara, este deveria intensificar
parcerias com os Conselhos Locais e Distrital de Saúde,
Secretarias de Saúde e Educação dos municípios sede
dos Polos Base e lideranças indígenas para a elaboração
de estratégias de promoção, prevenção e recuperação da
saúde com a participação da comunidade local. Sugerese, portanto, que o DSEI potiguara reveja sua estrutura
organizacional de modo a favorecer o acompanhamento
efetivo das ações de saúde realizadas na atenção básica
e nos serviços de referência e contrarreferência.
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Data de submissão: 29/3/2010
Data de aprovação: 3/11/2011
90
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 81-90, jan./mar., 2012
SENTIMENTOS DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM em relação ao
PACIENTE ONCOLÓGICO*
NURSING PROFESSIONALS’ FEELINGS TOWARDS ONCOLOGY PATIENTS
SENTIMIENTOS DE ENFERMEROS HACIA PACIENTES ONCOLÓGICOS
Márcia Cristina Lucas de Oliveira1
Maria da Penha Rodrigues Firmes2
RESUMO
O distúrbio onco-hematológico caracteriza-se pelo crescimento desordenado de células que invadem tecidos e órgãos.
Quando ocorre na fase infantojuvenil, mesmo sendo considerado raro, desencadeia, de forma abrupta, uma mudança
geral na vida desses pacientes e de seus familiares. Esse processo também gera nos profissionais de enfermagem o
envolvimento e sentimentos que são influenciados pelo vínculo afetivo decorrente da assistência direta e indireta
prestada a essa clientela. O objetivo com este estudo foi identificar os sentimentos da equipe de enfermagem diante
da situação de cuidar da criança e do adolescente hospitalizados com câncer, assim como verificar os mecanismos de
defesa desenvolvidos para evitar ou minimizar o envolvimento emocional. Utilizou-se a pesquisa descritiva investigativa
com abordagem qualitativa. O roteiro do instrumento constou de dados de identificação dos participantes e de duas
questões abertas gravadas em fitas cassete, sendo abordados os profissionais de enfermagem que trabalham no
setor de oncologia de um hospital vinculado aos servidores públicos de Minas Gerais situado em Belo Horizonte-MG.
Com base nas análises dos depoimentos, foi possível perceber que as participantes vivenciam sentimentos de tristeza
diante da criança e o adolescente oncológicos e que, muitas vezes, a equipe de enfermagem utiliza como estratégia de
enfrentamento o distanciando e a naturalização dos fatos. Foi possível evidenciar que esses profissionais necessitam
de um suporte emocional para lidar com essa doença e que as instituições hospitalares devem buscar uma educação
permanente da equipe de enfermagem como estratégia para promover mudanças.
Palavras-chave: Câncer; Enfermagem Oncológica; Sentimentos.
ABSTRACT
Oncologic and hematologic disturbances are described as the disordered growth of cells that invade tissue and organs.
Even if it is considered rare, the occurrence of the disease at an infantile-juvenile stage generates an abrupt change in the
patients’ and in the patients’ family lives. The nursing professionals’ involvement in the whole process generates feelings
that arise from the emotional bond created by direct or indirect caring provided to this particular clientele. The purpose
of this study is to identify the nursing team feelings when caring for children and adolescents hospitalized with cancer,
as well as the defense mechanisms developed for avoiding or reducing the emotional involvement. A descriptive and
investigative research using qualitative methods was carried out. The research roadmap consisted of the participants’
identification and two open questions recorded on cassette tapes. The interviewed nursing professionals work at the
oncological unit of a hospital for the public-sector workers in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. An analysis of the
nurses’ accounts demonstrated that the research participants experienced feelings of sadness towards the child and
the adolescent with cancer. The professionals’ coping strategies were detachment and trivialization. The research results
evidenced that these professionals need emotional support to be able to deal with the disease. Hospitals should provide
continuing education opportunities specially directed to the nursing team as a strategy to promote changes.
Keywords: Cancer; Oncology Nursing; Feelings.
RESUMEN
Las enfermedades hematológicas oncológicas se caracterizan por el crecimiento sin control de células que invaden tejidos
y órganos. Cuando ocurre en la infancia o adolescencia, considerado algo raro, provoca cambios bruscos en la vida de
pacientes y familiares. Este proceso involucra enfermeros que crean vínculos afectivos con los pacientes durante su atención
directa o indirecta. El objetivo de este estudio es identificar los sentimientos del personal de enfermería al cuidar niños y
adolescentes internados con cáncer y, asimismo, analizar sus mecanismos de defensa para evitar o reducir su implicación
emocional. Se trata de un estudio de investigación cualitativa con método descriptivo. El trabajo de investigación consistió
en la obtención de datos de identificación de los participantes y en dos preguntas abiertas grabados en casetes. Los
enfermeros entrevistados trabajan en oncología en un hospital de funcionarios públicos de Belo Horizonte – Minas Gerais.
El análisis de los relatos señaló que los participantes sienten pena y dolor hacia los niños y adolescentes con cáncer. Como
estrategia para enfrentar esta situación los enfermeros suelen distanciarse de los pacientes y tratarlos con naturalidad.
Los resultados mostraron que estos profesionales necesitan apoyo emocional y que los hospitales deberían contar con
personal de educación continua de enfermería como estrategia para promover cambios.
Palabras clave: Cáncer; Enfermería Oncológica; Sentimientos.
*
Trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 2010.
Acadêmica do 8º semestre do Curso de Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM.
2
Professora Doutora do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM.
Endereço para correspondência – Rua Travessa Professora Dacília Godói nº 43, Sagrado Coração de Jesus, Diamantina-MG. CEP: 39100-000.
E-mail: [email protected].
1
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012
91
Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico
INTRODUÇÃO
Câncer é o nome dado aos tumores malignos e às
leucemias. Corresponde a uma totalidade de mais de
cem doenças que têm em comum o crescimento irregular
de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo
espalhar-se para outras regiões do corpo.1 Atualmente,
por sua relevância como doença crônico-degenerativa,
é considerado um problema de saúde pública. Vários
aspectos devem ser aprimorados a fim de minimizar suas
consequências, como o diagnóstico precoce e os meios
de reabilitação, física, social e psicológica.2
O câncer infantojuvenil, que ocorre abaixo de 19 anos, é
considerado raro quando comparado com os tumores do
adulto, correspondendo a 2% e 3% de todos os tumores
malignos. Apesar disso, estimativa realizada pelo Instituto
Nacional de Câncer (Inca), para o biênio 2008/09, revelou
que ocorreria cerca de 9.890 casos por ano em crianças e
adolescentes com até 18 anos de idade.3
O câncer em crianças/adolescentes, até cerca de duas
décadas, era considerado uma doença aguda, com
pouca possibilidade de cura, resultando, na maioria dos
casos, em morte. Não obstante isso, com a possibilidade
do diagnóstico precoce da doença e a introdução da
terapêutica adequada, a partir do desenvolvimento
científico e tecnológico, tem possibilitado o controle de
sua evolução e cura, na maioria dos casos.4,5
A criança e o adolescente com câncer têm seu cotidiano
modificado, muitas vezes com limitações, principalmente
físicas, em decorrência de sinais e sintomas da doença,
de hospitalizações para exames e tratamento. A doença
impõe mudanças no estilo de vida desses indivíduos e
de suas famílias, exigindo novas adaptações e estratégias
de enfrentamento.
Quando o diagnóstico ocorre na fase infantojuvenil, o
choque emocional torna-se maior, pois essa fase da vida
é vista como um período no qual a alegria, a vivacidade e
a perspectiva de futuro mais se expressam.6 O indivíduo
acometido por um distúrbio onco-hematológico se
percebe como um ser diferente das outras pessoas, tendo
de encarar problemas relacionados com a patologia e
seu tratamento – dor, hospitalização, procedimentos
invasivos, efeitos colaterais da medicação, dificuldades
nas relações sociais, restrições às suas atividades
cotidianas e problemas com a sua própria identificação
–, bem como com a aparência.
No contexto hospitalar, a equipe de enfermagem assume
grandes responsabilidades com esses pacientes, tendo
como competência prestar assistência na avaliação
diagnóstica, tratamento, reabilitação e atendimento
aos familiares.7,8
Os profissionais de enfermagem ficam bastante mobilizados emocionalmente diante dos pacientes oncológicos,
visto que a doença traz o estigma do sofrimento e da
morte. A relação entre câncer e morte, decorrente de
conceitos errôneos relacionados com tal morbidade, é
frequente e contribui, nesse contexto social, para um
comportamento de fuga na maioria das pessoas.9
92
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012
Tanto auxiliares de enfermagem como técnicos e
enfermeiros estão em contato permanente com esses
pacientes e participam ativamente de todo o processo
do adoecer, da dor e do tratamento. Por isso, devem ser
capazes de reconhecer as variações das características
dos indivíduos, de acordo com as etapas de evolução
da doença e também com a fase do desenvolvimento
em que o paciente se encontra, para compreender os
sentimentos dessa criança/adolescente e seus próprios
sentimentos diante de tal moléstia.
A equipe de enfermagem em atenção oncológica lida
permanentemente com situações de penosidade,
sofrimento e morte, que são exacerbadas pelas
características da demanda e do ambiente de trabalho.
Esse contexto, em que se exige uma assistência qualificada,
avaliando o paciente e sua família integralmente, requer
dos profissionais um movimento de doação.10
São esses profissionais, por se encontrarem mais
próximos nos momentos difíceis, que o paciente e a
família buscam quando necessitam de esclarecimentos
ou de cuidados imediatos. Assim, esses singulares atores
devem lidar com o sofrimento, com a angústia e com os
temores que podem surgir em diversas situações que
envolvem esse cuidar.
O cuidar é a base do processo de atuação da enfermagem
e, para ocorrer de forma eficaz, é imprescindível
determinar as reais necessidades de seu cliente e
familiares e as formas de intervenção, numa perspectiva
de atuação holística e humanizada.11 A assistência
qualificada, para ser considerada efetiva, requer da
equipe de enfermagem o conhecimento da patologia em
si e, além disso, a habilidade para lidar com os próprios
sentimentos e não permitir que estes influenciem na
prestação do cuidado.
As situações vivenciadas por esses pacientes – o que
lhes causa dor e sofrimento e o que lhes proporciona
conforto e alívio – devem ser compartilhadas com a
equipe de enfermagem. É com base nessas informações
que o plano de ação da enfermagem deve ser construído,
para que o cuidado realmente constitua uma relação
de ajuda.12
Os profissionais de saúde são preparados para prolongar
a vida e promover a cura. Em face do paciente terminal,
eles confrontam com seus limites, impotências e
incapacidades que geram raiva e culpa, o que pode
resultar em negação e fuga da realidade.
O controle emocional, o conhecimento, a disponibilidade, a
flexibilidade, a capacidade de interação, o reconhecimento
de limites e posturas éticas que garantam a confidência e a
segurança emocional tornam-se aspectos vitais na relação
terapêutica para auxiliar as crianças, os adolescentes e
seus familiares, e até mesmo o próprio profissional, a
serem resistentes diante das limitações que essa patologia
causa, dos efeitos do câncer e do seu tratamento.13
Por mais que a equipe de enfermagem se faça mais
presente do que outros profissionais, ela costuma
apresentar dificuldade em lidar com as emoções e
ideias expressas pelos pacientes em consequência da
preparação insuficiente e do envolvimento emocional
mais significativo.14
A rotina de trabalho da enfermagem não leva em
conta os problemas que os profissionais enfrentam em
seu cotidiano, tanto dentro quanto fora do trabalho.
Espera-se que eles jamais expressem ao paciente
suas dificuldades e que possam transmitir-lhe apenas
tranquilidade.15
Segundo Haddad,15 na assistência de enfermagem é
exigida a simpatia por parte do profissional. à medida
que a relação com o paciente se torna frequente, ele
passa a lidar com sua dor, sua dependência e sua
intimidade. Por outro lado, esse cuidado é influenciado,
pelo menos, por três fatores complicantes e interrelacionados: o salário, que é a fonte de sobrevivência
do trabalhador; o medo da perda do paciente, seja por
alta, seja por óbito; e a obrigação de se mostrar diante
do paciente sempre como profissional, não lhe sendo
permitido expressar preferências ou recusas, atração ou
repulsa por este ou aquele paciente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no
artigo 7º, assegura à criança e ao adolescente “o direito
a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam ao ser humano
o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condições dignas de existência”.16 E é nesse contexto
que se insere a importância de o profissional de
enfermagem em cuidar, de forma holística, da criança e
do adolescente. No entanto, é preciso avaliar, também,
de que maneira esse cuidado influencia os sentimentos
desses profissionais e como é possível tornar essa
assistência menos complexa.
O objetivo com este estudo foi identificar os sentimentos
da equipe de enfermagem de uma unidade de
internação diante da situação de cuidar da criança e do
adolescente hospitalizados com câncer e verificar quais
são os mecanismos de defesa para o não envolvimento
emocional com o paciente oncológico.
DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA
O referencial teórico-metodológico desta pesquisa
baseou-se na investigação descritiva qualitativa. O
estudo descritivo permite que os fatos sejam observados,
registrados e classificados sem que o pesquisador
interfira neles, além de possibilitar analisar e interpretar
a complexidade do comportamento humano em âmbito
psicossocial.17, 18
Este estudo foi realizado na Unidade de Internação da
Pediatria geral de um hospital localizado na cidade
de Belo Horizonte-MG, e oferece, há mais de 35
anos, serviços na área médico-hospitalar em diversas
especialidades, como a pediatria.
O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa do hospital, para a realização na unidade
de internação pediátrica. A pesquisa obedeceu aos
princípios éticos dispostos na Resolução n° 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde –,
e garantiu aos participantes o sigilo das informações
e a privacidade mediante a enumeração em ordem
crescente das entrevistas. Os depoimentos foram
coletados em todos os turnos de trabalho e realizados
em uma sala a critério do serviço com a duração, em
média, de 20 minutos.
A população estudada foi composta por 13 profissionais,
sendo 2 enfermeiros, 2 técnicos de enfermagem e 9
auxiliares de enfermagem, que integravam a equipe
de enfermagem da Unidade, sendo excluídos os
profissionais de enfermagem que tinham menos de
seis meses de trabalho no setor oncológico e aqueles
que estavam afastados por algum problema de saúde
em geral. Todos os profissionais foram convidados,
independentemente de gênero, cor, raça, religião
e classe social. Alguns profissionais recusaram-se a
participar.
Os dados foram coletados por uma das pesquisadoras,
mediante a utilização de técnica de entrevista individual
estruturada, gravada em fitas cassetes. O roteiro do
instrumento constou de dados de identificação dos
participantes e de duas questões abertas: 1. Quais são os
sentimentos que você vivencia ao prestar assistência a
uma criança/adolescente com câncer? 2. Como você lida
com esses sentimentos? Esse instrumento de coleta de
dados ofereceu a possibilidade de anonimato completo
e imparcialidade diante da enumeração sequencial das
entrevistas.
A coleta de dados ocorreu em janeiro de 2010. Buscouse, também, coletar dados por meio de leitura de
publicações de livros, textos, documentos elaborados
por instituições governamentais e associações científicas
e a busca online em periódicos nas seguintes bases
de dados: Medline, Scielo e Lilacs, no período de
2000 a 2010, com a utilização dos descritores: câncer,
enfermagem oncológica, sentimentos.
A interpretação/análise dos dados seguindo as diretrizes
do método qualitativo proposto envolveu os seguintes
passos: ordenação dos dados, classificação, síntese e
interpretação dos dados.15
A primeira etapa – ordenação dos dados – constou
do agrupamento das respostas semelhantes a
fim de organizá-las. Cada entrevista foi analisada
detalhadamente segundo seu conteúdo de discurso.
Após essa fase, foi feita a classificação dos dados por
meio da leitura exaustiva e repetitiva dos textos com o
propósito de identificar as ideias centrais para estabelecer
uma categorização e, posteriormente, a análise final
baseada na literatura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sentimentos dos profissionais quanto à dimensão
do cuidar
Cuidar de crianças e adolescentes diagnosticados
e hospitalizados com alguma neoplasia desperta
inúmeros sentimentos na equipe de enfermagem.
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Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico
O cuidar, palavra tão expressiva no cotidiano desses
profissionais, reflete as ações voltadas para seus clientes
de forma humanizada e holística.
Mediante os depoimentos, foi possível evidenciar que
todos os entrevistados se mantêm presentes ao lado do
paciente, procurando dedicar seu cuidado para ajudá-lo
em suas necessidades, implementando medidas para
promover a vida e aliviar ao máximo seu sofrimento,
como pode ser demonstrado nas falas a seguir:
Sentimento de querer ajudar, saber o que eu posso fazer
por ela, ajudá-la a passar de uma forma mais tranquila
o possível sem traumatizar a criança. (E9)
Primeiramente, meu sentimento é de tristeza, mas
depois vem o sentimento de que você tem que fazer
alguma coisa para essa criança, não pode também ficar
pensando, sei lá, fazer o que tem que ser feito, cuidar
mesmo, tentar passar força para os pais, para a mãe,
para a criança. (E10)
Pode-se perceber que o sentimento de ajudar decorre,
muitas vezes, da tristeza e da impotência emocional
diante daquele paciente tão frágil. Na prática, os
profissionais de enfermagem objetivam desenvolver
ações que melhorem a qualidade de vida do indivíduo
enquanto este se encontra hospitalizado. O cuidado
com o paciente oncológico é limitado, restringindo-se ao
tempo que ele tem de hospitalização ou de vida.19
Em um estudo realizado por Faria e Maia sobre os
sentimentos diante de pacientes terminais, verificouse que 25% dos profissionais tinham sentimentos de
sofrimento e tristeza, 17% sentiam-se angustiados,
7% sentiam impotência e 5,1% sentiam medo.13 O
sentimento de tristeza foi apontado, também neste
estudo, como predominante.
Meu sentimento é de estar contribuindo pra eles.
Mas, assim, a gente fica triste, tipo, o número é alto,
o índice de câncer ainda é muito alto na criança e no
adolescente. [...] É um sentimento bom de ajudar, mas
fica aquela tristeza de ver o que vai passar. (E5)
A tristeza, eu fico triste em saber que uma criança que
tem tudo pela frente não tem mais nada pela frente,
que é só sofrer, sofrer, e na maioria das vezes é em vão.
Eu sinto tristeza sabe, sinto pena. (E7)
Assim como a tristeza, a impotência diante do paciente
pode ocasionar sofrimento em toda a equipe de
enfermagem, a qual se questiona o que de melhor
poderia ser feito ou o que se deixou de fazer para
recuperar ou manter a vida da criança/adolescente que
estava sob seus cuidados.20
Uma sensação de impotência, de você querer ajudar,
querer fazer alguma coisa e não ter o que fazer
entendeu, de tristeza mesmo. (E13)
Me sinto impotente de ver tanto sofrimento, uma
enorme tristeza, pena, tenho muita pena das mães dos
meninos, do pai, da família em geral. (E7)
94
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O trabalho com pacientes terminais leva o profissional a
uma confrontação com a própria mortalidade, com suas
limitações e sua impotência. Os sentimentos gerados
desse confronto podem variar entre depressão, culpa,
tristeza, ansiedade e medo pela própria identificação
com o paciente.
O sentimento de medo foi descrito por apenas dois
participantes:
Eu tenho sentimento assim de medo porque tá
acontecendo com eles e pode também vir a acontecer
algum dia com um filho meu. (E7)
O medo que a gente sente neles, o medo da morte, o
medo do insucesso do tratamento, e pra gente, às vezes,
a gente fica um pouco impotente. (E8)
Percebe-se, neste depoimento, que o profissional de
enfermagem tem esse sentimento diante da situação
em que o paciente se encontra e que o medo representa
o temor diante do desconhecido, bem como de algum
membro da família vir a desenvolver o câncer.
A especificidade da oncologia pediátrica expõe os
profissionais de enfermagem a situações de dor e
sofrimento que os fazem temer pelos próprios filhos,
diante da hipótese de que estes desenvolvam uma
neoplasia.6
Apesar dos avanços tecnológicos do diagnóstico e do
tratamento das mais variadas patologias, ao se ouvir o
diagnóstico de câncer ainda tem-se a ideia de morte.21
Percebe-se que os profissionais criam um vínculo
afetivo com a criança/adolescente e com seu familiar,
até pela própria característica dolorosa do tratamento,
e diante da fragilidade em que se encontra o paciente
passam a sentir piedade, o que pode ser evidenciado
nas falas:
Sinto muita dó deles, pena, penso porque com eles
sabe! Tão novos... e por isso tento fazer tudo o que eles
querem, faço todas as vontades, porque fico pensando
como se fosse um parente meu, por isso tento fazer
meu trabalho da melhor forma, tento dar o melhor
para eles. (E2)
Esse sentimento, também, foi apontado por outra
participante:
No primeiro momento, a gente fica com dó de ver uma
criança... depois a gente vai acostumando, igual, eu já
to com muito tempo de profissão, então a gente vai
mais ou menos se acostumando, aí no início a gente fica
com dó, depois a gente acostuma, leva na brincadeira
e vai levando, tratando, o mais profissional possível. Se
a gente ficasse triste por causa de todo mundo, a gente
estava perdido. (E4)
Nesse depoimento, percebe-se que no primeiro
momento surge o sentimento de compaixão; a seguir,
o de apatia, como forma de autoproteção diante de
tantos casos vivenciados, transformando o momento
como rotineiro.
A função da enfermagem, principalmente no ambiente
hospitalar exige muito do profissional: lidar com a
dor, o sofrimento e a morte, os quais, associados à
proximidade emocional com pacientes do setor
de oncologia, produzem conflitos no profissional
diante daquela condição tão sensível, como pode ser
percebido no depoimento abaixo:
Esses sentimentos, apesar da gente ser profissional da
saúde, é importante que a gente vivencie pra gente
tentar ajudar da melhor maneira possível.. (E6)
Você tem que ter sensibilidade, mas acima de tudo tem
que ser profissional porque é com o cuidado da gente é
que se vai estabelecer a vida normal deles.. (E11)
A condição do trabalho suscita sentimentos contraditórios
na enfermagem, como piedade, compaixão e amor,
culpa e ansiedade, raiva e mágoa contra os pacientes,
que os fazem manifestar essas sensações.
Diante da condição de sofrimento, tanto do paciente
quanto de seus familiares, a equipe de profissionais,
como seres humanos dotados de sentimentos e
emoções, também manifesta reações ambíguas diante
da criança/adolescente oncológico.
O envolvimento, a forma de comportamento em que
uma pessoa mantém proximidade com outra, expressa
claramente a ligação com que a maioria dos profissionais
de enfermagem assiste os pacientes oncológicos.
As entrevistas confirmam que o contato com o outro é
restrito ao mínimo necessário, como pode ser observado
nas falas a seguir:
Eu tento não pensar muito, não! Tipo, quando sair daqui
desligar, continuar a viver... (E1)
Eu procuro assim não envolver, eu envolvo, sofro, mas
procuro esquecer, porque é uma profissão. Da porta
para fora tenho minha vida. (E7)
Mais do que relatar como lidavam com seus sentimentos,
os profissionais, em suas falas, descreviam sentimentos
ambíguos, como pode ser observado nos depoimentos
de E2 e E4, respectivamente:
Não posso me envolver muito, apesar de que por dentro
eu sofro.
A gente se envolve, mas sem querer, por mais que você
evite.
São justamente essas contradições que apontam o
sofrimento desses profissionais.
O profissional de enfermagem deve e precisa se envolver
emocionalmente para conhecer melhor o paciente e,
assim, identificar e atender às reais necessidades das
crianças/adolescentes e de seus familiares, a fim de
oferecer uma assistência de qualidade.20
O envolvimento com o paciente é visto como algo
desgastante, especialmente nos casos em que o
prognóstico de cura é remoto, o que se traduz em
sentimento de impotência, frustração e inconformismo,
como transcrito no relato a seguir:
Quando fico assim chateada, eu choro. Entro no
chuveiro, abro a boca e dano a chorar. Porque eu fico
inconformada. Por que criança? Por que adolescente?
E não é só a criança e o adolescente, tem a família
também, que você acaba se apegando. Você fica vendo
o sofrimento da mãe, do pai, dos irmãos e você acaba
sensibilizando com isso. (E3)
Conforme observado nesta fala, o envolvimento traz
descontentamento no profissional pelo fato de a
neoplasia afetar a criança e o adolescente que são
reconhecidos como especiais e inseguros e que a seu ver
teriam uma vida inteira pela frente (E7). Por causa disso,
esses pacientes acabam buscando os cuidados técnicos
e emocionais na equipe de enfermagem.
Na visão desses profissionais, “se apegar” ao paciente
é algo proibido, devendo a atuação da equipe de
enfermagem limitar-se apenas a desenvolver seu
trabalho, evitando ao máximo a ligação enfermagempaciente-família, como observado na fala da entrevistada
E8: O pessoal fala que a enfermagem não pode se
envolver.
O não envolver-se foi mencionado por muitas das
entrevistadas, na tentativa de não estabelecer vínculos
afetivos de nenhuma espécie, já que a assistência a esses
clientes mobiliza as mais variadas emoções. Diante da
dificuldade em lidar com os sentimentos do paciente,
o não envolvimento surge como um mecanismo de
enfrentamento da situação hospitalar.22 Esse artifício
aparenta ser o meio encontrado pelos profissionais
para suportar o sofrimento que sentem. Além disso,
os profissionais de enfermagem afirmaram em seus
depoimentos que não deixam transparecer sua real
emoção, dando um ar de naturalidade diante do paciente,
como se isso fizesse parte da rotina do serviço, como se
segue:
Você, como profissional, tenta ao máximo não passar
sua fragilidade para a família; pelo contrário, se faz de
forte para passar confiança, esperança de que aquilo
tudo vai passar. (E2)
Lido contribuindo com o máximo que eu posso, dando a
melhor assistência, procurando ajudar a fazer o máximo
possível para a criança não sofrer e tentando a gente
não transparecer que ta triste. (E5)
A gente tenta ser o mais profissional possível, a gente
tenta estar bem emocionalmente. (E12)
Na maioria das falas, subentende-se a preocupação em
exercer o trabalho da melhor maneira. A atenção aos
portadores de câncer deve abranger todas as demandas,
já que a própria patologia e sua terapêutica implicam
comprometimentos nos aspectos físicos, emocionais e
sociais.11 Além disso, é de extrema importância verificar
as necessidades dos familiares que acompanham essas
crianças/adolescentes. Os profissionais de enfermagem
ficam sensibilizados e preocupados com a dor vivida
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012
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Sentimentos dos profissionais de enfermagem em relação ao paciente oncológico
por eles:
Por dentro eu sofro, e muito. Sofro com a tristeza da
criança, da mãe, do pai, a família inteira fica abalada.
(E2)
E não é só a criança e o adolescente, tem a família
também, que você acaba se apegando. Você fica vendo
o sofrimento da mãe, do pai, dos irmãos e você acaba
sensibilizando com isso. (E3)
O envolvimento surge em decorrência da piedade
perante o sofrimento desses pacientes e também pelo
fato de terem longa hospitalização. A enfermagem é a
categoria que tem maior tempo de contato com essa
clientela durante todo o processo terapêutico.11 Nesse
contato intenso, são imprescindíveis cuidados especiais,
e para isso é preciso perceber o outro, ter afinidade e
afetividade, e isso só é possível envolvendo-se, criando
laços afetivos com os pacientes neoplásicos. É nesse
sentido a fala deste profissional:
Eu lido bem, se tiver momento de tristeza eu me envolvo,
às vezes até a gente chora e muito. Durante muito
tempo eu ouvi as pessoas dizendo que não era para a
gente se envolver, mas eu não sei como não fazer isso,
não! Eu me envolvo, ainda mais pacientes com câncer
que não ficam internados apenas um dia, dois dias,
ficam um ano; o tratamento muitas vezes leva um ano
inteiro [...], aí a gente fica com eles muitos dias, assim,
muito tempo mesmo [...] Eu me envolvo demais com a
família, com a criança, com tudo. Não vejo uma forma
de não acontecer isso. (E12)
Muitas vezes esse envolvimento é diretamente proporcional ao tempo de internação, que varia conforme o
prognóstico da doença e o direcionamento do tratamento.
Além disso, o conhecimento insuficiente sobre a
patologia e seus reflexos no paciente pode provocar um
distanciamento da enfermagem com o paciente como
um mecanismo de proteção do profissional por não saber
enfrentar os próprios sentimentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, mostrou-se que os profissionais de
enfermagem que atuam no setor de oncologia pediátrica
têm representações diferenciadas, mas que englobam
sentimentos comuns. Os discursos apontaram a tristeza
como o sentimento mais comum diante do paciente
oncológico e o não envolvimento como forma de lidar
com a situação, o que confirma ser o câncer uma doença
repleta de estigma e capaz de desencadear reações
complexas.
As respostas dos profissionais participantes deste estudo
a respeito dos seus sentimentos diante da situação
de cuidar da criança e do adolescente hospitalizados
com câncer denotam a busca de maior compreensão
do sofrimento e das perdas que perpassam suas
vivências.
As tentativas de agir com naturalidade e de distanciamentos dos pacientes, mencionadas em algumas
entrevistas, parecem ser estratégias encontradas para
que o profissional possa suportar todas as demandas
de suas funções.
O ambiente hospitalar traz consigo a ideia de sofrimento
e a rotina de trabalho da equipe de enfermagem gera
momentos de grande vulnerabilidade emocional.
Além disso, como os depoimentos confirmam, esses
profissionais não se sentem preparados para lidar com
o paciente acometido por câncer e com possibilidades
terapêuticas reduzidas, ficando evidentes muitas
dificuldades.
É preciso criar possibilidades para que esses profissionais
possam se abrir e falar sobre o que estão vivendo, pois,
como qualquer sujeito, eles também se comovem. E,
por conviverem com a sombra do medo em relação
à doença, vivem sob a tensão de que eles ou seus
familiares desenvolvam a patologia.
Com o intuito de resgatar a dimensão emocional dessas
práticas de saúde, ficou evidente a necessidade de
ampliação do conhecimento oncológico no preparo
dos profissionais de saúde, além do fornecimento
informações que possibilitem aperfeiçoar os métodos
de humanização nas instituições de saúde.
É necessário um preparo contínuo, que faça parte da rotina
de trabalho dos profissionais de saúde atuantes na área
da enfermagem oncológica pediátrica. Esse preparo deve
acontecer tanto por meio de medidas educativas e de
aprimoramento de conhecimento técnico e teórico quanto
pela atenção e consideração aos aspectos das relações
humanas desenvolvidas no contexto institucional – por
exemplo, a presença de um profissional que proporcione
suporte psicológico à equipe de enfermagem, atuando
de forma preventiva e/ou curativa.
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Data de submissão: 14/9/2011
Data de aprovação: 4/1/2012
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 91-97, jan./mar., 2012
97
A OBRIGAÇÃO DE (DES) CUIDAR: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O
CUIDADO À SEQUELADOS DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL POR SEUS
CUIDADORES
“(DE) CARING” AS AN OBLIGATION: CAREGIVERS SOCIAL REPRESENTATIONS ON CARING FOR
STROKE VICTIMS
LA OBLIGACIÓN DE (DES) CUIDAR: REPRESENTACIONES SOCIALES DE LOS CUIDADORES SOBRE EL
CUIDADO DE PACIENTES CON SECUELAS DE ACV
Jeferson Santos Araújo1
Silvio Éder Dias da Silva2
Vander Monteiro da Conceição3
Mary Elizabeth de Santana4
Esleane Vilela Vasconcelos5
RESUMO
O cuidado prestado ao paciente sequelado após acidente vascular cerebral exige uma dedicação quase sempre
integral, gerando, por vezes, a sobrecarga, o que implica o desgaste emocional e, possivelmente, o desequilíbrio do
processo de saúde e doença. Nesse contexto, objetiva-se, com este estudo, identificar e analisar as representações
sociais dos cuidadores de pacientes sequelados após acidente vascular cerebral sobre o cuidado prestado. Trata-se de
uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva, com uma abordagem qualitativa, para a qual foi empregado o método
de estudo de caso e Teoria das Representações Sociais, para trabalhar os significados dos conteúdos relatados. Foram
entrevistados 20 cuidadores domiciliares, cujos relatos foram organizados para análise. O estudo traz como principais
ideias representadas: o fator dessocializante da doença, o acúmulo de sequelas, a angústia, o sofrimento durante o
cuidado prestado, a dependência gerada pela doença e o sentimento de invalidez do cuidador perante o cuidado
prestado. Emergiram da exploração dessas ideias a consolidação de quatro grandes unidades temáticas: "Mazelas no
cuidado ao indivíduo com acidente vascular cerebral"; "Quanto mais sequela mais atenção"; "O acidente vascular cerebral
como fator dessocializante"; e "Sequelas, angústias e suas implicações para o cuidado prestado". O estudo contribuiu
para a caracterização do cuidado ao indivíduo sequelado com uma tarefa árdua, visto que as representações atribuídas
pelos cuidadores entrevistados foram ancoradas na ideia consequente de exaustão no receptor, desarmonizando a
assistência prestada. Nesse contexto, é necessário que o enfermeiro promova o envolvimento dos cuidadores no
preparo para a alta hospitalar.
Palavras-chave: Cuidadores; Cuidados de Enfermagem; Psicologia Social.
ABSTRACT
Caring for a stroke survivor with sequelae almost always requires a comprehensive care. This situation generates work
overload that results in emotional distress and imbalance of the health/disease process. In this context this study aims
at identifying and analysing the social representations of stroke victims caregivers on the care provided. This is an
exploratory and descriptive research using a qualitative approach. The case study method and the Social Representations
Theory were used to analyse the reported contents. A total of 20 home caregivers were interviewed, and their reports
were organized for analysis. The main ideas represented were, as follows: desocializing effect of the disease; accumulation
of sequelae; anguish; suffering during caring process; dependence generated by the disease; caregiver’s sense of
disability regarding the care provided. A survey of these ideas allowed the consolidation of four major thematic units,
namely: the flaws in stroke patient care; the more the sequelae, the more the attention; stroke desocializing fator;
sequelae, anguish and their implications in the care provided. The study contributed to the characterization of the
care to the individual with stroke sequelae as an arduous task: the representations given by the interviewed caregivers
were anchored in the idea of exhaustion, in the recipient’s view. This fact could unbalance the caring provided so in
this context nurses should promote the caregivers’ involvement in preparation for the hospital discharge.
Keywords: Caregivers; Nursing Care; Social Psychology.
1
2
3
4
5
Enfermeiro licenciado pleno e bacharel em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. E-mail: [email protected],
Belém-PA, Brasil. Telefone: (091) 81527574.
Enfermeiro. Doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará, Belém-PA,
Brasil. E-mail: [email protected].
Enfermeiro. Licenciado pleno e bacharel em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará. Belém-PA, Brasil.
E-mail: [email protected].
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP, vinculada ao Núcleo de Pesquisa EPOTENA. Professora adjunta da
Faculdade de Enfermagem da UFPA. E-mail: [email protected].
Enfermeira do Hospital Ophir Loyola e da SESPA. Especialista em Enfermagem Cirúrgica e Terapia Intensiva. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Rua Carlos Drummond de Andrade, nº: 25, ap. 03. CEP: 66615-025. E-mail: [email protected], Belém-PA, Brasil.
Telefone: (091) 81527574
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remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
RESUMEN
El cuidado de pacientes con secuelas de accidente cerebro vascular generalmente exige tiempo integral, produce
sobrecarga, causa desequilibrio en la salud y desgaste emocional. El presente estudio tiene el objetivo de identificar
y analizar las representaciones sociales de cuidadores sobre la atención brindada de estos pacientes. Se trata de una
investigación exploratoria descriptiva con enfoque cualitativo que siguió el método de estudio de casos y la teoría
de las representaciones sociales para desentrañar el significado de los contenidos reportados. Se entrevistaron 20
cuidadores domiciliarios y sus relatos fueron organizados para análisis posterior. Las principales ideas representadas
son: el fator de des-socialización de la enfermedad, la acumulación de secuelas, la angustia, el sufrimiento al cuidar,
la dependencia generada por la enfermedad, la discapacidad y los sentimientos del cuidador a la atención recibida.
La exploración de estas ideas surgieron de la consolidación de cuatro grandes unidades temáticas que se llama: Los
fallos en la atención de personas con accidente cerebro vascular; A más secuelas mayor atención; El ACV como fator
de des-socialización y Secuelas, angustias y sus implicaciones en la atención brindada. El estudio ha contribuido a
caracterizar la atención al paciente con secuelas como tarea ardua ya que las representaciones de los cuidadores se
basan en la idea de extenuación, desde la perspectiva de los receptores. Tal hecho podría desequilibrar la asistencia
provista y por ello, en este contexto, los enfermeros deberían promover la participación de los cuidadores en el alta
hospitalaria del paciente.
Palabras clave: Cuidadores; Atención de Enfermería; Psicología Social.
INTRODUÇÃO
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o
acidente vascular cerebral (AVC) é definido como rápido
desenvolvimento dos sinais clínicos de perturbação focal
da função cerebral, com sintomas que duram entre 24
horas ou mais e que podem levar à morte, sem causa
aparente, exceto os acidentes de origem vascular. Em
adultos, o AVC é frequentemente associado com o
processo aterosclerótico dos vasos intracranianos e
cervical, no entanto, ele tem várias causas, tais como a
trombofilia (por exemplo, deficiências de proteína C e S),
anemia falciforme, infecções e congênitas ou adquiridas,
emboligênico doenças do coração (por exemplo, prótese
valvar cardíaca e defeitos do septo ventricular), que
geralmente são causas não são identificadas.1
Trata-se de uma doença mais incapacitante do que
fatal, pois, após sofrer um AVC, os pacientes podem
apresentar alterações em diversas funções perceptualsensoriais, cognitivas e sensório-motoras, como fraqueza
muscular, espasticidade, tipos anormais de movimento
e da perda da condição física.2 Essas deficiências podem
limitar a capacidade de realizar tarefas funcionais, como
locomover-se (andar), e atividades práticas do dia a dia e
de cuidar de si, dependendo, dessa maneira, de cuidados
constantes de terceiros, neste caso de um cuidador.
O cuidador é o ser que presta cuidados com base nos
objetivos estabelecidos por instituições especializadas
ou responsáveis, zelando pelo bem-estar do ser. É a
pessoa que presta cuidados a outra pessoa que esteja
necessitando, por estar acamada, com limitações físicas
ou mentais, com ou sem remuneração.
O cuidado prestado ao paciente acometido de AVC exige
dedicação exclusiva e quase sempre integral, que muitas
vezes leva o cuidador à instalação de uma nova dinâmica
de vida, atrelada não mais às suas necessidades, e sim à
do ser cuidado.1 A busca pela promoção da autonomia
e independência do paciente sequelado é uma tarefa
árdua e desgastante para os cuidadores, pois estes
passam a realizar tarefas que outrora eram de cunho
pessoal e desenvolvidas de maneira autônoma pelo
paciente. A carga de tarefas é reconhecida pelo cuidador
como estressante, dado o excesso de atenção dedicado
ao ser, o que implica pouco tempo para cuidar de si
mesmos.3
Ao prestar cuidados, o cuidador passa a ter menos tempo
para cuidar de si, passa a descansar menos e trabalhar
mais, muitas vezes privando-se do convívio social, uma
vez que o doente portador de AVC se torna o centro das
atenções. Isso leva o cuidador à reacomodação de suas
praticas diárias às atividades exigidas pela evolução da
doença, submetendo-se, assim, na maioria dos casos,
a uma sobrecarga física e emocional relacionada à
intensidade de cuidados prestados.
A sobrecarga, por si só, é um fator preocupante,
pois desencadeia a perda progressiva de energia e
concentração, levando o indivíduo ao desenvolvimento
da fadiga ocupacional, dada a constante repetição de
exercícios. Quando somada à prestação de cuidados,
atividade que exige determinação, destreza e atenção
por parte do executante, pode levá-lo ao desgaste
emocional e, possivelmente, ao desequilíbrio no
processo de saúde e doença. Daí a necessidade de que
tanto ele como o portador de AVC tenham necessidade
de cuidados especiais.
Os cuidadores sobrecarregados e exaustos, dada a
assistência que desenvolvem, têm sua qualidade de
vida ameaçada por causa do estresse gerado pela
responsabilidade dos cuidados que oferece, que muitas
vezes os levam a apresentar sentimentos de impotência,
problemas de saúde, cansaço, irritabilidade e insatisfação
com o que fazem.4
O interesse por este estudo surgiu durante a experiência
de vida de um dos pesquisadores, que presenciou o AVC,
em seu avô materno, sendo ele o principal cuidador, e
de discussões sobre a temática por meio de reuniões
do grupo de Pesquisa Políticas de Saúde no Cuidado
de Enfermagem Amazônico (EPOTENA) com os demais
autores. O conhecimento gerado neste estudo visa
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
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A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores
contribuir para pesquisas futuras sobre a temática e
auxiliar os profissionais de saúde e cuidadores em suas
práxis assistenciais, minimizando, assim, dúvidas para a
manutenção e a prevenção de um cuidado idealizado.
Nesse contexto, com este estudo objetiva-se identificar
e analisar as representações sociais dos cuidadores
de pacientes sequelados após AVC sobre o cuidado
prestado.
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva,
com uma abordagem qualitativa. Para trabalhar os
conteúdos dos relatos dos cuidadores foi empregada
a Teoria das Representações Sociais, que fornece o
conhecimento teórico para a obtenção de indicações
sobre o modo de pensar e agir diante do cuidado.
Buscou-se compreender a relação estabelecida pela
população estudada com esse ato consensual, bem
como sua influência sobre os valores, atitudes, opiniões
e comportamentos.5
O estudo exploratório permite ao pesquisador
captar conhecimento e comprovações teóricas, com
base em investigações de determinadas hipóteses
avaliadas em uma realidade específica, podendo
proporcionar o levantamento de possíveis problemas
ou o desenvolvimento posterior de uma pesquisa
descritiva.6 Quanto ao método descritivo, permite a
descrição das características de determinada população
ou fenômeno com o estabelecimento de relações entre
variáveis alcançadas.7
A representação social é uma forma de saber do senso
comum, criada no psicossocial de cada ser, que enriquece
os saberes e práticas dos grupos que o dividem por meio
da comunicação, dos símbolos, das linguagens e dos
gestos, dos medos, dos anseios, dos conhecimentos e
das características em comum, de forma a consolidar
as relações do processo ensino/aprendizagem que
favoreçam a criação de um novo saber que os guiem
no seu dia a dia com o cuidado.
As emergências das representações sociais provêm de
teorias científicas, seguindo suas transformações em
uma sociedade e a maneira como elas se renovam com
o senso comum ou originam-se de acontecimentos
correntes, experiências e conhecimentos objetivos.8
Este estudo foi desenvolvido com 20 cuidadores informais,
sendo 16 do sexo feminino e 4 do sexo masculino, na
faixa etária entre 18 e 78 anos, que acompanhavam
seus familiares em consultas ambulatoriais no Hospital
Ophir Loyola e na clínica neurológica Unineuro, ambos
referência no atendimento neurológico em Belém do
Pará, e que manifestaram disponibilidade e interesse
em participar do estudo, após o conhecimento dos
objetivos e assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido (TCLE).
A escolha dos sujeitos ocorreu por meio de amostragem
aleatória e não probabilística, sendo o número de
100
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
cuidadores determinado pelo princípio de saturação
da pesquisa qualitativa, ou seja, quando nenhuma
informação nova estava sendo acrescentada ao estudo.9
Foram excluídos os cuidadores que apresentavam vínculo
com o cuidado ao paciente havia menos de um ano.
Os dados foram obtidos por meio de duas técnicas
de coletas de dados: a livre associação de palavras e a
entrevista semiestruturada orientada por um roteiro. A
técnica da livre associação de palavras consiste em um
tipo de investigação aberta que se estrutura na evocação
de respostas dadas com base em um ou mais estímulo
indutores. Essa técnica permite a evidência de universos
semânticos de palavras que agrupam determinadas
populações ou, ainda, permite a atualização de
elementos implícitos ou latentes que seriam perdidos
ou mascarados nas produções discursivas.10
Na aplicação da livre associação de palavras, foram
fornecidas aos sujeitos palavras que estimularam uma
associação livre aos objetos solicitados, o que favoreceu
a emergência de suas ideias de forma espontânea,
orientados por um roteiro de entrevista semiestruturada.
O roteiro de entrevista empregado foi composto por
questões sobre o cuidado à pessoa acometida por AVC,
sobre a sequela e o cuidado ofertado, bem como sobre
o cuidado “do cuidador” diante do cuidado prestado
ao outro.
Para proceder à análise do material coletado, empregouse a técnica de análise de conteúdo, que pode ser
compreendida como a expressão mais comumente
utilizada para representar o tratamento dos dados
de uma pesquisa qualitativa,11 a qual se desdobra nas
seguintes etapas: 1ª Pré-análise: é o primeiro contato
com o conteúdo a ser analisado. Favorece a organização
do material e a leitura das entrevistas para que haja
impregnação das ideias que emergirão. Nessa etapa,
retomam-se os objetivos iniciais, reformulando-os ou
operacionalizando-os diante do material coletado. 2ª
Exploração do material: consiste essencialmente na
operação de codificação e se realiza na transformação
dos dados brutos, visando alcançar o núcleo de
compreensão do texto. Posteriormente, as regras de
contagem que permitem a quantificação são escolhidas.
3ª Por último, classificam-se e agregam-se os dados
escolhendo as categorias teóricas ou empíricas que
comandaram a especificação dos temas.
Procedeu-se ao levantamento de temas significativos
com base nas histórias contadas pelos cuidadores,
correspondentes aos textos produzidos. Em seguida,
passou-se a traduzir cada história em um discurso
elaborado que, em suma, expressam as representações
sociais com o processo cuidar/cuidado dos cuidadores.
Após a leitura flutuante dos textos produzidos, as
unidades de analise emergidas foram agrupadas e
frequenciadas e, a seguir, submetidas a uma exploração
para melhor compreensão do objeto da pesquisa
mediante conteúdos considerados mais significativos
em cada texto,11 de forma a se consolidarem em cinco
grandes unidades temáticas: "Mazelas no cuidado
ao indivíduo com AVC"; "Quanto mais sequela mais
atenção"; "O AVC como fator dessocializante"; e
"Sequelas, angústias e suas implicações para o cuidado
prestado", que serão discutidas a seguir.
Ressalte-se que todas as etapas deste estudo foram
realizadas com aprovação dos cenários do estudo e do
Comitê de Ética em pesquisa do Instituto de Ciências
da Saúde da Universidade Federal do Pará, sobre o
Parecer nº 086/10, e respeitados todos os preceitos
da Resolução nº 196/96 do CNS/MS, que normativa a
pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A elaboração e o funcionamento de uma representação
social ocorrem por meio de dois processos primordiais
presentes na criação do senso comum e do coletivo: a
objetivação e a ancoragem.5,8
A objetivação é entendida como uma operação criadora
de imagens, a qual faz com que se torne real um
esquema conceitual, que dá consistência material às
ideias, estabelece correspondência entre coisas, pessoas
e palavras, e dá estrutura ao conceito. Já a ancoragem,
significa a inserção no social da representação e do
seu objeto que, nesse caso, comporta a integração
cognitiva do objeto representado no sistema de
pensamento preexistente e nas transformações que
dele decorrem.8
Neste estudo, os cuidadores objetivaram imagens e
ancoraram pensamentos a seus receptores de cuidado
de forma a que emitissem significados em relação
às sequelas do AVC, tendo como principais ideias
representadas o fator dessocializante da doença; o
acúmulo de sequelas; a angústia; o sofrimento durante o
cuidado prestado; a dependência gerada pela doença; e
o sentimento de invalidez do cuidador perante o cuidado
prestado. Tais ancoragens favoreceram a consolidação
das unidades temáticas a seguir.
Mazelas no cuidado ao indivíduo com AVC
A ideia agrupada nos textos produzidos por 55%
dos depoentes está relacionada ao sentimento de
sofrimento, em que o cuidador se envolve e traz para
si as mazelas de seu objeto de cuidado. Os cuidadores
emanaram sentimentos como se tais problemas
cognitivos fossem deles também, o que acaba por leválos ao sofrimento não na mesma intensidade da dor do
ser cuidado, mas na intensidade da dor semelhante à
do outro. Tais fatores podem ser observados nos textos
exemplificados abaixo:
A pessoa tem que ter paciência, devido o estresse e tem
que ter aceitação do doente. Sofro com ele, mas tenho
que ser forte. (A1)
A vida da pessoa muda totalmente; o papai ficou todo
mudado, só que a mudança dele foi para pior. Isso me
deixa muito triste. (A11)
Depois que meu pai teve derrame, presenciei a cada dia
sua vida acabando e a minha também. Não aguento
ver ele assim. (A19)
O antropofagismo sentimental expresso nas representações dos cuidadores ocorre em razão da sensibilidade, da convivência e da identificação com o
cuidado, uma vez que o cuidar, para ser um processo de
solicitude, exige identidade com o ato, o reconhecimento,
o respeito e a sensibilização, de forma a superar as
dificuldade e as limitações. Assim, os cuidadores, para
serem fidedignos ao cuidado, devem envolver-se com
o que fazem.12
Cuidar de pessoas vítimas de AVC mobiliza muitos
sentimentos antagônicos em um curto espaço de
tempo: amor e raiva, paciência e intolerância, carinho,
tristeza, irritação, desânimo, pena, revolta, insegurança,
negativismo e solidão. Todos esses sentimentos colocam
muitas dúvidas quanto aos cuidados, sobretudo os
sentimentos negativos que podem causar sofrimento
e dor.13
O cuidador é exposto a diversos eventos causadores
de sofrimento. Ele sofre por não saber do futuro do
ser cuidado, pelas incertezas quanto à doença e ao
tratamento do AVC, e por temer a possibilidade de
agravo da incapacitação gerada pelas sequelas da
doença.2 O cuidador sofre assumindo o sofrimento junto
com o acometido de AVC e pelo fato de vê-lo sofrendo, e
também por sentir-se impotente de ser incapaz de livrar
o outro do sofrimento.
O sofrimento apresentado com o surgimento do
fenômeno social dos cuidadores de pacientes após AVC
desencadeou um processo de elaboração nos planos
individuais e coletivos de teorias que combinam valores,
crenças, atitudes e informações, as quais permitiram que
esses cuidadores/seres sociais guiassem seu saber diante
do envolvimento com o ser cuidado.
Para as representações sociais, é pelo estudo e divulgação
de tais saberes e teorias, como as dos cuidadores de
pacientes acometidos por AVC, que o indivíduo organiza
uma visão coerente do objeto de cuidado e do ser
humano, ao mesmo tempo em que procura negociar
um espaço de aceitação e inclusão nos grupos nos quais
interagem os cuidadores e o ser cuidado.14
Entretanto, a tarefa da representação social não é
apenas social em sua função epistêmica na produção de
conhecimento sobre o objeto-mundo dos cuidadores;
ela é também regulada pela dinâmica do desejo e
pela economia da psique, que estão subordinadas
a processos inconscientes de representar o sujeito
cuidado e suas limitações.15 Nesse contexto, observase que os aspectos afetivos das representações sociais
estiveram intimamente introjetados nos depoimento
dos cuidadores, constituindo-se elementos primordiais
para o reconhecimento de uma realidade repleta de
sofrimento no ato de cuidar.
As representações sociais desveladas auxiliam o
enfermeiro na compreensão do processo de adoecimento
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
101
A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores
do cuidador e nas concepções e práticas do cuidado ao
indivíduo acometido por AVC, na compreensão dos
comportamentos e hábitos de saúde desse grupo – por
exemplo, os processos de construção dos conceitos
coletivos sobre o cuidado prestado –, permitindo
entender a articulação que esses grupos sociais fazem
entre o conhecimento científico, o saber popular e as
relações de cuidado do outro no dia a dia.
como deveria ser, pois elementos novos são inseridos a
todo instante em seus pensamentos, modificando-lhes
a estrutura a respeito dos objetos, dos seres e do cuidado
ao outro. Por isso, na visão/pensamento/representação
dos cuidadores indagados, o AVC gera grandes
mudanças no paciente, uma vez que quanto mais
sequelas apresentarem, maiores serão as necessidades
de atenção, cuidado e zelo que eles destinarão a fim de
estabelecer harmonia e conforto ao ser cuidado.5
Quanto mais sequelas, mais atenção
A enfermagem, diante da busca da manutenção
do processo saúde e doença, deve apropriar-se das
concepções de cuidados junto às representações sociais
dos cuidadores, visto que nesse cenário as concepções
de cuidado e descuidado são vistas como processos
dinâmicos, históricos e sociais. O cuidado proporcionado
pelos profissionais, nessa perspectiva, também deve
estar em constante transformação, aberto às inúmeras
influências cotidianas, as quais exigem um constante
repensar do conteúdo e expressão das estratégias
cuidativas nas práticas sociais.
A quantidade de sequelas mencionadas nos textos
produzidos foi um fator relevante nas falas de (60%)
dos depoentes, uma vez que representam mais atenção
requerida pelos cuidadores, sendo mais um agente
implicante no processo de cuidado, como pode ser
observado nos trechos abaixo:
Meu pai, depois do derrame. ficou assim, não anda mais
e tudo depende da gente; é muito. Ele é um incômodo,
pois deixo de fazer as coisas para fazer tudo que ele
quer. (A9)
Antes ele fazia tudo, andava, resolvia os problemas dele,
e agora ele mal consegue falar, até eu tenho que ajudar,
essa sequela que eles falam que ele ficou, só prejudica
as pessoas, tanto eu como ele. (A13)
Antes ele não era assim, ele fazia tudo, parece que quanto
mais sequela ele tem pior fica para cuidar. (A20)
Dessa forma, por meio da riqueza de elementos
levantados sobre os grupos de cuidadores atrelados
a situações de cuidado ao sequelado de AVC, os
enfermeiros podem transpor e transformar estratégias
nas práticas de cuidado em saúde, as influências de
modelos ou desenhos assistenciais limitantes e que
reduzem a complexidade do processo cuidar/cuidado.
O AVC como fator dessocializante
Os cuidadores relatam que quanto mais sequelas o
receptor de cuidados apresentar, maior o tempo de
atenção destinado a ele. Muitos estão cansados e, por
vezes, adicionam componentes religiosos ao cuidar, como
a ajuda de Deus para a continuidade do cuidado.
É perceptível, também, que a incapacidade gerada pelo
AVC relaciona-se à mudança, em que estar incapaz e
depender exclusivamente de outros, em momentos
da vida, significa estar mudando para pior, estar
ocasionando intrigas na vida do cuidador, estar em
estado de deficiência total, sem autonomia de si.
As necessidades de cuidados às pessoas sequeladas por
AVC são inúmeras. A começar pelo seu acentuado grau
de comprometimento funcional para o provimento do
autocuidado corporal, necessidades em graus variados
da ajuda de outros para o desempenho das atividades
da vida diária, sem as quais o bem-estar, a autoestima,
a apresentação, convivência e a inclusão social dessas
pessoas seriam inviáveis.16, 17
Quando os cuidadores percebem-se sobrecarregados,
dado o aumento da sua atenção para com o outro, tendem
a sentir maiores níveis de cansaço e, consequentemente,
a desempenhar suas funções além de suas capacidades,
o que resulta numa situação de cuidado desequilibrada,
normalmente acompanhada por resultados insatisfatórios,
passando a ter restrições também em relação à sua própria
vida e ao cuidado de si.13,18
As representações sociais dos cuidadores fazem com
que seu mundo seja o que eles pensam que ele é ou
102
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
Os cuidadores também relataram a dessocialização
como parte do seu cotidiano, fato identificado nas
expressões de 20% da população estudada, quando
ocorre a repetição de informações que fazem alusão
à marginalização do receptor de cuidados, conforme
ilustrado nos textos a seguir:
Porque é uma coisa ruim que muda a vida da pessoa,
afasta os amigos; eles ficam à margem de tudo. (A2)
A pessoa sofre preconceito, rejeição, pois as pessoas não
entendem o que aconteceu e acaba se afastando, isso
prejudica a melhora dele. Fico triste por isso. (A12)
Dificilmente as pessoas dão oportunidade de emprego
às pessoas com sequelas; as pessoas têm limitações
físicas e ficam sem emprego, são vistos como um
atraso ao serviço das empresas, por isso não tem
oportunidade. (A8)
O AVC é representado pelos cuidadores como um agente
marginalizador. Segundo eles, existem dois fatores que
implicam essa dessocialização: o primeiro remete às
sequelas, uma vez que a gravidade delas pode gerar
incapacidade, impedindo que o indivíduo possa realizar
atividades de vida diárias com a mesma destreza de
antes, logo passa a isolar-se; o segundo relaciona-se à
dependência gerada pela sequela. Dessa forma outras
pessoas, principalmente quando esse cuidador é familiar,
preferem afastar-se, pois a presença contínua implica
divisão do cuidado, a qual, segundo os cuidadores, é
falha, um fator que leva também à marginalização.
Preocupações com o cuidado e com a divisão desse
cuidado entre outros cuidadores para a manutenção
do processo saúde e doença são universais na vida
humana e estão presentes em todas as sociedades.
Cada grupo de cuidadores se organiza coletivamente
por meios materiais, pensamento e elementos culturais
para compreender e desenvolver técnicas em resposta a
experiências ou episódios de doença e infelicidade, seja
individual, seja coletiva.19
Dessa forma, os relatos levam a refletir sobre uma
das características da civilização capitalista na qual
os cuidadores estão inseridos: a cultura do belo, do
saudável e do produtivo. Nessa cultura, predomina a
comunicação utilitária e perversa, quando a ciência
estabelece que o portador de sequela de AVC tende
à neurodegeneração contínua e em muitos casos
irreversível, chegando a não mais responder à nossa
comunicação, verbal ou não verbal.20
Se o portador de sequela de AVC não é mais “produtível”
economicamente para o país, então ele é descartado
socialmente, não servindo mais à produção, haja vista
que, na visão dos empreendedores, ele encerrou sua
contribuição trabalhista, portando-se às margens do
social.20
No modo de produção do trabalho, atualmente
vigente no Brasil, as pessoas constroem-se na cisão da
elaboração/execução de projeto e atividades, na divisão
de ações manuais e intelectuais, na operacionalização
de rotinas e normas repetitivas e destituídas de sentido
singular. Quando uma pessoa não é produtiva, ela
encontra a rejeição, visto que sua utilidade cai ao
julgamento social, sugerindo que o bom trabalhador é
aquele que produz em larga escala.21
Os seres humanos, hoje em dia, vivenciam a queda da
identidade pessoal, da ruptura dos vínculos e normas
sociais, da aceleração existencial traduzida pelo
consumismo, competitividade e premência de tempo.
O mundo transforma-se em um grande balcão de
negócios, onde o poder de compra é conseguido pelo
trabalho. As sequelas de AVC ameaçam a ascensão do
paciente ao mercado de trabalho, transformando-o em
um ser vulnerável socioeconomicamente.18
Relacionando a marginalização social dos sequelados,
criada no imaginário dos cuidadores, e por meio dos
conteúdos expressos nas informações, imagens, opiniões,
atitudes e outros que se relacionam com o ser sequelado
por AVC, cria-se uma representação social, ou seja, um
trabalho a realizar, um acontecimento econômico, um
personagem social. Converge, também, a representação
social de um cuidador, de um grupo de cuidadores, em
relação ao paciente, pois as representações sociais são
definidas com base em conteúdos expressos do seu
dia a dia que lhes motivem comportamentos, saberes e
atitudes.8
Dessa forma, os cuidadores demonstram suas representações sobre ser cuidado perante a sociedade, que
impõe sua concepção excludente em relação ao sujeito
com sequelas, demonstrando a posição que, segundo
ela, lhe é cabível à margem do cenário social.
O enfermeiro, por sua vez, deve apropriar-se de tais
conhecimentos representativos e promover o alívio do
sofrimento e manutenção da dignidade do paciente
sequelado por AVC, seja em meio às experiências de
saúde, seja em meio à doença, à vida e à morte. Convém
lembrar que o cuidado humano dispensado pelo
enfermeiro deve atingir, além dos sujeitos receptores
de cuidados, seus cuidadores e seus familiares, de modo
a garantir melhor relacionamento, interdependência,
autonomia e respeito à dignidade do ser.
Sequelas, angústias e suas implicações para o
cuidado prestado
As sequelas presentes nos pacientes de AVC são
identificadass nos textos produzidos como geradoras
de momentos angustiantes para 25% dos cuidadores
entrevistados. A angústia foi relacionada ao fato dos
cuidadores não deterem noção do prognóstico do
ser cuidado, não saberem sobre a possibilidade de
reabilitação ao estado anterior à doença ou se haverá
adaptação ao estado atual e, sobretudo, por tentarem
compreender como o paciente se sente diante desse
processo de mudanças, conforme observado nas falas
abaixo:
A pessoa tem que se adaptar para viver melhor, a pessoa
fica defeituosa nos braços, na perna, na boca, nos
olhos... horrível, a pessoa desfigurada. (A4)
As sequelas levam ele a lugar nenhum; ele fica parado,
não posso ajudar ele em nada para sair dessa; não
encontro remédio algum que faça essas sequelas
saírem; sinto-me inútil por não conseguir tirar ele desse
estado. (A5)
A gente não sabe o que fazer para mudar isso, não sabe
que remédio vai dar o que fazer. A pessoa se submete a
fisioterapia, tem que ir todo dia, e na maioria das vezes
não volta a ser quem era. (A7)
A qualidade de vida se traduz pela satisfação com a vida e
é subjetivamente baseada na satisfação das necessidades
do indivíduo. Dessa forma, a qualidade de vida da pessoa
apos AVC deve ir além do caráter atributivo biológico,
psicológico e social, deve ser dotada de características que
possibilite ao paciente ser incluído no meio autônomo e
independente, ser uma pessoa capaz de reagir diante de
uma sociedade em mudanças.22
A qualidade de vida dos pacientes acometidos por AVC
foi mencionada como prejudicada pelas sequelas, fator
desencadeador de maiores cuidados por parte do cuidador,
a fim de suprir as necessidades alteradas do outro. Os
cuidados, quando oferecidos em excesso, geram sobrecarga ao seu provedor, levando-os a experimentar situações contínuas de estresse e angústia, que podem implicar diretamente a qualidade dos cuidados oferecidos.23
Após o AVC, muitas vezes, vem as sequelas, que levam
à vivência de uma nova realidade, que envolve o
redimensionamento de limitações e possibilidades do
ser, compreendidas pela complexa experiência do adulto
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
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A obrigação de (des)cuidar: representações sociais sobre o cuidado a sequelados de acidente vascular cerebral por seus cuidadores
que se depara com a reaprendizagem e a rearticulação
de novas formas de ser/fazer.24
A busca pela reabilitação do sequelado de AVC é um
bem necessário, porém cansativo, pois as sequelas
dificultam esse feito. Os cuidadores, entre seu universo
de cuidar, podem apresentar sentimento de impotência
diante do futuro tão aflitivo do paciente.
O processo de reabilitação demanda tempo, dedicação
e cuidados específicos até o ser readquirir algumas
funções ou mesmo adaptar-se à nova condição de vida.
Diante desse fato, os cuidadores sentem angústia por
não saberem executar atividades específicas dirigidas
para esse ser que, a cada dia, mostra-se menos dinâmico
na melhoria de sua qualidade de vida.25
As representações sociais emergidas pelos cuidadores,
nesse caso, constituem processos psicossociais que
determinam a produção de comportamentos e a relação
deste com o meio ambiente de cuidados ofertados,
desencadeando modificações nos seres em uma
dinâmica constante.5 Desse modo, para os cuidadores
em questão, o processo psicossocial criado junto ao
paciente sequelado conferiu-lhes sentimentos negativos
de angústia ao tentar compreender como o ser se sente
depois do AVC.
As sequelas e os sentimentos de angústia implicam
diretamente o cuidado prestado ao ser e, por fim, a oferta
de maiores esforços para a qualidade de vida do paciente.
Para primar pela melhora da independência e autonomia
do outro, esses sentimentos devem ser controlados. Os
cuidadores devem apresentar-se dotados do sentimento
de cuidar, pois, dessa forma, é possível atrelar o cuidado
aos aspectos imperativos da individualidade do ser,
seguindo o modelo holístico de cuidado, bastante
defendido pela enfermagem atual, que leve o sujeito à
maior autonomia e independência.
CONCLUSÃO
O cuidado ao indivíduo sequelado após AVC foi
representado como uma tarefa árdua, visto que as
representações atribuídas pelos cuidadores entrevistados
foram ancoradas com a ideia de exaustão. Pode-se afirmar
que o cuidado era prestado em alguns momentos com
obrigação, o que não representa, então, o real conceito
de cuidado, que é atender às necessidades do outro
com domínio e satisfação da assistência. Os cuidadores
também representaram sua assistência associada ao
sentimento de angústia, seja por sofrer junto com seu
objeto de cuidado, seja pela dependência que o outro
tem deles, seja pela invalidez que sentem quando algo
lhes ultrapassa a capacidade de assistir seu receptor de
cuidados.
As representações geradas por esse grupo favoreceram
a compreensão do cansaço que cotidianamente os
cuidadores familiares encontram ao deparar-se com
os cuidados aos sequelados pós-AVC. O enfermeiro,
durante o desvelar de sua práxis assistencial, acaba
interagindo mais com essas situações no processo de
ensino e aprendizagem, visto ser o profissional mais
próximo do doente e de seu cuidador, e, principalmente,
por ser o profissional responsável por orientações para
o cuidado do outro.
As representações sociais encontradas também possibilitam ao enfermeiro o acesso a um campo vasto para
investigação no sentido de compreender as diversas
relações que se estabelecem na área da saúde – por
exemplo, aquelas que se constroem nas vivências
individuais e coletivas do sequelado de AVC, do cuidado
e dos cuidadores.
É valido ressaltar que, ao orientar o indivíduo a cuidar do
outro, é necessário não negligenciar o cuidar de si e que
atender o outro é um ato de doação, e não de obrigação,
pois quando esta se torna presente, além de ser
caracterizado como um fardo, promoverá no cuidador
diversas mazelas, como cansaço, estresse e descuidado
de si, o que acabará implicando, consequentemente,
o ato de prestar cuidados, desarmonizando, assim, a
assistência prestada.
Diante desse fato e sabendo que os cuidadores
assumirão os cuidados, é necessário que a enfermagem
promova estratégias que possibilitem o envolvimento
dos prestadores de cuidado, da família e do paciente
no preparo para a alta hospitalar e para a assistência
domiciliar, além do desenvolvimento de um cuidado
holístico centrado na beneficência e na promoção da
autonomia e da independência do ser.
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Data de submissão: 16/5/2011
Data de aprovação: 18/11/2011
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 98-105 jan./mar., 2012
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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL EM ENFERMAGEM: NECESSIDADES,
DESAFIOS E RUMOS
PROFESSIONAL NURSING EDUCATION: NEEDS, CHALLENGES AND DIRECTIONS
EDUCACIÓN PROFESIONAL EN ENFERMERÍA: NECESIDADES, DESAFÍOS Y RUMBOS
Juliana Cristina Lessmann1
Gabriela Marcellino de Melo Lanzoni2
Edilmara Gubert3
Paula Xavier Gums Mendes4
Marta Lenise do Prado5
Vânia Marli Backes6
Resumo
A educação profissional reveste-se de importância como elemento estratégico para a construção da cidadania e
do fortalecimento das bases profissionais da enfermagem diante das novas demandas da profissão. Trata-se de um
estudo com abordagem qualitativa, tendo como objetivo realizar uma revisão integrativa de literatura das pesquisas
desenvolvidas no período entre 1998 e 2008 sobre educação profissional em enfermagem, evidenciando e discutindo os
direcionamentos para a prática. Das publicações selecionadas, foram evidenciadas três temáticas: "Educação profissional
como necessidade", "Educação profissional como desafio" e "Rumos para a educação profissional em enfermagem".
As publicações apontam que a enfermagem vivencia as demandas de transformação profissional, porém existem
enfrentamentos relacionados à integração entre o saber e o fazer com a aproximação da ciência, das aptidões práticas
e das vivências empíricas, em que a educação se torna cotidiana e transformadora da atuação profissional.
Palavras-chave: Enfermagem; Educação Profissionalizante; Educação em Enfermagem; Pesquisa em Educação de
Enfermagem.
ABSTRACT
Professional education is a very important strategic element for the construction of citizenship and for the fortification
of the bases of professional nursing regarding the new demands of the profession. It is a qualitative study that aims
at carrying out an Integrative Literature Review of researches developed from 1998 to 2008 on Professional Nursing
Education, identifying and discussing directions for the practice. The selected publications evidenced three main
themes: Professional education as a necessity; Professional Education as a challenge; Directions for professional nursing
education. The publications indicate that nursing experience the demands of professional transformation. However,
there are confrontations related to the integration between theory and practice through the association of science,
practical skills and empirical experiences. In this context, education becomes a daily and revolutionizing practice of
the professional performance.
Keywords: Nursing; Vocational Education; Nursing Education; Nursing Education Research.
RESUMEN
La educación profesional se reviste de importancia como elemento estratégico para la construcción de la ciudadanía
y del fortalecimiento de las bases profesionales de enfermería frente a las nuevas demandas de la profesión. Se trata
de un estudio con enfoque cualitativo, teniendo como objetivo realizar una Revisión Integradora de la Literatura
sobre investigaciones desarrolladas entre 1998 y 2008 sobre Educación Profesional en Enfermería, evidenciando y
discutiendo directivas para la práctica. De las publicaciones seleccionadas surgieron tres temas: Educación profesional
como necesidad, Educación profesional como desafío y Rumbos para la educación profesional en enfermería. Las
publicaciones apuntan que la enfermería vivencia las demandas de transformación profesional. Sin embargo, persisten
enfrentamientos en cuanto a la integración entre el saber y la práctica con la asociación de la ciencia, las aptitudes
prácticas y las experiencias empíricas. En este contexto, la educación se convierte en una práctica diaria y revolucionaria
de la actuación profesional.
Palabras clave: Enfermería; Educación Profesional; Educación en Enfermería; Investigación en Educación de
Enfermería.
1
2
3
4
5
6
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista CAPES/REUNI.
Membro do Núcleo de Estudos e Assistência em Enfermagem e Saúde às Pessoas com Doenças Crônicas (NUCRON/UFSC).
Enfermeira. Doutoranda do PEN/UFSC. Bolsista CAPES. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração de Enfermagem e Saúde (GEPADES/UFSC).
Professora substituta do Departamento de Enfermagem da UFSC
Enfermeira. Mestre em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação em Enfermagem (EDEN/UFSC).
Psicóloga. Mestre em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Membro do Núcleo de Pesquisa e Estudos sobre Enfermagem, Quotidiano, Imaginário e Saúde de Santa
Catarina (NUPEQUIS/UFSC).
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Vice-coordenadora do EDEN/UFSC.
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Coordenadora do EDEN/UFSC.
Endereço para correspondência – Rua Jerusalém n° 1.255, Centro. Pomerode – Santa Catarina. CEP: 89107-000. E-mail: [email protected].
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remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
A equipe de enfermagem desenvolve seu fazer profissional
centrado no cuidado ao ser humano em seu processo de
viver, sendo que suas ações não se referem somente
ao desenvolvimento de técnicas, mas ao conjunto de
saberes que se articulam para que o cuidado seja efetivo,
incluindo atitudes de preocupação, responsabilidade,
envolvimento, liderança, autonomia, educação em saúde,
cooperação e trabalho em equipe.1,2
Trata-se de revisão integrativa de literatura com abordagem qualitativa para a identificação de estudos sobre
educação profissional em enfermagem. Adotou-se esse
tipo de revisão, visto que ele contribui no processo
de sistematização e análise dos resultados, visando à
compreensão de determinado tema com base em outros
estudos independentes.12
Para que o cuidar seja congruente com as demandas
sociais e realizado com qualidade, é imprescindível
que a educação profissional proporcione a formação de
profissionais com conhecimento científico, habilidades
técnicas e raciocínio crítico-reflexivo que satisfaçam tais
exigências.3-5
Nessa perspectiva, emergem necessidades e desafios
que devem ser enfrentados com relação à formação do
trabalhador em saúde, sendo muitas delas intrínsecas ao
contexto histórico da formação profissional e do modelo
de saúde no Brasil.6 Convém lembrar que a ênfase
na atuação hospitalar predominou nos currículos de
enfermagem, sendo que, com a criação do Sistema Único
de Saúde (SUS), em 1988, cujo enfoque é a promoção
da saúde e a prevenção de doenças, surgiram novas
demandas e a necessidade de adequação dos currículos
e das estratégias de ensino.6
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN)7, em 1996, foi fortalecido o desenvolvimento
de habilidades e competências, além do estímulo para
a aprendizagem contínua ao longo do processo de
trabalho, reforçando a importância do aprender durante
toda a vida profissional, do despertar do raciocínio
crítico e comprometido com a busca constante por
aperfeiçoamento e conhecimentos para utilização
individual e coletiva.6-8
Dessa forma, atenção especial deve ser destinada
à formação pedagógica visando instrumentalizar o
futuro profissional para elaborar estratégias de ensinoaprendizagem, posicionando-o como agente de
transformação tanto no processo educativo quanto no
exercício prático da profissão.9
A formação profissional, além de promover mudanças
no educando, no educador e na escola, repercutirá
significativamente no mundo do trabalho. Atualmente,
a saúde aparece como principal problema, com 52% de
indicações pela população brasileira.10 Assim, a educação
profissional tornou-se um ponto de grande relevância
para o contexto profissional e social,11 tendo em vista
sua estreita relação com a realização do cuidado com
maior segurança, qualidade, eficácia e resolutividade em
menor tempo e com o menor custo, bem como para a
promoção do cuidado humanizado e integral.6
Nessa perspectiva, com este estudo o objetivo foi realizar
uma revisão integrativa de literatura das pesquisas
desenvolvidas no período de 1998 a 2008 sobre
educação profissional em enfermagem evidenciando e
discutindo os direcionamentos para a prática.
As etapas da revisão integrativa da literatura estão
alicerçadas em uma estrutura formal de trabalho que
inclui o estabelecimento de critérios bem definidos
sobre a coleta de dados, análise e apresentação dos
resultados desde o início do estudo, com base em
um protocolo de pesquisa previamente elaborado e
validado.12 Nesse sentido, foram adotadas as seis etapas
indicadas para constituição da revisão integrativa
da literatura: 1. seleção da pergunta de pesquisa;
2. definição dos critérios de inclusão de estudos e
seleção; 3. representação dos estudos selecionados em
formato de tabelas, considerando todas as características
em comum; 4. análise crítica dos achados, identificando
diferenças e conflitos; 5. interpretação dos resultados; e
6. reportar de forma clara a evidência encontrada.12
A busca pela literatura ocorreu dos dias 21 a 28 de
outubro de 2008, na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS)
na base de dados Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados de
Enfermagem (BDENF), Scientific Electronic Library Online
(SciELO) e Medical Literature Analysis and Retrieval
System Online (MEDLINE) e contemplou um universo de
56 publicações (FIG. 1). Os descritores foram selecionados
com base na terminologia em saúde consultada nos
Descritores em Ciências da Saúde (DECS-BIREME), sendo
utilizados “Educação Profissionalizante” AND “Educação
em Enfermagem”, em suas respectivas traduções para os
idiomas português, espanhol e inglês.
Nos critérios de inclusão adotados, foram considerados
estudos completos, contendo os descritores selecionados,
disponíveis para a leitura por meio do portal CAPES/MEC e
que estivessem publicados no período de janeiro de 1998
a janeiro de 2008, nos idiomas português, espanhol e/ou
inglês. Foram excluídas, automaticamente, produções
duplicadas, cartas, opiniões, manuais, cadernos, relatórios,
teses, dissertações, TCCs, boletins epidemiológicos e
produções não relacionadas ao escopo do estudo.
Foram selecionados 13 estudos completos para análise
mais aprofundada. Em concordância com o terceiro
item das etapas estabelecidas na revisão integrativa da
literatura, para a extração dos dados foi construído um
quadro contendo colunas discriminando informações
relevantes, como o tipo de estudo, os resultados, as
conclusões e os direcionamentos para a prática. Os
dados foram agregados conforme a identificação de
semelhanças e diferenças, compondo achados que
foram interpretados e sustentados com outras literaturas
pertinentes, sendo evidenciadas três temáticas:
"Educação profissional como necessidade", "Educação
profissional como desafio" e "Rumos para a educação
profissional em enfermagem".
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012
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Educação profissional em enfermagem: necessidades, desafios e rumos
FIGURA 1 – Processo de seleção de estudos para a revisão integrativa
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Das publicações selecionadas, temos: sete pesquisas,
quatro reflexões teóricas, uma revisão e um relato
de experiência, sendo que os textos apontam para
os seguintes temas: "Educação profissional como
necessidade", "Educação profissional como desafio" e
"Rumos para a educação profissional em enfermagem".
Educação profissional como necessidade
Os artigos em que se aborda essa temática focam suas
atenções no mercado de trabalho em saúde e nas
demandas atuais de produção de serviços. Retratam a
enfermagem como uma profissão inserida no contexto
global e vivenciando as demandas de produtividade tais
como os demais segmentos da economia.4,13
Saliente-se que a equipe de enfermagem desenvolve
grande parte das ações em saúde dado o número
elevado de profissionais dessa categoria inseridos nos
serviços de saúde,13,14 porém existem dificuldades de
gestão no que concerne à obtenção de trabalhadores
qualificados. Nesse contexto, enfatize-se tanto a
necessidade de adequação curricular das escolas de
enfermagem para a formação de novos profissionais
como a urgência na realização de ações de educação
permanente para os que já estão em atividade.14,15
A educação permanente aos trabalhadores da saúde
pode ser compreendida como um processo de
transformação, por meio da aprendizagem no trabalho,
desenvolvendo habilidades para a melhor compreensão
dos fatores pessoais, socioeconômicos e ambientais
que afetam a saúde em decorrência de problemas
enfrentados na prática.16
Embora a educação permanente esteja bem fundamentada teoricamente e apresentando bons resultados,17
percebe-se a necessidade de fortalecer mecanismos
de inserção da educação e da reflexão no cotidiano
dos trabalhadores em saúde, a qual possibilitará um
novo agir e um caminho mais seguro para o fazer da
enfermagem.18
Temas como a informatização e a sistematização
do serviço de enfermagem são reconhecidos como
competências deficitárias a um grande número de
profissionais disponíveis ao mercado de trabalho,
108
bem como a criatividade e autonomia são pouco
encontradas, fato decorrente de uma formação
profissional centrada nos moldes educacionais formais
que enfatizavam as atividades técnicas, tarefeiras e
pouco reflexivas.13,15,19,20
Com relação ao cenário de assistência à saúde no Brasil,
que nas últimas décadas fortaleceu a promoção da
saúde e a prevenção da doença por meio da Estratégia
Saúde da Família (ESF), são evidenciadas reflexões
sobre o perfil de formação dos profissionais da equipe
de enfermagem com bases hospitalocêntricas e pouco
preparadas para o exercício das atividades de atenção
primária à saúde.13,15
Novos paradigmas entendem que o processo de ensino
e aprendizagem é dinamizado pela desconstrução
e reconstrução de conceitos já sedimentados e
enriquecidos pela compreensão que busca apreender as
relações entre as diferentes dimensões do ser humano
e da realidade, superando os desafios da fragmentação
do saber e simplificação reducionista.21
Assim, emerge a necessidade de educação profissional
tanto na formação inicial quanto permanente, sendo
necessário que os currículos proporcionem a formação
de profissionais com saberes que possam ser mobilizados
e articulados para atender à demanda do mundo do
trabalho.9 Ressalte-se a importância da adequação
contínua de currículos escolares e das propostas
pedagógicas visando à formação crítico-reflexiva para que
a categoria, em seus diversos níveis de formação, possa
ocupar com competência o papel que lhe é conferido em
todos os segmentos da assistência à saúde.
Educação profissional como desafio
Nesse tema foram evidenciadas as dificuldades de
implementação de ações educativas para a formação
de profissionais de enfermagem mais aptos ao agir
reflexivo e crítico, haja vista a ênfase e valorização das
atividades técnicas que ainda perdura nos cenários de
atuação prática.5,22
Corroborando com esse achado, estudos indicam
tentativas de mudanças na estrutura curricular
priorizando a valorização do ser humano em suas
múltiplas dimensões.22,23,24 Entretanto, a fragmentação
teórico-prática, somada à baixa participação dos
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012
docentes no processo decisório dos planos de ensino
e insegurança destes com relação ao conteúdo da
disciplina, dificulta a disseminação de uma visão de
mundo mais ampla.22,23,24
Também emergiu a fragilidade no desenvolvimento de
aptidões administrativas, gerenciais e de informática,
principalmente pelos profissionais que estão há mais
tempo no mercado de trabalho.4 Ainda, no que tange
à utilização de ferramentas tecnológicas no processo
de ensino e aprendizagem, alguns estudos indicam
que é baixa a apropriação dessas práticas por parte dos
docentes.22,25
Assim, mesmo evidenciadas necessidades de conhecimento e aperfeiçoamento tanto para a atuação em
instituições hospitalares quanto para a atenção em
saúde coletiva e sendo o saber imprescindível para a
adequação ao processo produtivo, a efetivação dessas
ações realiza-se a passos lentos.
Observou-se que as condições de atuação e a conduta de
enfermeiros que desenvolvem atividades de docência,
principalmente em cursos técnicos, também são pontos
frágeis do processo de ensino e aprendizagem. Foi
ressaltado que a incipiente formação pedagógica do
enfermeiro para o exercício da docência constitui o
ponto que fragiliza esse processo, sendo necessários
o aprofundamento acadêmico e a ampliação da
compreensão sociocultural para a melhoria do ensino
médio e do fazer profissional.26 Tal fato é decorrente da
baixa remuneração e da instabilidade de contratação, que
levam ao exercício de atividades assistenciais paralelas
à docência e à desmotivação para o aperfeiçoamento
acadêmico.19,24,27,28
Nesse sentido, um dos desafios ainda é a mudança
de paradigma do docente em relação à educação
tradicional, sendo preciso que o enfermeiro docente
busque estratégias metodológicas inovadoras e
dinâmicas. Tais ações precisam integrar o ensinoserviço como forma de aproximação e transformação
da realidade do trabalho, para uma aprendizagem
significativa por meio de estratégias que possibilitem
o estímulo à crítica e à reflexão.9 É necessário que haja
maior investimento na formação inicial e permanente
do docente para que este possa desenvolver o perfil
profissional e atender aos princípios propostos pela
educação profissional.
Rumos para a educação profissional em
enfermagem
Algumas publicações revelam o profissional de
enfermagem imerso no contexto mundial e vivenciando
as necessidades de transformação, porém mostram
os enfrentamentos necessários à utilização das
metodologias ativas de ensino nessa realidade,5,29,30 bem
como o desejo da integração entre o saber e o fazer com
a aproximação da ciência, das aptidões práticas e das
vivências empíricas pessoais de cada trabalhador, em
que a educação se torna cotidiana durante a atuação
profissional.15
Alguns autores enfatizam a participação da academia
nesse processo, por meio da estruturação curricular
que favoreça a comunicação com a prática profissional
durante as atividades de ensino, extensão e pesquisa.29,31
Comentam que o contato com a realidade da comunidade
e com suas características econômicas, culturais e sociais
proporciona o despertar do senso crítico, bem como a
formação científica visando às necessidades do contexto
onde exercerão suas atividades. Tal fato promove a
formação de profissionais mais preparados para o
mercado de trabalho e ao mesmo tempo já adaptados
às demandas que este possui29-31.
Um estudo de revisão efetuado com base nas produções
entre 1988 e 1998 sobre a educação profissional em
enfermagem no Brasil já apontava a necessidade
de qualificação do saber dos profissionais para o
cumprimento de seus papéis no fazer da enfermagem e
nas demandas sociais nas quais estão inseridos.26 Dessa
forma, é necessário que o profissional da enfermagem
compreenda o contexto do processo produtivo onde
atua, sendo que a educação profissional tem o papel de
despertar a visão do todo, do compromisso social e da
compreensão do ser humano em sua totalidade.5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação profissional em enfermagem, como processo,
é capaz de oferecer subsídios para o desenvolvimento
de ações interdisciplinares e humanizadas de cuidado.
É nítido que, diante dos avanços tecnológicos e das
exigências do mundo do trabalho, é essencial que o
profissional se aproprie do conhecimento e de atitudes
para alicerçar sua prática. O profissional imbuído nesse
processo necessita, entretanto, de ampliar e aprofundar
continuamente os saberes específicos de sua área de
atuação, sem se esquecer do enfoque interdisciplinar e
multidimensional.
Observou-se que a educação profissional vem sofrendo
mudanças ao longo do tempo por interferências do
contexto em saúde. No entanto, os estudos revelam que
não houve grandes avanços no que tange à autonomia,
à criatividade e à colaboração entre os profissionais de
enfermagem no campo prático. Assim, evidencia-se
que os cursos continuam formando os alunos em uma
perspectiva tradicional, ou seja, tecnicista.
É preciso retomar o perfil do profissional de enfermagem,
o qual define a identidade do curso, sendo necessário
que as instituições de ensino revejam suas estratégias
para responder aos desafios da formação. Que os
currículos sejam o meio para o desenvolvimento de
competências e para o exercício da cidadania e do
trabalho. Dessa forma, a educação profissional terá
ressignificado seu papel para o fortalecimento das ações
e da evolução do ser e fazer em enfermagem.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012
109
Educação profissional em enfermagem: necessidades, desafios e rumos
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Data de submissão: 28/7/2010
Data de aprovação: 14/2/2012
110
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 106-110 jan./mar., 2012
Revisão teórica
­­
OBESIDADE
INFANTIL COMO FATOR DE RISCO PARA A HIPERTENSÃO
ARTERIAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
CHILDHOOD OBESITY AS A RISK FatoR FOR THE DEVELOPMENT OF ARTERIAL HYPERTENSION: AN
INTEGRATIVE REVIEW
OBESIDAD INFANTIL COMO FatoR DE RIESGO PARA LA HIPERTENSIÓN ARTERIAL: UNA REVISIÓN
INTEGRADORA
Carla Campos Muniz Medeiros1
Inácia Sátiro Xavier2
Victor Emmanuell Fernandes Apolônio Santos3
Marcos Antônio de Oliveira Souza4
Adriana Santana de Vasconcelos5
Estela Rodrigues Paiva Alves6
RESUMO
O fator mais relevante para a origem da hipertensão arterial na infância é a obesidade, a qual vem apresentando
um rápido crescimento nas últimas décadas, sendo considerada uma epidemia, atingindo todas as faixas etárias,
especialmente as crianças. O objetivo com este trabalho é descrever a correlação existente entre obesidade infantil
como fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial na literatura. Trata-se de um estudo exploratório,
descritivo e bibliográfico, uma revisão integrativa da literatura sobre artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), capturados nas bases de dados LILACS e ADOLEC, no período de 2000 a 2010, produzidos no Brasil mediante o
cruzamento dos descritores “Obesidade”, “Criança” e “Hipertensão”. Foi obtido um quantitativo de 419 artigos nas bases
de dados utilizadas, sendo selecionados apenas aqueles que versaram sobre a obesidade infantil como fator de risco
para hipertensão arterial, tendo obtido ao final um total de 11 publicações, as quais foram sintetizadas em um quadro
comparativo. Os resultados da pesquisa revelam que doenças como a obesidade e a hipertensão arterial, que eram
prevalentes na população adulta, agora atingem, também, as crianças de forma semelhante. Conclui-se, assim, que
é fundamental o diagnóstico prematuro e a implantação de estratégias de prevenção e promoção da saúde por uma
equipe multiprofissional com esse grupo etário, a fim de evitar complicações futuras que comprometam a qualidade
de vida desses indivíduos.
Palavras-chave: Obesidade; Hipertensão; Saúde da Criança.
ABSTRACT
The most relevant fator in the development of arterial hypertension in infancy is obesity. There has been a rapid increase
in obesity in the last decades and it is considered an epidemic affecting all age groups, especially children. This paper
aims at identifying childhood obesity as a risk fator for the development of arterial hypertension. It is an exploratory,
descriptive and bibliographical study, as well as, an integrative literature review on articles available in the Virtual Health
Library. The articles were produced in Brazil from 2000 to 2010 and retrieved from LILACS and ADOLEC databases using
the intersection of descriptors “Obesity”, “Child”, and “Hypertension”. A total of 419 articles were found on the databases
and only those which discussed childhood obesity as a risk fator for arterial hypertension were selected, totaling 11
publications. These were collected and summarized in a comparative table. The research results revealed that illnesses
such as obesity and arterial hypertension, which were prevalent in the adult population, now affect also children in a
similar way. To conclude, an early diagnosis and the implementation of obesity prevention strategies and promotion
of health by a multidisciplinary team are of fundamental importance for a younger age group. Such measures could
help future complications to the quality of life of these individuals.
Keywords: Obesity; Hypertension; Child Health.
1
2
3
4
5
6
Médica. Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade de Campinas (Unicamp). Docente dos Mestrados Acadêmicos em Saúde Coletiva da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e do Mestrado Acadêmico Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e
da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Enfermeira. Doutora. Docente do Departamento de Enfermagem e dos Mestrados Acadêmicos em Saúde Coletiva da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
e do Mestrado Acadêmico Associado em Enfermagem em Promoção a Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba
(UEPB). Bolsista Produtividade CNPq.
Enfermeiro. Especialista em Cardiologia Clínica. Mestrando do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco
(UPE) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES.
Enfermeiro. Estomaterapeuta. Mestrando do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) e da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES.
Enfermeira. Especialista em Saúde Coletiva. Mestranda do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco (UPE)
e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
Enfermeira. Especialista em Saúde da Família. Mestranda do Programa Associado em Enfermagem em Promoção à Saúde da Universidade de Pernambuco
(UPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Bolsista CAPES.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
111
Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa
RESUMEN
El fator más relevante para la hipertensión en la niñez es la obesidad. La obesidad ha aumentado considerablemente
en las últimas décadas y ha sido considerada como epidemia que afecta todas las edades, especialmente niños. Este
trabajo tiene como objetivo describir la correlación entre la obesidad infantil como fator de riesgo para el desarrollo de
la hipertensión en la literatura. Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo y bibliográfico, una revisión integradora
de la literatura de artículos producidos en Brasil entre 2000 y 2010 disponibles en las bases de datos LILACS, ADOLEC
de la Biblioteca Virtual en Salud (BVS). Al vincular las palabras clave “obesidad”, “niño” e “hipertensión” se obtuvieron
419 artículos de los cuales se seleccionaron 11 que trataban de la obesidad infantil como fator de riesgo para la
hipertensión. Estas 11 publicaciones se resumieron en un cuadro comparativo. Los resultados de la investigación señalan
que enfermedades como obesidad e hipertensión, frecuentes en la población adulta, ahora también afectan niños de
manera similar. De ello se deduce que el diagnóstico precoz y la aplicación de estrategias de prevención de la obesidad
y promoción de la salud por un equipo multidisciplinario son sumamente importantes para este grupo de edad. Con
tales medidas se podrían evitar futuras complicaciones que comprometen la calidad de vida de estos individuos.
Palabras Clave: Obesidad. Hipertensión. Salud de los niños.
INTRODUÇÃO
A obesidade pode ser entendida como um acúmulo de
tecido gorduroso, regionalizado ou em todo corpo, que
afeta a saúde do indivíduo. Sua causa é multifatorial,
podendo ser provocada por fatores psicológicos,
genéticos, endócrinos e socioeconômicos.1
Apresentando um rápido crescimento nas últimas
décadas, a obesidade vem sendo considerada uma
epidemia, alastrando-se tanto nos países desenvolvidos
como nos em desenvolvimento, e atingindo todas as
faixas etárias, especialmente as crianças.2
No Brasil, está ocorrendo um processo de transição
epidemiológica, na qual a obesidade vem ocupando o
lugar da desnutrição infantil de acordo com o Instituto
Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN),3 além de
estar em destaque no cenário epidemiológico do grupo
de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e ser um
fator de risco para outras doenças deste grupo.4
A obesidade infantil é um fator preocupante dado o
risco que os indivíduos desse grupo etário têm de se
tornarem adultos obesos.5 No caso do Brasil, as crianças
mais atingidas pela obesidade pertencem às classes
mais privilegiadas, ao contrário do que ocorre nos
países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde
há uma mudança desse perfil, de modo que a maioria
das crianças obesas pertence a classes sociais menos
favorecidas. O INAN aponta que a obesidade infantil
atinge 16% das crianças brasileiras.3
Desse modo, considera-se que os hábitos alimentares
constituem um dos principais fatores relacionados ao
aumento da adiposidade na criança. Dependendo dos
hábitos familiares, a ausência dos pais no ambiente
familiar, dadas as responsabilidades do mundo
globalizado, o estresse das grandes cidades ou por
simples praticidade, são oferecidos à criança alimentos
industrializados, além da preferência infantil por
“guloseimas”. Vale salientar que, aliado ao avanço
tecnológico, veio o sedentarismo, a TV, o computador
e o videogame, os quais estão cada vez mais sendo
inseridos como os únicos meios de diversão das crianças,
deixando práticas saudáveis, como as atividades físicas,
em outro plano.
112
Esse aumento da adiposidade ainda na infância gera
uma série de complicações como: alterações ortopédicas,
articulares, dermatológicas, respiratórias, cardiovasculares,
psicossociais e metabólicas. Na maior parte das vezes,
as alterações metabólicas são mais evidentes na vida
adulta. No entanto, cada vez mais precocemente, temos
verificado que crianças e adolescentes apresentam
associação de resistência insulínica, hipertensão e
dislipidemias, aproximando o risco cardiovascular dessa
faixa etária.6 Dentre elas, as que se destacam são as
doenças cardiovasculares (DCVs), consideradas como a
principal causa de morte no mundo atual e seus fatores de
risco, como a hipertensão arterial (HA), e os níveis elevados
de colesterol têm papel decisivo nos gastos com a saúde,
assim como grande influência na qualidade de vida dos
doentes e seus familiares.7
Evidencia-se a obesidade como o fator mais relevante para
a origem da hipertensão arterial na infância.8 Segundo
alguns autores, acreditava-se que a HA só ocorresse em
adultos. No entanto, recentes estudos epidemiológicos
brasileiros têm demonstrado prevalência da HA entre
6% e 8% na população infantil. Grande porcentagem
dos casos de hipertensão essencial nos adultos inicia-se
na infância.9,10
Desde o nascimento, a pressão arterial (PA) aumenta
proporcionalmente à faixa etária, isso, no entanto, nem
sempre ocorre com todas as crianças de uma dada
população.11 A criança que apresenta o percentil da
pressão arterial acima do normal para sua faixa etária
está propícia a desenvolver uma série de fatores que
contribuem para aparecimento de outras doenças.
Seja por fatores associados à história familiar positiva,
obesidade e qualidade de vida, a elevação da pressão
arterial em pediatria requer atenção primordial para
que não ocorra ou amenizem esse fator de risco prémorte. Como consequência do aumento da PA na
infância, podemos destacar hipertrofia ventricular
esquerda, apresentando um aumento na prevalência
de geometria ventricular esquerda anormal, doença
renovascular, coarctação da aorta, doença parênquima
renal, hipertensão essencial, dentre outras.12
Assim, evidencia-se o motivo pelo qual há a suma
importância de realizar o diagnóstico da HA na
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
infância, interferindo na elevação da PA e evitando suas
complicações.
Com o intuito de ampliar os estudos sobre essa temática
mediante o agrupamento e a análise das informações
disponíveis nas Bases de Dados estudadas, propõe-se,
com este artigo, contribuir para a melhor compreensão
e contextualização da obesidade infantil na gênese da
hipertensão arterial, gerando nos leitores estímulo para
a reflexão crítica sobre o tema proposto, como também
o despertar gestores e profissionais da saúde para uma
nova perspectiva de atendimento às crianças com
obesidade nas Unidades Básicas de Saúde, visto que
é nessa faixa etária específica da população brasileira
que se concentram as chances maiores de encontrar
os futuros hipertensos e diabéticos que irão gerar ônus
individual, familiar e social para o país.
Saúde na Adolescência (ADOLEC), no período de 2000
a 2010, produzidos no Brasil. Para tanto, foram usados
como descritores os termos “Obesidade”, “Criança”
e “Hipertensão”. Foi realizado o cruzamento desses
descritores por meio do operador booleano AND,
sendo selecionados os artigos originais, que estavam
disponíveis na íntegra e em língua portuguesa.
Diante do exposto, o objetivo com este estudo é descrever
a correlação entre a obesidade infantil e a hipertensão
arterial, descritas em artigos científicos nacionais.
A coleta de dados ocorreu de abril a junho de 2010, sendo
obtido um quantitativo de 419 artigos pelas bases de
dados utilizadas, os quais inicialmente foram analisados
mediante a leitura crítica de seus resumos. Em seguida,
foram selecionados apenas aqueles que versavam sobre a
obesidade infantil como fator de risco para o surgimento
da hipertensão arterial. Ao final, restaram 11 publicações,
as quais foram sintetizadas em um quadro comparativo
contendo as seguintes informações: título do artigo,
autor e ano de publicação, objetivos, metodologia,
resultados principais e conclusão. Os resultados foram
apresentados em um quadro e analisados de acordo
com a literatura específica.
METODOLOGIA
RESULTADOS
Para atender ao objetivo proposto, foi desenvolvido
um estudo descritivo e bibliográfico, do tipo revisão
integrativa da literatura, mediante levantamento dos
artigos disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), capturados nas bases de dados: Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),
Foi evidenciado que de 2000 a 2003 e em 2006, os
quais foram incluídos no recorte temporal da pesquisa,
não foram encontrados artigos publicados com os
objetivos propostos neste estudo. No entanto, o ano
de 2004 obteve-se um quantitativo de 4 artigos que se
enquadravam com a temática trabalhada.
FIGURA 1– Dados nacionais da relação entre obesidade infantil e hipertensão arterial encontrados nos
artigos selecionados – 2010
Título
Autor(es) e Ano
de publicação
Objetivos
1. Avaliação de Garcia FD, Terra AF, Identificar fatores
associados a níveis
fatores de risco
Queiroz AM, Corassociado com a reia CA, Ramos OS, elevados de pressão
elevação da pres- Ferreira QT et al.13 arterial em crianças
são arterial em
2004
crianças
2. Prevalência de
pressão arterial
em escolares e
adolescentes de
Maceió
Moura AA, Silva
MAM, Ferraz
MRMT, Rivera IR9
2004
Metodologia
Estudo transversal
no período de setembro e dezembro de 2001
Resultados
principais
Conclusão
Níveis mais elevados
O sobrepeso
de pressão sistólica e
e obesidade
diastólica estiveram
estiveram assoassociados a crianças
ciados a níveis
de cor branca de região mais elevados
com alto índice de qua- de pressão artelidade de vida urbano e rial sistólica.
com elevado índice de
massa corporal.
A prevalência
Definir a prevalência Estudo epidemioForam identificados
de pressão arterial lógico, transversal, 118 estudantes com
de pressão
elevada em amostra randomizado, rea- pressão arterial eleva- arterial elevada
representativa de
lizado entre maio da, média de idade de
foi de 9,4% e
escolares e adolesde 2000 e setem13 anos, sendo 44%
foi significancentes de Maceió
bro de 2002
do gênero masculino. temente maior
e pesquisar a assoRisco de sobrepeso foi nos estudantes
ciação da pressão
identificado em 9,3% com sobrepeso
arterial elevada com
das crianças e sobree com risco de
idade, gênero estado
peso, em 4,5%; houve
sobrepeso.
nutricional.
associação significante
dessas variáveis com
pressão arterial elevada.
continua...
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
113
Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa
Título
Autor(es) e Ano
de publicação
Objetivos
Metodologia
Resultados
principais
Conclusão
A prevalência
Estabelecer a preEstudo epidemioForam avaliados
3. Prevalência de Silva MAM, Rivera
valência de hiperlógico, transversal.
1.253 estudantes,
de sedentarisfatores de risco
IR, Ferraz MRMT,
Amostragem por demonstrando-se que mo, “risco de
cardiovascular Pinheiro AJT, Alves tensão arterial sisconglomerados
1.172 não praticavam
sobrepeso”,
em crianças e
SWS, Moura AÁ et têmica, do “risco de
sobrepeso”, sobreem escolas de níatividade física de
sobrepeso,
al.14
adolescentes da
pressão artepeso, sedentarismo, vel fundamental e moderada a intensa;
rede de ensino
2004
tabagismo em crianmédio.
“risco de sobrepeso” e rial sistêmica
da cidade de
ças e adolescentes,
sobrepeso presentes
e tabagismo
Maceió
de 7 a 17 anos, de
em 116 e 56 indivídu- na população
ambos os sexos, na
os, respectivamente, estudada foi de
93,5%; 9,3%;
rede pública e prihavendo forte assovada de ensino de
ciação destas variáveis 4,5%; 7,7%; e
Maceió-AL.
com estudantes de
2,4%, respectiescolas particulares;
vamente.
pressão arterial no
percentil ≥ de 95
identificada em 97
estudantes e apenas
30 admitiram fumar
regularmente. O sedentarismo esteve
prevalente no sexo
feminino.
4. Fatores amOliveira AMA, Oliveira AC, Almeida
bientais e antropométricos
AC, Almeida FS,
associados à
Almeida JBC, Silva
CEP et al.15
hipertensão arterial infantil
2004
Avaliar a associação Estudo transversal A prevalência de HA
O excesso
entre fatores bioló- com 701 crianças
em escolares avade peso está
gicos e ambientais e de 5 a 9 anos de
liados foi de 3,6%.
fortemente
a presença de hiper- Feira de Santana-BA. Ao analisarem-se as associado à pretensão arterial (HA)
variáveis sobrepeso e sença de HA na
obesidade, as preva- infância, sendo
lências encontradas
fundamental o
foram de 9,1% e 4,3%, esclarecimento
respectivamente.
de profissionais
de saúde, educadores e familiares acerca da
modificação do
estilo de vida
para a prevenção e tratamento da obesidade
e suas co-morbidades.
Inquérito epideAs prevalências de
Estudantes com
Ribeiro RQC, Lotu- Examinar a associa5. Fatores em
ção de sobrepeso
miológico com
sobrepeso e obesida- sobrepeso ou
crianças em ado- fo PA, Lamounier
e obesidade com
1.450 estudantes de foram 8,4% e 3,1%. obesos aprelescentes. o estuJA, Oliveira RG,
perfis de atividade
– 6 a 18 anos em
Os estudantes com sentaram níveis
do do coração de Soares JF, Botter
física pressão arterial Belo Horizonte-MG. sobrepeso e obesos
mais elevados
DA16
Belo Horizonte
e lípides séricos.
tiveram 3,6 vezes mais de PA e perfil
2006
riscos de apresentar lipídico de risco
PA sistólica aumentaaumentado
da, e 2,7 vezes para PA para o desendiastólica aumentada. volvimento de
aterosclerose.
continua...
114
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
Título
Autor(es) e Ano
de publicação
Objetivos
Metodologia
Resultados
principais
Conclusão
6. Determinantes Monego ET, Jardim Conhecer a ocorrên- Estudo transversal,
cia e associação de base populacional,
de risco para
PCVB17
hipertensão arterial amostra aleatória
doenças cardio2006
com algumas variáem indivíduos
vasculares em
veis relacionadas ao
(7 a 14 anos) de
escolares
estilo de vida.
escolas da rede
pública e particular. Investigados o
estado nutricional,
pressão arterial e
hábitos de vida.
Dos 3.169 escolares
avaliados, destacaramse 5,0% de hipertensão
arterial e 6,2% de pressão arterial normal-alta. A categorização por
sexo mostra 6,4% meninos e 6,0% meninas
com pressão normalalta e 4,3% meninos
e 5,7% meninas com
hipertensão arterial. O
índice de massa corporal identificou 16,0%
com excesso de peso,
dos quais 4,9% obesos.
Houve associação significante (p= 0,01) entre hipertensão arterial
e excesso de peso.
Diante do
encontro de
escolares com
valores médios
de pressão arterial e IMC com
frequência acima da esperada,
associado a
hábitos de vida
que tendem a
favorecer o desenvolvimento
das doenças
cardiovasculares, sugere-se
a proposição
de medidas de
intervenção
cujo foco seja a
escola.
Avaliar relação da
Estudo transversal
pressão arterial com dividido em duas
a obesidade em esetapas: uma fase
colares do município de triagem com
de Santos.
avaliação antropométrica e medida
de pressão arterial
em 7.440 crianças;
e outra fase onde
as crianças foram
revisitadas um ano
mais tarde e novas
medidas foram
verificadas.
Na triagem, 15% das
crianças apresentaram
a pressão elevada;
crianças obesas apresentaram pressão elevada frequentemente.
Na segunda fase, 2,7%
apresentaram pressão
elevada e novamente
a presença de obesidade conferiu maior
risco para pressão
elevada.
O estudo reforça os dados que
sugere aumento no risco de
pressão elevada
em crianças
obesas.
Estudo transversal A frequência de hiperque incluiu 229
tensão arterial infantil
crianças na faixa
foi de 13,5%. Não
etária de 5 a 15
houve diferença signianos.
ficativa entre percentis
de pressão arterial na
distribuição por sexo,
nem entre crianças
que praticavam ou não
atividades físicas. As
crianças obesas, 13,5%,
apresentaram os níveis pressóricos mais
elevados, incluindo-se
54,8% de indivíduos
com hipertensão arterial.
A frequência
de hipertensão
arterial infantil
mostrou-se
elevada em
relação a outros estudos
nacionais. O
índice da massa
corporal teve
correlação
com valores de
pressão arterial, indicando
influência da
obesidade nos
níveis de pressão elevados.
7. Pressão arterial
elevada em escolares de Santos
– relação com a
obesidade
Nogueira PCK,
Costa RF, Cunha
JSN, Silvestrini L,
Fisberg M18
2007
8. Prevalência
de hipertensão
arterial em escolares vinculados
à Universidade
de Uberaba
(UNIUBE)
Xavier RM, Xavier
MM, Cartafina RA,
Magalhães FO,
Nunes AA, Santos
VM10
2007
Determinar os valores de pressão
arterial nas crianças
que frequentam
a Escola Ricardo
Misson, vinculados
à Universidade de
Uberaba, de acordo
com o percentil de
pressão arterial segundo sexo e idade,
e correlacioná-los
com obesidade.
continua...
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
115
Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa
Título
9. Correlação
entre pressão
arterial e peso
em crianças e
adolescentes de
uma escola municipal do noroeste paulista
Autor(es) e Ano
de publicação
Objetivos
Zanoti MDU, Pinna Verificar a correlação
entre a alteração do
JC, Manetti ML19
peso e pressão arte2009
rial em escolares do
ensino fundamental
de uma escola municipal do noroeste
paulista.
10. Fatores asso- Costanzi CB, Halp- Verificar a prevalência de níveis pressóciados a níveis
ern R, Rech RR,
ricos e fatores assopressóricos
Bergmann MLA,
elevados em es- Alli LR, Mattos AP20 ciados em escolares
de Caxias do Sul-RS.
colares em uma
2009
cidade de porte
médio do sul do
Brasil
11. Prevalência
de hipertensão
arterial em crianças e adolescentes obesos.
Ferreira JS, Aydos
RD21
2010
Estudo quantitativo, descritivo, e
correlacional.
Resultados
principais
Conclusão
36,5% apresentaram
Os resultados
índice de massa corcontribuem
pórea alterado, 4,7% para o diagnósapresentaram a pres- tico precoce de
são arterial limítrofe, alterações prese 9,5%, hipertensão. sóricas da popuCom correlação forte lação estudada
e positiva entre índice e sua prevenção
de massa corpórea e
nos indivíduos
pressão arterial.
obesos e com
sobrepeso.
Estudo transversal
de base escolar
avaliou crianças
de 7 a 12 anos de
ambos os sexos,
provenientes das
redes privada e
pública.
A prevalência de
escolares com níveis
pressóricos elevados foi
de 13,8% e a proporção
foi maior (dobro) para
as crianças obesas e/ou
sobrepeso de que para
as com peso normal.
As crianças com circunferência da cintura aumentada apresentaram
2,8 vezes mais chance
de ter níveis pressóricos elevados. Já os indivíduos com nível alto
no Índice Econômico
Nacional apresentaram
2,6 vezes mais chance
de terem pressão arterial elevada.
Neste estudo,
os escolares
de 7 a 12 anos
de Caxias do
Sul apresentaram uma alta
prevalência de
níveis pressóricos elevados
e a medida da
circunferência
aumentada
mostrou-se associada a essa
condição, bem
como o nível
socioeconômico alto e a baixa
aptidão física.
Estudo analítico
Investigar a prevalência de hipertentransversal com
são arterial em crian- 129 crianças e adoça e adolescente
lescentes obesos
obesos na tentativa com idade de 7 a
de verificar sua ma- 14 anos de ambos
nifestação conforme
os gêneros, no
gênero e idade.
período de agosto
de 2005 a julho de
2006.
Prevalência de hipertensão arterial não
diferiu estatisticamente entre os gêneros.
Nos diferentes grupos
etários, a doença se
manifestou com destaque para os indivíduos de 13 e 14 anos,
os quais diferiram
estatisticamente dos
demais grupos etários.
A hipertensão
arterial se fez
presente de forma marcante,
indicando que
a obesidade
pode interferir
na elevação da
pressão arterial
de crianças e
adolescentes.
DISCUSSÃO
O conhecimento da prevalência de hipertensão arterial
em crianças obesas é importante para a compreensão
dos mecanismos de interação entre as duas doenças,
uma vez que o risco precoce para doenças do aparelho
cardiovascular pode ser potencializado em idades mais
jovens, dada a presença do excesso de peso corporal.
Como a obesidade na infância propicia um prognóstico
de adulto obeso, o qual estará exposto a padecer mais
facilmente de doenças crônicas, estudos que investigam
a alta prevalência de hipertensão arterial representam um
116
Metodologia
importante sinal de alerta para a avaliação das condições
de saúde cardiovascular desse grupo etário.22
As doenças cardiovasculares representam a principal
causa de mortalidade da população no Brasil, onde o
risco da pressão arterial com valores elevados varia de
acordo com a duração da obesidade.23 Ou seja, o risco
de desenvolver hipertensão torna-se maior conforme a
permanência do estado de obesidade.
Alguns estudos epidemiológicos brasileiros têm
demonstrado prevalência de hipertensão arterial
(HA) em crianças e adolescentes entre 6% e 8%.9 Silva
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
et al.14, em pesquisa realizada com 1.253 estudantes de
Maceió na faixa etária de 7 a 17 anos, identificaram 7,7%
de hipertensos. No entanto, Xavier et al.10 e Costanzi et
al.,20 ao avaliarem 229 crianças na faixa etária de 5 a 15
anos e 1.413 na faixa etária de 7 a 12 anos, encontraram
a prevalência de HA de 13,5% e 13,9%. Já nos estudos
realizados por Oliveira et al.15 com 701 crianças na faixa
etária de 5 a 9 anos e na pesquisa de Nogueira et al.18
com uma amostra de 1.713 na cidade de Santos, na faixa
etária de 7 a 10 anos, foi encontrada a prevalência de
3,6% e 2,7%, respectivamente.
A ampla variação na prevalência de HA pode decorrer
da metodologia utilizada na medição da pressão arterial,
da faixa etária investigada e do número de medidas de
pressão arterial realizadas, visto que o fator ansiedade
durante a aferição pode interferir na medida.24
No estudo de Ferreira e Aydos,21 onde foram avaliadas
129 crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, a HA se
manifestou com destaque para os indivíduos de 13 e 14
anos, com um percentual de 52,4%, os quais diferiram
estatisticamente dos demais grupos etários.
Em relação à prevalência da hipertensão arterial entre os
sexos, foi verificado, em alguns dos artigos selecionados
para este estudo, que não há diferença estatisticamente
relevante para essa associação. 9,15,10,20,21 No entanto,
algumas pesquisas constataram maior porcentagem
de indivíduos hipertensos ora no sexo feminino,25 ora
no sexo masculino.26
Monego e Jardim17 identificaram diferenças estatisticamente significantes na relação acima, aos 9-10 e 8-9
anos, para meninos e meninas, respectivamente. Nas
situações em que a presença da hipertensão foi mais
marcante entre o sexo feminino, os autores justificam
a obtenção de tais achados dado o fato de que outros
fatores de risco para hipertensão são mais comuns nas
mulheres, como no caso da obesidade, que se mostrou
mais frequente no sexo feminino, em alguns estudos.27
Na pesquisa realizada por Nogueira et al.18 com uma
amostra de 10.905 crianças, porém, identificou-se uma
diferença estatisticamente significante entre os grupos,
com maior frequência de obesidade em meninos.
A prevalência de hipertensão arterial infantil está
diretamente relacionada ao aumento do índice de massa
corporal, sendo a obesidade importante fator de risco.
Esse dado pode ser verificado com base nos resultados
dos artigos coletados, em que altos níveis pressóricos
foram vistos, correlacionando-se com o índice de massa
corporal elevado. Na pesquisa realizada por Xavier et
al.,10 foi encontrada prevalência de obesidade infantil
de 13,5%. As crianças obesas apresentaram a maior
proporção de HA (54,8%) e entre aquelas com sobrepeso
25,9% tinham hipertensão.
Ribeiro et al.,16 em seu estudo com 1.450 indivíduos
na faixa etária de 6 a 18 anos, identificou taxas de
prevalência de 8,4% para estudantes com sobrepeso,
3,1% para obesidade e 11,5% para estudantes com
excesso de peso, onde os estudantes com excesso de
peso apresentaram 3,60 e 2,70 vezes mais chances de
ter pressão arterial sistólica e diastólica aumentadas.
Silva et al.14 identificaram a prevalência de “risco de
sobrepeso” e de sobrepeso na população estudada de
7 a 17 anos, de 9,3% e 4,5%, respectivamente. Costanzi
et al.20 demonstraram que as crianças que obtiveram
circunferência da cintura aumentada apresentaram 2,8
vezes mais chances de ter níveis pressóricos elevados.
Na pesquisa de Moura et al.,9 com uma amostra de
1.253 escolares e adolescentes na faixa etária entre 7 e
17 anos, a prevalência de pressão arterial foi de 9,4%.
Esse dado foi significantemente maior nos estudantes
com sobrepeso e com risco de sobrepeso. Zanoti, Pinna
e Manetti,19 em seu estudo com 148 escolares na faixa
etária de 6 a 11 anos, identificaram a prevalência 10,1%
de sobrepeso e 23% de obesos; entre os estudantes
que apresentaram índice de sobrepeso, 80% eram
normotensos e 20% hipertensos; aproximadamente 82%
das crianças e adolescentes obesos eram normotensos;
entretanto, entre esses, 8,8% foram classificados como
limítrofes e 8,8% como hipertensos; nesse estudo notase o maior percentual de crianças obesas.
No estudo apresentado por Garcia et al.13, composto por
672 crianças entre 2 e 11 anos, houve associação entre
cor branca e IMC elevado; das 307 crianças consideradas
brancas, 66 (21,5%) apresentaram sobrepeso ou
obesidade; das 364 crianças não brancas, 53 (14,5%)
apresentavam essa característica. Verificou-se, também,
que as médias de pressão arterial sistólica e diastólica
foram significativamente mais elevadas nas crianças
brancas provenientes de escola com elevado índice de
qualidade de vida urbana. Segundo a pesquisa realizada
por Costanzi et al.,20 as crianças brancas apresentaram 2,4
vezes mais chances de ter níveis pressóricos elevados;
nas redes de ensino, as escolas particulares apresentaram
o dobro (24,7%) de crianças com pressão arterial elevada,
quando comparadas com as escolas estaduais (13,5%) e
municipais (11,3%). Nessa linha, Oliveira et al.15 mostrou
associação de 1,9 vez maior entre estudar em escola
privada e desenvolver HA. Já no estudo de Silva et al.14, o
percentual de hipertensos encontrados na sua pesquisa
teve significante associação com as classes econômicas
A + B, as quais são definidas pelos autores como: classe
A renda familiar equivalente a R$ 6.220,50 e classe B
R$ 2236,50. Verificou-se que 72,3% dos estudantes
dessas classes estudavam em escolas particulares,
enquanto 89,8% das classes C, D e E, com renda
familiar equivalente a R$ 927,00, R$ 424,00 e R$ 207,00,
pertenciam a escolas públicas.
A influência de fatores ambientais corrobora com o
desenvolvimento de obesidade e a HA. Esse dado retrata
o conjunto socioeconômico, cultural, relacionado ao
grupo social do individuo, estilo de vida adotado, hábitos
alimentares, dentre outros.
A atividade física tem sido associada à melhor expectativa
de vida e diminuição do risco cardiovascular. Isso ocorre
pela prevenção do desenvolvimento da obesidade, que
evita a elevação da pressão arterial, melhora a resistência
à insulina e também evita a elevação do colesterol,
frequentemente presentes em crianças.28 Afinal, a prática
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
117
Obesidade infantil como fator de risco para a hipertensão arterial: uma revisão integrativa
regular de atividade é recomendada não apenas para a
prevenção e reabilitação de doenças cardiovasculares,
mas também como promoção da saúde. Estudos em
crianças e adolescentes têm demonstrado a prevalência
de sedentarismo de até 89,5%.29
Em estudo realizado com estudantes de 7 a 17 anos das
redes pública e privada de ensino de Maceió, Silva et
al.14 identificaram 93,5% sedentários, sendo prevalente
no sexo feminino. Esse percentual é relevante, pois
a participação em atividades físicas diminui com a
idade.
Já na pesquisa realizada por Monego e Jardim17 com
3.169 crianças e adolescentes na faixa etária de 7 a 14
anos de escolas da rede pública e particular, participam
da educação física na escola 88,4% dessas crianças. Na
informação referente à prática de atividades físicas fora
do horário escolar, 1.199 (37,8%) dessas crianças são
sedentárias, 1.786 (54,0%) realizam atividades leves e
184 (5,4%) atividades físicas moderadas ou intensas;
não havendo, entretanto, associação significante
entre educação física na escola e alterações nos níveis
pressóricos e excesso de peso. O que talvez explique esse
resultado é o método utilizado no referido trabalho, em
que não houve avaliação do tipo, intensidade ou duração
da atividade física. No estudo de Xavier et al.,10 também
não houve diferença significativa entre as crianças que
praticavam ou não atividade física e os percentis de
pressão arterial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As doenças não transmissíveis são consideradas
problemas de saúde pública. Em razão disso, doenças
como a obesidade e a hipertensão arterial, que eram
prevalentes na população adulta, agora também vêm
atingir crianças de forma semelhante. Requer-se, assim,
maior atenção voltada para os fatores desencadeadores
dessa problemática, de modo a estabelecer metas que
venham melhorar a qualidade de vida e promover a
saúde desse grupo etário.
Como a hipertensão arterial apresentou forte associação
com crianças e adolescentes obesos e com sobrepeso,
é possível que o elevado índice de massa corporal
esteja alterando os mecanismos responsáveis pelo
funcionamento adequado do aparelho cardiovascular.
Isso pode implicar futuras complicações relacionadas
à qualidade e à expectativa de vida desses indivíduos,
dado o desgaste prematuro. Dessa forma, é fundamental
o envolvimento conjunto de profissionais de saúde,
educadores e familiares com o desenvolvimento de
estratégias educativas em saúde para que venham atuar
em mudanças de comportamento com a adoção de
hábitos mais saudáveis na infância.
São necessários, ainda, o diagnóstico precoce e a
prevenção nas primeiras etapas de vida mediante o
controle dos fatores de risco, para evitar as futuras
complicações dessas doenças. Por isso, a implementação
da aferição de pressão arterial infantil deve ser
rotineira e associada a medidas antropométricas (peso,
altura e índice de massa corporal), sendo importante
instrumento de avaliação precoce de risco cardiovascular
na vida adulta.
Dada a importância da temática, é necessário realizar mais
pesquisas relacionadas sobre a correlação da obesidade
com a hipertensão arterial em crianças, pois são escassos
na literatura estudos que abordem essa problemática
nessa faixa etária, sendo encontrados muitos trabalhos
envolvendo o grupo de adolescentes e adultos.
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Data de submissão: 3/3/2011
Data de aprovação: 14/2/2012
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 111-119 jan./mar., 2012
119
TRANSCULTURALIDADE: O ENFERMEIRO COM COMPETÊNCIA CULTURAL
TRANSCULTURALITY: THE NURSE WITH SKILLS IN CULTURAL COMPETENCY
TRANSCULTURALIDAD: ENFERMEROS CON COMPETENCIA CULTURAL
José Manuel da Silva Vilelas1
Sandra Isabel Dias Janeiro2
RESUMO
A enfermagem transcultural é um aspecto essencial da saúde de hoje. A crescente população transcultural em Portugal
representa um significativo desafio para os enfermeiros que prestam cuidados individualizados e holísticos aos seus
utentes. Isso requer que o enfermeiro reconheça e valorize as diferenças culturais na área da saúde relativamente aos
valores, às crenças e aos costumes. Os enfermeiros devem adquirir os conhecimentos necessários e competências
tendo em conta as culturas dos utentes. Cuidados de enfermagem culturalmente competentes ajudam a garantir
a satisfação do utente e, consequentemente, a atingir ganhos em saúde. Neste artigo, são discutidas as mudanças
importantes para a promoção de uma enfermagem transcultural. São identificados os fatores que definem os métodos
transculturais em enfermagem e analisa-se a promoção dos cuidados multiculturais em enfermagem. A necessidade de
uma enfermagem transcultural continua a ser um aspecto importante nos cuidados de saúde. Torna-se fundamental
realizar pesquisas em enfermagem para promover a enfermagem transcultural.
Palavras chave: Cuidados de Enfermagem; Cuidados Transculturais; Competência Cultural.
ABSTRACT
Transcultural nursing is an essential aspect of healthcare today. The ever-increasing transcultural population in the
Portugal poses a significant challenge to nurses providing individualized and holistic care to their patients. This requires
nurses to recognize and appreciate cultural differences in healthcare values, beliefs, and customs. Nurses must acquire
the necessary knowledge and skills in cultural competency. Culturally competent nursing care helps ensure patient
satisfaction and positive outcomes. This article discusses changes that are important to transcultural nursing. It identifies
fators that define transcultural nursing and analyzes methods to promote culturally competent nursing care. The need
for transcultural nursing will continue to be an important aspect in healthcare. Additional nursing research is needed
to promote transcultural nursing.
Keywords: Nursing Care; Transcultural Nursing; Cultural Competency.
RESUMEN
La enfermería transcultural es un aspecto esencial de la salud hoy. La creciente población transcultural en Portugal
representa un desafío importante para los enfermeros que prestan atención integral e individual a los pacientes. Los
enfermeros deben reconocer y valorar las diferencias culturales en valores, creencias y costumbres de atención de la
salud. Los enfermeros deben adquirir habilidades y conocimientos en competencia cultural. Cuidados de enfermería
culturalmente competentes ayudan a garantizar la satisfacción de los usuarios y resultados positivos. Este artículo enfoca
cambios importantes para la enfermería transcultural. Se identifican fatores que definen la enfermería transcultural
y analiza métodos para promover la atención de enfermería culturalmente competente. Es esencial realizar más
investigación en enfermería para promover la enfermería transcultural.
Palabras clave: Atención de Enfermería; Enfermería Transcultural; Competencia Cultural.
1
2
Enfermeiro. Doutor em Psicologia da Saúde. Professor Coordenador da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa.
Enfermeira. Licenciada em Enfermagem. Centro Hospitalar Barreiro. Montijo. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Casas de Azeitão, Rua dos Amores, lote 42. 2925-010. Azeitão, Portugal. E-mail: [email protected].
120
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
A enfermagem transcultural tornou-se uma componente
chave na área da saúde e uma exigência por parte dos
enfermeiros de hoje, por causa do crescimento do
fenómeno transcultural que está a ocorrer na população
portuguesa. Com efeito, têm-se registado, nas últimas
décadas, alterações importantes, quer em termos
absolutos de fluxos migratórios, com inversão do saldo
migratório, quer também na composição étnico-cultural
das comunidades migrantes instaladas no nosso país.
A esse aumento quantitativo do número de imigrantes
somam-se alterações da estrutura de nacionalidades de
origem, extravasando o âmbito tradicional dos países de
origem de imigração para Portugal. Já não são somente
os países africanos de língua oficial portuguesa – com
particular destaque para Cabo Verde –, mas também
o Brasil e os países do Leste Europeu, com a Ucrânia
em primeiro lugar, a surgir como países de origem
de imigração.1 No entanto, enquanto a população de
Portugal, continua rapidamente a crescer na diversidade,
os enfermeiros têm permanecido um grupo mais ou
menos homogêneo. Embora em Portugal não existam
estudos, cerca de 90% de todos os enfermeiros dos
Estados Unidos são caucasianos.2 Sabe-se que, em
Portugal o número total de imigrantes com situação
regularizada ultrapassava, em 2000, os 200 mil,
prevendo-se que o apuramento definitivo relativamente
a 2001 aponte para 350 mil.1
Quanto ao acesso aos cuidados de saúde, geralmente,
as mulheres brasileiras recorrem mais frequentemente
a consultas de rotina do que as mulheres de qualquer
outra comunidade, e os imigrantes dos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa (PALOPs) são os que menos
utilizam os serviços de saúde, quer preventivos, quer
curativos, situação que pode estar relacionada com as
dificuldades e o conhecimento da importância do uso
dos serviços de saúde. Além disso, há indicações de que,
em caso de doença, os imigrantes de Leste recorrem,
frequentemente, às farmácias porque nos seus países de
origem tais estabelecimentos prestam conselhos de saúde;
por sua vez, os brasileiros têm mais seguros privados de
saúde e recorrem mais aos médicos privados.
Outra razão apontada refere-se às condições de trabalho
dos imigrantes brasileiros que podem ser mais estáveis
a ponto de os empregadores providenciarem seguros
privados de saúde aos empregados. Finalmente,
os imigrantes dos PALOPs usam mais que outras
comunidades os centros de saúde e hospitais, porque
estão instalados há mais tempo em Portugal e, por
conseguinte, sabem como aceder a esses serviços. Além
disso, alguns vêm receber tratamento em Portugal
ao abrigo dos acordos de cooperação no domínio da
saúde, celebrados entre Portugal e os PALOPs.1-3 Dado
o crescimento da sociedade transcultural em Portugal,
os enfermeiros devem estar munidos de competências
culturais, ou seja, devem possuir conhecimentos de outras
culturas de forma a identificar as particularidades de
cada cultural para que o planejamento dos cuidados seja
individualizado.4 Além disso, a prática de enfermagem
inclui a prestação de cuidados, que é holística, ou seja,
aborda o desenvolvimento físico, psicológico, social,
emocional e as necessidades espirituais dos utentes. É
importante enfatizar que o enfermeiro deve identificar
e atender a essas necessidades, a fim de prestar um
atendimento individualizado, que foi estipulado como
um direito do utente e uma marca da prática profissional
de enfermagem.5 A fim de prestar um cuidado integral,
o enfermeiro deve, também, ter consciência das
diferenças culturais nas intervenções de enfermagem.
Isso ajuda a garantir que os enfermeiros prestam um
cuidado integral, pois a gestão dos cuidados é formulada
com base nas necessidades dos indivíduos e das suas
culturas. Assim, esses profissionais precisam manter
a competência cultural na sua prática diária como
indivíduos de um sistema de saúde muito complexo e
uma sociedade diversificada culturalmente.
DEFINIÇÃO DE COMPETÊNCIA CULTURAL
Podemos descrever a competência cultural como
um processo contínuo de o individuo se esforçar
para tornar-se cada vez mais autoconsciente, para
valorizar a diversidade e tornar-se um perito em
conhecimento sobre os pontos fortes da cultura. A
profissão de enfermagem tem adoptado esse conceito.
Os enfermeiros descrevem como competência cultural a
capacidade de compreender as diferenças culturais, a fim
para prestar cuidados de qualidade a uma diversidade
de pessoas.6 Culturalmente, os enfermeiros competentes
são sensíveis às questões relacionadas com a cultura,
raça, etnia, gênero e orientação sexual. Além disso, os
enfermeiros com competência cultural melhoram a
eficácia na capacidade de comunicação, apreciações
culturais e aquisição de conhecimentos relacionados
com as práticas de saúde de diferentes culturas. A
competência cultural exige dos enfermeiros um esforço
contínuo para oferecer cuidados efetivos nos limites
culturais aos seus utentes. A definição mais abrangente
de competência cultural na prática de enfermagem é
considerá-la um processo em curso com o objetivo de
alcançar a capacidade de trabalhar efetivamente com
pessoas culturalmente diferentes. Além disso, para
cuidar dessas pessoas com uma aguçada consciência
da diversidade, uma base sólida de conhecimentos
e competências em enfermagem transcultural e,
especialmente, um forte respeito pessoal e profissional
para com os outros de vários culturas. 6 É claro que
ter conhecimentos específicos sobre os utentes com
diversas culturas garante um cuidado holístico e cultural
de enfermagem.
TEORIA LEININGER – O CUIDADO CULTURAL
Leininger introduziu o conceito de cuidado transcultural
em enfermagem e desenvolveu a teoria do cuidado
cultural para explicar a competência cultural. Foi
a primeira tentativa na profissão de enfermagem
para destacar a necessidade de enfermeiros com
competências em nível cultural. A teoria do cuidado
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
121
Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural
cultural de Leininger pode ser considerada a maior
contribuição para a enfermagem transcultural. Sua
teoria continua a ser usada como um modelo credível
e holístico que contribui continuamente para novas
pesquisas e para o aumento do corpo de conhecimentos
para a enfermagem transcultural. Leininger explicou que
os enfermeiros tinham de adquirir um conhecimento
aprofundado das diferentes culturas a fim de prestar
cuidados a pessoas de diversas etnias. Além disso, é
a única teoria que explicitamente foca a relação entre
a cultura, os cuidados de saúde e o bem-estar. Os
enfermeiros podem ter de prestar cuidados a utentes
de inúmeras culturas na prática diária. É improvável
que os enfermeiros possuam conhecimentos sobre a
cultura relacionada com a saúde de todas as pessoas.
No entanto, eles podem adquirir conhecimentos e
competências em comunicação intercultural que os
ajudarão a prestar cuidados individualizados que se
baseiam nas práticas culturais.6
A comunicação transcultural
A comunicação transcultural inclui alguns fatores que
devem ser considerados quando os enfermeiros interagem
com os utentes e seus familiares a partir de contextos
culturais que diferem dos deles.6,7 No entanto, é importante
que os enfermeiros, em primeiro lugar, entendam seus
próprios valores culturais, suas atitudes, crenças e práticas
que adquiriram com a própria família antes de aprenderem
sobre outras formas culturais. Isso os ajuda a realizar uma
introspecção sobre os preconceitos que podem existir.
Esses preconceitos devem ser reconhecidos, a fim de evitar
estereótipos e discriminação, o que pode comprometer
a capacidade dos enfermeiros para aprender e aceitar as
diferentes crenças e práticas culturais, especialmente na
área da saúde.
A comunicação transcultural envolve vários aspectos
individuais e sociais que devem ser entendidos no sentido
de alcançar a competência cultural, que é necessária para
prestar cuidados de enfermagem de elevada qualidade.7
É, portanto, imprescindível analisar a comunicação
dos enfermeiros com as pessoas de diferentes origens
culturais. Esse processo comunicacional envolve mais do
que a comunicação oral e escrita. A comunicação não
verbal desempenha papel fundamental na transmissão
das mensagens, que podem variar consideravelmente
entre as diferentes culturas. Entender essa comunicação
e os seus significados para as pessoas de diferentes
culturas torna-se imperativo para que os enfermeiros
atinjam e mantenham a competência cultural.
Estudos qualitativos recentes têm mostrado que os
problemas relacionados com a comunicação foram
os principais motivos pelos quais os enfermeiros não
foram capazes de fornecer cuidados culturalmente
competentes. 8 Os enfermeiros relataram que eles
não estavam preparados para prestar cuidados a
utentes com diferentes culturas, dadas as barreiras
linguísticas. Mais importante é o fato de os enfermeiros
explicarem que não foram capazes de compreender
122
as mensagens verbais e não verbais utilizadas por
esses utentes para se comunicarem. Os enfermeiros
expressaram a necessidade de receber educação e
formação em comunicação transcultural, a fim de
fornecer um cuidado eficaz aos seus utentes de várias
culturas. Embora não seja provável que os enfermeiros
dominem vários idiomas, a compreensão do significado
de alguns sinais de comunicação não verbais utilizados
por diferentes culturas pode ser muito benéfico para a
prestação culturalmente competentes de cuidados de
enfermagem.
Contato com os olhos
O contato visual é um importante meio de comunicação
não verbal. Ela também é a variável e difere muito na
maioria das culturas.9 Os enfermeiros portugueses são
ensinados a manter o contato no olhar quando falam
com seus utentes. Esse comportamento é inadequado
para as pessoas árabes, que consideram o contato direto
nos olhos indelicado e agressivo. Da mesma forma, os
hispânicos e os africanos usam o contato do olhar na
comunicação apenas em algumas situações, tendo
em conta a idade, o sexo, a posição social, a posição
econômica, e no nível de autoridade do emissor. Por
exemplo, os idosos falam com as crianças mantendo
o contato com os olhos, mas considera-se inadequado
para crianças olhar directamente seus anciãos quando
falam com eles. Na cultura ucraniana, é importante o
contato com os olhos ocasionalmente, mas os gestos
das mãos e do corpo são reduzidos ao mínimo na
comunicação. As expressões são reservadas e o olhar
para um estranho não é usual.10
Num sistema de saúde, os utentes portugueses esperam
que os enfermeiros e outros prestadores de cuidados
de saúde mantenham o contato visual direto, quando
estão em interação com eles, mas não é esperado que os
doentes hispânicos e os africanos retribuam o contato
visual direto, quando recebem cuidados médicos e de
enfermagem. Esses são apenas alguns exemplos para
demonstrar que as pessoas de várias culturas percebem
o contato visual de forma diferente. É essencial que
os enfermeiros estejam conscientes de que o contato
visual direto pode ter várias interpretações, a fim de se
comunicarem eficazmente com os utentes.
Toque
Os enfermeiros formados em escolas americanas e
europeias usam o toque como meio terapêutico de
comunicação com os utentes.11,12 No caso particular
dos ucranianos, o toque também pode variar com o
gênero – por exemplo num simples aperto de mão deve
ser a mulher a primeira a tomar a iniciativa.10 Na cultura
chinesa, não se aprecia o toque de estranhos; o sorriso é
a forma de comunicação mais apreciada por essa cultura.
Os utentes asiáticos não permitem o toque na cabeça,
porque se pensa ser a fonte de força de uma pessoa.
Portanto, os enfermeiros também devem perceber que
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
o toque não pode ter o mesmo significado positivo na
saúde para pessoas que são de culturas diferentes. 10
Algumas culturas proíbem ou restringem o toque nos
outros. Utentes de origem árabe não permitem que os
prestadores de cuidados de saúde do sexo masculino
toquem em certas partes do corpo do sexo feminino. As
enfermeiras dessa cultura também podem ser impedidas
de cuidar de utentes do sexo masculino. É improvável
que os enfermeiros tenham conhecimento de todos
esses sentidos atribuídos ao toque por pessoas de várias
culturas. No entanto, o enfermeiro deve reconhecer e
respeitar que o toque tem significados diferentes nas
diferentes de tocá-los para evitar que esses indivíduos
neguem o uso do toque no cuidado.
Silêncio
Essa é outra forma de comunicação não verbal, cujo
significado é diferente em pessoas de diferentes culturas.
Os enfermeiros podem sentir-se desconfortáveis quando
há um período de silêncio ao falar com seus utentes. Eles
podem interpretar o silêncio de forma negativa por diversas
razões. Podem concluir que o silêncio representa uma
forma de falta de interesse, que o utente está deprimido
ou não motivado a responder. Os profissionais podem até
questionar se os utentes têm deficiência auditiva. Embora
essas sejam explicações importantes para o silêncio e
devem ser consideradas pelos enfermeiros quando falam
com os utentes, eles também devem perceber que o
silêncio é utilizado de forma diferente na comunicação
entre pessoas de outras culturas. O silêncio pode ser um
sinal positivo na comunicação não verbal entre pessoas
de culturas diferentes.7 É comum à cultura americana e à
europeia usar o silêncio como forma de mostrar respeito
pela pessoa que fala. Esses povos também usam o silêncio
como pausa depois de ser feita uma pergunta. Isso significa
que eles estão a analisar a questão, para posteriormente
responder com significado ao assunto. O silêncio também
é obrigatório quando se fala de anciãos nas culturas
asiáticas. É um sinal de grande respeito pelas pessoas mais
velhas. A cultura inglesa e a árabe usam o silêncio como
forma de respeito pela privacidade alheia. Os utentes
franceses, portugueses, espanhóis e russos também
demonstram seu acordo com o uso do silêncio.10
Espaço e distância
Geralmente, os indivíduos não estão conscientes do
espaço e da distância entre si e os outros até entrarem
em contato direto com pessoas de outras culturas. Os
americanos e o povo do norte da Europa, geralmente,
sentem-se mais confortáveis quando não estão em
contato próximo com o outro. Contrariamente, os
asiáticos e árabes sentem-se muito confortáveis em
estreita proximidade com os outros. 10 Em Portugal
existem várias noções de distância entre o emissor e
o receptor as comunicações íntimas distanciam-se do
interlocutor meio metro, as sociais que vão de um a um
metro e meio, e, finalmente a distância pública, que é a
mais extensa, vai de dois a trinta metros.13
Os enfermeiros devem perceber que o espaço e a
distância entre eles e os utentes são muito importantes
no atendimento de indivíduos de culturas diferentes.
Manter uma certa distância com os utentes pode ser
especialmente difícil para os enfermeiros, uma vez que
os cuidados de enfermagem requererem um contato
estreito com os utentes. No entanto, o ponto-chave na
enfermagem transcultural é compreender e respeitar as
necessidades dos utentes de várias culturas em relação
ao espaço e exigências de distância.
Crenças de saúde
Há, também, as variações entre pessoas de culturas
diferentes em relação às crenças com a saúde. Essas
diversas crenças são baseadas na perspectiva do
relacionamento da cultura de um indivíduo com o
ambiente. 12 Pessoas que acreditam que possuem
algum controle nos eventos da vida também acreditam
que conseguem controlar sua saúde. Esses indivíduos
tenderão a ser mais complacentes em seguir planos
de saúde prescritos para eles, e será mais provável que
desenvolvam hábitos positivos de saúde. A cultura
asiática e a latino-americana, geralmente, são dessa
natureza. Em contraste, os europeus sentem que têm
menos controle sobre o própria vida e tendem a ser
mais pessimistas nas suas opiniões sobre a saúde. Esses
utentes tendem a não cumprir facilmente o regime
terapêutico instituído pelos profissionais de saúde,
contrariamente aos utentes das culturas asiáticas e
latino-americanas. As questões culturais e identitárias
desempenham papel central no estado de saúde dos
imigrantes e no uso dos serviços de saúde.
O uso da medicina tradicional/popular e a consulta de
curandeiros, amigos e familiares para resolver problemas
de saúde são, também, práticas recorrentes em alguns
segmentos da população residente em Portugal,
sobretudo entre alguns grupos de imigrantes como os
africanos e europeus de Leste.14,15 As razões apontadas
para esse comportamento entre os imigrantes prendemse à falta de confiança no Sistema Nacional de Saúde;
ao receio de serem presos ou repatriados, dadas as
situações de irregularidade quanto ao estatuto legal;
à desvalorização dos problemas de saúde; à fuga aos
estigmas e estereótipos relacionados com determinados
problemas de saúde (ex. HIV-SIDA; doenças mentais);
e ao desconhecimento da existência de determinados
serviços (ex. consultas materno-infantis gratuitas e
consultas de planejamento familiar).
Os enfermeiros com competências culturais entendem
essas diferentes visões e incluem na prestação de
cuidados as diferenças culturais. Por exemplo, o
enfermeiro pode oferecer um ensino mais focalizado
na gestão da dieta e terapêutica para utentes que
sentem que têm menos controle sobre sua saúde. Os
enfermeiros com competências culturais respeitam
os hábitos culturais dos cidadãos, especialmente na
questão da saúde e na individualização da gestão dos
cuidados. O desenvolvimento da competência cultural
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
123
Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural
exige, em primeiro lugar o interesse em tornar-se
culturalmente competente e, por outro, desenvolver as
medidas necessárias para alcançá-lo.
PASSOS PARA PROMOVER COMPETÊNCIA
CULTURAL
O acesso aos Serviços de Saúde surge como um dos
maiores obstáculos ao processo de integração dos
imigrantes, seguido pelas dificuldades inerentes
à prestação de cuidados de saúde. A Ordem dos
Enfermeiros 16 coloca que é necessário “ [...] descobrir o
significado do cuidado cultural e as práticas de cuidados
específicos de cada cultura [...]” e acrescenta “[...] para
proporcionar um cuidado de enfermagem culturalmente
sensível, congruente com os fatores que influenciam a
saúde/ bem-estar”.
Diversos instrumentos legais em âmbitos nacional e
internacional garantem cuidados de saúde de qualidade
a todas as pessoas, independentemente da sua origem.
No caso da enfermagem o Decreto de Lei nº 104/98,
artigo 81, diz que é dever do enfermeiro: alínea a) Cuidar
da pessoa sem qualquer discriminação económica,
social, política, étnica, ideológica ou religiosa; e) Abster
de juízos de valor sobre o comportamento da pessoa
assistida e não lhe impor os seus próprios critérios e
valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida;
f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas, culturais,
morais e religiosas da pessoa e criar condições para
que ela possa exercer, nestas áreas, os seus direitos”.
Há um foco atual na área da saúde para garantir que
as pessoas com diversidade cultural recebam cuidados
de qualidade. A profissão de enfermagem promove
esse foco na competência cultural não somente para
cumprir disposições regulamentares, mas também para
promover a satisfação do utente. Quando os enfermeiros
prestam cuidados que estão em conformidade com
os utentes, suas crenças culturais, seus valores e suas
práticas, o pressuposto é que os utentes estarão mais
propensos a aderir aos cuidados do que aqueles quando
os aspectos culturais não foram tidos em conta na
abordagem dos enfermeiros. A competência cultural
tem três etapas progressivas que ajudam os enfermeiros
a prestar cuidados aos utentes de diversas origens.17
Etapa 1 – Adotar atitudes para promover a transculturalidade nos cuidados de enfermagem
Certas atitudes têm sido associadas a cuidados de
enfermagem efectivos e culturalmente competentes.17
Cuidar é uma das quatro atitudes importantes e
necessárias para a promoção de uma enfermagem
transcultural e cuidados culturalmente competentes.
Os enfermeiros demonstram uma atitude carinhosa
quando utilizam algum tempo para entender e apreciar
as necessidades e perspectivas culturais dos seus
utentes. Isso mostra, também, respeito e preocupação
com esses utentes, que se sentem confiantes de que
estão a ser cuidados por enfermeiros que abordam suas
preferências culturais.
124
A empatia é a segunda qualidade para os enfermeiros
adotarem uma competência transcultural. Isso requer
que os enfermeiros vejam os problemas ou situações
tendo em conta a perspectiva cultural dos utentes. Este
proporciona aos utentes uma sensação de segurança,
sabendo que as suas formas culturais são entendidas
e respeitadas pelos enfermeiros que cuidam deles. A
aceitação é a terceira atitude para os enfermeiros que
cultivam uma enfermagem transcultural efetiva. O
enfermeiro deve possuir uma abertura para conseguir
aceitar as diferentes perspectivas culturais dos doentes
que cuidam. A aceitação demonstra que os enfermeiros
valorizam a diversidade cultural quando prestam
cuidados de enfermagem.
A flexibilidade é a quarta atitude que os enfermeiros
devem adotar para se tornarem culturalmente competentes. Eles precisam de integrar as crenças culturais, valores
e práticas dos seus utentes nos cuidados de enfermagem
para esses indivíduos e não impor os próprios desejos
para cuidar dessas pessoas. Os enfermeiros demonstram
flexibilidade quando mostram disponibilidade para prestar
cuidados baseados nos fatores culturais dos utentes, o que
os ajuda a se sentirem seguros de que o seu atendimento
é individualizado e, consequentemente, contribui para a
definição de metas em conjunto.
Etapa 2 – Desenvolver a consciência das diferenças
culturais
Como foi mencionado, as culturas variam consoante os
padrões de comunicação e o estrato social.17 Embora seja
útil para obter informações sobre os hábitos culturais
dos utentes, os enfermeiros precisam se lembrar de
que mesmo em um grupo cultural existe, ainda, a
diversidade. A pessoa não é um estereótipo de uma
cultura. Os indivíduos têm crenças, valores e práticas
que podem afastar-se de suas culturas. Isso aponta para
a necessidade de os enfermeiros darem o passo seguinte
na direcção da competência cultural, que é a realização
de avaliações culturais nos utentes.
Etapa 3 – Realizar uma avaliação cultural
A avaliação cultural concisa é uma forma eficaz de
obter informações pertinentes sobre as perspectivas
dos utentes sobre os aspectos importantes dos seus
cuidados.17 Por exemplo, uma investigação completa
sobre a cultura dos utentes será identificar se estes
aceitam a medicina alternativa ou se defendem, apenas
e unicamente, a medicina tradicional. A avaliação da dor é
especialmente importante para os enfermeiros cuidarem
de forma humanizada. A dor é uma sensação muito
subjetiva porque os utentes descrevem as sensações de
forma diferente e têm diferentes níveis de tolerância para
a dor. Os enfermeiros precisam avaliar a dor pedindo aos
utentes que descrevam como se sentem, mas também
é necessário incluir as expressões faciais e a linguagem
corporal nas suas avaliações. Isso os ajuda a identificar
melhor a dor nos utentes com base em culturas que
aceitam a dor – por exemplo, a cultura asiática. Em
contraste, os europeus e os latinos apresentam altos níveis
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
de emoção e ansiedade com a dor.17,18 Os enfermeiros
precisam examinar as próprias crenças e valores sobre a
dor e o controle desta, a fim de serem objetivos ao realizar
a avaliação da dor nos utentes.
Aprender e entender as estruturas da família do utente é,
também, importante para realizar uma avaliação cultural.
A família é a unidade social básica modeladora da pessoa
de culturas diferentes do ponto de vista da saúde e da
doença. A avaliação cultural também dá insight aos
enfermeiros sobre os sistemas de apoio para os utentes.
Esses fatores têm papel importante na recuperação e
manutenção da saúde dos utentes, que irão desenvolver
um sentimento de confiança com os enfermeiros, pois
os cuidados são coerentes com seus valores e práticas
culturais. Às vezes, os enfermeiros podem avaliar os
padrões de cultura dos utentes e estes poderão entrar
em conflito com as necessidades de saúde do próprio
utente. É, então, necessário que o enfermeiro tente
desenvolver e implementar novos padrões de saúde
para esses utentes, o que é alcançado de forma mais
eficiente quando os enfermeiros têm uma abertura para
ouvirem e entenderem as perspectivas que os utentes
possuem sobre a sua doença. Os enfermeiros devem,
em seguida, informar os utentes sobre o uso de meios
terapêuticos diferentes das suas culturas que são úteis
para a tratamento da doença e a promoção da saúde.
Os enfermeiros com competências culturais geram os
cuidados de saúde do utente de forma individualizada
que promovem-lhes a adesão dos utentes e incorpora
segura e eficazmente as suas práticas culturais.
FatoRES DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL
As mudanças que ocorrem na população de Portugal
podem ser atribuídas às mudanças demográficas, sociais
e culturais. A crescente população idosa e o número
crescente dos imigrantes têm contribuído de forma
significativa para o total aumento da população total
em Portugal. O grande número de imigrantes tem tido
um grande impacto sobre as mudanças na população.
Essa situação gerou uma grande diversidade cultural
da população nos últimos anos. O grande número de
pessoas de diversas culturas reforçou a necessidade
de mudanças sociais, nomeadamente a introdução em
alguns planos de estudos dos cursos de enfermagem,
de uma língua estrangeira: o inglês e a linguagem
gestual. Para promover a enfermagem transcultural e
a avaliação da competência cultural dos enfermeiros,
existe um modelo que engloba seis fatores.1 O primeiro
é a consciencialização. Os enfermeiros precisam ter
uma consciência individual dos mitos e preconceitos
em relação aos outros de culturas diferentes. A
competência é o segundo fator. Os enfermeiros devem
ter a capacidade para conduzir as avaliações culturais
dos utentes de uma maneira sensível. O terceiro fator
é o conhecimento. Os enfermeiros devem adotar uma
perspectiva ampla sobre os diferentes pontos de vista
para cuidar de utentes de várias culturas. O encontro
cultural é também considerado um fator para apoiar
a enfermagem transcultural. É importante que os
enfermeiros proporcionem um cuidado efetivo que seja
congruente com as suas formas culturais. O quinto fator
e mais importante é o desejo. Os enfermeiros devem
querer atingir a competência cultural. Isso significa
que o enfermeiro deve ter uma atitude entusiasta para
aprender sobre as outras formas culturais e integrá-las nos
cuidados de enfermagem. O último fator é a avaliação.
Os enfermeiros devem fazer uma autoavaliação para
determinar se eles são culturalmente competentes nos
cuidados de enfermagem que prestam.
ENFERMAGEM TRANSCULTURAL E A ÉTICA
Os enfermeiros são confrontados diariamente, na sua
prática, com situações éticas de difícil resolução, que
podem ser ainda mais desafiadoras para os enfermeiros
quando os utentes envolvidos são de várias origens
culturais. No entanto, a capacidade de o profissional se
centrar na cultura do utente pode gerar alguns conflitos,
pois os enfermeiros, tantas vezes chamados a promover
a mudança de hábitos nos utentes, têm frequentemente
dificuldade em admitir que suas ideias, culturalmente
bem cimentadas, sejam postas em causa por um utente
apenas pelo fato de pertencer a outra cultura.14 Um
dilema ético é saber se o enfermeiro deve discutir os
cuidados antecipatórios com os utentes que não se
sentem confortáveis com isso porque sua cultura é
diferente relativamente às suas crenças sobre saúde.
Um dos papéis do enfermeiro é oferecer aos utentes
sessões de informação sobre os cuidados que lhes vão
ser prestados. Assim pretende-se proteger a autonomia
do utente tendo em consideração que estes possuem
capacidade de tomada de decisão. As informações
prévias são facilmente aceitas pela cultura americana e
europeia. Outros povos não a consideram como uma
medida positiva de saúde. Algumas culturas defendem
a crença de que o destino dos seres humanos está fora
de seu controle. Os filipinos, por exemplo, sentem que a
doença pode conduzir à morte e que esta se encontra fora
do seu controle. Assim, se tentarem controlar o que para
eles faz parte do destino, é uma tentação e trará a morte,
com certeza. Os enfermeiros podem ter dificuldade em
compreender e aceitar esta passividade diante de uma
doença que pode ser fatal.14 Os enfermeiros também
podem ter outro dilema ético, que é dar a informação
verdadeira ao utente quando para este é um tabu em
termos culturais, pois acredita que o simples fato de
discutir esses assuntos o conduzirá à morte. Os enfermeiros
têm uma decisão difícil, nessa situação, especialmente
porque, acima de tudo, eles são obrigados a ser sensíveis
às crenças e culturas e, ao mesmo tempo, proteger a
saúde dos utentes. Os enfermeiros devem saber que a
veracidade e a confidencialidade são princípios éticos
que norteiam as interacções com os utentes e famílias. Os
enfermeiros são ensinados a promover uma autonomia
individual em benefício do utente.
Na cultura portuguesa, os enfermeiros fornecem
informações fidedignas aos utentes a fim de estes
possam tomar uma decisão sobre sua saúde. No
entanto, em outras culturas, os membros da família são
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
125
Transculturalidade: o enfermeiro com competência cultural
os responsáveis da decisão sobre questões de saúde
do utente. Isso é especialmente verdadeiro quando a
doença é terminal. Em certas culturas, o papel da família
é proteger o utente da ansiedade e angústia associados
ao conhecimento da morte iminente. As famílias dos
utentes dos países do Leste possuem culturas que são
especialmente protetoras no caso de se tratar de doentes
terminais. Acreditam que é sua responsabilidade
proteger o utente do conhecimento do prognóstico da
sua situação, permitindo, dessa forma, que este morra
em paz.19 Os enfermeiros portugueses podem encontrar
um dilema ético ao cuidarem de utentes terminais. Eles
têm o dever e aprenderam a ser verdadeiros, no sentido
de darem uma informação correta e adequada à situação
do doente. No entanto, ao cuidarem de utentes de
culturas orientais, os fatores culturais impedem de ser
aberto e honesto sobre a doença terminal. A forma de
minimizar esse problema centra-se na consciencialização
do profissional acerca das suas próprias crenças e
atitudes, assim como na aceitação e compreensão de
que estas possam ser diferentes dos padrões culturais
dos outros. Não são as deles nem as dos outros que
estão erradas, elas simplesmente são diferentes. Na
tomada de decisões éticas, os enfermeiros precisam de
salvaguardar a saúde dos seus utentes e, ainda, oferecer,
nessas situações, cuidados de enfermagem alicerçados
na competência cultural.
EDUCAÇÃO E ENFERMAGEM TRANSCULTURAL
Em Portugal, tem ocorrido um fenômeno de movimentos
migratórios, de proveniências e causas variadas, que tem
transformado algumas cidades, nomeadamente Lisboa,
num local de encontro de raças e etnias. Nessa concepção
de sociedade transcultural, torna-se importante que o
profissional de saúde esteja atento e perceba como sua
população mudou drasticamente nos últimos anos ou
como se pode ter modificado, em consequência de uma
mudança do local de trabalho ou da alteração da zona
de influência da instituição onde trabalha.
Torna-se primordial que, numa sociedade transcultural,
os profissionais de saúde estejam preparados para
trabalhar com todos os utentes, qualquer que seja
o seu meio, procurando estabelecer uma relação de
interdependência, compreendendo e aceitando as
diferenças das crenças e valores e encontrando as
semelhanças estabelecidas entre as deles e as dos
utentes. Essa abordagem global implica, como refere
Ramos,10 o desenvolvimento de uma competência social,
cultural, pedagógica e comunicacional, construída na
experiência da alteridade e diversidade, no equilíbrio
entre o universal e o singular. Tal competência cultural, na
qual se inclui a consciencialização cultural, exige que os
profissionais de saúde possuam conhecimentos de base
sobre a cultura, os valores e a diversidade cultural dos
cuidados e desenvolvam atitudes e práticas adequadas.
Isso implica que na formação dos futuros enfermeiros
se adotem métodos e estratégias de ensino e de
aprendizagem que propiciem a cooperação, o consenso,
a reflexão, a adaptação à mudança, à diversidade e ao
126
imprevisto. Os enfermeiros expressam repetidamente
sua frustração inerente à falta de formação necessária
para fornecer cuidados culturalmente competentes a
doentes de outras culturas.8,20
Aos enfermeiros deve ser oferecido um programa de
desenvolvimento pessoal que incida especificamente
sobre o conhecimento e as competências necessárias
para a implementação de uma enfermagem transcultural.
Nesse programa, os enfermeiros devem desenvolver
uma consciência dos seus próprios valores culturais e
crenças. É necessário fazer isso antes de os enfermeiros
poderem evoluir para o passo seguinte, que é aceitar as
diferenças culturais em saúde. Os enfermeiros que são
capazes de aceitar as crenças culturais dos outros serão,
então, capazes de aprender a conduzir as avaliações
culturais. A última fase desse programa teria como
finalidade avaliar sua capacidade para fornecer uma
enfermagem culturalmente competente. Os resultados
sensíveis aos cuidados de enfermagem culturalmente
competentes poderiam ser avaliados tendo em conta a
confiança demonstrada dos utentes pelos enfermeiros e
o grau de satisfação com os cuidados de enfermagem.
CONCLUSÃO
A enfermagem transcultural é essencial na prática dos
cuidados diários de enfermagem. O número crescente
de utentes de diferentes culturas cria um grande
desafio para os enfermeiros ao exigir que prestem
uma assistência individualizada e holística baseada nas
necessidades culturais de cada utente. Isso impele os
enfermeiros à compreensão das diferenças culturas em
termos de conceito de saúde, crenças e costumes. Os
enfermeiros devem ter uma mente aberta e interesse
positivo, bem como sincero desejo para aprender outras
formas de cultura. O conhecimento transcultural é
importante para os enfermeiros, para que possam se
tornar sensíveis às necessidades dos utentes de várias
culturas, especialmente na nossa sociedade cada vez
mais global e complexa. Uma vez que os enfermeiros têm
o contato íntimo com utentes e são responsáveis pela
formulação de planos de saúde que ajudam a satisfazer
as necessidades individuais dos utentes, é necessário que
entendam, apreciem as preferências culturais dos utentes
e deem respostas. Essa situação destaca a necessidade de
reformulação na educação em enfermagem no sentido de
incluir a enfermagem transcultural no currículo. Deve-se
incutir logo nos estudantes de enfermagem o interesse
pela diversidade cultural, diferenças de valores, crenças
e costumes relativamente à saúde.
O currículo de enfermagem transcultural também
deve ensinar os conhecimentos e as competências
necessárias para fornecer cuidados de enfermagem
culturalmente adequados. Além disso, os hospitais
e outras instituições de saúde devem oferecer aos
enfermeiros programas de formação e atualização em
competência cultural, a fim aumentar-lhes o nível de
confiança e conhecimento da enfermagem transcultural.
Além disso, há necessidade de futuras investigações
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para expandir a base de conhecimentos dos cuidados
de enfermagem multiculturais. Uma área particular
para investigar pode ser o significado dos cuidados de
enfermagem de qualidade sob diferentes perspectivas
culturais. A investigação também deve dar ênfase na
determinação das intervenções de enfermagem eficazes
que defendem e proveem um cuidado culturalmente
competente para utentes de maneira significativa e
agradável. Isso ajudará a enfermagem a assegurar a
competência cultural nos cuidados.
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Data de submissão: 18/3/2011
Data de aprovação: 20/5/2011
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 120-127 jan./mar., 2012
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Artigo reflexivo
O CUIDADO À MULHER NA CONTEMPORANEIDADE: REFLEXÕES
TEÓRICAS PARA O EXERCÍCIO DA ENFERMAGEM TRANSCULTURAL
THE CARE OF WOMEN IN CONTEMPORARY SOCIETY: THEORETICAL REFLECTIONS FOR THE
PRACTICE OF TRANSCULTURAL NURSING
EL CUIDADO DE LA MUJER EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÁNEA: REFLEXIONES TEÓRICAS PARA LA
PRÁCTICA DE LA ENFERMERÍA TRANSCULTURAL
Adriana Teixeira Reis1
Rosângela da Silva Santos2
Aloir Paschoal Júnior3
RESUMO
Trata-se de um estudo teórico sobre a Teoria Transcultural de enfermagem, com apresentação de sua interface e
contribuições para a prestação de uma assistência de enfermagem humanística, culturalmente congruente e coerente
com a mulher. Propõe-se uma reflexão sobre o cuidar não apenas restrito a mero ato, tarefa destinada à intervenção
de determinada disfunção orgânica, e sim a ações que promovam um equilíbrio universal do ser humano. Ressalte-se
a necessidade do aperfeiçoamento e do envolvimento do enfermeiro na incorporação de novas formas de pensar e
agir em saúde no âmbito da assistência à mulher, respeitando-as como seres sociais, detentores de conhecimentos.
Palavras-chave: Mulheres; Enfermagem; Teoria de Enfermagem.
ABSTRACT
This is a theoretical study on the Theory of Transcultural Nursing, with its interface and presentation of contributions
to the provision of humanistic nursing care, culturally congruent and consistent for the women. Proposes a reflection
on caring, not just restricted to a simple act, task assigned to the intervention of a specific organ dysfunction, but the
actions that promote a balance of universal human being. Emphasizes the need for improvement and involvement
os nurses in the incorporation os new ways of thinking and acting in the healthin care for women, respecting them as
social beings, knowledge holders.
Keywords: Woman; Nursing; Nursing Theory.
RESUMÉN
Este es un estudio teórico sobre la Teoría de la Enfermería Transcultural, con su interfaz y la presentación de las
contribuciones a la prestación de cuidados de enfermería humanística, la mujer culturalmente congruente y
coherente. Propone una reflexión sobre el cuidado, y no sólo limitarse a un simple acto, tarea asignada a la intervención
de una disfunción de órganos específicos, pero las acciones que promuevan un equilibrio universal de ser humano . Hace
hincapié en la necesidad de mejorar y la participación de laas enfermeras en la incorporación de nuevas formas de pensar
y actuar en la atención de salud para las mujeres, respetádolos como seres sociales, titulares de conocimientos.
Palabras-clave: Mujeres; Enfermería; Teoría de Enfermería. 1
2
3
Doutora pela Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). Enfermeira do Instituto Fernandes Figueira. Professora Assistente do Departamento Materno-Infantil da
Faculdade de Enfermagem da UERJ. E-mail: [email protected]. E-mail: [email protected]. Tel.: 55 21 2587-6335.
Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. Pesquisadora 1C CNPq; FAPERJ,
UFRJ. Integrante do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher-NUPESM e do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Criança (NUPESC/DEMI/UFRJ).
E-mail: [email protected].
Aluno de Graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery. Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected].
Endereço para correspondência – Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Faculdade de Enfermagem UERJ. Edifício Paulo de Carvalho. Boulevard
28 de Setembro, 157, 7º andar Vila Isabel. CEP: 20551-030, Rio de Janeiro-RJ. E-mail: [email protected]. Tel.: 55 21 2587-6335.
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O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural
INTRODUÇÃO
A saúde, ao longo dos anos, vem passando por um
processo de transformação que leva a um novo
entendimento de seu real significado. Não se concebe
mais o conceito de saúde como mera ausência de doença.
Nesse novo paradigma vigente, entender a mulher sob a
ótica do antigo modelo de saúde-doença também não
é mais possível. As antigas concepções em que o sujeito
do cuidar é desprovido de qualquer conhecimento já não
fazem mais parte de discussões sobre a saúde de grupos
sociais. Este novo paradigma, no qual a historicidade e as
dinâmicas sociais demandam estratégias mais amplas,
levam em consideração a construção da cidadania e da
transformação da cultura sanitária.1
A mulher é detentora de saberes particulares que foram
construídos e moldados com base em uma história de
vida, uma experiência social, impregnada, sobretudo,
de valores culturais.
De modo geral, a cultura exerce influência em vários
aspectos na vida de uma pessoa – crenças, comportamentos, percepções, emoções, linguagem, religião,
rituais, estrutura familiar, dieta, modo de vestir, imagem
corporal, conceitos de tempo e espaço, atitudes diante
da doença, da dor e do infortúnio –, podendo, esses
elementos apresentar importantes implicações para a
saúde e a assistência.
Culturalmente, as mulheres são reconhecidas ao
longo da história como as principais cuidadoras de
uma criança. Ainda hoje a mulher é vista como aquela
que tem as atribuições de maternagem ao seu filho,
dada uma conexão aparentemente “natural” entre as
capacidades das mulheres de dar à luz e amamentar. É a
mulher que, ao longo de séculos, tem a responsabilidade
pelo cuidado do filho e na família.2
Do ponto de vista cultural, a sociedade de hoje ainda
mantém a representação do ser-mulher associada ao
ser-mãe, sendo a maternidade considerada um destino
natural das mulheres.3,4 A maternidade, ainda hoje, é algo
esperado pela mulher, muitas vezes imputado a elas
como uma condição de obrigação e vocação.
No século XIX, por exemplo, a maternidade era
entendida como um sacerdócio, uma experiência feliz,
mas que implicava dores e sofrimentos; um real sacrifício
da mulher.3
Esse conceito, entretanto, vem se modificado ao longo
dos séculos. Simone de Beauvoir, escritora, filósofa e
feminista da década de 1960, questionou a existência
do instinto materno como algo natural e inevitável nas
mulheres. Em 1980, Beauvoir rompia com um conceito
quase sagrado ao afirmar que a maternidade favorece
o exercício da dominação masculina.4
O movimento feminista das últimas décadas, sem
dúvida, também contribuiu para um significativo
impulso às pesquisas sobre a mulher e sua problemática
no mundo contemporâneo. No Brasil, as políticas de
atenção à mulher foram somente incorporadas às
políticas nacionais nas primeiras décadas do século XX,
130
representando, ainda, uma reduzida discussão sobre a
problemática feminina associando as questões do parto,
gravidez e considerando a mulher como responsável
pelo cuidado dos filhos e demais familiares.
Em 1984, com o Programa de Assistência Integral à Saúde
da Mulher (PAISM), houve a ruptura com os conceitos
até então utilizados nos modelos de atenção à mulher,
apresentando novos critérios e prioridade para esta área
de atenção. Em 2003, a área Técnica de Atenção à Mulher
do Ministério da Saúde, reconheceu a necessidade
de maior articulação da política vigente com outras
áreas e ações, como a atenção às mulheres rurais, com
deficiência, negras, índias, presidiárias e lésbicas.5
O PAISM buscou a promoção da atenção obstétrica
e neonatal qualificada. O programa também adotou
princípios de humanização, qualidade e fortalecimento
da identificação de necessidades e demandas das
próprias usuárias. Assim, é importante dar voz a essas
mulheres objetivando, também, ampliar, qualificar e
humanizar a atenção integral a esse grupo social com
tantas particularidades.
Dessa forma, as unidades de saúde devem garantir
esforços para o oferecimento de serviços de qualidade,
pautados por uma atenção humanizada e individualizada
à mulher. A mulher contemporânea não pode ser
vista apenas pelo prisma reducionista da procriação
humana. A mulher é um ser tridimensional, que deve ser
compreendida sob a ótica das transformações sociais.
No que tange à prática de enfermagem, compreender
a mulher à luz da coletividade permite uma reavaliação
de conceitos e práticas de enfermagem coerente com
as reais necessidades desse grupo.
Madeleine Leininger, com sua Teoria Transcultural,
propõe uma visão de mundo que permite ao enfermeiro
planejar junto com a cliente os cuidados, preservando as
características culturais diversas e/ou comuns do grupo
ao qual pertence.6 Sua teoria permite-nos a classificação
dos elementos do cuidado, favorecendo o diagnóstico e
avaliação. Por meio desses conceitos, temos elementos
que nos permitem estabelecer uma relação com a visão
do mundo dos indivíduos e dos grupos sociais.
Com base nessas reflexões, rediscutimos e aplicamos os
conceitos de Madeleine Leininger6 em uma abordagem
da saúde coletiva prestada pela enfermagem à mulher.
ORIGEM DA TEORIA TRANSCULTURAL
Madeleine Leininger nasceu em Sutton, Nebraska, e
iniciou sua carreira como enfermeira em 1948. Cursou
Enfermagem em Denver, na St. Antony ’s School of
Nursing, e em 1965 cursou Doutorado em Antropologia
na Universidade de Washington, Seattle. Trabalhou em
unidades médico-cirúrgicas e de psiquiatria. Em 1954,
iniciou o primeiro programa de especialização em
enfermagem psiquiátrica clínica infantil no mundo.6
Com base em suas vivências práticas, na década de
1950, com seus pais e seus filhos, percebeu que crianças
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apresentavam diferenças comportamentais que se
repetiam com frequência. Atribuiu tais diferenças a um
fundo de base cultural e percebeu que a enfermagem
não possuía conhecimentos suficientes a respeito da
cultura dessas crianças para compreendê-las melhor
e desenvolver as práticas de cuidados de enfermagem
diversificadas, significativas e eficazes, de acordo com
as suas culturas.7 A partir de então, formulou conceitos,
teorias, práticas e princípios da disciplina que fundou,
chamada “Enfermagem Transcultural”.
A Enfermagem Transcultural surgiu das transformações
mundiais que vêm ocorrendo progressivamente em
nossa sociedade. Leopardi7 e González8 apresentam
os fatores que influenciaram Madeleine Leininger à
instalação de uma nova disciplina para a enfermagem:
diferenças regionais, de idade, gênero, religiões,
capacidade e incapacidade; múltiplas crenças, valores e
estilos de vida, conferidos pelo aumento das identidades
multiculturais; uso excessivo de tecnologia aplicado aos
cuidados de saúde dos pacientes, gerando conflito com
os valores culturais dos pacientes; conflitos culturais
mundiais, choque e violência que desencadeiam
impactos sobre os cuidados de saúde; aumento do
número de pessoas que viajam e trabalham em partes
diferentes do mundo; aumento dos temas legais
resultantes de conflito cultural, como negligência,
ignorância e imposição de práticas de cuidados de
saúde; aumento de problemas de gênero e feminismo
com novas demandas de sistemas sanitários para dar
conta da saúde das mulheres e crianças; aumento da
necessidade de serviços de cuidado em saúde baseado
na cultura por parte da comunidade.
Neves9 afirma que o desenvolvimento teórico do cuidar
em enfermagem teve início, como dito, na década de
1950, com Madeleine Leininger. A partir da década
de 1980, quando se formalizou sua teoria, houve um
crescimento do interesse sobre o cuidado humano e o
cuidado transcultural de enfermagem, sendo a teoria do
cuidar/cuidado sua primeira e maior contribuição. Ela
percebeu que havia diferença nas formas de as pessoas
se expressarem e interagir em relação ao cuidar/cuidado,
e essas diversidades pareciam estar relacionados a
diferentes padrões culturais.
CONCEPÇÕES TEÓRICAS
Madeleine Leininger6 foi aprimorando sua teoria e
método de pesquisa a partir de um enfoque êmico –
EMIC (percepções internas das pessoas) –, permitindo
que fossem compartilhadas ideias, crenças e experiências
com pesquisadores (ético – ETIC).
Assim, reconhecia duas categorias de cuidar: o genérico
(associado ao EMIC) e o profissional (ETIC), que diz respeito
a recuperar enfermidades e sobreviver.6,9 O cuidado
genérico estaria correlacionado ao enfoque êmico e
o profissional, ao ético. Culturas diferentes percebem,
conhecem e praticam cuidado de diferentes maneiras,
ainda que alguns elementos comuns existam, em relação
ao cuidado, em todas as culturas do mundo.7
O cuidado é a essência da enfermagem, sendo imprescindível para todo desenvolvimento e manutenção
da saúde em todas as culturas do mundo. É uma ação
individual e coletiva, sendo uma atitude de preocupação,
responsabilização e de envolvimento afetivo com o
outro.10
Assim, o cuidado prestado pela enfermagem varia de
acordo com a cultura do local, a cultura humana, ou seja,
varia transculturalmente.9
A meta da Teoria Transcultural é proporcionar cuidado
cultural coerente com valores, crenças e práticas
culturais dos indivíduos, a fim de que a enfermagem
possa ser um agente facilitador da saúde e do bemestar dos indivíduos, das famílias e dos ambientes
institucionais.6,8,11
A teoria é definida como uma forma sistemática e criativa
de descobrir conhecimentos sobre algo e explicar alguns
fenômenos conhecidos de forma vaga ou limitada. A
Teoria Transcultural vem, assim, dar conta das crenças
culturais, de cuidados e valores de indivíduos, famílias
e grupos para proporcionar cuidados de enfermagem
efetivos, satisfatórios e coerentes.8
Uma assistência de enfermagem coerente do ponto de
vista cultural só pode ser desempenhada quando os
valores, expressões e modelos de cuidados culturais da
pessoa, do grupo, família ou comunidade são conhecidos
e utilizados de maneira adequada pelo profissional de
enfermagem.8
Assim, o enfermeiro e os sujeitos das ações de enfermagem são envolvidos para a busca de cuidados
culturalmente congruentes, desconstruindo o modelo
vigente, tecnocrático e verticalizado, pautado por
atitudes impositivas por parte dos profissionais de
saúde.
O cuidado cultural congruente (de enfermagem) é aquele
que existe à medida que ocorrem ações e decisões
assistenciais, de suporte, de facilitação ou capacitação
embasadas cognitivamente no indivíduo, grupo ou
instituição, com a finalidade de promover cuidados de
saúde significativos, benéficos e satisfatórios. 6,8
Essa perspectiva admite um trabalho de enfermagem
centrado no cuidado baseado na cultura, nas crenças de
saúde e doença, nos valores e práticas das pessoas para
ajudá-las a manter ou recuperar sua saúde, fazer frente
a suas incapacidades ou à sua morte.6
De forma abrangente, o cuidar é o modo de ação para
ajudar as pessoas de diversas culturas, enquanto o
cuidado foi o fenômeno a ser entendida e ações de
orientação.
A visão de mundo, linguagem, religião, contexto social,
político, educacional, econômico exercem influência
sobre os valores, crenças e práticas do cuidado cultural.
Com relação a esses fatores, Madeleine Leininger6
propõe buscar as diversidade e universalidade; para ela,
o cuidado só será culturalmente congruente quando os
valores, bem como os cuidados culturais, dos grupos,
família ou indivíduos forem conhecidos.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012
131
O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural
Por meio das observações feitas e suas diferenças, pôde
relacionar o cuidar aos padrões culturais. O cuidar passa
a ser desenvolvido e decidido sob a visão das pessoas,
e não mais sob a visão do enfermeiro.8 Essa nova visão
proporciona aos enfermeiros uma forma nova de
cuidar, bem como de entender os indivíduos, famílias e
culturas.
Observa-se a importância do cuidado e da cultura
caminharem sempre juntos no processo de avaliação e
cuidado de enfermagem. A partir do cuidado popular,
cultural, é estabelecido o cuidado de enfermagem.
O cuidado se desenvolve entre pessoas. Identificando
a relação enfermeiro-paciente, percebe-se que este
troca conhecimento, habilidade técnica e sensibilidade
e ajuda o outro a crescer. O profissional enfermeiro,
ao cuidar, está se desenvolvendo profissional e
pessoalmente. No âmbito da saúde da mulher, essa
relação está impregnada de valores, crenças e atitudes
que nascem e se transformam no convívio social e da
comunidade. Quando pensamos na mulher, devemos
refletir que esta é fruto de uma sociedade e de valores
culturais que vão delinear sua história de vida.12 Deve-se
adequar os cuidados praticados assistencialmente com
a forma de viver de cada grupo, portanto, ao se propor
determinado tipo de cuidado, deve-se atentar para as
necessidades e prioridades de cada grupo assim como
de seu interesse. O ambiente sofre influência cultural,
portanto, o enfermeiro deve analisá-lo para prover um
cuidado culturalmente congruente.11,13
O cuidado cultural é prestado com base em valores,
crenças e modos de vida que são objetiva e subjetivamente
apreendidos e transmitidos por quem assiste, apoia,
facilita ou capacita outro indivíduo ou grupo a manter
seu bem-estar, sua saúde, a melhorar sua condição e seu
modo de vida humano, ou lidar com a doença, deficiência
ou morte.6
Uma Teoria de Enfermagem deve levar em consideração
o desenvolvimento criativo dos indivíduos, famílias,
grupos, com suas práticas, valores, impressões, crenças
e ações baseadas em seu estilo de vida e cultura,
para procurar uma assistência de enfermagem eficaz,
satisfatória e coerente do ponto de vista cultura.13
Levando-se em consideração a cultura dos grupos
sociais, a enfermagem, além de compor um grupo
detentor de determinada cultura, interage com o
outro – individual ou social – por meio de seu objeto
de trabalho, que é o cuidar/cuidado. Dessa forma, o
cuidar não está restrito a mero ato, tarefa destinada à
intervenção de determinada disfunção orgânica, mas,
sim, a ações promotoras de um equilíbrio universal do
ser humano. O sentido transcultural nos remete a uma
visão de multifatoriedade e causalidade no processo
saúde-doença. Assim, a essência da enfermagem é uma
prática cultural e holística voltada para o ser humano.
A prática do cuidado sofrerá, o tempo todo, influência da
cultura individual ou coletiva, podendo esta repercutir
de forma positiva ou negativa sob o cuidado prestado
ou ensinado.
132
O desenvolvimento da teoria da diversidade e
universalidade dos cuidados culturais é baseado
na convicção de que pessoas de culturas diferentes
podem oferecer informações e orientar os profissionais
a direcionar seus cuidados. Como a cultura determina
estilos de vida e vice-versa, o enfermeiro deve considerar
a existência do ser humano, com uma história de
vida, visão de mundo, modelos populares de saúde,
expressões de linguagem. Ou seja, admitir a existência
de um saber social que contribui para o direcionamento
da prática de enfermagem.8,11
Apesar da percepção, conhecimento e práticas
de cuidados diferenciados em diversas culturas
(diversidade), os cuidados podem apresentar elementos
comuns entre si (universalidade).
Assim, dar voz às mulheres nos serviços de saúde
permite o conhecimento de suas histórias e a elaboração
de ações que atendam às suas reais necessidades, pois,
assim como a enfermagem exerce influência na saúde da
mulher, esta também interfere na enfermagem com suas
concepções de mundo. É com base no conhecimento
das realidades individuais e sociais que a enfermagem
busca embasamentos para o planejamento das ações
do seu cuidar. E se entendemos que cuidar é um ato
social, a busca do equilíbrio dessa relação traz, também,
um equilíbrio social, tendo, assim, um potencial de
transformação das realidades assistenciais vigentes.
O MODELO SUNRISE
Alguns aspectos são fundamentais na Teoria Transcultural,
tais como cultura, cuidados, cuidados culturais, visão de
mundo, sistemas de saúde e bem-estar tradicionais.
Quanto à cultura, podemos entendê-la como um conjunto de valores, crenças e normas referentes a práticas
de determinado grupo social. É responsável por orientar
o pensamento, as decisões e as ações de um indivíduo,
de maneira específica.
Os cuidados são a ajuda, o apoio e condutas estimuladoras
que facilitam ou melhoram a situação de uma pessoa. É
fundamental para a sobrevivência o desenvolvimento e
a capacidade de enfrentar as situações de vida.
Os cuidados culturais são valores e crenças que
auxiliam o grupo de indivíduos a manter seu bem-estar,
melhorar suas condições pessoais, enfrentar a morte e
a incapacidade.
Nos cuidados culturais, Madeleine Leininger6 ainda
apresentou um desafio de desenvolver as ações do cuidar a
partir do olhar das pessoas como comunidade e não da visão
do enfermeiro. Existem três modalidades para a realização
do cuidado cultural ou, também, podemos entender
como modos de atuação da enfermagem: preservação
e/ou manutenção do cuidado cultural; acomodação e/
ou negociação do cuidado cultural; repadronização ou
reestruturação do cuidado cultural.8,14
A visão de mundo, para a teórica6 depende de uma
estrutura social (religião, educação, cultura) e de
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um contexto ambiental (um acontecimento, uma
experiência, emocional ou física que confere significado
às expressões humanas). E as dimensões estruturais
culturais e sociais apresentam características dinâmicas
em determinado grupo ou sociedade. O contexto
ambiental refere-se às experiências particulares, que
dão sentido a expressões, interpretações e interações
sociais. Os sistemas de saúde referem-se aos cuidados
e às práticas de cuidados, que têm significados distintos
em diferentes culturas.
O modelo proposto por Leininger6 é utilizado para
estudos que ressaltam a importância de serem estudadas
pessoas do seu ponto de vista e conhecimentos locais
(EMIC) para posteriormente ser contrastado com fatores
externos (ETIC). Admite, assim, o uso da etnoenfermagem,
etnografia, história de vida e fenomenologia.8
O Modelo Sunrise é o esquema gráfico utilizado para
descrever e ilustrar os principais componentes da Teoria
Transcultural.6-8
Esse modelo consta de quatro níveis, sendo:
• Nível I: representativo da visão de mundo e sistemas
sociais, possibilitando a compreensão dos atributos
dos cuidados em três perspectivas: microperspectiva
(indivíduos de uma cultura), perspectiva média
(fatores mais complexos de uma estrutura específica),
macroperspectiva (fenômenos transversais em diversas
culturas).
• Nível II: proporciona informações sobre os indivíduos,
sobre uma família, bem como sobre significados e
expressões específicas relacionadas com o cuidado
de saúde.
• Nível III: proporciona informações sobre s sistemas
tradicionais e profissionais, incluindo a enfermagem,
que atuam em uma cultura e permite a identificação
da diversidade e universalidade dos cuidados
culturais;
• Nível IV: determina o nível de decisões dos cuidados de
enfermagem, incluindo a preservação, a acomodação
e a repadronização do cuidado cultural. Nesse nível,
ocorrem os cuidados culturalmente coerentes.
Fonte: Leopardi, 1999.
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133
O cuidado à mulher na contemporaneidade: reflexões teóricas para o exercício da enfermagem transcultural
Essa forma de entender saúde nos coloca numa situação
de igual para igual com nosso cliente, rompendo com
o velho paradigma de que o profissional de saúde é o
detentor do saber e o paciente/cliente desprovido de
qualquer conhecimento. Ao reconhecermos a existência
desse saber social, transcendemos velhos conceitos
de saúde e doença e nos lançamos para uma nova
perspectiva de enfermagem que vai para adiante de um
modelo intervencionista e curativo.
A prática assistencial à mulher analisada sob o aspecto
da coletividade é influenciada o tempo todo pela
bagagem cultural que recebe em seus grupos sociais,
bem como na família. A prática do cuidado sofrerá, o
tempo todo, influência da cultura individual ou coletiva,
podendo esta repercutir de forma positiva ou negativa
sob o cuidado prestado ou ensinado.
Ao admitirmos que o contexto da saúde da mulher é
impregnado de questões sociais, econômicas, inclusive
influenciando seu estilo de vida e determinados
comportamentos, também podemos dizer que a
enfermagem, ao reconhecer essa realidade, pode
contribuir para uma ação de transformação social.
A TEORIA DE LEININGER APLICADA À SAÚDE DA
MULHER
A enfermagem no contexto da coletividade é um dos
instrumentos de ação social para a promoção da saúde.
A enfermagem, exercida como prática social, integra-se
às práticas dos demais trabalhadores em saúde.1
A prática de enfermagem baseia suas ações no cuidar do
ser humano em sua integralidade. Ao admitirmos que o
contexto da saúde da mulher é impregnado de questões
sociais, econômicas, influenciando até mesmo seu estilo
de vida e determinados comportamentos, também
podemos dizer que a enfermagem, ao reconhecer
essa realidade, pode contribuir para uma ação de
transformação social.
A enfermagem procura equilibrar as necessidades do
indivíduo para mantê-lo em uma situação de saúde. É
com base em seu conhecimento técnico-científico (físico,
químico e biológico) e psicossocial que a enfermagem
desempenha esse papel. A enfermagem reconhece o
ser humano como membro de uma família e de uma
comunidade.8
Ao refletirmos sobre tais afirmativas, podemos compreender o verdadeiro papel da enfermagem na saúde
coletiva: não mais como um agente de reabilitação de
uma disfunção orgânica, mas, sim, como verdadeiro
instrumento facilitador da manutenção de condições
adequadas de saúde de uma população. Revisitando tais
conceitos, também podemos refletir sobre o significado
do cuidar para a enfermagem como uma ação que
transcende o antigo modelo curativista e caminha para
um modelo mais preventivo e promotor da saúde, levando
em conta um conjunto de dimensões sociais.10
São muitos os casos em que os profissionais de saúde
enfrentam dificuldades na implementação do plano
134
de cuidados ao cliente. Tais dificuldades são geradas
pela não compreensão da cultura e, com isso, o
profissional se esquece de planejar o cuidado de
forma integral.15
No que se refere à saúde da mulher, é fundamental
que se conheça sua cultura, pelo simples fato de
que suas crenças e determinados saberes populares
estão intimamente ligados com o conhecimento
de antepassados, principalmente tratando-se da
maternidade, em que a sociedade a encaixa no papel de
“mãe” como sua principal função.
A mulher provém de uma família e de uma cultura, sendo
sua vida permeada por inúmeros acontecimentos.
O desenvolvimento de uma teoria que contempla a
diversidade e a universalidade dos cuidados culturais,
explica por que pessoas de culturas diferentes podem
oferecer informações e orientar os profissionais
a direcionarem seus cuidados. Como a cultura
determina estilos de vida, e vice-versa, o enfermeiro
deve considerar a existência do ser humano com
uma história de vida, visão de mundo, modelos
populares de saúde, expressões de linguagem. Ou
seja, a existência de um saber social contribui para
o direcionamento da prática de enfermagem. Essa
forma de entender saúde nos coloca numa situação
de igual para igual com nosso cliente, rompendo com
o velho paradigma de que o profissional de saúde é
o detentor do saber e o paciente/cliente desprovido
de qualquer conhecimento. Ao reconhecermos a
existência desse saber social, transcendemos velhos
conceitos de saúde e doença e nos lançamos em uma
nova perspectiva de enfermagem que ultrapassa um
modelo intervencionista/curativista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Teoria Transcultural traz à tona a importância do fator
cultura, capacitando o indivíduo ou grupo a efetuar
atividades segundo padrões definidos por uma variação
de crenças, valores e condições socioeconômicas em
uma sociedade. Ao aprofundarmos os estudos em
Leininger6, percebemos claramente sua aplicabilidade
à saúde coletiva e a contribuição que ela traz, de forma
bastante atual, para o entendimento de processos sociais
referentes à saúde da mulher.
Dessa forma, os constructos de Leininger6 fazem crer que
a Teoria Transcultural é aplicável para a compreensão
dos processos que envolvem as questões de gênero e a
condição feminina no contexto da coletividade.
Ao admitirmos a importância do saber social, lançamonos em um novo modelo assistencial, fundamentado
nas necessidades específicas e culturais desses
grupos. Faz-se necessário, então, o aperfeiçoamento
e o envolvimento do enfermeiro na incorporação de
novas formas de pensar e agir em saúde no âmbito da
assistência à mulher, respeitando-os como seres sociais,
detentores de conhecimentos.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012
A contemporaneidade impõe-nos grandes desafios como
profissionais de saúde, e não de doença. Conhecer e
transformar saberes e práticas em saúde torna-se uma
árdua tarefa. O “pensar a saúde” na atualidade requer
espaços de negociação, na busca de estratégias inclusivas
e transformadoras da realidade de saúde vigente.
Assim, com base no conhecimento das realidades
individuais e sociais, a enfermagem amplia sua
compreensão diante dos processos de saúde e doença,
fundamentando sua prática e suas formas de cuidar da
mulher na coletividade.
Conhecendo as realidades individuais e sociais, a
enfermagem pode vir a buscar melhor entendimento dos
processos de saúde e doença e melhor embasamento
para a prática de seu cuidar da mulher, em suas diversas
fases da vida.
Desse modo, o enfermeiro é convidado a desenvolver
sua sensibilidade cultural, de modo que possa adequar
seu cuidado às diversas características da religiosidade,
da moralidade e outras particularidades que vão ser base
para a implementação integral do cuidado, construindo
com a mulher o processo de cuidar.
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organizadores. Um encontro da enfermagem com o adolescente brasileiro. Brasília: ABEn/ Governo Federal; 2000.
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12. Poli MC. O Processo de Aleitamento Materno do Cuidado Cultural de Enfermagem. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC; 2000.
13. Welch AZ, Alexander JE, Beagle CJ, et al. Madeleine Leininger: cuidados culturales: teoría de la diversidad y la universalidad. In: Tomey AM;
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Nery Rev Enferm. 2009 out-dez; 13(4): 772-9.
Data de submissão: 1º/2/2011
Data de aprovação: 17/1/2012
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 129-135 jan./mar., 2012
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PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA CUIDADORES DE IDOSOS: UM
OLHAR DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA FREIREANA
HEALTH EDUCATION PRACTICES FOR ELDERLY CAREGIVERS: A LOOK AT NURSING FROM PAULO
FREIRE’S PERSPECTIVE
PRÁCTICAS DE EDUCACIÓN EN SALUD PARA CUIDADORES DE ANCIANOS: MIRADA DE ENFERMERÍA
DESDE LA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE
Roberta Fortes Santiago1
Maria Helena Barros Araújo Luz 2
RESUMO
Diante do envelhecimento populacional que ocorre no Brasil, é possível observar o aumento das doenças crônicas não
transmissíveis, as maiores responsáveis por incapacidades e dependências, passando a ter destaque os cuidadores de
idosos que, para exercerem o cuidado, necessitam ser orientados e acompanhados por meio de atividades educativas.
Cabe aos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros, a execução dessas práticas. Com este trabalho, objetiva-se
refletir sobre as práticas de Educação em Saúde realizadas pelos enfermeiros com os cuidadores de idosos, na perspectiva
problematizadora e libertadora de Paulo Freire. Muitas vezes a educação desenvolvida é realizada desconectada da
realidade na qual se encontra inserida essa população. No desenvolvimento das práticas educativas, os profissionais
devem passar confiança para que, sob um prisma humanizado, possam conquistar os cuidadores e, assim, ocorrer um
diálogo claro e construtivo entre educador-educando. A teoria freireana preza pelo respeito, tanto do senso comum
como da capacidade criadora do educando, por meio da defesa e incentivo da curiosidade ingênua, que se transforma
em pergunta, que leva à problematização da realidade. Isso resulta na curiosidade epistemológica e, consequentemente,
na reflexão crítica, e assim a consciência se criticiza. Com a ocorrência dessa superação, o indivíduo é capaz de
entender, analisar e enfrentar a realidade na qual está inserido, transformando-a. A incorporação das ideias freireanas,
principalmente pelos enfermeiros, pode proporcionar aos cuidadores de idosos a conscientização, o desenvolvimento
de uma reflexão crítica e, por sua vez, o desempenho melhor de suas ações.
Palavras-chave: Educação em Saúde; Enfermagem; Cuidadores.
ABSTRACT
The increase in chronic non-communicable diseases rate, which is the main cause of disabilities and dependencies, is
consequence of an aging population. In this context, elderly caregivers are of the upmost importance. To be able to provide
better care they need to be advised and guided through educational activities. It is the health professionals’ responsibility,
especially the nurses’, to implement such activities. This study aims at reflecting on the nurses’ health education practices
directed to elderly caregivers using Paulo Freire’s problematizing and liberating perspective. Often the education imparted is
disconnected from that population’s context. When developing their educational practices the professionals must transmit
confidence, and through a humanized approach, be able to captivate caregivers, establishing a clear and constructive
dialogue between teacher and student. The theory of Paulo Freire values the respect for both the common sense, and
the student’s creative capacity; it defends and encourages the naive curiosity that is changed into question that leads to
epistemological curiosity that turns into critical reflection, generating a critical consciousness. So the individual is capable
of understanding, analysing and confronting his/her given reality, and change it. The nurses’ assimilation of Freire’s ideas
can offer elderly caregivers awareness, a critical thinking, and consequently improve their performances.
Keywords: Health Education; Nursing; Caregivers.
RESUMEN
Ante el envejecimiento de la población en Brasil se observa aumento de enfermedades crónicas no transmisibles,
principales causantes de incapacidades y dependencias. Por ello se destacan los cuidadores de ancianos que necesitan
orientación y asistencia para ejercer su trabajo. Les corresponde a los profesionales de salud, especialmente a los enfermeros,
implementar dichas prácticas. Este trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre las prácticas de Educación en Salud
realizadas por enfermeros con cuidadores de ancianos desde la perspectiva liberadora de Paulo Freire. La educación a
menudo está desvinculada de la realidad en la que se inserta esta población. En el desarrollo de las prácticas educativas
los profesionales deben transmitir confianza, para que, dentro de un prisma humanizado, conquisten a los cuidadores
y que haya diálogo franco y constructivo entre profesores y alumnos. La pedagogía de Paulo Freire valora el respeto al
sentido común y a la capacidad creativa del estudiante cuya curiosidad ingenua se transforma en pregunta y conlleva
a la problematización de la realidad. Ello resulta en la curiosidad epistemológica y, a su vez, en reflexión y en conciencia
crítica. Con esta superación, el individuo es capaz de entender, analizar y confrontar la realidad en la que está insertado,
transformándola. La incorporación de las ideas de Freire, especialmente por enfermeros, puede concientizar a los
cuidadores de ancianos y desarrollar en ellos reflexión crítica para desempeñar mejor sus tareas.
Palabras clave: Educación en Salud; Enfermería; Cuidadores.
1
2
Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí. Enfermeira ambulatorial da Fundação Municipal de Saúde de Teresina-PI.
E-mail: [email protected]. Fone: (86)3213 3471/8841 8441. Endereço: Acarape, Rua Moisés Said, 2812.
Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery. Professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí.
Endereço para correspondência – Rua Moisés Said, 2812, Acarape, Teresina-PI – CEP: 64002-070 E-mail: [email protected].
136
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012
INTRODUÇÃO
Atualmente, é possível observar que o aumento da
população idosa brasileira acontece de forma rápida,
pois, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais
produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a expectativa de vida no Brasil cresceu
3,3 anos de 1998 a 2008, chegando à média de 73 anos.
No sexo masculino, a expectativa de vida aumentou
de 65,9 para 69,3 anos, enquanto no sexo feminino, de
73,6 para 76,8 anos. Apesar de a média de crescimento
nos últimos dez anos ter sido maior para os homens, as
mulheres têm uma situação mais favorável por viverem
em média mais que os homens.1
O envelhecimento demográfico, por sua vez, vem
ocasionado mudanças epidemiológicas que se
caracterizam pelo aumento da morbimortalidade
pelas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs),
patologias típicas de idades avançadas. Essas doenças
são as maiores responsáveis por incapacidades e
dependências, e com isso passam a ter destaque outros
atores, os envolvidos no cuidado à saúde, que são os
cuidadores de idosos.
Os cuidadores são indivíduos que assumem a responsabilidade de cuidar. Eles são fundamentais na assistência
a idosos no domicílio e representam o elo entre o ser
cuidado, a família e os serviços de saúde.2 Assim, para
prestar um atendimento adequado ao idoso no domicílio,
são necessários cuidadores bem orientados e preparados,
capazes de avaliar a pessoa cuidada quanto às suas
necessidades, potencialidades e limites, para que possam
gerenciar e executar seu autocuidado.
Cabe aos profissionais de saúde, sobretudo aos enfermeiros, o desenvolvimento de práticas de Educação em
Saúde com esses indivíduos que prestam o cuidado no
domicílio, uma vez que são eles que estão em contato
diário com o cliente, logo necessitam aprender e
adotar medidas para prevenir uma série de agravos e
incapacidades – por exemplo, as úlceras por pressão.
As práticas educativas correspondem a um dos eixos
norteadores da atuação do enfermeiro, como atividades
que são de sua competência que devem ser desenvolvidas
no cuidado de enfermagem em Saúde Pública, quer seja
em atividades em grupos, quer seja individualizada,
realizada na comunidade, no próprio domicílio, em
serviços de saúde vinculados à Atenção Básica, quer em
outros cenários.3
O objetivo com este trabalho foi refletir sobre as práticas
de Educação em Saúde realizadas pelos enfermeiros
com os cuidadores de idosos sob a perspectiva
problematizadora e libertadora de Paulo Freire.
EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ATENÇÃO BÁSICA:
INSERÇÃO DOS CUIDADORES
A atenção à saúde da família é uma atividade em franca
expansão em todo o mundo. Constitui a unidade de
referência para que seja implementada a Estratégia
Saúde da Família (ESF), criada inicialmente com a
denominação de Programa Saúde da Família (PSF),
implantada no Brasil em 1994. Trata-se de uma estratégia
inovadora no cenário dos serviços de saúde que prioriza
as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde
dos indivíduos e das famílias de forma integral, contínua
e participativa.4,5
A ESF tem suas ações baseadas na Atenção Básica,
que visa à reorganização das práticas assistenciais, em
substituição ao modelo hospitalocêntrico para outro
modelo centrado na família, com ações individuais
e coletivas em seu ambiente físico e social. Para o
enfermeiro desenvolver seu papel de educador é
fundamental a realização de Educação em Saúde, por
constituir uma ação inerente ao seu cuidado e por ser
um meio de vinculação dos profissionais e serviços com
a comunidade.
As práticas de Educação em Saúde devem respeitar
e valorizar a participação e a autonomia dos sujeitos
e possibilitar que sejam supridas suas necessidades,
carências, expectativas, anseios e dúvidas. No entanto,
o que se observa é que a educação desenvolvida, em
especial com as massas populares, muitas vezes é
realizada apenas como ato de transferência e depósito
de conteúdos, desconectados da realidade vivenciada
pelo sujeito e do contexto no qual se encontra inserida
essa população.
Na assistência a idosos no domicílio, os profissionais de
saúde da ESF não podem tratar a realidade como algo
isolado e estático, nem ter como foco de suas ações apenas
as alterações fisiopatológicas, pois é importante que se
considere o contexto psicoemocional, socioeconômico,
cultural e religioso no qual se encontram inseridos, os
riscos a que o idoso está sujeito, bem como a experiência
existencial do indivíduo e/ou de seus cuidadores. É preciso
considerar a realidade social que está pautada pela trama
das relações e das correlações de forças que formam a
totalidade social, buscando perceber as particularidades
na totalidade, porque nenhum fato ou fenômeno se
justifica por si mesmo, isolado do contexto social onde
é gerado e se desenvolve.6
É preciso nessa assistência que os profissionais de saúde
deem suporte aos cuidadores de idosos através de
Educação em Saúde para que haja o cuidado adequado,
visto que uma série de incapacidades leva os idosos à
dependência, evento esse que muitas vezes acontece
de forma inesperada. Por sua vez, em sua maioria, quem
assume o papel de cuidador principal são membros da
família ou pessoas leigas, assim, frequentemente os
indivíduos que executam o cuidado têm uma série de
dificuldade em exercê-los por decorrência da doença
de base que o idoso dispõe, da falta de experiência e
de recursos para o cuidar.
A Educação em Saúde é de extrema importância, visto
que, à medida que os saberes são trocados, se constrói,
conjuntamente, um novo saber; é justamente esse
processo que favorece a autonomia do educando.
Ao contrário da memorização do conteúdo narrado
pelo educador, que não possibilita a construção
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012
137
Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana
do conhecimento, visto que os educandos não são
chamados a conhecer, a refletir, a desvelar a realidade e
a se inserir criticamente nela.
A capacidade crítica do educando é constituída do
estímulo à sua curiosidade, que leva a indagação; do
respeito ao saber popular, que é baseado no senso
comum; e da concepção freireana. Esse saber é
denominado “curiosidade ingênua” e corresponde à
consciência. Essa curiosidade deve ser superada, em
vez de haver sua ruptura, que ocorre quando o saber
popular é desconsiderado e a superação corresponde,
justamente, à aliança entre o saber popular e o científico.
Essa forma de construção do conhecimento Freire
denomina “construção de um saber democrático”.7
O ato de cuidar, muitas vezes, é realizado com base
apenas no senso comum, visto que essa ação não
caracteriza o cuidador do idoso como profissional de
saúde. Por isso o cuidado a ser desenvolvido deve ser de
forma planejada com os profissionais de saúde da ESF,
para possibilitar a construção do saber democrático.
As práticas educativas, ainda nos dias atuais, ocorrem de
forma prescritiva, conservadora e normativa, ou seja, sem
levar em consideração o saber prévio do educando, e sim
a imposição do saber do educador sobre o educando, o
que corresponde apenas ao repasse de informações, e
alerta para a importância da realização de “verdadeiras
práticas” de Educação em Saúde, a qual deve ser realizada
tendo como base as necessidades, os interesses e as
potencialidades dos grupos populares, valorizando os
processos dialógicos e participativos baseados na troca
de experiências e no contexto sóciopolítico, econômico
e cultural dos sujeitos para proporcionar a construção
do saber democrático.3, 8
Nesse sentido, a ESF se mostra como uma estratégia
fragilizada, principalmente no que se refere ao suporte
que se deve dar a pacientes acamados, visto que
enfocam demasiadamente as ações voltadas para
a patologia. Em decorrência dessa fragilidade, os
cuidadores acabam assumindo responsabilidades no
que se refere à promoção da saúde e do bem-estar
do idoso sem ter o devido conhecimento, respaldo e
preparo técnico-científico. Isso favorece ao surgimento
de situações estressantes para esses cuidadores, em
decorrência da sobrecarga física e emocional.9
Além disso, há consequências para o idoso acamado,
que tem sua qualidade de vida diminuída dada a maior
exposição a riscos que comprometem suas condições
de saúde. Logo, torna-se necessário maior empenho
dos governantes para que haja, de fato, a efetivação da
ESF, principalmente no tocante ao cuidado domiciliar de
forma integralizada, para garantir ações voltadas para a
melhor qualidade de vida, tanto dos acamados como de
seus cuidadores, bem como das famílias no geral.
Torna-se urgente a reorganização dos serviços de saúde
no ambiente domiciliar com ênfase na promoção da
saúde baseada em práticas educativas, para identificar
as reais necessidades dos envolvidos e permitir, também,
a autonomia e a corresponsabilidade, a valorização da
138
subjetividade e a criação de vínculo. A ação educativa em
saúde é um processo dinâmico que tem como objetivo
a capacitação dos indivíduos e/ou grupos de clientes
e cuidadores em busca da melhoria das condições de
saúde e da qualidade de vida da população.10
É fundamental, portanto, que os profissionais de saúde
reconheçam que a concepção de saúde e doença dos
indivíduos é histórica e culturalmente formada, e que
mudar essa situação significa um (re)aprendizado,
tornando-se essencial a realização de práticas educativas
baseadas na aliança entre o saber popular e o saber técnico,
para que, assim, seja possível reconstruir o conceito do real
significado do cuidado para o cuidador.11
Nesse sentido, Freire considera fundamental que o
educador conheça o saber prévio do educando, bem
como reconheça a abertura à produção de novos
conhecimentos. Ele considera o ensinar e o aprender
momentos cíclicos, nos quais quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.
Salienta, ainda, a importância do ato de escutar, que
significa ir além da capacidade auditiva de cada um,
proporcionando a abertura à fala, aos gestos e às
diferenças do educando.7
EDUCAÇÃO LIBERTADORA E PROBLEMATIZADORA:
UM DESAFIO PARA A ENFERMAGEM
No desenvolvimento das práticas educativas, os
profissionais de saúde devem se fundamentar na
pedagogia libertadora e problematizadora de Paulo
Freire. Segundo essa teoria, o educador deve passar
confiança, para que, em um prisma humanizado, possa
conquistar o educando e, assim, ocorra um diálogo
claro e construtivo entre educador-educando, em
que ambos devem estar integrados na comunidade,
trabalhando não apenas a questão intelectual, mas o
desenvolvimento da investigação, seguida da crítica,
reflexão e transformação.12
O referido teórico considera que existem três tipos de
consciência: a semi-intransitiva, a ingênua-transitiva e
a crítica. A consciência semi-intransitiva é aquela que
é dominada, tem uma visão deturpada da realidade,
capta apenas os fatos que se encontraram na órbita de
sua própria existência; caracteriza-se pela quase imersão
na realidade, atribui a origem dos fatos a uma realidade
superior, denominada mágica, por estar fora da realidade
objetiva. Nela o homem assume uma posição mágica
diante do mundo e dos fatos, não consegue discernir a
verdadeira causa dos eventos, dada a limitação da sua
esfera de apreensão.6, 13
A consciência transitiva surge enquanto consciência
ingênua, também é dominada, mas tem uma visão
superficial da realidade oriunda do senso comum, o
poder de captação e de respostas surge no seu próprio
contexto, no entanto não consegue estabelecer uma
relação com o mundo e com os homens, logo não age
conscientemente por não estabelecer uma relação
reflexiva e crítica com o mundo e com os outros, vê
a realidade como algo estático, logo se caracteriza,
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012
principalmente, por aceitar a realidade como ela se
apresenta. Vale ressaltar que a relação dialogal que aí
se desenvolve não busca conhecer a causalidade dos
fatos, e sim se acomoda com explicações fabulosas dos
fatos.13,14
Freire menciona que esses níveis de consciência são
historicamente formados e podem ser historicamente
alterados por um processo de amadurecimento, no
qual a educação exerce papel essencial, de forma a
proporcionar a mudança social. Isso significa a passagem
da intransitividade e da transitividade para a consciência
crítica.14
A consciência crítica caracteriza-se, especialmente, por
perceber a causalidade dos fatos e pela profundidade na
interpretação dos problemas. Compreende a realidade
por uma reflexão profunda, é curiosa, interrogativa,
não se satisfaz com explicações mágicas, mas com
explicações fundamentadas, estimula tanto a reflexão
quanto a ação do homem sobre a realidade, promovendo
a transformação criadora. Assim, acredita que a realidade
é dinâmica, pode ser transformada.14, 15
No cuidado exercido pelos cuidadores aos idosos
acamados, é possível observar que muitas vezes a
consciência dominada se faz presente no que se refere
ao processo de saúde-doença, quer seja a intransitiva,
quer a transitiva. Isso acontece pelo fato de eles não
conseguirem estabelecer uma relação crítica e reflexiva
com o mundo e, assim, não são capazes de identificar
uma série de riscos a que o idoso acamado está
susceptível, dentre os quais, faz-se importante destacar,
os riscos à úlcera por pressão.
A educação libertadora e problematizadora prezase pelo respeito tanto do senso comum como pela
capacidade criadora do educando. Ela significa,
justamente, a superação da consciência semiintransitiva ou ingênua-transitiva para uma crítica por
meio da defesa e incentivo da curiosidade ingênua,
que se transforma em pergunta, problematização da
realidade. O resultado é a curiosidade epistemológica,
bem como a reflexão crítica, e assim a consciência se
criticiza, mudando de qualidade, não de essência. Com
a ocorrência dessa superação, o indivíduo é capaz de
entender, analisar e enfrentar a realidade na qual está
inserido, transformando-a.7
No processo educativo a ser desenvolvido pelos
profissionais de saúde, sobretudo pelos enfermeiros
com os cuidadores, é preciso que lhes proporcione
oportunidades de reflexão partindo da problematização
da sua realidade, das expressões do conhecimento
empírico prévio da situação em que se encontram
envolvidos, principalmente pelo fato de a maioria não ter
o conhecimento técnico-científico. Desse modo, devese buscar ampliar a visão desses cuidadores mediante
o estabelecimento de relações com o mundo e com os
outros. Tal ação viabiliza a conscientização, que orienta a
capacidade de transformação e melhorias na qualidade
do cuidado prestado. Isso porque esses indivíduos
são essenciais para a equipe de saúde, uma vez que
são provedores de cuidados e, por isso, necessitam
ser orientados e acompanhados, papel que cabe aos
profissionais da ESF.
Para que a Educação em Saúde seja eficaz, é preciso
que os enfermeiros incorporem as ideias freireanas e
tenham sempre em mente cinco conceitos que norteiam
a teoria libertadora e problematizadora freireana:
conscientização, práxis, diálogo, saber de experiência
feito e cultura.
Freire define conscientização como um ato de conhecimento e como prática da liberdade, uma aproximação
crítica da realidade; ou seja, é o processo no qual
se ultrapassa a esfera espontânea da apreensão da
realidade para se chegar a uma esfera crítica que vai
se desenvolver a partir do contato do homem com
o mundo, o que resulta em uma reflexão crítica da
relação consciência-mundo e na criação de uma nova
realidade.12 Esse processo não esgota a conscientização,
pelo contrário, é um processo permanente, pois a nova
realidade criada deve ser tomada como objeto pelo
indivíduo para uma nova reflexão crítica.
A conscientização, fenômeno tipicamente humano, é
possível a partir do momento em que a consciência se
torna reflexiva. As práticas educativas só podem levar
ao atendimento das necessidades humanas se elas
proporcionarem a conscientização dos homens, sua
humanização, a qual pretende a libertação dos homens
por meio de um processo que implica reflexão e ação
dos homens sobre o mundo para transformá-lo.6
A educação não pode se basear num depósito de
conteúdos, em uma consciência mecanicista, mas nos
homens como“corpus conscientes”e na consciência como
consciência intencionada ao mundo. É a consciência que
leva ao pensar autêntico, ou seja, ao pensar e atuar, que
conduz o homem a apoderar-se permanentemente
da realidade, levando-o a uma contínua revolução
cultural. Por isso Freire tem suas ideias centradas na
conscientização dos indivíduos, tanto do educador
quanto dos educandos, representados nesse contexto,
respectivamente, pelo profissional de saúde e cuidador
de idoso.
Quando as ideias freireanas são trazidas para o cotidiano
da prática educativa (cuidativa) dos profissionais de
saúde, pode-se, pela crítica e reflexão, ver transformados
ou reconstruídos saberes em um grupo que não tem
o conhecimento advindo do contexto acadêmicocientífico, ao mesmo tempo em que ele se apropria do
conhecimento que vem do universo comum.16 Nessa
perspectiva, a pessoa tem a oportunidade de pontuar
e refletir sobre os próprios veículos da educação em
saúde.
É de extrema importância que o educador, profissional
de saúde, especialmente os enfermeiros, na realização
de atividades educativas, desenvolvam um processo
dialógico que estimule a capacidade de pensar dos
educandos, os cuidadores de idosos, valorizando seus
conteúdos, o que representa a visão de mundo que o
indivíduo traz consigo, a partir de seu meio sociocultural
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 136-142 jan./mar., 2012
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Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana
e das suas experiências, para que estes sirvam de base
para o possível aprendizado de novas informações.
que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos
endereçados ao mundo a ser transformado.14
Assim, para que haja a conscientização sobre os
cuidados a desenvolver com o idoso, é fundamental
que as orientações técnicas baseadas no conhecimento
científico dos profissionais de saúde tenham como
ponto de partida a expressão do conhecimento que
os cuidadores já possuem, oriundo de suas vivências
e experiências, para ser utilizado como fio condutor
para despertar reflexões e gerar novos conhecimentos
e conscientização da sua atuação. Acredita-se que,
dessa forma, os cuidadores possam se perceber como
indivíduos que têm papel relevante no cuidado ao idoso,
especialmente na promoção de saúde e prevenção de
doenças e agravos.
O diálogo possibilita a permanente troca de
conhecimentos, é fundamental para proporcionar a
libertação dos homens, é uma exigência existencial, por
isso deve conservar a identidade do indivíduo respeitálo, além de ser realizado com o povo e não ao povo, ou
seja, por meio não da imposição do saber do educador,
e sim da associação desse saber com o popular, que
Freire denomina saber de experiência feito, o qual é
resultante da experiência sociocultural. Subestimar essa
experiência é ocultar a realidade objetiva, o que induz
ao erro científico.12
A conscientização não consiste apenas em estar perante
a realidade, mas leva os homens a não apenas “ser no
mundo”, mas “ser com o mundo”, proporcionando a
práxis, ou seja, o processo de transformação, pois ela
não existe fora da práxis.17
A práxis é considerada como a reflexão e a ação dos
homens sobre o mundo para transformá-lo, ou seja,
é um processo no qual se solidarizam o refletir e o
agir de seus sujeitos, o pensar crítico-reflexivo e a
transformação-ação.6 O homem é um ser de práxis. Por
ser capaz de comprometer-se, de agir, de refletir e, a
partir daí, mudar seu agir, pode refletir sobre si mesmo
e descobrir-se como um ser inacabado, em constante
busca de ser mais.18
Uma vez os cuidadores conscientizados sobre as
práticas de promoção de saúde, prevenção de doenças
e agravos que precisam adotar com os idosos, eles
devem sentir-se comprometidos em desenvolvê-las no
ambiente domiciliar. Essas práticas devem acontecer na
perspectiva dialógica entre o pensar e o fazer articuladas
com ações de supervisão, avaliação e monitorização dos
profissionais de saúde. Dessa forma, faz-se necessária
a atuação de uma equipe multiprofissional integrada
aos cuidadores para garantir a qualidade da assistência
prestada ao idoso acamado no domicílio.
Por sua vez, o diálogo que se dá por meio da palavra
constitui o meio para se buscar a práxis, ou seja, ação
e reflexão, por isso a palavra verdadeira é capaz de
transformar e humanizar os homens e o mundo.
Freire destaca que o diálogo não deve ser a forma
imperativa de transmissão do conhecimento, característica
do modelo tradicional, que só faz reforçar a dominação
cultural e política, impedindo a conscientização dos
homens, mas, segundo ele, consiste em uma relação
horizontal e não vertical entre as pessoas envolvidas e que
é a forma mais segura para a educação e a libertação de
todos os homens, opressores e oprimidos.19
A arte do diálogo se baseia na contraposição de ideias
que leva a outras ideias. A existência humana não
pode ser silenciosa nem nutrida de palavras falsas; a
práxis só pode ser obtida por palavras verdadeiras,
palavras que não se reduzem ao dizer sozinho nem ao
dizer para os outros, mas é o encontro dos homens em
140
O diálogo deve tomar como ponto de partida o
saber anterior das pessoas, o qual é construído das
suas experiências e vivências e possibilita a troca de
experiências e a construção do conhecimento entre o
saber técnico e popular daí a denominação educação
dialógica, é por meio dele que o saber anterior das
pessoas deve ser valorizado.3
A Educação em Saúde só é válida quando os profissionais
ensinam de maneira a provocar o ato de conhecimento
que os cuidadores têm, para que eles manifestem seu
saber de experiência feito, suas curiosidades e dúvidas,
para em seguida haver a superação desse conhecimento
de forma a torná-lo crítico; o que não é possível é o
desrespeito ao senso comum, tentar superá-lo sem
partir dele.
Dessa forma, vê-se a extrema importância da valorização
do saber de experiência feito, que representa a
compreensão de mundo que o indivíduo traz consigo,
nas mais variadas dimensões de sua prática social,
sendo impossível dicotomizar os saberes, o popular do
erudito.12 Entretanto, valorizar esse saber não significa
ficar girando em torno dele, mas envolve a passagem
do conhecimento ao nível do senso comum para o
conhecimento resultante de procedimentos mais
rigorosos de aproximação aos objetos cognoscíveis.
Os profissionais de saúde devem, como educadores,
desenvolver práticas de Educação em Saúde que
valorizem a história de vida, a autonomia e a
independência desses cuidadores, para que, assim,
possam expandir o conhecimento científico e cooperar
na construção de um pensamento mais crítico.10 Para tal
Freire12 defende que nas ações educativas é necessário
que o educador compreenda a realidade concreta dos
educandos, para que o ensino não se limite à pura
transferência mecânica de conteúdo. Em vez de falar ao
povo o educador deve falar com o povo, o que implica
o respeito ao saber de experiência feito.
A Educação em Saúde deve ser desenvolvida por todos
os profissionais da Saúde da Família, no entanto não
deve ser realizada de qualquer maneira. Ressalte-se
que as práticas educativas não devem se limitar às
alterações fisiopatológicas, mas ao indivíduo em sua
totalidade. Para que isso aconteça, é importante que
os profissionais de saúde da Atenção Básica abordem
assuntos relacionados à promoção da saúde e à
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prevenção de doenças, considerando o saber prévio
dos cuidadores, para que, então, possam problematizar
esse conhecimento e fazer com que eles desenvolvam
a consciência crítica, que necessita da valorização do
saber de experiência feito, logo do contexto cultural no
qual estão inseridos.
Nesse sentido, Freire destaca que para a conscientização
é preciso que o educador se familiarize com o saber
popular, a linguagem dos grupos populares, entenda
como o homem faz sua leitura do mundo, o que significa
a necessidade de compreensão da cultura dos indivíduos,
para que não imponha sua cultura à deles.12
O respeito ao saber popular implica, necessariamente, o
respeito ao contexto cultural, o entendimento do que é
cultura, ou seja, implica a compreensão das questões de
raça, sexo e do corte de classe, o que por sua vez significa
a linguagem, a forma de ser, de andar, de se vestir, os
gostos, os sonhos, religião, projetos e valores de um povo
que está relacionado com o contexto socioeconômico,
político e histórico em que vivem.12
Freire define cultura como o resultado da atividade
humana, do esforço criador e recriador do homem em
seu trabalho por transformar e estabelecer relações
de diálogo com outros homens.13 Assim é no ato de
estabelecer relações, de responder aos desafios, de
criticar, de incorporar ao seu próprio ser e de traduzir
por uma ação criadora da experiência humana feita
pelos homens que o rodeiam ou que o precederam que
o homem se cultiva e faz cultura.
Por isso o processo de educação exige que o educador
conheça a cultura dos seus educandos, caso contrário
dificilmente será capaz de conquistá-los. Perceber-se no
mundo é se perceber com o mundo e com os outros,
nele se inserindo, e para que isso ocorra é necessário
o conhecimento da cultura do indivíduo, pois só desse
modo é possível conquistá-lo e fazer com que ele se
conscientize da realidade e lute por sua transformação.7
Logo, o conhecimento, tanto o científico quanto
o cotidiano, é produção cultural. Os conteúdos da
experiência histórica do homem não estão consolidados
somente nas coisas materiais, mas, principalmente, nas
formas verbais de comunicação produzidas entre os
homens, que se caracteriza pelo contexto cultural no
qual estão inseridos.
Cabe aos profissionais de saúde que trabalham na
Atenção Básica (ESF) a atualização, a capacitação e o
preparo adequados para problematizar a educação e,
com isso, possibilitar o desenvolvimento da consciência
crítica dos educandos. Para tal, esses profissionais
devem ampliar a compreensão de saúde e entender seu
real significado, de maneira a ultrapassar a concepção
unicamente biológica, conceito não mais aceito desde
1978, ano em ocorreu, em âmbito internacional, a
Conferência de Alma Ata com enfoque nos cuidados
primários de saúde, em que a Organização Mundial de
Saúde declara que a saúde não corresponde apenas à
ausência de doenças, mas ao completo bem-estar físico,
mental e social.20
O saber biomédico voltado para o lado educativo,
tendo em vista a prevenção de doenças e a promoção
da saúde, desliga-se da perspectiva existencial do
sujeito doente por meio da focalização da atenção na
doença como entidade distinta e alheia ao sujeito. Como
consequência, esse saber ganha caráter prescritivo, não
se integrando ao universo vivenciado pelo sujeito.21
O referido autor salienta, ainda, que predominam, cada
vez mais, práticas educativas prescritivas baseadas na
supremacia do saber biomédico, em vez de práticas em
que deve haver a valorização cultural, representações,
religiões e crenças populares. Os saberes atuais adotados
nas ações educativas pelos profissionais de saúde
tendem a minimizar a autonomia dos sujeitos.
É necessário que esses profissionais se façam mais
presentes no dia a dia, para que possam ser notados e ter
seu papel educativo reconhecido. As práticas educativas
são inerentes ao cuidado de enfermagem em Saúde
Pública e devem ser realizadas com cautela, de modo
a valorizar o diálogo, a escuta ao outro, tendo como
ponto de partida o saber anterior das pessoas, uma vez
que todos adquirem conhecimento com base nas suas
experiências e vivências, além de dever possibilitar a troca
de conhecimento entre o saber técnico e o popular.20
A enfermagem é uma profissão essencialmente de
cuidar, portanto, deve desenvolver práticas educativas
com cuidadores de idosos acamados, especialmente na
ESF, de forma a orientar o cuidado a ser desenvolvido
por esses indivíduos. Para a realização de um cuidado
adequado, a enfermagem deve fornecer orientações de
maneira congruente e respeitosa em relação aos valores
culturais e estilo de vida dos idosos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, o que se observa nas práticas educativas
é que os cuidadores de idosos se enquadram no grupo
de oprimidos e os profissionais de saúde, no grupo de
opressores a que se refere Freire. Isso porque, em muitas
situações, esses profissionais permanecem fechados,
alheios, fazendo perpetuar a cultura do silêncio entre
os cuidadores ou a imposição de conceitos e ações
do cuidar.
Nas práticas de Educação em Saúde realizadas no
ambiente domiciliar, é necessário que os profissionais
da ESF estejam abertos e bem atentos com a pessoa
que cuida do idoso, pelo fato de terem a oportunidade
de analisar e avaliar as reais necessidades do cuidador,
do ser cuidado e do ambiente. O desenvolvimento da
problematização por meio da relação dialógica com os
cuidadores é fundamental para que haja a conscientização
desses indivíduos e, dessa forma, sejam evitados danos e
agravos à pessoa cuidada, tendo sempre a atenção para
o uso uma linguagem clara e de fácil entendimento, em
vez de termos técnico-científicos.
Logo, é preciso que esses profissionais tenham bastante
cautela na realização das práticas de educação em saúde,
evitando que esse processo ocorra de forma verticalizada,
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141
Práticas de Educação em Saúde para cuidadores de idosos: um olhar da enfermagem na perspectiva freireana
com um diálogo impositivo e autoritário. Devem,
portanto, possibilitar a construção do conhecimento
horizontalmente, baseado no conhecimento prévio do
cuidador e nas suas vivências com influências histórica,
cultural e social.
A incorporação das ideias freireanas por parte dos
profissionais de saúde da ESF, principalmente pelos
enfermeiros, que têm papel fundamental nessa
estratégia, pode proporcionar aos cuidadores de idosos a
conscientização, o desenvolvimento de uma reflexão crítica
e proporcionar melhor desempenho de suas ações.
A humanização dos cuidadores por meio de sua
libertação é a base da pedagogia de Freire, sendo ponto
fundamental nessa libertação o desenvolvimento da
Educação em Saúde, que possibilita a aliança de saberes
popular e profissional, bem como o estímulo à reflexão,
instrumentalização, aquisição e autonomia na condução
do cuidado. Nesse sentido, a abordagem crítico-reflexiva
de Freire é pertinente, porque discute a ação educativa
de forma inovadora, centrada no diálogo entre o
educador e o educando, em que sempre há partes de
um no outro.
REFERÊNCIAS
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2009. [Citado em: 2009 out. 15]. Disponível em: <<http://www.ibge.gov.br>>.
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[dissertação]. Belo Horizonte: UFMG/Escola de Enfermagem; 2007. 225p.
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Data de submissão: 10/9/2010
Data de aprovação: 14/2/2012
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Normas de publicação
REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
1 SOBRE A MISSÃO DA REME
A REME – Revista Mineira de Enfermagem é uma publicação da Escola de Enfermagem da UFMG em parceria com Faculdades, Escolas
e Cursos de Graduação em Enfermagem de Minas Gerais: Escola de Enfermagem Wenceslau Braz; Fundação de Ensino Superior do
Vale do Sapucaí; Fundação de Ensino Superior de Passos; Centro Universitário do Leste de Minas Gerais; Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Possui periodicidade trimestral e tem por finalidade contribuir para a produção, divulgação
e utilização do conhecimento produzido na enfermagem e áreas correlatas, abrangendo a educação, a pesquisa e a atenção à saúde.
2 SOBRE AS SEÇÕES DA REME
Cada fascículo, editado trimestralmente, terá a seguinte estrutura:
Editorial: refere-se a temas de relevância do contexto científico, acadêmico e político-social;
Pesquisas: incluem artigos com abordagem metodológicas qualitativas e quantitativas, originais e inéditas que contribuem para a
construção do conhecimento em enfermagem e áreas correlatas;
Revisão teórica: avaliações críticas e ordenadas da literatura em relação a temas de importância para a enfermagem e áreas
correlatas;
Relatos de experiência: descrições de intervenções e experiências abrangendo a atenção em saúde e educação;
Artigos reflexivos: textos de especial relevância que trazem contribuições ao pensamento em Enfermagem e Saúde;
Normas de publicação: instruções aos autores referentes à apresentação física dos manuscritos nos idiomas: português, inglês e
espanhol.
3 SOBRE O JULGAMENTO DOS MANUSCRITOS
Os manuscritos recebidos serão analisados pelo Conselho Editorial da REME, que se reserva o direito de aceitar ou recusar os trabalhos
submetidos. O processo de revisão – peer review – consta das etapas a seguir, nas quais os manuscritos serão:
a) protocolados, registrados em base de dados para controle;
b) avaliados quanto à apresentação física – revisão inicial quanto aos padrões mínimos de exigências da REME (folha de rosto com
identificação dos autores e títulos do trabalho) e a documentação; podendo ser devolvido ao autor para adequação às normas antes
do encaminhamento aos consultores;
c) encaminhados ao Editor-Geral, que indica o Editor Associado, que ficará responsável por indicar dois consultores em conformidade
com as áreas de atuação e qualificação;
d) remetidos a dois revisores especialistas na área pertinente, mantidos em anonimato, selecionados de um cadastro de revisores,
sem identificação dos autores e o local de origem do manuscrito. Os revisores serão sempre de instituições diferentes da instituição
de origem do autor do manuscrito.
e) Após receber ambos os pareceres, o Editor Associado avalia e emite parecer final, e este é encaminhado ao Editor-Geral, que decide
pela aceitação do artigo sem modificações, pela recusa ou pela devolução aos autores com as sugestões de modificações. Cada versão
é sempre analisada pelo Editor-Geral, responsável pela aprovação final.
4 SOBRE A APRESENTAÇÃO DOS MANUSCRITOS
4.1 Apresentação gráfica
Os manuscritos devem ser encaminhados gravados em disquete ou CD-ROM, utilizando programa "Word for Windows", versão 6.0 ou
superior, fonte "Times New Roman", estilo normal, tamanho 12, digitados em espaço 1,5 entre linhas, em duas vias impressas em papel
padrão ISO A4 (212 x 297mm), com margens de 2,5 mm, padrão A4, limitando-se a 20 laudas, incluindo as páginas preliminares, texto,
agradecimentos, referências e ilustrações.
4.2 As partes dos manuscritos
Todo manuscrito deverá ter a seguinte estrutura e ordem, quando pertinente:
a) Páginas preliminares:
Página 1: Título e subtítulo – nos idiomas: português, inglês, espanhol; Autor(es): nome completo acompanhado da profissão,
titulação, cargo, função e instituição, endereço postal e eletrônico do autor responsável para correspondência; Indicação da Categoria
do artigo: Pesquisa, Revisão Teórica , Relato de Experiência, Artigo Reflexivo/Ensaio.
Página 2: Título do artigo em português; Resumo e palavras-chave; Abstract e Key words; Resumen e Palabras clave. (As Palavraschave (de três a seis), devem ser indicadas de acordo com o DECS – Descritores em Ciências da Saúde/BIREME), disponível em: <http://
decs.bvs.br/>.
O resumo deve conter até 250 palavras, com espaçamento simples em fonte com tamanho 10.
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Página 3: a partir desta página, apresenta-se o conteúdo do manuscrito precedido pelo título em português, que inclui:
b) Texto: – introdução;
– desenvolvimento (material e método ou descrição da metodologia, resultados, discussão e/ou comentários);
– conclusões ou considerações finais;
c) Agradecimentos (opcional);
d) Referências como especificado no item 4.3;
e) Anexos, se necessário.
4.3 Sobre a normalização dos manuscritos:
Para efeito de normalização, serão adotados os Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de
Vancouver). Esta norma poderá ser encontrada na íntegra nos endereços:
em português: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html>
em espanhol: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm>
em inglês: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html>
As referências são numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto.
As citações no texto devem ser indicadas mediante número arábico, sobrescrito, correspondendo às referências no final do artigo.
Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o “Journals Database” – Medline/Pubmed, disponível em: <http://www.ncbi.
nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> ou com o CCN – Catálogo Coletivo Nacional, do Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia (IBICT), disponível em: <http://www.ibict.br.>
As ilustrações devem ser apresentadas em preto & branco imediatamente após a referência a elas, em conformidade com a Norma de
apresentação tabular do IBGE, 3ª ed. de 1993 . Em cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (TAB.
1, FIG. 1, GRÁF 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente
claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deverão ser mencionadas entre
parênteses, indicando a categoria e o número da ilustração. Ex. (TAB. 1).
As abreviaturas, grandezas, símbolos e unidades devem observar as Normas Internacionais de Publicação. Ao empregar pela primeira
vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo quando se tratar de uma unidade de medida
comum.
As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métrico decimal (metro, quilo,
litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas, em graus Celsius. Os valores de pressão arterial, em milímetros de mercúrio.
Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais.
Os agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências.
5 SOBRE O ENCAMINHAMENTO DOS MANUSCRITOS
Os manuscritos devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento contendo nome do(s) autor(es), endereço para correspondência,
e-mail, telefone, fax e declaração de colaboração na realização do trabalho e autorização de transferência dos direitos autorais para a
REME. (Modelos disponíveis em www.enf.ufmg.br/reme)
Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo seres humanos, deverá ser encaminhada uma cópia de aprovação emitido
pelo Comitê de Ética reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), segundo as normas da Resolução do Conselho
Nacional de Saúde (CNS/196/96).
Para os manuscritos resultados de pesquisas envolvendo apoios financeiros, estes deverão estar claramente identificados no manuscrito
e o(s) autor(es) deve(m) declarar, juntamente com a autorização de transferência de autoria, não possuir(em) interesse(s) pessoal,
comercial, acadêmico, político ou financeiro no manuscrito.
Os manuscritos devem ser enviados para:
At/REME – Revista Mineira de Enfermagem
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6 SOBRE A RESPONSABILIZAÇÃO EDITORIAL
Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Editorial.
A REME não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos.
(Versão de setembro de 2007)
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Publication norms
REME – REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM
INSTRUCTIONS TO AUTHORS
1. THE MISSION OF THE MINAS GERAIS NURSING MAGAZINE – REME
REME is a journal of the School of Nursing of the Federal University of Minas Gerais in partnership with schools and undergraduate
courses in Nursing in the State of Minas Gerais, Brazil: Wenceslau Braz School of Nursing, Higher Education Foundation of Vale do
Sapucaí, Higher Education Foundation of Passos, University Center of East Minas Gerais, Nursing College of the Federal University of
Juiz de Fora. It is a quarterly publication intended to contribute to the production, dissemination and use of knowledge produced in
nursing and similar fields covering education, research and healthcare.
2. REME SECTIONS
Each quarterly edition is structured as follows:
Editorial: raises relevant issues from the scientific, academic, political and social setting.
Research: articles with qualitative and quantitative approaches, original and unpublished, contributing to build knowledge in nursing
and associated fields.
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Critical reflection: texts with special relevance bringing contributions to nursing and health thinking.
Publication norms: instructions to authors on the layout of manuscripts in the languages: Portuguese, English and Spanish.
3. EVALUATION OF MANUSCRIPTS
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e) After receiving both opinions, the General Editor and the Executive Diretor evaluate and decide to accept the article without
alterations, refuse or return to the authors, suggesting alterations. Each copy is always reviewed by the General Editor or the Executive
Diretor who are responsible for final approval.
4. LAYOUT OF MANUSCRIPTS
4.1 GRAPHICAL LAYOUT
Manuscripts are to be submitted on diskette or CD-ROM in Word for Windows, version 6.0 or higher, Times New Roman normal, size 12,
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acknowledgement, references and illustrations.
4.2 PARTS OF THE MANUSCRIPTS
Each manuscript should have the following structure and order, whenever relevant:
REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 103
a) Preliminary pages:
Page 1: title and subtitle – in Portuguese, English and Spanish. Authors: full name, profession, qualifications, position and institution,
postal and electronic address of the author responsible for correspondence. Indication of paper category: Research, Review of Theory,
Report of Experience, Critical Reflection/Essay.
Page 2: Title of article in Portuguese; Resumo e palavras-chave; Abstract and key-words; Resumen e palavras clave (Key words - 3 to
6 – should agree with the Health Science Descriptors/BIREME, available at http://decs.bvs.br/ .
The abstract should have up to 250 words with simple space, font size 10.
remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012
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Page 3: the content of the paper begins on this page, starting with the title in Portuguese, which includes:
b) Text:
• Introduction;
• Main body (material and method or description of methodology, results, discussion and/or comments);
• Conclusions or final comments.
c) Acknowledgements (optional);
d) References as specified in item 4.3
e) Appendices, if necessary.
4.3 REQUIREMENTS FOR MANUSCRIPTS:
The requirements are those of the International Committee of Medical Journal Editors (Vancouver Norm), which can be found in full
at the following sites:
Portuguese: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html>
Spanish: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formacion/vancouver.htm>
English: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html>
References are numbered in the same order in which they are mentioned for the first time in the text.
Quotations in the text should be numbered, in brackets, corresponding to the references at the end of the article.
The titles of journals are abbreviated according to “Journals Database” – Medline/Pubmed, available at: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
entrez/ query. fcgi? db=Journals> or according to the CCN – National Collective Catalogue of the IBICT- Brazilian Information Institute
in Science and Technology, available at: <http://www.ibict.br.>
Illustrations should be sent in black and white immediately after the reference in the text, according to the tabular presentation norm
of IBGE, 3rd ed. of 1993. Under each category they should be numbered sequentially in the text. (Example: TAB 1, FIG. 1, GRÁF 1). Each
illustration should have a title and the source. Headings and titles should be clear and understandable, without the need to consult the
text. References to illustrations in the text should be in brackets, indicating the category and number of the illustration. Ex. (TAB. 1).
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Escola de Enfermagem da UFMG
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CEP.: 30130-100 Belo Horizonte - MG – Brasil - Telefax.: 55(31) 3409-9876 – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 104
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6. EDITORS RESPONSIBILITY
Further issues will be decided by the Editorial Council.
REME is not responsible for the opinions stated in articles.
(September version, 2007)
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remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012
Normas de publicación
REME – REVISTA DE ENFERMERÍA DEL ESTADO DE MINAS GERAIS
INSTRUCCIONES A LOS AUTORES
1. SOBRE LA MISIÓN DE LA REVISTA REME
REME – Revista de Enfermería de Minas Gerais – es una publicación trimestral de la Escuela de Enfermería de la Universidad Federal
de Minas Gerais – UFMG – conjuntamente con Facultades, Escuelas y Cursos de Graduación en Enfermería del Estado de Minas Gerais:
Escuela de Enfermería Wenceslao Braz; Fundación de Enseñanza Superior de Passos; Centro Universitario del Este de Minas Gerais;
Facultad de Enfermería de la Universidad Federal de Juiz de Fora – UFJF. Su publicación trimestral tiene la finalidad de contribuir a la
producción, divulgación y utilización del conocimiento generado en enfermería y áreas correlacionadas, incluyendo también temas
de educación, investigación y atención a la salud.
2. SOBRE LAS SECCIONES DE REME
Cada fascículo, editado trimestralmente, tiene la siguiente estructura:
Editorial: considera temas de relevancia del contexto científico, académico y político social;
Investigación: incluye artículos con enfoque metodológico cualitativo y cuantitativo, originales e inéditos que contribuyan a la
construcción del conocimiento en enfermería y áreas correlacionadas;
Revisión teórica: evaluaciones críticas y ordenadas de la literatura sobre temas de importancia para enfermería y áreas
correlacionadas;
Relatos de experiencias: descripciones de intervenciones que incluyen atención en salud y educación;
Artículos reflexivos: textos de especial relevancia que aportan al pensamiento en Enfermería y Salud;
Normas de publicación: instrucciones a los autores sobre la presentación física de los manuscritos en los idiomas portugués, inglés y español.
3. SOBRE CÓMO SE JUZGAN LOS MANUSCRITOS
Los manuscritos recibidos son analizados por el Cuerpo Editorial de la REME, que se reserva el derecho de aceptar o rechazar los trabajos
sometidos. El proceso de revisión – paper review – consta de las siguientes etapas en las cuales los manuscritos son:
a) protocolados, registrados en base de datos para control;
b) evaluados según su presentación física – revisión inicial en cuanto a estándares mínimos de exigencias de la R.E.M.E ( cubierta con
identificación de los autores y títulos del trabajo) y documentación ; el manuscrito puede devolverse al autor para que lo adapte a las
normas antes de enviarlo a los consultores;
c) enviados al Editor General que indica el Editor Asociado que será el responsable por designar dos consul¬tores de conformidad con
el área.
d) remitidos a dos revisores especilistas en el área pertinente, manteniendo el anonimato, seleccionados de una lista de revisores, sin
identificación de los autores y del local de origen del manuscrito. Los revisores siempre serán de instituciones diferentes a las de origen
del autor del manuscrito.
e) después de recibir los dos pareceres, el Editor General y el Diretor Ejecutivo los evalúan y optan por la aceptación del artículo sin
modificaciones, por su rechazo o por su devolución a los autores con sugerencias de modificaciones. El Editor General y/o el Diretor
Ejecutivo, a cargo de la aprobación final, siempre analizan todas las versiones.
4. SOBRE LA PRESENTACIÓN DE LOS MANUSCRITOS
4.1 PRESENTACIÓN GRÁFICA
Los manuscritos deberán enviarse grabados en disquete o CD-ROM, programa “Word for Windows”, versión 6.0 ó superior, letra “Times
New Roman”, estilo normal, tamaño 12, digitalizados en espacio 1,5 entre líneas, en dos copias impresas en papel estándar ISO A4
(212x 297mm), con márgenes de 25mm, modelo A4, limitándose a 20 carillas incluyendo páginas preliminares, texto, agradecimientos,
referencias, tablas, notas e ilustraciones. – REME – Rev. Min. Enf.; 11(1): 99-107, jan/mar, 2007 106
4.2 LAS PARTES DE LOS MANUSCRITOS
Los manuscritos deberán tener la siguiente estructura y orden, cuando fuere pertinente:
a) páginas preliminares:
Página 1: Título y subtítulo en idiomas portugués, inglés y español; Autor(es): nombre completo, profesión, título, cargo, función
e institución; dirección postal y electrónica del autor responsable para correspondencia; Indicación de la categoría del artículo:
investigación, revisión teórica, relato de experiencia, artículo reflexivo/ensayo.
Página 2: Título del artículo en portugués; Resumen y palabras clave. Las palabras clave (de tres a seis) deberán indicarse en conformidad
con el DECS – Descriptores en ciencias de la salud /BIREME), disponible en: http://decs.bvs.br/.
El resumen deberá constar de hasta 250 palabras, con espacio simple en letra de tamaño 10.
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Página 3: a partir de esta página se presentará el contenido del manuscrito precedido del título en portugués que incluye:
b) Texto: – introducción;
• desarrollo (material y método o descripción de la metodología, resultados, discusión y/o comen¬tarios);
• conclusiones o consideraciones finales;
c) Agradecimientos (opcional);
d) Referencias como se especifica en el punto 4.3;
e) Anexos, si fuere necesario.
4.3 SOBRE LA NORMALIZACIÓN DE LOS MANUSCRITOS:
Para efectos de normalización se adotarán los Requisitos del Comité Internacional de Editores de Revistas Médicas (Norma de Vancouver).
Esta norma se encuentra de forma integral en las siguientes direcciones:
En portugués: <http://www.bu.ufsc.br/ccsm/vancouver.html>
En español: <http://www.enfermeriaencardiologia.com/formación/vancouver.htm>
En inglés: <http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html>
Las referencias deberán enumerarse consecutivamente siguiendo el orden en el que se mencionan por primera vez en el texto.
Las citaciones en el texto deberán indicarse con numero arábico, entre paréntesis, sobrescrito, correspondiente a las referencias al final
del articulo.
Los títulos de las revistas deberán abreviarse de acuerdo al “Journals Database” Medline/Pubmed, disponible en: <http://www.ncbi.
nlm.nih.gov/entrez/ query. fcgi? db=Journals> o al CCN – Catálogo Colectivo Nacional, del IBICT- Ins¬tituto Brasileño de Información
en Ciencia y Tocología, disponible en: <http://www.ibict.br.>
Las ilustraciones deberán presentarse en blanco y negro luego después de su referencia, en conformidad con la norma de presentación
tabular del IBGE , 3ª ed. , 1993. Dentro de cada categoría deberán enumerarse en secuencia durante el texto. Por ej.: (TAB.1, FIG.1,
GRAF.1). Cada ilustración deberá tener un titulo e indicar la fuente de donde procede. Encabezamientos y leyendas deberán ser lo
suficientemente claros y comprensibles a fin de que no haya necesidad de recurrir al texto. Las referencias e ilustraciones en el texto
deberán mencionarse entre paréntesis, con indicación de categoría y número de la ilustración. Por ej. (TAB.1).
Las abreviaturas, cantidades, símbolos y unidades deberán seguir las Normas Internacionales de Publicación. Al emplear por primera
vez una abreviatura ésta debe estar precedida del término o expresión completos, salvo cuando se trate de una unidad de medida
común.
Las medidas de longitud, altura, peso y volumen deberán expresarse en unidades del sistema métrico decimal (metro, kilo, litro) o sus
múltiplos y submúltiplos; las temperaturas en grados Celsius; los valores de presión arterial en milímetros de mercurio. Las abreviaturas
y símbolos deberán seguir los estándares internacionales.
Los agradecimientos deberán figurar en un párrafo separado, antes de las referencias bibliográficas.
5. SOBRE EL ENVÍO DE LOS MANUSCRITOS
Los manuscritos deberán enviarse juntamente con el oficio de envío, nombre de los autores, dirección postal, dirección electrónica y fax
así como de la declaración de colaboración en la realización del trabajo y autorización de transferencia de los derechos de autor para la
revista REME. (Modelos disponibles en: www.enfermagem.ufmg.br/reme)
Para los manuscritos resultados de trabajos de investigación que involucren seres humanos deberá enviarse una copia de aprobación
emitida por el Comité de Ética reconocido por la Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) – Comisión Nacional de Ética en
Investigación, en conformidad con las normas de la resolución del Consejo Nacional de Salud – CNS/196/96. – REME – Rev. Min. Enf.;
11(1): 99-107, jan/mar, 2007 – 107
Para los manuscritos resultantes de trabajos de investigación que hubieran recibido algún tipo de apoyo financiero, el mismo deberá
constar, claramente identificado, en el propio manuscrito. El autor o los autores también deberán declarar, juntamente con la autorización
de transferencia del derecho de autor, no tener interés personal, comercial, académico, político o financiero en dicho manuscrito.
Los manuscritos deberán enviarse a:
At/REME – Revista Mineira de Enfermagem
Escola de Enfermagem da UFMG, sala 104 Bloco Norte
CEP 30130- 100 Belo Horizonte MG – Brasil – Telefax **55 (31) 3409-9876
Correo electrónico: [email protected]
6. SOBRE LA RESPONSABILIDAD EDITORIAL
Los casos omisos serán resueltos por el Consejo Editorial.
REME no se hace responsable de las opiniones emitidas en los artículos.
(Versión del 12 de septiembre de 2007)
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remE – Rev. Min. Enferm.;16(1): 143-148, jan./mar., 2012
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