UTOPIA CAMPONESA: ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE RURAL YUBA¹
Autor: Eduardo Roberto Mendes – Programa de Pós Graduação em Geografia –
Nível Mestrado – UFMS – Três Lagoas
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho apresenta um estudo sobre a comunidade rural Yuba
no município de Mirandópolis, no interior de São Paulo, onde encontramos como
núcleo fundante a expropriação dos bens, onde tudo é de todos; a não propriedade
privada, e sim das terras sendo cultivadas em comum; o princípio da não autoridade,
e sim da autonomia do homem; o desenvolvimento livre da ciência e das artes para
todos; a produção conforme a possibilidade de cada um, e o consumo conforme a
necessidade. Em nosso trabalho de campo foi possível identificar na Comunidade
Yuba estas práticas citadas, algumas com problemas e outras em plena
(co)vivência. Acreditamos que atualmente, neste sistema capitalista que venera o
individualismo, o conhecimento de Comunidades como os Yubas tornam-se necessárias para o contraponto, pois colocadas em prática nos revelam uma nova utopia,
contribuindo para pensarmos e lutarmos por uma outra sociedade, com outros valores, em que o individualismo, o consumo de futilidades, a super produção e o trabalho abstrato não sejam o foco central, mas, sim, o trabalho prazeroso, a arte e o
consumo conforme as necessidades individuais de cada um, tendo como base à ajuda mútua. Cabendo destacar que esta nova sociedade não é um mero idealismo,
ela existe, como pudemos analisar entre os Yubas.
Palavras-chave: Utopia. Comunidade Yuba. Posse em comum.
UTOPÍA CAMPESINA: ESTUDIO DE CASO DE LA COMUNIDAD RURAL YUBA
RESUMEN: El presente trabajo presenta un estudio sobre la comunidad rural Yuba
en la ciudad de Mirandópolis, en el interior de São Paulo, donde encontramos como
núcleo fundante la expropiación de los bienes, donde todo es de todos; la no propiedad privada, y sí de las tierras siendo cultivadas en común; el principio de la no auto¹ Texto baseado em trabalho de monografia feito em 2006, com algumas modificações.
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ridad, y sí de la autonomía del hombre; el desarrollo libre de la ciencia y de los artes
para todos; la producción conforme la posibilidad de cada uno, y el consumo conforme la necesidad. En nuestro trabajo de campo fue posible identificar en la Comunidad Yuba estas prácticas citadas, algunas con problemas y otras en plena
(co)vivencia. Creemos que actualmente, en este sistema capitalista que venera el
individualismo, el conocimiento de Comunidades como los Yubas se hacen necesarias para el contrapunto, pues colocadas en práctica nos revelan una nueva utopía,
contribuyendo para pensar y luchemos por una otra sociedad, con otros valores, en
que el individualismo, el consumo de futilidades, la súper producción y el trabajo
abstracto no sean el foco céntrico, pero, sí, el trabajo praderoso, el arte y el consumo conforme las necesidades individuales de cada uno, teniendo como base a la
ayuda mutua. Cabiendo destacar que esta nueva sociedad no es un mero idealismo,
ella existe, como pudimos analizar entre los Yubas.
Palabras-llave: Utopía. Comunidad Yuba. Posesión en común.
OBJETIVOS E METODOLOGIA
Este trabalho procura fazer um estudo sobre da Comunidade Yuba localizada
no município de Mirandópolis no Estado de São Paulo, onde seus integrantes vivem
num sistema de cooperação mútua e quase auto-sustentável. Foram feitas visitas
para trabalho de campo e coleta de relatos com integrantes da Comunidade, situação que permitiu compreendermos um pouco do dia-a-dia dos moradores da Comunidade.
Nosso objetivo é estudar a comunidade por um prisma utópico camponês que
segundo MARCOS (2005) é “onde a solidariedade/apoio mútuo, a autonomia, a autodeterminação/autogestão, as práticas de democracia participativa e o desenvolvimento em harmonia com o ambiente são elementos fundamentais”.
Apontando
também que, apesar do engessamento que o sistema capitalista nos determina em
todos os aspectos de nossa vida cotidiana, gerando a veneração ao individualismo e
a criação de instituições coercivas como o Estado e as grandes corporações empresariais, isso não consegue acabar com o instinto humano de ajuda mútua, ele é mais
importante para nossa existência que a competição mútua.
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Levando essa discussão adiante para que estes ideais não se percam para,
até mesmo, surgir desta base outras idéias que possam ser produzidas dando frutos
para a sociedade assentados na autonomia e cooperação mútua. Para isso é preciso entender que estas são as principais armas para conquistar uma outra sociedade
e que isto é possível, pois embora não hegemônica, em muitos lugares esta realidade já está em construção e em desenvolvimento.
REFERENCIAL TEÓRICO
A comunidade Yuba tem sua origem na imigração de japoneses vindos a partir da década de 1920 para o Estado de São Paulo. Alguns planejaram construir um
núcleo de colonização diferenciado que facilitasse a integração dos imigrantes com
a sociedade brasileira. “O núcleo chamaria-se ‘Aliança’, que tem o significado de ‘dar
as mãos’ – sugerindo cooperação mútua”. (YAZAKI, 2004, p. 7).
A consolidação das Alianças na época, município de Andradina chamou a atenção de Issamu Yuba no Japão, que teve base filosófica (segundo RAVAGNANI
apud MARCOS, 1996:56) dos autores Leon Tolstoi e Mushanokoji, que tinham ideais
de vida coletiva campesina.
Vindo para o Brasil e se instalando neste núcleo de imigrantes, Yuba se destacava como liderança na região presidindo a Cooperativa da região.
Com o poder de iniciativa e de persuasão permitiu que levasse seu ideal coletivo adiante, logo reuniu um grupo constituído por sua família e outras que compartilhavam de suas idéias numa gleba de 200 alqueires de mata virgem no Bairro de
Formosa, no Município de Guaraçaí – SP. A atividade principal foi à avicultura, com
instalação de uma granja com 53 pintinhos que, 30 anos depois chegou a ter 300 mil
aves, se tornando a maior granja da América Latina, fornecendo ovos para o mercado da grande São Paulo. Situação que serviu como atração para imigrantes japoneses, logo, no seu auge na década de 1950, a comunidade chegou a ter uma população de 300 pessoas. (SILVA, 1988)
Todavia, Adachi apud Marcos (1996), baseada em relatos de ex-integrantes
da comunidade, mostra que Yuba gastava muito dinheiro desnecessariamente, incomodando muitos integrantes da comunidade e levando-a várias vezes a falências.
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Estes fatos levaram a comunidade a desintegração e a divisão. Issamu e os
que o acompanharam foram para uma gleba de 10 alqueires que havia sido cedida
por um amigo de Yuba que morava nas Alianças, e a outra parte (que futuramente
vai formar a comunidade Sinsei²) ficou morando e trabalhando em outras terras.
Em 1976, num acidente automobilístico, Issamu Yuba vem a falecer e “A partir de então a comunidade passou a ser liderada, como bem salienta Adachi, econômica e oficialmente por seu filho primogênito, Tetsuhiko Yuba, e culturalmente por
Akiko Ohara” (MARCOS, 1996, p. 71).
Segundo Marcos (1996), como Tetsuhiko era menos autoritário que Issamu a
comunidade deixou de ter uma administração com poder centralizado, vindo existir
assim a constituição de “outros poderes”, como: de Akiko Ohara, o Irmão mais novo
e Renata filha de IssamuYuba. A maioria destes líderes, tem permissão para formar
“caixas” particulares, ficando com todo ou grande parte do dinheiro provindo dos
produtos que produzem, e/ou de seus serviços prestados, situação que é motivo de
discórdia na comunidade como verificamos no trabalho de campo.
Em 2003, Tetsuhiko Yuba falece por problemas de saúde, então a Comunidade decide formar uma associação, o irmão de Tetsuhiko Yuba, que mora nos Estados Unidos, segundo os relatos, foi na verdade o mentor desta associação. Juridicamente reconhecida como Associação Comunidade Yuba (ONG), tendo como Presidente Luiz Tsuneo Yuba.
RESULTADOS
Atualmente a Comunidade Yuba está localizada no distrito da primeira Aliança
no município de Mirandópolis, Estado de São Paulo. tem cerca de 70 pessoas divididas em 26 famílias, tendo poucos solteiros. A língua oficial é a japonesa, mas a
maioria fala o português. A comunidade é rural e continua tendo como base o principio de cooperação mútua nas diversas atividades desenvolvidas, tendo como base:
o trabalho, a arte e a religião. Os entrevistados moradores da Comunidade Yuba
fizeram questão de citá-la como sendo uma grande família, e como toda família apresenta pontos bons e ruins.
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Figura 3 - Integrantes da Comunidade em 2005
Fonte: http://www.brasil-ya.com/yuba/news_frameset.html
A Comunidade recebe visitas regularmente, na sua maioria de japoneses e
mestiços, e de pessoas diversas que ficam sabendo de sua existência e por curiosidade vão conhecer. Recebe também visitas de estudantes de escolas e universidades, como também de vários jornais, revistas e televisão.
ESTRUTURA
Figura 4 - Parte da Estrutura da comunidade vista de cima
Fonte: <http://www.brasil-ya.com/yuba/index.html>
A comunidade está numa área de 35 alqueires, em que não existe propriedade privada para nenhum membro. Toda área pertence a todos, não existe portão na
entrada, e nenhum tipo de cerca entre as casas dentro da comunidade.
A estrutura do lugar conta também com: jardins, um lago, córrego, casas, banheiros comunitários, ofurô, Maquinários e tratores, oficina, Galpões, um palco, um
pequeno museu, esculturas artesanais, biblioteca, memorial, fornos para confecção
de cerâmicas, serralharia e uma grande cozinha comunitária.
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PRODUÇÃO
A produção da comunidade é dividida em produção para consumo interno e
vendas externas.
Os produtos para consumo interno são: o Leite; o adubo orgânico para as
plantações em geral; o Porco que também é criado na comunidade; a avicultura; legumes e verduras produzidas em uma horta; cana-de-açúcar para o gado; e as frutas produzidas para venda que também são consumidas e, por fim, a cerâmica que
também é parte vendida e outra para uso da Comunidade.
Já os produtos das vendas externas são: Goiaba, Manga, Abobrinha, Abóbora paulista; Quiabo, Cogumelos Shiitake; Milho verde, que é comprado de terceiros e
empacotado e vendido para fora; Cerâmicas e, esporadicamente, alguns porcos.
TRABALHO
O trabalho na Comunidade embora baseado no rodízio tem uma certa flexibilidade, pois existe pessoa especializada em determinada produção que fica responsável por ela enquanto a maioria faz rodízio semanal, alternando suas tarefas.
Os horários são maleáveis, contanto que a pessoa faça sua parte no serviço,
ou cumpra sua tarefa, o restante do tempo é livre para se dedicar ao que lhe interesse.
Figura 13 – Cozinha em comum
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
Vimos também que é respeitada a vontade de cada um, o dom natural para
determinada função dentro da comunidade. Ao ser perguntado sobre o funcionamento da divisão do trabalho, e por quem é determinado os cargos a serem ocupados nos foi respondido o seguinte:
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A própria pessoa [escolhe a tarefa], ninguém vai forçar alguém ficar
em algum lugar, logicamente todo mundo ajuda todo mundo, se alguém está precisando de ajuda pede, ai a gente vai lá, se a gente estiver desocupado e querer trabalhar em algum lugar é responsável.1
Na prática, as pessoas da Comunidade assim definem o trabalho comunitário:
Varia muito, é flexível [...] Todas pessoas tem condições de fazer todos os serviços, se vai fazer bem feito, ai vai depender de cada pessoa, cada pessoa que está no seu cargo é responsável, [...] Quem
gosta e tem mais jeito, tem o dom, vai trabalhar no que gosta, na cozinha homem que gosta de fazer comida faz, [...] não é rígido, né. Como
é tudo família, então vai quem tem mais jeito pra isso, [...] ninguém determina, sabe.2
No capitalismo o trabalho é desagradável, quando o trabalho se torna para o
bem comum, ele passa a ser trabalho satisfatório, pois há o incentivo consciente de
estar fazendo algo útil, mostrando a tendência natural do homem viver em sociedade
e de responsabilidade para com a sociedade.
A questão do trabalho é bem aberta, ninguém nunca me obrigou a
trabalhar num lugar ou no outro, Eu já trabalhei na goiaba, na abóbora
e no quiabo [...]. A pouco tempo atrás eu ‘ganhei’ um espaço para cultivar uvas, estou construindo as armações, é que está em fase de testes ainda, mas pretendo ‘mexer’ com isso agora.3
Quem se identifica com determinada atividade e não deseja mudar de ocupação, vai se aperfeiçoando no que faz, e quando esta pessoa não está presente, precisando ausentar-se, ou vai ficando mais velha não podendo “dar conta” do serviço,
vai ensinando para os mais jovens os conhecimentos de seu ofício:
Os meninos que fazem missô já faz isso há quase 20 anos e vai aperfeiçoando, tem que aperfeiçoar né. [...] Na goiaba, tem as meninas
que gostam, todas que estão na seleção de goiaba conseguem empacotar, embrulhar direitinho né, elas aprendem o ofício sabe, qualquer
trabalho que esteja as pessoas vão ensinando os que vão entrando,
mesmo na cozinha, qualquer trabalho né.4
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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Indagamos a respeito dos conflitos, por exemplo, o caso de uma pessoa não
estar com vontade de trabalhar, ou sua tarefa estar abaixo da produtividade geral e
ouvimos que:
Não é proibido... Ah, mas isto é muito raro, pois cada um conhece sua
responsabilidade e tem que respeitar a outra pessoa. Pois todos sabem que se não fazer o trabalho, alguém vai ter que trabalhar a mais
para suprir sua falta.5
Esta situação, qual seja de apelo a responsabilidade social nos mostra o que
predomina na comunidade: o pensando no grupo e não no indivíduo. Segundo os
relatos, os trabalhos não são classificados como melhores ou piores, todos têm o
mesmo peso, independentemente de que se gere algum benefício financeiro ou não.
Verificamos que existem algumas exceções, onde integrantes se tornam privilegiados, quando o fruto de seu trabalho não vai para o “caixa-comum”, sendo desfrutado individualmente. Segundo depoimentos, existe a possibilidade para alguns
de formar “caixas individuais” e estas pessoas ficam com todo o fruto de seu trabalho, contribuindo esporadicamente para o caixa-comum. Sobre isso trataremos no
próximo item.
ADMINISTRAÇÃO
Em 17 de Novembro de 2003 tornou-se juridicamente reconhecida “Associação Comunidade Yuba” uma ONG, hoje composta pelo Presidente Luiz Tsuneo Yuba pelo Secretário e pelo Tesoureiro todos os cargos tem vice para os casos de ausência dos titulares. A gestão dura dois anos, quando é feita nova votação para
substituição ou permanência nos cargos.
As explicações indicam também que a liderança do presidente é uma forma
de resolver os problemas burocráticos, pois a função do líder não é exercida na sua
essência como forma de autoridade, ou seja, tudo é decidido nas reuniões com a
legitimação de todos.
Hoje lidera-se de uma outra forma, de uma maneira mais democrática.
Ele fala (o presidente) que só é “líder” porque não tem ninguém, ‘eu
estou no cargo porque não tem ninguém para assumir por isso eu não
dou a palavra (final) eu prefiro resolver com todo mundo’. Ele sempre
da a palavra final, porque alguém tem que dar a palavra final, se não
uma reunião nunca termina. Mas sempre de acordo com todos. Ele da
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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a opinião, mas não é que seja a final, eu acho que é bom acontecer
isso né.6
Nas reuniões feitas pela comunidade, decidi-se tudo: o que se compra, quem
vai sair para viajar, estudar, etc. Notamos nos relatos que muitos participam, mas
que raramente ou nunca precisou-se votar alguma coisa. Ou seja, sempre é apresentado algum assunto ou problema para discussão e não havendo objeção no encaminhamento ele é decidido por maioria simples.
Vejamos um relato acerca da questão:
Não, não, não... assim, é muito raro sair uma votação. Acho que eu
não lembro de ter votação sabe, porque como é família né, todo mundo tenta resolver, alguém que tem a idéia contrária comenta as idéias,
ai tem que respeitar as idéias.7
Interessante também é constatar que dentro da comunidade não existe lei.
Com o início da associação os jovens começaram a ter voz ativa nas reuniões, pois
quando os líderes Issamu e Tetsuhiko Yuba comandavam os jovens não tinham suas idéias levadas em conta e valorizadas pelos membros mais velhos como revela o
entrevistado:
Antigamente nós jovens não tinha o poder de dar a palavra né, hoje a
gente dá a nossa opinião também e os adultos aceitam, a gente ganhou um lugar na comunidade.8
Todos entrevistados consideram que com a mudança da Comunidade em Associação e a descentralização do poder exercido por Issamu Yuba e seu primogênito
Tetsuhiko Yuba, todos os aspectos mudaram para melhor.
Reconhecem que mudanças ainda precisam ocorrer para uma maior democratização, pois existem problemas a serem resolvidos como os referentes ao caixacomum que trataremos agora.
Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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“CAIXA-COMUM”
O “caixa-comum” é uma conta bancária, em que é depositado o dinheiro provindo das vendas das produções da Comunidade, e de onde é retirado o dinheiro
para pagar contas dos seus membros e para cumprir os compromissos firmados
com terceiros.
Após a criação da associação este “caixa” ficou sob a responsabilidade do tesoureiro. Ele é quem tenta fazer o controle do dinheiro que entra e que sai na Comunidade, quase tudo que é gasto em compras, viajem e estudos de alguns membros é decidido em reunião. Já as coisas do dia-a-dia como roupas, remédios e comida precisa apenas de solicitação, sem necessidade de reunião. Este controle ocorre para se ter uma maior clareza do que está saindo ou entrando no “caixacomum”, para assim evitar saldos negativos.
Nos relatos foi constatado que o “caixa-comum” existe e funciona, porém com
problemas, pois após a morte de Issamu Yuba foi-se constituindo outros “caixas”
individuais. Isto ocorreu quando algumas pessoas que fazem serviços individuais, como, por exemplo, a cerâmica, a criação de gado e outras atividades foram tendo
total controle e garantia sobre o dinheiro provindo das vendas destes produtos, contribuindo assim somente esporadicamente para o caixa-comum.
Por enquanto não tá tudo no caixa-comum, ainda tem um pessoal que
mexe um pouco na parte da cozinha e da cerâmica que já é meio assim, ainda não ta direitinho né, ta meio separado ainda [...] não quer
pagar para um caixa assim, ainda tem um problema. [...] tem uma moça que faz e vende, ai ela pega o dinheiro, na verdade é errado né,
tem que entrar no caixa, no caixa-comum, né.9
Alguns integrantes mostraram oposição à imagem de “chefe“, não reconhecendo como autoridade legítima o irmão de Tetsuhiko, propondo uma base mais
democrática e igualitária para a administração do dinheiro da comunidade. Inclusive
colocam como condição para se integrar ao “caixa-comum”, a eleição de uma pessoa que não tem este perfil de “chefe”. Estas discordâncias e diferenças que acabaram criando alguns privilegiados, causam conflitos.
Nos recebimentos de aposentadorias pelos mais velhos também existe o problema, pois grande parte fica com o dinheiro individualmente, e somente alguns depositam este dinheiro no “caixa-comum”.
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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Aposentadoria também é um problema né. Então a gente tá pensando, metade põe na comunidade, tem um pessoal que já faz isso né,
mas tem um pessoal que segura, [...] Então estas pessoas tem conta
em banco, um dia eu vou falar isso na reunião.10
O tesoureiro da Associação não concorda com a existência destes outros
“caixas”, diz que depois da criação da Associação melhorou muito e que está propondo e lutando para que todos passem a aderir ao “caixa-comum”.
É, depois da associação o controle de dinheiro melhorou bem né, não
é ainda cem por cento, mas melhorou bem. [...]. Eu queria ainda fazer
um caixa só. Então por enquanto a gente ainda não conseguiu fazer
isso, porque também a gente tava meio apertado né.11
Vimos estes problemas e também a esperança de mudança na luta e busca
do “caixa-comum” de todos e para todos. Registramos exemplos de pessoas que já
estão contribuindo nesta direção e levando as poucas pessoas que ainda não estão
a se inserir novamente no “caixa-comum”. Tudo indica que por meio do exemplo e
havendo uma maior estabilidade da comunidade, todos possam voltar a fazer parte
do “caixa-comum”
ATIVIDADES CULTURAIS
No tempo livre quando estão de folga, os integrantes da comunidade se dedicam a arte que tem um campo bem diversificado:
O Museu “Osamu Sato” com
peças indígenas.
Figura 14 – Museu “Osamu Sato”
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
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Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
Entrevista gravada em Setembro de 2006 na Comunidade Yuba, em Mirandópolis - SP.
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O Memorial “Kitahara Wako”, que é um protótipo da primeira casa residencial construída nas alianças, em 1928. No momento está sendo usado para arquivar
os documentos importantes, fotos, livros e algumas peças da colonização japonesa
nas alianças e da própria comunidade.
Figura 15 – Memorial “Kitahara Wako”
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
As Cerâmicas: são feitas por uma pessoa, a artista cuida de todas as etapas,
Figura 16 – Córrego de onde é retirada a argila e fornos de cozimento das cerâmicas
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
A confecção de Móveis: geralmente é feito por mulheres que gostam de mexer com o ofício, as peças feitas não são vendidas, sendo mais usadas para o dia-adia da comunidade.
Peças e esculturas em Rochas e madeira: As esculturas em granito eram
feitas por Hisao Ohara falecido em 1989, suas obras foram apresentadas em vários
lugares inclusive na Bienal em São Paulo, e ganhou vários prêmios. Existe um jardim ao ar livre onde estão expostas suas artes.
Outra artista que já fez exposições em museus de São Paulo é Renata Katsue Yuba. Ela se dedica a fazer uma arte de “pedras em madeira” usando metais em
suas esculturas.
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Figura 17 – Esculturas em granito feitas por Hisao Ohara.
Esculturas de rochas em madeira feitas por Renata Yuba.
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
O Hay Kay: é um tipo de poesia ministrada para os membros por uma pessoa
que, no momento, está morando em São Paulo, somente quando vem à comunidade
oferece as aulas.
As Leituras: são feitas nos momentos de folga, a Biblioteca da Comunidade
possui mais de 10.000 exemplares com a maioria escrita em japonês.
Figura 18 - Biblioteca da comunidade
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
Na cozinha existem dois televisores onde um está ligado aos canais brasileiros, e raramente é ligado, e outro que está ligado a canais japoneses. Neste local
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existem também várias fitas de vídeos das apresentações do balé da Comunidade,
de jogos de baseball e de filmes, estes na sua maioria enviados do Japão por parentes.
As Aulas de Japonês e Pintura de quadros e desenhos são feitas mais comumente pelas crianças, na biblioteca, onde quem ministra as aulas é a professora
de balé, Akiko Ohara.
Figura 20 - Pinturas feitas pelas crianças e jovens da comunidade
Fonte: Trabalho de Campo
As aulas de Coral são ministradas as terças e quintas-feiras por uma pessoa
da Comunidade. Fuziko Yuba que já tem experiência na área, ensina e pratica com
os membros da comunidade, destas aulas participam crianças, jovens e adultos.
Figura 21 – Apresentação do Coral
Fonte: <http://www.brasil-ya.com/yuba/news_frameset.html>
Os instrumentos musicais como: piano; violinos, violoncelos, clarinete, flautas, acordeão, e violão, são ouvidos durante todo o tempo de folga dos integrantes,
cada um toca aquele que melhor se identifique.
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Figura 22 – Uso dos instrumentos musicais no dia-a-dia e nas apresentações
Fontes: <http://www.brasil-ya.com/yuba/news_frameset.html> e Trabalho de Campo, 2006.
O balé é a principal atividade cultural e projeta o nome da comunidade nacional e internacionalmente. É nele que encontramos todas as gerações dividindo o
mesmo palco no campo das artes.
Figura 23 – Apresentação do Balé Yuba
Fonte: Trabalho de Campo, 2006.
A Religião é praticada pelos seus integrantes livremente na Comunidade, independente da opção. A maioria é constituída por protestantes.
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Figura 24 – Oração feita por Takimoto antes das refeições
Fonte: <http://www.2uol.com.br/caminhosdaterra/reportagens/152_lavrando.shtml>
O desenvolvimento que alcançaram no campo cultural e/ou das artes é algo
que impressiona e parece sem limites, uma arte livre em que a força comunitária
mostra suas marcas a cada forma seja na escultura ou no passo do balé em que é
exaltada e sentida a intensidade da vida em comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS... OU INICIAIS?
Pensar nos desafios do pensamento geográfico no tocante a construção de
uma sociedade mais humana neste momento do capitalismo é de extrema importância. Acreditamos em uma geografia que devia servir para a mudança da sociedade e
não para o desenvolvimento das forças produtivas, leia-se manutenção do status
quo. Portanto, é dentro desta concepção de uma Geografia mais humana, comprometida com as mudanças sociais que faz sentido estudarmos a Comunidade Yuba.
É preciso pensar que por meio de relações mais simétricas podemos construir
um desenvolvimento mais humanitário, logo menos material. Neste sentido, podemos afirmar que a pesquisa junto aos Yubas permitiu entender primeiramente que
os objetivos dos membros entrevistados é continuar a vivência em comunidade. Por
sua vez, a continuação e/ou aperfeiçoamento da Comunidade Yuba rumo a uma
maior igualdade, portanto a superação dos “privilégios” de alguns de seus membros,
talvez dependa de tempo para que os exemplos dos voluntários convençam pelo
apelo moral os mais reticentes, entendemos que é preciso também maior diálogo
principalmente a respeito deste assunto que nos pareceu ser tratado como “tabu”.
Pois, a continuidade das desigualdades pode agravar-se e, com isso, a vida comunitária, em cooperação mútua, dará lugar ao individualismo.
Atualmente vivemos num sistema que venera o individualismo em meio a graves problemas sociais e ambientais, mesmo com os vícios e o engessamento que o
capitalismo nos proporciona ainda temos grupos que tentam viver a margem deste
17
sistema no mundo todo, onde a utopia camponesa é vivenciada, e a Comunidade
Yuba é um exemplo disto a nos desafiar na busca de sua compreensão.
Cabe, portanto, investigarmos seus limites e potencialidades, discutirmos se é
possível expandir o modo de vida Yuba para a sociedade como um todo, em particular para o campo brasileiro, carente de debates que contemplem um modelo de vida
rural com autonomia e soberania alimentar. Ao contrário, cada vez mais vemos no
Brasil projetos de desenvolvimento rural voltados ao agronegócio, a vinculação ao
mercado e a produção de comodities.
REFERÊNCIAS
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UTOPIA CAMPONESA: ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE