ID: 59609458
06-06-2015
Tiragem: 101375
Pág: 25
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 28,20 x 31,04 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
65% dos novos médicos pensam emigrar
Estudo divulgado pela Ordem mostra que a profissão “piorou extremamente” e 20% até mudariam de curso
Vera Lúcia Arreigoso
Formar um médico pode custar
400 mil euros ao país e sabe-se
agora que mais de metade dos
que estão a terminar a formação admitem ir trabalhar para
fora. A revelação consta do
primeiro estudo realizado em
Portugal sobre a satisfação dos
internos em especialização nas
várias áreas da medicina, publicado na Ata Médica Portuguesa, pela Ordem dos Médicos.
O inquérito, feito no ano passado, revela que 65% dos médicos a frequentarem o internato da especialidade ponderam
emigrar. A hipótese aumenta
à medida que esta formação
se aproxima do fim e atinge os
74% no ano que antecede a atribuição do grau de especialista.
Na ‘mala’ para a viagem estão
“razões financeiras ou falta de
oportunidades de emprego”.
Os autores do estudo garantem que a perda de jovens especialistas ‘abre uma ferida’.
“Contribui para um acentuar
dramático do envelhecimento
médico, ao mesmo tempo que
priva a população de uma força
de trabalho ambiciosa, de grande capacidade e com contacto
com as mais recentes técnicas.”
Entre as 800 respostas (12,3%
dos internos) recebidas, a grande maioria dá conta que o exercício da medicina em Portugal
“piorou muito ou extremamente nos últimos anos”. O confronto com a deterioração da
prática médica leva até 20%
dos inquiridos a confessarem
que se pudessem voltar atrás
mudavam de profissão.
“Os médicos são hoje máquinas de produzir consultas sem
atender à qualidade. Trabalham muitas horas, com ritmos
e escalas totalmente diferentes,
e a recompensa global e financeira não se verifica”, explica o
autor sénior do estudo, Tiago
Reis Marques, psiquiatra no
Kings College, em Londres.
Faltam também perspetivas
de futuro. “São poucas as oportunidades profissionais e percebe-se que lá fora é possível ter
melhores condições”, acrescenta o psiquiatra, que há oito
anos saiu para fazer o doutoramento no Reino Unido e não
voltou. “Todos os dias recebo
e-mails de colegas a perguntar
para onde podem mandar os
currículos ou quanto se ganha.”
E, “para começar, ganha-se
entre cinco a seis mil euros lim-
DADOS APURADOS
^^ A hipótese de sair do país
é equacionada pela maioria
dos médicos que estão
na fase de especialização
e aumenta à medida
que esta formação
se aproxima do fim.
A percentagem média
de 65% sobe para 74%
no último ano
^^ Razões financeiras (41%),
falta de oportunidades
de trabalho (31%) e escassez
de emprego (10%)
são as razões mais referidas
pelos médicos
que admitem emigrar
Os internos de cirurgia geral estão entre os médicos mais insatisfeitos com a especialidade FOTO TIAGO MIRANDA
pos por mês”. Em Portugal, os
recém-especialistas recebem
cerca de 2700 euros brutos de
base por 40 horas semanais. Os
médicos do Serviço Nacional
de Saúde foram os funcionários do Estado atingidos pela
maior perda nominal (9,4%) na
remuneração total. Cálculos do
Expresso traduzem uma perda
de 12,6% no poder de compra
entre 2011 e 2014, ou seja, em
média, 356 euros por mês a
menos.
A discrepância salarial é uma
das diferenças gritantes entre
quem fica e quem sai, mas há
outras. “Prémios de mérito,
mais tempo para consulta, menos tempo na Urgência ou mais
investigação”, exemplifica Tiago Reis Marques. “Só em 2014
emigraram efetivamente 387
médicos”, divulgou recentemente a Ordem dos Médicos.
Aos que trocam o país pelo
estrangeiro, juntam-se ainda os
médicos que vão exercer fora
e regressam. Dados da Ordem
revelam que os pedidos de certificado aumentaram de 237,
em 2010, para 1122, em 2014.
O estudo agora publicado
mostra que os jovens cardiologistas, especialistas em anatomia patológica e infecciolo-
gistas são os que têm maior
propensão para emigrar. Ao
invés, ficar é a opção mais referida pelos médicos que fazem a
formação específica em medicina geral e familiar, medicina
legal e saúde pública.
Edson Oliveira é o coordenador do Conselho Nacional do
Médico Interno e não hesita em
afirmar que, “neste momento,
não há ninguém que não ponha a hipótese de ir embora e
ÊXODO
387
médicos “emigraram
efetivamente” em 2014.
A estas saídas, juntam-se
os clínicos que saem para
estágios ou para trabalhos
temporários no estrangeiro.
De 2010 a 2014,
a Ordem dos Médicos
emitiu um total de 3645
certificados
a Europa sabe isso e oferece
mais”. No último ano de neurocirurgia, confessa também não
saber o que o espera: “A minha
perspetiva é de incerteza.”
Interno no Hospital de Santa
Maria, em Lisboa, Edson Oliveira gostava de ficar ali, com
“as condições para exercer”
como aprendeu. O ordenado
também entra na equação.
“Depois de uma luta altamente
competitiva para ser médico e
salvar vidas, não há o conforto
nem a compensação esperados.” E dá um exemplo: “Fiz
sete bancos num mês e a diferença foi de 800 euros líquidos,
por mais 168 horas de trabalho
e com noites inteiras a operar.”
Sobre as perspetivas de futuro, os anestesistas são os que
mais acreditam ‘nas portas’
que a especialidade conseguirá
abrir, seguidos pelos oncologistas e pelos médicos de família.
Ou seja, áreas onde as carências no país são maiores. A qualidade da formação é reconhecida por todos, no entanto, há
insatisfação na medicina legal,
saúde pública ou cirurgia geral.
“Temos recebido queixas de
internos, sobretudo em hospitais de Lisboa, de estarem
semanas sem ir ao bloco. Com
a revolução das técnicas minimamente invasivas, temos
médicos de 40 anos a competir
com os internos por uma técnica que não aprenderam”, reconhece o porta-voz do Colégio
de Cirurgia Geral, Costa Maia.
No caso da saúde pública, o
problema é outro. “A reduzida
imagem de ‘prestígio social’, a
remota possibilidade de ganhar
bastante dinheiro, a formação
exigente — com uma proporção razoável de não aproveitamento — ou um horizonte
de trabalho em serviços pouco
diferenciados e burocratizados, leva a que a especialidade
seja pouco atraente”, diz Pedro
Serrano, presidente do colégio
desta especialidade.
Para o bastonário dos médicos, José Manuel Silva, “estes
resultados espelham a realidade do país e não surpreendem”.
Porquê? “O desinvestimento no
SNS, a desqualificação do trabalho médico, as dificuldades
do exercício, o arrastamento
burocrático dos concursos,
os especialistas remunerados
como internos... atiram os médicos para fora.” Um problema
porque “fazem falta aos doentes portugueses.”
[email protected]
^^ Uma grande parte,
78%, dos internos (a tirar
a especialidade)
está satisfeita com
a formação, mas critica
a prática clínica. Para 81%,
o “panorama piorou
muito ou extremamente
nos últimos anos”
^^ A falta de perspetivas
de carreira e a degradação
das condições de trabalho
levam 20% dos inquiridos
a admitirem
que se pudessem voltar
atrás não optariam
por Medicina
^^ Os internos de cardiologia,
anatomia patológica
e infecciologia têm maior
propensão para trabalhar
no estrangeiro.
No outro extremo,
estão os médicos
das especialidades
de medicina familiar,
medicina legal e saúde
pública
^^ Os futuros anestesistas
são os médicos
que consideram ter mais
perspetivas de futuro.
Seguem-se os oncologistas
e os médicos de família
^^ Os médicos em formação
nos grandes centros
hospitalares têm um menor
grau de satisfação.
Já os internos que estão
distribuídos por hospitais
mais pequenos sentem
mais entusiasmo
na aprendizagem
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06-06-2015
Tiragem: 101375
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País: Portugal
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Âmbito: Informação Geral
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65%
dos novos
médicos
admitem
emigrar
Inquérito da Ordem revela que 20% dos médicos em
formação estão arrependidos de ter escolhido o curso.
Cada aluno custa €400 mil ao Estado. Cardiologistas são
os que têm maior propensão para sair do país. P25
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65% dos novos médicos pensam emigrar