Vulcão da Indonésia No Leste de Java, um gigante de enxofre arde em frente da máquina de um fotógrafo apaixonado por vulcões. Texto de Eva Van Den Berg Fotografias de Olivier Grunewald. As águas do lago Kawah Ijen, de uma intensa tonalidade azul-turquesa, são extremamente ácidas e tóxicas, pois encontram-se repletas de ácido sulfúrico e ácido clorídico. A emissão de gases e vapores mortíferos também faz parte desta extraordinária paisagem onírica, gerando uma atmosfera quase irrespirável para as centenas de mineiros que vivem da extracção de enxofre. É ao anoitecer que o vulcão Kawah Ijen, na região oriental da ilha de Java, mostra o seu lado mais fascinante. Com 2.386 metros de altitude, este gigante de fogo é um dos 143 vulcões que se mantêm activos no arquipélago da Indonésia, um país formado por milhares de ilhas assentes sobre o Anel de Fogo do Pacífico, uma das zonas da Terra com mais intensa actividade sísmica e vulcânica. O Kawah pertence ao complexo vulcânico Ijen, no interior de uma grande caldeira com 20 quilómetros de diâmetro. À medida que a luz solar vai elanguescendo, as suas ladeiras brilham, cobertas por uma miríade de chamas azuis que parece acompanhar as vertentes como espectros incorpóreos. Azuis e iridescentes, como pequenos néons bailarinos, as chamas brilham em Kawah Ijen, mas são muito ténues, tornando-se distinguíveis apenas na escuridão. A sua origem justifica-se por reacções químicas induzidas por circunstâncias termodinâmicas especiais. NGM MAPS A peculiaridade deste vulcão justifica-se pela acumulação de enxofre alojado no seu interior. Uma grande percentagem deste elemento químico emerge na forma líquida e cria rios encarniçados que solidificam e cristalizam em contacto com a atmosfera, formando grandes blocos de um amarelo intenso. Outra grande parte do enxofre é expelida sob a forma de gás. “O Kawah Ijen é um estratovulcão cujas erupções assumem a forma de explosões freáticas e magmáticas, projectando para o exterior vapor, água, cinza e pedras”, explica Joan Martí, coordenador do Grupo de Vulcanologia da Universidade de Barcelona. O magma, extremadamente viscoso, circula a grande profundidade sob a crosta terrestre e, se emergir sob a forma de lava, solidifica rapidamente e avança pouco sobre o terreno. Em troca, a enorme quantidade de gás sulfuroso que se encontra preso sobre a crosta é irremediavelmente impelida a procurar uma saída para o exterior.” Submetido a enormes pressões e temperaturas superiores a 600ºC, muito mais altas do que o seu ponto de ignição (360ºC), o gás é canalizado por qualquer via de escape, seja uma greta, uma fissura ou uma fumarola, e é ejectado em plena combustão, envolto em chamas. Uma vez cá fora, arde novamente ao entrar em contacto com o oxigénio. No entanto, enquanto a temperatura desce, o gás liquidifica, formando pequenos rios de enxofre líquido sobre os quais “navegam” esses fogos tão brilhantes e azuis, uma tonalidade que se deve à presença de dióxido de enxofre. Estes rios ácidos flamejantes terminam o seu percurso na bacia de um grande lago ácido que alberga uma cratera, a maior do mundo com estas características, atingindo um quilómetro de diâmetro. É um lago fumegante e quente, com uma tonalidade turquesa opalescente. Mas cuidado… Um banho aqui seria trágico: o lago contém 36 milhões de metros cúbicos de ácido sulfúrico e ácido clorídrico. Para o experiente fotógrafo Olivier Grünewald, que há quase vinte anos retrata vulcões, o Kawah Ijen é um vulcão diferente e especial. Visitou-o pela primeira vez em 2005 e já chegou a passar 30 noites no seu interior, acompanhado pelo operador de câmara Régis Etienne. “Não é fácil instalarmo-nos na cratera para trabalhar com normalidade. A atmosfera é quase irrespirável, as emanações de gás são irritantes e, por vezes, o fumo é tão espesso que não distinguimos as nossas próprias mãos”, explica. E isto para não falar no líquido corrosivo que flui por toda a parte, devido ao qual Olivier teve de deitar fora um par de óculos estragados para sempre pelo ácido. O vulcanólogo português Victor Hugo Forjaz também conhece o poder deste vulcão. Em Maio de 1970, um grupo científico no qual se integrava este especialista açoriano foi evacuado de emergência por um helicóptero militar americano. “Fiquei com o pulmão esquerdo afectado e hoje sofro de sulfurose à conta da aventura”, diz. “Os pobres habitantes são um estudo de caso darwiniano: deveriam estar mortos ao fim de algumas viagens, mas a natureza (por vezes cruel) adaptou-os àquele ambiente.” Não foi só a beleza do Kawah Ijen que atraiu o fotógrafo parisiense. Olivier queria ver com os seus próprios olhos como centenas de mineiros trabalham no interior da cratera, removendo e carregando blocos de enxofre sem auxílio mecânico ou protecção. “Os mineiros, que começam a trabalhar às três horas da manhã, arrancam blocos de enxofre nas orlas do lago, no interior da cratera, e transportam-nos até ao topo. Dali, dirigem-se para a fábrica da empresa PT Candi Ngrimbi, que explora a mina desde 1967, que lhes paga cerca de cinco cêntimos por cada quilograma de enxofre”, relata Olivier. Cada mineiro transporta entre 70 e 90 quilogramas por viagem (pesos superiores ao seu) dentro de dois cestos de bambu unidos por um pau colocado sobre os ombros. Fazem um transporte por dia, por vezes dois, para no fim do dia de trabalho ganharem 4 e 8 euros – apesar de tudo, bastante mais do que ganhariam na maioria dos trabalhos disponíveis. Apesar de carregarem estes pesados blocos minerais até à empresa exploradora, esta não oferece aos seus trabalhadores contrato, seguro, nem sequer máscaras protectoras, pelo que eles mal conseguem sustentar as suas famílias. Pagam um preço alto, depois de vários anos passados a labutar na mina, e a sua saúde fica gravemente comprometida. Os problemas respiratórios são comuns, tal como a artrose, as lesões nas costas, a irritação nos olhos e na garganta, assim como danos irreparáveis na dentição, afectada pelas partículas corrosivas. Todavia, os mineiros têm uma certeza: o Kawah Ijen é a sua melhor opção. Depois de Olivier Grunewald permanecer tantas horas no vulcão durante o dia e também durante a noite, os mineiros tiveram a certeza de que ele e Régis Etienne realizavam um trabalho profissional que procurava a sua colaboração. Não se tratava das típicas “visitas de estrangeiro”, como as que acontecem no Verão, no decurso das quais os turistas andam sem pudor com as máquinas fotográficas entre os mineiros, fotografando-os sem parar e sem pedir licença, “como se estivessem num jardim zoológico”, conta o fotógrafo. Ele e Etienne, quase sempre equipados com uma máscara, incluindo para dormir, conseguiram captar a alma e a essência daqueles mineiros e também deste vulcão tão especial, onde é preciso caminhar com muita atenção. Embora o Kawah Ijen não sofra uma erupção importante desde 1936, nos últimos 40 anos 74 mineiros perderam a vida devido às explosões que libertam subitamente nuvens de enxofre e labaredas que podem atingir 5m de altura. Estas emanações repentinas envenenam a atmosfera de tal forma que podem exceder 40 vezes os valores que na Europa se consideram seguros para a saúde. Aqui, porém, os únicos limites são aqueles a que são capazes de resistir “homens fortes de Java”, alcunha dada pelos autóctones aos mineiros, e a única segurança é proporcionada pela experiência, adquirida à força de tropeçar nestas paragens. Gerações inteiras encontraram aqui o seu sustento, carregando um mineral omnipresente em processos industriais, como o fabrico de pólvora, fósforos, adubos, líquido para baterias, produtos cosméticos, dispositivos para branqueamento do açúcar ou vulcanização da cortiça. E há trabalho em abundância porque o Kawah produz cerca de cinco ou seis toneladas diárias de enxofre. Olivier comenta que o Kawah Ijen é um dos poucos lugares do mundo onde se desenvolve uma actividade mineira tão primitiva. Mas não é o único vulcão onde pode observar-se este fascinante fogo azul. Já foi visto a surgir das entranhas do Dallol, na Etiópia, e terá sido documentado na ilha eólia de Vulcano e no Vesúvio. Foi nas redondezas deste último que o naturalista Plínio, o Velho, perdeu a vida no dia 25 de Agosto do ano 79, segundo os registos deixados pelo seu sobrinho Plínio, o Jovem. Reza a história que, antes do amanhecer e em plena erupção do Vesúvio, fascinado com o espectáculo, o sábio aproximou-se pouco a pouco da montanha até perder os sentidos. Quem sabe se, antes de morrer, essas pequenas chamas azuis lhe teriam dado a sua última alegria? Uma vida ao pé do vulcão Fotografia de Fabien Cruchon Olivier Grunewald diante de um fluxo de lava ardente no vulcão Niragongo, na República Democrática do Congo, que já visitou em diversas ocasiões. 18 anos a fotografar vulcões Olivier Grunewald fotografa erupções por todo o mundo desde 1997. “Para mim, são uma fonte de inspiração constante”, diz. Além das erupções, Olivier Grunewald fotografou, ao longo da sua carreira, paisagens vulcânicas e a actividade hidrotermal na Islândia, no Chile, na Bolívia, nos Estados Unidos, na Rússia, na Nova Zelândia, na Indonésia, na Costa Rica e na Coreia do Sul. A primeira incursão de Olivier Grunewald no universo vulcânico aconteceu em 1997, quando o fotógrafo visitou Itália para fotografar o Etna e o Stromboli. Depois de estudar fotografia comercial em Paris, em 1986, mudou de rumo e viajou pelo mundo de máquina fotográfica em punho, pendurando-se em penhascos para fotografar, a partir do outro extremo da corda, a descida de escaladores de alto nível. Mais tarde, comprou uma máquina fotográfica de grande formato e começou a captar a essência da paisagem do Oeste norte-americano. Ali, em comunhão com esses horizontes, descobriu que a fotografia era a desculpa perfeita para se deixar submergir na Terra primordial. “Sinto-me em harmonia nessas paragens. São uma fonte de inspiração”, explica Olivier, que participou no projecto Wild Wonders of Europe com as suas imagens de vulcões do Velho Continente. “Fascinam-me os vulcões em actividade porque recordam-me que existem forças na natureza que ninguém pode controlar, nem mesmo os seres humanos”, comenta. E não é fácil trabalhar neles: “O calor é a principal limitação. Vou protegido com várias camadas de roupa que me isolam das temperaturas.” Olivier, que usa sempre uma máscara para se proteger dos gases, acrescenta que é essencial ter o vento pelas costas. Se soprar contra nós, o calor torna-se insuportável e é impossível tirar fotografias. “Levo sempre a máquina protegida entre a roupa. Só a exponho quando tenho claramente a oportunidade de fotografar, mesmo assim, os gases ácidos danificam frequentemente alguma lente. Gases do ofício.” Com três dezenas de “experiências vulcânicas”, Olivier é um dos fotógrafos mais prestigiados do mundo na sua especialidade. As suas fotografias, galardoadas quatro vezes no World Press Photo, foram publicadas nos quatro cantos do mundo. Agora, acompanhado pelo operador de câmara Régis Etienne, realizou o seu primeiro documentário, que mostra o lado mais desconhecido do Kawah Ijen. As imagens desta reportagem testemunham a sua essência. Notícia adaptada de: http://nationalgeographic.pt/index.php/artigos-arquivados/arquivo/70-159/224vulc%C3%A3o-da-indonesia