1 - Revista National Geographic Brasil – O homem que não era Darwin O HOMEM QUE NÃO ERA DARWIN Alfred Russel Wallace introduziu uma grande linha divisória no mundo vivo – e abriu o próprio caminho rumo à teoria da evolução Por: David Quammen Publicado em 11/2008 A ilha de Ternate é um pequeno e gracioso cone vulcânico que se ergue do mar a nordeste da Indonésia, mil quilômetros a leste de Bornéu. Embora seja um lugar remoto, enfiado entre ilhas bem maiores, Ternate já foi um entreposto comercial do império holandês, de onde especiarias eram embarcadas com destino ao Ocidente. Hoje sua zona portuária, seus mercados de frutas e peixes, mesquitas e fortes, o palácio do sultão e suas ordenadas casas de concreto alinham-se ao longo de um único anel viário que percorre a linha costeira. As encostas montanhosas da ilha são desabitadas e forradas de florestas, onde, com sorte, ainda se pode avistar um pássaro esplendoroso, de peito esmeraldino, com duas longas plumas pendendo de cada lado do corpo feito um manto, cujo nome científico, Semioptera wallacii, homenageia o homem que o expôs, pela primeira vez, ao olhar da ciência. Seu nome: Alfred Russel Wallace, um jovem naturalista inglês que estudou o arquipélago malaio entre o fim da década de 1859 e início da de 60. De Ternate, em 9 de março de 1858, Wallace enviou ao Ocidente, por um vapor holandês, uma carta importante. A missiva era endereçada a Mr. Charles Darwin. Junto com ela seguia um breve ensaio intitulado "Sobre a tendência das variedades de partir indefinidamente de um tipo original". O ensaio descrevia a teoria da evolução (embora não com esse nome) por meio da seleção natural (sem usar essa expressão), e era notável sua semelhança com a teoria que o próprio Darwin havia desenvolvido, mas ainda não publicado. Esse é um caso clássico na história da ciência: versa sobre como a biologia evolutiva veio a se estabelecer - a quase simultânea formulação da agora famosa teoria darwiniana, por obra do próprio Darwin e de um jovem adventício, Alfred Russel Wallace. Pouca gente hoje tem noção disso. Wallace, conhecido em seu tempo como o parceiro júnior de Darwin e por outras contribuições à ciência e ao pensamento social, caiu na obscuridade depois de sua morte, em 1913. Nas últimas décadas, porém, seu nome voltou à baila, graças a acadêmicos que têm garimpado a vida de Darwin, da qual Wallace foi parte fundamental. A lápide de seu túmulo na localidade inglesa de Broadstone não se acha mais em ruínas. Seu retrato agora também está exposto na sala de reuniões da Sociedade Lineana, em Londres, a mesma companhia científica à qual a codescoberta darwin-wallaceana foi anunciada há 150 anos, na noite de 1o de julho de 1858. Wallace é reconhecido entre os historiadores como o fundador da biogeografia evolutiva (o estudo que define quais espécies vivem em determinado local e por quê), como um teórico precoce da adaptação mimética (tendência das espécies de assumir as características físicas de outras como estratégia de sobrevivência) e como voz premonitória que se ergueu em favor do que agora chamamos de biodiversidade. É uma figura que avulta no período de transição de uma antiquada história natural para a moderna biologia. No entanto, a maioria das pessoas que conhecem Alfred Russel Wallace acha que ele foi apenas alguém que compartilhou os segredos de Charles Darwin, o co-descobridor da teoria da evolução por meio da seleção natural que não teve direito a parcela igualitária nos créditos. A história de Wallace é heróica e assombrosa. Era um homem de empedernida independência, um crente em espíritos e mesas brancas, um devoto da frenologia (pseudociência que estudava as formas humanas com base no tamanho e no formato do crânio), um diletante do mesmerismo (prática da hipnose) e um herege tardio em relação à teoria darwiniana no que dizia respeito ao cérebro humano, cuja evolução ele acreditava contar com o dedo de Deus. Opunha-se também à vacina antivaríola e advogava pela nacionalização de grandes extensões de terras. Essas e outras excentricidades forneceram a seus detratores argumentos para descartá-lo como um sujeito bizarro - o que de fato acabaram fazendo. O primeiro ponto essencial na biografia de Wallace é que, para ele, tanto quanto para William Shakespeare - mas não para o rico Charles Darwin -, a penúria era a mãe da invenção. Ele foi um garoto cheio de curiosidade vindo de uma família sem dinheiro. Aos 14 anos, em 1837, depois de abandonar a escola, foi trabalhar. Darwin, à época um jovem gentleman de 28 anos com um pai abastado que subsidiava suas aventuras, acabara de retornar à Inglaterra a bordo do Beagle. Wallace foi em grande medida um autodidata, freqüentando bibliotecas durante a década em que trabalhava como agrimensor e professor primário na cidade de Leicester. Cedo descobriu Robert Owen, fundador do socialismo britânico que se tornou "meu mestre de filosofia da natureza humana", como mais tarde recordaria, e uma influência em suas convicções socialistas. Enquanto trabalhava como agrimensor, Wallace começou a interessar-se pela natureza por meio da botânica, empreendendo longas caminhadas pelas montanhas e aprendendo a identificar famílias de plantas. Seu emprego de professor deixava-lhe tempo para um apanhado eclético de leituras, que incluíam a Narrativa Pessoal de Viagens, do germânico Von Humbolt, e o mais frutífero Ensaio sobre o Princípio de População, de Malthus, obra que inspirou o pensamento de Charles Darwin acerca da luta pela sobrevivência. O ano em que passou em Leicester produziu ainda um evento memorável: ele tornou-se amigo do jovem Henry Walter Bates, antigo aprendiz de artesão de meias que o introduziu à encantadora atividade de colecionar besouros. Outros dois livros ajudaram Wallace a seguir seu curso. Um era o diário de Charles Darwin, prestando conta da jornada no Beagle, uma vívida narrativa de viagem na qual quase não dava nenhuma dica sobre idéias evolutivas. O outro, mais desafiador e controverso, era um best-seller de autor anônimo intitulado Vestígios da História Natural da Criação, publicado em 1844, que oferecia uma visão evolutiva da vida na Terra. A ortodoxia prevalente na cultura ocidental era a de que Deus moldara todas as espécies por atos específicos de criação. Cada uma era imutável, incapaz de grandes variações em torno de um tipo ideal. Tal imutabilidade era um dogma religioso e científico. O filósofo da 2 - Revista National Geographic Brasil – O homem que não era Darwin ciência William Whewell, por exemplo, havia escrito: "As espécies têm uma existência real na natureza, e a transmutação de uma para outra não existe". Em oposição a esse princípio, Vestígios hipotetizava uma "lei do desenvolvimento" das criaturas, segundo a qual uma espécie se transforma em outra pela ação de circunstâncias externas, desde formas de vida simples até outras mais complexas, incluindo o homem. O resultado era a adaptação. Deus ainda desempenhava um papel, de acordo com Vestígios, porém mais distante - como o de projetista geral do processo. O livro era um pot-pourri de fatos interessantes e factóides absurdos. Darwin considerava-o duvidoso, no mínimo. Wallace, mais jovem e impressionável, viu nele "uma hipótese engenhosa". Para ele, Vestígios representava, ao mesmo tempo, "um incitamento" à coleta de dados sobre história natural e uma teoria provisória contra a qual novos dados deveriam ser confrontados. De tal maneira incitado, ele e seu amigo Bates alimentaram um plano de ir à Amazônia. A dupla pagou suas despesas com o envio de espécimes para venda a museus e comerciantes de plantas, pássaros e animais. Borboletas, besouros e aves tinham mais saída. O agente deles era Samuel Stevens, de Londres, um homem confiável que desempenharia um papel duradouro na vida de Wallace, pondo-o em contato com compradores e cientistas da Inglaterra. A saga de quatro anos de Wallace na Amazônia explorando remotas regiões de afluentes do rio Uapés enquanto Bates viajava em separado - foi um triunfo da persistência, mas que acabou em desastre. Ele voltava para casa desde Belém, no Pará, a bordo do Helen, quando esse navio mercante britânico pegou fogo e naufragou. Wallace sobreviveu num bote salva-vidas, mas todas as coleções que trazia consigo, incluindo milhares de insetos, se perderam. Além disso, a embarcação que o resgatou, uma chalupa precária chamada Jordeson, topou com uma tempestade e quase afundou também. "Cinqüenta vezes, desde que deixei o Pará, eu me prometi", escreveu Wallace, "que, se lograsse chegar à Inglaterra, nunca mais me confiaria aos oceanos. Mas as boas resoluções logo se esvaecem." Depois de dias em terra firme, Wallace começou a planejar sua próxima viagem: seguiria rumo ao leste para dentro de um mundo de ilhas. Sua longa expedição ao arquipélago malaio foi algo diferente, bem mais proveitosa em termos de oferta de espécimes e idéias. Wallace chegou a Cingapura em abril de 1854 e passou os oito anos seguintes num ziguezague entre as ilhas, deslocando-se em todo tipo de embarcação. Em terra, ele vivia como o povo local, em casas com telhado de sapé, e comia qualquer coisa que pudesse ser comprada ou trocada. Wallace fez escalas em Sumatra, Java, Bali, Lombok, Bornéu, Celebes, Gilolo, Ternate, Batchian, Timor, Ceram, num pequeno grupo de ilhas chamado Aru, na extremidade oriental do arquipélago, e na península Vogelkop, na Nova Guiné. Ele navegou próximo da ilha de Komodo, embora não tenha sabido da existência dos dragões-de-komodo, a despeito de sua busca por animais notáveis. Em alguns lugares, como Sarawak e Aru, demorou-se durante meses, caçando borboletas com puçá, apanhando besouros em florestas, abatendo pássaros a tiro ou apenas processando seus espécimes e suas impressões, tentando curar seu pé infeccionado, recuperando-se de surtos de malária, esperando as chuvas passarem ou os ventos soprarem. Wallace aprendeu a língua malaia o suficiente para fazer negócios em locais remotos. Contratou um garoto chamado Ali para ajudá-lo a caçar pássaros, entre outras tarefas. Ele guardava o material coletado até chegar a um porto, quando então despachava tudo a Samuel Stevens, em Londres, para venda. Somente do pequeno Aru, com suas aves-do-paraíso e outras atrações, ele levou mais de 9 mil amostras de 1,6 mil espécies, boa parte delas nova para a ciência. Ele achava que esse lote devia valer 500 libras esterlinas. Stevens vendeu tudo pelo dobro desse valor - o que hoje equivale a 100.000 libras esterlinas, uns 373.000 reais. As cifras de Aru, que refletiam uma proporção de indivíduos por espécie de quase seis para um, assinalam um fato crítico sobre Alfred Wallace e sua maneira de trabalhar. Como coletor comercial e historiador natural, ele ansiava por múltiplos espécimes de uma dada espécie, e não apenas um ou dois dos mais representativos. No Amazonas ele havia apanhado 12 espécimes do galoda-serra (Rupicola rupicola), e admitiu que teria matado 50 deles se não fossem tão raros e esquivos. Em Aru mostrou-se ávido pelo máximo possível de exemplares da grande-ave-do-paraíso (Paradisaea apoda). Mais tarde, durante uma excursão pelo rio Maros, em Celebes, ele pegou seis bons espécimes de Papilio androcles, cujas longas caudas brancas pendem feito enfeites de fita. Na ilha de Waigiou, ao largo do Vogelkop, a porção noroeste da Nova Guiné, Wallace coletou 24 indivíduos da ave-vermelha-doparaíso (Paradisea rubra). A conseqüência de uma coleta tão redundante é que Wallace viu e reconheceu - num grau que Charles Darwin demorou a ver e reconhecer - algo de significativo sobre as criaturas: cada espécie abrange consideráveis variações entre os indivíduos. Nem todo Papilio androcles tem caudas tão longas e brancas. Algumas aves-do-paraíso são menores que as outras. Os indivíduos variam geneticamente de seus irmãos e primos de maneira que podem manifestar iniqüidades visíveis e fisiológicas, dando maior vantagem a alguns deles em relação aos demais. Tal insight é crucial para a idéia da evolução por meio da seleção natural. Variações individuais fornecem o material diferencial sobre o qual a seleção atua. Darwin observou esse tipo de variação em espécies domesticadas, mas se tornou consciente de sua prevalência na natureza apenas durante seu projeto de classificação dos crustáceos conhecidos como cracas, um desvio de oito anos no lento percurso até a publicação de sua teoria. Wallace chegou ali por um caminho mais curto, pois, vendo-se forçado a se sustentar como coletor comercial, ele observava as variações em seu acervo de exemplares. Os padrões de distribuição das espécies no espaço e no tempo forneceram outras pistas em direção a uma teoria evolutiva. Tais padrões trouxeram a Wallace pouca informação sobre como a evolução atuaria, mas reafirmaram sua hipótese (derivada do livro Vestígios) de que as espécies evoluíram umas das outras por meio de algum tipo de processo natural de descendência e transformação. Embora não usasse a palavra "biogeografia", já em 1852 ele estava exercendo esse ramo da ciência. Depois de voltar do Brasil, Wallace publicou um estudo, "Sobre os macacos da Amazônia", no qual descrevia a distribuição de primatas na bacia Amazônica, 3 - Revista National Geographic Brasil – O homem que não era Darwin mostrando como cada qual se localizava em uma margem ou outra de três rios convergentes, o Amazonas e dois tributários, o Negro e o Madeira. Era curioso. Se Deus criou todas as espécies do nada e os situou em suas locações apropriadas, por que Ele não colocou esses macacos nos dois lados de um grande rio? Três anos depois, em Bornéu, enquanto Wallace esperava passar a estação chuvosa numa solitária casinha perto da boca do rio Sarawak, sem outra companhia além de seu cozinheiro malaio, ele voltou sua mente para alguns dos livros que lera no passado mais os catálogos de museus que havia examinado. Tais fontes ofereciam dados brutos sobre a distribuição mundial dos animais quais espécies e grupos de espécies ocorrem aqui, e não acolá. Padrões similares encontram-se entre aves, insetos, peixes, répteis, mamíferos, plantas. Wallace ansiava por saber a razão disso. anexou mencionava a esperança de que a idéia também fosse nova para o colega. Claro que não era. Para Darwin, essa idéia tinha 20 anos de idade, e era dele. Só que, depois de duas décadas de pesquisas continuadas, refinando seus argumentos, ocupandose de outros projetos e hesitando em publicar, Darwin não tinha nada impresso que provasse sua autoria. Alfred Wallace estava encalhado na costa da Nova Guiné, vítima do tempo úmido, da fome e da febre, quando, numa noite de julho, o estudo de Wallace, junto com escritos não-publicados de Darwin, foi lido em uma apresentação conjunta na Sociedade Lineana. Tal evento, que oferecia a Darwin a oportunidade de coanunciar a descoberta com Wallace, havia sido intermediado por dois dos poderosos amigos cientistas de Darwin. Wallace, ele mesmo, não fora consultado sobre o arranjo, embora tenha se sentido lisonjeado ao saber. Ele também se lembrou das leituras da obra em três volumes de Charles Lyell sobre geologia e os registros fósseis, e sobre como espécies similares parecem ter sucedido umas às outras com o passar do tempo. Combinando os dois tipos de evidência, a geográfica e a geológica, Wallace veio a formular o que chamou de uma "lei" das origens das criaturas vivas: "Todas as espécies vieram a existir coincidentemente, no espaço e no tempo, com espécies pré-existentes estreitamente aliadas." Ele redigiu um estudo em torno dessa idéia e o remeteu a Londres. O subtexto do estudo, claro mas não explícito, era a evolução. Ele apenas não podia propor um mecanismo pelo qual tal transformação ocorria. Em novembro do ano seguinte, 1859, Wallace ainda estava no arquipélago malaio quando Charles Darwin publicou Da Origem das Espécies, o livro que havia composto às pressas depois do chacoalhão dado pelo estudo de Wallace. Por cortesia de Darwin, uma cópia foi enviada por vapor-correio a Wallace, que leu cinco ou seis vezes a obra, a cada vez deixando-se impressionar mais com a maneira encontrada por Darwin para juntar tudo aquilo. "Mr. Darwin deu ao mundo nova ciência, e seu nome, na minha opinião, deveria se situar acima do de qualquer filósofo dos tempos antigos ou modernos. A força da minha admiração não poderia ir mais longe!!!", escreveu ele a um velho amigo. Seus estudos foram publicados num bom jornal de história natural, mas a maioria dos leitores, inclusive Darwin, não reconheceu que eles representavam o segundo passo dado por um obscuro e jovem naturalista na direção de uma teoria das origens evolucionárias. Na mesma época, Wallace enviou a Londres outro estudo, "Sobre a geografia zoológica do arquipélago malaio", para ser publicado no jornal da Sociedade Lineana. Ali ele ampliava suas observações sobre a distribuição dos animais, reconhecendo duas regiões biogeográficas distintas, a indiana e a australiana. Ele traçou uma linha que passava pelo estreito entre Bornéu e Celebes e descia para o sul entre Bali e Lombok. Wallace não desistiu. Durante breves paradas nas ilhas de Bali e Lombok, separadas por um canal profundo e estreito, ele percebeu outra série de padrões de presença e ausência. "Em Bali há capitães-de-bigode, tordos-das-frutas e pica-paus", escreveria mais tarde. Do lado de Lombok, "esses pássaros não são mais vistos, mas temos abundância de cacatuas e melifagídeos, desconhecidos em Bali e em qualquer ilha mais a oeste." Ele notaria semelhantes disparidades entre as ilhas maiores de Bornéu e Celebes, ao norte, situadas frente a frente e separadas por outro estreito profundo. Todos esses fatos se encaixam numa visão evolucionária da biogeografia. O terceiro passo rumo à sua teoria Wallace deu em 1858, em algum lugar de Ternate ou perto de lá, quando juntou as pistas biogeográficas com o fenômeno das variações dentro das espécies, os insights de Malthus sobre o excessivo crescimento populacional, o fato de os alimentos e os hábitats serem limitados mesmo quando a taxa de reprodução não o é, e com a percepção de que a maioria dos filhotes de qualquer espécie não consegue sobreviver. "Ao pensar sobre a enorme e constante destruição que isso implica, ocorreu-me perguntar: por que alguns morrem e outros vivem?" Sua resposta era a de que as variedades mais bem adaptadas às suas circunstâncias sobrevivem. Além disso, esse processo deve providenciar mudança direcional adaptativa nas espécies por toda a parte. Por que a girafa tem pescoço comprido? Por que as de pescoço curto não conseguiram deixar descendentes? Animado, ele enviou o manuscrito a Darwin. Na carta que As duas regiões abrigam dois complementos distintos de fauna, apesar de serem similares as condições de clima e hábitat. "Fatos como esses só podem ser explicados por um corajoso reconhecimento de que ocorreram vastas mudanças na superfície da Terra", escreveu Wallace. O que ele queria dizer era: os caprichos divinos não alocaram as espécies onde as podemos encontrar. A história da evolução, a dispersão ecológica e as mudanças geológicas é que fizeram isso. A linha de Wallace, separando o sudoeste asiático da Austrália, tornou-se um dos fatos fundamentais da moderna biogeografia. Em si mesma era apenas um delineamento descritivo. O que a tornou significativa e útil foram as questões evolutivas, ecológicas e geológicas que ele trouxe à baila. Alfred Wegener, ao propor a teoria do deslocamento continental no início do século 20, seria mais um cientista entre tantos em débito para com Alfred Russel Wallace. Wallace retornou à Inglaterra em 1862, na época em que Da Origem das Espécies estava em sua terceira edição, e Charles Darwin já se encontrava a caminho de seu renome mundial entre seus admiradores e detratores. Darwin deu-lhe boas-vindas e convidou-o a visitá-lo em casa tão logo, ou quase, Wallace pôs os pés em terra. O colega havia percorrido 22,5 mil quilômetros durante sua expedição malaia - apenas dentro do arquipélago. Fez de 60 a 70 viagens e coletou 125 660 espécimes. Graças a Samuel 4 - Revista National Geographic Brasil – O homem que não era Darwin Stevens, pôde encontrar algum dinheiro a esperá-lo na volta. Mas a vida depois não foi fácil para Wallace. Ele perdeu parte de suas economias em investimentos duvidosos, além de ajudar no sustento de membros de sua família, inclusive sua mãe. Pleiteou alguns empregos (diretor de museu, administrador florestal), mas não obteve nenhum, e não pôde se dar ao luxo de parar de trabalhar. Assim, manteve-se ativo como autor de artigos e livros, o que lhe deu grande liberdade mental, embora em troca de segurança econômica zero. Lá pelo início de 1869, ele tinha esposa e dois filhos. Também nesse ano publicou O Arquipélago Malaio, a grande narrativa de suas viagens pelas ilhas do leste. Em 1880, o naturalista via-se às voltas com problemas financeiros quando o influente Darwin veio em seu auxílio, cavando para ele uma pensão especial do governo. Sua carreira subseqüente e os diversos vetores de seu pensamento estão bem representados por seus livros. Entre eles estão Contribuições para a Teoria da Seleção Natural (1870), Sobre Milagres e o Espiritualismo Moderno (1875), A Distribuição Geográfica dos Animais (1876), Nacionalização da Terra (1882), Maus Tempos: um Ensaio sobre a Atual Depressão do Comércio (1885), Será Marte Habitável? (1907) e A Revolta da Democracia (1913). Quando publicou um tratado completo sobre seleção natural, em 1889, intitulou-o, com sua habitual humildade, de Darwinismo. Epônimos não eram importantes para Wallace - as idéias é que eram. Ele manteve-se livre de preocupações sobre quem levou crédito por isso ou aquilo. Wallace teve uma vida fecunda para alguém sem boa educação formal ou dinheiro. Viajou muito e para longe, tanto em termos de espaço geográfico quanto de amplitude intelectual. Traçou a própria linha e soube andar nela. Fonte: • http://viajeaqui.abril.com.br/ng/materias/ng_materia_4050 58.shtml?page=1