Comunicação, educação e mercado
– 3 sujeitos analisados sob as óticas
de
Paulo
Freire
e
Dominique
Wolton
Marina Carbone Mantovanelli
Orientador : Kleber Mazziero de Souza
Graduanda em Administração
de Empresas pela Escola
Superior de Propaganda e
Marketing – ESPM. Email:
[email protected]
MANTOVANELLI, Marina Carbone. Comunicação, educação e mercado – 3 sujeitos
analisados sob as óticas de Paulo Freire e Dominique Wolton. São Paulo: Escola Superior de
Propaganda e Marketing – ESPM, 2012.
Resumo
Este artigo apresenta o pensamento de Dominique Wolton acerca da atividade pedagógica como fora esta
essencialmente uma atividade comunicacional e o pensamento de Paulo Freire, que converge com este
conceito na medida em que observa o procedimento do docente – obrigatoriamente pautado pela conduta
ética – e do discente, qual fossem emissor e receptor de mensagens cujo conteúdo é o conhecimento e a
forma é o modo como tal conhecimento é transmitido por professores a estudantes. No entanto, acrescenta
o conceito mercadológico à discussão, propondo uma relação entre docente e discente, na qual aquele
oferta o produto de seu conhecimento a este, que consome o produto desde seu ambiente cultural; ao fazêlo, decodifica o produto do conhecimento segundo seus próprios códigos e, desse modo, produz um novo
conhecimento, possivelmente mais rico, mais completo, mais profundo, mais abrangente.
Palavras-chave: Comunicação, atividade pedagógica, mercado do conhecimento, autonomia, ética
Abstract
This article presents the Dominique Wolton’s thought about the pedagogical activity as its an
communication activity essentially and the Paulo Freire’s thought which converges with this concept in
that he observes the procedure of the teaching - necessarily guided by ethical conduct - and the students
which were messages sending and receiving whose content is knowledge and the form is how such
knowledge is transmitted by teachers to students. However, we add the marketing concept to the
discussion by proposing a relationship between teachers and students, in which the teachers supply the
product of your knowledge to the students that consumes the product from their cultural environment.
thereby, decodes the product of knowledge as their own codes and thus produces new knowledge,
possibly richer, fuller, deeper, more comprehensive.
Keywords: communication, pedagogical activity, market knowledge, autonomy, ethics
Introdução
Partindo da afirmativa do francês Dominique Wolton, em seu livro É preciso
salvar a comunicação,
Ensinar sempre foi comunicar, isto é, pensar nas modalidades que
permitem ao receptor, o aluno, compreender aquilo que lhe é dito, e ao
professor, por sua vez, levar em conta as reações de seu aluno. Os
primeiros comunicadores são efetivamente os professores, que sabem
muito bem fazer isso. Conhecem as dificuldades de uma comunicação
autêntica. (WOLTON, p. 30)
É possível estabelecer sólido elo com alguns conceitos expressos pelo brasileiro
Paulo Freire em seu livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica
educativa.
Pertencentes a realidades educacionais diametralmente distantes, com enfoques
distintos (o francês com os olhos voltados preponderantemente para o elemento
comunicacional, o brasileiro a mirar o elemento educacional da questão), ambos os
autores atrelam a atividade educacional à necessidade vital da construção de uma
comunicação plena entre educadores e educandos, na qual tanto aqueles quanto estes
são conscientes de seu papel na estrutura comunicacional que se estabelece quando da
atividade do aprendizado.
No entanto, de modo muito bem definida, a relação entre comunicação e
educação, neste princípio de século XXI, está ligada à presença do componente
mercadológico.
No amplo contexto do Mercado, analisamos aqui um flanco fundamental: o
aspecto mercadológico que une professores (docentes) e estudantes (discentes), no qual
aqueles são fornecedores de uma espécie preciosa de produto, o conhecimento, e estes
são clientes à procura de um mais bem acabado produto, oferecido de modo a atender as
necessidades de Conteúdo e Forma dos saberes que se direcionam no sentido docentediscentes e que refluem no sentido contrário, no processo de aprendizado apregoado por
Paulo Freire, um processo necessária e obrigatoriamente “dialógico”, fundamentalmente
comunicacional, portanto.
"A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser
humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com
quem se comunica, a quem comunica, produzir sua compreensão do que
vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja
comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade.
O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico" (FREIRE, p. 38)
A transferência de conhecimento
Segundo o educador Paulo Freire, a atividade pedagógica, tal como aplicada no
Brasil nas décadas de 1960 e 1970, não mais deve existir. A atividade pedagógica
despótica, ditatorial, “farisaica”, na qual o professor fala e o aluno escuta, não produz
conhecimento; no máximo informa o aluno, jamais forma o estudante: "Educar é
substantivamente formar". (FREIRE, p. 33). Para Freire, o processo de aprendizado não
deve ser estruturado sobre qualquer espécie de “transferência de conhecimento”, mas,
sim, de um mecanismo pelo qual o conhecimento que, num primeiro momento, somente
o docente detém, passe ao discente de modo a este ser partícipe de sua construção; o
conhecimento que se encaminha do docente no sentido do discente não deve ser apenas
“captado” por este, deve ser “processado”, criado, construído pelo estudante. O mesmo
conhecimento tem diferentes absorções dependendo do cérebro em que tais absorções
acontecem; afinal, os seres humanos, diferentes entre si, naturalmente abordam os
conhecimentos de modos distintos uns dos outros.
"É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que
o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora,
assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença
definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua produção ou a sua construção" (FREIRE, p.
22).
Assim, de certo modo, o cliente do “mercado do conhecimento” não mais é
objeto, mas sujeito do processo mercadológico; atua de modo a pautar a relação
fornecedor-cliente, porém também atua como fornecedor do novo conhecimento que,
dentro de seu cérebro ora foi construído. A “via de mão dupla” se estabelece tanto no
aspecto da construção do conhecimento quanto na reconstrução do conhecimento;
finalmente, quando este conhecimento “reconstruído” se der a saber a outrem, ao
docente, nova construção dar-se-á. A atividade mercadológica abre-se em dois flancos:
o mercar do conhecimento na relação docente-discente e, em seguida, ao ser
processado, o conhecimento parte do discente e volta ao docente transformado por suas
impressões. A transferência de conhecimento, tal como a conhecemos outrora, deixa de
existir.
"Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não
resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de
recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi
apreendido não pode ser realmente aprendido pelo aprendiz [...]
Quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender
tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando
"curiosidade epistemológica", sem a qual não alcançamos o
conhecimento cabal do objeto" (FREIRE, p. 24-25)
O aprendiz qual sujeito do processo
Para Freire, na atividade pedagógica que se assemelha em essência à atividade
comunicacional, não há validade em qualquer espécie de ensino na qual o aprendiz não
participou da “recriação” daquilo que a ele foi ensinado. Do mesmo modo como o
processo de comunicação não mais é encarado como um processo de mera emissão de
mensagens mas, sim, receptores e emissores são vistos como sujeitos atuantes do
processo e receptores, a partir do instante em que decodificam a mensagem e preparam
respostas a ela, passam a ser, também, emissores, a atividade pedagógica pressupõe o
discente como um receptor crítico, capaz de produzir um conhecimento tão valioso
quanto aquele emitido pelo docente. Um processo diferente deste, para Freire, é
considerado inválido.
"Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um
aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de
refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode
ser realmente aprendido pelo aprendiz [...] Quanto mais criticamente se
exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o
que venho chamando "curiosidade epistemológica", sem a qual não
alcançamos o conhecimento cabal do objeto" (FREIRE, p. 24-25).
No entanto, a nova condição do educando, do discente, deve ser consequência do
respeito de sua autonomia por parte do discente. De como muito claro, somente o
respeito à autonomia do aprendiz permite a este se transformar num receptor crítico da
mensagem emita pelo docente e, em seguida, num possível emissor de uma mensagem
ainda mais bem elaborada, dotada de novo e mais amplo Conteúdo; de nova e mais bem
definida Forma.
O respeito à autonomia do aprendiz resgata, de certa forma, a veracidade e a
validade do conhecimento que provém do docente, também sujeito do processo
pedagógico-comunicacional.
"Saber que devo respeito à autonomia, à dignidade e à identidade do
educando e, na prática, procurar a coerência com este saber, me leva
inapelavelmente à criação de algumas virtudes ou qualidades sem as
quais aquele saber vira inautêntico, palavreado vazio e inoperante."
(FREIRE, p.62).
Aproximando-se flagrantemente dos conceitos propostos pelos Estudos
Culturais, o autor define com precisão o “local” onde o respeito à autonomia do
educando ganha sua mais bem definida importância, “onde” habita a essencialidade da
necessidade de tal respeito: no ambiente cultural de quem participa do processo
primeiramente como receptor da mensagem para, em seguida, poder vir a se tornar um
novo emissor, de uma nova e, porventura, mais completa mensagem.
"Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, à seu ser
formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em
consideração as condições em que eles vêm existindo, se não se
reconhece a importância dos "conhecimentos de experiência feitos" com
que chegam à escola. O respeito devido à dignidade do educando não
me permite subestimar, pior ainda, zombar do saber que ele traz consigo
para a escola". (FREIRE, p. 64).
O professor qual sujeito ético do processo
Como se dá em toda relação mercadológica, quem fornece o produto deve ser
comprometido tanto com um fornecimento quanto com um produto confiável,
submetido a inúmeros testes de validade; deve manter-se, enfim, como um sujeito que
pauta seu comportamento pela ética ao longo de todo o processo.
O professor, desse modo, tem como objetivo mercar seu conhecimento de modo
ético. No entanto, para Freire, o docente tem a ética como a principal marca de sua
posição na relação mercadológica estabelecida.
Pelo fato de mercar um bem intangível e, sobretudo, por gozar de posição
privilegiada perante seu principal consumidor, o estudante, o docente não pode desviar
o olhar um instante sequer da meta ética de promoção do conhecimento, de estímulo à
busca pelo saber, de co-construtor do novo conhecimento que se estabelece em seu
parceiro mercadológico: "O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um
imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros."
(FREIRE, p. 59).
Segundo o autor, o mais abominável gesto antiético de um docente em sua
relação com os discentes é aquele no qual, provido de sua autoridade, o professor
inibiria a possibilidade de um pensamento autônomo em seus alunos; a autoridade
constituída apequenando a autonomia a ser respeitada.
O ponto crucial da autonomia dos discentes, segundo o autor, é a curiosidade
natural do ser humano. Ao saber-se “inconcluso”, todo o ser humano tende para a
curiosidade como forma de melhor se conhecer e, em melhor se conhecendo, melhor
ser.
"Entre nós, homens e mulheres, a inconclusão se sabe como tal. Mais
ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma implica
necessariamente a inserção do sujeito inacabado num permanente
processo social de busca. Histórico-sócio-cultural, mulheres e homens
nos tornamos seres em quem a curiosidade, ultrapassando os limites que
lhe são peculiares no domínio vital, se torna fundante da produção do
conhecimento. Mais ainda, a curiosidade já é conhecimento. Como a
linguagem que anima a curiosidade e com ela se anima é também
conhecimento e não só expressão dele." (FREIRE, p. 55).
Ao “castrar” esse requisito natural para se transformar num ser mais próximo de
sua própria “conclusão”, com mais chances de se acercar da possibilidade de se
transformar num ser melhor; ao “castrar” a curiosidade do aluno, o professor estaria a
evitar o desenvolvimento do aluno na qualidade de ser humano, não apenas qual
discente. Tal professor estaria a infringir sua própria profissão de fé, a de formar um ser
melhor, mais bem preparado: "O educador que, ensinando geografia, "castra" a
curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino de
conteúdos, tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma,
domestica". (FREIRE, p, 56-57).
Ao deixar de “formar” o educando, optando por “domesticá-lo”, o professor
estaria a incorrer numa espécie de “crime inafiançável” contra a Ética.
"O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua
sintaxe e a sua prosódia [...] tanto quanto o professor que se exime do
cumprimento de seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que
se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente á
experiência
formadora
do
educando,
transgride
os
princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência." (FREIRE, p. 59-60).
A habilidade da apreensão e o aprendizado no contexto deste mercado específico
A capacidade de aprendizado, ligada à possibilidade de co-construção do
conhecimento, leva o aprendiz à posição de sujeito no mercado no qual o conhecimento
é o produto e ele é o cliente.
Porém, Freire apresenta a possibilidade de a atividade de ensinar nascer da
capacidade de aprender.
"A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere
ou, mais do que isso, implica a nossa habilidade de apreender a
substantividade do objeto aprendido. A memorização mecânica do
perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo.
Neste caso o aprendiz funciona muito mais como paciente da
transferência do objeto ou do conteúdo do que como sujeito crítico,
epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou
participa de sua construção. É precisamente por causa desta habilidade
de apreender a substantividade do objeto que nos é possível reconstruir
um mau aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da
transferência do conhecimento feita pelo educador." (FREIRE, p. 69).
Desse modo, tanto professor quanto estudantes, forma, em algum tempo,
consumidores no mercado do conhecimento. Qual ex-consumidor, o professor não deve
se esquecer de que, para adquirir o conhecimento de que hoje dispõe, dependeu de
outrem, que ocupava a posição que ora ocupa. Sendo assim, o comportamento ético do
docente foi algo pelo qual ele, mui recentemente almejou; tratar o atual discente do
modo como ele gostaria de ter sido tratado há pouco tempo, quando habitante de outro
polo do processo comunicacional-educacional, poderia – e deveria – pautar seu
procedimento ético.
A mera transferência de conhecimento reaparece, então, qual a grande vilã do
processo do verdadeiro conhecimento, qual a ferramenta que transforma o procedimento
do docente num procedimento antiético; o professor, estimulando uma espécie de
“memorização mecânica do perfil do objeto” estaria, por comodidade, a impedir o
desenvolvimento
de
um
aluno
com
as
características
de
um
“sujeito
crítico,
epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua
construção”.
O procedimento ético do docente possibilitaria um rendimento maior no aprendizado
dos conteúdos a serem apreendidos e também um desenvolvimento intelectual que abriria
inúmeras portas para a construção do pensamento dos alunos.
Finalmente, o autor define aquele que seria “o bom professor”:
"O bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a
intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um
desafio e não uma "cantiga de ninar". Seus alunos cansam, não dormem.
Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento,
surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas." (FREIRE, p.
86).
Considerações finais
O entroncamento de 3 sujeitos das relações sociais, a Educação, a Comunicação
e o Mercado, aponta para um local onde cabe perfeitamente a indagação acerca da
atividade educacional como um objeto pleno de função comunicacional, pois traz a
comunicação em sua forma essencial, porém um objeto não distante de um
procedimento mercadológico bem definido, no qual a relação docente-discente é a pedra
fundamental.
Pensar o ensinar como um ato de comunicar, como afirma Wolton, significa
pensar o ensinar como um ato no qual emissor e receptor da mensagem (docente e
discente) ocupam posições nas quais impera o procedimento ético; um ato no qual é
necessário estimular a autonomia do receptor (discente); um ato no qual sabe-se de
modo muito bem definido que, para estimular a autonomia do receptor, é preciso
respeitar seu ambiente cultural, sua história de vida, seu modo de pensar, pois, é desta
diversidade de situações que poderá brotar um novo saber, mais rico, mais completo, ao
mesmo tempo mais profundo e mais abrangente.
Pensar o ensinar como um ato de comunicar implica, também, pensar a relação
docente-discente qual fora esta uma relação mercadológica, na qual aquele coleciona
um produto de valor inestimável e este coleciona um ambiente cultural, um história de
vida, um modo de pensar que pode agregar valor ao produto que, num primeiro
momento, ele está a adquirir para, logo em seguida, re-oferecer ao mercado
transformado, enriquecido, mais-valorado.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa.
Paz e Terra. São Paulo, 2010.
WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação, Editora Paulus. São Paulo,
2006.
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