RELAÇÃO ENTRE OS GÊNEROS E O NÍVEL DE INFORMAÇÃO DE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS EM RELAÇÃO AO HIV/AIDS Maria Thereza Ávila Dantas Coelho1 Vanessa Prado Santos2 Márcio Pereira Pontes3 Resumo O controle do HIV/AIDS ainda é um desafio na contemporaneidade. O objetivo desta pesquisa é investigar o nível de informação sobre o HIV/AIDS de estudantes universitários e se existe diferença entre os sexos. 182 estudantes da UFBA responderam a um questionário do Ministério da Saúde; 123 eram do gênero feminino. 93% dos alunos e 98% das alunas responderam que a relação sexual sem preservativo é uma forma de transmissão do HIV. O beijo na boca não leva à sua transmissão para 82% das mulheres e 61% dos homens. A relação sexual com alguém de boa aparência não foi considerada uma forma de proteção por 92% dos homens e 96% das mulheres. 60% das alunas e 66% dos alunos responderam que o leite materno de uma soropositiva transmite o HIV. Entre universitários ainda há desinformação sobre o HIV/AIDS. Palavras-chave: AIDS, HIV, sexualidades, Universidade. 1 Professora Adjunto da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Saúde Pública e Coordenadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde, Violência e Subjetividade – SAVIS. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunto da Universidade Federal da Bahia. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Saúde, Violência e Subjetividade – SAVIS. E-mail: [email protected] 3 Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia. Bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIEX – UFBA. Email: [email protected] Introdução A descoberta dos primeiros casos de HIV/AIDS diagnosticados na década de 80 trouxe uma série de preconceitos, pois ainda não havia um conhecimento aprofundado sobre a síndrome (BRITO et al., 2001). Entretanto, inicialmente acreditou-se que apenas um pequeno grupo da sociedade era atingido por ela, o grupo dos “5 Hs”. Isso ocorreu porque, no princípio, homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (profissionais do sexo) foram os maiores infectados. Denominada pela mídia como “a peste gay”, o surgimento do HIV/AIDS causou furor na sociedade durante os anos 80 e 90 (BRITO et al., 2001; FACCHINI, 2003). Segundo Soares (2006), toda a percepção que a sociedade possuía sobre o sexo foi transformada depois do surgimento do vírus da AIDS. Nesse aspecto, com o advento da AIDS, o panorama em relação à sexualidade, de forma geral, foi bastante alterado e essa alteração afetou essencialmente a homossexualidade em virtude da relação que se estabeleceu entre essa síndrome e os chamados “grupos de risco”, entre os quais o grupo dos homossexuais era considerado central. Ainda na década de 80, o Brasil identificou em seu território a primeira notificação mundial de uma criança infectada pelo HIV, além dos primeiros casos em mulheres, profissionais da área da saúde e em heterossexuais (FIOCRUZ, 2007). O aumento do número de casos e as pesquisas contínuas mostraram que a doença não atingia apenas um grupo de risco, uma vez que a disseminação do vírus poderia ser pela via sexual, pela sanguínea, pelo compartilhamento de seringas e agulhas e através de transfusões de sangue e hemoderivados (SANTOS et al., 2002). Ainda há a possibilidade de transmissão vertical do vírus através da mulher grávida infectada para seu filho, durante a gestação, parto ou aleitamento (MARINGÁ, 2003). Com o passar dos anos, a AIDS foi chamada pela ciência como “doença democrática”, pois o vírus pode atingir todas as parcelas da população (BRITO et al., 2001). Apesar disso, sabe-se que ainda existe preconceito em relação a essa doença. Observa-se também que a associação entre o vírus da AIDS e o comportamento de risco envolve aspectos de certa complexidade, pois nem sempre as informações veiculadas nos principais meios de comunicação sobre a prevenção do HIV/AIDS tem por consequência um comportamento seguro e preventivo. No ano de 2008, os dados acerca da contaminação pelo vírus HIV mostraram que tem havido uma heterossexualização, feminilização e juvenização da doença (ANDREOLLI, 2008). De acordo com o boletim epidemiológico de 2011, o Brasil teve um total de 34.217 casos de AIDS notificados nesse ano. Desses, 6.702 (19,6%) foram na Região Nordeste, sendo que 1.682 (25,1%) encontravam-se na Bahia. Atualmente, entre os grupos atualmente de maior vulnerabilidade parecem estar pessoas de renda mais baixa e de menor escolaridade (RODRIGUES-JÚNIOR et al., 2004). Sendo assim, esta pesquisa buscou analisar o conhecimento de estudantes universitários do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA) a respeito do HIV/AIDS, suas formas de transmissão e as possíveis formas de proteção diante do risco de contágio. Metodologia Foi realizado um estudo entre estudantes universitários do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na pesquisa, foi aplicado um questionário desenvolvido pelo Ministério de Saúde, o Questionário para avaliação de programas de prevenção das DST/AIDS (BRASIL, 2007), contendo 50 questões relacionadas a comportamento de risco, opinião, prevenção, métodos de contágio e realização de testes diagnósticos da infecção pelo vírus. Foram coletados dados a respeito da idade, gênero, orientação sexual e estado civil dos estudantes. Antes de responder ao questionário, os alunos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar da pesquisa. O questionário era anônimo, não permitindo a identificação do estudante, e continha perguntas diretas com respostas do tipo sim e não. As informações demográficas foram apresentadas de forma descritiva, enquanto as diferenças entre os gêneros nas respostas foram analisadas de forma comparativa. Analisamos nesta fase da pesquisa os blocos de perguntas referentes às formas de contágio e formas de proteção relacionadas ao HIV/AIDS, para saber o nível de informação dos estudantes. Os dados foram tabelados em planilha do Microsoft Excel ®. Foram calculadas as porcentagem de respostas afirmativas e negativas (sim e não) do grupo em relação às cinqüenta perguntas do questionário. Realizamos a análise estatística, avaliando as diferenças entre as respostas de alunos e alunas, através do programa EPI-INFO ® 2005. Foi considerado significante um valor de p menor que 0,05. Resultados Caracterizando o grupo pesquisado, dentre os 182 estudantes entrevistados, 123 (68%) eram do gênero feminino. A média de idade foi de 24 anos. Quanto à orientação sexual, 92% se declararam heterossexuais, 4% bissexuais e 4% homossexuais. Cinquenta e três por cento da amostra cursou o ensino médio em instituição pública. Nove por cento dos estudantes se declararam casados e 91% solteiros. Setenta e seis por cento (76%) dos alunos informaram já ter tido relação sexual pelo menos uma vez. A idade média da primeira relação sexual foi de 16,9 anos. O primeiro grupo de perguntas foi sobre as formas de contágio do vírus HIV. Os estudantes revelaram um alto grau de informação sobre o vírus, sendo que algumas respostas tiveram maior índice de acertos, como as ligadas à transmissão sexual, enquanto outras como a transmissão pelo leite materno obtiveram um menor número de acertos. As diferenças entre homens e mulheres obtiveram significância estatística em relação à resposta sobre a transmissão através do beijo na boca, em que os homens apresentaram um maior número de respostas incorretas. Também houve significativamente mais acertos das mulheres em relação ao contágio através de seringas e agulhas. Os detalhes se encontram na tabela 1. Tabela 1: Percentual de resposta dos 182 estudantes a respeito das formas de contágio do HIV/AIDS. Sim, leva à transmissão do vírus Forma de contágio do vírus HIV/AIDS Valor de p Homens Mulheres Sexo sem preservativo 93% 98% 0,15 Talheres, pratos e copos 7% 5% 0,41 Usar o mesmo banheiro 8% 9% 0,46 Beijo na boca 39% 18% 0,001 Gravidez ou parto 95% 94% 0,58 Leite materno 66% 60% 0,24 Picadas de inseto 16% 17% 0,41 Sangue contaminado 98% 98% 0,6 Seringas e agulhas 90% 98% 0,03 3% 3% 0,6 Brincar com crianças que tenham o vírus O segundo grupo de perguntas analisado foi sobre as formas de proteção contra o vírus do HIV/AIDS. O grau de conhecimento também foi menor quando a pergunta se referiu à transmissão vertical, relacionada à gestação e à amamentação (tabela 2). Tabela 2: Respostas dos 182 estudantes sobre se um determinado comportamento protege do contágio do vírus HIV/AIDS Este comportamento constitui-se Sim, protege contra o HIV/AIDS uma forma de proteção ao vírus Valor de p Homens Mulheres 8% 4% 0,18 Sexo com preservativo 92% 97% 0,12 Medicação anticoncepcional 8% 4% 0,18 Tratar a gestante com HIV 76% 74% 0,37 95% 93% 0,42 71% 61% 0,09 HIV/AIDS Sexo com alguém de aparência saudável Não usar agulhas/seringas reutilizadas Não permitir que gestantes com HIV amamentem Avaliamos também algumas respostas dos estudantes em relação ao comportamento dos estudantes em relação ao uso de preservativo e à realização de testes diagnósticos para o HIV/AIDS. A respeito da atividade sexual a pesquisa encontrou que 76% dos estudantes já haviam tido relação sexual e que o início da atividade sexual foi em média com 16,9 anos. Sobre o uso de preservativo, 60% dos estudantes revelaram ter feito uso na primeira relação. A ampla maioria dos estudantes (99%) respondeu que a mulher tem o direito de solicitar ao parceiro que use o preservativo (camisinha). Quando perguntados se já haviam feito, alguma vez, a sorologia para o HIV, apenas 53% dos alunos e 37% das alunas revelaram que sim (p=0,02), mostrando que um número significativamente maior de jovens do gênero masculino já realizou o teste sorológico. Oitenta e quatro por cento do grupo total de estudantes responderam que pretendem fazer tal exame no futuro. Discussão Percebe-se que, apesar da maioria dos participantes conhecerem a síndrome e suas formas de prevenção, ainda existe algum grau de desinformação, sendo que o uso de preservativo não é um hábito para a proteção contra o HIV/AIDS. O Ministério da Saúde debate que um dos fatores que influenciam a ampliação do número de casos da doença é a baixa escolaridade, porém, mesmo entre estudantes universitários, questões concernentes à prevenção merecem ser estudadas. As concepções e as práticas de saúde de uma população recebem influências sócio-culturais muito complexas para serem analisadas apenas no âmbito da informação. O conhecimento sobre a doença provavelmente não é o único fator que influencia as práticas dos estudantes. Entretanto, discutindo a respeito da desinformação acerca do HIV/AIDS entre estudantes universitários e a questão de gênero, encontrou-se poucas diferenças. No que concerne às formas de contágio do HIV, um maior número de homens acredita que o vírus pode ser transmitido pelo beijo na boca, enquanto as mulheres se encontram melhor informadas a esse respeito. Ainda existe a crença da possibilidade de transmissão do HIV através de picadas de pernilongos e outros mosquitos. O índice de acertos de ambos os grupos quanto à transmissão vertical foi em torno de 60%, o que sugere que este tipo de informação não vem atingindo este grupo. Sendo assim, nem todos os jovens universitários têm a informação sobre as formas de contaminação do HIV, que, segundo o Ministério da Saúde, podem ser: sexo sem camisinha, gestação, parto ou amamentação da parte da mãe infectada (transmissão vertical), uso da mesma seringa ou agulha contaminada por mais de uma pessoa, transfusão de sangue contaminado com o HIV e uso de instrumentos que furam ou cortam, não esterilizados. Relacionando as formas de prevenção, poucos entrevistados de ambos os gêneros responderam que se relacionar sexualmente com uma pessoa aparentemente sadia é um modo de evitar a contração pelo vírus, informação que vem sendo constantemente veiculada através dos meios de comunicação de massa através do slogan “quem vê cara não vê AIDS”. Em relação à transmissão vertical, cerca de dois terços dos estudantes responderam corretamente sobre o papel do tratamento da gestante na prevenção do HIV/AIDS. Já sobre a necessidade das mães soropositivas não amamentarem seus filhos, o índice de acertos foi menor entre ambos os gêneros e ainda mais baixo entre as mulheres. Sendo assim, o aumento nos índices da contaminação vertical (BRASIL, 2011) pode ter uma de suas origens na falta de informação sobre esse tipo de transmissão entre as mulheres. No que diz respeito à realização do teste sorológico para o diagnóstico do HIV/AIDS, apenas 53% dos homens e 37% das mulheres revelaram já tê-lo feito, enquanto mais de 80% dos estudantes de ambos os gêneros afirmaram que pretendem fazer tal exame no futuro. O teste sorológico é citado como um dos fatores principais para que haja uma redução da contaminação de HIV/AIDS no mundo (UNAIDS, 2011), mas múltiplos fatores interferem na vulnerabilidade do jovem brasileiro ao HIV/AIDS, devendo os determinantes sócio-econômicos ser considerados. O fato de um maior número de jovens do gênero masculino já ter realizado o teste pode ter várias explicações, dentre elas o fato dos homens terem um maior número de parceiras e um comportamento sexual culturalmente mais “liberal” na nossa sociedade. Sobre o uso do preservativo, nota-se que pouco mais da metade dos jovens da nossa amostra o utilizaram na primeira relação sexual, porcentagem semelhante à obtida em pesquisa de outros autores brasileiros com mais de três mil jovens de três capitais brasileiras (TEIXEIRA, 2006). A nossa pesquisa contou com um número pequeno de questionários, mas pode colaborar para uma melhor compreensão dos indicadores epidemiológicos que envolvem o HIV/AIDS no Brasil, fomentar o debate sobre a informação para saúde nas universidades brasileiras e discutir as possíveis diferenças entre os gêneros e as questões de saúde. Considerações finais Os dados obtidos por esta pesquisa mostram que ainda existe algum grau de desinformação dos jovens brasileiros de ambos os gêneros a respeito da transmissão e da prevenção do HIV/AIDS. Mesmo tendo acesso a informações acerca do HIV/AIDS, uma parcela dos estudantes deixa de tomar precauções necessárias para evitar a contaminação pelo vírus do HIV/AIDS. Nesse aspecto, percebe-se que a prevenção passa por questões socioculturais complexas, necessitando maiores estudos a respeito da motivação e dos hábitos de prevenção e promoção da saúde entre os jovens brasileiros. No entanto, a difusão do conhecimento sobre o HIV/AIDS no ambiente universitário pode ser um aliado contra a doença, divulgando a importância dos saberes e práticas acerca do HIV/AIDS entre os jovens e nas comunidades onde eles convivem. Referências bibliográficas ANDREOLLI, A. As pessoas que vivem com HIV/AIDS: uma revisão da literatura científica. 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