PRÁTICAS DE GOVERNANÇA EM UMA EMPRESA TECNOLÓGICA INCUBADA DE FLORIANÓPOLIS INVESTIDA PELO BNDES Autoria: Jamily de Jesus Brito, Ernesto Fernando Rodrigues Vicente, Camila Bolfe RESUMO Esta pesquisa objetiva conhecer a configuração das estruturas de governança corporativa de uma empresa tecnológica incubada de Florianópolis, investida pelo BNDES. Foram realizadas entrevistas com o presidente da empresa e com o gestor do Fundo do BNDES, investidor desta. Os resultados revelam que a empresa possui práticas utilizadas em organizações de elevado nível de governança corporativa, dentre estas: existência de Acordo de Acionistas e de Conselho de Administração. Contudo, há questões a serem desenvolvidas, como: a não utilização de métodos internacionais de contabilidade e a ocupação dos cargos de presidente do Conselho e de presidente da organização pela mesma pessoa. Palavras-chave: Empresas de Tecnologia, Governança Corporativa, Investimento. ABSTRACT This research objectives to know the shape of corporate governance structures in a technological based incubated firm from Florianópolis which is invested by BNDES. There were performed interviews with the CEO and with the BNDES manager who invest in the firm. The results reveal that the firm adopts some widely used practices of corporate governance such as: Shareholder’s agreement and Board of Directors. However, there are issues to be developed, such as: utilizing international accounting methods and separating functions as CEO and Board of Directors presidency for two separate persons. Keywords: Technology based firms, Corporate Governance, Investment. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 1/18 1. INTRODUÇÃO O crescimento econômico brasileiro dos últimos tempos tem resultado em, por exemplo, manutenção do emprego a níveis desejados e inserção internacional das empresas brasileiras (BLANCHARD, 2007). Contudo, este pode ser acompanhado de conflitos de agência advindos da separação entre gestão e controle acionário (JENSEN; MECKLING, 1976). Assim, podem ocorrer crises de confiança nas organizações, tais como escândalos financeiros e stakeholders descontentes, vindo à tona a fragilidade do sistema de governança utilizado nas empresas, destacando a necessidade de implementação das boas práticas de Governança Corporativa que podem ser aplicadas em todos os tipos de organizações (IBGC, 2010). Com a intenção de captar novos investidores e aumentar o valor da entidade no mercado, muitas empresas brasileiras optam por adotar e aplicar práticas de Governança Corporativa. Isso se deve, em parte, a uma cobrança advinda dos investidores no que se refere à transparência dos negócios, destacando a importância dos registros contábeis para a elaboração de relatórios contábeis apresentados na prestação de contas (JACQUES et al. 2011). A análise das práticas de governança surge como base para as decisões de investimento dos financiadores do capital, pois, “a governança define o nível e as formas de atuação que estes podem ter sobre a companhia, possibilitando-lhes exercer influência no desempenho da mesma” (CVM, 2002, p.1). Essa característica é bastante presente em empresas incubadas, dado que são pequenas e de alto risco, assim, necessitam demonstrar aos investidores que possuem algum diferencial atrativo, como é o caso da possibilidade de exercerem influência na gestão da companhia. As empresas incubadas de base tecnológica estão em nível inicial de desenvolvimento organizacional, ou seja, ainda estão em fase de estruturação de processos e de desenvolvimento de produtos. Desta forma, necessitam de recursos externos que são obtidos em órgãos de fomento governamental como, por exemplo, subvenções econômicas da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e investimento de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em empresas tecnológicas nascentes de alto risco, feita pelo Fundo de Investimento em capital semente Criatec, vinculado ao BNDES (FUNDO CRIATEC, 2013). O que se questiona é se essas empresas conseguem prestar contas adequadamente aos seus agentes financiadores, assim como aos seus acionistas, os quais desejam conhecer a aplicação dos recursos recebidos. Além disso, há um custo para a sociedade em geral, caso essas empresas não estejam preparadas para arcar com essa demanda por disclosure e accountability. As empresas não conseguindo atender à demanda, seria possível haver uma menor destinação de recursos para esta finalidade, o que possivelmente prejudicaria o desenvolvimento econômico do país devido a diminuição da pesquisa tecnológica. Nesse contexto, objetiva-se com esta pesquisa conhecer como se configuram as estruturas de governança corporativa de uma empresa incubada de tecnologia de Florianópolis, investida pelo BNDES. Dentre os objetivos específicos encontram-se: identificar as pressões por práticas de governança corporativa enfrentadas pela empresa estudada; descrever as práticas de governança corporativa já implantadas na empresa, _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 2/18 juntamente com as dificuldades enfrentadas para atende-las; e, verificar a percepção de dois envolvidos no processo, o BNDES como investidor e o gestor principal da empresa. Considerando as empresas incubadas, para pesquisa acerca de governança corporativa, o presente artigo visa verificar através de um estudo de caso quais práticas de governança são adotadas em uma empresa de tecnologia de Florianópolis investida pelo BNDES. Sendo assim, a pergunta que esta pesquisa visa responder é a seguinte: como se configuram as práticas de governança corporativa em uma empresa de base tecnológica incubada de Florianópolis investida pelo BNDES? Justifica-se o presente estudo em virtude da importância da evidenciação das informações empresariais para seus acionistas/cotistas e para o mercado como um todo, visto que a transparência destas informações contidas nos instrumentos contábeis possibilita a correta análise da situação econômico-financeira da empresa. A pesquisa também se faz importante devido ao crescimento do interesse em práticas de governança corporativa, além da heterogeneidade das práticas de governança no Brasil e no mundo (ROBERTSON; DIYAB; AL-KAHTANI, 2013). Outra justificativa é de que existe espaço para a pesquisa acerca de práticas de governança em empresas de capital fechado, em especial em empresas incubadas, devido à atualidade do tema. A grande maioria dos estudos existentes possui foco nas empresas participantes de bolsa de valores. Contudo, já existem algumas pesquisas que buscam compreender os mecanismos de governança corporativa em outros tipos de instituições, que não de capital aberto, tais como: Costa, Chaddad e Azevedo (2012) que exploraram a separação entre propriedade e decisão de gestão em cooperativas agropecuárias brasileiras; Mizumoto e Machado Filho (2007) que analisaram as práticas de governança corporativa em uma empresa familiar de capital fechado; Almeida et al (2010), que procuraram evidenciar a evolução das práticas de governança corporativa em empresas brasileiras de capital aberto não listadas em bolsa. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Governança Corporativa As organizações, para sinalizarem ao mercado que possuem uma estrutura capaz de garantir o interesse dos investidores e que estão aptas a gerirem seus processos de forma transparente, responsabilizando-se pelos seus atos, instituem práticas de governança corporativa. Assim sendo, a governança corporativa se destaca no cenário mundial como uma facilitadora da minimização dos conflitos entre stakeholders e gestores das empresas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC, 2010, p. 19): Governança Corporativa é um sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e Órgãos de controle. As boas práticas de Governança transformam princípios em recomendações objetivas, o que permite o alinhamento dos interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 3/18 A necessidade de se estabelecer diretrizes para a governança das organizações é uma demanda advinda, em parte, da separação entre propriedade e gestão ocorrida com a profissionalização da função administrativa das empresas. Essa separação é uma das principais causas dos conflitos de agência (JENSEN; MECKLING, 1976), que revelam o dono do capital (principal) com interesses por vezes divergentes do gestor (agente). Neste sentido, “corporate governance is the set of processes that provides an assurance to outside investors of a fair return on their investment” (BHAGAT; BOLTON; ROMANO, 2010, p.97) Carvalho (2007, p.22) descreve a Governança Corporativa como “mecanismos ou princípios que governam o processo decisório dentro de uma empresa, um conjunto de regras que visam minimizar os problemas de agência”. Mecanismos estes instituídos com objetivo de garantir que os responsáveis pela tomada de decisão ajam em benefício das partes com direitos legais sobre a empresa, evitando dessa forma o oportunismo dentro da organização. O autor defende também que as boas regras de governança corporativa dependem das características da empresa, da natureza do contrato financeiro através do qual o aporte de capital é feito, dos objetivos da entidade financiadora, entre outros aspectos particulares de cada empresa. As companhias que optam por “um sistema de governança que proteja todos os seus investidores tendem a ser mais valorizadas, já que os investidores reconhecem que o retorno dos investimentos será usufruído com equidade por todos” (CVM, 2002, p.1). Assim, “o desenvolvimento de boas práticas de GC tornou-se necessário como forma de transmitir confiabilidade a seus investidores, refletindo a situação econômico-financeira da empresa ao mercado, bem como possibilitar a captação de novos recursos” (JACQUES et al. 2011, p. 43). Segundo os autores Ramos e Martinez (2006), a Governança Corporativa busca demonstrar as práticas e os relacionamentos entre todos os indivíduos envolvidos em uma organização, sejam eles internos ou externos, que buscam a valorização dos ativos das empresas, envolvendo transparência, direito dos acionistas, equidade de tratamento com os acionistas e prestação de contas; buscando em última instância a eficiência corporativa. Dentre os princípios que regem a governança corporativa, destacam-se: a transparência (disclosure); a equidade (equity); a prestação de contas (accountability); a obediência às leis (compliance); a responsabilidade corporativa; e a ética (ethics). Sendo assim, segue o Quadro1 com a descrição destes: Princípio Transparência Descrição A administração deve cultivara informação e mantê-la disponível aos interessados, independente da obrigatoriedade imposta por regulamentos e leis. Não estando restrito ao desempenho econômico-financeiro, deve abordar os aspectos que direcionam ações gerenciais e que influenciaram na geração de valor. Equidade Busca o equilíbrio, tratamento igualitário entre todos sócios e demais partes interessadas, como clientes, fornecedores, colaboradores ou credores. Considera-se inadmissível política ou ações discriminatórias. Prestação de Contas Os agentes de governança devem assumir as consequências quanto às decisões tomadas durante o exercício dos seus mandatos e prestar contas de sua atuação a quem os elegeu. Responsabilidade Dever de manter a sustentabilidade da organização, aplicando considerações de ordem _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 4/18 Corporativa Compliance Ética ambiental social na definição dos negócios e operações. O cumprimento das leis, normas, regulamentos e determinações, ou seja, estar em conformidade com as leis do país. O Conselho de Administração precisa assegurar que as diversas áreas ajam baseadas em princípios de conduta, estimulando uma cultura ética dentro da empresa. Quadro 1 – Descrição das finalidades dos princípios de governança corporativa. Fonte: IBGC (2010); LODI, J.B. (2000) 2.2 Incubadoras Tecnológicas As incubadoras tecnológicas brasileiras surgem na década de 1980 e, em 2011, já existiam 384 incubadoras ativas que abrigavam 2640 empresas gerando 16.394 empregos, evidenciando assim, a importância dessas iniciativas para a economia e o desenvolvimento do país (ANPROTEC, 2012). Ao longo dos anos, as incubadoras tecnológicas moldaram sua atuação para adequarem-se às demandas econômicas: Inicialmente, as incubadoras estavam focadas apenas em setoresintensivos em conhecimentos científico-tecnológicos, comoinformática, biotecnologia e automação industrial. Habitualmente denominadas incubadoras de empresas de base tecnológica, ou incubadoras tecnológicas, tinham como propósito, assim, a criação de empresas com potencial para levar ao mercado novas ideias e tendências tecnológicas. Atualmente, além do objetivo inicial, elas têm o propósito de contribuir para o desenvolvimento local e setorial.(ANPROTEC, 2012, p.5) Pertencer a uma incubadora pode trazer diversos benefícios para as empresas incubadas. Dentre esses benefícios, os geralmente citados pelas pesquisas científicas no assunto são: divisão do espaço do escritório entre mais de uma empresa, o que diminui o valor do aluguel; a utilização compartilhada dos serviços de suporte o que minimiza os custos operacionais; assessoria empresarial e acesso a rede de contatos também compartilhada (BERGEK; NORRMAN, 2008). A empresa estudada nesta pesquisa está localizada na incubadora CELTA de Florianópolis. Atualmente, esta incubadora abriga em torno de 35 empresas de base tecnológica, “que geram cerca de 800 empregos diretos e faturam aproximadamente R$ 40milhões ao ano” (CELTA, 2013). O CELTA já graduou (colocou no mercado) 70 empresas, o que é considerado o maior volume de empreendimentos nascidos em incubadoras do país (CELTA, 2013). As empresas incubadas constituem-se como auxiliares no processo de inovação tecnológica, de desenvolvimento econômico e de inserção do Brasil no cenário mundial. Por conta dessa importância e da constante geração de inovação tecnológica, muitas destas empresas são S/A e possuem investidores como o BNDES além de projetos subvencionados pelo governo. Desta forma, recebem pressão dos seus vários stakeholders para que possuam práticas de governança corporativa adequadas. 3. METODOLOGIA A pesquisa foi elaborada como um estudo de caso e possui características predominantemente qualitativas, dado que se pretende analisar o objeto de estudo com profundidade, obtendo uma visão detalhada de seu contexto e de seus processos _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 5/18 (HARTLEY,1994). Quanto ao objetivo da pesquisa, entende-se que esta é exploratória, dado que pouco se estudou até hoje acerca de conflitos de interesse e práticas de governança corporativa em empresas incubadas de tecnologia. A empresa selecionada para análise é uma indústria de base e está localizada no Parque Tecnológico Alfa em Florianópolis, Santa Catarina. Este Parque abriga, desde 1986, a Incubadora Empresarial Tecnológica (CELTA) que foi pioneira no Brasil em termos de incubadora de alta tecnologia, juntamente com outra iniciativa do gênero em São Carlos-SP (CERTI, 2013). Além disso, o CELTA é a maior incubadora da América Latina, considerando número de empresas e área construída (CELTA, 2013), o que justifica a escolha dessa incubadora para a pesquisa. A empresa estudada foi fundada em 2008 e é uma S/A de capital fechado. Esta permaneceu em fase pré-operacional até o ano de 2010 e obteve faturamento de, aproximadamente, 4milhões reais em 2012. Possui como investidor um fundo de investimentos em empresas de tecnologia do BNDES, o Fundo Criatec. Este fundo investe atualmente em 36 empresas brasileiras emergentes inovadoras e “tem como objetivo obter ganho de capital por meio de investimento de longo prazo em empresas em estágio inicial (inclusive estágio zero), com perfil inovador e que projetem um elevado retorno” (FUNDO CRIATEC, 2013). Ainda, a empresa conta com subvenção governamental da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o que fortalece a preocupação com a adequada prestação de contas acerca de recursos e gestão (FINEP, 2013). Ressalta-se que o nome da empresa analisada foi substituído por “W” para resguardar os interesses da companhia. O processo de escolha da empresa a ser analisada se deu de forma intencional, dado que a empresa “W” preenchia os requisitos esperados nesta pesquisa: ser uma empresa incubada de tecnologia, ser S/A, ser investida do BNDES, além de se disponibilizar a participar da pesquisa permitindo verificação in loco de documentos e proporcionando tempo necessário para a entrevista com o Presidente. O requisito de ser incubada tecnológica é relacionado à pergunta de pesquisa, que espera encontrar as práticas de governança corporativa em uma empresa desse gênero. Já o requisito de ser de S/A se deve ao fato de que empresas Limitadas raramente possuem separação entre gestão e propriedade o que dificultaria as análises dos conflitos de interesse. Foram realizadas entrevistas semi estruturadas com o CEO (Chiefe Executive Officer) da empresa estudada e também com o gestor do Fundo Criatec do BNDES para a região sul do Brasil. Desta forma, pretendia-se avaliar as práticas de governança corporativa que são requeridas e esperadas pelo Fundo investidor em contraponto ao que se realiza efetivamente na organização; além de verificar a existência de conflitos de interesse entre as partes. As entrevistas e a verificação in loco, com apreciação de documentos internos da empresa, como Estatuto Social e Acordo de Acionistas, ocorreram entre março e abril de 2013, sendo que os resultados são apresentados a seguir. As perguntas direcionadas ao CEO foram adaptadas de Almeida et al (2010), fazendose adaptações para que fossem adequadas à realidade da empresa e à realidade desta pesquisa. Estes questionamentos foram agrupados em três grandes grupos: Equidade, buscando compreender se os direitos dos acionistas e as informações a eles prestadas são equitativas; _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 6/18 Transparência, na qual englobam-se, para fins desta pesquisa, a prestação de contas da empresa para com seus stakeholders e a compliance perante às normatizações incidentes sobre ela; e, Ética, compreendendo a responsabilidades corporativa (social e ambiental). Já no caso da entrevista realizada com o gestor do Fundo Criatec, as perguntas procuraram gerar uma visão geral externa (do Fundo) frente à governança corporativa das investidas, em especial, da empresa “W”. Os questionamentos seguem aos seguintes tópicos: qual a cobrança/estrutura formalizada do Fundo em relação às suas investidas; como é feita a prestação de contas das investidas perante o Fundo; visão do Fundo acerca da transparência das investidas e da preservação dos interesses dos acionistas; práticas/estruturas de governança corporativa que o Fundo gostaria de implementar nas investidas; e, quais as dificuldades enfrentadas/alegadas pelas investidas para o cumprimento das exigências do Fundo. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A pressão de stakeholders por prestação de contas e disclosure de práticas de gestão é evidente na empresa “W”, o que motiva a preocupação desta com melhores práticas de governança. Assim sendo, foram efetuadas entrevistas com o gestor do Fundo Criatec do BNDES e com o CEO da empresa estudada para que fosse possível conhecer e comparar as demandas, as pressões e os interesses relacionados à governança corporativa em ambas as opiniões. Além disso, também foram analisados documentos internos da empresa tais como Acordo de Acionistas e Estatuto Social. 4.1 Percepção do CEO Os questionamentos feitos ao CEO foram separados em três grandes grupos: equidade; transparência (englobando prestação de contas e compliance); e, ética (englobando responsabilidade social e ambiental). Em relação ao princípio da equidade, percebe-se que a empresa possui algumas práticas comumente encontradas em empresas de capital aberto, tais como: existência de acordo de acionistas, conselho de administração e assembleias gerais para discussão com acionistas a respeito das decisões mais importantes para a organização. Para melhor visualização da situação referente à equidade na empresa “W”, segue Quadro 2 com os principais resultados desta parte da entrevista: (1) EQUIDADE A empresa possui acordo de acionistas, no qual se deliberam direitos e deveres dos acionistas, tais como: (1.1) Ações preferenciais com direito à voto equiparado ao das ações ordinárias (1.2) Criação de um "FUNDO DE RESGATE", com destinação de % sobre o lucro, para possibilitar o resgate das ações preferenciais do Fundo (investidor) (1.3) Permissão para o Fundo (investidor) fazer DueDiligence na empresa quando da deliberação de aumento de capital (1.4) Termos de confidencialidade e não concorrência (1.5) Obrigação de manutenção do controle acionário (exceto quando houver saída conjunta dos acionistas majoritários e do Fundo) (1.6) Direito do Fundo em escolher membros para o Conselho de Administração e ocupante do cargo de Diretor Financeiro da empresa investida _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 7/18 (2) (3) (1.7) Quórum mínimo para deliberação em assembleia, acerca de alterações no Estatuto Social, aumento/redução de capital, reorganizações societárias, fixação de montante global anual de remuneração de administradores, aprovação de "Orçamento Anual", aprovação de tomada de empréstimos superiores a um determinado valor, entre outras. Sobre as Assembleias de acionistas, para deliberações e conhecimento dos resultados de gestão: (2.1) São realizadas no mínimo uma vez ao ano, porém, são convocadas sempre que necessário para deliberações mais importantes (2.2) Os votos dos acionistas podem ser proferidos por procuração Sobre o controle acionário: (3.1) Os controladores não possuem mais de 50% do capital votante, individualmente (3.2) O percentual de ações preferenciais é maior de aproximadamente 30% do capital total (contudo possuem direito a voto) (3.3) O controle da companhia é direto Quadro 2 – Equidade na Empresa “W” Fonte: dados da pesquisa. Ao analisar o Quadro 2, percebe-se que, no tocante ao acordo de acionistas (1), muitos direitos de acionistas são incluídos com este instrumento, revelando uma postura de equidade no tratamento dos acionistas, inclusive os preferenciais. Essa conclusão é divergente aos resultados da pesquisa de Almeida et al (2010) em relação às empresas de capital aberto não participantes de bolsa de valores. Os autores demonstram que não existiam acordos de acionista em mais de 70% das empresas analisadas por eles entre os anos de 2003 e 2007. Isso se deve, possivelmente, ao fato de a empresa “W” ser investida do Fundo Criatec do BNDES, que obriga suas investidas a possuírem um acordo de acionistas para que se consolide o investimento. Com relação ao item (2), atrelado ao subitem (1.7) do Quadro 2, os acionistas conseguem exercer seus direitos de voto com relativa facilidade, dado que é convocada assembleia para decisões de maior vulto e para algumas decisões estratégicas. Além disso, é assegurado o direto a voto por procuração para qualquer acionista, sendo ele ordinário ou preferencial. No item (3), podem-se traçar mais comparativos com a pesquisa de Almeida et al (2010). Enquanto na pesquisa aqui apresentada nenhum controlador, individualmente, possui mais de 50% das ações; no trabalho de Almeida et al (2010), a grande maioria das empresas (100% delas em 2004) não tinha essa característica. Portanto, existe uma certa dispersão acionária, característica presente nas empresas com altos níveis de governança corporativa. Esse resultado é oposto às tendências corporativas brasileiras, dado que a concentração acionária é grande e segue aumentando a cada ano no país (SILVEIRA, BARROS e FAMÁ, 2008; LEAL, SAITO, 2003). Apesar de aproximadamente 30% do capital social ser composto de ações preferenciais, como demonstra o subitem (3.2) o acordo de acionistas prevê a estas ações direito a voto equiparado ao das ações ordinárias. Sendo assim, entende-se que a empresa possui todas as suas ações com direito a voto, prática observada em empresas com alto nível de governança corporativa, tal qual o Novo Mercado da BM&FBOVESPA (BM&FBOVESPA, 2013). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 8/18 Por fim, no subitem (3.3) o que se percebe é que o controle da organização é feito de forma direta. Com isso, entende-se que seja mais próxima a discussão e acompanhamento da gestão pelos acionistas, o que contribuiria possivelmente para a redução de conflitos de agência, inclusive a redução do gerenciamento de resultados (TORRES et al, 2009). Ressaltase que o resultado aqui encontrado opõe-se ao encontrado por Almeida et al (2010) no qual o controle direto era minoria nas empresas de capital aberto não listadas na bolsa. No segundo grupo de perguntas, enquadradas como Transparência, foram analisadas questões de divulgação de informações, prestação de contas e cumprimento à normatização incidente sobre a empresa. O Quadro 3 traz os principais resultados obtidos: TRANSPARÊNCIA (1) Sobre os relatórios financeiros: (1.1) A companhia prepara seus relatórios financeiros exigidos por lei dentro do prazo previsto (1.2) A companhia faz a aprovação dos relatórios financeiros exigidos por lei em assembleia com todos os acionistas (1.3) A companhia não utiliza métodos internacionais de contabilidade (IASB ou USGAAP) (1.4) A companhia não publica seus relatórios financeiros em algum veículo de informação (2) Sobre a auditoria independente: (2.1) A companhia sofre auditoria independente desde o ano de 2011 (2.2) Relatório de auditoria (2011) sem ressalvas (2.3) A empresa de auditoria não é uma das 4 maiores empresas Globais (KPMG, E&Y, Delloite, PWC) (3) Sobre outras prestações de contas: (3.1) A companhia presta contas para outras entidades além dos acionistas (Subvenções, Instituições Financiadoras, Instituições bancárias) (3.2) A companhia possui um projeto aprovado e em desenvolvimento junto à FINEP (prestação de contas periódica conforme uso dos recursos), além de outro projeto em processo de elaboração (3.3) A companhia presta contas mensalmente ao Fundo Criatec do BNDES (por meio de uma Planilha de Aceleração de Crescimento) (4) Sobre a compliance: (4.1) A companhia nunca sofreu processos judiciais e/ou extrajudiciais (4.2) Não existem órgãos reguladores da atividade econômica da companhia (4.3) Não há manual/código de normas internas Quadro 3 – Transparência na empresa “W” Fonte: dados da pesquisa. Assim como a maioria das empresas de capital aberto não listadas em bolsa (Almeida et al, 2010), a empresa “W” prepara seus demonstrativos financeiros dentro dos prazos previstos em lei, conforme item (1.1) do Quadro 3. Além disso, todos os acionistas tem acesso aos demonstrativos financeiros (1.2), que são aprovados em assembleia, formando uma espécie de Conselho Fiscal indireto para deliberação sobre os valores apresentados. Contudo, a empresa não divulga amplamente informações financeiras em mídia (1.4) e não utiliza métodos internacionais de contabilidade na elaboração de seus demonstrativos (1.3), atendose apenas ao cumprimento do que é exigido no país. No quesito (2), sobre auditoria independente, pode-se observar que, apesar ser relativamente nova no mercado, a empresa “W” já possui características de preservação da _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 9/18 qualidade informacional incomuns em empresas pequenas. Contudo, a empresa de auditoria independente contratada, para ambos os anos auditados (2011 e 2012), não pertencia às quatro maiores empresas globais de auditoria (2.3). Ressalta-se que o relatório de auditoria de 2012 não havia sido divulgado até o momento da pesquisa. A empresa “W” também é obrigada a prestar contas para outras entidades, além de prestar contas aos acionistas Pessoas Físicas. Isso se deve à existência de projetos de subvenção econômica junto à FINEP, o investimento do BNDES na empresa por meio do Fundo Criatec e às instituições financeiras ligadas. O CEO da companhia revela que existe muita dificuldade em conseguir recursos na condição de S/A com poucos anos de existência, devido à falta de garantias legais para a análise de crédito. Desta forma, apesar de ser uma empresa com práticas de governança corporativa, a esperada redução no custo de captação de recursos não é efetivada (CHEN, CHEN, WEI, 2009). Por fim, no último conjunto de perguntas, procurou-se evidenciar as práticas organizacionais que abrangem a ética desta. Neste grupo foram incluídos os aspectos social e ambiental da responsabilidade corporativa. As principais respostas constam no Quadro 4. Inicialmente analisa-se a questão da responsabilidade social da empresa (1). É possível perceber, neste quesito, a diferença entre a maior e a menor remuneração dentro da “W” no subitem (1.1). Neste sentido, a empresa possui um certo equilíbrio na distribuição de salários, comparando-se com outras indústrias do estado como a Sadia, na qual essa relação entre a maior e a menor remuneração é de 67 vezes. (PINTO; RIBEIRO, 2004). (1) (2) ÉTICA Em relação ao aspecto social: (1.1) A relação entre a maior e a menor remuneração da entidade (considerando os empregados e os administradores) é de 10 para 1 (1.2) Os colaboradores não recebem participação nos lucros e/ou resultados da empresa (1.3) A maioria dos colaboradores possui o nível de escolaridade de terceiro grau completo (1.4) Atualmente não existem processos trabalhistas movidos contra a entidade Em relação ao aspecto ambiental: (2.1) Atualmente a empresa não possui práticas de preservação/restauração do meio ambiente institucionalizadas (2.2) Atualmente não existem processos ambientais movidos contra a entidade Quadro 4 – Ética na empresa “W” Fonte: Dados da pesquisa. Percebe-se que os colaboradores da empresa analisada possuem, em geral, um nível de instrução de formação acadêmica (1.3), contrariando a o esperado para indústrias no estado, visto que 91% dos trabalhadores da indústria catarinense possuíam grau de instrução de analfabeto a ensino médio completo (FIESC, 2011). Isso talvez seja fruto da alta tecnologia empregada no processo produtivo da empresa “W” o que requer uma mão-de-obra mais especializada. No entanto, estes ainda não recebem participação nos lucros (1.2), segundo o CEO, devido aos poucos anos de mercado da empresa. A “W”, esclarece o CEO, permaneceu em estágio pré-operacional (entre 2008 e 2009) obtendo resultados negativos nos últimos períodos, mas com o lucro do último ano, a possibilidade de oferecer participação nos lucros passou a figurar na pauta das reuniões de planejamento estratégico. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 10/18 Percebe-se também que não há, atualmente, processos trabalhistas contra a entidade (1.4). Uma explicação possível é de que a empresa tornou-se operacional apenas no ano de 2010 e conta com apenas 20 colaboradores. Isso não impede que com o crescimento da empresa, venham a ocorrer processos contra a organização. O outro ponto abordado é em relação ao aspecto ambiental (2). Neste quesito a empresa estudada evidencia que não possui processos ambientais contra ela (2.1); contudo, não estabelece práticas de preservação/restauração do meio ambiente (2.2). O CEO revela que, apesar de não possuir práticas de preservação do meio ambiente institucionalizadas, os produtos fabricados pela “W” possuem um apelo sustentável, dado que a máquina produzida por ela reduz grandemente a necessidade de insumos nas empresas adquirentes (clientes). Outros assuntos foram tratados na entrevista além dos citados previamente, contudo, os principais tópicos foram evidenciados. Além do exposto, cabe ressaltar que dentro da estrutura de controle da empresa o CEO é também o presidente do Conselho, o que revela um conflito de interesses latente, dado que o Conselho deveria fiscalizar a atuação dos gestores, sendo esta uma prática oposta ao que se espera de uma empresa com práticas de governança corporativa (CVM, 2002). 4.2 Percepção do gestor do Fundo Criatec do BNDES Para se obter uma visão mais ampla da governança corporativa da empresa “W”, optou-se por conhecer a percepção do gestor do Fundo Criatec do BNDES, investidor da empresa em questão. Assim, pode-se observar e comparar as visões interna (CEO) e externa (BNDES) a respeito das práticas de minimização dos conflitos de agência adotadas pela “W”. Este gestor do Fundo é membro integrante do Conselho de Administração da empresa e, portanto, é o representante do BNDES na sua investida, tendo a função de resguardar os interesses deste. No intuito de compilar os principais resultados desta entrevista com o gestor doFundo, elaborou-se o Quadro 5: (1) (2) (3) Percepção do investidor BNDES Cobrança do Fundo em relação à governança corporativa das investidas: (1.1) Tudo que é requisitado pelo Fundo está discriminado no Estatuto e no Acordo de Acionistas. (1.2) Decisões mais operacionais estão a cargo da diretoria. (1.3) Decisões mais estratégicas devem ser levadas às Assembleias (AGE/AGO). (1.4) O Conselho de Administração das investidas é responsável, basicamente, pela eleição da diretoria e aconselhamento. (1.5) Acionistas estratégicos não podem se desfazer das ações sem aval do Fundo. (1.6) As empresas investidas devem ser constituídas na forma de Sociedade por Ações (S/As). Prestação de Contas das investidas para com o Fundo: (2.1) Há uma planilha de acompanhamento econômico-financeiro das investidas apresentada mensalmente. (2.2) Atualmente não há Conselho Fiscal instaurado formalmente nas investidas. (2.3) Obrigatoriedade de contratação de auditoria independente. Transparência das investidas: (3.1) Há um relacionamento de confiança mútua. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 11/18 (4) (5) (6) (3.2) Existe um bom relacionamento com a empresa que presta serviços contábeis para as investidas. (3.4) A proximidade do Fundo com as investidas facilita a transparência. Preservação dos Interesses dos acionistas: (4.1) Há alinhamento entre a filosofia dos empreendedores e a filosofia do Fundo. (4.2) Maior conflito de interesse se refere à escolha dos executivos. Práticas que o Fundo gostaria de implantar nas investidas: (5.1) Criar estrutura decisória intermediária entre Assembleia e Diretoria. (5.2) Mais cláusulas no acordo de acionistas (dando mais poderes ao Fundo). Dificuldades enfrentadas pelas investidas para cumprir exigências do Fundo: (6.1) Falta de tempo para cumprir com as exigências. (6.2) Escassez de análises de desempenho por parte dos diretores. Quadro 5 – Percepção do investidor BNDES sobre a governança corporativa na “W” Fonte: dados da pesquisa. Inicialmente, questionou-se acerca da cobrança do Fundo e da estrutura formalizada de governança corporativa que é requerida com relação às empresas investidas (1). Neste quesito são apontadas as características atuais da relação entre o BNDES e suas investidas e as motivações para que se existam essas estruturas de governança. As principais justificativas para que o Fundo não intervenha com mais assiduidade nas decisões das empresas investidas (1.2) são, segundo o gestor, as seguintes: burocratização desnecessária de decisões operacionais e, não responsabilização futura do Fundo por alguma decisão equivocada tomada pela diretoria. As maiores atribuições são, desta forma, delegadas às Assembleias (1.3). Dentre essas atribuições pode-se citar: aprovar operações financeiras demonstra maior do que um valor pré-estabelecido conforme o Patrimônio da investida; deliberar acerca do teto da remuneração dos diretores; decidir sobre qualquer alteração no Estatuto Social. Segundo o gestor entrevistado, os Conselhos de Administração das empresas em geral possuem inúmeras atribuições e formalizações. No caso das investidas do Fundo, existem poucas atribuições, sendo elas eleger diretoria e aconselhar a tomada de decisão da empresa (1.4). Ele segue a entrevista expondo que na reunião de Conselho os membros praticamente não formalizam em Ata as resoluções; acontece uma reunião na qual se apresenta a evolução da empresa, discutem-se e sugerem-se questões pertinentes e algumas decisões são tomadas, que, segundo ele, normalmente partem de um pedido de apoio da própria diretoria da empresa. O gestor ressalta ainda que a responsabilidade sobre as decisões recaem sobre a diretoria, por isso o Fundo se atém a apenas aconselhar. Para acionistas em geral, quando estes pretendem se desfazer de suas ações, é seguido o regulamento das S/As para tal. Já no caso dos acionistas considerados estratégicos pelo Fundo, estes não podem se desfazer das ações sem um aval formalizado (1.5), sendo esta uma cláusula do Acordo de Acionistas. Estes acionistas estratégicos são normalmente os detentores do know-how do negócio, o(s) empreendedor(es). Destaca-se que todas as empresas que se tornam investidas do Fundo devem ser estabelecidas como Sociedade por Ações (S/As) para que o investimento seja efetivado (1.6). O próximo tópico abordado é a prestação de contas das investidas para com o Fundo (2). Neste sentido, a principal forma de prestação de contas é uma planilha de acompanhamento econômico-financeiro das investidas que é alimentada mensalmente (2.1). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 12/18 Nesta planilha constam as metas elaboradas pelo planejamento estratégico anual e um acompanhamento mensal comparando valores orçados e realizados, além dos cálculos de indicadores considerados importantes para o Fundo, tais como liquidez, EBITDA e rentabilidade. A respeito da não existência de um Conselho Fiscal formalizado (2.2), o gestor expõe que, pelo fato das empresas investidas serem emergentes e em fase inicial de formação, a própria Assembleia faz a função de um Conselho Fiscal, dando mais celeridade aos processos de avaliação das contas apresentadas. Além disso, o Fundo exige que as investidas passem por um processo de auditoria independente (2.3), facilitando a confiabilidade sobre os valores apresentados pela investida. No item sobre Transparência (3), o gestor revela que o Fundo, como investidor da empresa, tem confiança na gestão das investidas (3.1), dado que nunca observaram atitudes duvidosas nestas. Essa confiança também é reforçada pelo fato do Fundo ter um acesso facilitado aos contadores responsáveis pela escrituração das investidas (3.2), que são terceirizados, porém localizam-se dentro do próprio CELTA, no caso das “W”. Outro quesito que contribui para que o Fundo acredite na transparência das investidas se deve à proximidade física entre eles (3.3). A sede do Fundo também está localizada no CELTA e a interação é bastante dinâmica, conforme resposta do gestor, portanto, qualquer rumor negativo é facilmente identificado. O gestor do Fundo também foi questionado a respeito da preservação dos interesses dos acionistas nas empresas investidas (4). Ele considera que, no geral, os interesses dos acionistas estão sendo preservados, especialmente porque existe um alinhamento entre o posicionamento dos gestores/empreendedores das investidas e dos investidores (4.1), ou seja, ambos pretendem maximizar o valor da empresa para que no futuro todos alcancem alto retorno na venda das ações. Contudo, o gestor revela que há um conflito de interesses quando o Fundo entende que seja necessária a troca de diretores (4.2). Neste sentido, o Fundo encontra uma barreira de atuação devido à estrutura de gestão das investidas que, geralmente, possuem os empreendedores em cargos de diretoria. Caso o Fundo identifique que algum diretor não é mais adequado para o cargo, existe um impasse, porque mesmo que a mudança possa trazer mais rentabilidade ao negócio, o poder, a auto estima e a reputação do indivíduo são aspectos que influenciam na decisão. Dentre as práticas de governança corporativa que o Fundo gostaria de implantar nas investidas (5), as citadas pelo gestor são: criar uma estrutura decisória intermediária às existentes (5.1); e incluir mais cláusulas no acordo de acionistas que ofertassem mais poder de ação ao Fundo (5.2). A estrutura decisória a qual o gestor de refere seria uma espécie de “subconselho” que pudesse dar mais agilidade às decisões sem que seja necessária a convocação de Assembleia. Porém, não haveria outras pessoas para compor este órgão a não ser os próprios membros do Conselho e isso traria mais responsabilidade e riscos que estes não estariam dispostos a aceitar. Já no caso de mais cláusulas no acordo de acionistas o que se pretende é aumentar o poder do Fundo para que, além de escolher o diretor financeiro, pudesse escolher o CEO e o diretor comercial. Essa preocupação está atrelada ao exposto no subitem (4.2), dado que normalmente estão nesses cargos os próprios empreendedores, o que leva a uma dificuldade maior de tirá-los de suas posições. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 13/18 Por fim, o gestor apresenta as dificuldades das investidas em cumprir com as exigências do Fundo (6). Neste sentido, o que as empresas alegam com frequência é que falta tempo (6.1) para preencher os relatórios demandados. Por outro lado, o Fundo entende que os gestores falham em apresentar análises (6.2). Quando há reuniões para discussão de perspectivas em cada área, os diretores dificilmente conseguem produzir informações e apresentá-las ao Fundo. Como exemplo, o gestor explica que dificilmente o diretor comercial das investidas sabe explicar como está a empresa perante os concorrentes. 5. CONCLUSÕES Práticas de governança corporativa se estabelecem no ambiente econômico como formas de minimizar conflitos de agência e, em última instância, como auxílio ao crescimento econômico, dado que propicia o acesso ao capital. Para que as organizações sejam atrativas aos investidores e consigam se perpetuar no mercado, estas buscam aderir a práticas e elaborar estruturas de governança corporativa que sinalizem aos stakeholders que prestam contas de suas ações, são éticas, respeitam às normatizações que recaem sobre elas e tratam seus acionistas com equidade. Nesta pesquisa, procurou-se apresentar as características da governança corporativa de uma empresa industrial de base tecnológica de Florianópolis. Sendo esta empresa investida pelo BNDES, participante de uma incubadora tecnológica e desenvolvedora de projetos junto à FINEP, há grande pressão por inclusão de práticas de governança que garantam mínimos conflitos de interesses e prestações de contas adequadas. Neste sentido, foram avaliadas as práticas e estruturas de governança presentes na empresa escolhida, buscando visualizar a situação atual destes, a pressão externa sofrida pela empresa para a adesão a práticas de governança e, a percepção dos envolvidos quanto às dificuldades enfrentadas nesse processo e a atual estrutura instaurada. Os principais resultados encontrados revelam que a empresa “W” possui diversas práticas amplamente utilizadas em empresas reconhecidas pelo elevado nível de governança corporativa como as pertencentes aos Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da BM&FBOBESPA. Dentre estas práticas estão: existência de acordo de acionistas e de Conselho de Administração; a ampliação de direitos a voto dos acionistas preferenciais; o fato de nenhum controlador possuir mais de 50% do capital votante individualmente; e a existência de auditoria independente. Por outro lado, foram identificadas práticas que ainda podem ser desenvolvidas para que a governança corporativa da empresa “W” atinja patamares mais altos. Como exemplo destas práticas, pode-se citar a não utilização de métodos internacionais de contabilidade, a não divulgação em veículos de informação de seus relatórios financeiros e, a ocupação dos cargos de presidente do Conselho e do presidente da organização pela mesma pessoa. O que se observou também foi o fato de que o BNDES leva às suas investidas uma obrigatoriedade de implementar uma estrutura de governança corporativa de padrões internacionais. Esta pressão por práticas de governança, mesmo em empresas pequenas e com poucos anos de mercado, revela-se como um auxílio à perpetuação destas empresas e minimização de conflitos de interesses. Portanto, as empresas investidas pelo Fundo Criatec possuem uma possível vantagem competitiva devido às mudanças impostas por este. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 14/18 Em relação às dificuldades enfrentadas pela empresa para aderir às práticas de governança corporativa frente às demandas do Fundo, pode-se perceber que a empresa alega dificuldade em manter os prazos para prestação de contas ao Fundo por motivos de tempo. Além disso, a obrigatoriedade do Fundo de suas investidas serem S/As, dificulta, segundo a empresa, a obtenção de recursos junto a instituições bancárias. Já o Fundo, gostaria de termais poderes sobre suas investidas, como por exemplo, a capacidade de escolha de diretor comercial e presidente destas. Uma limitação desta pesquisa é a característica de estudo de caso. Desta forma, para se conhecer a realidade brasileira de empresas incubadas de tecnologia no tocante à governança corporativa, seria necessário analisar esta realidade de forma mais ampla, o que se sugere para futuras pesquisas. Algumas questões aqui expressas são advindas, das percepções pessoais dos respondentes, podendo não revelar fatos e sim opiniões pessoais, o que se caracteriza como outra limitação da pesquisa. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 15/18 6. REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. A.; et al. 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