Aletheia, revista quadrimestral editada pelo Curso de Psicologia da Universidade Luterana
do Brasil, publica artigos originais, relacionados à Psicologia, pertencentes às seguintes
categorias: artigos de pesquisa, artigos de atualização, resenhas e comunicações. Os artigos
são de responsabilidade exclusiva dos autores e as opiniões e julgamentos neles contidos não expressam
necessariamente o pensamento dos Editores ou Conselho Editorial.
Sumário
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Editorial
4
Lo esencial es invisible a los ojos: payasos que humanizan y promueven salud
What is essential is invisible to the eye: Humanitarian and health promotion clowns
Bruna Baliari Espinosa; Teresa Rosado Gutiérrez
16
Descompassos entre a lei e o cotidiano nos abrigos: percursos do ECA
Differences between the law and the daily life in the shelters: ECA’s trajectories
Maria Lívia do Nascimento; Alessandra Speranza Lacaz; Marilisa Travassos
26
Estudo do processo de resposta num teste de memória
Study about the response process of a memory test
Fabián Javier Marín Rueda; Fermino Fernandes Sisto; Cláudia Araújo da Cunha; Alexandre
José Raad
39
A influência das habilidades sociais no envolvimento de mães e pais com filhos com retardo
mental
The influence of social skills on the involvement of mothers and fathers with their mentally
retarded children
Alcides Cardozo; Adriana Benevides Soares
54
Precisão entre juízes na avaliação dos aspectos formais do teste de Wartegg
Raters reliability in the assessment of formal aspects of the Wartegg test
Irai Cristina Boccato Alves; Augusto Rodrigues Dias; Luís Sérgio Sardinha; Fábio Donini
Conti
66
Conjugalidade em contexto de depressão da esposa no final do primeiro ano de vida do
bebê
Conjugality in context of wife’s depression by the end of the infant’s first year of life
Giana Bitencourt Frizzo; Ivani Brys; Rita de Cássia Sobreira Lopes; Cesar Augusto
Piccinini
82
As ideias do senso comum sobre a relação entre a justiça e a injustiça
The common sense ideas about the relations between justice and injustice
Lila Maria Spadoni; Ana Raquel Rosas Torres
Artigos de atualização
Aletheia 31, jan./abr. 2010
1
97
Investigação do grau de tolerância à frustração em presidiários
Investigation of the degree of tolerance to frustation in prisioners
Elizelma Ortêncio Ferreira; Cláudio Garcia Capitão
111
Estudo de caso – avaliação neuropsicológica: depressão x demência
Relate of case: Neuropsychology assessment – depression x dementia
Nicole Maineri Steibel; Rosa Maria Martins de Almeida
121
Indicadores de síndrome de couvade em pais primíparos durante a gestação
Indicators of couvade syndrome of first time fathers during pregnancy
Talu Andréa Dartora De Martini; Cesar Augusto Piccinini; Tonantzin Ribeiro Gonçalves
137
Autoeficácia e qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas
Self-efficacy and quality of life in young adults with chronic disease
Elisa Kern de Castro; Clarissa Franco Ponciano; Débora Wagner Pinto
149
Habilidades sociais e problemas de comportamento: um estudo exploratório baseado no
modelo construcional
Social skills and behavior problems: An exploratory study based on the constructional
approach
Vanessa Barbosa Romera Leme; Alessandra Turini Bolsoni-Silva
168
Interações sociais e clima para criatividade em sala de aula
Social interaction and the climate for creativity in the classroom
Ana Clara Oliveira Libório; Marisa Maria Brito da Justa Neves
184
Psicologia e presença feminina nos discursos médico e católico na primeira metade do
século XX
Psychology and female presence in medical and catholic discourses in the first half of the
20th (twentieth) century
Flávia Moreira Oliveira; Adriana Amaral do Espírito Santo; Marcela Peralva Aguiar; Ana
Maria Jacó Vilela
199
Litígios intermináveis: uma perpetuação do vínculo conjugal?
Unending litigations: A perpetuation of the conjugal bond?
Ana Lúcia Marinônio de Paula Antunes; Andrea Seixas Magalhães; Terezinha FéresCarneiro
Resenha
212
Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam
Ana Catarina Araújo Elias
215
Instruções aos autores
221
Instructions to authors
227 Instrucciones a los autores
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Editorial
Aletheia: 15 anos
No ano de comemoração de seus 15 anos, a Aletheia recebe da ULBRA e dá aos
leitores mais um presente: sua quadrimestralidade.
A consolidação de nosso periódico é um processo que contou com a participação de
vários atores da comunidade acadêmica local, por meio de seus editores, professores do
curso de Psicologia da ULBRA Canoas, Editora da ULBRA e da comunidade científica
nacional e internacional.
O curso de Psicologia não só projetou e acompanhou seu desenvolvimento, mas,
também, participou efetivamente de sua evolução, permitindo seu ajuste à realidade que
constantemente batia e bate à sua porta. Auxiliou na superação, de modo crescente e eficaz,
das múltiplas situações com que teve de se confrontar nestes anos de existência.
A edição de um periódico científico, em meio a tantos olhares, exigências,
expectativas, cobranças, é, sem dúvida, um desafio, mas, acima de tudo, uma
responsabilidade. Lidar com a constante incerteza quanto ao momento seguinte tem sido
nosso estímulo para criação, realização e busca persistente de reconhecimento.
No auge da sua juventude, caminha agora para a maturidade, não menos desafiadora
e trabalhosa. A Aletheia transita bonita e segura na sua fase de construção e consolidação
de sua identidade, fase que nos tem exigido questionar valores e ações sem temer a
perda do já conquistado. Movimenta-se gradativamente para uma compreensão mais
madura de sua identidade e de propósito. Persiste no seu caminho do estabelecimento
e da manutenção de seus relacionamentos satisfatórios pelo aprendizado e gosto de
compartilhar. Entendemos ser nossa tarefa seguir na complexa missão, atribuída ao longo
dos anos a seus editores e, em especial, a seus autores: traduzir em palavras e em um
discurso cientificamente articulado experiências reflexivas e investigativas complexas.
Agora de forma mais ágil.
Agradecemos e contamos sempre com a participação de todos.
Mary Sandra Carlotto
Editora
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.4-15, jan./abr. 2010
Lo esencial es invisible a los ojos:
payasos que humanizan y promueven salud
Bruna Baliari Espinosa
Teresa Rosado Gutiérrez
Resumen: La figura del payaso ha pasado por diferentes momentos y lecturas históricas, lo que
permite considerarla como una figura arquetípica. Su papel en la sociedad históricamente fue el del
ridículo, objeto de risas, pero el payaso no sólo es un ser congruente, auténtico y valiente, sino que
también puede ser frágil y transparente en sus significaciones. En la actualidad los significados de
este personaje son reconstruidos, como, por ejemplo, en los programas de payasos en intervenciones
comunitarias – un fenómeno nuevo, que ha crecido de forma considerable en los últimos años.
Ellos se encuentran en diferentes lugares, como hospitales, campos de refugiados, territorios en
vías de desarrollo y en situaciones de emergencia en todo el mundo, ocupando ahora un espacio
de transición rumbo a la configuración de cuidador. Preocupados en promover la salud a través del
humor, de la risa y de una atención auténtica y verdadera con el otro, estos artistas encajan, cada
vez más, en intervenciones comunitarias, ejerciendo así un papel social y sanitario significativo.
El presente trabajo tiene como objetivo relacionar la figura del payaso y los programas de payasos
de hospital con el movimiento de humanización hospitalaria existente actualmente, identificando
en ellos, relaciones con el trabajo de promoción de salud.
Palabras clave: payasos; promoción de salud.
What is essential is invisible to the eye:
Humanitarian and health promotion clowns
Abstract: The figure of the clown has passed through different moments and historical lectures,
which makes it be considered an archetypal figure in the occidental culture. Their role in society
has always been the ridiculous, object of giggling, but the clown is not only a being consistent,
authentic and courageous, he is also fragile and transparent in his significations. Nowadays, the
means of this character are reconstructed, like, for example, in the programs of clowns in community
interventions – a new phenomenon that has grown considerably in the last years. They are already in
different places such as hospitals, refugee camps, in developing areas and in emergency situations
around the world. Anxious to promote health through humour, of laughter and a true and genuine
attention to the other, these artists fit, increasingly, in community interventions, acting as a very
important social role. This work aims to relate the figure of the clown and the clown of the hospital
programs with the movement of humanization hospital currently available, identifying in them,
relations with the work of health and promotion.
Keywords: clowns; health promotion.
Introducción
“El verdadero artista, rebelde por naturaleza y fuerza, resiste a ser domesticado,
niega a aceptar el mundo tal como este se ofrece a sus sentidos, y entonces, crea
un universo con sus propios límites.” (Aristóteles)
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
El Bobo da Corte y el Payaso son figuras del imaginario cultural que pueden ser
históricamente significadas como arquetípicas, o sea “imágenes universales que existirán
desde los tiempos más remotos” (Jung, 2002, p.16). Segundo Willeford (citado por
Nogueira, 2006) el bobo es un misterioso y ambiguo personaje que de un lado es parte del
mundo para simpatizar con los demás, pero por el otro, está separado lo suficiente para
ser motivo de risa. Su posición está en la línea justa entre el bien y el mal, el personaje y
el auténtico, el orden y el caos, realidad e ilusión, existencia y no existencia.
De acuerdo con de Castro (2005), en innumerables épocas y culturas encontramos
la práctica de rituales en que se imitaban ciegos, leprosos, provocando la hilaridad de
los participantes. Los aztecas hacían estas imitaciones, los indios norte-americanos
tenían la figura de los heyokas, que tenían como principal función la de recordar a la
tribu lo absurdo de los comportamientos humanos y la necesidad de no llevar las reglas
demasiado en serio. Los monjes budistas tibetanos tenían la figura del Mi-tshe-ring, el
viejo bufón sabio – que molesta todas las ceremonias religiosas, incapaz de controlarse
y de hacer silencio. En la India fue formado uno de los más antiguos dúos de cómicos
que se conocen. La unión de un “malandro” – Vita – con un estúpido torpe – Vidusaka –
es una de las más felices combinaciones de la comedia, siendo encontrada en todas las
culturas, en todos los tiempos.
Por lo tanto, la figura del bufón no es un papel exclusivo de la civilización occidental
sino una figura universal con diversas funciones sociales (Bestetti, 2005).
Un posible surgimiento de los llamados bufones “tontos” en la cultura occidental,
podría haber sucedido en las cortes de la Edad Media. Generalmente usaban gorros con
orejas. Desfilaban con vestidos coloridos y brillantes y llevaban bastones que tenían las
empuñaduras talladas con la cabeza de un bufón. Aunque el papel de los bufones y de los
payasos generalmente estaba limitado a la servidumbre, existen evidencias de que algunos
disfrutaban de un trato familiar por parte de sus amos. Como “contentos consejeros” se
conocía a los bufones en Alemania, porque dentro de sus agudas observaciones incluían
sabios consejos (Vicens, 1958).
Durante los siglos XVI y XVII, se torna célebre, en Italia, un nuevo estilo teatral
inspirado en la cultura romana. En la commedia dell´Arte los personajes eran siempre
los mismos y apenas variaban los argumentos, improvisados, por los mismos personajes,
de acuerdo con su carácter.
La Commedia dell´arte, con su estructura de grandes arquetipos humanos perennes
a lo largo del tiempo y su trepidante comicidad, fue y es por donde se afirma el arte del
gesto y del humor. El teatro basado en la convención, la complicidad con el público. En
definitiva, el arte del clown. “La Commedia dell´arte representa la más clara expresión
de simbiosis entre mimos, clowns, acróbatas, bailarines y demás especies del teatro
popular” (Jara, 2000, p.28).
El circo surgió en 1768, cuando el sargento inglés Philip Astley construyó un anfiteatro
abierto donde hacia espectáculos con caballos. La necesidad de hacer el espectáculo en un
círculo (de acuerdo con la descubierta de que esto ayuda al caballero mantenerse de pie
sobre el caballo), hizo que lo transformara en un espacio en círculo, como una arena de
los griegos. Sus espectáculos contaban aparte de caballos y caballeros, con equilibristas y
acróbatas. Más tarde empezó a surgir la figura del payaso y del payaso en el caballo.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Los términos Augusto y clown blanco son encontrados en muchos libros que
hablan sobre la historia del clown. Por lo tanto es importante hacer una diferencia.
Independiente de la versión contada como surgimiento de estas figuras, la verdad es
que el augusto es el personaje del criado idiota, la figura que se cae en escena, tropieza.
Y lo vestirán como una persona común, empezando a utilizar las exageraciones, los
zapatos de números mayores, los pantalones largos, un poco de rojo en la nariz para
parecer alguien que ha exagerado en la bebida. Pero al principio el augusto aún era un
personaje discreto, existía un intento de aparentar una persona normal, y lo cómico
estaba ahí. “El augusto era un idiota, un inadaptado, alguien que quería vestirse bien,
pero no sabia como. El sombrero era muy pequeño, el traje sobraba por las mangas y
los zapatos eran largos. La figura del augusto llega a confundirse con la del vagabundo”
(Castro, 2005, p.71).
El augusto, como lo conocemos hoy, habría sido criado por Albert Fratelinni en
1910, cuando los hermanos crearon un trío de payasos. Siguiendo sus líneas, empezaron
a surgir payasos copiando sus máscaras alucinadas y sus actitudes y en 1923, en los
Estados Unidos, a partir del “circo más grande de todos los tiempos” (Ringling´s Brothers,
Barnun and Bailey´s Circus) donde existían augustos con bocas rojas, pelucas y nariz
roja, surge una epidemia de copias de esta imagen. El modelo de relación dominadora
del clown sobre el augusto vendría después, con el dúo formado por el inglés Tudor Hall
y el cubano Raphael Padilla, o sea, “Footit e Chocolat” (Castro, 2005).
De acuerdo con Masetti (2003), el termino clown es usualmente utilizado en Brasil
para designar la actuación de este personaje en espacios no circenses, como el teatro
o el hospital. Una de las razones para diferenciar los dos términos seria en relación a
las diferentes técnicas y el maquillaje que uno u otro ambiente exigen, de acuerdo con
el tamaño y la función del espacio. La otra seria diferenciar el trabajo del clown de
una comprensión peyorativa del papel del payaso, como por ejemplo, de la de figura
de animador de fiestas, muchas veces remitida a un carácter patético o distante de lo
que es la esencia de la actuación artística. Ya para Mello (1994), “el payaso es hoy un
tipo que intenta hacer gracia y divertir a su público por medio de sus extravagancias
en cuanto que el clown intenta ser sincero y honesto” (Mello, 1994, p.246).
Aún en relación a esta visión peyorativa, es importante resaltar el crecimiento en
el sector comercial, de esta “clownería”, lo cual lleva a la banalización de la figura del
payaso, que tiene su esencia corrompida y se torna “una máscara sin alma” (Bestetti,
2005, p.69).
La figura del clown, más que apenas una apropiación del término en inglés
(normalmente traducible por payaso) es la de un adulto que actúa siempre como hacen
los adultos cuando no son observados, cuando no están expuestos a los juicios de los
otros adultos (Jara, 2000). Así, se puede entender que “el clown trabaja en una fábrica
de reciclaje de emociones. Relativizando y redimiendo la escoria de los sentimientos
(...) capaz de descargar la parte inútil de los escudos “anti-gente” (anti-simplicidad,
anti-sinceridad) que penosamente cargamos” (Federicci, 2004, p.80).
Los payasos son artistas que vienen ejerciendo una función social de promotores
de salud en sus trabajos en los hospitales. En este sentido, es importante situarnos en
el concepto de salud aquí utilizado, el mismo empleado por la OMS, donde salud pasa
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
a ser entendida, desde 1948, como un estado completo de bienestar físico, mental y
social, y no sólo la ausencia de afecciones o enfermedades.
Esa configuración del ideario desmedicalizado y despatologizante de la salud hace
que los dispositivos de humanización de las prácticas en salud sean necesarios y, en este
sentido, las intervenciones de los artistas (entre ellos los clowns) pasen realmente a tener
sentido como práctica de salud. Según Lima e Pelbart (2007), “a partir de la reforma
psiquiátrica en Brasil, se busca, a través del arte, tematizar las oposiciones entre salud y
enfermedad, normal y patológico, locura y sanidad. Las prácticas de desinstitucionalización
atraviesan los muros de los hospitales, invaden las ciudades y pasan a intervenir en las
redes sociales y en la cultura, buscando deshacer manicomios mentales” (p.729).
Por tanto, los payasos de hospitales pueden ser vistos como artistas dispuestos
a llevar la filosofía del clown dentro de ambientes donde es explícita la necesidad de
humanización, entendida aquí como “cualidad de las relaciones desarrolladas entre el
equipo de salud y los pacientes, lo que es comunicado en esta interacción y el ejercicio
de las potencialidades de los seres humanos” (Masetti, 2003, p.23).
Payasos de hospital, humanización y promoción de salud
Son innumerables los conceptos utilizados para intentar hablar de la subjetividad
humana, de la persona y de la humanización necesaria para el tratamiento de esta persona.
Uno de ellos es la palabra esencia. Se puede resaltar aquí la importancia del trabajo de
los payasos con lo que es invisible y, por lo tanto, muchas veces impronunciable en
palabras, aunque esencial. El concepto de ser humano se aproxima, muchas veces, al
concepto de acto artístico, ya que el arte muchas veces no tiene una explicación, es algo
subjetivo y el subjetivo existe para no ser totalmente explicado, porque no siempre está
al alcance de las palabras.
Masetti (2003) para hablar del trabajo de los “Doctores de la Alegría”, habla mucho
de la potencialidad de los encuentros, donde las personas co-existen: “Todo lo que existe
son cuerpos compuestos de cualidades de afectar y de ser afectados por otros cuerpos”
(Masetti, 2003, p.35). Por lo tanto, sería a través de la alegría que buscaríamos los buenos
encuentros que favorezcan nuestra potencialidad y libertad.
Actualmente se habla mucho de la humanización de la salud. El modelo biomédico,
durante mucho se mantiene como único e imperativo en la medicina occidental. Pero este
tema viene siendo cada vez más discutido y la sociedad actual viene exigiendo reformas
frente a esto, exigiendo no solamente la cura, sino también el cuidado. Por lo tanto, otra
forma de medicina pasa, también, a ser admirada y exigida.
La relación entre humanización y salud es cada vez más defendida por diferentes autores,
de acuerdo con la explícita necesidad de su unión. Para Martins (2003), la deshumanización
de la medicina está reflejada en la extrema especialización técnica de los médicos y no en el
inevitable distanciamiento entre médico y enfermo que esta especialización resulta; como
también la creencia (sustentada por los grupos privados) de que el interés “científico” (aquí
en su acepción más positivista) y económico es más importante que el interés social. Todo
esto sustentaría la idea de que “la enfermedad vale más que el enfermo y que el dinero y
el prestigio obtenidos por los servicios médicos no tienen obligaciones y deudas con el
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sufrimiento humano” (Martins, 2003, p.33). Las alternativas terapéuticas surgen en este
escenario, como indicadores de una posible nueva salud, que según este mismo autor surge
como un fenómeno cultural pos-moderno y como una expresión más radical de un amplio
proceso de rehumanización de la medicina moderna.
Aún en relación a esta mercantilización de la medicina, Caminal (2008) menciona
la medicalización de la salud como un factor importante para la configuración actual
de los servicios y procedimientos “científicamente” válidos en el ámbito sanitario. Se
refiere con esto, por ejemplo, a la industria farmacéutica como manipuladora de miedos
profundos como el de la muerte, el deterioro físico o la propia enfermedad, y como
responsable de un cambio de lo que significa ser humano, visto que se percibe cada vez
más una búsqueda por una salud inexistente, un estado de bienestar utópico y objeto de
mercado, lo que lleva a la tendencia de clasificar como enfermedad muchos problemas
que anteriormente no lo eran.
Giglio (2008) habla de un nuevo paradigma para la relación médico-paciente, por
la cual la razón de la búsqueda por el médico no se restringe ya sólo a una enfermedad
definible, y pasa a englobar toda y cualquier forma de sufrimiento o dolor del individuo
que requiere la atención sanitaria. De esta forma, el ser que sufre se convertiría en un
paciente y, el profesional que se preocupa en minimizar o abolir su sufrimiento, se torna
el médico u otra caricatura de cualquier profesional, que tiene en el médico el único
modelo culturalmente viable de ser profesional de salud (o de enfermedad, en la mayoría
de los casos).
Con otro punto de vista, Trindade, Aquino, Araújo, Moreira, Ferreira y Maia (2007),
mencionan el otro lado de la humanización, o sea, la que ve necesaria no solamente la
asistencia del médico al paciente, sino también la salud psíquica del propio profesional,
que está implicada directamente con el trato que este profesional puede ofrecer a su
paciente. Por lo tanto, según la investigación de estos autores, se torna interesante buscar
la inserción y la implementación de acciones que vengan a atender también la salud del
profesional de la salud. Así, “insertados en un hospital, es posible encontrarnos no sólo
sujetos en tratamiento, como también los propios profesionales (cuidadores) con su salud
debilitada, necesitando de cuidados y atención en pleno ejercicio de sus atribuciones: el
cuidado del otro” (p.7).
Todos los programas de payasos de hospital parecen preocuparse con los médicos,
enfermeras y funcionarios del hospital, afirmando que su trabajo no consiste apenas en
favorecer al niño hospitalizado, sino también todo el ambiente en el cual se encuentra,
englobando así, todo el equipo de trabajo del hospital.
De esta forma, se podría relacionar estos programas de payasos de hospital como
“promotores de salud”, visto que llevan el flujo de la vida a un lugar que está dominado
por el flujo de la muerte, como el hospital.
Pero para hablar sobre promoción de salud se debe tener cuidado, ya que este
concepto se ha tornado, muchas veces, algo rotulado. El término “salud” se ha convertido
en distinto y “la salud” se ha tornado un objeto de mercado, visto como producto y
exposición a los demás.
Para Evans e Stoddart (1994), “este concepto tan global, por otro lado, corre el riesgo
de convertirse en un objetivo idóneo de toda la actividad humana… y de transformarse
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en el objetivo no solamente de la política sanitaria sino de toda actividad humana” (p.3055). Por lo tanto se puede ver aquí otra visión de la salud, una salud hermenéutica, con
un fin en sí misma: la salud como un tipo de enfermedad. Para Lewis Thomas (citado por
Renaud, 1994), nos transformamos obcecados con la salud, buscando más exuberancia
al vivir e ignorando el fracaso, la muerte:
Perdemos la confianza en el cuerpo humano. El nuevo consenso es que estamos
mal dibujados… Ciertamente deberíamos preguntarnos si nuestra preocupación por la
salud personal no es un síntoma de incapacidad para hacer frente a las cosas, una disculpa
para subir corriendo las escaleras, caernos en un agujero, oler el aire en búsqueda de
contaminantes, y cansarnos de pulverizar desodorantes, mientras fuera la sociedad entera
se deshace (Thomas citado por Renaud, 1996, p.351).
Por lo tanto, se podría relacionar la promoción de salud con una instauración y
manutención de comportamientos no sólo saludables sino también potenciadores de
capacidades funcionales, físicas, psicológicas y sociales de las personas. O sea, un
proceso amplio con lo cual las personas y las comunidades mejoran su control sobre los
determinantes personales y ambientales de salud (Dias, Duque, Silva & Durá, 2004).
Características de los programas de payasos de hospital
La complejidad de las formas de ser en la contemporaneidad genera sentimientos
de incertidumbre, de inestabilidad. Las verdades que teníamos a priori, en la
modernidad, no son ya sustentadas por las mismas teorías. Vivimos ahogados por las
dudas y por las incertidumbres y nos sentimos solos, vulnerables. Pero empezamos
a sentirnos responsables también y curiosamente, todo esto nos hace sentir una
necesidad de rescatar “el humano de la humanidad”. Para Bauman (2006), vivimos en
una Modernidad Líquida, que tiene como características: la fragilidad de los vínculos
humanos, la superfluidad de desvinculación, la decrepitud; los estados transitorios y
volátiles y la adicción a la seguridad y el miedo al miedo. De acuerdo con este autor,
la crisis por la cual pasamos es la crisis del largo plazo y el único largo plazo es uno
mismo, porque todo lo demás sería a “corto plazo”. Las palabras de Bauman hacen
pensar sobre el automatismo en que nos encontramos actualmente. Vivimos siempre
teniendo que correr detrás de resultados que no siempre son conscientes para nosotros
mismos. Los vínculos humanos se tornan frágiles, superficiales y la intimidad es algo
que puede estar en extinción. Todo se ve transitorio, incluso los vínculos.
Es verdad que el automatismo del mundo implica una falta de consciencia sobre
la vida misma. Las presiones, necesidades y valores existentes en la sociedad actual,
construida por nosotros mismos, nos aleja de nuestro presente y de nuestra propia
vida. Así que, normalmente es más fácil culpabilizar a lo externo, o no humano, en
relación a las elecciones que uno hace. Entonces, la aparición de esta persona, de una
esencia del ser humano, se ve relacionada con la comunicación. Y, por lo tanto, una de
las estrategias básicas de la humanización que tanto se habla, puede estar relacionada
con una atención a la comunicación existente entre las personas. Entre dos indivíduos
que se comunican como personas, entre dos esencias que se encuentran. Y esta ha
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sido una de las principales funciones del arte, promover extrañeza y encuentro al
mismo tiempo, o sea, una posibilidad de ser a través de una experiencia que al mismo
tiempo en que comparte el lenguaje de la incertidumbre contemporánea, acoge la
diferencia de percepciones, abriendo nuevos caminos y posibilidades de encuentro
con el humano.
Federicci (2004) afirma que “para mover en el lado de la patética y patológica
inalterabilidad del normal, existe el arte; solamente para chocar concepciones del mundo
que se cristalizan al dejar de ser al menos pensadas, y restituirnos una permeabilidad
entupida”, y cita Bergson:
Si nuestros sentidos y nuestra conciencia fueran directamente impresionados por la
realidad, si pudiéramos entrar en comunicación inmediata con las cosas y con nosotros
mismos, creo que el arte seria inútil, o mejor, que seríamos todos artistas, pues nuestra
alma vibraría entonces continuamente en unísono con la naturaleza (Bergson cifrado por
Federici, 2004, p.73).
Los programas de payasos de hospital son un ejemplo nítido de la función social
y de promoción de salud que puede ocupar el arte. En las últimas décadas ha crecido
de forma significativa el número de estos programas, los cuales ya están disponibles
en todos los continentes. La tasa de introducción y la integración de los programas de
payasos de hospital de forma continua o fija en la atención de salud son consideradas
un fenómeno nuevo.
Los clown doctors o payasos de hospital, son profesionales, artistas intérpretes
o ejecutantes (no médicos) que tienen una capacitación adicional para trabajar,
prioritariamente, con los niños enfermos en el hospital. Los programas normalmente
son integrados y aceptados en la acogida de los hospitales, con informes de alto nivel de
profesionalismo y confianza.
La diferenciación entre lo que es terapia y lo que es terapéutico es muy importante
para contextualizar el trabajo de los payasos en intervenciones como, por ejemplo,
en los hospitales. El ambiente hospitalario acostumbra a estar bien estructurado
profesionalmente: “profesionales de ayuda” más tradicionales (como pueden ser los
psicólogos, asistentes sociales o religiosos) finalmente vienen encontrando sus espacios
dentro del hospital y el apoyo terapéutico está por todas partes. Muchos incluso pueden
utilizar herramientas artísticas para hacer sus “terapias” (como los dibujos o las historias
infantiles). Pero el payaso no está ahí con este objetivo. Él no busca diagnósticos, o
“tratamientos”, no se centra en las enfermedades ni en la espera de resultados. Él actúa
sin preocuparse por el después, vivenciando el presente y haciendo de esta vivencia lo
que vendrá a ser terapéutico.
Adams (2002) aún afirma preferir los payasos para los adultos, porque, según el,
estos tienen una vida mucho más alejada de la experiencia, o sea, del aquí y ahora, de lo
que se vive en el presente. Y afirma: “los hospitales modernos y las prácticas médicas en
todo el mundo, gritan por reconectar el suministro de la atención a la compasión, alegría,
amor y humor” (Adams, 2002, p.47).
Una de las características que más marcan de este tipo de trabajo es el sentido del
humor. Actualmente, son muchos los estudios que consideran la importancia del humor en
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
la promoción de salud de las personas. La capacidad de reír es una de las cualidades más
características y profundamente enraizadas en el humano. Fueron muchos los psicólogos
y filósofos que argumentaron que el hombre es el único ser que ríe y tiene sentido del
humor (Moody, 2002).
El humor puede relacionarse con el estrés y, por lo tanto, se habla de un posible
efecto positivo indirecto del humor sobre la salud. Según Narvaez (2007), el estrés inhibe
el sistema inmunológico y, por lo tanto, está asociado a todos los tipos de condiciones
médicas, como resfriados, dolores en las espaldas, diabetes, etc. A través del control del
estrés, un buen sentido del humor debería, en principio, prevenir ciertas enfermedades,
favorecer la recuperación y contribuir, en definitiva, a una salud mejor. Richman (2001)
hace referencia al humor como condición humana: “el humor positivo es un bien con
una esencia afectuosa y una tolerante comprensión de las locuras de nosotros mismos
y de los otros” (p.422).
Y el humor parece tener siempre alguna relación con la autenticidad. Bergson (2008),
en su ensayo sobre la significación del cómico, afirma que la vida auténticamente vivida
no debería repetirse y que la repetición nos hace sospechar que algo mecánico funciona
por detrás del viviente. Por lo tanto, defiende la idea de que la desviación de la vida en
dirección a lo mecánico es la verdadera causa de la risa y nos aporta que la risa debe ser
una especie de gesto social, teniendo en cuenta que el mundo donde vivimos está lleno
de incongruencias y la capacidad de percibir lo cómico, entonces, sería indispensable
para el enfrentamiento de estas alternancias, que puedan ser percibidas y manejadas
tranquilamente con el sentido de humor.
En una investigación realizada por la ONG de payasos promotores de salud
“Doutores da Alegria” (2003/2004), fueron encontradas 124 web-sites de organizaciones
de payasos de hospital en el mundo. En los Estados Unidos fueron los primeros en
el desarrollo de este tipo de intervenciones. El llamado the Big Apple Circus Clown
Care Unit, en la ciudad de Nueva York, creado por Michael Christensenn en 1986
es reconocido como el primer programa bien estructurado, de payasos de hospital. A
partir del conocimiento y aprendizaje, trabajando con este grupo, el artista brasileño
Wellington Nogueira llevó la idea para Brasil, creando el grupo “Doutores da Alegria”
en 1990 (Nogueira, 2006).
Infelizmente, entre tantos programas y asociaciones, pocas son las investigaciones
hechas sobre las aportaciones de los payasos de hospital para la promoción de una
salud “real”.
En una investigación realizada en Finlandia, sobre las expectativas de los niños
en relación a la atención de las enfermeras en una unidad pediátrica, los entrevistados
(niños entre 4 y 11 años) esperaban que las enfermeras fueran simpáticas, afectivas y
divertidas, siendo las características humanas las que más les importaban. Además de
esto, una buena enfermera era esperada por los niños como con “sentido de humor” y
“honestas”. Los niños afirman también que les gustarían que las ropas de las enfermeras
fueran más coloridas y dicen que “el blanco no es guapo” (Pelander & Leino-Kilpi,
2004, p.145).
En otra investigación, con niños sometidos a la anestesia en un Hospital de Florencia,
Italia (Vagnoli, Caprilli, Robiglio & Messeri, 2005) los investigadores buscaban encontrar
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11
efectos del trabajo de payasos de hospital en los niños que tenían que tomar anestesia.
Como resultados, encontraron que la presencia de payasos durante la inducción de la
anestesia, junto con uno de los padres del niño, fue una intervención efectiva para la
gestión del niño y de los padres, sobre la ansiedad en el período pre-operatorio. Además,
los responsables de este estudio comentan, como conclusión, sobre la necesaria promoción
de esta forma de terapia de distracción, para los niños que requieren cirugía. Y afirman
que la resistencia del equipo médico a este tipo de (en la opinión de ellos) “terapia”,
puede “tratarse mejor mediante el suministro de información relativa a la prestación de
terapia a los niños y de investigación si la presencia de payasos durante la inducción de
anestesia, retarda el proceso de manera significativa” (p.567).
En España, Cantó, Quiles, Vallejo, Pruneda, Morote y Piñera (2008) realizaron una
investigación sobre el efecto de la actuación de los payasos de hospital sobre la ansiedad,
en niños sometidos a una intervención quirúrgica. Los resultados obtenidos mostraron
que los niños que recibieron la atención de los payasos se manifestaron menos ansiosos
y con menos miedo que los que no la recibieron. Además, estos resultados parecieron
mantenerse 7 días después del alta a través de manifestaciones de conducta positivas.
En Brasil, Aquino, Bortolucci y Marta (2004) hicieron un estudio cualitativo sobre
la visión de los payasos de hospital por niños, de 4 a 12 años, hospitalizados. En este
estudio, observaron que el trabajo de los payasos ayuda en la autonomía del niño que se
encuentra en poder decidir si quiere o no la entrada de los payasos en su habitación, lo que
significa un respeto a la opinión del niño, derechos que cuando el niño esta hospitalizado
no puede tener en relación a su cuerpo.
Masetti (1997), en su investigación con payasos de hospital, ha aplicado dibujos en
los cuales los niños contaban historias, antes y después de la actuación de los Doutores da
Alegria. Lo que se observó como más presente, fue la modificación de historias después
de la actuación de los payasos, con un enriquecimiento de contenidos, expresiones de
conflictos, resoluciones mejores o más positivas. Además, se ha observado un mayor uso
de colores, aumento del tamaño de los dibujos, mayor nitidez o mejora en las formas. De
acuerdo con la autora “estas modificaciones son indicadores de un cambio positivo en
relación al niño con la hospitalización, en concordancia con las informaciones obtenidas
junto a los padres, médicos y enfermeras” (Masetti, 1997, p.43).
Por lo tanto, a pesar de que fueran investigaciones en pequeñas cantidades y,
normalmente, con resultados poco significativos frente a la grandiosidad de otras
pesquisas médicas y farmacológicas, todos los estudios citados apuntan hacia una ayuda
real en la calidad de vida de los niños hospitalizados y a la necesidad de humanizar los
ambientes sanitarios infantiles.
Es nítida la falta de más pesquisas significativas, que puedan llevar el conocimiento
de los factores favorables de este tipo de trabajo para dentro del hospital, de forma que
estos programas puedan ser más conocidos y, consecuentemente, mejor aceptados.
Consideraciones finales
Es notable el desarrollo y la abertura existente actualmente para nuevas propuestas
de actuación en el área de salud. Al mismo tiempo en que se habla de necesidad de
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
humanización y desmercantilización de la medicina, muchos nuevos proyectos son
aceptados por las autoridades con el fin de revertir estos problemas. Infelizmente muchas
veces esta aceptación apenas ocurre como “fachada”, con la intención de parecer que
a alguien le importa. Pero, la certeza es que muchos profesionales se ven envueltos en
este cambio y lo que antiguamente podría ser inimaginable, actualmente ya es visto con
cierta naturalidad, como la existencia de payasos dentro del hospital.
Por otro lado, la existencia de muchos servicios no especializados acostumbra
a dificultar la aceptabilidad de este tipo de trabajo. Y la dificultad consiste en que
los payasos de hospital trabajan directamente con la subjetividad humana, con lo
invisible a los ojos y por lo tanto, su eficacia y eficiencia son difíciles de ser probadas
y evaluadas en los parámetros de la ciencia médica de carácter positivista, basada
en la “evidencia”.
Bestetti (2005) trae preocupaciones en relación a una posible transformación de
la figura del payaso de hospital en un producto a ser vendido, cristalizado, o sea, una
especie de clichê. La autora afirma haber nacido “un fuerte conflicto entre el carácter
profesional y la función social del payaso” (p.81), por aproximarse muchas veces a esta
figura, personas poco preparadas que hacen “del arte clownesco una mezcla de ganas de
cooperar y comodismo con el resultado, ciertamente no desaprobado (teniendo en vista
las buenas intenciones) pero muy lejos de la verdadera técnica clownesca, fruto de un
rigor extremo, de años de trabajo.” (p.81).
Pero, algunos intentos de estudios vienen siendo hechos y las repercusiones son cada
vez más favorables. Los payasos de hospital son profesionales que promueven salud al
estar llamando la atención sobre la existencia de este lado saludable, dentro de un hospital.
Para facilitar la atención al presente, utilizar un sentido del humor apurado y provocador
de risas, desdramatizan el ambiente hospitalario no solo para los pacientes sino también
para todos que allá se encuentran. Esta humanización realizada por estos artistas sería
una prueba más de que ellos están promoviendo salud por donde pasan.
Todavía existe mucho que estudiar, visto que para que estos profesionales sean
reconocidos necesitan de estudios que los lleven más cerca de sus nuevos colegas de
profesión. Felizmente, aquellos que ya vieron este tipo de trabajo de cerca pudieron
percibir sus resultados, restando dudas de que la presencia de payasos en el hospital
promueve salud y lleva un poco más de humanidad, alegría y vida para todos los que
los rodean.
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_____________________________
Recebido em dezembro de 2009
Aprovado em março de 2010
Bruna Baliari Espinosa: Psicóloga; Master en Salud y Bienestar Comunitario por la Universidad Autónoma
de Barcelona; Becária ALBAN (Becas de Alto Nível para America Latina).
Teresa Rosado Gutiérrez: Psicóloga; PhD, Profesora titular del Departamento de psicología clínica y de la
salud de la Universidad Autónoma de Barcelona.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
15
Aletheia 31, p.16-25, jan./abr. 2010
Descompassos entre a lei e o cotidiano nos abrigos:
percursos do ECA
Maria Lívia do Nascimento
Alessandra Speranza Lacaz
Marilisa Travassos
Resumo: O texto apresenta debates referentes a uma pesquisa bibliográfica que analisou produções
escritas sobre o tema do abrigamento de crianças e jovens. Tal pesquisa visou cartografar as
narrativas escritas sobre abrigos e convivência familiar a partir do ano 2000, quando, após dez
anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a consolidação de seus
princípios na sociedade poderia ser esperada e sua implantação discutida. Dentre as categorias
de análise levantadas, uma delas, “Ditos do ECA e cotidiano dos abrigos”, problematiza as
mudanças produzidas pelo Estatuto na lógica de assistência à infância, interrogando-as através das
práticas cotidianas dos abrigos. As análises feitas apontam divergências entre a lei e essas práticas,
qualificando o abrigo como um espaço protetor dos direitos de crianças e jovens, mas ao mesmo
tempo violador desses mesmos direitos, ao infringir a lei por outros percursos.
Palavras-chaves: abrigo; ECA; infância e juventude.
Differences between the law and the daily life in the shelters:
ECA’s trajectories
Abstract: The text presents discussions about a bibliographical research that has analyzed written
productions about the subject: sheltering of children and young people. Such study aimed to
cartography the written narratives about shelters and family living from the year 2000, when, after
ten years of the promulgation of the Children and Adolescent Statute (ECA), the consolidation
of its bases in the society could be expected and its deployment discussed. Among the categories
of analysis lifted, one of them, “ECA’s proposal and the daily life in the shelters” inquiring the
changes produced by the Statute in the logic of assistance to the childhood, asking them through the
daily practices of the shelters. The produced analysis shows differences between the law and these
practices, qualifying the shelter as a space that protects the rights of children and young people,
but also violates these same rights while breaking the law in other ways.
Keywords: Shelter, ECA, childhood and youth
Introdução
Os debates que apresentamos aqui dizem respeito à pesquisa Cenários dos Abrigos
no Brasil: uma leitura a partir de produções acadêmicas, que integra o Programa de
Intervenção Voltado às Engrenagens e Territórios da Exclusão Social (PIVETES).
Através de uma pesquisa bibliográfica, buscamos levantar a produção escrita sobre os
temas abrigo e convivência familiar (livros, artigos, dissertações e teses) produzida e
disponibilizada em diferentes dispositivos de divulgação acadêmica. Para tanto, tomamos
como marco inicial textos divulgados a partir de 2000, data escolhida por se considerar
que, passados dez anos da promulgação do Estatuto da Infância e da Adolescência (ECA),
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a consolidação de seus princípios na sociedade poderia ser esperada. Como durante
essa primeira década foram acontecendo ajustes decorrentes da passagem para as novas
ordenações jurídicas de proteção à infância e à juventude, apostamos ser essa uma data
de referência importante para a discussão da implantação do Estatuto. Foi acreditando
que uma lei não funciona apenas pela imposição de um decreto, mas pelos efeitos que
sua aplicação vai produzindo, que a pesquisa buscou cartografar as narrativas escritas
sobre abrigo e convivência familiar.
Tomamos os discursos presentes nos textos analisados como prática social, que
produz modos de funcionamento e gestão da vida, estabelece relações de poder, fabrica
instituições, enfim, produz efeitos. Tal concepção nos levou a problematizar e historicizar
as práticas que estão sendo produzidas sobre crianças e adolescentes abrigados, sobre
algumas das instituições que os atravessam – família, infância, internação, abandono,
tutela, dentre outras – e sobre quais efeitos são por elas produzidos. A cartografia do
cotidiano dos abrigos, construída pelas afirmações de autores e produções acadêmicas,
possibilitou colocar em análise temas como os especialismos científicos, o complexo
tutelar, as novas ordenações jurídicas de proteção à população infanto-juvenil e os
modelos de infância e família.
Concomitantes às leituras dos textos encontrados, foram propostas algumas
categorias de análise, localizando temas que estão sendo pesquisados nesse campo e o
que tem sido dito a respeito de crianças e adolescentes abrigados no Brasil. Durante o
processo de construção dessas categorias, foram destacadas aquelas mais presentes nos
textos estudados, que passaram a apoiar nossas discussões e análises.
Desse conjunto de categorias, escolhemos para discutir aqui aquela que denominamos
“Ditos do ECA e cotidiano dos abrigos”, que problematiza as rupturas produzidas pelo
Estatuto na lógica de assistência à infância e à juventude, interrogando até que ponto tais
rupturas de fato estão presentes nas práticas dos abrigos.
Proteção e violação dos direitos: uma convivência presente nos abrigos?
Muitos dos trabalhos analisados mostram que, apesar do ECA propor um
rompimento com a lógica de internação, ao estabelecer uma outra forma de atendimento,
a cultura dos antigos internatos muitas vezes permanece, o que aponta para divergências
entre a lei e as práticas cotidianas dos abrigos. Assim, o modelo de estabelecimentos
onde crianças e jovens moravam, estudavam, recebiam assistência médica, psicológica
e odontológica não foi completamente substituído pelos princípios presentes na nova
legislação. De acordo com eles, os abrigos devem funcionar priorizando o contato com
atividades comunitárias, favorecer a preservação dos vínculos familiares, possibilitar
o não desmembramento de grupos de irmãos e afirmar o atendimento personalizado e
em pequenos grupos. Entretanto, nem sempre isso ocorre, e pode-se dizer que há uma
considerável incompatibilidade entre algumas propostas do Estatuto e o que, na realidade,
se pratica nos abrigos.
O descompasso entre a lei e o vivido nos abrigos pode aparecer das mais diferentes
formas, inclusive em algumas completamente inaceitáveis, como nos trechos que se
seguem:
Aletheia 31, jan./abr. 2010
17
Ameaças e punições físicas também eram aplicadas às crianças. (...) Desse modo,
a manutenção do autoritarismo e violência ainda existia na vida das crianças que,
retiradas de suas famílias por maus-tratos, eram, forçosamente, obrigadas a conviver
com pequenos atos de violência diários. (Barros & Fiamenghi, 2007, p.1272)1
Embora seja órgão executor do ECA, em muitos aspectos, o abrigo contraria seus
preceitos, colocando em dúvida se efetivamente é um abrigo para proteção. Um
claro exemplo desta contradição é referente à preservação (e até estímulo) do
vínculo familiar normatizado pelo ECA. A organização institucional cria obstáculos
para que as famílias não sejam insistentes e “atrapalhem o trabalho”. Uma vez que
se deva manter o vínculo, o trabalho da instituição é justamente abrir espaço para
a família, e não limitá-la a duas horas de visitas semanais. (Oliva, 2004, p.9)
Em outro texto pesquisado, Arpini citando Bleger (1980), corrobora com a ideia de
que os abrigos tendem a reproduzir a mesma lógica de alguns dos problemas que buscam
combater, pois criam as mesmas dificuldades vivenciadas por crianças e adolescentes
pobres, estabelecendo a mesma relação excludente que a sociedade tem com seus sujeitos
não adaptados aos modelos instituídos. A partir de tais argumentos, é sugerida a falta de
êxito do funcionamento desses estabelecimentos.
Cabe aqui colocar em análise a ideia de abrigo que tem êxito. O que seria um abrigo
bem sucedido? Aquele onde há ordem? Onde tudo está organizado? Aquele que os órgãos
de fiscalização avaliam como tendo bom funcionamento? Geralmente esses são os que
primam por práticas de normatização, de moralização e de higienização, como visto em
outro artigo de nossa base de dados, no qual os autores relacionam a boa aparência das
crianças com a disciplinarização de seus corpos.
Constata-se, assim, a existência de um paradoxo presente na relação mãe social/
criança, com relação ao cuidado. Não se pode negar que as crianças recebem
cuidados, pois estão sempre asseadas e apresentam boa aparência, no que se
refere à limpeza e vestimenta. Ao mesmo tempo, a garantia de boa aparência e
asseamento ocorre às custas de muita repressão para que não se movimentem e,
consequentemente, se desarrumem, associada a cuidados rápidos, muitas vezes
bruscos, que não levam em consideração o tempo e as necessidades de cada
criança individualmente. (Nogueira & Costa, 2005, p.172 )
Seria esse um bom abrigo, já que asseado, bem cuidado, em perfeita sintonia com
padrões instituídos de cuidado e com forças hegemônicas que produzem técnicas de
governo? Nesses locais, que espaço teriam linhas flexíveis que possibilitassem modos de
existência diferenciados, escapes ao “pensamento único”, e aos valores morais apontados
como verdadeiros e universais? Locais onde, por exemplo, a algazarra das crianças,
o desalinho de suas roupas, o movimento de seus corpos inquietos afirmem a vida e
desnaturalizem o abrigo padrão, enfim, onde a criança ao invés de se adaptar, inventa
formas de vida com outras formas de expressão.
1
As citações que aparecem com asterisco referem-se aos textos utilizados como fonte da pesquisa bibliográfica.
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Se voltarmos à ideia, anteriormente sugerida, que associa o êxito ou o não êxito ao
fato do abrigo reproduzir as mesmas práticas de exclusão presentes na sociedade para
sujeitos não adaptados, pode-se dizer que o abrigo não se constitui como algo fora das
construções subjetivas. Ou seja, enquanto instituição do tecido social é a um só tempo
produzido e produtor de processos de subjetivação excludentes. Seus muros não o isolam
desses processos. Existe uma porosidade entre o que se passa no seu interior e fora dele,
já que as subjetividades construídas não habitam locais específicos, não existem em si,
não são estáticas e nem definitivas, não se dão dentro ou fora dos estabelecimentos: são
processuais, constantemente fabricadas a partir de um conjunto de relações de forças, no
qual as hegemônicas convivem com outras construídas como minoritárias e se espraiam
em todo o tecido social. Dessa forma, as lógicas da exclusão referentes aos abrigados
se encontram em toda parte, até porque esses territórios dentro e fora não se separam no
que se refere a construções subjetivas.
Foucault (2001) afirma a dimensão positiva do poder ao dizer que é necessário “(...)
deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos” (p.161). Entende
a positividade como a propriedade de produzir alguma coisa, como a existência de
configurações que possibilitam acontecimentos. Assim, as relações de poder presentes
nos abrigos, como todas as demais, são sempre propositivas. Afirmam políticas públicas
destinadas à população infanto-juvenil, fabricam orçamentos públicos, constroem práticas
de atendimento, higienizam as ruas ao guardarem intramuros alguns dos considerados
nocivos sociais. Todas essas, muitas vezes, vistas como práticas bem sucedidas. Ou seja,
o êxito sempre existe, importa localizá-lo.
Frente a tais análises e passados 18 anos da implantação do ECA, é pertinente uma
discussão que problematize as transformações ocorridas nas práticas protetivas de atenção
infanto-juvenil e o que ainda permanece como herança do sistema total2. O abrigo se
qualifica como um espaço protetor dos direitos de crianças e jovens, mas é ao mesmo
tempo violador, já que simultaneamente se propõe a protegê-los de situações de risco,
mas infringe a lei por outros percursos. Um dos pontos mais recorrentes nos textos
analisados diz respeito ao fato dos abrigos terem se tornado um lugar de permanência
até a maioridade, enquanto o caráter temporário desses espaços é uma condição prevista
na lei. Dessa maneira, muitos passam suas vidas inteiras ali, não tendo oportunidade
de retornar à sua família de origem. É o que Orionte e Souza (2007, p.114) descrevem
no seguinte trecho:
Sabe-se que, em virtude da burocracia das instituições, dificilmente uma criança
O sistema total tem como suporte as instituições totais (manicômios, prisões, asilos, conventos) (Goffman, 1974).
No que se refere ao tema aqui tratado – infância e juventude – diz respeito ao complexo de estabelecimentos
que se destinavam à internação de crianças e jovens. Ancorados pela proposta de substituição da caridade pela
filantropia, emergem no século XIX, fazendo parte de um aparato médico-jurídico-assistêncial, que buscava
a prevenção, a reeducação e a recuperação dessa parcela da população quando vista como perigosa ou em
perigo. Com base na vigilância e no controle, funcionava como forma de promover a correção dos internados
e o saneamento social. Na maioria dos casos, atuavam como depósito, já que o mais comum era só deixar
o estabelecimento após a maioridade, mesmo que ao longo de suas vidas passassem por diferentes locais de
internação.
2
Aletheia 31, jan./abr. 2010
19
será retirada dali. O espaço que deveria ser apenas temporário torna-se, para
muitas delas, permanente, contrariando a proposta do ECA (Brasil, 1990).
Entretanto, no âmbito geral, essa proposta ainda não foi efetivada, necessitando de
políticas sociais que garantam apoio às famílias, qualidade da institucionalização
e efetiva aplicabilidade dos preceitos e normativas do ECA.
Muitos abrigos alegam não ter recursos para realizar suas funções, como, por
exemplo, a de reintegração da criança ou do jovem na sua família, a quem deveriam prestar
assistência no sentido de favorecer condições para esse retorno. Sendo essa tarefa exercida
de forma precária pelos abrigos, ela fica, muitas vezes, a cargo das equipes técnicas do
poder judiciário, que também a realizam de maneira insuficiente.
Tal preocupação está presente em algumas das produções pesquisadas, quando
discutem as funções do abrigo, as práticas de desqualificação da família pobre e os
limitados procedimentos de reintegração da criança à sua família. O exemplo que se
segue, retirado de um dos textos pesquisados, aponta a necessidade do abrigo buscar
meios de reaproximar a família do filho abrigado.
Entendemos que as instituições que se destinam a abrigar crianças, necessitam
desenvolver estratégias de ação que possibilitem a reintegração da criança à
família, servindo como ponte para o restabelecimento dos vínculos que por motivos
diversos, em algum momento se perderam. A instituição necessita repensar seus
objetivos a fim de ampliar seu horizonte de ação, acrescendo a sua função de
cuidadora da criança à de promotora do restabelecimento do contato da mesma
com a família, para que esta assuma o seu papel enquanto primeira gestora
do cuidado de seus membros, ou seja, cumpra sua função afetiva, provedora e
formadora. (Zem-Mascarenhas & Dupas, 2001, p.419)
Encontramos, ainda, referências ao fato de que muitos abrigos, até o presente, ainda
funcionam com especialistas atendendo dentro de seus espaços internos. Silva, Mello e
Aquino (2004) relatam que o “Levantamento Nacional” realizado pelo IPEA
... mostra um quadro preocupante nesse sentido: apenas 6,6% dos abrigos
pesquisados utilizam todos os serviços disponíveis na comunidade, tais como:
creche, ensino regular, profissionalização para adolescentes, assistência médica
e odontológica, atividades culturais, esportivas e de lazer e assistência jurídica.
Nesse aspecto, a maioria dos abrigos (80,3%) ainda oferece pelo menos um desses
serviços diretamente (de forma exclusiva) dentro do abrigo... (p.234)
Referindo distância, dificuldade de transporte, quebra da dinâmica da casa, falta
de funcionários para acompanhar as crianças, os abrigos alegam não ter condições,
por exemplo, de levar as crianças a postos de saúde. Nesse contexto, e no sentido de
poupar trabalho, muitos estabelecimentos relatam práticas de padronização nos abrigos
semelhantes àquelas dos antigos estabelecimentos de internação: uma homogenização
de roupas, penteados, condutas e hábitos. Isso evidencia uma contradição com a diretriz
do ECA, que afirma o atendimento personalizado, que respeite as individualidades de
cada criança ou jovem.
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No entanto, anterior a todas estas violações, o que está em questão é a própria prática
de abrigamento utilizada de forma recorrente, como primeiro recurso. Tal procedimento
fere os direitos garantidos pelo Estatuto, operando a inversão do que encontramos no
artigo 101, parágrafo único: “O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como
forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de
liberdade”.
Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
(Silva, 2004), em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente (CONANDA), mostraram que mais de 80% da população desses
estabelecimentos têm família, sendo que quase 60% mantêm vínculo com seus
familiares. Esses dados contrariam a crença disseminada de que a maioria das
crianças abrigadas não tem família e evidenciam um modo de funcionamento da rede
dissonante com a proposta do Estatuto no que concerne, especialmente, ao direito
fundamental de convivência familiar.
Nesse caminho de análise, cabe perguntar: escrever algo em formato de lei
assegura as mudanças que inspiraram sua elaboração? A lei garante os direitos por ela
mencionados?
A pesquisa do IPEA indicou, também, que entre os abrigados a maioria é de
meninos, negros e pobres, com idade entre 7 e 15 anos, sendo os principais motivos que
justificam a entrada nos estabelecimentos a carência de recursos materiais da família e
um pretenso abandono. Nesses casos, o abrigamento está fortemente ligado à situação
financeira da família e sua suposta incapacidade de prover para seus filhos condições
básicas como higiene e alimentação. Isto, apesar do ECA ratificar, em seu artigo 23, que
a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para o abrigamento e a
consequente suspensão do poder familiar. Tal artigo afirma ainda, em seu parágrafo único,
que não havendo outro fator, a criança será mantida na família de origem, que deverá,
obrigatoriamente, ser inserida em programas sociais de auxílio.
Estaria sendo o abrigo um dispositivo de violação de direitos? A institucionalização
dessas crianças e adolescentes seria a melhor medida? Que outros funcionamentos
poderiam ser operados pela rede de proteção à infância e juventude?
O ECA, os abrigos e as relações de forças que os atravessam
Não há como problematizar as práticas de violação de direitos sem revisitar a história
de assistência à população infanto-juvenil brasileira, pautada e construída a partir das
práticas de internação. Até 1990, crianças e adolescentes que por algum motivo não podiam
ser cuidados por suas famílias e ficavam sob a tutela do Estado eram encaminhados para
os grandes internatos. Tal conduta se constituiu fortemente embasada em pressupostos
médico-higienistas, juristas e, podemos também dizer, foi fundamentada em certos
discursos psi, aqueles que acreditam na apreensão objetiva do mundo e do ser humano
e na natureza específica e identitária dos objetos.
Ao se apoiar em uma concepção de indivíduo dotado de uma essência, o discurso psi
corroborou com a afirmação de modelos hegemônicos de família, estabelecendo padrões
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de normalidade e anormalidade, desqualificando, assim, a família pobre, fixando-a em
aparelhos de normalização, regulação e controle. Visando dar conta disso, proliferam
os grandes complexos de internação para infância e juventude, dispondo de um modelo
punitivo-repressivo, legitimado, dentre outros, pelo saber da psicologia.
Compartilhamos com Foucault (1996) a ideia de que o lugar de saber-poder
ocupado pelos especialistas e sua habilidade em instituir verdades eternas e a-históricas
produz sentidos por/para os sujeitos. Dessa forma, o saber age nos indivíduos a partir da
observação, da rotulação, do registro, da análise de seu comportamento, da comparação
entre os tidos como desiguais e da sua posterior desqualificação, visto que a razão
especialista se pauta pela vigilância, o controle e a disciplina, transformando questões
sociais em problemas individuais, ao retirar das análises a condição histórica dessas
questões. As múltiplas forças do poder dos especialistas constroem valores e sensibilidades
e se apresentam de diferentes maneiras no cotidiano.
Os efeitos que os saberes dos especialistas produziram no interior dos internatos
foram colocando em análise suas formas de funcionamento. Assim é que a partir dos
anos de 1980 a internação e o cotidiano de sua aplicação passam a ser objeto de debates.
Sobretudo questionava-se a utilização dessa prática como dispositivo de controle
das famílias pobres. Discussões dessa ordem, somadas ao cenário político brasileiro
daquela época, marcado pela elaboração e promulgação da Constituição de 1988 e
pela presença de fortes movimentos sociais, prepararam o terreno para a revogação
do Código de Menores e sua substituição pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA, portanto, tenta interromper o percurso histórico da internação ao propor uma
lógica de contraposição aos grandes estabelecimentos de acolhimento de crianças e
jovens, instituindo o abrigo enquanto dispositivo de proteção.
Mais uma vez nos fazemos acompanhar de Foucault e do que ele nos diz sobre
os discursos. Para ele, o discurso “não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder
de que procuramos assenhorear-nos” (Foucault, 1971).
Dessa forma, o que seria a lei senão um discurso? Um discurso que se faz em meio a
relações de força e produz efeitos sobre essas próprias relações. Diferente do que se pensa
e se espera, a lei não cria a realidade por si só. É mais um discurso circulando, mais uma
palavra de ordem no meio de outras forças. É fato que existe todo um aparato junto a esse
discurso legal que pretende fazê-lo funcionar de determinada forma. Existe uma relação
de força para fazer a palavra legal funcionar de modo a prescrever comportamentos. Só
que como toda relação de força, ela não é estática e nem definitiva.
De acordo com Passetti (2007),
O Direito (...) é produto de uma luta entre forças, que justifica a força vencedora
e o seu egoísmo, mesmo quando esta se apresenta igualitária, altruísta e com
facetas universalistas. Assim é que todo direito se expressa em lei a ser respeitada
pelo cidadão (...) (p.76)
Fica, pois, a questão: o que aconteceu no intervalo entre as lutas, os movimentos
que construíram o ECA e a realidade dos abrigos, no que se refere à implantação das
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noções trazidas pela nova lei? Para pensá-la é fundamental evocar os processos de
subjetivação que instituem nossas práticas e que através de diferentes mecanismos,
como por exemplo, a mídia forma os sujeitos e seus modos de funcionamento. É
interessante lembrar que no caso da mídia, sua ação se faz de preferência atrelada
aos especialistas, que constantemente são convocados a dar pareceres nos meios de
comunicação,
As noções de família desestruturada, de menor, de infâncias desiguais, de pais ideais
são constantemente vinculadas à desqualificação e mesmo à criminalização da pobreza.
Veiculadas no espaço social, em destaque pela mídia, vão produzindo subjetividades que
julgam os pobres como necessitados de intervenção, inclusive psi, no sentido de corrigir,
enquadrar e adaptar as pluralidades de seus modos de vida a modelos hegemônicos de
família, trabalho, infância, dentre outros. Isso, apesar do Estatuto tentar justamente romper
com essa lógica assistencialista e desqualificadora.
Sendo assim, é através de um discurso científico, que legitima, reforça e coloca a
família pobre no lugar da impotência, e da massificação desse pensamento através dos
meios de comunicação, que as práticas no campo da infância e juventude também vão
sendo constituídas. Conceber o modo de vida dos pobres como desprovido de condições
para o cuidado de seus filhos é herança que vem do Código de Menores. Tal noção,
não completamente desmontada com a entrada do ECA, ganha espaço, dentre outros
aspectos, apoiada em forças circulantes que associam a pobreza com risco, periculosidade
e violência.
Apesar do ECA propor uma nova política de assistência para a infância e a juventude,
que promove a noção de sujeitos de direitos, a garantia desses direitos fica prejudicada
em função de uma disparidade entre os processos presentes numa ordem macropolítica
e os que se apresentam numa perspectiva micro. Na passagem do Código de Menores
para o ECA, a dificuldade de desmontar um modo de funcionamento e construir outro
esbarra nas singularidades e nas multiplicidades do cotidiano. A lei, assim, não garante a
implantação de seus preceitos. O instrumento legal é, sem dúvida, de suma importância
nesse processo, no entanto, não dá conta da pluralidade presente no dia a dia das
práticas dos abrigos.
Além disso, é preciso referir, também, o processo através do qual a lei se faz. O
ECA emergiu num contexto de movimentos de luta, movimentos sociais, e culmina
com um poder constituído, a Lei. Parece-nos importante, e trágico, para os movimentos
sociais que suas lutas para construir uma realidade, percam força justamente no
momento em que se consegue legislar uma determinada questão. Pode-se dizer que
os movimentos de defesa dos direitos da infância e da juventude reduziram suas
forças após a promulgação do ECA, e sabemos que seria justamente neste momento
da cotidianidade da aplicação da lei que mais fortemente deveriam estar presentes. O
advento do Estatuto traz novas perspectivas para a população infanto-juvenil ao propor
a doutrina de proteção integral e criar o sistema de garantias de direitos. Esse sistema
envolve, além do poder público, entidades da sociedade civil organizada, que têm lugar
fundamental no cenário da proteção. São as condições de organização dessas entidades,
suas forças de articulação em rede e suas posturas ético-políticas frente à consolidação
do texto da lei que irá garantir os direitos de crianças e jovens.
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Nossa pesquisa apontou que em muitos casos de abrigamento inexiste um trabalho
com as famílias que assegure o caráter provisório e excepcional da medida. Esse
deveria ser um campo de atuação dos movimentos de defesa dos direitos de crianças
e jovens, orientados para o fortalecimento das famílias e da convivência familiar e
comunitária.
É com a lógica de internação que o ECA tenta romper. Entretanto, na literatura
consultada nesta pesquisa, algumas afirmações apresentadas corroboram com a ideia,
já mencionada, de que o abrigo além de protetor, também viola os direitos de crianças
e jovens, em descumprimento da lei. Tomando mais um exemplo, diz o Estatuto que
não mais se pode abrigar por pobreza, mas não são justamente as crianças e os jovens
pobres, filhos dos qualificados como negligentes, descuidados, violentos, que continuam
sendo abrigados? Ou seja, são os pobres os considerados necessitados de intervenções
especialistas que possam regular e tutelar suas vidas.
Muitas são as interfaces que permeiam esse processo histórico de cronificação da
pobreza, em que a questão econômica emerge como um dos mais nocivos vetores.
Embora se saiba que a pobreza em si não deveria ser causa do abrigamento de uma
criança ou adolescente como preconizado pelo ECA, nos inúmeros casos de abrigo
em que a justificativa é a pobreza, constata-se uma situação de miséria – crescente
e avassaladora – que interfere diretamente na dinâmica das relações familiares e
gera as denominadas “famílias desestruturadas”, um termo que identifica “famílias
incapazes de cuidar dos filhos. (Oliveira & Milnitsky-Sapiro, 2007, p.10)
Nesses moldes, o que podemos extrair do conjunto de dados e análises que
realizamos ao longo da pesquisa, referente ao descompasso entre a lei e o cotidiano
de abrigamento, é que a implantação do ECA, no que diz respeito aos abrigos, vem
experimentando um embate de forças que, em certos momentos, faz funcionar engrenagens
produtoras de infâncias desiguais e mecanismos violadores dos direitos da população
infanto-juvenil pobre.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aprovado em junho de 2009
Maria Lívia do Nascimento: Psicóloga; Doutora em Psicologia (PUC-SP). Professora do Departamento de
Psicologia/Universidade Federal Fluminense (UFF).
Alessandra Speranza Lacaz: Graduanda de Psicologia UFF; Bolsista PIBIC/CNPq.
Marilisa Travassos: Graduanda de Psicologia UFF.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.26-38, jan./abr. 2010
Estudo do processo de resposta num teste de memória
Fabián Javier Marín Rueda
Fermino Fernandes Sisto
Cláudia Araújo da Cunha
Alexandre José Raad
Resumo: O processo de resposta do Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) classifica seus itens
em três categorias sequenciais (céu, terra e água). Assim, aventou-se a hipótese que pessoas com
uma familiaridade diária com o mar (Aracaju-grupo A) lembrariam mais desses itens quando
comparadas com pessoas sem esse contato diário (Uberlâdia-grupo B). Participaram 858 estudantes
universitários, com idades entre 18 e 68 anos, de ambos os sexos, e que responderam coletivamente
ao teste. Primeiramente, a hipótese não foi confirmada, sendo que o grupo B obteve maiores
pontuações que o grupo A. Também, todas as categorias mostraram diferenças significativas entre
os grupos, sendo que o grupo B sempre mostrou melhor desempenho. Por fim, o grupo A apresentou
uma sequência não esperada (terra, céu e água) se diferenciando dos grupos do manual.
Palavras-chave: Memória, processo de resposta, testes psicológicos, avaliação psicológica.
Study about the response process of a memory test
Abstract: The response process of The Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) classified the items
into three sequential categories (sky, land and water). So, it was hypothesized that the day-by-day
familiarity with the sea by the people (Aracaju-group A) could ease their recovering of item of water
grouping, when comparing with people that who not have that daily experience (Uberlândia-group B).
858 college students, aging 18 to 68 years old, of both sexes collectively answered the test. First
of all, the hypothesis was not confirmed, and the group B obtained higher scores than the group
A. Besides, all categories presented significant differences between both groups, always group B
showing the best performance. Finally, the group A presented unexpectedly the sequence land, sky
and water differentiating itself of all groups related in the Manual.
Keywords: Memory, response process, psychological tests, psychological assessment.
Introdução
Do século XVII até o XIX, filósofos como John Locke, John Stuart Mill e Thomas
Brown especularam sobre os fatores que afetariam a força de associações particulares
no âmbito do sistema psicológico. Eles supusseram que o “despertar” de associações da
memória (recordação) poderia ter maior ou menor intensidade em razão da semelhança
da pista estimulante para a memória, o quão recente fosse a experiência, a coexistência
de poucos “associados alternativos” para a pista (chamados “interferência”), e as
“diversidades temporárias de estado” (intoxicação, delírio, depressão). Tais conjecturas
geraram muita pesquisa e varias teorias, até hoje, sendo que cada uma delas lidou com
esses fatores de formas diferentes (Bower & Hilgard, 1981).
Desde que a memória começou a ser estudada empiricamente, vários pesquisadores
propuseram definir o que se entendia pelo construto; porém, uma das primeiras grandes
correntes foi a empírica, introduzindo a teoria de associação por contiguidade (Warren,
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
1921). Segundo essa corrente, ideias complexas seriam formadas na mente, conectando na
memória ideias simples baseadas em sensações que seriam vivenciadas simultaneamente
em tempo e/ou espaço.
Quando se fala em investigadores da memória humana, o primeiro foi Ebbinghaus, que
em 1885, se interessou em saber qual a quantidade de informação que as pessoas poderiam se
lembrar, imediatamente após sua apresentação. Foi ele quem inventou a noção da sílaba sem
sentido ao fornecer para si mesmo materiais de aprendizagem de dificuldade homogênea,
evitando dessa forma a variabilidade de palavras familiares (Tulving & Craik, 2000).
Investigações subsequentes propuseram outros paradigmas e testaram muitas
variáveis que determinaram o desempenho da memória em diferentes contextos. A
memória começou a ser testada tanto por lembrança, reconhecimento, reconstrução, além
de uma variedade de medidas indiretas. A natureza dos materiais poderia ser variada,
como também a forma de apresentação, as estratégias que os sujeitos usam para estudálas, as expectativas a respeito do teste e as relações entre vários conjuntos de materiais a
serem aprendidos. Como resultado, uma enorme quantidade de informação empírica foi
acumulada sobre como se aprende em dadas situações, além de muitas hipóteses terem
sido aventadas e testadas para integrar as diferentes definições e propostas para entender
a memória humana (Tulving & Craik, 2000).
Mesmo com inúmeras variações e elaborações, o experimento de memória
contemporâneo consiste de três fases, quais sejam, uma fase de estudo ou codificação,
na qual o material é apresentado ao sujeito, um intervalo de retenção e, finalmente, uma
fase de devolução ou teste, na qual o sujeito tenta responder a uma questão que envolve
o uso da informação inicialmente estudada. Os diferentes métodos de memória, de
Ebbinghaus até os dias de hoje, podem ser caracterizados em termos das condições que
eles estabelecem para cada uma dessas três fases. A estratégia de pesquisa fundamental
tem sido variar as condições em cada uma das fases.
É importante salientar que a mudança na forma de abordagem não trouxe
modificações radicais na forma de avaliar o construto, mas deu-lhe um novo propósito,
produzindo outra ênfase e o surgimento de novos procedimentos. Cada uma das três fases
passou a ser vista como um conjunto de operações complexas a ser entendido em termos
de um processador de informação ativo. Além disso, o foco desses métodos mudou o
entendimento da interação com outras variáveis em cada uma das fases.
Bastante relacionado com essa mudança de foco, existia um crescente debate em
relação ao número e forma dos diferentes sistemas de memória, assim como também a
relação do construto com outras variáveis. Uma das variáveis muito pesquisada ao longo
dos anos foi a idade. Pode-se dizer que o interesse pelo estudo da memória e a idade
surgiu da pesquisa de Brunswik, Goldscheider e Pilek, que em 1932 estudaram a memória
de escolares de 6 a 18 anos, observando que o número de repetições necessárias para
apreender um material apresentado decrescia conforme aumentava a idade das pessoas.
Após esse estudo, as relações entre idade e memória, especialmente na primeira infância
e na idade avançada, têm sido muito investigadas.
Nesse sentido, Anderson, Craik e Naveh-Benjamin (1998) mostraram que o
desempenho em testes de memória de adultos idosos era pior na codificação e devolução
do que adultos jovens. Dentro desse contexto, enquanto alguns autores afirmaram que a
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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memória entraria em declínio nos adultos velhos ou idosos (Kausler, 1994; Ryan, 1992),
outros consideraram que nem todos os aspectos da memória ficariam prejudicados com
o passar da idade (Balota & Duchek, 1988; Burke & Light, 1981; Craik, 1983; Schacter,
Kihlstrom, Kaszniak & Valdiserri, 1993; Shimamura, 1989). Assim, em testes de memória
explícita, segundo Verhaeghen e Marcoen (1993), existiria uma diferença de cerca de
20% entre adultos jovens e idosos, e em testes de memória implícita essas diferenças
poderiam cair para aproximadamente 5% (Graf, 1990).
Já Alonso e Prieto (2004), pesquisando idosos, concluíram que conforme aumenta a
idade diminui a memória de longo prazo, como também a de curto prazo e a capacidade
cognitiva. Esse estudo corroborou os achados anteriores de Wilson, Cockburn e Baddeley
(1985) com a população inglesa.
Se até o momento os autores citados concordam quase que unanimemente em
que a memória de idosos seria prejudicada quando comparada com adultos jovens, nem
todos os autores e pesquisas confirmam esses dados. Assim, as investigações de Kline e
Orme-Rogers (1978), Di Lollo, Arnett e Kruk (1982) e Gilmore, Allan e Royer (1986)
indicaram que a diferença no desempenho em tarefas de memória sensorial de jovens
adultos e idosos seria mínima, com uma pequena vantagem para os idosos. Esses resultados
também foram alcançados por Parkinson e Perry (1980) estudando o desempenho em
memória sensorial auditiva em idosos e adultos jovens.
Estudando a memória de curto prazo, Puckett e Stockburger (1988) encontraram
desempenhos semelhantes entre idosos e adultos jovens em uma tarefa de lembrança
de letras por curtos períodos de tempo. Já em estudos sobre a memória de longo prazo,
pesquisadores sustentaram que os idosos teriam um desempenho menor que os adultos
jovens (Craik & Byrd, 1982; Kausler, 1991; Rabinowitz & Ackerman, 1982). Por sua vez,
Giambra e Arenberg (1993), Park, Royal, Dudley e Morrell (1988) e Rybarczyk, Hart e
Harkins (1987) afirmaram que quando igualados os períodos de codificação inicial de
teste, ou seja, quando os idosos têm um maior tempo para a codificação que os adultos
jovens, a diferença no desempenho seria relativamente pequena.
No Brasil, o estudo de Rueda e Sisto (2006) com a versão preliminar do Teste
Pictórico de Memória, que avalia a capacidade do indivíduo devolver uma informação
em um curto período de tempo, foi ao encontro dos achados de Ackil e Zaragoza (1998),
Balota e cols. (1999), Craik e Byrd (1982), Java (1996), Perfect e Dasgupta (1997), Poole
e White (1993), dentre outros, que afirmam que tanto as pessoas mais velhas quanto as
mais novas, apresentam desempenhos menores que os indivíduos considerados adultos
jovens. No caso da pesquisa de Rueda e Sisto, os sujeitos de 18 a 25 anos apresentaram
as maiores pontuações no teste, quando comparados com os indivíduos mais novos e
adultos velhos, o que poderia sugerir um aumento da memória até certo ponto da vida e
após uma estabilidade da mesma aconteceria um declínio.
Após uma reconfiguração desse teste, a versão final também foi estudada por Rueda
(2006) em função da idade das pessoas. Os resultados mostraram que os sujeitos de 17
a 36 anos apresentaram as maiores pontuações, o que novamente foi sugestivo de um
aumento da memória até certo ponto da vida e, após, uma estabilidade seguida de um
declínio. A diferença entre a pesquisa de Rueda e Sisto (2006) e de Rueda (2007) é que
na primeira os participantes tinham entre 10 e 60 anos, enquanto que na investigação de
Rueda (2007) não participaram pessoas com menos de 17 anos.
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Mas esses não foram os únicos aspectos relevantes usados na construção de um teste
que poderiam explicar o comportamento das pessoas. Nesse sentido, uma das perguntas que
começaram a ser colocadas por pesquisadores deixou de ser como diferentes processos de
codificação influenciariam os níveis de desempenho (causa e efeito), e a questão de maior
interesse se tornou como a lembrança poderia ser determinada pela interação de processos de
codificação particulares. Esse tipo de estudo passou a ser denominado processo de resposta
e tem servido para uma maior compreensão dos fenômenos psicológicos.
Nesse contexto, no Teste Pictórico de Memória (Rueda & Sisto, 2007) os autores
investigaram o processo de resposta utilizado pelos indivíduos ao responder o teste. Para
isso, o ponto de partida para a análise foram três estudos. Assim, Paivio (1991) propunha
que a memória para localização seria pobre no meio de uma página, mas seria melhor
perto dos cantos e bordas; por sua vez, Mandler, Seegmiller e Day (1977) apontaram
que cenas organizadas seriam lembradas melhor do que cenas não-organizadas; e,
finalmente, Couclelis, Golledge, Gale e Tobler (1987) indicaram que alguns elementos
de uma cena pictórica, chamados pontos de referência, seriam mais salientes na paisagem
geográfica e serviriam como pontos de referência cognitivos na organização de espaço,
o que determinaria a lembrança de determinados detalhes em detrimento de outros. Com
base nesses dados foram realizados procedimentos para averiguar se esses resultados se
mantinham nos dados da pesquisa.
Após o estudo dessas possibilidades, Rueda e Sisto (2008) encontraram que três
agrupamentos formavam uma sequência constante, quais sejam, céu, terra e água. Para
isso, reanalisaram os 51 itens da versão preliminar do instrumento, oito fazendo parte
do ambiente água, 18 do céu e 25 da terra. Os estudos foram feitos transformando os
dados em médias ponderadas em razão da desproporcionalidade da representação, e
realizando uma análise de variância (ANOVA) para verificar possíveis diferenças entre
os três agrupamentos. Obteve-se como resultado um [F (2, 511)=74,92, p=0,000], sendo
que a prova de Tukey diferenciou os três grupos.
Após a realização de uma equalização dos itens de cada agrupamento do desenho do
teste, Rueda (2008) submeteu o instrumento a um novo estudo sobre o processo de resposta,
obtendo como resultado a mesma configuração que na versão preliminar. Porém o valor da
análise de variância foi consideravelmente maior [F (2, 642)=256,84, p=0,000].
Com base nesses resultados, Rueda e Sisto (2008) e Rueda (2008) sugeriram estudos
que se propussessem a avaliar o processo de resposta ao teste em indivíduos de diferentes
contextos, como uma forma de verificar a existência de variáveis que influenciariam tal
processo. Dentro desse contexto, o objetivo deste estudo foi verificar possíveis diferenças
em função de populações que moram em contextos diferentes, como uma forma de
verificar se a estrutura de resposta ao teste se manteria ou seria modificada. Para isso,
foi estudada uma amostra de pessoas que vivem em uma cidade beira-mar, ou seja, que
vivenciam diariamente a presença do mar (Aracaju) e outra cuja vivência cotidiana
não inclui a presença marcante de água (Uberlândia). Convém salientar que não foram
encontrados estudos dessa natureza que tratassem dessa relação, nem que houvessem
relatado a presença desses elementos (céu, terra e água) ao estudar testes pictóricos,
nem na literatura nacional nem internacional. Além disso, as diferenças nesse processo
de resposta em função da idade também foram verificadas.
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Método
Participantes
Participaram da pesquisa 858 estudantes universitários, sendo 296 (34,5%) da
cidade de Aracaju (grupo A), estado de Sergipe e 562 (65,5%) da cidade de Uberlândia
(grupo B), estado de Minas Gerais. Do total, 251 (29,3%) eram homens e 600 (69,9%)
mulheres. Não informaram o sexo apenas 7 (0,8%) pessoas. Quanto à idade, ela variou
de 18 até 68 anos, verificando-se uma concentração de indivíduos até os 25 anos (67,6%).
A média de idade foi 26,50 (± 10,70).
Instrumento
Teste Pictórico de Memória – TEPIC-M (Rueda & Sisto, 2007)
O Teste é composto por uma figura com vários desenhos e detalhes que podem ser
agrupados em três categorias, quais sejam, itens que pertencem e podem ser encontrados na
categoria Água (peixe, jet-ski, por exemplo); itens referentes à categoria Céu (pássaro, sol,
balão, dentre outros) e itens que podem ser localizados na categoria Terra (barraca, casa,
árvore, por exemplo). Para responder o teste a pessoa deve visualizar a figura durante um
minuto e, em seguida, deve lembrar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis
e escrevê-los na folha de resposta do teste. A pontuação pode variar de 0 a 55, sendo que
é atribuído 1 ponto para cada item lembrado pelo indivíduo.
Quanto às propriedades psicométricas do instrumento, no manual são relatados
estudos de evidências de validade pelo funcionamento diferencial do item, assim
como análise de itens pelo modelo Rasch. Quanto aos índices de precisão, eles foram
considerados satisfatórios (0,63 a 0,74).
Procedimento
Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme
aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade São Francisco, por parte dos respondentes,
o instrumento foi aplicado de forma coletiva. O tempo total de aplicação foi de
aproximadamente 5 minutos, e não excedeu a 30 pessoas por grupo.
A aplicação do teste ocorreu seguindo as orientações do manual. São elas: Este é
um teste de memória. Será projetado na lousa quadro com vários desenhos e detalhes.
Vocês terão um minuto para olhar e memorizá-los. Vou pedir para vocês não falarem
nem escreverem nada. Apenas olhem o quadro e tentem memorizar a maior quantidade
de desenhos e detalhes que conseguirem.
Dada a instrução, foi projetada a transparência e não foi permitido que as pessoas
fizessem qualquer anotação. Após 1 minuto desligou-se o retroprojetor. Feito isso, foi
dito: Agora quero que peguem a folha e escrevam a maior quantidade de desenhos e
detalhes que conseguirem. Vocês terão dois minutos para isso.
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Resultados
frequência
frequência
frequência
frequência
Num primeiro momento foram realizadas as estatísticas descritivas do TEPIC-M
com a amostra total; foram comparadas as pontuações no teste em função da cidade
dos participantes; posteriormente essa mesma análise foi realizada levando em
consideração a faixa etária dos participantes; e, por fim, foi realizada uma análise
de variância para verificar se a estrutura original de cada agrupamento do teste se
mantinha nos sujeitos de cada cidade.
No caso da estatística descritiva, ela foi realizada por agrupamento e com a
pontuação total do teste. Esses dados podem ser visualizados na Figura 1.
Figura 1 – Pontuações e frequência nos três agrupamentos do teste e na pontuação total do TEPIC-M
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No caso do agrupamento Água, as pontuações poderiam variar de zero a 16,
verificando-se uma concentração entre dois e cinco pontos (64,3%). A média de pontos
foi 3,59, com um desvío padrão de 2,10. A pontuação mínima foi zero e a máxima seis.
Esses resultados mostram que as pessoas se lembraram de poucos itens do agrupamento.
Com relação ao agrupamento Céu pode-se observar que a concentração de pontos
ficou entre 5 e 8 (69,9%) de um total possível de 17. A média foi 6,24 (DP=1,98). No
caso desse agrupamento as pontuações, como no agrupamento anterior, também não
alcançaram a máxima possível. Quanto ao agrupamento Terra, a pontuação máxima
possível é de 22 pontos e a máxima obtida pelos participantes foi 15. A concentração das
pontuações ficou entre cinco e oito pontos (62,4%). Por fim, em relação à pontuação total
do instrumento observou-se uma média de 16,15 (DP=4,64), sendo que essa pontuação
média foi considerada baixa, pois é inferior ao ponto médio do instrumento. Esses
resultados vão ao encontro dos achados de Rueda (2007) e Rueda e cols. (2007).
Com a finalidade de verificar diferenças em cada ambiente do teste e na pontuação
total foi realizada a prova t de student levando em consideração o grupo dos participantes,
partindo do pressuposto que os indivíduos da cidade de Aracaju (grupo A) lembrariam
mais itens pertencentes ao ambiente Água, pelo fato de terem mais contato com o mesmo,
quando comparados às pessoas da cidade de Uberlândia. Esses resultados encontram-se
na Tabela 1.
Tabela 1 – Médias, desvios padrão, valores de t de student e níveis de significância (p) para as pontuações
em memória por cidade
Teste Pictórico de Memória
Água
Céu
Terra
Total
Cidade
N
M
DP
Grupo B
562
3,98
2,11
Grupo A
296
2,84
1,87
Grupo B
562
6,77
1,86
Grupo A
296
5,25
1,82
Grupo B
562
6,48
2,35
Grupo A
296
6,03
2,36
Grupo B
562
17,22
4,56
Grupo A
296
14,12
4,07
t
p
7,82
0,000
11,45
0,000
2,62
0,009
9,82
0,000
Nota: Significativo ao nível de 0,05
Os dados da Tabela 1 mostram que houve diferença estatísticamente significativa
em todos os agrupamentos do teste assim como também na pontuação total, sendo que
em todas as medidas os indivíduos da cidade de Uberlândia (grupo B) apresentaram
maiores pontuações. Deve-se ressaltar que enquanto a sequência dos agrupamentos foi
correta para o grupo B, o mesmo não ocorreu com o grupo A, pois houve uma inversão
na sequência. Com a finalidade de aprofundar esses dados dividiram-se os participantes
de acordo com as três faixas etárias estabelecidas pelo manual do teste, quais sejam, dos
18 aos 36 anos, dos 37 aos 59 anos e indivíduos com 60 anos ou mais. Os resultados
podem ser observados na Tabela 2.
32
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Tabela 2 – Médias, desvios padrão, valores de t de student e níveis de significância (p) para as pontuações
em memória por cidade para cada faixa etária
Teste Pictórico de Memória
18-36 anos
Água
Céu
Terra
Total
Cidade
N
Grupo B
471
4,04
M
2,06
DP
Grupo A
275
2,88
1,90
Grupo B
471
6,87
1,85
Grupo A
275
5,32
1,79
Grupo B
471
6,66
2,33
Grupo A
275
6,03
2,36
Grupo B
471
17,56
4,44
Grupo A
275
14,24
4,09
t
p
7,60
0,000
11,14
0,000
3,53
0,000
10,17
0,000
t
p
3,01
0,004
4,08
0,000
-0,48
0,633
2,82
0,006
37-59 anos
Água
Céu
Terra
Total
Cidade
N
M
DP
Grupo B
69
4,33
2,07
Grupo A
12
2,36
1,63
Grupo B
69
6,61
1,80
Grupo A
12
4,18
2,04
Grupo B
69
5,65
2,20
Grupo A
12
6,00
2,45
Grupo B
69
16,59
4,54
Grupo A
12
12,55
3,53
Cidade
N
M
DP
60 anos ou mais
Água
Céu
Terra
Total
Grupo B
22
1,55
1,79
Grupo A
12
2,10
1,10
Grupo B
22
5,14
1,58
Grupo A
12
4,40
2,07
Grupo B
22
5,23
2,35
Grupo A
12
6,20
2,66
Grupo B
22
11,91
3,75
Grupo A
12
12,70
3,92
t
p
-0,90
0,375
1,11
0,276
-1,04
0,305
-0,55
0,590
Nota: Significativo ao nível de 0,05
De acordo com a Tabela 2, na faixa etária dos 18 aos 36 anos todas as medidas
apresentaram diferenças estatíticamente significativas. Novamente verificou-se que os
participantes do grupo B se lembraram de mais itens em todos os casos. Já na faixa
etária dos 37 aos 59 anos houve diferença significativa em três das quatro medidas,
Aletheia 31, jan./abr. 2010
33
quais sejam, na Água, no Céu e na pontuação total, com uma média maior também dos
indivíduos do grupo B. No caso do agrupamento Terra verificou-se que as pessoas do
grupo A lembraram mais itens, porém a diferença não foi estatíticamente significativa.
Por fim, nas pessoas de 60 anos ou mais, as do grupo B obtiveram maiores pontuações no
agrupamento Céu e na pontuação total do teste, enquanto que o grupo A teve um melhor
desempenho nos agrupamentos Água e Terra. Destaca-se, porém, que nenhuma dessas
diferenças foi estatisticamente significativa. Ao lado disso, o total de respostas diminuiu
com o avançar da idade, sendo que nas pessoas com mais de 60 anos, a diferença entre
os grupos deixou de ser significativa.
Para verificar se a estrutura de cada agrupamento do teste se mantinha em função
dos grupos realizou-se uma análise de variância após calcular as médias ponderadas de
cada agrupamento, em razão das diferentes quantidades de itens. No resultado observaramse diferenças estatísticamente significativas, sendo que a prova de Tukey diferenciou os
três agrupamentos [F (2, 858)=242,50, p=0,000] e [F (2, 858)=112,26, p=0,000] para
as cidades de Uberlândia e Aracaju respectivamente. Os resultados da diferenciação da
prova de Tukey podem ser visualizados na Tabela 3.
Na Tabela 3 observa-se que a estrutura estabelecida pelo Manual do teste foi
mantida no grupo B, ou seja, os itens da Água foram os menos lembrados e os itens do
Céu apresentaram a maior média de pontuação. Por sua vez, no grupo A os itens mais
lembrados pertenciam à Terra, seguidos pelo Céu e Água.
Tabela 3. Subconjuntos formados pela prova de Tukey em razão dos três agrupamentos de itens e a média
ponderada para os participantes de ambas as cidades
Grupo B
Subconjunto alfa = 0,05
Agrupamentos
1
2
Água
0,25
Terra
3
0,29
Céu
p
0,40
1,000
1,000
1,000
Grupo A
Subconjunto alfa = 0,05
Agrupamentos
1
2
Água
0,18
Céu
0,27
Terra
p
34
3
0,31
1,000
1,000
Aletheia 31, jan./abr. 2010
1,000
Discussão
Este estudo partiu da proposta de Rueda e Sisto (2008) e Rueda (2008) de avaliar o
processo de resposta no TEPIC-M em pessoas que convivem em diferentes contextos, no
que se refere a ter a presença do mar em seu cotidiano ou não. Com base nisso estudaramse amostras de duas cidades diferentes, quais sejam, Aracaju e Uberlândia. A primeira
caracteriza-se por ser uma cidade costeira na qual as pessoas convivem diariamente com
estímulos provenientes do mar. Por sua vez, os habitantes da cidade de Uberlândia não têm
esse contato com tanta frequência, por ser localizada a mais de 500 quilómetros da cidade
costeira mais próxima. Assim, acreditava-se que os indivíduos de Aracaju lembrariam mais
dos itens do teste pertencentes ao ambiente Água do que as pessoas de Uberlândia.
Nos resultados essa expectativa não foi comprovada, pois os participantes de
Uberlândia se lembraram de mais itens em todas as medidas do TEPIC-M. Quando
comparadas as medidas em função das faixas etárias contempladas pelo manual do
teste, evidenciou-se esse mesmo resultado dos 18 aos 36 anos. Já dos 37 aos 59 anos
essa tendência aconteceu em dois agrupamentos (Água e Céu) e na pontuação total do
teste. Por sua vez, nas pessoas com 60 anos ou mais não foram observadas diferenças
em nenhuma das medidas estudadas. Infelizmente esse tipo de dado não foi encontrado
na literatura o que impossibilitou comparações. Entretanto, há que se ressaltar que houve
uma diminuição das pontuações conforme aumentou a idade, fato esse já amplamente
comentado na literatura (Alonso & Prieto, 2004; Graf, 1990; Kausler, 1994; Ryan, 1992;
Verhaeghen & Marcoen, 1993; Wilson, Cockburn & Baddeley; 1985).
Por esses resultados podem ser discutidos dois aspectos. O primeiro deles seria
que com o passar da idade das pessoas o processo de resposta mudaria, ou seja, até uma
determinada idade verifica-se diferença entre os participantes de cada cidade, e com uma
idade mais avançada (a partir dos 60 anos aproximadamente) essa diferença não é mais
observada. Nesse sentido pode-se pensar na possibilidade da memória das pessoas ser
influenciada pelo contexto no qual convivem até certo ponto da vida e, posteriormente, a
lembrança deixaria de ter uma relação tão estreita com o contexto da pessoa, podendo estar
mais relacionada, talvez, com a experiência. Também pode ser aventada a possibilidade
de que o número de participantes das faixas etárias desta pesquisa foi pequeno, o que
daria lugar a outros estudos com essa população.
Por outro lado, e talvez o achado mais importante da investigação, foi que o
processo de resposta dos indivíduos no instrumento estaria relacionado ao entorno da
pessoa. De fato, não da forma que se postulou, qual seja, que as pessoas que convivessem
diuturnamente com o mar teriam mais facilidade de se lembrar de elementos correlatos,
principalmente porque essa categoria sempre foi a menos lembrada em todas as pesquisas
feitas e descritas no Manual. Assim, a hipótese inicial de que as pessoas de Aracaju
tenderiam a lembrar mais dos itens do agrupamento Água foi refutada. Também, esse
tipo de agrupamento de pessoas mostrou outro resultado, as pessoas com convivência
com o mar apresentaram uma sequência diferente da detectada pelo Manual, fato esse
que alerta para a necessidade de pesquisas para entender detalhadamente quais variáveis
estariam envolvidas nesse processo. De fato, a estrutura original do teste foi mantida
apenas na cidade de Uberlândia.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
35
Assim como alguns autores sugerem que os itens que compõem os testes pictóricos
podem influenciar na resposta das pessoas (Couclelis, Golledge, Gale & Tobler, 1987;
Mandler, Seegmiller & Day, 1977; Paivio, 1991), esta pesquisa mostrou que o Teste
Pictórico de Memória também apresenta tal influência. Mas mostrou também um
processo de resposta ainda não descrito na literatura e a influência de uma variável em
uma situação para a qual esta pesquisa não possuía dados para explicar. Nesse sentido,
pesquisas usando esses procedimentos devem ser encorajadas e fica em aberto a questão
da diferença na sequenciação das categorias.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aprovado em agosto de 2009
Fabián Javier Marín Rueda: Psicólogo; Doutor em Avaliação Psicológica (Universidade São Francisco,
campus Itatiba-SP).
Fermino Fernandes Sisto: Pedagogo; Doutor em Pedagogia (Universidad Complutense de Madrid); Livredocente (Unicamp); Professor do curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia da Universidade São Francisco, campus Itatiba-SP; Bolsista de Produtividade CNPq.
Cláudia Araújo da Cunha: Psicóloga; Doutora em Educação (Universidade Estadual de Campinas); Professora
do curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia-MG.
Alexandre José Raad: Psicólogo; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco); Professor assistente
do Departamento de Psicologia da Universidade Tiradentes, Aracaju-SE.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
38
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.39-53, jan./abr. 2010
A influência das habilidades sociais no envolvimento
de mães e pais com filhos com retardo mental
Alcides Cardozo
Adriana Benevides Soares
Resumo: O estudo teve como objetivo comparar e correlacionar indicadores de habilidades
sociais e do envolvimento de pais com filhos portadores de retardo mental. Participaram 27
casais com filhos portadores de retardo mental. Os pais responderam os questionários “Critério
Brasil”, “Qualidade da interação familiar na visão dos pais” e “Inventário de habilidades sociais”
(IHS – Del Prette). Houve diferença significativa no “Inventário de habilidades sociais”; para o
F1, enfrentamento e autoafirmação com risco, as médias dos pais foram superiores as das mães
e para o F3, conversação e desenvoltura social, as médias das mães foram superiores as médias
dos pais. As mães mostram-se mais envolvidas na educação dos filhos. Foram encontradas
correlações entre cuidados dispensados aos filhos e assertividade e também entre expressão de
sentimentos positivos e cuidados com o filho evidenciando a influencia das habilidades sociais
no envolvimento de pais com seus filhos.
Palavras-chave: Habilidades sociais; envolvimento pais-filhos; retardo mental.
The influence of social skills on the involvement of mothers and fathers
with their mentally retarded children
Abstract: This study aimed to compare and correlate indicators of social skills and the engagement
of parents having children with mental retardation. The sample included 27 couples living with
their children, with mental retardation. The parents answered the questionnaires “Criterion
Brazil”, “Quality of family interaction on parent viewpoint” and “Social Skills Inventory
(IHS – Del Prette). There was significant difference in the “Inventory of social skills”; for F1,
coping and self-assertion at risk, the average of fathers were higher than those of mothers, and
for the F3, conversation and social performance, the averages of the mothers were higher than
the average of fathers. Mothers are more involved in children education processes. Correlations
were found between care provided to children and also between assertiveness and expression
of positive feelings and care for the child. This shows the influence of social skills in engaging
parents with their children.
Key words: Social skills; parents-children involvement; mental retardation.
Introdução
Os estudos e a aplicação dos saberes referentes às habilidades necessárias nas
relações interpessoais caracterizam um campo teórico-prático denominado Treinamento
de Habilidades Sociais (THS), que inclui um conjunto de estratégias que podem ser
aplicáveis à superação de déficits de comportamentos e tem o propósito de minimizar
dificuldades interpessoais e promover comportamentos socialmente competentes (Del
Prette & Del Prette, 2005). Na base da construção das relações sociais está a interação entre
o indivíduo e o ambiente social. Pessoas socialmente habilidosas promovem interações
sociais mais satisfatórias (Caballo, 2003).
Aletheia 31, jan./abr. 2010
39
Em diversos contextos onde as situações interpessoais ocorrem são esperados
determinados desempenhos que exigem um amplo repertório de habilidades sociais do
indivíduo. É na infância principalmente que estes desempenhos são aprendidos.
A infância e a adolescência são períodos críticos e decisivos para se aprender
habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2002; Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005).
Segundo esses autores, o ambiente familiar, o envolvimento e a participação dos pais na
educação dos filhos são fundamentais, pois a família representa um dos contextos mais
básicos e nucleares da relação organismo-ambiente. As condições familiares de educação
dos filhos, (Garcia-Serpa, Del Prette & Del Prette 2006), chamadas práticas parentais,
são entendidas como formas de relacionamento estáveis de comportamento que os pais
emitem quando interagem com seus filhos. Del Prette e Del Prette (2004) e Bolsoni-Silva
e Marturano (2008) propõem a análise dessas práticas parentais a partir do conceito de
habilidades sociais educativas (HSE), e as definem como intencionalmente voltadas à
promoção do desenvolvimento e a aprendizagem do outro.
A importância da qualidade da relação pais-filhos sobre o desenvolvimento das
crianças é verificada por estudos diversos nos últimos anos (Gomide, 2003; Gomide, Salvo,
Pinheiro & Sabbag, 2005). Os autores correlacionam práticas educativas inadequadas
a problemas no desenvolvimento cognitivo e social e ao desempenho acadêmico dos
filhos.
Sobre a influência da interação familiar no desempenho acadêmico dos filhos, Cia,
Souza Pereira, Del Prette e Del Prette (2006) mencionam que o repertório de habilidades
sociais gerais e mais especificamente o de habilidades sociais educativas dos pais, pode
influenciar a qualidade do envolvimento destes com seus filhos e o tipo de prática que
adotam na relação com eles. Bolsoni-Silva, Del Prette e Del Prette (2000) e Koberg,
Sachetti e Viera (2006) entendem que pais, ao apresentarem dificuldades interpessoais,
poderão comprometer a qualidade dessas relações, além de, provavelmente, servir de
modelos de comportamentos sociais inadequados para seus filhos.
Em uma revisão dos estudos sobre práticas parentais e problemas de comportamentos,
Bolsoni-Silva e Marturano (2006) observaram que há uma tendência dos pais serem não
contingentes no uso do reforço positivo para comportamentos pró-sociais e em punições
efetivas para comportamentos indesejáveis. Consequentemente, comportamentos
coercitivos são diretamente reforçados pelos membros da família, o que leva a criança
a utilizá-los. Assim, quando a criança frequenta outros ambientes, passa a repetir este
padrão, entendendo-se como indicadores de problemas de comportamento, déficits ou
excessos comportamentais que prejudicam a interação da criança com seus pares e adultos
de sua convivência.
As relações familiares despertaram o interesse dos pesquisadores, especialmente
no que tange às práticas educativas, isto é, as formas utilizadas pelos pais para orientar o
comportamento dos filhos (Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002; Koberg, Sachetti
& Viera, 2006). Segundo Gomide (2003) e Gomide, Salvo, Pinheiro e Sabbag (2005), em
seu modelo teórico acerca das sete práticas educativas que compõem o estilo parental,
duas são positivas: monitoria positiva e comportamento moral. Essas práticas dizem
respeito ao uso adequado de reforçadores sociais, ao desenvolvimento da empatia e ao
estabelecimento de contingências reforçadoras ou punitivas para o comportamento do
40
Aletheia 31, jan./abr. 2010
filho. Dessa forma se estabelecem regras claras e consequências (sanções) para o não
cumprimento das mesmas. A monitoria positiva define-se como um conjunto de práticas
parentais que envolvem atenção e conhecimento dos pais acerca de onde seu filho se
encontra e das atividades desenvolvidas por ele.
Cia e Barham (2006), em estudo que teve por objetivo identificar as condições de
trabalho que influenciam no envolvimento do pai com o seu filho, relatam que a privação
paterna ou uma interação inadequada com o pai é considerada um fator de risco para
o desenvolvimento infantil. Segundo as autoras, pesquisas têm demonstrado, de modo
geral, a importância do pai em participar dos cuidados com os filhos e das atividades
domésticas. Segundo Cia e Barham (2006), tais comportamentos por parte dos pais
contribuiriam diretamente para diminuir a sobrecarga das mães, o que melhoraria o
relacionamento entre ela e o filho. Ainda os autores apontam que no relacionamento entre
pai e filho, os pais indicaram que mantiveram várias formas de comunicação diariamente
com os filhos, avaliaram como alta a sua participação quanto aos cuidados dos filhos e
apontaram que participavam das atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos com
alta frequência. Este relacionamento significativo entre pai e filho é, segundo BolsoniSilva e cols. (2000), precursor de um bom desenvolvimento infantil, destacando-se o
desenvolvimento social.
O conceito de retardo mental destaca a necessidade do desenvolvimento das
condutas adaptativas dessas pessoas, principalmente habilidades de relacionamento.
Segundo a American Association on Mental Retardation (AAMR, 2002), a definição
de retardo mental aponta uma incapacidade caracterizada por importantes limitações,
tanto no funcionamento intelectual, quanto no comportamento adaptativo, expresso
nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa incapacidade tem início
antes dos 18 anos. O critério diagnóstico do retardo mental indica que, no caso das dez
condutas adaptativas, o indivíduo há de ter déficits em pelo menos três dessas condutas.
Nesta listagem aparecem categorias indicativas de comportamento (habilidades sociais,
cuidados pessoais, comunicação), de condições (saúde, segurança) e de contextos de
funcionamento do indivíduo (lazer e trabalho). Segundo Del Prette e Del Prette (2005), é
fácil reconhecer, portanto, que além da categoria das habilidades sociais, outras mostram
o caráter também interativo que implicam em demandas sociais. Habilidades sociais,
portanto, são cruciais para os processos de ajustamento social dos indivíduos nos diversos
contextos, portadores ou não de necessidades educativas especiais.
Rosin-Pinola, Del Prette e Del Prette (2007) referem que a expressão necessidades
educativas especiais pode ser utilizada para se referir a crianças e jovens cujas necessidades
decorrem de sua pouca capacidade para aprender. O termo surgiu para evitar os
efeitos negativos de expressões utilizadas no contexto educacional, como deficientes,
excepcionais, subnormais, infradotados, incapacitados etc., para se referir as pessoas
com deficiências cognitivas, físicas, psíquicas e sensoriais. Tem o propósito, segundo
a autora, de deslocar o foco do aluno e direcioná-lo para as respostas educacionais que
eles requerem, evitando enfatizar os seus atributos ou condições pessoais que possam
interferir na sua aprendizagem e socialização. Uma dessas direções é o desenvolvimento
de habilidades sociais que, embora não solucionem o problema orgânico ou mental,
podem diminuir seus efeitos psicológicos, especialmente na comunicação com pessoas
Aletheia 31, jan./abr. 2010
41
não deficientes, maximizando a condição de vida e de socialização dessa clientela (Del
Prette & Del Prette, 2005).
Segundo Paniagua (2004), ter um filho é um dos acontecimentos mais vitais para
um ser humano. Os vínculos afetivos entre pais e filhos são muito intensos. Nunes (2003)
e Nobre, Montilha e Temporini (2008) em seus estudos sobre as famílias com filhos com
deficiência, descreve os conflitos presentes nos vínculos e os indicadores de risco no meio
familiar. Estes autores concluem que esses conflitos não surgem do resultado direto da
deficiência, mas da adaptação ou não a essa nova realidade.
Desde o momento em que os pais ficam sabendo da existência de uma deficiência,
há muita preocupação com o presente e o futuro da criança que irá acompanhá-los por
toda a vida. Muitas vezes, a criança com deficiência irá requerer muito mais cuidados
físicos, assim como mais tempo de interação e mais situações de jogo ou estudo
compartilhado.
Glat e Duque (2003), em uma pesquisa qualitativa com dezesseis pais de filhos
com necessidades especiais, concluíram que a preocupação com a incerteza do futuro de
seus filhos foi um ponto relevante nesse estudo. As autoras viram que essa preocupação
faz com que eles se esforcem em dar a seus filhos uma educação que, principalmente,
possa desenvolver habilidades que garantam maior independência e autonomia possível
na vida adulta. Nesse estudo as autoras concluíram também, que apesar dos pais viverem
suas angústias, desespero e depressão no contato íntimo e diário com seus filhos, eles
tiveram inúmeras oportunidades de compensação. Conseguiram superar as crises, de
acordo com suas maneiras de ser, amando e convivendo com seus filhos, apesar de todas
as dificuldades.
Hanson (2003) estudou famílias em que filhos com Síndrome de Down participaram
de um programa de intervenção na infância, o qual foi reavaliado vinte e cinco anos
depois. Os dados mostraram que os pais percebem as características positivas da criança,
considerando, por exemplo, como uma benção às experiências prazerosas das aquisições
dos filhos com Síndrome de Down.
Feitosa (2003), em sua pesquisa sobre a relação família-escola, sugere que os pais
participem ativamente das decisões relacionadas à educação de seus filhos, buscando
conhecer as suas dificuldades acadêmicas e a necessidade de recursos específicos para o
desenvolvimento adequado das potencialidades destes alunos.
Segundo Cia, D’Affonseca e Barham (2004), são poucos os estudos que nos
permitem saber como é a qualidade do relacionamento entre pais e filhos no Brasil. Além
disso, o papel do pai se encontra em fase de mudanças, sendo frequente as famílias em que
ambos (mãe e pai) trabalham fora, o que tem levado a redefinição do papel paterno.
Cia, D’Affonseca e Barham (2004) estudaram, em uma amostra de cinquenta e oito
pais e filhos do ensino fundamental, o impacto da qualidade do relacionamento entre estes
pais e seus respectivos filhos no desempenho acadêmico. Neste estudo puderam verificar
que quanto maior a frequência de comunicação entre pai e filho e a participação dos pais
nas atividades escolares, culturais e de lazer, maior a pontuação das crianças em escrita
e leitura e maior o desempenho acadêmico delas.
Em outra pesquisa, que teve como objetivo comparar e correlacionar indicadores do
repertório de habilidades sociais e do envolvimento dos pais na educação dos filhos, Cia e
42
Aletheia 31, jan./abr. 2010
cols. (2006) tem duas referências apontam que os relatos passados pelos cônjuges indicam
atividades diferenciadas. Por exemplo, os pais se ocupavam com maior frequência em
proporcionar lazer fora de casa aos filhos e as mães em estabelecer horário de deitar-se e
em controlar a higiene. Esta diferença de participação e envolvimento dos pais (mãe e pai)
nos cuidados com os filhos é semelhante aos dados das pesquisas de Bertolini (2002) em
que há uma divisão razoavelmente estruturada de atividades, com o homem se ocupando
da parte social e de lazer e as mães com os cuidados diários da casa.
Como é possível ver, a relação entre pais e filhos é fruto de um conjunto de
expectativas compartilhadas e o envolvimento dos pais com seus filhos é crucial para
seu desenvolvimento físico e mental. Os pais são também modelos de conduta para seus
filhos daí a importância de se mostrarem habilidosos na resolução de problemas e no
trato com as situações cotidianas. No caso de pais que tem filhos com deficiência mental
as habilidades sociais servem, além de tudo, de recursos para o enfrentamento dos pais
e são favorecedoras do envolvimento com filhos.
Considerando a importância das habilidades sociais dos pais (pai e mãe) para o
envolvimento e a qualidade na relação educativa de filhos com retardo mental e os estudos
escassos focalizando especificamente as habilidades sociais educativas e a participação
de cada cônjuge na educação das crianças com deficiência, esta pesquisa objetivou: (1)
comparar os indicadores do repertório de habilidades sociais de pais e mães de filhos com
retardo mental (2) comparar os indicadores do envolvimento na educação dos filhos de pais
e mães de filhos com retardo mental e (3) correlacionar os dois conjuntos de medidas.
Método
Participantes
Participaram desta amostra vinte e sete pais e vinte e sete mães morando juntos e
com um filho diagnosticado com retardo mental, matriculado em instituição para pessoas
com deficiência, com idade cronológica entre sete e quatorze anos. A idade dos cinquenta
e quatro respondentes variou de trinta a sessenta anos, sendo que, a grande maioria (83%)
esteve entre trinta e cinquenta anos. Todos os respondentes eram casados, tendo a grande
maioria, (74%) entre dois e três filhos. O grau de escolaridade dos pais caracterizou uma
amostra de 79,6% entre os anos iniciais completos do ensino fundamental e o superior
incompleto. Considerando o nível socioeconômico das famílias, a amostra caracterizou-se
por 48,1% da classe C e 51,9% da classe D, segundo o critério Brasil (Ibope, 2000).
A coleta de dados ocorreu em uma sala da FUNLAR (Fundação Municipal Lar
Escola Francisco de Paula), localizada no bairro de Vila Izabel na cidade do Rio de
Janeiro. Escolheu-se este local, pois, a instituição, na qual estão matriculados os filhos
desses casais, realiza vários encontros com as famílias, abordando tanto aspectos sociais
como psicopedagógicos, o que facilitaria a coleta dos dados, além de criar e fortalecer
vínculos com seus membros.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Instrumentos
Critério de Classificação Econômica Brasil (Ibope, 2000): divide a população em
grupos de consumidores a partir da sua capacidade de consumo (que resulta em classes
socioeconômicas), sendo possível classificá-la em sete diferentes grupos: A1, A2, B1,
B2, C, D e E. A capacidade de consumo é verificada por tabela cuja pontuação é maior
quanto mais itens e em maior quantidade a família possuir (ex: automóvel; empregada
mensalista) somando a pontuação referente ao grau de instrução do chefe da família. Os
dados do Critério Brasil foram pontuados de acordo com a tabela proposta pelos autores,
com maior pontuação indicando maior nível socioeconômico (mais próximo de A1) do
respondente.
Questionário da Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia, D’Affonseca
& Barham, 2004) adaptado especialmente para esta pesquisa.
Além da folha de rosto para a identificação dos dados sociodemográficos, é dividido
em três partes: (1) Habilidades sociais educativas dos pais para com os filhos: escala de
comunicações (verbais e não verbais) entre pai e filho, segundo o pai, com 21 itens e a
pontuação variando entre 1 (nunca) a 6 (uma vez por dia); (2) Participação dos pais nas
atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos: escala de participação com 14 itens
e a pontuação variando entre 1 (nunca) a 6 (todos os dias); (3) Participação dos pais nos
cuidados de seu filho: escala de participação com 7 itens e a pontuação variando entre
1 (nunca) a 6 (todos os dias). Foi calculado o Alpha de Cronbach para cada fator do
instrumento. Para avaliar a qualidade da consistência interna utilizou-se a classificação
proposta por Hill e Hill (2002) que considera acima de 0,9 excelente; entre 0,8 e 0,9 bom;
entre 0,7 e 0,8 razoável; entre 0,6 e 0,7 fraco e abaixo de 0,6 considerado inaceitável.
O primeiro fator obteve valor do Alpha de Cronbach de 0,87 e foi classificado
como bom, o segundo fator obteve valor de 0,82 e também foi classificado como bom;
o terceiro fator obteve 0,84 considerado também como bom. O questionário “Qualidade
da Interação Familiar na Visão dos Pais” como um todo obteve (0,92) e foi classificado
como excelente.
Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001) é um instrumento
de autorrelato, composto por trinta e oito itens que descrevem situações de interação
social em diferentes contextos (trabalho, lazer e família). Solicita-se ao respondente
que estime a frequência com que reage a uma situação descrita em cada item, em uma
escala tipo Likert que varia de 0 (nunca ou raramente) a 4 (sempre ou quase sempre) e
avalia cinco fatores: (a) enfrentamento e autoafirmação com risco; (b) autoafirmação na
expressão de sentimento positivo; (c) conversação e desenvoltura social; (d) autoexposição
a desconhecidos e situações novas; (e) autocontrole da agressividade. Trata-se de um
instrumento aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia, com estudos psicométricos
que atestam suas qualidades de validade e confiabilidade. Apesar do instrumento ter sido
validado para estudantes universitários (Bandeira, Costa, Del Prette, Del Prette & GerkCarneiro, 2000) diversas pesquisas têm utilizado o mesmo instrumento para identificar
habilidades sociais em adultos, inclusive pais, mães e cuidadores (Bolsoni-Silva, Brandão,
Versuti-Stoque & Rosin-Pinola, 2008; Bolsoni-Silva, Silveira & Marturano, 2008;
Bolsoni-Silva, Silveira & Ribeiro, 2008).
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Procedimentos de coleta de dados
Uma vez explicado os objetivos e mostrando desejo de participarem do estudo, os
pais assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Só a partir daí, receberam
o instrumento Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia, D’Affonseca e
Barham, 2004) adaptado e as orientações quanto ao seu preenchimento levando em conta
seu relacionamento com seu filho com retardo mental. Em seguida foi aplicado o IHS-Del
Prette, (2001) que foi respondido em separado pelos respondentes.
Com o objetivo de documentar as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
Pesquisas envolvendo seres humanos, dispostas na Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde, o presente projeto foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa sob o número 156/2007.
Resultados
Os resultados são apresentados de forma a contemplar três conjuntos: comparações
dos escores de habilidades sociais entre mães e pais com filhos com retardo mental;
comparações dos escores quanto ao envolvimento de mães e de pais com filhos com
retardo mental; correlação entre os escores de Habilidades Sociais e de Envolvimento
dos casais na educação de filhos com retardo mental.
Comparações entre os escores de habilidades sociais de mães e pais com filhos com
retardo mental
Para avaliar se as mães de filhos com retardo mental são mais habilidosas
socialmente do que os pais destes mesmos filhos, utilizou-se o teste t para amostras
dependentes, comparando-se as médias dos pais e mães dos filhos com retardo mental
nas variáveis de habilidade social conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1 – Descrição por fatores (IHS)
Fatores
Enfrentamento Autoafirmação
com Risco
N
M
DP
t
p
Pai
27
2,43
0,56
3.292
0,003**
Mãe
-1.760
0,090
-3.132
0,004**
-0.049
0,961
0.133
0,895
-0.161
0,873
27
1,93
0,69
Autoafirmação Expressão de
Sentimento Positivo
Pai
27
2,77
0,48
Mãe
27
2,95
0,35
Conversação Desenvoltura Social
Pai
27
1,52
0,80
Mãe
27
2,06
0,62
Autoexposição a Desconhecidos e
Situações Novas
Autocontrole da Agressividade
IHSTOTAL
Pai
27
1,85
0,86
Mãe
27
1,86
0,72
Pai
27
2,64
1,12
Mãe
27
2,62
0,68
Pai
27
2,25
0,40
Mãe
27
2,26
0,35
Nota: ** Significativo ao nível de 0,01
* Significativo ao nível de 0,05
Aletheia 31, jan./abr. 2010
45
A Tabela 1 mostra que houve diferenças significativas no Fator 1, Enfrentamento
e Autoafirmação com Risco, com os pais obtendo escores superiores aos das mães (t
= 3.292; p = 0.003). Este fator reúne onze itens que retratam situações interpessoais
e está ligado a uma classe de habilidade social chamada assertividade que envolve
enfrentamento em situação de risco de reação indesejável do interlocutor, com controle
de ansiedade e expressão apropriada do sentimento, desejos e opinião. Ela implica tanto
na superação da passividade, quanto no autocontrole da agressividade e de outras reações
não habilidosas (Del Prette & Del Prette, 2005). Por outro lado, conforme mostra a Tabela
1 observaram-se diferenças significativas no Fator 3, Conversação e Desenvoltura Social,
com as mães obtendo escores superiores aos dos pais (t = -3.132; p = 0.004). Este fator
reúne sete itens sobre situações interpessoais, demanda traquejo social na conversação o
que supõe conhecimentos das normas de relacionamento do dia a dia e comportamentos
razoavelmente padronizados inerentes aos encontros sociais breves e ocasionais. Estão
ligados à classe de habilidade social de Civilidade, que expressa cortesia e algumas
habilidades de conversação como apresentar-se, despedir-se e agradecer utilizando formas
delicadas de conversação (Del Prette & Del Prette, 2005).
Comparações entre os escores de envolvimento das mães e pais com filhos
com retardo mental
Quanto ao envolvimento das mães e pais de filhos com retardo mental na educação
dos filhos, os dados foram avaliados pelo teste t para amostras dependentes, comparando
as médias dos pais e mães dos filhos com retardo mental nas variáveis de envolvimento
na educação dos filhos. Para tanto se investigou a frequência das respostas dos pais e
mães nos três fatores de Habilidades Sociais Educativas de Comunicação, Participação
(Escola, Cultura e Lazer) e Participação (Cuidados) do QIFVP. A Tabela 2 mostra as
médias das respostas dos respondentes em que claramente nota-se que as médias das
mães são bem superiores aos dos pais.
Tabela 2 – Descrição por fatores QIFVP
Fatores
Habilidades Sociais Educativas de
Comunicação (Verbais e Não Verbais)
Participação (Escola / Cultura / Lazer)
Participação (Cuidados)
N
M
DP
t
p
Pai
27
4,45
0,73
-5.028
0,000**
Mãe
27
5,18
0,67
Pai
27
3,63
0,87
-6.695
0,000**
Mãe
27
4,87
0,73
Pai
27
3,58
1,17
-8.833
0,000**
Mãe
27
5,66
0,39
Nota: **Significativo ao nível de 0,01
*Significativo ao nível de 0,05
46
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Foram observadas, conforme os dados da Tabela 2, diferenças significativas no fator
referente às Habilidades Sociais Educativas de Comunicação (Verbais e Não Verbais),
com as mães obtendo escores superiores aos dos pais (t = -5.028; p = 0.000). No fator
referente à Participação (Escola / Cultura / Lazer), também as mães obtiveram escores
superiores aos dos pais (t = -6.695; p = 0.000), bem como no fator referente à Participação
(Cuidados), em que mais uma vez as mães obtiveram escores superiores aos dos pais (t =
-8.833; p = 0.000). Tais evidências apontam que mães de filhos com retardo mental são
mais envolvidas na educação dos filhos do que os pais destes mesmos filhos.
Correlações entre os escores de habilidades sociais e de envolvimento dos casais na
educação de filhos com retardo mental
Para verificar se casais com maiores escores de habilidades sociais são aqueles que
demonstram maior envolvimento na relação com os filhos com retardo mental, utilizou-se
o teste de correlação linear de Pearson, buscando-se correlação positiva entre escores de
habilidades sociais e envolvimento na educação dos filhos.
Tabela 3 – Correlação entre escores HS e QIFVP
Habilidades
Sociais
Educativas de
Comunicação
Participação
(Escola / Cultura
/ Lazer)
Participação
(Cuidados)
r
p
r
p
R
p
Enfrentamento autoafirmação com risco
0,033
0,813
-0,053
0,705
-0,282*
0,039*
Autoafirmação expressão de sentimento
positivo
0,036
0,793
0,201
0,145
0,296*
0,030*
Conversação desenvoltura social
0,055
0,694
-0,120
0,388
0,208
0,132
Autoexposição desconhecidos situações
novas
-0,192
0,165
0,120
0,387
0,047
0,734
Autocontrole agressividade
0,115
0,406
0,218
0,113
-0,081
0,562
IHSTOTAL
0,055
0,695
0,121
0,385
0,003
0,986
Nota: **Significativo ao nível de 0,01
*Significativo ao nível de 0,05
Como se observa na Tabela 3, apenas os fatores Autoafirmação na Expressão de
Sentimento Positivo (F2-Habilidades Sociais) e Participação (Cuidados) do QIFVP
apresentaram uma associação positiva e significativa (r = 0.296; p = 0.030). Por outro
lado, os fatores Enfrentamento e Autoafirmação com Risco (F1-Habilidades Sociais) e
Participação (Cuidados) apresentaram uma associação negativa e significativa (r = -0.282;
p = 0.039). As demais correlações não foram significativas. O que podemos constatar, de
acordo com as evidências expressas pela análise estatística, é que casais que têm grande
facilidade de expressar seus sentimentos positivamente são aqueles que demonstram
maiores cuidados com seus filhos com retardo mental e ainda que casais que se envolvem
Aletheia 31, jan./abr. 2010
47
nos cuidados pessoais de seus filhos são aqueles que têm mais dificuldade de enfrentarem
assertivamente as dificuldades de seus filhos evidenciando a influência das habilidades
sociais no envolvimento de pais com seus filhos.
Discussão
Quanto ao primeiro conjunto de resultados, comparações entre os escores de
habilidades sociais de mães e pais com filhos com retardo mental, verifica-se que em
relação ao Fator 1, enfrentamento e autoafirmação com risco em que os pais (homens)
apresentam escores bem superiores de assertividade em relação aos das mães. Cia, Pamplin
e Del Prette (2006), em seus estudos sobre comunicação e participação pais-filhos afirmam
que, pais que se comportam assertivamente com os filhos, podem estar monitorizando
os próprios comportamentos passivo e agressivo que levariam às práticas educativas
ineficientes, como negligência e coerção. Desta forma, com este monitoramento, estariam
sendo modelos assertivos para seus filhos. Pode-se, supor, que no caso de crianças com
retardo mental, este modelo de pai, melhoraria muito os repertórios de comportamento de
autonomia de seus filhos, bem como os avanços nas relações interpessoais. No Fator 3,
conversação e desenvoltura social, em que as mães obtiveram médias significativamente
superiores as dos pais e está ligado as habilidades sociais de civilidade, Cia, Souza Pereira,
Del Prette e Del Prette (2007), identificando e analisando o repertório de habilidades
sociais de mães, concluíram que este fator, efetivamente, é importante para incentivar
os filhos a participarem de atividades, tanto no colégio como em outros contextos.
Relatam ainda as autoras que a comunicação com os filhos normalmente é permeada
por sentimentos positivos e é crucial que estes sentimentos sejam expressos de forma
verbal e não verbal. Neste sentido, corroborando os dados verificados neste estudo, as
mães estariam, provavelmente, ajudando seus filhos com retardo mental, fazendo uso da
comunicação não verbal, com a intenção de minimizar déficits nesta área.
Para o segundo conjunto de resultados, comparações entre os escores de envolvimento
das mães e pais com filhos com retardo mental, os dados deste estudo demonstram que as
mães relataram alta frequência nos indicadores de envolvimento com seus filhos com retardo
mental através do Questionário Qualidade da Interação Familiar na Visão dos Pais (Cia,
D’Affonseca & Barham, 2004). Segundo Cia e cols (2007), esses indicadores favorecem
ao desenvolvimento infantil saudável, mormente ao desenvolvimento socioemocional,
abrangendo também cognição e desempenho na escola. Por esses estudos, os autores
concluem que o envolvimento das mães na educação de seus filhos é importante, ainda
mais, diante da fase de transição em que as crianças da amostra se encontram (começo do
ensino fundamental). Segundo os autores, nesta fase, o ajustamento no ambiente escolar,
muito em função das novas relações que requerem novas regras de comportamento moral
e social, vão exigir dos pais maior assistência (Del Prette & Del Prette, 2005).
Transportando esses resultados para os estudos de famílias de filhos com retardo
mental, verifica-se a mesma preocupação das mães com os cuidados das crianças. Apesar
da ênfase que se deve dar aos processos de interação social (Araújo, 2006; Riches, 1996),
os cuidados que as mães têm, principalmente no tocante à higiene, à alimentação, levar
ao médico, acordar e cuidar de madrugada (as médias mais altas, Tabela 2) são constantes
48
Aletheia 31, jan./abr. 2010
mesmo na faixa etária bem acima das idades de crianças em início do ensino fundamental
com desenvolvimento normal. A responsabilidade das mães por aspectos que são cruciais
no desenvolvimento da autonomia de seus filhos em famílias de crianças com retardo
mental, ainda é bem maior do que a responsabilidade dos pais (homens). Embora os
modelos atuais de paternidade preconizem uma participação (cuidados) mais próxima
com os filhos, ideias, crenças e comportamentos tradicionais do papel do pai e da mãe,
permanecem enraizados no cotidiano das famílias (Rangel, 2006), principalmente nos
contextos familiares de crianças com retardo mental.
Segundo Rapoport e Piccinini (2006), a experiência da maternidade traz muitas
mudanças, especialmente para a mãe, que se adapta a esta nova realidade de acordo com
suas características pessoais e com a sua habilidade de solicitar e aceitar apoio de outras
pessoas. Quanto mais a mãe se mostra apoiada socialmente mais ela se apresenta em
condições para responder a situações estressantes, entretanto nem todas mães conseguem
pedir ajuda ou até mesmo recebê-la e algumas têm maior dificuldade em compartilhar os
cuidados do bebê, mesmo tendo uma rede de apoio disposta a ajudá-la.
Segundo Navarini e Hirdes (2008), mulheres que experienciam a maternidade de
filhos com retardo mental tem a necessidade de incorporar à doença a vida cotidiana,
utilizando recursos adaptativos tais como lidar com os encargos objetivos e subjetivos de
ter um filho portador de um transtorno mental, o estigma e outros sentimentos decorrentes.
Muitos familiares sentem culpa, mas acima de tudo existe a preocupação com o bemestar do filho.
De acordo com Pereira, Dessen e Pereira Silva (2005), recentemente, o
relacionamento marital estaria sendo apontado como um fator importante para a qualidade
das relações que os pais mantêm com os seus filhos. Segundo as autoras, a convivência
entre cônjuges, quanto às formas de comunicação e estratégias para resolver os problemas,
estariam influenciando a criação de estilos parentais de cuidados dos filhos e a qualidade
dessas relações. No que tange às situações de conflito, os autores relatam que seus estudos
estão em consenso com a literatura em que mães insatisfeitas tendem a compensar seus
filhos sendo mais responsivas e envolvendo-se mais com suas crianças. Por outro lado,
pais emitem condutas negativistas e intrusivas em relação aos seus filhos, afastando-se
do convívio mais direto, apesar de viverem sob o mesmo teto. É possível que no caso da
amostra de pais e mães de filhos com retardo mental isto esteja ocorrendo, principalmente,
com relação ao estresse vivenciado pelo pai, oriundo das dificuldades financeiras, e
pelo fato de ter um filho com retardo mental. Afinal, os sentimentos e as representações
familiares que existiam anteriormente ao nascimento deste filho, se deterioram gerando
uma crise de identidade neste pai. Segundo Glat e Duque (2003), tudo aquilo que era
dado como certo é questionado e desqualifica-se. Por outro lado, este envolvimento das
mães de filhos com retardo mental, principalmente com relação aos cuidados, levou-a a
caminhar a procura de tratamento para seus filhos. Miltiades e Pruchno (2001) realizaram
um estudo com mães de filhos adultos com deficiência e chegaram à conclusão que essas
mulheres ainda continuam vivendo situações de cuidado e de responsabilidades pela vida
de seus filhos, assumindo um papel vitalício de cuidadoras. Estão sempre procurando
manter as diversas formas de tratamento, em infindáveis negociações com as instituições
de reabilitação ou redes de apoio. Em função dessa demanda, pode-se supor que tenham
Aletheia 31, jan./abr. 2010
49
adquirido habilidades de traquejo na conversação, o que supõe conhecimento das regras
e normas de relacionamento, o que ratificaria os resultados desse estudo, quando da
verificação dos indicadores do repertório de habilidades sociais da amostra de mães de
filhos com retardo mental.
Para o terceiro conjunto de resultados, correlações entre os escores de habilidades
sociais e envolvimento de casais na relação com os filhos com retardo mental,
considerando a relação entre os cinco fatores que fazem parte da escala de habilidades
sociais e as medidas do envolvimento entre cônjuges e seus filhos com retardo mental,
pôde-se verificar que a assertividade (F1) dos casais estabelece uma relação inversa com
o nível de cuidados atribuídos ao filho.
Segundo os estudos de Cia e cols. (2006), culturalmente no Brasil, ambos os pais
têm liberdade de expressarem seus direitos e a mostrarem para seus filhos que eles têm
também direitos e deveres.
Quanto mais os casais se envolvem com os cuidados de seus filhos mais parecem
não se utilizarem da assertividade, talvez por interpretarem que seus filhos não estão
aptos a corresponder às exigências sociais e cognitivas de outros indivíduos sem
deficiência mental.
Quanto ao F2, autoafirmação na expressão de sentimento positivo, correlacionou-se
significativamente de forma positiva com o fator Cuidados quando avaliaram o envolvimento
de ambos os pais com seus filhos. De fato, segundo Cia e cols. (2006), espera-se que mães e
pais expressem sentimentos positivos como carinho, cuidado e atenção durante suas relações
com seus filhos com retardo mental, favorecendo a qualidade do relacionamento.
Considerações finais
Este estudo procurou investigar se as habilidades sociais dos pais (pai e mãe)
se relacionam com o envolvimento na educação dos filhos com retardo mental. Em
geral, os resultados indicam que os pais são mais assertivos que as mães e as mães tem
melhores habilidades de conversação e desenvoltura social que os pais. As mães são
mais envolvidas que os pais na educação, nas atividades escolares, de lazer e culturais
e no cuidado dos seus filhos. Verificou-se também que existe correlação positiva entre
expressão de sentimentos positivos e cuidados dedicados aos filhos e correlação negativa
entre assertividade e cuidados dedicados aos filhos, ou seja, as mães se envolvem mais com
seus filhos tanto nos cuidados pessoais quanto da educação e os pais são mais assertivos
e normatizadores da conduta dos filhos.
Este trabalho permitiu entender melhor a influência que as habilidades sociais
podem ter para o envolvimento dos pais com seus filhos ainda que a amostra tenha sido
pequena devido ao fato de se encontrarem muitos casais que viviam com seus filhos e suas
companheiras e não eram casados, ou que casados, não eram pais biológicos, mas que se
diziam participantes e envolvidos com seus filhos nos diversos ambientes partilhados. Nesse
sentido, ficaram impossibilitados de participar da amostra e isso se apresentou como uma
limitação do estudo, assim como o uso de um instrumento ainda não normatizado.
A investigação da dinâmica familiar e o estresse enfrentado pelos pais de crianças
com retardo mental mostraram a existência de fatores interessantes que carecem de
50
Aletheia 31, jan./abr. 2010
intervenções que possam possibilitar o favorecimento de um ambiente acolhedor e de
melhor qualidade do suporte parental. Também ao minimizar o estresse parental, isso
estaria indo no sentido da melhoria da qualidade de vida desses pais e a condução da
criança ao seu potencial máximo.
O encontro com os pais que desenvolvem não apenas o papel de provedor, mas
principalmente, participantes das atividades escolares, culturais e de lazer, educando
e dividindo atividades de cuidado da criança, interagindo adequadamente, brincando,
estimulando, favorecidos com um bom repertório de habilidades sociais, visualiza um
caminho aberto para investigações com a figura do pai.
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_____________________________
Recebido em maio de 2009
Aprovado em março de 2010
Alcides Cardozo: Psicóloga; Mestre em Psicologia Social (Universidade Salgado de Oliveira – Universo/
Niterói-RJ)
Adriana Benevides Soares: Psicóloga; Mestre e Doutora em Ciências Cognitivas (Université de Paris Sud);
Professora da Universidade Salgado de Oliveira (Universo/ Niterói-RJ) e Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.54-65, jan./abr. 2010
Precisão entre juízes na avaliação dos aspectos formais
do teste de Wartegg
Irai Cristina Boccato Alves,
Augusto Rodrigues Dias,
Luís Sérgio Sardinha,
Fábio Donini Conti
Resumo: A questão da clareza e objetividade dos critérios utilizados na avaliação e interpretação
dos testes psicológicos é uma das preocupações dos profissionais da Psicologia que trabalham com
a avaliação psicológica. O objetivo deste trabalho consistiu em verificar em que medida os critérios
de avaliação delineados para alguns aspectos formais do Teste de Completamento de Desenhos
de Wartegg (WZT) estão definidos adequadamente. Participaram desta pesquisa dois juízes
devidamente treinados nos critérios desenvolvidos pela autora, que avaliaram 191 protocolos do
teste. Para determinar a precisão entre juízes foi calculado o coeficiente Kappa, para cada campo em
cada uma das variáveis estudadas, tendo variado 0,66 a 1,00. Estes resultados permitiram concluir
que os critérios propostos, de um modo geral, se mostraram claros e objetivos para os aspectos
formais estudados, possibilitando o seu emprego de forma relativamente segura na avaliação de
um protocolo do WZT.
Palavras-chave: técnicas projetivas; teste de Wartegg; precisão de avaliadores; avaliação de
desenhos.
Raters reliability in the assessment of formal aspects of the Wartegg test
Abstract: The question of clearness and objectivity of the criteria in the assessment and
interpretation of psychological tests has been a concern between Psychology professionals who
work with psychological assessment. The purpose of this work was to verify if the assessment
criteria for some formal aspects of The Wartegg Test (WZT) are adequately defined. Two trained
judges evaluated 191 test protocols. The Kappa coefficient was calculated to determinate the rater’s
reliability to each studied variable and for each WZT field. The coefficients between raters ranged
from 0.66 to 1.00. It can be concluded that the proposed criteria for evaluation of the formal aspects
were clear an objective and they will permit their use in a secure form in the WZT assessment.
Keywords: projective techniques; Wartegg test; raters reliability; drawing assessment.
Introdução
Para que um teste psicológico seja considerado em condições de uso, ele necessita
apresentar estudos atualizados relativos aos seus parâmetros psicométricos, em especial
os que evidenciem sua validade e precisão. Tal condição passou a ser determinante a
partir da Resolução 002/2003 do Conselho Federal de Psicologia (C.F.P.), que define
e regulamenta o uso, a elaboração e a comercialização dos testes psicológicos. Como
consequência desta Resolução, na atualidade, uma série de instrumentos se encontra com
a utilização suspensa devido à ausência de tais estudos, em particular aqueles que são
classificados como técnicas ou métodos projetivos (Alves, 2004; Sardinha, 2008).
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Dentro deste universo inclui-se o Teste de Completamento de Desenhos de
Wartegg (WZT). Este instrumento caracteriza-se como uma técnica projetiva gráfica,
de completamento de desenhos, que pretende avaliar a personalidade por meio das
produções realizadas livremente pelos examinandos a partir de oito sinais gráficos
dispostos em oito campos (Berlinck, 2000). O WZT encontra-se na lista de testes com
parecer “não favorável” devido à escassez de estudos de validade e precisão com a
população brasileira.
O Teste de Wartegg foi muito usado no Brasil, conforme pode ser constatado na
pesquisa de Noronha, Beraldo e Oliveira (2003), na qual foi indicado como o 5o colocado
entre os testes mais usados pelo psicólogo (N = 52) na sua prática profissional. Por outro
lado, a literatura internacional sobre o WZT é muito ampla, mas é de difícil acesso,
conforme foi apontado pelo levantamento apresentado por Berlinck (2000, 2006) e Ramon
(2006), principalmente porque alguns dos estudos mais completos foram realizados por
Takala (citados por Heidberg, 1981) na Finlândia.
Também podem ser destacados os trabalhos de Kinget (1952) nos Estados Unidos e o
de Biedma e D’Alfonso (1955/1973) na Suíça. Kinget foi responsável pela sistematização
dos critérios de avaliação do teste e realizou estudos de validade, comparando os resultados
do WZT com os dados de um questionário baseado no Inventário de Personalidade de
Benreuter.
No Brasil, a literatura sobre o WZT é pequena e existem poucos dados de pesquisa
disponíveis sobre a nossa realidade, que foram resumidos por Alves (2008). Algumas
dessas pesquisas serão apresentadas a seguir.
Os únicos estudos normativos do Teste de Wartegg desenvolvidos para adultos no
Brasil foram os de Berlinck (2000; 2006), cujo objetivo foi estabelecer critérios para a
aplicação, avaliação e interpretação para pessoas com diversos níveis de escolaridade.
A autora propôs critérios objetivos para avaliação, baseados principalmente no trabalho
de Kinget (1952).
Em 1999, Gullo, Reis e Siqueira compararam as características de originalidade
avaliadas pelo Teste de Wartegg e pelo Teste Pensando Criativamente com Figuras de
Torrance, em universitários, tendo obtido uma correlação positiva e fraca (0,21) entre as
características de originalidade avaliadas pelos dois testes.
Salazar, Tróccoli e Vasconcelos (2001) compararam os resultados do fator
Desempenho do IFP-R e os desenhos do campo 5 do Wartegg, entre o campo 8 e o fator
Afiliação e entre o tipo de Sequência do WZT e o fator Ordem, de uma amostra de 723
participantes com nível de escolaridade superior. Os protocolos do WZT foram avaliados
por dois juízes e foram correlacionados os resultados de cada avaliador e da média entre
eles com os fatores do IFP-R. As correlações obtidas foram próximas de zero, indicando
não haver relação entre os aspectos avaliados nos dois testes. As correlações entre os juízes
variaram entre 0,18 e 0,78, as quais apontam para a necessidade de critérios objetivos.
Concluem que os dois testes parecem abordar aspectos diferentes da personalidade, bem
como apresentam pressupostos teóricos diferentes, o que pode explicar os resultados
encontrados. É importante ressaltar que não se sabe exatamente como foram avaliadas
as características do WZT para chegar às conclusões apresentadas.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
55
Investigando a validade de critério do WZT com o Teste de Zulliger, em relação à
variável movimento, Berlinck (2002) obteve uma correlação significante de 0,349 entre os
dois testes. Embora a correlação não seja muito alta, esta indica a validade da interpretação
dessa variável nos dois testes, que se relaciona à criatividade, empatia, espontaneidade
e poder de adaptação ao meio externo.
Em outro estudo de validade, Cruz, Ruschel, Meazzi, Monteiro e Fagundes (2003)
avaliaram a persistência e o desempenho no IFP e no campo 3 do Wartegg, que avalia
ambição, desejo de crescimento e perseverança. Encontraram que um resultado favorável
no campo 3 estava relacionado a maior persistência no IFP, o que sugere tendência a
terminar um trabalho, mesmo quando este é difícil. Foram encontradas diferenças entre
homens e mulheres, com resultados mais altos para os homens.
Muitos questionamentos surgem quando se aborda a validade e a precisão das
técnicas projetivas, em especial a adequação ou não destes parâmetros psicométricos
para este tipo de instrumento. A esse respeito, Vane e Guarnaccia (1989) assinalam que
os procedimentos (métodos) utilizados para o estabelecimento de tais parâmetros foram
criados para testes cujos resultados são expressos de forma quantitativa e em dimensões
únicas, diferentemente do que ocorre com as técnicas projetivas, em que os resultados
dependem muito da subjetividade do avaliador. Contudo, ressaltam a necessidade de
estabelecer critérios padronizados para a avaliação. Cabe salientar que, a principal
distinção entre os testes objetivos e os projetivos reside no fato de que os primeiros têm
por objetivo informar o quanto um indivíduo tem de um determinado traço, estado ou
fator; enquanto que os projetivos seriam considerados meios de se obter informações sobre
a pessoa avaliada (Weiner, 2000). Entretanto, independente da problemática exposta, é
impossível não tratar as questões de validade e precisão dessas técnicas, em virtude de ser
necessário verificar se elas fazem aquilo que se propõem a fazer e com que consistência
o fazem (Alves, 2006).
No que se refere à precisão das técnicas projetivas deve ser dada atenção especial à
escolha do método a utilizar. Os métodos mais comuns para o estabelecimento da precisão
de um teste são (teste-reteste, formas paralelas e divisão em metades ou consistência
interna), entretanto, apresentam dificuldades quando aplicados às técnicas projetivas.
No caso do teste-reteste a dificuldade estaria relacionada a mudanças em aspectos da
personalidade que podem ocorrer com o passar do tempo ou como consequência de
pressões externas e internas, que vão depender do intervalo de tempo entre as aplicações.
Se o intervalo for curto, o reteste vai mostrar se as flutuações em um breve período de
tempo alteram o resultado do teste. Se a correlação for alta, ela vai indicar que estão sendo
avaliados aspectos mais estáveis da personalidade. Em relação às formas paralelas, a
dificuldade estaria ligada à criação de formas equivalentes, pois os estímulos nestas duas
formas deveriam avaliar as mesmas características. No caso da divisão em metades a
dificuldade estaria centrada na divisão de um teste projetivo em duas metades equivalentes
(Alves, 2006).
Depreende-se, portanto, que avaliar a precisão de uma técnica projetiva pelos
métodos mais convencionais pode se tornar uma tarefa difícil e até mesmo inócua, afinal
toda avaliação, que em seu processo envolva aspectos da subjetividade do indivíduo que
a realiza, está mais propensa a erros e, consequentemente, pode ser considerada mais
56
Aletheia 31, jan./abr. 2010
vulnerável e imprecisa. Desse modo, torna-se necessária a busca de um método mais
adequado às características peculiares destes instrumentos (Sardinha, 2000). Este método
estaria baseado na concordância entre as avaliações efetuadas por dois ou mais juízes
independentes (Alves, 2006).
Comumente denominada de precisão ou fidedignidade do avaliador (juízes
independentes), este método prevê que uma amostra dos protocolos do teste seja pontuada
independentemente, de acordo com critérios previamente definidos, por dois ou mais
examinadores. Os escores atribuídos por cada avaliador a cada examinando devem ser
correlacionados, sendo os coeficientes resultantes, medidas da fidedignidade do avaliador
(Anastasi & Urbina, 2000; Dias, 2005). No Brasil, alguns estudos foram desenvolvidos
para aferir a precisão do WZT fazendo uso deste método, entre os quais se destacam os
trabalhos de Silva (2004) e Ramon (2006).
Silva (2004) realizou dois estudos de concordância entre avaliadores. O primeiro
envolveu a avaliação de 93 protocolos quanto às variáveis “Atmosfera e Envolvimento”,
por dois profissionais treinados. A variável “Atmosfera” foi avaliada no campo “2”
do WZT, seguindo os critérios propostos por Kinget (1952), e classificada em três
níveis previamente definidos: atmosfera negativa, neutra ou positiva. Para a variável
“Envolvimento” foram considerados os desenhos executados nos oito campos, no que se
refere à atenção na produção demonstrada por meio da realização cuidadosa e presença
de detalhes adicionais e enriquecedores. Esta variável foi classificada em três níveis alto,
médio e baixo.
No segundo estudo foi solicitado a dois psicólogos clínicos com experiência no
WZT que avaliassem as seguintes características complexas da personalidade: recursos
intelectuais; habilidades sociais, flexibilidade, organização, nível de aspiração, nível
de energia, controle emocional, segurança e assertividade de 30 protocolos. Para cada
característica os profissionais seguiram critérios previamente definidos e as classificavam
nos níveis 1 (baixo), 2 (médio) e 3 (alto).
Quanto aos resultados, no primeiro estudo Silva (2004) observou que as avaliações
relativas à variável “atmosfera” apresentaram correlação de 0,91 e de 0,89, para a
variável “envolvimento”. No segundo estudo, a análise de características complexas da
personalidade atingiu correlação média de 0,88, sendo que as correlações máximas (1,00)
foram para as características “energia” e “assertividade” e a correlação mais baixa (0,81)
para a característica “controle emocional”. Com base nestes dados, a autora concluiu que
profissionais treinados atingem altos níveis de concordância na avaliação do WZT, tanto
na avaliação de características de execução quanto de características de personalidade
mais complexas.
Ramon (2006) efetuou um estudo, relativo à precisão do WZT, dividido em duas
etapas. A primeira voltada a verificar a precisão da classificação de 27 variáveis e a segunda
direcionada para a precisão da interpretação de três características: relacionamento
interpessoal, afetividade e controle emocional e ambição. Participaram do estudo 18
psicólogos com experiência entre três e 30 anos na avaliação do WZT, que analisaram
cinco protocolos.
Na primeira etapa deste estudo (precisão da classificação), os resultados mostraram
que das 27 variáveis classificadas, sete apresentaram correlações altas (acima de 0,70),
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57
quatro obtiveram correlações satisfatórias (acima de 0,60), cinco correlações medianas
(entre 0,50 e 0,60) e 11 variáveis correlações abaixo de 0,50. Em relação à segunda
etapa (precisão das interpretações), o autor obteve precisão satisfatória para as três
características consideradas, entretanto, este resultado foi obtido com 10 dos 18 juízes.
Em suas conclusões, Ramon observou que foi possível estabelecer a precisão no sistema
de classificação do WZT para algumas variáveis, sendo necessário o desenvolvimento de
novos estudos, principalmente em relação à precisão das interpretações, para permitir que
avaliadores diferentes façam interpretações semelhantes de um mesmo protocolo.
Como é possível observar, os resultados encontrados nos estudos de Silva (2004)
e Ramon (2006) são animadores e indicam que, em relação à precisão do WZT, seria
primordial o domínio ou conhecimento que o profissional possua dos critérios utilizados,
principalmente no que se refere à classificação e interpretação dos dados. Na verdade,
a questão da experiência é uma preocupação antiga dos profissionais da Psicologia.
Van Kolck (1984) e Alves (2006) apontam que para uma avaliação são necessários
profissionais com bastante experiência na área, que possam traduzir melhor os dados
fornecidos por um teste.
Concorda-se que a experiência seja um fator importante em um processo avaliativo,
mas não pode ser o único (Sardinha, 2000). Esta experiência encobre uma falta de
parâmetros claros de avaliação dos testes, pois “muitas técnicas pecam por não apresentar
um sistema de análise e interpretação que seja suficientemente preciso de modo a permitir
alto grau de concordância quando avaliados por profissionais diferentes” (VillemorAmaral, 2006, p. 168-169). Villemor-Amaral (2006) acrescenta ainda, que, para ampliar a
gama de indicadores de validade das técnicas projetivas, é preciso criar sistemas de análise
que garantam a precisão entre avaliadores. Assim, os psicólogos devem se esforçar para
criar critérios objetivos e que possam ser utilizados de maneira mais uniforme e ampla
por toda a categoria profissional.
Foi neste sentido que Berlinck (2000) realizou um estudo sobre o WZT. Seu trabalho
teve como meta estabelecer critérios objetivos para a aplicação, avaliação e interpretação
do teste, a partir de uma ampla revisão da literatura sobre o mesmo. Em termos da
classificação dos aspectos formais do WZT, propõe que sejam avaliadas cinco categorias
e suas respectivas derivações, a saber: a) traçado ou linha, em que se avaliam a pressão
(forte, média, fraca e mista), o tipo de linha (reta, curva e reta/curva), a continuidade do
traçado (contínuo ou descontínuo) e a qualidade da linha (reforço, retoque e tremor); b) o
tamanho do desenho (grande, médio, pequeno e constrição); c) sombreado (presença ou
ausência); d) composição do desenho em que são avaliados a organização (bidimensional
e tridimensional), a repetição, duplicação e a recorrência, o movimento, a orientação, a
clareza, a originalidade e a popularidade e; e) outros em que se enquadram a transparência,
o desenho sobre moldura, a visão de pássaro e a mudança de posição. Entretanto, apesar
de valioso, este sistema de classificação ainda não foi submetido a um estudo que verifique
a sua clareza e objetividade. Entende-se que estudos desta natureza trariam uma maior
confiabilidade ao sistema proposto.
Foi a partir desta constatação que o presente trabalho se originou. Seu objetivo
consistiu em verificar em que medida alguns critérios de classificação dos aspectos formais
do WZT, delineados por Berlinck (2000), estão adequadamente definidos. Em outros
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
termos, se são claros e objetivos o suficiente para serem compreendidos e utilizados pelos
profissionais que irão realizar uma avaliação (Primi, Miguel, Couto & Muniz, 2007).
Método
Participantes
Participaram do presente estudo 191 sujeitos, dos quais 100 eram do sexo feminino,
com as idades variando entre 18 e 54 anos (média de 28,6 anos, DP de 8,71), e 91 do
sexo masculino com idades entre 18 e 50 anos (média de 28,0, DP de 9,36). Em termos
de escolaridade 2,1% (n=4) do total não a informaram, 11,5% (n=22) indicaram possuir
o ensino básico completo, 12,6% (n=24) o ensino médio incompleto e, 73,8% (n=141)
o ensino médio completo. Participaram também, dois juízes treinados no método de
pontuação desenvolvido por Berlinck (2000) para a avaliação dos aspectos formais do
WZT. Estes juízes eram profissionais devidamente inscritos no CRP 06 – São Paulo.
Material
Foram utilizadas as folhas de aplicação padronizadas do Teste de Completamento
de Desenhos de Wartegg publicadas pela editora (CETEPP), lápis preto No 2 e borracha
para cada examinando. A folha de aplicação é constituída de oito quadrados ou campos,
havendo em cada quadrado um sinal ou estímulo gráfico, para ser completado pelo
examinando da forma e sequência que desejar.
Procedimento
A coleta de dados foi realizada em um único dia e de forma coletiva, sem limite
de tempo. Os sujeitos eram parte de um grupo de 700 candidatos a um concurso público
para o cargo de Agente Comunitário em uma cidade da Grande São Paulo no ano de
2003, realizado antes da publicação da lista definitiva de testes pelo CFP. Estes foram
subdividos em grupos de aproximadamente 20 indivíduos por sala e todos assinaram o
termo de consentimento livre-esclarecido. As instruções de aplicação do WZT utilizadas
foram as padronizadas por Wartegg (1987).
Para o estudo de precisão, inicialmente os dois juízes se submeteram a um treinamento
na codificação dos aspectos formais delineados por Berlinck (2000), selecionados para esta
pesquisa. Para tanto, 10 protocolos do WZT (metade de cada sexo), que não fizeram parte
de amostra, foram utilizados. Cada juiz indicou a presença ou ausência de cada um dos
aspectos formais avaliados para cada um dos oito campos dos protocolos considerados,
com base nas definições de Berlinck. Em seguida, os juízes discutiram as concordâncias
e discordâncias das classificações de modo a dirimir as dúvidas.
Os 191 protocolos do WZT foram entregues aos dois juízes obedecendo a seguinte
distribuição: juiz 1 recebeu os 100 protocolos de sujeitos do sexo feminino para a avaliação
e o juiz 2 recebeu os 91 protocolos dos sujeitos masculinos. Posteriormente, os juízes
trocaram os protocolos do WZT, para avaliar os restantes. Os juízes indicaram a presença
ou ausência de cada uma das variáveis para cada campo em todos os protocolos.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
59
Os juízes consideraram os seguintes aspectos formais e respectivas definições:
1. Pressão do lápis: a) forte: “caracterizada por marcas profundas, escuras
e visíveis principalmente nas costas do papel” (Berlinck, 2000, p. 94); b) média:
linhas intermediárias, não há traços fortes, nem leves; c) fraca: realizada com linhas
extremamente delicadas e leves e; d) mista: presença de traços fortes, médios e fracos
em diversas combinações em um mesmo desenho;
2. Tipo de linha: a) reta: aparenta ter sido traçada com o auxílio de uma régua;
b) curva: traçado com características de flexibilidade em sua construção, bem como
graciosidade e fluência; c) mista: quando os dois tipos de linhas estão presentes num
mesmo desenho;
3. Continuidade da linha: a) contínua: traçado constituído por uma linha sem
interrupções, feito de tal forma que dá a ideia de que o lápis não foi levantado do papel; b)
descontínua: realizada com interrupções, paradas ou quebras nos traçados, subdividindose em: b1) traçado interrompido: com uma ou mais interrupções ao longo das linhas; b2)
tracejado: linha substituída por pequenos traços que mostram aparente continuidade; b3)
pontilhado: quando a linha contínua é substituída por pontos. Para o presente estudo, estes
três tipos foram agrupados em uma única variável, a saber: traçado interrompido.
4. Qualidade da linha: a) reforço ou retoque: caracterizado pela presença de
linhas repassadas, dando a impressão de maior largura ou cobrindo linhas leves e finas;
b) Linha tremida: avaliada pelas constantes mudanças não intencionais do traçado, ou
seja, ondulações características de tremores.
5. Tamanho do desenho: a) grande: quando o desenho ocupa mais do que ¾
do campo (de 13 a 16 células); b) médio: entre ¼ a ¾ do campo (de 5 a 12 células);
c) pequeno: desenho em área menor que ¼ do campo (de 1 a 4 células). Para fazer a
distinção entre os três tamanhos foi utilizado o crivo de avaliação, que subdivide a área
de um campo do WZT em 16 células de 1cm², proposto por Biedma e D’Alfonso (1973)
e adotado por Berlinck (2000).
6. Sombreado nos desenhos: a) presença; b) ausência, considerando-se as
superfícies de colorido mais escuro, contrastando com zonas de luz.
7. Movimento nos desenhos: a) presença; b) ausência. O desenho transmite uma
sensação de que as figuras estão em movimento.
8. Transparência nos desenhos: a) presença; b) ausência. Constitui a inclusão de
partes no desenho, que não seriam visíveis na realidade.
Resultados e discussão
A análise estatística foi feita como auxílio do SPSS versão 17 para Windows.
Foram calculados os coeficientes Kappa entre os dois juízes de cada variável por campo
do WZT e depois as médias desses coeficientes para cada variável. O coeficiente Kappa
de Cohen (1960) é uma medida estatística de concordância entre juízes para escalas
nominais (qualitativas, isto é, em que existe a avaliação em categorias). Ele é considerado
uma maneira mais adequada de avaliação do que o simples cálculo de porcentagens de
acordo, porque leva em conta a possibilidade de concordância por acaso (Cohen 1960;
Wikipedia, 2009). A interpretação do coeficiente Kappa pode ser classificada como
60
Aletheia 31, jan./abr. 2010
concordância quase perfeita, quando os valores estão entre 0,81 e 1,00; concordância
substancial, quando estão entre 0,61 e 0,80; concordância moderada entre 0,41 e 0,60;
concordância fraca ou pequena entre 0,21 e 0,40; concordância leve entre 0,0 e 0,20
e, nenhuma correlação quando forem menores do que zero (0), indicando ausência de
acordo (Landis & Koch, 1977).
Além deste sistema de classificação, adotou-se como critério mínimo para indicar
clareza e objetividade das definições dos aspectos formais avaliados a correlação de 0,60,
ou seja, moderada (Conselho Federal de Psicologia – CFP, 2003; Dancey & Reidy, 2006).
Desse modo, as correlações inferiores a 0,60 indicariam falta de clareza e objetividade e,
consequentemente, a necessidade de redefinição dos critérios de avaliação. Salienta-se que
este valor de correlação é o mínimo aceito para coeficientes de precisão pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP), de acordo com a Resolução 02/2003.
Nas Tabelas de 1 e 2 são apresentados os coeficientes de concordância Kappa entre
os juízes e as médias para os aspectos formais avaliados.
Tabela 1 – Coeficientes Kappa para cada campo da pressão do traçado, tipo, continuidade,
descontinuidade e qualidade da linha
Campos
Aspectos formais
1
2
3
4
5
6
7
8
M
Pressão
0,84
0,80
0,85
0,83
0,86
0,79
0,86
0,88
0,84
Tipo de linha
0,93
0,85
0,82
0,87
0,91
0,93
0,91
0,94
0,89
Linha contínua
0,90
0,84
0,90
0,86
0,84
0,83
0,97
0,88
0,88
Linha descontínua
0,90
0,83
0,88
0,88
0,84
0,95
0,93
0,99
0,90
Qualidade da linha
0,92
0,89
0,84
0,86
0,91
0,91
0,90
0,85
0,88
Na Tabela 1 verifica-se que todos os coeficientes foram positivos e variaram de
0,79 a 0,99, sendo todas acima do critério mínimo adotado pela Resolução 02/2003 do
CFP para a precisão. Os maiores coeficientes encontrados foram para linha descontínua,
no campo 8 com kappa = 0,99, linha contínua, no campo 7 com kappa = 0,97 e o menor
foi kappa = 0,79 no campo 6 (pressão do lápis). No caso do maior coeficiente observa-se
a presença da concordância positiva quase perfeita (0,99), relativa a linha descontínua
no campo 8 do WZT.
Em relação ao menor coeficiente (kappa = 0,79, no campo 6 da pressão do lápis,
ocorreu a maior discrepância entre os avaliadores, embora possa ser classificado como
uma concordância significativa. Foram calculadas as médias dos coeficientes dos oitos
campos para cada um dos aspectos formais. Estas variaram entre 0,84 (pressão do lápis) e
0,90 (linha descontínua). Estes coeficientes podem ser considerados pelo critério adotado
como concordâncias quase perfeitas.
Só é possível fazer comparações em relação à literatura com o estudo de Ramon
(2006), no qual a precisão foi obtida por meio das correlações de Pearson entre quatro
Aletheia 31, jan./abr. 2010
61
pares de juízes, que para a pressão variaram de 0,13 a 0,62, sendo três delas superiores a
0,56. Contudo em seu trabalho o autor não especificou como foi avaliada a pressão, nem
ao que as correlações se referem, isto é, se para cada campo e para cada intensidade de
pressão, o que torna difícil uma comparação dos resultados.
Ramon (2006) também investigou a continuidade da linha, tendo encontrado
correlações muito baixas (entre 0,14 e 0,31), todas não significantes. Deve-se lembrar
que o autor estudou as variáveis linhas contínuas e descontínuas, mas não ofereceu uma
definição, nem ilustrações das mesmas para os juízes, o que fez com que cada juiz utilizasse
seu próprio parâmetro, o que pode ter levado à ausência de correlações significantes. Para
a linha reforçada ou trêmula Ramon (2006) obteve correlações entre 0,21 e 0,60, que
foram muito inferiores às da presente pesquisa.
Tabela 2 – Coeficientes kappa para cada campo do tamanho, sombreado, movimento e transparência
nos desenhos
Campos
Aspectos formais
1
2
3
4
5
6
7
8
M
Tamanho
0,90
0,88
0,86
0,78
0,83
0,90
0,91
0,90
0,87
Sombreado
0,87
0,85
0,77
0,81
0,85
0,75
0,92
0,87
0,84
Movimento
0,96
0,89
0,85
0,82
0,95
0,91
1,00
0,93
0,92
Transparência
1,00
0,93
0,74
0,88
0,85
0,86
0,70
0,66
0,83
Na Tabela 2 todos os coeficientes Kappa foram positivos, sendo que os maiores
foram para movimento (Kappa = 1,00) no campo 7 e transparência no campo 1 (Kappa
= 1,00) e, os menores, foram para transparência (Kappa = 0,66) no campo 8 e no campo
7 (Kappa = 0,70).
Estes dados são importantes, pois se pode considerar no geral que, na avaliação de
um determinado aspecto formal dos desenhos do WZT, os dois juízes usaram o mesmo
critério, o que leva a uma consistência nas conclusões que podem ser tiradas a partir
dos mesmos. Os coeficientes podem ser considerados como indicando concordância
substancial ou quase perfeita, uma vez que variaram entre 0,66 e 1,00, com médias que
variaram entre 0,83 para o sombreado até 0,92 para o movimento.
Em seu estudo, Ramon (2006) obteve para o tamanho dos desenhos correlações
entre 0,67 e 0,80, indicando que essa é uma das variáveis mais precisas nas duas
pesquisas, mesmo que o autor não tenha estabelecido parâmetros para ela. As variáveis
movimento e sombreado também foram investigadas por Ramon (2006), que estabeleceu
como movimento os vários tipos propostos por Kinget (1952), também considerados
na presente pesquisa, incluindo movimento humano, animal, inanimado, cósmico e
mecânico. As correlações obtidas variaram de 0,62 a 0,84, um pouco menores do que as
desta pesquisa. Quanto ao sombreado ele estabeleceu as classificações leve, moderado
e escuro, tendo encontrado correlações entre 0,37 e 0,73, também mais baixas do que
as desta pesquisa.
62
Aletheia 31, jan./abr. 2010
O outro estudo brasileiro sobre a fidedignidade de avaliadores do WZT foi realizado
por Silva (2004), que investigou variáveis diferentes das abordadas na presente pesquisa,
o que torna impossível a comparação com seu estudo. A única conclusão que pode ser
considerada em comum com essa autora é a da importância do domínio ou experiência
do profissional sobre os critérios utilizados.
Conclusão
Este trabalho é parte de um projeto mais amplo que pretende verificar a adequação
de todos dos critérios propostos por Berlinck (2000) para a avaliação do WZT em relação
à precisão entre avaliadores. O objetivo deste trabalho consistiu em verificar em que
medida os critérios delineados por Berlinck para alguns aspectos formais do Teste de
Completamento de Desenhos de Wartegg (WZT) estão definidos adequadamente, isto é,
se eles são claros e objetivos o suficiente para serem compreendidos e utilizados pelos
profissionais que irão realizar a avaliação do teste.
Os resultados foram promissores, pois os coeficientes obtidos foram classificados
entre concordância substancial ou quase perfeita, de acordo com o critério de Landis e
Koch (1977), bem como ficaram acima do critério mínimo adotado (0,60) pela Resolução
02/2003 do CFP para os estudos de precisão. Tais dados permitem afirmar que os critérios
propostos por Berlinck (2000) para os aspectos formais do WZT podem ser utilizados
com considerável precisão, mesmo os que apresentaram as correlações mais baixas.
Também é importante lembrar que os resultados mais altos obtidos nesta pesquisa em
realção aos relatados por Ramon (2006) devem-se principalmente a dois aspectos. Nesta
pesquisa as variáveis e suas classificações foram claramente definidas fazendo com que
os juízes tivessem parâmetros para fazer suas avaliações. O segundo aspecto, que muito
contribuiu para os resultados obtidos, foi a realização de um treinamento e da discussão
dos critérios entre os juízes para que os dois estabelecessem parâmetros comuns para
as variáveis. Assim, pode-se concluir que para se tirar conclusões confiáveis do WZT é
necessário que os avaliadores conheçam bem as definições das variáveis, bem como sejam
submetidos a uma treinamento na avaliação para evitar classificações altamente subjetivas
que somente poderão prejudicar as interpretações de qualquer técnica projetiva.
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_____________________________
Recebido em maio de 2009
Aceito em setembro de 2009
Irai Cristina Boccato Alves: Psicóloga; Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
(Universidade de São Paulo/ USP). Professora do curso de Psicologia (Universidade de São Paulo/ USP).
Augusto Rodrigues Dias: Psicólogo; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco – USF). Especialista
em Educação a Distância (Faculdades SENAC/SC). Professor dos cursos de Psicologia e Gestão de Recursos
Humanos (Centro Universitário Paulistano – UniPaulistana) e do curso de Psicologia da Universidade do
Grande ABC – UniABC/SP).
Luís Sérgio Sardinha: Psicólogo; Mestre em Educação Arte e História da Cultura (Universidade Mackenzie).
Doutorando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade de São Paulo/ USP).
Fábio Donini Conti: Psicólogo; Mestrando em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (Universidade
de São Paulo/ USP). Professor do curso de Psicologia (Universidade Guarulhos/UnG).
Endereço eletrônico para correspondência: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.66-81, jan./abr. 2010
Conjugalidade em contexto de depressão da esposa no final do
primeiro ano de vida do bebê
Giana Bitencourt Frizzo
Ivani Brys
Rita de Cássia Sobreira Lopes
Cesar Augusto Piccinini
Resumo: O presente estudo investigou o relacionamento conjugal no contexto da depressão
materna, no final do primeiro ano de vida do bebê. Participaram do estudo 22 casais, divididos em
dois grupos, um em que a esposa apresentava indicadores de depressão (10), e outro em que não os
apresentava (12), segundo o Inventário Beck de Depressão. Os bebês tinham em torno de 12 meses
de idade, sendo 8 meninas e 14 meninos. O teste Mann-Whitney indicou diferença significativa entre
os dois grupos quanto à depressão, mas não em relação às diversas variáveis sociodemográficas
investigadas. Análise de conteúdo qualitativa das entrevistas indicou que, comparado ao grupo
sem depressão, as esposas com indicadores de depressão relataram mais dificuldades com relação
ao companheirismo e o tempo para o casal, à comunicação e resolução de conflitos e à avaliação
global da qualidade do relacionamento conjugal e sexual. Esses resultados corroboram outros
estudos que têm destacado que a presença de indicadores de depressão na esposa pode trazer
dificuldades para a conjugalidade.
Palavras-chave: relacionamento conjugal; conjugalidade; depressão materna; parentalidade.
Conjugality in context of wife’s depression by the end of the infant’s
first year of life
Abstract: The present study investigated marital relationship in the context of maternal depression,
at the end of the baby’s first year of life. Twenty-two couples, divided into two groups, took part in
the study. In one of them the wife presented depression indicators (10), and in the other there were
no depression indicators (12), according to Beck’s Depression Inventory. The babies were around
12 months, 8 girls and 14 boys. Mann-Whitney test indicated significant differences between the
two groups as far as depression is concerned, but not regarding the several investigated
socio-demographic variables. Qualitative content analysis of the interviews indicated that, compared
to the group without depression, the wives with depression indicators reported more difficulties
regarding partnership and time for the couple, to the communication and resolution of conflicts
and to the global evaluation of the quality of the marital and sexual relationship. Those results
corroborate other studies which have highlighted that the presence of depression indicators in the
wife can bring difficulties for marital relationship.
Keywords: marital relationship; conjugality; maternal depression; parenthood.
Introdução
Devido a algumas condições específicas ao encontro mãe-bebê e pai-bebê, é possível
que a mãe sinta dificuldades em lidar com as mudanças que sucedem após o nascimento
de um filho. Com frequência, durante a transição para a parentalidade, algumas pessoas
66
Aletheia 31, jan./abr. 2010
não conseguem preservar seus interesses pessoais e, principalmente, suas relações de casal
(Cramer & Palácio-Espasa, 1993). Waldemar (1998) afirma que não é incomum que, em
famílias com filhos pequenos, os casais acabem dedicando muito tempo aos cuidados
com os filhos, relegando a conjugalidade para um segundo plano. Algumas vezes, esse
pouco investimento na conjugalidade é sentido como um sentimento de insuficiência, de
fracasso e de esgotamento (Cramer & Palácio-Espasa, 1993).
A qualidade do relacionamento conjugal estabelecido ainda antes do nascimento
do primeiro filho pode ser um importante fator de ajustamento nesse período, podendo
inclusive predizer alguns desfechos possíveis. Menezes e Lopes (2007) sugerem que a
estrutura da relação conjugal possui forte influência no desenrolar da transição para a
parentalidade, já que esse momento pode potencializar um distanciamento já existente
no casal.
Nesse contexto, a depressão pode ser um fator que traz complicações para o
ajustamento do casal às novas demandas. Uma das formas que a depressão pode afetar
a família é através de um possível aumento de problemas no relacionamento conjugal
(Cummings, Keller & Davies, 2005). Ainda sobre a associação entre depressão materna e
qualidade do relacionamento conjugal, Mayor (2004), em um estudo longitudinal realizado
com participantes de Porto Alegre, sugere que parecem existir diferenças nas famílias com
e sem depressão materna. Nas primeiras, houve maior relato de existência de conflitos,
menor apoio do marido e maior insatisfação conjugal. Interessante notar que, durante
a gestação, as famílias não apresentavam maiores diferenças entre si nesses aspectos.
Foi após o nascimento do bebê que as diferenças entre essas famílias apareceram, sendo
que as famílias com mães deprimidas apresentaram maiores dificuldades durante essa
transição para a parentalidade, especialmente quanto à satisfação conjugal.
A satisfação conjugal aumenta quando há proximidade, estratégias adequadas de
resolução de problemas, coesão, boa habilidade de comunicação, se os cônjuges estiverem
satisfeitos com seu status econômico e forem praticantes de sua crença religiosa (Norgren,
Souza, Kaslow, Hammerschmidt, & Shlomo, 2004). Mas é possível que esses sejam
alguns fatores também afetados pela presença de depressão e que poderiam, então, levar
a uma maior insatisfação conjugal.
A depressão pode, inclusive, afetar a percepção da mãe quanto ao apoio recebido.
No estudo de Schwengber e Piccinini (2005), as mães deprimidas de Porto Alegre
referiram sentimentos ambivalentes em relação ao apoio social recebido por parte dos
familiares e amigos, além de sentimentos muito ambivalentes em relação ao apoio
recebido do companheiro e a seu papel como pai. Já o estudo de Fritsch e cols. (2005)
mostrou que as mulheres deprimidas tiveram uma avaliação mais negativa da qualidade
de vida familiar e da relação conjugal, posição corroborada por seus parceiros. Beach e
O´Leary (1993) também encontraram que pessoas deprimidas podem avaliar de modo
mais negativo a qualidade do relacionamento conjugal, como uma consequência de seus
sintomas depressivos.
Além disso, conviver com uma pessoa deprimida pode ser sentido como fonte
importante de tensão e angústia emocional para os cônjuges. Benazon e Coyne
(2000) sugerem que o impacto da depressão não se restringe ao indivíduo, pois os
cônjuges de pacientes deprimidos relataram diminuição em suas atividades sociais e
Aletheia 31, jan./abr. 2010
67
de lazer, queda na renda familiar e aumento de tensão na relação conjugal. Segundo
Papp (2000), essa sobrecarga sobre o cônjuge sem depressão pode ser ainda maior,
pois se sentir emocionalmente vinculado a uma pessoa, como o cônjuge, pode ser
essencial no alívio da depressão. Para essa autora, o relacionamento conjugal é muito
importante para a mulher após o nascimento do bebê, posição também corroborada
por Trad (1997). Segundo esse ponto de vista, a insatisfação conjugal pode até
mesmo ser um fator de risco para o desenvolvimento de depressão nesse momento
(Alvarado e cols., 2000).
A literatura revisada acima aponta que, quando um membro do casal tem
depressão, pode haver interferências na qualidade das relações familiares, tanto
diretamente, através das interações com a criança, como indiretamente, influenciando
as condições do relacionamento conjugal (Braz, Dessen & Silva, 2005). Além disso,
a depressão parental pode alterar o desenvolvimento da criança, ao modificar o
comportamento dos genitores, o que pode acarretar risco, predispondo-a a problemas
emocionais e de comportamento (Jacob & Johnson, 1997). O exercício da parentalidade
requer uma reorganização familiar, em que o bebê é incluído e o casal precisa de uma
nova acomodação para desempenhar as tarefas de cuidado e educação dos filhos, sem
esvaziar sua conjugalidade (Minuchin, 1982). Dessa forma, é importante investigar a
qualidade das relações conjugais e seu impacto no desenvolvimento da criança, no seu
ajustamento social (Dessen & Braz, 2000) e na família. Vários estudos têm investigado
particularmente a depressão pós-parto (Field, 1995; Frizzo, 2008) e outros, a depressão
e a maternidade no primeiro ano de vida do bebê (Schwengber, 2007; Schwengber
& Piccinini, 2005), mas poucos têm examinado a conjugalidade neste contexto. De
forma geral, os estudos que investigaram a conjugalidade e a depressão indicaram uma
associação entre estes dois fatores com o surgimento de problemas conjugais (Cramer
& Palácio-Espasa, 1993; Cummings, Keller & Davies, 2005; Frizzo, 2008; Linares &
Campo, 2000; Mayor, 2004; Prado, 1996; Trad, 1997). Nesse sentido, o objetivo desse
estudo foi investigar o impacto da depressão da esposa na conjugalidade em casais com
bebês no final do seu primeiro ano de vida.
Método
Participaram do estudo 22 casais, divididos em dois grupos, um em que a esposa
apresentava indicadores de depressão (10 participantes), e outro em que a esposa não
os apresentava (12), conforme o resultado do Inventário Beck de Depressão (Beck &
Steer, 1993; Cunha, 2001). No grupo de esposas com indicadores de depressão, sete
apresentavam indicadores de intensidade leve e três de intensidade moderada. Os bebês
tinham em torno de 12 meses de idade, sendo 8 meninas e 14 meninos. Todas as esposas
68
Aletheia 31, jan./abr. 2010
de ambos os grupos moravam com o marido1, que era o pai do bebê. As Tabelas 1 e 2
apresentam as características sociodemográficas dos casais. O teste Mann-Whitney não
indicou diferenças sociodemográficas entre os dois grupos quanto à idade, escolaridade,
nível socioeconômico do casal e sexo do bebê. O nível socioeconômico dos casais foi
avaliado de acordo com critérios baseados em Hollingshead (1975), adaptados para o
presente estudo por Tudge e Frizzo (2002).
Tabela 1 – Dados sociodemográficos dos casais com esposa deprimida
Família
Depressão
Materna
BDI
mãe
Idade
Escolaridade
Ocupação
Sexo
bebê
Idade
Bebê
NSE
Fam
1
Leve
15
E=23
M=29
E=1° G inc.
M=1° G
E=dona de casa/doceira
M=auxiliar de matizador
M
12m
1
2
Leve
15
E=19
M=27
E=2º G
M=2º G
E=dona de casa
M=comerciante
M
12m
2
3
Leve
15
E=19
M=22
E=2º G
M=2º G
E=dona de casa
M=segurança
M
12m
2
4
Moderado
31
E=18
M=19
E=2º G
M=1º G inc
E=dona de casa
M=marcenaria
M
12m
1
5
Leve
12
E=33
M=29
E=3º G
M=3º G
E=psicóloga
M=advogado
M
12m
5
6
Leve
16
E=26
M=40
E=3ºG inc
M=3º G
E=estudante
M=escrivão judicial
F
12m
5
7
Leve
16
E=17
M=17
E=2ºG inc
M=2º G inc
E=estudante
M=desempregado
F
12m
1
8
Leve
12
E=24
M=25
E=2ºG inc
M=2ºG
E=garçonete
M=pintor
F
12m
3
9
Moderado
20
E=23
M=38
E=1ºG inc
M=1ºG inc
E=dona de casa
M=caseiro
F
12m
1
10
Moderado
25
E=20
M=20
E=2ºG
M=2ºG
E=auxiliar administrativo
M=bancário
M
12m
3
1
Embora alguns casais coabitassem e outros fossem casados legalmente, no presente estudo optou-se por
falar em maridos e esposas para simplificar o texto, por considerar essa distinção não importante para os fins
dessa investigação.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
69
Tabela 2 – Dados sociodemográficos dos casais com esposa sem depressão
Família
Depressão
Materna
BDI
mãe
Idade
Escolaridade
Ocupação
Sexo
bebê
Idade
bebê
NSE
Fam
11
Ausente
6
E=26
M=30
E= 1ºG inc
M= 1ºG inc
E= dona de casa
M= zelador de igreja
M
12m
1
12
Ausente
9
E=27
M=21
E= 2ºG
M= 1ºG
E= serviços gerais
M= auxiliar de padaria
M
12m
1
13
Ausente
4
E=23
M=24
E= 2º G
M= 2º G
E= recepcionista
M=auxiliar de serigrafia
M
12m
2
14
Ausente
6
E=33
M=33
E= 3ºG
M= 3ºG
E= fonoaudióloga
M= designer gráfico
F
12m
5
15
Ausente
8
E=18
M=18
E= 1ºG inc
M= 1ºG inc
E= dona de casa
M= pedreiro
M
12m
1
16
Ausente
6
E=30
M=35
E= 3ºG
M= pós grad.
E= programadora
M= administrador
F
12m
5
17
Ausente
6
E=25
M=32
E= 3ºG inc
M= 3ºG inc
E= dona de casa
M= servidor público
M
12m
2
18
Ausente
11
E=14
M=16
E= 1º G
M= 1ºG inc
E= dona de casa
M= jardineiro
M
12m
1
19
Ausente
11
E=27
M=26
E= 3ºG inc
M= 3ºG inc
E= vendedora de carros
M= corretor de seguros
M
12m
4
20
Ausente
6
E=31
M=30
E= 3ºG
M= 3ºG inc
E= empresária
M= Empresário
M
12m
5
21
Ausente
5
E=28
M=41
E= 2ºG
M= 1ºG inc
E= chefe de setor
M= modelista
F
12m
3
22
Ausente
10
E=35
M=41
E= 3ºG
M= 3ºG
E= dona de casa
M= empresário
F
12m
5
Delineamento, procedimentos e instrumentos
Foi utilizado um delineamento de grupos contrastantes (Nachmias & Nachmias,
1996), a fim de comparar eventuais diferenças entre os casais cujas esposas apresentavam
ou não indicadores de depressão. A amostra foi selecionada dentre os participantes do
“Estudo Longitudinal de Porto Alegre: Da Gestação à Escola- ELPA” (Piccinini, Lopes,
Sperb & Tudge, 1998), que teve por objetivo investigar tanto os aspectos subjetivos e
comportamentais das interações iniciais pai-mãe-bebê, como o impacto de fatores iniciais
do desenvolvimento nas interações familiares, no comportamento social de crianças
pré-escolares e na transição para a escola de ensino fundamental. Esse estudo iniciou
acompanhando 81 gestantes, que não apresentavam intercorrências clínicas, seja com elas
mesmas ou com o bebê, que era seu primeiro filho. Os maridos também foram convidados
a participar do estudo, caso residissem juntos em situação matrimonial. Os participantes
representavam várias configurações familiares (nucleares, monoparentais ou re-casados),
de diferentes idades (adultos e adolescentes) e com escolaridade e níveis socioeconômicos
70
Aletheia 31, jan./abr. 2010
variados. Foram realizadas várias coletas de dados desde a gestação até os oito anos das
crianças (gestação, 3º, 8º, 12º, 18º, 24º, 36º meses e 6º,7º e 8º ano de vida da criança).
O convite inicial para participar do estudo ocorreu quando a gestante fazia pré-natal
em hospitais da rede pública da cidade de Porto Alegre (41%), nas unidades sanitárias
de saúde do mesmo município (4%), através de anúncio em veículos de comunicação
(14%) e por indicação (41%). Naquela ocasião, foi preenchida a Ficha de contato inicial
(GIDEP, 1998), visando obter dados sociodemográficos dos participantes. O estudo foi
aprovado pelo Comitê de Ética da UFRGS (Resolução n° 2006596).
Para fins desse estudo, foram utilizados os dados relativos à coleta de dados
realizada aos 12 meses de idade do bebê. Nesse momento, seguindo o plano de coleta
de dados do projeto ELPA, o casal foi convidado a comparecer a um novo encontro no
Instituto de Psicologia para realizar as entrevistas referentes a essa etapa. A esposa e o
marido responderam separadamente à Entrevista sobre o desenvolvimento do bebê e a
experiência da maternidade (GIDEP, 1999a) e à Entrevista sobre o desenvolvimento do
bebê e a experiência da paternidade (GIDEP, 1999b), respectivamente. Essas entrevistas
tinham por objetivo investigar as impressões maternas e paternas a respeito do crescimento,
desenvolvimento, habilidades e características emocionais do bebê, os sentimentos sobre
ser mãe/pai, as impressões sobre o marido como pai e da esposa como mãe, a rede de
apoio em relação aos cuidados com o bebê e a ocorrência de eventos estressantes. Após,
o casal respondia conjuntamente à Entrevista com o casal com bebê de doze meses
(GIDEP, 2000), cujo objetivo era investigar como estava a vida do casal no momento,
sua rotina e o relacionamento conjugal. O Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer,
1993; Cunha, 2001) foi preenchido apenas pela esposa. As entrevistas foram conduzidas
por outros pesquisadores que não os autores do presente estudo.
Dos 47 casos do ELPA2 avaliados pelo BDI aos 12 meses de vida do bebê, 26
esposas (34%) apresentaram indicadores de depressão, sendo que 5 (11%) foram
classificadas como apresentando depressão moderada e 11 (23%) depressão leve.
31 esposas (66%) não apresentaram depressão. Para fins do presente estudo, foram
inicialmente selecionados todos os casais cuja esposa apresentava indicadores de
depressão, morasse com o marido, que era o pai do bebê, e que tinham os dados
completos, o que permitiu a inclusão de dez casais. Foram então selecionadas as esposas
que não apresentavam indicadores de depressão, que tinham dados completos e que
apresentavam características sociodemográficas semelhantes ao grupo com indicadores
de depressão, o que permitiu a inclusão de doze casais.
Resultados e discussão
As entrevistas foram examinadas através de análise de conteúdo qualitativa (Bardin,
1977; Laville & Dionne, 1999), com base em três categorias: companheirismo, atração
Um artigo que contemplou parte da mesma amostra, mas apenas com os relatos das mães sobre sua
experiência da maternidade, foi publicado por Schwengber, D. D. S., & Piccinini, C. A. (2005). A experiência
da maternidade no contexto da depressão materna no final do primeiro ano de vida do bebê. Estudos de
Psicologia, 22, 143-46.
2
Aletheia 31, jan./abr. 2010
71
física e paixão romântica (Waldemar, 1998) e comunicação, que foi também incluída
por ser bastante referida nos estudos sobre conjugalidade (Braz, Dessen & Silva, 2005;
Garcia & Tassara, 2003; Norgren & cols., 2004). Para cada uma dessas categorias, foram
incluídas subcategorias, que permitiram explicitar detalhes dos resultados, conforme
exposto a seguir. Tomando-se por base esta estrutura de categorias, inicialmente foram
feitas repetidas leituras de todas as entrevistas das esposas e dos maridos, buscando-se
identificar todos os relatos que caracterizassem cada uma das categorias e subcategorias
acima. As análises foram realizadas de forma independente por duas das autoras deste
artigo, sendo que as eventuais diferenças foram revisadas e discutidas até haver um
consenso. Caracteriza-se, a seguir, cada uma das categorias e subcategorias, ilustrandoas com os relatos dos participantes, destacando inicialmente as semelhanças e depois as
particularidades nos relatos dos casais nos dois grupos.
Companheirismo
Essa categoria refere-se à dedicação dos membros do casal no relacionamento
conjugal. Para fins de análise, foi subdividida em três subcategorias: tempo para o casal,
cuidar um do outro e divergências e conflitos.
Uma importante semelhança que ocorreu entre os grupos foram os relatos de que
conseguiam organizar o tempo do casal, independente do tempo dedicado ao bebê (cd:E4/
E9/E10/M8/M2/M4/M5; sd:E12/E17/E20/E22/M12/M22) 3,4, como exemplificado na
fala a seguir: “A gente procura assim ter um final de semana que a gente sai nós dois, nós
deixamos [filho] com a mãe ou a gente liga pra babá, pra ela ficar” (E20/sd). No entanto,
algumas diferenças apareceram quando essa questão foi mais bem explorada ao longo da
entrevista. No grupo de esposas deprimidas5, os casais pareciam ter maior dificuldade na
organização do tempo do casal, quando o bebê não estivesse presente, restando para o casal
apenas os momentos em que o bebê estivesse dormindo (cd:E9/M6/M8): “O tempo que
a gente tem junto a gente não tá.... não tá junto, a gente tá no ambiente de serviço, então
não tá disponível. E depois em casa a gente dá maior atenção para ela, até ela dormir
né, depois a gente tem um tempo para ficar só nós dois... (M8/cd)”. Embora isso também
tenha sido relatado pelo grupo com esposas deprimidas (sd:E11/E13/E14/E16/E17/E20/
M13/M17/M16), parecia que nesse a divisão do tempo se dava com mais tranquilidade:
“As coisas pessoais sempre se revezando até que ela durma, quando ela dorme, a gente
pode olhar filme junto... tem mais tempo né” (M16/sd). Alguns casais, em ambos os grupos,
relataram que o tempo em que estão juntos, o bebê sempre está presente (cd:E1/E2/E3/
E14/E6/E7/E8/E9/M5/M14/M8; sd:E11/E14/E20/E22/M14/M19/M21). Isso foi relatado
como queixa por algumas esposas deprimidas (cd:E1/E2/E9) “Eu tenho que estar junto.
Então de noite, o quê que se faz? Que ele possa ir junto. Jantar. Então é o que a gente faz,
a gente vai comer pizza...” (E2/cd). Houve também um relato de dificuldade em se separar
do bebê: “Eu, aonde eu for, eu gosto de levar ele [bebê] comigo. Eu não gosto de deixar
A letra ‘E’ refere-se à esposa, e ‘M’, ao marido; o número indica o participante, conforme a tabela 1 e 2.
As letras ‘cd’ referem-se aos casais com esposas com indicadores de depressão, e ‘sd’ aos casais com esposas
sem indicadores de depressão.
5
Embora o termo correto seja esposas com indicadores de depressão, para tornar o texto mais claro, optou-se
por falar a partir desse momento em esposas deprimidas e esposas sem depressão.
3
4
72
Aletheia 31, jan./abr. 2010
ele com ninguém.” (E2/cd). Outra esposa deprimida relatou que passou a incluir o bebê
nos passeios do casal para poderem retomar à vida normal: “É que a gente tá percebendo
que se a gente incluir a [bebê] no nosso programa, a gente faz coisas normais. A gente
vai passear, sempre, e leva ela junto.” (E6/cd). Mas vários casais, em ambos os grupos,
relataram que incluíam o bebê para poder aproveitar melhor o tempo em que estavam juntos:
“Mas de noite a gente aproveita, de noite a gente janta e a primeira coisa que a gente faz
é ir pro quarto, os três, ficar ali junto, ficar olhando TV, mas geralmente a gente procura
sempre ir os três juntos, descansar, olhar TV, ficar juntos, pelo menos esse tempo. A gente
faz coisas junto, a gente, domingo, a gente não faz muita coisa diferente, mas a gente fica
mais tempo junto” (E7/cd). Da mesma forma, isso aconteceu nos casais com esposa sem
depressão, que consideravam essa inclusão do bebê como já esperada, como pôde ser visto
nesse diálogo do casal: “E: –É que já era tão previsto assim que os nossos planos eram estar
com ela, a gente adaptou muita coisa, as saídas... M: – Tudo gira em função dela [bebê].
E: – É. Nossa vida gira muito em função dela, então, ah, a praia ou sair... M: – Quer ir
para a praia, ‘Ah, mas e daí?’, tudo em função dela. É, a maior parte é sair assim durante
o dia para parque, que ela gosta e é isso” (E14/M14/sd). Finalmente, poucos casais, em
ambos os grupos, relataram explicitamente que não tinham mais tempo juntos (cd:E7/M2;
sd:E12/M12): “A gente não tem aquele tempo pra nós, né.” (E7/cd)”.
Juntos estes relatos mostram que, quando se tem filhos pequenos, pode ficar difícil
organizar um tempo somente para o casal, mesmo na ausência de depressão (Cramer &
Palácio-Espasa, 1993; Waldemar, 1998). Esse ajustamento entre o subsistema conjugal
e parental é uma importante tarefa dessa etapa do ciclo vital (Carter & McGoldrick,
1995), por ser necessário criar um espaço para inclusão do bebê sem perder o apoio
e companheirismo no relacionamento do casal. Esse desafio pode ser sentido como
algo já esperado, como citado pelos casais sem depressão, ou suscitar sentimentos de
insuficiência, de fracasso e de esgotamento (Cramer & Palácio-Espasa, 1993), como
apareceu particularmente nos relatos dos casais com esposas com indicadores de depressão
do presente estudo. A depressão pode, então, ser considerada um fator estressor que
dificulta a adaptação nesse momento de transição na vida da família.
Na subcategoria cuidar um do outro, apareceram poucas semelhanças e várias
diferenças entre os casais com e sem esposa deprimida. No que diz respeito às semelhanças,
nos dois grupos apareceu, com pouca frequência e somente na fala dos maridos, a questão
de o marido ajudar a esposa nas tarefas de casa como uma forma de ajudar o outro (cd:
M1/M5/M6/M9/M10; sd: M11/M19/M21/M22): “Aí, fica, quando eu tô em casa, sempre
eu tô ajudando ela, limpando, coisa assim” (M1/cd); “Ela chega em casa, hoje tem um
monte de roupa, ela chega em casa e vai estar passada” (M21/sd). Essa subcategoria teve
maior incidência nos casais com esposas deprimidas, (cd: E2/E5/E6/E8/E9/E10/M2/M5/
M6/M9/M10), com grande convergência no relato de ambos membros do casal. Houve
relatos de o marido cuidar do bebê para a esposa descansar: “Eu fico com ela [bebê] para
minha esposa tomar um banho, fazer uma sauna, e depois ela [bebê] fica com a mãe
e eu faço. A gente se adapta dessa forma, porque nem sempre tem alguém pra cuidar
dela...” (M6/cd) ou para terem mais tempo juntos “Meu marido faz tudo, até o serviço
da casa, ele me ajuda dia de semana, pra gente poder terminar rápido” (E9/cd). As
falas das esposas com depressão também se referiram ao apoio do marido para que elas
Aletheia 31, jan./abr. 2010
73
se sentissem melhores, o que envolveu possíveis sintomas de depressão, por exemplo,
quando a esposa chorava sem motivo e o marido ficava preocupado com isso: “O [marido]
me ajudava um monte. Ele chegava em casa e nós duas chorando... e ele não sabia se
acudia a ela ou acudia a mim...” (E8/cd). Cabe ressaltar que, nos casais sem depressão,
houve apenas relatos dos maridos se sentirem cuidados pelas esposas, especialmente
quando ela não trabalhava fora de casa “No dia-a-dia da casa, nessa história de ela não
trabalhar, ela termina então dando uma dedicação adicional. Contribuição adicional, até
me poupando de demandas que certamente se ela trabalhasse fora, eu teria que auxiliar”
(M22/sd). Não houve nenhum relato das esposas nessa subcategoria como apareceu nos
casais com esposas deprimidas.
Estas falas ilustram como a esposa e o marido precisam um do outro como um
refúgio para as exigências múltiplas da vida (Minuchin, 1982). Especificamente em
situação de depressão materna, o pai pode amenizar possíveis efeitos negativos da
depressão para seus filhos ao apoiar a esposa deprimida, o que acaba contribuindo para
uma melhor parentagem (Frizzo & Piccinini, 2005). Ao mesmo tempo, isso contribui
para a satisfação conjugal, se a mulher perceber isso como um cuidado com ela, como
um indicador desse “refúgio” proposto por Minuchin (1982).
Quanto à subcategoria divergências e conflitos, houve mais diferenças nos relatos
entre os dois grupos, com maior relato de conflitos nos casais com esposa deprimida (cd:
E5/E7/E8/M2/M8; sd: M19/M21). Em sua maioria, nos casais com esposas deprimidas,
os conflitos foram relacionados às diferenças de temperamento: “Ele tem saído com os
amigos dele, eu não gosto de sair, aí ele vai com os amigos dele” (E7/cd); à falta de
apoio numa situação em que a esposa se sentiu mal: “Ele achou que eu estivesse fingindo
a indisposição e disse que ia levar [filho] lá pra mãe. Dá uma olhada nele, eu só quero
dar uma descansada. Eu não sei o que eu tenho, eu tô um pouco indisposta, eu tô com
dor de cabeça, uma situação estranha pra mim, sintomas que eu não tinha sentido. Aí
ele simplesmente disse pra mim, então tu trata de ficar boa” (E5/cd) e ao pouco tempo
para ficar junto: “Mas ela [esposa] é muito dorminhoca... ela não assiste a um filme
comigo....” (M8/cd).
Nos casais sem depressão, houve apenas dois relatos que referiram divergências e
conflitos (M19/M21), sendo que ambos diziam respeito às tarefas domésticas e isto só
apareceu nas falas dos maridos: “Ah, do ponto de vista dela, eu sempre poderia fazer um
pouquinho mais. Mas não em relação a ele [filho], mas em relação à casa.” (M19/sd).
Apareceu também divergência nas tarefas domésticas em um casal com esposa deprimida,
mas com maior intensidade: “Acho que ela não gosta de ficar junto, então ela sai lá e
depois ela vem... aí na hora de voltar para casa aí tem que tomar banho, tem que fazer a
refeição... aí quando eu acho que a gente vai descansar, ela vai passar roupa... aí em vez
de nós ficarmos descansando e curtindo ficar com ela [bebê], ela tem que ficar passando
roupa... então fica tudo complicado” (M8/cd). Especialmente em relação a essa última
vinheta, podemos pensar que, conforme preconizado pela literatura, a pessoa deprimida
parece ter uma tendência a priorizar os deveres e responsabilidades, negligenciando
os momentos de prazer e descanso (Linares & Campo, 2000). Além disso, devemos
lembrar que essa subcategoria se refere a divergências e conflitos no companheirismo do
casal e não a questões mais globais de conflito. Ainda assim, estes relatos corroboram a
74
Aletheia 31, jan./abr. 2010
associação entre depressão e conflito conjugal existente na literatura (Alvarado e cols.,
2000; Cummings e cols., 2005; Mayor & Piccinini, 2005). Embora divergências e conflitos
tenham aparecido nos dois grupos, nos casais com esposas deprimidas, os relatos foram
mais frequentes e intensos, tanto na fala dos maridos como das esposas.
Comunicação
Essa categoria se refere à qualidade da comunicação entre o casal. Para fins de
análise, foi subdividida em duas subcategorias: resolução de conflitos e divergências
e conflitos. Quanto à primeira subcategoria, a resolução de conflitos, nos casais com
esposas deprimidas, aparentemente, havia conflitos que não eram solucionados de forma
adequada para ambos, pois um deles acabava cedendo sempre (cd: E2/E6/M2/M5): “É,
eu já decidi que não fico mais brava. Não vou mais me estressar à toa” (E2/cd). Um casal
desse grupo relatou uma divergência, pois a esposa referiu que o marido conversava com
ela: “Eu acho que a gente conversa bastante, ele procura ser carinhoso, se ele tiver que
falar alguma coisa... ou eu tiver com alguma coisa, mau humor por exemplo... ele deixa
eu me acalmar, depois ele vem e conversa: ‘O que que tu tem?... porque tu tá assim?’”
(E8/cd) e o marido relatou que não costumava conversar: “Então, quanto a isso, não
tem muita ajuda... e quando a gente briga ou coisa assim, não tem... eu não costumo
conversar muito” (M8/cd).
Já nos casais sem depressão, o diálogo apareceu como forma de resolução de
conflitos (sd: E11/E22/ M20/M22): “Às vezes, a gente tem um desentendimento, ela
[esposa] quer resolver logo e, às vezes, ela tá junto, então, não vale a pena, eu não insisto
em falar enquanto a nenê tá junto, até porque ela vai sentir que tem uma... então, não
precisa saber disso, não é que não precisa saber, mas que ela não precisa passar por
isso, até porque isso não é dela, não é assunto dela, não é dela, não é problema dela,
uma coisa nossa, de nós resolver, aí, depois a gente fala.” (M22/sd).
Quanto à subcategoria divergências e conflitos, apenas um casal, do grupo das
esposas deprimidas, fez um relato incluído nessa subcategoria, tanto pelo marido como
pela esposa: “E eu quero conversar, sabe? Eu passei o dia inteiro sozinha. Eu quero
conversar, eu quero que ele me conte como é que foi... E ele não presta atenção no que
eu falo, porque ele fica na televisão, sabe?” (E2/cd). “Daí eu não falo com ela também,
porque eu tô vendo o jogo!” (M2/cd).
De acordo com Cummings e Davies (1994), mulheres deprimidas podem ter
dificuldade em explicar as causas e consequências de suas brigas, aproximando-se então
de uma característica de casais disfuncionais que, muitas vezes, têm dificuldades na
identificação do problema, pois a pouca clareza na comunicação bloqueia a sua definição
(Walsh, 2002). Em geral, esses casais têm dificuldade de exprimir as diferenças por um
grande medo de que o conflito aumente e ocasione violência ou ruptura do casamento.
Linares e Campo (2000) corroboram essa asserção ao descreverem algumas características
de casais com esposas deprimidas, onde a evitação de conflito parece ser bastante
comum, exatamente pelo receio de ruptura na relação. Porém, essas estratégias só fazem
aumentar a possibilidade de que os problemas não sejam enfrentados de modo eficaz,
com consequências negativas para o relacionamento (Walsh, 2002). Em uma revisão
teórica realizada por Mayor e Piccinini (2005), os autores apontaram que, quanto mais
Aletheia 31, jan./abr. 2010
75
o casal puder escutar um ao outro, respeitar e aceitar o ponto de vista do outro, mais
chances têm de encontrar uma solução para seus conflitos que satisfaça a ambos. Garcia e
Tassara (2003) também apontaram que a falta de diálogo constitui-se num dos principais
problemas nos casamentos de modo em geral. No caso de casais cuja esposa apresenta
depressão, esse parece ser um desafio particularmente importante.
Atração física e paixão romântica
Essa categoria refere-se à qualidade do relacionamento conjugal relatada pela
esposa e marido. Para fins de análise, foi subdivida em qualidade do relacionamento
conjugal, percepção em relação ao outro e divergências e conflitos. Quanto à primeira
subcategoria, casais de ambos os grupos avaliaram de forma positiva seu relacionamento
conjugal (cd:E2/E3/E6/E7/P2/P4/P9; sd:E11/E12/E14/E13/E17/M11/M12/M13), como
no relato desse marido: “Mudou pra melhor, né, tem pessoas que reclamam, mas eu,
da minha parte melhorou mais, assim.” (M11/sd). Por outro lado, houve uma pequena
diferença entre os grupos, pois nos casais com esposas deprimidas, não foram referidas
melhoras no relacionamento conjugal após o nascimento do bebê: “Não, eu acho tá, assim,
normal. Tá bom” (E3/cd), ao contrário do que foi relatado nos casais sem depressão,
onde apareceram mais avaliações de que o relacionamento melhorou, principalmente
em comparação com os primeiros meses após a chegada do bebê (sd:E14/E17;M11/
M12/M14): “Então, acho que isso facilita um pouco e aí isso faz com que o casal
também fique melhor, né, comece a ter mais momentos.” (E14/sd). Devemos lembrar
que o casal contemporâneo é confrontado o tempo todo com forças paradoxais: por um
lado, deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada um e, por outro, surge
a necessidade de vivenciar a conjugalidade e os desejos e projetos comuns do casal
(Féres-Carneiro, 1998). Conciliar essas demandas pode ser especialmente difícil para as
famílias principalmente em alguns momentos de crise no ciclo vital, como na ocasião
do nascimento dos filhos. No entanto, quando existe um bom relacionamento conjugal,
a tendência é que, passado o momento inicial de crise, a reorganização estabelecida
de certa forma tende a restaurar os sentimentos de satisfação familiar e conjugal. Não
devemos esquecer, entretanto, que a depressão nesse período do ciclo vital é um fator
estressor imprevisível que se sobrepõe à crise normativa, característica principalmente
do nascimento do primeiro filho do casal (Carter & McGoldrick, 1995). E com essa
sobreposição, pode ser mais difícil avaliar os aspectos positivos das mudanças.
Alguns casais, em ambos os grupos, avaliaram de forma negativa seu relacionamento
(cd:E2/E6/M4/M8; sd:M13/M19). Nos casais com esposa deprimida, houve maior
incidência desses relatos e pareceu que essa percepção foi relatada com mais intensidade:
“Eu tinha um cansaço, uma angústia, uma coisa assim. Primeiro porque eu fiquei muito
insatisfeita com o meu corpo, pra começar. Porque eu acho que, no meu inconsciente,
estava assim, ‘Aquela que me estragou’, tá, ‘que me deixou, assim, mal, porque eu tô mal
comigo’, se eu estava mal, se estava mal com meu corpo, eu estou mal. Até com o meu
marido, a minha relação com ele” (E6/cd). Já nos casais sem depressão, houve apenas
dois relatos nessa subcategoria e de pouca intensidade: “Tá faltando um pouco de tempo,
mas...” (M13/sd). Estes relatos apoiam o que a literatura indica, já que era esperado que
o relacionamento conjugal fosse avaliado de forma mais negativa nos casais com esposas
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deprimidas, na medida em que elas parecem ter uma percepção mais negativa de seu
relacionamento familiar e conjugal (Beach & O´Leary, 1993; Fritsch e cols., 2005).
Por fim, alguns poucos casais, em ambos os grupos, se mostraram ambivalentes na sua
avaliação sobre a qualidade do relacionamento conjugal (cd:E5/M5; sd:E19/M19): “Não
vai mal, mas nós estamos tentando conciliar, e aí que vai... Às vezes, é muito estressante, e
principalmente pra mim.” (M5/cd); ou ainda relataram que não havia ocorrido mudanças
(cd:E1/E2/E8/E10; sd:E18/M15/M21), o que foi referido principalmente pelos casais com
esposas deprimidas: “Acho que não mudou” (E10/cd).
Quanto à percepção em relação ao outro, casais de ambos os grupos (cd:E8/E9/M2/
M3/M4/M6/M10; sd:E20/E21/M11/M14/M16/M20/M21/M22) avaliaram seu cônjuge de
forma positiva: “Sendo filha da mãe dela, eu sempre achei que ela tinha esse jeito [carinhosa
e meiga], essa personalidade, assim” (M6/cd). Mas houve também relatos negativos em
relação ao cônjuge. Nos casais com esposas deprimidas, a maioria dos relatos são queixas
dos maridos sobre suas esposas serem bravas (cd:M4/M1): “A mãe dele, quando fica brava,
é brava mesmo” (M1/cd); apáticas (M7/cd): “Eu acho que ela é muito preguiçosa, porque
ela poderia ir, ela poderia largar a [filha] no chão, ela não vai muito de preguiça mesmo,
porque a [filha] vai atrás, ela não é daquelas que tem que ficar sempre no colo, que a [filha]
é muito mais fácil de lidar com ela” (M7/cd); ou impacientes: “Ela perde a paciência
muito rápido” (M10/cd). Nos casais sem depressão, os principais aspectos relatados foram
relacionados com características da esposa como ser ciumenta (M19): “a [nome da esposa]
é mais ciumenta” (M19/sd); mandona (M18): “Ela é muito mandona”; ou brava (M20),
como pôde ser visto no exemplo a seguir: “O jeito assim de bravo [da filha] tudo é da mãe”
(M20/sd). Em ambas os grupos (cd:E4/E6; sd:E17/E22), houve poucos relatos negativos
da percepção das esposas sobre seus maridos e não houve diferenças entre os grupos nesse
aspecto, pois, em ambos, eles foram descritos como teimosos/geniosos (cd:E4; sd:E22) e
como bravos/estourados (cd: E6; sd: E17).
Além disso, somente os maridos relataram certa ambivalência com relação às suas
esposas (cd:M1/M5/M7; sd:M13), especialmente nos casais com esposas deprimidas:
“Mas quando ela tá assim, calma, ninguém xingou, brigou com ela, ela tá, é normal,
assim, calma, tudo assim.” (M1/cd). Esse aspecto de inconstância das emoções precisa
de atenção especial no contexto da depressão, pois as emoções tendem a se alterar com
frequência (Phares. Duhig & Watkins, 2000). Essa característica das esposas pode ter
influenciado a avaliação desses maridos sobre elas no presente estudo.
Quanto às divergências e conflitos no relacionamento conjugal, houve uma incidência
maior de conflitos relacionados à impulsividade da esposa nos casais com esposas deprimidas:
“Até tivemos algumas brigas assim, porque a [nome da esposa] é bem impulsiva” (M8/
cd); à quantidade de tempo para ficarem juntos: “Eu encho o saco, ah, vem deitar comigo,
vamos dormir, porque ele é muito amarrado, entendeu, ele tem a mania de chegar e ficar
se amarrando, se amarrando e demora pra tomar banho, eu já estou até deitada e quero
que ele venha deitar junto com a gente assim, sabe e ele fica se amarrando” (E7/cd); brigas
por morar com a sogra e não ter casa própria: “Passa dois, três dias, eu já tô agoniado, mas
se a gente fica muito tempo junto, parece que, que qualquer coisa a gente briga, sabe, eu
acho que é porque também a gente não mora sozinho, a gente não tem uma casa nossa”
(E4/cd); e quanto à sexualidade: “Porque esses dias... foi o caso de novo da coisinha
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[sexo], que eu não queria, e queria dormir, tava cansada. Aí pegou, ‘Ai... então, pega e
vai dormir!’ Sabe? Já ficou bravo, já não me deu boa-noite... ‘Tu não vai deitar?’ ‘Não!’
Já ficou furioso comigo. Daí fui eu me deitar lá, toda cheia de culpa, sabe? Toda furiosa.
Aí acabei dormindo. Daqui a pouco, ele veio se deitar, me abraçou...” (E2/cd). Apenas um
casal sem depressão relatou conflito, mas sem explicitar detalhes: “Certas coisas a gente
briga, mas só...” (E21/sd). Novamente, pôde-se perceber a associação entre qualidade
do relacionamento conjugal e presença de depressão (Beach & O’Leary, 1993; Fritsch e
cols., 2005; Mayor & Piccinini, 2005), além de certa dificuldade das esposas deprimidas
de lidarem com eventos estressantes (Schwengber & Piccinini, 2005).
Considerações finais
O presente estudo teve como objetivo investigar diferenças na conjugalidade de
casais em que a esposa apresentava ou não indicadores de depressão, quando o bebê estava
no final do primeiro ano de vida. Os resultados encontrados corroboraram a expectativa
inicial de que a presença de depressão na esposa pode trazer dificuldades nos diferentes
aspectos investigados do relacionamento conjugal, com destaque para o companheirismo
e o tempo para o casal, a comunicação e resolução de conflitos, a avaliação global da
qualidade do relacionamento conjugal e sexual.
A fase do ciclo vital do nascimento dos filhos por si só tende a ser estressante para
a maioria dos casais pelas diversas readaptações que necessitam ser feitas. Na ocorrência
de mais um estressor, como a depressão materna, pode ser ainda mais difícil realizá-las,
como pôde ser visto nos relatos dos casais do presente estudo. Obviamente, muitas vezes,
as dificuldades são sutis e podem surgir tanto em casais em que a esposa tem ou não
depressão. No presente estudo, puderam-se observar sofrimentos e dificuldades adicionais
especialmente no primeiro grupo, seja na forma de avaliar o relacionamento conjugal
ou no cuidado com o outro, como na reorganização do tempo do casal, quando o bebê
não está presente. A comunicação talvez tenha sido a categoria que melhor explicitou as
diferenças entre os dois grupos, especialmente quanto à forma de resolução de conflitos,
mais difícil nos casais com esposas deprimidas. De acordo com Walsh (2002), a diferença
entre casais ditos “saudáveis” e àqueles que apresentam dificuldades não está na presença
ou ausência de problemas, mas na maneira como eles são resolvidos. Por exemplo, o
acúmulo de fatores estressantes (no caso, nascimento do bebê mais sintomas depressivos)
pode colocar em perigo qualquer casal, mesmo os que não apresentam dificuldades,
embora no presente estudo isto pareça ter sido mais comum entre os casais em que a
esposa apresentava indicadores de depressão no final do primeiro ano de vida do bebê.
Além disso, a estrutura prévia da relação conjugal, que não foi investigada aqui, pode
também atuar como um fator que explica a conjugalidade em momentos de crise e merece
ser investigada em futuros estudos.
A importância de se investigar a conjugalidade e a depressão pós-parto, também
merece ser ressaltada devido a um possível efeito de contaminação de afetos entre
os diferentes subsistemas familiares. Quando a mulher encontra-se deprimida, com
sentimentos de desvalia e dificuldades no relacionamento conjugal, isto pode também
afetar a qualidade da relação que poderá estabelecer com seu bebê. Ainda que, muitas
vezes, apareça no relato materno a satisfação em cuidar do bebê, mesmo em situações de
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
depressão pós parto da mãe (Frizzo, 2008), devemos lembrar que isso também pode ser
sentido como sobrecarga em alguns momentos. E, embora essa sobrecarga seja relatada
também por mulheres sem depressão, novos estudos devem investigar melhor este aspecto
e sua relação com depressão pós-parto.
É importante ressaltar que nenhuma das participantes deste estudo havia sido
diagnosticada com depressão anteriormente, embora algumas estivessem com sintomas
intensos de irritabilidade, fadiga e dificuldades no cuidado com o bebê, além de
dificuldades no relacionamento conjugal. Esses não são casos isolados, pois, muitas
vezes, os sintomas depressivos podem ser confundidos com o desgaste natural do
puerpério, tanto pelo cuidado com o bebê e as noites mal dormidas, como pelo acúmulo
de tarefas domésticas (Cruz, Simões & Faisal-Cury, 2005). Assim, é comum que a mulher
deprimida e as pessoas que a cercam nem sempre reconheçam que seus sintomas podem
ser considerados depressão. Tendo em vista que, mesmo a presença moderada e leve de
indicadores de depressão – como o que ocorreu nos casos do presente estudo – já pode
trazer importantes dificuldades nos relacionamentos da mulher, ressalta-se a importância
da família e dos profissionais da saúde em reconhecer esses sintomas e em ajudar a mulher
a buscar ajuda quando ela não se sente bem, especialmente ao longo do primeiro e segundo
ano de vida do bebê, quando as demandas sobre a mulher são particularmente elevadas.
Avaliações sistemáticas associadas à prevenção e intervenções psicológicas neste contexto
terão importante papel não só para o relacionamento conjugal, mas particularmente para
o desenvolvimento da criança.
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_____________________________
Recebido em novembro de 2008
Aprovado em dezembro de 2009
Giana Bitencourt Frizzo: Psicóloga; Especialista em Psicoterapia de Casal e Família (INFAPA); Doutora e
pós-doutora em Psicologia (UFRGS); Professora do curso de Psicologia (UFRGS)
Ivani Brys: Psicóloga; Mestranda em Psicologia (UFRGS); Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
Rita de Cássia Sobreira Lopes: Psicóloga; Doutora em Psicologia (University College London/Inglaterra);
Professora do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisadora do CNPq.
Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo; Doutor e Pós-doutor em Psicologia (University College London/
Inglaterra); Professor do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisador do CNPq.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.82-96, jan./abr. 2010
As ideias do senso comum sobre a relação
entre a justiça e a injustiça
Lila Maria Spadoni
Ana Raquel Rosas Torres
Resumo: Este artigo tem como objetivo principal investigar as ideias do senso comum de jovens
brasileiros e franceses acerca das relações entre justiça e injustiça. Para tanto, utilizou-se o conceito
de tematas. As tematas são concebidas como fatores organizadores de conjuntos temáticos de
diferentes representações sociais. A abordagem estruturalista das representações sociais norteou
o planejamento metodológico desta investigação. Assim, foi utilizada a técnica de evocação
simples juntamente com a análise dos esquemas cognitivos de base. Os participantes deste
estudo foram estudantes universitários franceses (N=121) e brasileiros (N=129). Os resultados
foram semelhantes nas duas amostras, demonstrando uma relação funcional e de oposição entre
as ideias sobre a justiça e a injustiça. Essa relação é bem estruturada e resistente às diferenças
socioeconômicas e culturais existentes entre o Brasil e a França.
Palavras-chave: justiça; representações sociais; tematas.
The common sense ideas about the relations between justice and injustice
Abstract: This article aimed at investigating Brazilian and French young people’s common sense
ideas on the relations between justice and injustice. For this, the concept of thematas was used.
Thematas are defined as the organizing factors of thematic sets of different social representations.
The methodological design was planned from the social representation estructuralistic approach.
Therefore simple evocation technique together with the base cognitive schemata analysis was
used. The participants were French (N = 121) and Brazilian (N = 129) university students. The
results were similar in both samples, demonstrating a functional and oppositional relationship
between justice and injustice ideas. This relationship is well structured and resistant to the
socio-economic and cultural differences between Brazil and France.
Keywords: justice; social representations; thematas.
Introdução
Neste artigo, é apresentado um estudo desenvolvido em duas culturas diferentes a fim
de investigar as concepções ingênuas a respeito das relações entre a justiça e a injustiça.
Ele foi realizado a partir da perspectiva teórica das representações sociais, iniciada por
Moscovicci (1961), que gerou diferentes abordagens, e que tem sido um campo de estudo,
segundo Jodelet (2001), pleno de vitalidade.
Para tanto, adota-se a abordagem estruturalista, caracterizada pela busca das
estruturas invariantes e inerentes à organização interna das representações sociais, em
detrimento da investigação de seus diversos conteúdos que variam segundo grupos e
objetos (Flament & Rouquette, 2003). Essa abordagem desenvolveu-se, sobretudo, com
base na ideia de que as representações sociais se organizam a partir de um sistema central
e um sistema periférico. No primeiro, existem poucos elementos de grande consenso, e no
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
segundo, há um maior número de elementos que expressam as diferenças interindividuais
e as adaptações circunstanciais (Rouquette, 1999).
As representações sociais são definidas pelo Grand Dictionaire de la Psychologie
(Rouquette, 1999, p.800) como “uma maneira de ver, localmente e momentaneamente
partilhada no seio de uma cultura, que permite assegurar a apropriação cognitiva de um
aspecto do mundo e guiar as ações a seu respeito.”1 Essa definição é particularmente
apropriada para este estudo pois esclarece o caráter efêmero e cultural das representações
sociais que as diferenciam do outro conceito teórico aqui utilizado, conhecido como tematas.
As tematas são estruturas profundas do pensamento social, construídas e modificadas no
tempo longo da história, e, portanto são extremamente duráveis e tendencialmente de grande
amplitude cultural, quando não universais (Moscovicci & Vignaux, 1994). Elas podem ser
definidas como uma fonte de ideias que se operam metodologicamente, a fim de estabilizar
os significados dos objetos sociais, por meio da relação entre os temas.
Esse conceito, proposto por Moscovicci e Vignaux (1994), evidencia as relações
entre dois temas que se opõem, tais como a justiça e a injustiça, vindo ao encontro da
necessidade de os estudos acerca das representações sociais confrontarem o desafio de
associar duas ou mais representações (Guimelli & Rouquette, 2004).
As representações sociais têm sido investigadas isoladamente em comparações
sincrônicas ou diacrônicas, ou seja, ora evidenciando as representações de grupos
diferentes em um mesmo momento, ora ressaltando as representações de um mesmo
grupo em momentos diferentes (Flament & Rouquette, 2003). No entanto, a realidade
sociocognitiva não é dividida em partes, mas ela se organiza em um conjunto de temas
e de conceitos, alguns mais específicos e outros mais restritos, descritos por Rouquette
(2002) como uma espécie de enciclopédia temática organizada em árvores documentais.
Assim, algumas representações relacionam-se a outras representações e também a algumas
atitudes, crenças ou tematas.
A relação entre as tematas e as representações sociais foi descrita por Guimelli (1999)
com a pressuposição de que as tematas servem de ponto de referência para a organização
de conjuntos temáticos de diferentes representações sociais. Nesse mesmo sentido,
Moscovici e Vignaux (1994) descreveram as tematas como uma espécie de memória
coletiva de longa duração que organiza os significados de todos os temas e conceitos do
pensamento social, por intermédio da objetivação e da ancoragem.
Mediante a ancoragem, as tematas criam classes de discursos, nos quais se
enquadram as diferentes representações sociais, formando conjuntos temáticos. Por
meio da objetivação, é feito um trabalho de reparação cognitiva e linguística a fim de
estabelecer modos de composição entre os objetos. Esse trabalho gera leis, especificações
de objetos exemplares, de acordo com as propriedades apresentadas como típicas, tais
como bom e ruim, melhor e pior, ideal e real, justo e injusto, o que visa estabilizar os
aspectos cognitivos e sociais.
1
Tradução livre realizada pela primeira autora do texto original : “Façon de voir localmente et momentanément
partagée au sein d’une culture, qui permet de s’assurer l’apropriation cognitive d’un aspect du monde et de
guider l’action à son propos.’’
Aletheia 31, jan./abr. 2010
83
Embora os processos de objetivação e ancoragem das representações sociais por
meio das tematas ainda não tenham sido investigados, há alguns estudos que fornecem
pistas sobre eles, como o referente à relação de oposição entre as representações
sociais da segurança e da insegurança (Guimelli & Rouquette, 2004). Esse estudo
demonstra que se trata de duas representações sociais diferentes, ou seja, portadoras de
núcleos centrais diferenciados. Também Gurrieri (2007) testa, de maneira empírica, a
instanciação da temata ideal-pire (ideal-pior) sobre a representação social de voyage
(viagem), investigando a estruturação das representações voyage, voyage le pire (a
pior viagem) e voyage ideal (a viagem ideal). Novamente, os resultados confirmam
que se tratam de três representações diferentes, e que, portanto, possuem núcleos
centrais diferentes. Esses estudos corroboram a ideia de Guimelli (1999), segundo a
qual diferentes representações podem ser organizadas em torno de algumas tematas,
pois os diferentes polos de uma mesma temata (polo positivo e polo negativo) geram
representações diferentes. Pode-se antever então a importância da identificação dos
componentes do núcleo central das representações sociais para a investigação das
tematas.
A temata justiça e injustiça
Segundo Markova (2007), as atividades mentais dos seres humanos são naturalmente
regidas por antônimos. Consequentemente, as ideias do senso comum também o são. No
entanto, essas antinomias só se tornam tematas quando elas não se referem à situação
de conteúdos latentes. Os conteúdos latentes são conhecimentos já adquiridos, frutos da
memória e da história do grupo e transmitidos de geração em geração. No entanto, por
alguma eventualidade histórica, eles podem transformar-se em alvo da atenção comum,
tornando-se objetos de discussões e do discurso público. Geralmente isso acontece quando
surge um conflito no curso dos acontecimentos históricos e sociais.
No caso da justiça, por exemplo, as ideias iluministas do século XVIII, trouxeram
à tona a discussão referente à justiça aliando-a, até os dias atuais, a ideia de igualdade.
As ideias iluministas sobre a justiça igualitária foram geradas pelos conflitos históricos
entre a igreja, a classe aristocrática e a burguesia, e desembocaram em transformações
políticas importantes, tais como a criação e a expansão de direitos civis, e a redução da
influência de instituições hierárquicas como a nobreza e a igreja. Essas transformações,
aliadas aos eventos políticos, também gerados à luz das ideias iluministas, tais como a
revolução francesa e russa e todos os movimentos independentistas, dentre os quais a
independência brasileira do reinado de Portugal, foram de extrema importância para a
constituição do mundo moderno.
Por isso, embora a oposição justiça e injustiça pareça noção onisciente, que sempre
existiu, seu significado atual aparece arraigado nas ideias igualitaristas provenientes do
século XVIII, frutos da revolução francesa, que aliou definitivamente a noção da justiça
à noção da igualdade. A igualdade de direitos, de deveres, de oportunidades expressam-se
diferentemente conforme as ideologias políticas da sociedade atual.
As oposições temáticas podem ser muito antigas em sua estrutura, existindo em
quase todas as sociedades, independentemente de suas diferenças culturais. No entanto, seu
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
significado, ou seus conteúdos, variam de um grupo a outro e também sofrem mudanças
através do tempo.
Objetivando investigar a relação entre os temas justiça e injustiça, o conceito de
temata e as metodologias próprias da abordagem estrutural das representações sociais
foram adotados. Para verificar a amplitude ideológica deste estudo, o mesmo procedimento
foi utilizado em dois países diferentes – Brasil e França.
A comparação intercultural
Como as tematas são objetos de pesquisa ainda pouco investigados, ainda não existe
nada escrito sobre os métodos de investigação desse conceito. Neste estudo, investigase a relação entre dois polos temáticos, adotando uma abordagem estruturalista. Por
isso, utiliza-se a metodologia originalmente criada e utilizada para a investigação das
representações sociais, mais especificamente as evocações e os esquemas cognitivos
de base. No núcleo central das representações sociais, encontram-se os aspectos mais
consensuais, ideológicos ou societais, frutos da memória coletiva, no qual estão inscritas
as tematas.
Nesse caso, utilizou-se a comparação de duas representações (justiça e injustiça) em
duas culturas diferentes do mundo laico ocidental (Brasil e França). Busca-se investigar,
sobretudo, as características das relações entre essas duas representações, percebidas
em cada cultura. A relevância da investigação intercultural tem sido uma constante nas
investigações da psicologia social da justiça. Tyler, Broeckmann, Smith e Huo (1997)
afirmam que existem tanto aspectos universais quanto especificidades culturais na maneira
como as pessoas pensam e reagem ao tema justiça.
As primeiras teorias da psicologia social da justiça, nascidas nos Estados Unidos da
América nos anos 1960, foram inspiradas na teoria da privação relativa. Essa teoria afirma
que a satisfação ou insatisfação das pessoas, nas situações sociais, não são diretamente
relacionadas à qualidade objetiva de suas recompensas ou riquezas, mas são socialmente
determinadas pela comparação social entre suas recompensas e uma espécie de padrão
que a pessoa adota.
A essa teoria, seguiram-se três ondas diferentes de investigação relacionadas às
concepções de justiça. A primeira onda ficou conhecida como justiça distributiva e teve
como pioneira a teoria da equidade, que estabelece a proporcionalidade como um princípio
básico da justiça. A justiça distributiva tem como objeto as concepções de justiça nas
situações que implicam distribuição de bens.
Na década de 1970, iniciou-se uma nova onda que ficou conhecida como justiça
procedural, que, por sua vez, se preocupa com os processos de tomadas de decisão em
situações de justiça que inclui a decisão de um terceiro. E recentemente, na década de
1990, surgiu uma terceira onda, conhecida pela preocupação com a punição em casos de
infração de leis formais e normas sociais, denominada justiça retributiva.
No entanto, segundo Tyler e cols. (1997), inicialmente a psicologia social da justiça,
influenciada pelo positivismo, tinha uma visão universalista, e buscava encontrar leis
universais capazes de reger os comportamentos humanos. Gradualmente, os pesquisadores
afastaram-se dessa concepção, à medida que foram percebendo a importância das
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influências culturais nas concepções de justiça. Começaram então os estudos transculturais,
que procuravam as semelhanças e as diferenças de comportamentos e de processos
mentais entre culturas diferentes. Enfim, as pesquisas psicológicas da justiça passaram
a questionar e testar a validade trans-cultural das teorias existentes.
Conforme Assmar (2000), as primeiras teorias psicológicas da justiça se atinham
aos dois primeiros níveis de análise descritos por Doise (2002). O primeiro nível é o
intrapessoal que investiga, sobretudo, os processos mentais individuais. O segundo nível
trata das relações interpessoais. Doise (2002) também realça a necessidade da psicologia
alcançar os dois últimos níveis, o grupal e o societal. A psicologia precisa preocuparse com as diferentes posições que os indivíduos ocupam nas relações sociais e com as
produções culturais e ideológicas da sociedade, que dão significação aos comportamentos
dos indivíduos e sustentam as diferenciações sociais. Esse nível é complexo e detém a
maioria dos aspectos universais, que são resultado de estruturas profundas, nos quais se
inserem as tematas.
Nesse mesmo sentido, Tajfel (1984) também critica as primeiras teorias sobre a
psicologia da justiça afirmando que elas deveriam ser transpostas para uma psicologia das
relações intergrupais, traduzindo em larga escala o fenômeno social que se torna realidade
psicológica para cada indivíduo envolvido nesse sistema. Ele também critica essas
teorias serem concebidas como se cada indivíduo começasse do zero suas considerações
e concepções de justiça, em processo totalmente ingênuo e descontextualizado. Tajfel
(1982) considera que essas teorias pecam por praticar um reducionismo psicológico, que
são tentativas de explicar as complexidades do comportamento coletivo ou social em
termos de processos individuais ou relacionais.
Nesse sentido, investigar as concepções de justiça, por meio das teorias e
metodologias estruturalistas a respeito das representações sociais e das tematas, é um dos
caminhos possíveis para tratar esse fenômeno, contemplando, sobretudo o nível societal.
Por isso, concebe-se a hipótese de que as diferenças na convivência com as desigualdades
sociais podem operar como um fator de diferenciação no modo como o senso comum
estabelece a relação entre a justiça e a injustiça social.
As diferenças socioecônomicas entre o Brasil e a França são notadamente
conhecidas, já que a França consta entre os países considerados desenvolvidos, e o Brasil
figura entre os países considerados em desenvolvimento.
A desigualdade social marca profundamente a realidade brasileira. Essa desigualdade
tem sido calculada por meio do índice de Gini, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo
de zero, menores as desigualdades sociais. O índice brasileiro é 0,58. No Brasil, segundo o
índice de desenvolvimento humano do Human Development Reports (HDR, 2007-2008),
os 10% mais ricos da população detêm 45,8% da renda nacional, ao passo que os 10%
mais pobres detêm apenas 0,8 % da renda nacional.
O índice de Gini da França é 0,32, classificando-a como o quarto país menos desigual
do mundo e em décimo lugar, segundo o índice de desenvolvimento humano (HDR, 20072008), que não enfrenta mais problemas como o analfabetismo. Pode-se concluir então
que as realidades em relação à justiça social nesses dois países são bem diferentes.
Além disso, há diferenças no curso da história dos dois países. A França tem seu
percurso histórico marcado pela revolução francesa, no século XVIII, que pode ser
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considerada como o florescimento das ideias igualitaristas da modernidade. A revolução
culminou nas mudanças políticas que na prática, já tinham acontecido na vida social e
econômica, com o surgimento da classe burguesa.
O Brasil inspirou-se nessas mesmas ideias para proclamar sua independência de
Portugal no século XIX. No entanto, a independência brasileira restringiu-se à esfera
política e se manteve a mesma estrutura socioeconômica no país, o que favoreceu a
distribuição desigual da riqueza que atualmente caracteriza o país.
Por outro lado, considera-se também que a obtenção de resultados semelhantes nos
dois estudos revela não somente as semelhanças na maneira de relacionar os dois temas
(justiça e injustiça), mas, sobretudo o sucesso da mensuração desse fenômeno no plano
ideológico e, portanto, mais estrutural, estável, universal e característico das tematas.
Método
Participantes
Participaram deste estudo alunos de psicologia de Goiânia e de Paris. Em Goiânia,
foram 129 alunos, contatados em setembro de 2007. A média de idade foi de 25,7 anos,
com desvio padrão de 8,29. A idade mínima foi de 17 anos e, a máxima, de 52 anos. A
amostra foi composta por 88,4% de mulheres e 11,6% de homens. Em Paris, foram 121
alunos, contatados em fevereiro de 2008. A média de idade foi de 22 anos com desvio
padrão de 7,5. A idade mínima foi de 17 anos e, a máxima de 53 anos. A amostra foi
composta por 83% de mulheres e 17% de homens.
Instrumento e procedimento
Os participantes responderam a um questionário composto de três partes. Na
primeira, constavam duas perguntas de evocação simples sobre os termos indutores justiça
social e injustiça social. A técnica de evocação simples tem sido utilizada para identificar os
possíveis componentes do núcleo central ou da periferia de uma representação social. Ela
consiste em solicitar dos participantes as três primeiras palavras ou expressões lembradas
após o conhecimento de um termo indutor. Vergès (1992, 1994) propõe sua análise com o
cruzamento da frequência das respostas e a rapidez com que foram proferidas, produzindo
uma tabela composta por quatro casas. Os itens com maior frequência e menor média de
ordem de citação (casa1) podem ser elementos que caracterizam o núcleo central de uma
representação. Os itens com frequência baixa, mas com alta média de ordem de citação
podem caracterizar os elementos periféricos (casa 4). E os itens das duas casas restantes
são considerados uma zona de instabilidade, nas quais as mudanças se operam.
As análises das respostas foram efetuadas utilizando o Logiciel Evocations 2000,
criado por Vergès, Scano e Junique (2002). O valor 2,0 foi adotado como referencial de
média de ordem de citação, por ser o valor médio, já que foi pedido aos participantes
três respostas. Como frequência mínima, definiu-se o valor de cinco respostas, sendo
excluídos, portanto, os itens citados menos de cinco vezes. Definiu-se também, como
frequência média, um valor equivalente à 10% do número total de participantes, o que
significa que os itens considerados com alta frequência foram citados por pelo menos
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10% da amostra. Esse valor foi definido com o objetivo de reter, na primeira casa, apenas
os elementos com o maior nível de consenso possível.
Na segunda parte do questionário, 25 itens abordavam os esquemas cognitivos de base
(SCB) (Flament & Rouquette, 2003), relativos às famílias prática, atribuição, composição
e vizinhança. Os esquemas cognitivos de base constituem um modelo teórico proposto
por Guimelli e Rouquette (1992) que parte do pressuposto estruturalista, segundo o qual
a lógica natural do sujeito social possui regularidades, ou seja, regras que determinam
operações cognitivas particulares e especificas. As operações cognitivas provavelmente
apresentam-se em número finito. Portanto, o modelo dos esquemas cognitivos de base
sugere que as relações possíveis entre dois elementos são numericamente limitadas e
propõe 28 tipos de relações possíveis (ver Sá, 1996, para informações em português).
As 28 relações aplicam-se entre dois elementos, um indutor e um induzido, e a ligação
entre eles constitui um tripé (indutor-relação-induzido). Essas relações são organizadas em
famílias distintas que representam estruturas de organização do conhecimento (Guimelli,
1994, 2003; Flament & Rouquette, 2003; Rouquette, 1994; Rouquette & Rateau, 1998).
As famílias prática e atribuição compõem o núcleo central das representações sociais,
pois formalizam os aspectos normativos e valorativos. A família prática trata das relações
entre um ator, uma ação, um objeto e um instrumento, descrevendo assim as prescrições
de práticas das representações sociais. A família atribuição corresponde às diversas
modalidades de relação de qualificação e concepção do objeto, descrevendo, dessa forma,
os valores e as relações de causa e efeito.
As demais famílias tratam da descrição do objeto e são consideradas mais
periféricas. A família vizinhança descreve o reagrupamento de elementos adjacentes
a uma classe conceitual, tais como A é uma subclasse de B. A família composição
também faz o mesmo tipo de relação, mas ela o faz com base na noção de constituinte,
tais como A é um componente de B. A família léxica descreve as relações de sinônimo,
antônimo e de definição. A última família (léxica) foi eliminada do questionário, pois
ela seria redundante em relação ao objeto aqui analisado, já que investigou-se um par
de antônimos.
Cada modalidade de relação pode ser operacionalizada por um conector, o que
possibilitou a construção de um procedimento empírico dividido em três etapas. A
seguir, descreve-se as etapas do procedimento padrão, identificando como elas foram
instrumentalizadas nesse estudo.
A primeira etapa consistiu em um procedimento de evocação simples e contínua,
no qual os sujeitos devem dar três respostas em forma de expressões verbais, com base
em um termo indutor. No questionário, incluiu-se duas questões desse tipo, uma com
o indutor justiça social e outra com o indutor injustiça social. As respostas não foram
utilizadas para determinar o termo induzido como previsto no protocolo, mas para serem
analisadas conforme a tabela proposta por Vergès (1992, 1994).
A segunda etapa consistiu na justificação das três respostas apresentadas na primeira
etapa e que tem por objetivo facilitar para o sujeito a etapa seguinte. Essa etapa foi
ignorada neste estudo, pois as três respostas apresentadas na primeira etapa não foram
utilizadas como termo induzido na etapa seguinte, como prescreve o protocolo original
da metodologia.
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A terceira etapa consiste na apresentação dos 28 conectores (que formalizam as 28
relações possíveis) do modelo para que os participantes respondam sim, não, ou talvez,
determinando assim as modalidades de relação que se aplicam a cada uma das três
respostas dadas na primeira etapa. Utilizou-se apenas 25 conectores, eliminando apenas
a família léxica, como explicado anteriormente. Definiu-se então como termo indutor a
palavra justiça e como único termo induzido a palavra injustiça.
Os estudos anteriores que tratam das relações entre duas ou mais representações
(Guimelli & Rouquette, 2004) o fazem com base na investigação dos elementos centrais
de cada representação. No entanto, neste estudo, o sujeito foi considerado como um
especialista de seu próprio conhecimento, de acordo com a proposta inicial dessa
metodologia, perguntando ao sujeito quais relações dos SCB se aplicam a uma dupla de
termos. A terceira parte do questionário refere-se aos dados demográficos: sexo, idade
e nacionalidade.
Os questionários foram respondidos individualmente em aplicação coletiva durante
as aulas. Ressalta-se que os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido e que todos os procedimentos realizados estavam de acordo com a resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
Inicialmente serão apresentados os resultados do estudo com participantes
brasileiros. Em seguida, apresentam-se os resultados franceses. Isso por que o objetivo
deste artigo não é comparar os dados dos diferentes países, nem encontrar as variantes
culturais que perpassam a relação entre a justiça e a injustiça. Pelo contrario, o objetivo
deste artigo é justamente encontrar as invariantes estruturais que resistem aos efeitos
provocados pelo contexto cultural.
Resultados do primeiro estudo – participantes brasileiros
Evocação utilizando como termo indutor a expressão “justiça social”
Como se percebe na tabela 1, construída nos moldes propostos por Vérges (1992,
1994), no primeiro quadrante aparece a palavra igualdade, caracterizada por uma
baixa ordem de evocação (range = 1,3) e por uma forte frequência (f = 41), superior
ao dobro da frequência do segundo item mais citado, a palavra respeito (f = 20).
Igualdade aparece como único item candidato a núcleo central, e representa 11% do
total de respostas retidas na tabela, o que pode indicar uma estereotipia, ou um grande
consenso em torno da igualdade como um fundamento das teorias que compõem o
pensamento social a respeito da justiça. Na casa 4, correspondente aos itens que podem
constituir a periferia da representação, há os termos direitos humanos, inclusão social,
justiça, moradia, oportunidade, paz, responsabilidade e solidariedade, que parecem
exprimir os aspectos circunstanciais, provenientes das experiências cotidianas e que
exprimem também a variabilidade intraindividual. Nas casas consideradas como zona
que contém os elementos de status ambíguos, há o termo respeito, com alta frequência
e baixa média de ordem de citação, e o termo direito, que apresenta baixa frequência
e alta média de citação.
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Tabela 1 – Evocações obtidas com base no termo indutor “justiça social” – Brasil
Ordem de citação
≤2
>2
Frequência
≥ 15
Igualdade (41; 1,3)
Respeito (20; 2,3 )
< 15
≥5
Direito (6; 1,3)
Direitos humanos (5; 2,4)
Inclusão social (5; 3,0)
Justiça (6; 2,5)
Moradia (5; 2,0)
Oportunidade (7; 2,3)
Paz (5; 2,4)
Responsabilidade (5; 2,4)
Solidariedade (6; 2,3)
Evocação utilizando como termo indutor a expressão “injustiça social”
Na primeira casa da tabela 2, há, como candidatos ao núcleo central, os termos
desigualdade e preconceito. O termo desigualdade representa 37% do total dos itens
retidos na tabela e também aparece como um fundamento do pensamento social sobre a
injustiça, que, à semelhança da igualdade em relação à justiça, exerce um papel gerador
e organizador no plano ideológico, como descreve Doise (2002). Os termos da casa 4,
corrupção, desemprego, fome e racismo, parecem expressar as aplicações circunstanciais
que coincidem com os aspectos periféricos da representação. Os termos das casas 2 e 3
também parecem exprimir aplicações circunstanciais, frutos da experiência cotidiana dos
indivíduos, como a violência, o desrespeito, a discriminação, a miséria e a pobreza.
Tabela 2 – Evocações obtidas com base no indutor “injustiça social”- Brasil
Ordem de citação
≤2
>2
Frequência
≥ 15
Desigualdade (32; 1,6)
Preconceito (33; 1,9)
Violência (16; 2,1)
< 15
≥5
Desrespeito (9; 1,3)
Discriminação (13; 1,7)
Miséria (7; 1,6)
Pobreza (12; 1,4)
Corrupção (10; 2,5)
Desemprego (7; 2,0)
Fome (12; 2,0)
Racismo (5; 2,0)
Há uma indicação da existência de relação de antônimos entre as representações de
justiça e injustiça social, semelhantes à relação entre segurança e insegurança, descrita
por Guimelli e Rouquette (2004). Em uma análise qualitativa, a igualdade faz parte do
suposto núcleo central de justiça social e a desigualdade, do suposto núcleo central de
injustiça social.
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Esquemas Cognitivos de Base (SCB)
Cálculo das valências do SCB
O cálculo das valências tem por objetivo verificar a multiqualificação das relações
de um elemento em referência aos outros elementos de uma mesma representação
social. Portanto, foi utilizado para a identificação dos elementos do núcleo central. No
entanto, neste estudo, utiliza-se o cálculo das valências para identificar o tipo de relação
predominante entre dois elementos de uma temata. Foi aplicada a fórmula padrão para
cálculo de valências parciais, conforme a descrição de Flament e Rouquette (2003): V=
número de respostas “sim” /zN (somatória das respostas “sim”, z = número de conectores
em questão, n = número de participantes)
Com base nesse cálculo, obtém-se a valência total que varia entre zero e um. Essa
valência mede o número de conexões diferentes entre os elementos, e quanto mais próximo
de zero, menos modalidades de relações se aplicam entre os elementos, aproximando-se
do pensamento lógico formal.
Nesse caso, ocorre uma valência total igual a 0,38, o que significa que poucas
modalidades de relação se aplicam à relação entre os elementos justiça e injustiça,
confirmando uma certa determinação lógica e racional dos tipos de modalidades que se
aplicam entre esses dois elementos. Também foi realizado o cálculo das valências parciais,
conforme a mesma fórmula aplicada separadamente a cada família dos SCB (tabela 3).
Em seguida, realizou-se uma Anova entre as valências parciais, que indicou que existe
uma diferença global entre as valências.
Tabela 3 – Valências parciais da relação entre os elementos justiça e injustiça- Brasil
Brasil
Valência atribuição
0,28
Valência prática
0,46
Valência descrição
0,33
F(2,252) = 32.877, p.<0,001
A valência da família prática (0,46) é superior a todas as demais valências das
famílias, indicando a prevalência de uma relação funcional entre os elementos dessa
oposição temática. Portanto, a relação entre esses polos temáticos é ligada à prescrição
de práticas, subentendidas nas noções de ator, ação, objeto e ferramenta, que podem
intuitivamente ser descritas como um ator que pratica uma ação sobre um objeto, utilizando
uma ferramenta (Flament & Rouquette, 2003).
Os dois itens do questionário (SCB) com maior porcentagem de respostas sim,
exemplificam bem essa relação funcional: “A justiça designa uma ação que nós podemos
ter em função da injustiça” (63% de respostas positivas); “A justiça é uma ferramenta
que nós utilizamos sobre a injustiça” (66% de respostas positivas). No primeiro caso, a
justiça é uma ação praticada sobre um objeto e, no segundo, a justiça é uma ferramenta
utilizada sobre um objeto. Em ambos os casos, o objeto é a injustiça.
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Resultados do segundo estudo – participantes franceses
Evocação utilizando como termo indutor a expressão “justiça social”
Tabela 4 – Evocações obtidas a partir do indutor “justiça social” – França
Ordem de citação
≤2
>2
Frequência
≥ 15
Igualdade (18;1,4)
< 15
≥5
Direito (7; 1,4)
Equidade (9;1,5)
Leis (5;1,4)
Divisão (5;1,60)
Respeito (6;1,33)
Utopia (1,50)
Na primeira casa da tabela 4, ocorre apenas a palavra igualdade (égalité) que é o
único suposto elemento do núcleo central. Esse termo representa 34,4% das palavras
retidas na tabela. No entanto, na quarta casa, onde supostamente estariam os elementos
periféricos, nada foi retido. Somente na casa 3, caracterizada por abrigar os elementos
instáveis, encontram-se os itens direito, leis, divisão, respeito e utopia (droit, éqüite, lois,
partage, respect e utopie).
Evocação utilizando como termo indutor a expressão “injustiça social”
Tabela 5 – Evocações obtidas a partir do indutor “injustiça social” – França
Ordem de citação
≤2
>2
Frequência
≥ 15
Inégalité (14;1,5)
Discrimination (13;1,2)
< 15
≥5
Pauvreté (10;1,10)
Racisme (5;1,2)
Na tabela 5 ocorre novamente uma estereotipia centralizada no tocante ao termo
desigualdade (inégalité), que representa 33,3% dos termos retidos na tabela 5. Em seguida
aparece no núcleo o termo discriminação. Na casa 3 aparecem somente os termos pobreza
e racismo (discrimination, pauvreté e racisme). Apenas quatro termos foram retidos na
tabela. O conjunto de dados referentes aos dois indutores justiça e injustiça pode indicar
uma estereotipia semelhante e ainda mais acentuada que as mesmas representações dos
participantes brasileiros.
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Cálculo das valências do SCB
Calculou-se a valência total a fim de verificar a multiqualificação das relações
entre os elementos, de acordo com a fórmula padrão para cálculo de valências parciais
conforme a descrição de Flament e Rouquette (2003).
Ocorre uma valência total igual a 0,45, evidenciando certa determinação lógica e
racional dos tipos de modalidades que se aplicam entre esses dois elementos. O cálculo
das valências parciais também foi realizado, conforme a mesma fórmula aplicada
separadamente a cada família dos SCB (tabela 6).
Tabela 6 – Valências parciais das relações entre os elementos justiça e injustiça – França
França
Valência atribuição
0,41
Valência prática
0,50
Valência descrição
0,41
F(2,240) = 9,05, p<0,002
Percebe-se uma predominância da valência prática em relação às duas outras
valências, indicando que a relação entre a justiça e a injustiça é feita de maneira funcional
pelos participantes franceses. O resultado da Anova confirma a validade das diferenças
globais obtidas. Foi feito um teste post hoc (HSD Turkey) que confirma a diferença da
valência prática em relação às outras duas valências, que são iguais.
Novamente vamos utilizar o exemplo dos dois itens mais frequentes para ilustrar
essa relação funcional: “A justiça é uma ferramenta que podemos utilizar sobre a injustiça
(La justice est un outil que l’on peut utiliser pour l’injustice, 87% de respostas positivas);
“A justiça é uma ação aplicada à injustiça. (La justice a une action sur l’injustice, 76% de
respostas positivas). No primeiro caso, a justiça é uma ferramenta, e no segundo, ela é uma
ação. Em ambos os casos, no entanto, ela é aplicada sobre um objeto que é a injustiça.
Discussão
Os resultados dos participantes brasileiros e franceses foram bastante congruentes,
apontando para uma relação entre os dois polos opostos da temata justiça e injustiça
caracterizada por uma relação de antônimos.
A relação de antônimos, descrita por Guimelli e Rouquette (2004), apresenta a
oposição léxica entre um ou mais elementos do núcleo central. Os resultados das evocações
demonstraram uma estereotipia em relação ao elemento igualdade no caso do indutor
justiça social, e uma estereotipia em torno do elemento desigualdade, no caso do termo
indutor injustiça social. As estereotipias mostraram-se mais acentuadas nos participantes
franceses, mas também foi evidente nos participantes brasileiros.
A estereotipia dos respectivos núcleos centrais é caracterizada por uma grande
diferença entre o primeiro e o segundo item mais citado e com menor média de ordem de
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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citação na tabela de Vérgès (1992, 1994). Isso significa que existe um nível de consenso
em relação ao primeiro item, que esvazia o núcleo central da presença de outros elementos.
Neste caso, a estereotipia pode ser um sinal do caráter normativo e consequentemente
socioafetivo das representações sociais concernentes. Segundo Deschamps e Guimelli
(1994), as representações sociais podem possuir objetos mais intensamente impregnados
de aspectos afetivos. A justiça e a injustiça provavelmente fazem parte deste tipo de objeto
social, carregado de afetividade, e que portanto parecem noções vazias de significado,
dando a impressão de conhecimentos intuitivos, difíceis de explicar ou definir. Essa
estereotipia poderia ser mais bem esclarecida em futuros estudos sobre os aspectos
socioafetivos das representações sociais da justiça e da injustiça.
Essa relação de oposição pode ser considerada como uma relação entre duas tematas
que organizam um campo do conhecimento social. As duas tematas, justiça-injustiça
e igualdade-desigualdade, possuem raízes históricas profundas, parecem universais e
muito antigas. No entanto, a relação entre elas pode ser fruto das ideias igualitaristas do
século XVIII. Provavelmente essa organização temática serve como uma rede de leitura
da realidade cotidiana de tal forma que, quando as pessoas avaliam o caráter justo ou
injusto de uma situação, elas utilizam como critério a igualdade ou desigualdade, por
exemplo, na distribuição de recompensas.
Os resultados demonstram uma prevalência funcional na relação entre justiça e
injustiça, congruentes nos participantes do Brasil e da França. Se a justiça e a injustiça
forem consideradas como valores caracteristicamente ideológicos, percebe-se que,
teoricamente, elas se enquadram entre os elementos normativos das representações
sociais. No entanto, os resultados apontam uma relação funcional entre eles. Segundo
Moliner (1994), os elementos do núcleo central das representações sociais possuem
duas especificidades; um caráter avaliativo e um caráter funcional. O caráter avaliativo
refere-se aos julgamentos e pode ser medido pela valência atribuição, pois seus
conectores tratam de aspectos predicativos, normativos, ou à apreciação subjetiva de
causalidade. Pode-se dizer que o caráter avaliativo das representações sociais aparece,
sobretudo, em formas de valores, de normas, e de crenças. O caráter funcional refere-se
à caracterização da ação e pode ser medido pela valência prática (Flament & Rouquette,
2003). Mediante a análise dos itens com maior porcentagem de respostas afirmativas,
percebe-se que a injustiça é compreendida como um objeto que sofre a ação da justiça,
ou como um objeto sobre o qual se utiliza a justiça como ferramenta. Neste sentido
Flament e Rouquette (2003) afirmam que uma relação funcional pode também ter o
sentido de uma premeditação de respostas possíveis dentro de uma situação dada.
Esse sentido retira a relação funcional de seu aspecto concreto e acrescenta um sentido
mais abstrato relacionado a planificação de uma ação. Nesse caso, tem-se uma espécie
de “instruções de uso” que determina que a justiça é algo a ser utilizado em casos de
injustiça.
As semelhanças entre os resultados dos participantes brasileiros e franceses indicam
uma relação bem estruturada e resistente às diferenças socioeconômicas e culturais,
entre os dois opostos da temata justiça-injustiça. Os resultados corroboram a teoria de
Moscovicci e Vignaux (1994), que caracteriza as tematas como ideias de amplitude
ideológica, que possui pouca variabilidade intergrupal ou intercultural.
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Referências
Assmar, E. M. E. (2000). A Psicologia Social e o estudo da justiça em diferentes níveis
de análise. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(3), 1-12.
Doise, W. (2002). Da psicologia social a psicologia societal. Psicologia: Teoria e Pesquisa,
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_____________________________________
Recebido em outubro de 2008
Aprovado em dezembro de 2009
Lila Maria Spadoni: Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade Católica de Goiás/UCG);
Doutora em Psicologia (Université René Descartes/Paris). Pesquisadora no Laboratoire de Psychologie
Environnementale.
Ana Raquel Rosas Torres: Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade Federal da Paraíba); Doutora em
Psicologia (University of Kent at Canterbury/Reino Unido). Professora titular da Universidade Católica de
Goiás (UCG).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
96
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.97-110, jan./abr. 2010
Investigação do grau de tolerância à frustração
em presidiários
Elizelma Ortêncio Ferreira
Cláudio Garcia Capitão
Resumo: Este trabalho objetivou avaliar o tipo de reação à frustração e os sentimentos agressivos
em presidiários. Verificou-se, também, a relação de dependência entre o tipo de delito (furto, roubo,
sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e o construto agressividade, por meio do teste de Frustração
de Rosenzweig (PF). O instrumento foi aplicado em 125 presidiários de uma penitenciária de
segurança máxima do interior de São Paulo. Pode-se dizer que a maioria dos sujeitos, em situações
de frustrações, expressa mais seus sentimentos agressivos e tendem a atribuir a culpa ao outro.
A análise de variância ANOVA indicou que os indivíduos que cometeram furto reprimem menos
a agressividade em situações de frustração, quando comparados àqueles que não cometeram tal
delito. Pelos resultados obtidos, entende-se que a pesquisa atingiu os objetivos estabelecidos ao
encontrar pouca tolerância à frustração na amostra de presidiários, principalmente para o grupo de
delito furto, isto considerando os vários tipos de delitos.
Palavras-chave: tolerância à frustração; avaliação psicológica; presidiários.
Investigation of the degree of tolerance to frustation in prisioners
Abstract: The present work was aimed at evaluating the kind of reaction to frustration and the
aggressive feelings of prisoners. In addition, it was checked as well the relation of dependence
between the kind of offense (theft, robbery, kidnapping, homicide, hold-up and others) and the
aggressiveness construct through the Rosenzweig Frustration Test (PF). The instrument was applied
to 125 prisoners of a top-security prison in São Paulo state countryside. It is possible to affirm that the
majority of these men, under frustration situations, express more intensely their aggressive feelings
and tend to attribute their fault toward the other. The ANOVA variance analysis has indicated that
the individuals who committed theft repress in a lesser way their aggressiveness under frustration
circunstances, when compared with the ones that have not committed such offense. Based on the
results attained, one can deduct that the research has accomplished the established objectives by
finding scarce tolerance to frustration in the sample of prisoners, mainly for the theft offense group,
considering the entire array of offenses.
Keywords: tolerance to frustration; psychological evaluation; prisoners.
Introdução
Tolerância à frustração
Há várias teorias que tratam da capacidade de tolerar frustração. Interessa-nos, neste
momento, a que diz ser inata a capacidade de tolerar frustração, tendo a mãe o importante
papel de continente das angústias e provedora das necessidades básicas do bebê. Nessa
teoria, a formação do pensamento tem como ponto de partida a frustração de algumas
necessidades básicas que são impostas ao bebê, num processo em que o essencial é a
menor ou maior capacidade do bebê tolerar o ódio resultante de frustrações. Quando a
Aletheia 31, jan./abr. 2010
97
capacidade para tolerar frustração é suficiente, a experiência se torna um elemento do
pensamento e se desenvolvem formas para pensá-la. E ao contrário, se a capacidade
para tolerar frustração for insuficiente, a experiência é internalizada como algo mau que
deve ser evadido e expulso. A evasão e expulsão desse algo mau são feitas por meio de
agitação motora na criança, e no adulto por meio de atuações (Bion, 1991).
Klein (1975), Nogueira (2001) e Winnicott (1999) sugerem que as exposições
frequentes e intensas a experiências de frustração despertam reações, como a angústia.
A angústia é uma reação que comporta uma ação defensiva, geralmente acompanhada
de sentimentos hostis e agressivos, conforme a intensidade e a quantidade de tensão
existente na fantasia inconsciente.
Rosenzweig (1944, 1948) faz referência à agressão como sendo apenas uma das
respostas alternativas numa situação de frustração. Para o autor existem dois tipos de
frustração. A frustração primária ou privação é caracterizada pela quantidade de tensão
e insatisfação subjetiva, em decorrência da ausência de uma situação final essencial à
satisfação da necessidade ativa. A secundária é constituída pela presença de obstáculos ou
dificuldades no caminho que conduz à satisfação de uma necessidade. De modo especial,
o autor se refere ao segundo tipo ao definir frustração como sendo todas as vezes que o
organismo se depara com um obstáculo ou dificuldade, mais ou menos intransponível,
no caminho que o conduz à satisfação de qualquer necessidade vital.
Outra formulação importante na teoria geral de frustração de Rosenzweig
(1944) é a de tolerância à frustração, que se define pela atitude da pessoa suportar
frustração sem perder sua adaptação psicológica, em outras palavras, sem recorrer a
tipos de respostas inadequadas. Essa formulação abrange o fenômeno da adaptação
em seu conjunto e implica também a existência de diferenças individuais nas situações
de tolerância à frustração. Essas diferenças estão relacionadas com a gravidade da
pressão e também com características da personalidade da pessoa. A tendência para
avaliar negativamente, para desconfiar ou suspeitar de outros pode influenciar na baixa
tolerância à frustração.
Os fatores determinantes da tolerância à frustração são somáticos e psicológicos. Dos
somáticos, fazem parte os fatores constitucionais e hereditários (variações nervosas, etc.) e
elementos somáticos adquiridos (fadiga, enfermidade física, etc.); os fatores psicológicos
são determinados pela evitação e proteção às situações frustrantes na primeira infância,
o que incapacita a pessoa para mais tarde responder adequadamente a uma frustração.
Por outro lado, o excesso de frustração contribui para criar zonas de pouca tolerância
à frustração, porque compele a criança a usar defesas do ego que poderão inibir seu
desenvolvimento posterior (Rosenzweig, 1944).
O organismo pretende em situações de frustração restaurar seu funcionamento
integrado, restabelecendo seu equilíbrio. Nesse sentido toda a resposta à frustração
é adaptativa, mas, sob o ponto de vista psicológico, nem sempre essas respostas são
adequadas, sendo adequadas, quando há predominância de respostas com as tendências
progressivas da personalidade mais do que com as regressivas. Considerando-se respostas
regressivas aquelas que ligam a pessoa indevidamente ao passado, e interferem nas suas
reações posteriores. Essas respostas são menos adequadas, tendo em vista que não deixam
a pessoa livre para enfrentar as situações novas (Rosenzweig 1944).
98
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Para Dewald (1972), os criminosos que não manifestam sentimento de culpa
parecem que não internalizaram um conjunto de valores morais dos quais pudessem
dispor como repertório de autocontrole. Tal configuração ocorre principalmente quando as
funções do superego permanecem exteriorizadas e não implicam em conflito intrapsíquico.
Os criminosos podem mostrar seus conflitos de distintas formas, ligadas a condutas
antissociais (roubo, vício, etc.), em vez de experimentá-los como estados subjetivos de
conflito, acompanhado de mal estar interno.
Winnicott (1989) explica que a tendência para a conduta antissocial é a redescoberta
da própria agressividade, aspecto inerente à existência do self verdadeiro, o autêntico
eu interior. A conduta antissocial aparece como sinal de esperança e está intimamente
relacionada a uma privação, situação essa ligada a um fracasso específico. O roubar, por
sua vez, além de relacionar com um sentimento de privação, que ocorreu muito antes
da explosão agressiva, significa que a pessoa está buscando a capacidade de encontrar
objetos, e não apenas procurando um objeto.
Quanto à compreensão do funcionamento dinâmico do ato delinquente, Costa
(1986), Winniccot (1999) apontam que este pode expressar a esperança de resgatar
aspectos perdidos do self primitivo, não descobertos ou não integrados ao verdadeiro
self. Em outras palavras, um sentimento de ser querido como se é, uma condição de
acolhimento que possibilita à pessoa sentir-se única. Por meio das atitudes antissociais
as pessoas expressam seu apelo inconsciente como expressão de dor. Dor ocasionada
pelo abandono, desamparo, carência, miséria, desprezo e ameaça de aniquilação de si
mesmo, ou sentimento de autoestima, cuja exclusão aniquila o sentimento de pertencer,
de fazer parte do grupo social.
Adorno (2002) chama a atenção para o fato de que 11,7% de todos os registros
referiam-se a lesões corporais resultantes de agressões, uma proporção três vezes maior
do que o porte ilegal de armas e o consumo e tráfico de drogas. Há relações estreitas entre
o crime violento e o crime organizado, o que é considerado inclusive, uma tendência
mundial. O autor destaca as imagens veiculadas pela mídia impressa e eletrônica que
mostram cenários dramáticos de adolescentes audaciosos e violentos, destituídos de
quaisquer freios morais, frios e insensíveis, que não hesitam em matar. Não é raro a opinião
pública ser surpreendida com a notícia de homicídio praticado por um adolescente no
curso de um roubo. Esses fatos reforçam preconceitos contra segmentos da população
urbana. Ressalta ainda o crescente número de pessoas que vêm violando as leis penais,
entre as quais há elevada proporção de crianças e de adolescentes.
Cabe ao profissional de psicologia avaliar a condição psicológica de pessoas que
violaram as leis penais, no contexto jurídico. Nesse contexto, os testes mais utilizados em
atividades de parecer criminológico são as técnicas projetivas. O termo técnica projetiva
expressa a forma pela qual o indivíduo estabelece contato com a realidade interna e
externa. Essa técnica surgiu na escola suíça de Psicanálise e seu precursor foi o Teste de
Associação de Palavras de Jung, em 1904. Uma expressiva parte das técnicas projetivas
atualmente utilizadas como instrumentos de avaliação psicológica foi baseada inicialmente
na teoria psicanalítica (Güntert, 2000).
Tratando-se de instrumentos psicológicos projetivos que avaliem a tolerância à
frustração, o Teste de Frustração de Rosenzweig (PF) é um instrumento em que o sujeito é
Aletheia 31, jan./abr. 2010
99
colocado diante de uma situação supostamente frustradora. A resposta é analisada e pode
ser classificada na direção da agressão como extrapunitiva, intrapunitiva e impunitiva,
e no tipo de reação do sujeito, a saber: predominância do obstáculo, defesa do ego e
persistência da necessidade.
Rosenzweig (1948) comparou delinquentes e não delinquentes com o objetivo de
verificar a predominância de respostas nos dois grupos. A amostra foi composta de 250
delinquentes e 250 não-delinquentes. Ele observou uma predominância de respostas na
categoria intrapunitiva, o que significa agressividade direcionada para si próprio, para o
grupo “não-delinquentes”, enquanto a categoria extrapunitiva, agressividade direcionada
ao ambiente, ou outro, predominou nas respostas do grupo “delinquentes”. Ele concluiu
que uma resposta de agressão depende do jogo de um conjunto de fatores que se prendem
com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos
controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.
Rocha (1976) comparou 60 delinquentes e 60 não-delinquentes do sexo masculino
na cidade de Porto Alegre, de acordo com a delinquência. O resultado desse trabalho
mostrou que os não-delinquentes manifestam maior agressividade do que os delinquentes.
A delinquência não estaria relacionada com o grau de agressividade do indivíduo, mas sim
com a falta de controle sobre os impulsos, inclusive os agressivos. Assim, a agressividade
não é apenas uma característica do comportamento delinquente, mas também do nãodelinquente.
Souza (1990) examinou o comportamento agressivo na sua condição potencial
hereditária e na ação manifesta provocada pelo ambiente. No intuito de investigar
o construto agressividade, utilizou os testes Desenho da Figura Humana (DFH),
Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) e o PF. O mesmo autor pretendia ainda construir
uma escala de agressividade a partir dos resultados encontrados. Sua pesquisa constou
de três grupos de mulheres culturalmente diferenciados. O primeiro grupo foi composto
de 30 menores infratoras, o segundo de 25 noviças de duas ordens religiosas, e o terceiro
de 30 estudantes universitárias do curso de psicologia. A aplicação foi coletiva para os
testes DFH e PF, e individual para o PMK. Dos resultados obtidos apenas a variável
extrapunitividade discriminou os grupos. Os resultados encontrados impossibilitaram a
construção de uma escala de sinais identificadores de agressividade.
Cabral e Stangenhaus (1992) analisaram características de 62 presidiários
comparando-as com as características de 50 pessoas de um grupo controle. Utilizaram
como método uma anamnese-questionário, que constava questões fechadas (sim ou
não) e abertas. Foram encontradas, nos presidiários, características de personalidade
relacionada a pouco controle da agressividade aliada a uma baixa tolerância à frustração.
Características essas que esses e outros autores (Harth, Mayer & Linse, 2004) descreveram
como personalidade antissocial e boderline.
Guillaume e Proulx (2002) compararam características de personalidade de 16
criminosos violentos descritos como boderlines, com 18 criminosos violentos descritos
como narcisistas. Os resultados das análises mostraram que o grupo de criminosos
boderlines apresenta problemas relacionados ao uso de drogas e álcool, como também
usam mais agressão física no curso de assalto, enquanto que os criminosos narcisistas
aparentemente possuem um maior controle da agressividade.
100
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Para se avaliar o grau de tolerância à frustração de presidiários, utilizou-se neste
estudo uma técnica denominada por Tabachinick e Fidell (1996) Análise de Perfis de
Medidas Repetidas. Tal técnica consiste num tipo de tratamento de dados que consiste de
uma especificidade da análise de variância Multivariada. Essa análise procura responder
se o perfil de médias em um conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento)
é diferente para grupos distintos. O efeito da variável, Fatores, desempenha um papel
fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no modelo possibilita reduzir
a variância de erro, uma vez que, sendo significativo, explicaria uma parcela da variância
removendo-a do montante de erro e implementando o poder estatístico do teste.
A análise de medidas repetidas preserva a independência dos grupos, mesmo
quando um mesmo sujeito pertencer a vários grupos simultaneamente, ou seja, um mesmo
respondente pode ter cometido vários tipos de delitos que a independência dos grupos
serão mantidas. Além disso, tal análise procura-se compensar o problema de inflar o erro
tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na comparação das médias dos grupos
em várias medidas dependentes (Hair, Anderson, Tatham & Black, 1995).
Diante das poucas pesquisas que tratam de avaliar a tolerância ou intolerância
à frustração, o presente estudo objetivou verificar o tipo de reação à frustração em
presidiários, bem como verificar a relação de dependência entre o tipo de delito (furto,
roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros) e a direção da agressão, por meio do PF.
Hipotetizou-se dos presidiários que cometeram o delito roubo, furto, sequestro e latrocínio
um maior número de respostas extrapunitivas no Teste de Frustração de Rosenzweig. Tal
instrumento, não só no âmbito da pesquisa, pode vir a ser de grande utilidade como mais
um recurso de avaliação psicológica no contexto prisional.
Método
Amostra
Compôs a amostra do presente estudo 125 presidiários, do sexo masculino,
estudantes do ensino fundamental e médio. A faixa etária dos participantes variou de 19
anos a 46 anos (M = 29 anos e 8 meses; DP = 6 anos e 4 meses). A maior concentração
de faixa etária foi entre 26 e 30 anos, e apenas 1 sujeito tinha mais de 45 anos. No que se
refere a estado civil, do total de participantes, 53 vivem em união estável, 48 são solteiros
e 24 não informaram.
Quanto à escolaridade, dos 125 participantes, 114 não terminaram o primeiro grau
(91,2%) e apenas um sujeito, solteiro, apresenta ensino médio completo (0,8%). Dos 53
(42,4%) sujeitos que vivem em união estável, 50 (40%) possuem ensino fundamental
incompleto, assim como, dos 48 (38,4%) participantes solteiros, 42 (33,6%) apresentam
ensino fundamental incompleto.
Instrumento
Foi utilizado o PF – Teste de Frustração de Rosenzweig (Rosenzweig, 1944), que
propõe explorar as reações do indivíduo frente a situações de frustração, tendo como
Aletheia 31, jan./abr. 2010
101
fundamento a teoria geral da frustração. A edição para adultos é chamada The Rosenzweig
P. F. Study, Form for Adults, datada de 1944 e revisada em 1948. Uma adaptação francesa
foi realizada em 1951.
O teste é composto por desenhos de caráter uniforme que lembram histórias em
quadrinhos, como estímulos, a fim de favorecer a identificação por parte do indivíduo; as
respostas dimensão e alcance do instrumento são limitados. O instrumento compreende
uma série de 24 desenhos, representando, cada um, dois personagens colocados em uma
situação de frustração do tipo comum. A situação do desenho consiste em o personagem
da esquerda pronunciar algumas palavras que descrevem a frustração do outro indivíduo
ou a sua própria. A pessoa da direita tem acima dela um quadro vazio, destinado a receber
suas palavras. Os traços e a mímica dos personagens no desenho foram sistematicamente
negligenciados, para favorecer a identificação de quem vai responder com o personagem.
O teste se destina a adultos e adolescentes (Rosenzweig, 1944).
As respostas dadas pelos indivíduos, em cada uma das situações do teste, são
classificadas em duas categorias, que compreendem respectivamente direção e tipo de
agressão. A direção da resposta indica para onde a agressão é direcionada pelo indivíduo
quando frustrado e é subdividida em três subcategorias de respostas, ou seja, extrapunitiva
(E), na qual a agressão é dirigida para o exterior. Nesse caso, algo ou alguém é culpado pelo
indivíduo ter sido frustrado. Intrapunitiva (I), na qual a agressão é dirigida para o próprio
indivíduo e resposta impunitiva (M), em que a agressão é evitada e a situação frustrante
é descrita como sem importância, sem culpa, ou como suscetível de ser melhorada, isto
é, o indivíduo se contenta em esperar que tudo melhore ou, então, conforma-se com o
problema (Moura & Pasquali, 2006).
O tipo de reação manifesta pelo indivíduo indica como ele impulsiona ou mantém
a sua agressão, o que determina o tipo de sua ação em resposta a estímulos externos.
Observa-se, ainda, que o tipo de reação se divide nas categorias de tipo de dominância do
obstáculo (O-D), no qual o obstáculo que causa a frustração é mencionado e enfatizado
pelo sujeito; tipo de defesa do ego (E-D), em que o indivíduo lança a culpa sobre outrem
ou aceita a responsabilidade ou, ainda, declara que a responsabilidade da situação não cabe
a ninguém, e tipo de persistência da necessidade (N-P), quando a tendência da resposta
é dirigida para a solução do problema inerente à situação frustradora. A combinação
das seis categorias (três direções com os três tipos de agressão) produz nove fatores que
permitem a avaliação da tolerância à frustração (Rosenzweig, 1944).
As respostas de dominância do obstáculo são convencionalmente designadas por
E’, I’ e M’; as de defesa do ego por E, I e M; e as de persistência de necessidade, por e,
i e m.
A cotação da maioria das respostas necessita de apenas um único fator. Para cotação
de dois fatores é necessário que haja na resposta dada pelo individuo duas frases ou
proposições distintas.
Procedimentos
O contato inicial com os sujeitos ocorreu por meio de entrevista coletiva, com o
objetivo de estimular a aceitação do estudo, com explicações sobre o mesmo. Nessa
oportunidade foi entregue, para assinatura, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
102
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Foi destacado aos participantes que as informações obtidas seriam sigilosas. As entrevistas
ocorreram no horário das aulas de português e matemática, e foram necessárias 7
entrevistas. Cada entrevista durou aproximadamente 30 minutos.
Num segundo momento, procedeu-se à aplicação dos instrumentos. A aplicação do
instrumento foi coletiva, com subgrupos de aproximadamente 20 sujeitos, e em cada dia
ocorreu apenas uma aplicação do PF, com duração de aproximadamente de uma hora.
Resultados
Para a categoria delitos foram considerados 124 participantes visto que não se obteve
o tipo de delito que um sujeito praticou. Também houve uma sobreposição de delitos para
um mesmo sujeito. Adotou-se, para tanto, o critério de considerar um mesmo sujeito em
várias categorias de delitos. Na Tabela 1 segue a distribuição da frequência dos resultados
brutos e porcentagens dos delitos furto, roubo, sequestro, homicídio, latrocínio e outros
(a categoria outros inclui porte ilegal de armas, receptador de materiais roubados e tráfico
de drogas), entre os participantes.
Tabela 1 – Frequência e percentual dos delitos
Delitos
Apresenta
Não apresenta
Furto
18
14,5%
106
85,5%
Roubo
81
65,3%
43
34,7%
Sequestro
3
2,4%
121
97,6%
Homicídio
35
28,2%
89
71,8%
Latrocínio
11
8,9%
113
91,1%
Outros
53
42,7%
71
57,3%
Total de delitos
201
543
Obtiveram-se 201 delitos dos 124 sujeitos. Sendo o roubo o delito mais cometido,
enquanto que o crime menos evidenciado foi sequestro.
O teste PF, conforme já mencionado, é um instrumento projetivo que se constitui
de 24 situações para a qual o sujeito pode dar de uma a três respostas. As respostas são
classificadas quanto à direção da agressão e tipo de reação. Neste estudo obteve-se o
máximo de duas respostas por situação, ou seja, duas frases numa mesma situação do
teste, e as estatísticas foram realizadas com o auxílio do programa SPSS. Primeiramente
é apresentada a estatística descritiva das respostas referente à direção da agressão e, em
seguida, sua frequência (Tabela 2).
Aletheia 31, jan./abr. 2010
103
Tabela 2 – Estatística descritiva das respostas em relação a direção da agressão.
N
Mín
Máx
M
DP
Extrapunitiva
125
0
20
8,52
4,16
Intrapunitiva
125
0
10
4,88
2,01
Impunitiva
125
0
13
5,84
2,60
Como mostra a Tabela 2, o fator extrapunitividade apresentou a maior média de
respostas, obtendo o máximo de 20 respostas das 24 situações do teste PF e também
o maior desvio-padrão. Observou-se, seguindo o mesmo critério, menor média para
intrapunitividade com no máximo 10 respostas.
Na Tabela 3, pode-se visualizar o total de respostas dadas nas 24 situações do
teste, multiplicadas pelo número de participantes. As respostas obtidas com mais de uma
frase e com conotações diferentes para direção da agressão, foram computadas como
combinações de fatores, a saber: duas frases extrapunitivas, duas intrapunitivas, duas
impunitivas, uma impunitiva e outra extrapunitiva).
Tabela 3 – Frequência dos fatores (Extrapunitivo, Intrapunitivo, Impunitivo e combinações) do PF (n=124).
Fatores
Respostas
Porcentagem (%)
Extrapunitivo
1065
35,8
Intrapunitivo
610
20,5
Impunitivo
730
24,6
Combinação de fatores
568
19,1
Total
2973
100
Nota-se que do total de 2973 respostas 1065 foram extrapunitivas. E ao contrário,
o menor número de respostas para a combinação de fatores. A Tabela 4 apresenta as
estatísticas descritivas das respostas considerando o tipo de reação às situações de
frustração no PF.
Tabela 4 – Estatística descritiva das respostas considerando o tipo de reação à frustração no PF.
N
Mín
Máx
M
DP
Dominância do Obstáculo (OD)
124
0
6
3,03
1,44
Defesa do Ego (ED)
124
0
19
10,95
3,32
Persistência da Necessidade (NP)
124
0
12
5,27
2,35
Observa-se que o tipo de reação defesa do ego obteve a maior média de respostas
com o máximo de 19 respostas das 24 situações do teste PF. Nota-se menor média para
dominância do obstáculo com no máximo 6 respostas. Na Tabela 5 pode-se observar o
104
Aletheia 31, jan./abr. 2010
total de respostas de 124 sujeitos, considerando-se o tipo de reação diante de situações
de frustração.
Tabela 5 – Frequência dos fatores (Dominância do Obstáculo, Defesa do Ego, Persistência da Necessidade e
combinações dos fatores de reação) do PFT (n=124).
Fatores
Respostas
Porcentagem (%)
OD
379
12,7
ED
1369
46,0
NP
659
22,2
Combinação de Fatores
566
19,1
Total
2973
100
Nota-se que do total de 2973 respostas 1369 foram respostas de Defesa do Ego e
também o menor número de respostas para combinação de fatores.
Análises de variância
Para investigar diferenças entre sujeitos que praticaram distintos tipos de delitos
em relação ao tipo de reação e direção da agressão quando frustrados, foi efetuada a
Análise de Perfis de Medidas Repetidas, que consiste de uma especificidade da análise
de variância Multivariada. Essa análise procura responder se o perfil de médias em um
conjunto de medidas (parte intrassujeitos do delineamento) é diferente para grupos
distintos (Tabachinick & Fidell, 1996).
Entende-se que os itens de certo fator propõem afirmações de um tema específico
que requerem do sujeito uma resposta indicando sua concordância com as afirmações.
Desse modo, o que se está medindo, ou seja, a variável dependente, é a concordância com
as afirmações propostas; e os escores dos participantes nos três fatores representam seu
perfil de concordância em relação aos três temas propostos. Assim, essa análise de perfil
procura investigar até que ponto o perfil dos grupos de sujeitos definidos em função de
uma variável qualquer é distinto.
Nesse caso, possuiu dois grupos determinados em razão da presença ou ausência
de determinado delito, nos quais foram comparados os três fatores do PF. A análise
empregada, portanto, foi a MANOVA 2X3, tendo como variáveis independentes
o tipo de delito e dependentes os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo.
Empregando essa análise procurou-se, prioritariamente, verificar até que ponto existe
interações significativas entre os fatores referidos e o tipo de delito. Tais efeitos, ao serem
significativos, indicam que os perfis de médias nos fatores do PF dependem do subgrupo
que está sendo considerado.
O efeito da variável Fatores do PF, embora não seja alvo de interesse teórico,
desempenha um papel fundamental do ponto de vista estatístico, já que sua inclusão no
modelo possibilita reduzir a variância de erro, uma vez que, sendo significativo, explicaria
uma parcela da variância removendo-a do montante de erro e implementando o poder
do teste estatístico.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
105
Outra razão pela qual se optou por essa análise reside no fato de que o mesmo
respondente pode ter cometido mais de um tipo de delito. Assim, sem esse tratamento
especial dos dados, a independência dos grupos pode ser violada, inviabilizando
essa comparação da forma como se pretende. Além disso, procurou-se compensar
o problema de inflar o erro tipo I, que advém ao se fazer uma série de provas t na
comparação das médias dos grupos em várias medidas dependentes (Hair, Anderson,
Tatham & Black, 1995).
Para realizar a análise de variância, foram transformados os resultados brutos em
escores-padrão t. As notas t foram usadas, visto que são transformações lineares dos
escores brutos com uma média 50 e com um desvio padrão 10.
Verificou-se, então, até que ponto os fatores do PF diferenciavam os grupos de
indivíduos que apresentam furto dos que não cometeram tal delito. Os resultados dessa
análise, comparando-se os grupos de indivíduos que cometeram furto e aqueles que
não apresentaram tal delito, encontra-se na Tabela 6. Como pode ser observado, ao se
considerar os três fatores combinados, houve diferenças significativas entre os grupos com
efeito de interação (furto x fatores, Λ=0,95, p=0,05), sendo que a associação foi de 2%.
Tabela 6 – Resultados da ANOVA verificando o Efeito do delito (furto) e conteúdo dos itens (Fatores)
na concordância com os itens
Fonte de variância
SQ
glª
MQ
F
P
Eta²
Furto
89,98
1
89,98
2,48
0,11
0,02
Erro
4423,57
122
36,25
Fatores PF
1286,15
1,61
794,22
5,54
0,00
0,04
Fatores PF x furto
589,76
1,61
364,19
2,54
0,09
0,02
28280,84
244
115,90
Entre grupos
Intragrupos
Erro
ª Valores corrigidos pela fórmula Greenhouse-Geisser para compensar a violação do postulado da simetria
composta (Howell, 1997).
O efeito da variância dos fatores demonstrou também ser significativo (4%). O
perfil dos escores médios dos sujeitos nos fatores para os dois grupos pode ser mais bem
visualizado na Figura 1. Pode-se verificar que o grupo que furta apresenta média mais
alta no fator 1 (extrapunitividade), enquanto que, nos fatores 2 e 3 (intrapunitividade
e impunitividade), o grupo de furto denotou uma menor média em relação àqueles
que não cometeram tal delito. Nota-se ainda que o grupo de furto apresenta uma
instabilidade muito grande entre os fatores relativos a direção da agressão, enquanto
os que não apresentaram furto têm uma estabilidade aparentemente maior. O grupo de
delito furto apresenta fortes inclinações para dirigir a agressão ao outro ou ambiente
e muito pouco ao próprio self.
106
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Figura 1. Escores médios dos três fatores do PF em função da ausência e presença do delito furto
Nota: Linha seccionada e quadrado cheio = não apresenta delito; linha continua e quadrado vazio
= apresenta delito.
Diante desse resultado, realizaram-se análises univariadas para cada variável dos
fatores (extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo) com vistas a investigar as diferenças em
fatores específicos. O resultado dessa análise indicou diferença significativa para o fator
Intrapunitivo (F=5,26, p=0,02). Os fatores Extrapunitivo e Impunitivo não demonstraram
diferenças significativas.
Discussão
Com respaldo nos resultados, algumas evidências foram encontradas para responder
às indagações dos objetivos propostos. As análises descritivas permitiram caracterizar a
amostra, informando que o maior número de delito cometido, roubo, envolve agressão
ao outro, dados esses semelhantes aos encontrados por Adorno (2002).
Os resultados das análises apontam, ainda, como os sujeitos lidam com seus
sentimentos agressivos e suas reações frente a situações de frustrações. Quando são
comparados os fatores extrapunitivo, intrapunitivo e impunitivo, pode-se dizer que a
maioria dos participantes expressa mais seus sentimentos agressivos do que os reprime,
dirigem a agressão ao outro ou objetos equivalentes, por meio de atuações ou ações
motoras, o que leva a pensar em uma baixa tolerância às frustrações e consequente falta
de controle sobre os impulsos agressivos (Bion, 1991; Cabral & Stangenhaus, 1992;
Harth, Mayer & Linse, 2004; Rocha, 1976).
Resultados parecidos foram encontrados por Rosenzweig (1948) que observou uma
predominância de respostas na categoria extrapunitiva em um grupo de “delinquentes”.
De fato uma resposta de agressão depende de um conjunto de fatores que se prendem
Aletheia 31, jan./abr. 2010
107
com a interpretação cognitiva da situação frustrante, com a sua intensidade, a força dos
controles internos e externos, e, acima de tudo, com a tolerância à frustração.
Nas situações de frustrações, as respostas dos sujeitos da amostra indicam que
estes tendem a agredir, bem como, atribuir a culpa ao outro. Tal constatação sugere que
o ego de tais pessoas, em situações de frustração, representa a parte mais importante da
resposta, ou seja, o ego ignora a sua responsabilidade, procurando atribuir à culpa a outras
pessoas. O menor número de respostas, do tipo dominância do obstáculo, aponta que
poucos sujeitos dessa amostra apresentam tendência a encarar a situação de frustração
como sem importância ou de forma favorável. Esses resultados sugerem que as funções
do superego dos presidiários permanecem exteriorizadas e não implicam em conflito
intrapsíquico. Por isso, demonstram seus conflitos por meio de condutas antissociais
(Dewald, 1972; Nogueira, 2001; Winnicott, 1999).
As comparações entre os grupos, roubo, furto, sequestro, homicídio, latrocínio
e outros, nos três fatores do PF, mostraram diferenças de médias significativas entre
o grupo que cometeu o delito furto e aqueles que não o cometeram. Constatou-se que
os indivíduos que furtaram tendem, em situações de frustração, a reagir dirigindo
a agressão para o outro ou objetos equivalentes, representantes ou causadores da
frustração. As análises univariadas mostraram que as diferenças significativas tendem
a ser apresentadas em função do fator intrapunitivo. Tal constatação sugere que o
grupo de delito furto pouco reage em situação de frustração, dirigindo a agressão
ao próprio self, em relação aos que não cometeram. Pode-se dizer ainda que o
grupo de furto apresenta uma instabilidade muito grande entre os fatores relativos
à direção da agressão, enquanto os que não apresentaram furto tendem a apresentar
uma estabilidade aparentemente maior. Concernente à instabilidade da direção da
agressão os resultados encontrados neste estudo são próximos aos encontrados por
Guillaume e Proulx (2002). Os resultados deste estudo são diferentes dos encontrados
em outro estudo com grupos de diferentes populações cujo fator que discriminou
os grupos foi extrapunitividade (Souza, 1990). De fato, a diferença significativa de
média para o fator intrapunitividade sugere falta de contato com os sentimentos de
culpa (Dewald, 1972).
Das várias limitações do estudo aponta-se o uso da técnica utilizada. Os desenhos do
PFT apresentam características ultrapassadas, construídas de acordo com a realidade dos
anos 30, que podem ter dificultado a compreensão dos participantes em algumas situações
do teste (Moura & 2006). Salienta-se o problema de não haver estudos de padronização
com o PFT para a população brasileira, especialmente para presidiários.
Alguns autores que investigaram a tolerância à frustração mencionaram que
tais sujeitos sofreram exposições frequentes e/ou intensas à frustrações, numa época
anterior aos atos antissociais, e expressam por meio do roubo, atitude antissocial, sua
dor, ocasionada pela rejeição social, especificamente a dos pais, o que leva a um círculo
vicioso de comportamentos criminosos (Costa, 1986; Klein,1975; Levisky, 2002;
Nogueira, 2001; Rosenzweig, 1944; Winnicott, 1989, 1999). Este estudo, no entanto,
não dispõe de dados da vida pregressa da amostra e não teve como objetivo investigá-lo,
não podendo esclarecer a etiologia dos atos antissociais. Sugere-se que tal variável seja
estudada em novas pesquisas.
108
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Seria muito interessante que outras pesquisas, sobre avaliação do grau de
tolerância à frustração em presidiários, bem como estudos de padronização do PF para
a população brasileira, especialmente com presidiários, venham a ser desenvolvidas.
Outros estudos sobre perfis de presidiários, utilizando-se do teste PF, incluindo dados
sobre a vida pregressa, contribuirão para elevar a confiabilidade nos resultados
aferidos pelo instrumento. Além disso, estudos com PF contribuirá para elevar a
credibilidade especialmente do profissional de psicologia que avalia a condição
psicológica de pessoas que violaram as leis penais, no contexto jurídico. Sugere-se
ainda a comparação de perfis de presidiários com outras populações e levantados
por outros instrumentos.
Referências
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de presidiários com as de um grupo controle sem antecedentes criminais. Jornal
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Costa, J. F. (1986). Violência e psicanálise. Rio de Janeiro: Graal.
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Levisky, D. L. (2002). Construção da Identidade, o processo educacional e a violência
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Moura, F. C., & Pasquali, L. (2006). Construção de um teste objetivo de resistência à
frustração. Psico-USF, 11(2), 137-146.
Nogueira, A. M. P. (2001). Angústia e violência: sua incidência na subjetividade. Revista
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Desenvolvimento, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, RS.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Winnicott, D. W. (1999). Privação e Delinquência. São Paulo: Martins Fontes.
_____________________________
Recebido em agosto de 2009
Aprovado em janeiro de 2010
Elizelma Ortêncio Ferreira – Psicóloga; Mestre em Psicologia (Universidade São Francisco-Itatiba)
Cláudio Garcia Capitão – Psicólogo; Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Hospitalar; Mestre
em Psicologia Clínica (PUC-SP); Doutor pela UNICAMP, com Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pela
PUC-SP. Atualmente; Professor dos cursos de graduação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Psicologia da Universidade São Francisco.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
110
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.111-120, jan./abr. 2010
Estudo de caso – avaliação neuropsicológica:
depressão x demência
Nicole Maineri Steibel
Rosa Maria Martins de Almeida
Resumo: Essa pesquisa é um estudo de caso em que foram avaliadas as habilidades cognitivas de
um idoso com queixa de memória e de sintomas depressivos. Foram aplicados testes cognitivos,
escalas para avaliar as funções cognitivas e realizadas análise qualitativa e quantitativa dos resultados
com objetivo de verificar se as queixas seriam decorrentes de um processo degenerativo e/ou se
justificam pela presença de sintomas depressivos. Os resultados mostraram uma diminuição de
desempenho nas habilidades que envolvem velocidade de processamento de informações e na
memória recente. Com isto torna-se importante nestes casos fazer-se avaliações seriadas com
objetivo de acompanhar a evolução das dificuldades cognitivas.
Palavras-chave: Avaliação neuropsicológica; memória; depressão.
Relate of case: Neuropsychology assessment – depression x dementia
Abstract: This study concerned itself with the assessment of cognitive functions in an elderly man who
presented complaints about loss of memory and depressive symptoms. Qualitative and quantitative
analyses were performed in order to verify if the problems that were related by the patients comprised
primarily a degenerative process or depressive symptoms. Neuropsychological assessements
enabled a differential diagnosis of dementia and depression. The study prompts the conclusion
that a sequential assessment is essential in order ascertain the pathogenesis of the cognitive
impairments.
Keywords: Neuropsychological assessment; memory; depression.
Introdução
A prevalência de co-ocorrência de perdas cognitivas e depressão dobram a cada
cinco anos após os 70 anos e cerca de 25% dos idosos acima de 85 anos apresentam
depressão juntamente com prejuízos cognitivos (Alexopoulos, Kiosses, Klimstra,
Kalayam & Bruce, 2002). Frente à frequente disfunção cognitiva entre os idosos, algumas
hipóteses têm sido propostas para explicar essa associação. Primeira, a depressão poderia
ser uma reação emocional do idoso ao perceber um quadro de demência inicial. Assim,
a depressão seria apenas uma situação pré-demência (um pródromo). Uma segunda
hipótese explicativa sugere a existência de uma causa comum subjacente no sistema
nervoso central que poderia levar tanto à depressão como também ao declínio cognitivo
em idosos. Foi demonstrado que idosos deprimidos têm mais frequentemente e mais
severas anormalidades na substância branca e em outras áreas subcorticais em imagens
de ressonância nuclear magnética (RNM) (Xavier, 2006).
A depressão está associada com a elevação dos níveis de cortisol, podendo ser outra
hipótese explicativa que leva em conta a possibilidade desta hipercortisolemia levar à morte
neurônios no hipocampo e a desregulação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, com
Aletheia 31, jan./abr. 2010
111
consequente atrofia hipocampal e consequente declínio cognitivo. Ainda que exista frequente
associação entre presença de depressão e de disfunção cognitiva, existe a possibilidade de
que não existe uma relação causal entre ambas, ou seja, que são apenas duas doenças de
apresentação comórbidas. Dado o fato de que ambas as categorias são altamente prevalentes
e independentemente uma da outra na terceira idade, a simultânea ocorrência das duas bem
poderia não ter uma relação causal (Xavier, 2006). A depressão pode ser um fator de risco
para o desenvolvimento de um quadro demencial, o que sugere que a depressão seja já um
sintoma inicial da demência (Loyd & cols., 2004; Xavier, 2004).
O impacto da depressão é observado em diferentes áreas cognitivas, tendo sido
reportados prejuízos nas funções executivas, na memória e na velocidade de processamento
da informação (Kiosses, Klimstra, Murphy & Alexopoulos, 2001; Pálsson, Johansson,
Berg & Skoog, 2000; Portella & Marcos, 2002). Outras funções cognitivas que podem
estar alteradas são viso-espaciais, atenção sustentada e a própria motivação durante a
testagem (Portella & Marcos, 2002). Paterniti, Verdier-Taillefer, Dufouil e Alpérovitch
(2002) demonstraram que há associação entre sintomas depressivos e demência ou declínio
cognitivo, porém a natureza desta relação ainda permanece por ser determinada.
A prevalência tanto de sintomas depressivos e de ansiedade parece aumentar nos
estágios inicias de declínio cognitivo. Já nas fases mais avançadas, por exemplo, da doença
de Alzheimer, estes sintomas tendem a diminuir provavelmente pela falta de critica dos
sintomas (Bierman, Comijs, Jonker & Beekman, 2007).
A depressão nos idosos ocorre, com frequência, acompanhada por prejuízos
cognitivos (Ávila & Bottino, 2006), no entanto, ainda existem importantes questões a
serem respondidas: se a depressão causa declínio cognitivo ou vice-versa; se a idade
de início da depressão tem relação com pior prognóstico e risco aumentado para a
ocorrência de demência; se a presença de prejuízos cognitivos em idosos deprimidos seria
um primeiro sintoma de demência; e se a remissão da depressão ocasionaria também a
remissão dos prejuízos cognitivos (Ávila & Bottino, 2006).
A maioria dos estudos aponta para a hipótese de que quanto mais grave a depressão,
maior o prejuízo cognitivo e funcional dos pacientes (Alexopoulos, 2005). Também
indicam que o agravamento das dificuldades executivas, talvez seja o grande responsável
pela piora das outras funções cognitivas, principalmente da memória (Ávila & Bottino,
2006; Lesser, Boone, Mehringer, Wohl, Miller & Berman, 1996). Herrmann, Goodwin &
Ebmeier (2007) relataram que pacientes com depressão de início tardio mostraram uma
redução em seu desempenho nas tarefas que envolvem a velocidade de processamento
de informações e na função executiva.
Foi realizado um estudo com um grupo de 116 idosos com depressão de início
tardio e outro grupo com episódio depressivo no passado. Suas habilidades cognitivas
foram comparadas, assim como a presença de fatores de risco cérebro vasculares foram
investigadas. Os resultados mostraram que idosos com depressão de início tardio
obtiveram prejuízos específicos em tarefas atencionais e nas funções cognitivas, quando
comparados com o grupo de depressão recorrente. Ainda este grupo mostrou sintomas
de anedonia de seus prejuízos e comorbidades associadas a doenças vasculares (Rapp,
Dahlman, Sano, Grossman, Haroutunian & Gorman, 2005).
É importante avaliar as funções cognitivas e emocionais em pacientes idosos. Assim,
esse estudo justifica-se pela necessidade de investigações no que concernem aos quadros
neurodegenerativos na população brasileira idosa, além de contribuir para a melhor
112
Aletheia 31, jan./abr. 2010
compreensão das queixas cognitivas em pacientes com sintomas depressivos. A partir
disso, na tentativa de suprir tal lacuna na neuropsicologia clínica e cognitiva, o objetivo
geral deste estudo foi de verificar o desempenho cognitivo de um idoso com sintomas
depressivos e verificar se suas queixas eram decorrentes de um processo degenerativo e/
ou se justificavam pela presença de sintomas depressivos.
Método
Delineamento
Estudo de caso, obtido a partir de revisão de prontuário. Foi avaliado um idoso do
sexo masculino, com 67 anos que realizou o check up cognitivo no Memolab Laboratório de
estudos cognitivos do Hospital Moinhos de Ventos, Porto Alegre – Rio Grande do Sul.
Instrumentos e procedimentos para coleta dos dados
Os instrumentos utilizados para avaliação clínica e neuropsicológica incluíram os que
seguem expostos e brevemente descritos na ordem em que foram aplicados por sessão:
Sessão 1
Questionário de dados sócio-demográficos e de condições de saúde. Incluia
questões sobre sexo, idade, escolaridade, nível sócio-econômico, e condições de saúde
que poderiam influenciar nos resultados da avaliação.
Clinical Dementia Rating (CDR) (Hughes & cols., adaptada por Morris, 1993). Foi
utilizada a versão reduzida da escala validada por Macedo-Montaño e Ramos (2005), que
avaliou seis domínios cognitivos e de funcional: memória, orientação, espaço temporal,
julgamento, resolução de problemas, relacionamento social, passatempos e cuidados
pessoais. Para a obtenção do escore foi realizada uma entrevista, com o próprio paciente
e com um familiar. Os escores variaram de zero (indivíduo sem comprometimento
cognitivo), 0,5 (CCL), 1 (demência leve), dois (demência moderada) e três (demência
severa). Os resultados do CDR foram classificados conforme algoritmo de Morris
(1993) do Centro de Pesquisa da Doença de Alzheimer na Universidade de Washington,
disponíveis no site http://www.biostat.wusti.edu/~adrc/cdrpgm/index.html.
Foram aplicados os seguintes testes de rastreio para função cognitiva: o Mini
Exame do Estado Mental (MEEM), o Rey Auditory – Verbal Learning Test (RAVLT), o
teste de Fluência Verbal (FAS), o teste de trilhas e o Rivermead Behavioral Memory Test
(RBMT). Ainda foi aplicada a escala geriátrica para depressão com objetivo de verificar
a presença de sintomas depressivos.
Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Desenvolvido por Folstein, Folstein e
McHugh (1975), é um dos instrumentos de rastreio mais utilizados para a identificação
de demência, verifica funções cognitivas de maneira simples e rápida, avaliando em suas
11 tarefas as funções: orientação têmporo-espacial, memória, atenção, cálculo, linguagem
e praxia construtiva. Sua pontuação total é de 30 pontos, e a desempenho do indivíduo é
influenciada pela escolaridade por isso foi utilizada a versão validada para a população
brasileira por Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994) e Brucki, Nitrini, Caramelli,
Aletheia 31, jan./abr. 2010
113
Bertolucci e Okamoto (2003), em que são considerados valores normais; 28 pontos para
escolaridade acima de oito anos, 26 para escolaridade entre cinco e oito anos, 25 para
escolaridade entre um e quatro anos e 20 para analfabetos. Segundo pesquisas o item de
relembrar as palavras é o mais sensível no diagnóstico de demência.
Teste de Trilhas (Trail Making Test). Originalmente faz parte da Bateria de Testes
Individual do Exército (Army Individual Test Battery) (1944), este teste consiste em 25
círculos contendo números, versão A, e números e letras na versão B, os círculos devem ser
sequenciados na ordem correta de 1 a 25 e na versão B alternando entre as duas sequências
de 1-13 e de A - M, o indivíduo deve realizar a tarefa o mais rápido possível e o escore total
é dado pelo tempo gasto para completar cada parte do teste. Este teste envolvia velocidade
motora e atenção, na versão A e permitiu avaliar a velocidade de processamento e atenção
visual e a versão B foi utilizada para medir a capacidade do indivíduo de gerenciar fontes de
dados concorrentes, observa a flexibilidade e o planejamento, pode também ser caracterizado
como uma medida de memória operacional. O teste de trilhas é um teste considerado sensível
para detectar declínio cognitivo progressivo nas demências (Greenlief & cols., citado por
Lezak, 1995). Estudos apontaram que o nível de escolaridade influencia neste teste, sendo
visto maiores diferenças entre sujeitos com menos de dez anos de escolaridade e mais de
onze anos, principalmente na parte B (Bornstein & Suga, citado por Lezak, 1995).
Fluência verbal com restrição fonológica (FAS). Desenvolvido por Benton e
Hamsher (1989) consiste na nomeação de palavras com as letras F-A-S, é pedido que seja
nomeado o maior número possível de palavras que comecem com as letras FAS, excluindo
nomes próprios, números, a mesmas palavras com diferentes sufixos, conjugação do
mesmo verbo, são dados três minutos para evocar as palavras em cada uma das letras, o
escore é dado pela soma de todas as palavras ditas nas três letras, o escore é afetado pela
idade é pela escolaridade. A redução na capacidade de produzir palavras é associada aos
processos de demência, avalia vocabulário, é um teste sensível ao declínio cognitivo, e
até o momento não foram encontrados artigos de validação para a população brasileira.
Fluência Verbal Categórico. Verificou o número de animais que o sujeito lembra em
um minuto. Em um estudo entre controles e pacientes com doença de Alzheimer (Rosen,
1980) foi visto que os participantes tinham mais facilidade em realizar a fluência verbal
categórica do que com restrição fonológica, além disso, tanto a sensibilidade quanto à
especificidade avalia a capacidade de busca e recuperação de dados estabelecidos na
memória de longa duração dentro de uma determinada categoria semântica, exigindo
habilidades de organização, autorregulação e memória operacional, validado para a
população brasileira por Brucki e Rocha (2004).
Teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (RAVLT). Desenvolvido por
Rey (1964) este teste avaliou memória imediata, retenção de curto e longo prazo na
memória são observados a aquisição, armazenamento e lembrança da informação. O
teste apresenta cinco repetições de uma lista de 15 palavras, em que é possível retirar
a curva de aprendizado, uma segunda lista também de 15 palavras é apresentada como
distrator, após dez minutos deve ser retomada as palavras da primeira lista, após trinta
minutos é observada a retenção da lista inicial. O escore é realizado nas três etapas,
sendo sempre observado o número de palavras recordadas, na primeira parte possível
observar a aprendizagem o escore é dado pela soma das palavras recordadas na repetição
de um a cinco, da lista o escore máximo é 75, quando a soma das palavras for muito
perto do escore 15 é indicativo de não aprendizagem e quanto mais próximo deste valor
114
Aletheia 31, jan./abr. 2010
mais palavras foram relembradas, na recordação imediata (A6), recordação sem pista o
escore total são 15 palavras e na recordação recente (A7) o escore é 15. A idade pode
ser um fator relevante a piora no desempenho é vista entre 70 e 80 anos. Foi validada
para a população brasileira por Malloy-Diniz, Cruz, Torres e Consenza (2000).
Sessão 2
Rivermead Behavioral Memory Test (RBMT). Teste criado por Wilson, Baddeley,
e Cockburn, (1991) que tem por objetivo avaliar tarefas de memória relacionadas a
situações cotidianas. O teste foi dividido em 12 subtestes que avaliaram orientação,
planejamento, memória imediata, memória recente e reconhecimento. Em cada tarefa
a pontuação pode variar de zero a dois, sendo dois a pontuação máxima indicando
funcionamento normal, um indica desempenho no limite e zero sendo assim a pontuação
geral do teste varia de zero a 24 pontos. E o escore de triagem de zero-12 em que é dado
apenas certo ou errado, este teste tem quatro versões em que as tarefas são diferentes
exceto orientação e data não podemos deixar de mencionar, pois fazem parte do teste.
O grupo de 16-69 anos ao ser comparado com o de 70-94 foi visto que a idade afetou
a lembrança da história, neste grupo a escolaridade também afetou um pouco nesta
mesma tarefa. Os subtestes história imediata e recente, caminho imediato e recente e
recordação do nome são bastante sensíveis para graduar as demências mesmo entre a
distinção de uma demência bem leve e o funcionamento normal (Beardsall & Huppert,
citado por Lezak, 1995). História imediata e recente: Foi utilizado de duas maneiras como um dos subtestes do RBMT e o seu escore foram avaliados juntamente com outros
subtestes formando o escore total confuso e avaliado como uma medida separada de
avaliação de memória verbal imediata e recente. As histórias contadas na versão A e B
tinham o total de 21 ideias, eram contadas o maior número possível de ideias lembradas
imediatamente após ser contada a história e depois de vinte minutos
Desenho do relógio (Borod, Goodglass & Klapan, citado por Lezak, 1995). avaliou
a habilidade visoconstrutiva, planejamento e negligência visual (escore máximo 14
pontos).
Escala Geriátrica para depressão (Paradela, Lourenço & Veras, 2005). A Escala
de Depressão Geriátrica foi utilizada para o rastreamento de sintomas depressivos em
idosos.
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, 67 anos, casado, morava na cidade de Porto Alegre,
com curso superior completo em Engenharia Civil, com história de esquecimento há
um ano. Os sintomas eram que JL, não lembrava onde coloca os objetos e queixava-se
também de falta de atenção.
Durante a entrevista referia também sentir-se mais cansado, sem vontade de fazer
suas atividades como antes e queixava-se muito da memória. Relatava que sua esposa
percebia que ele estava mais irritado e sem paciência. De acordo com o questionário do
informante sobre declínio cognitivo, que foi preenchido pelo filho, não foi indicativo da
presença de declínio cognitivo.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
115
Devido à queixa cognitiva e a presença de sintomas depressivos levantou-se a
possibilidade de quadro demencial, sendo então, encaminhado para a realização da
testagem neuropsicológica e exames complementares. Abaixo seguem os resultados
obtidos na avaliação (tabela 1).
Tabela 1 – Resultado dos testes em escores brutos
Testes
Escore
Miniexame do Estado Mental
29
Teste de Trilhas - Parte A
117
Teste de Trilhas - Parte B
240
Teste de Memória (RBMT)
20
Fluência verbal (animais)
12
Fluência Verbal (FAS)
22
RAVLT* - Aprendizado verbal
28
RAVLT* - Evocação tardia
6
Teste do Relógio
15
Nota. * Teste de Aprendizagem Verbal de Rey (Rey Auditory Learning Test)
A1
A2
A3
A4
15
14
13
12
11
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
Figura 1
Nota: – Escore do paciente;
116
Média esperada para a idade.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
A5
B1
A6
A7
Resultados e discussão
O diagnóstico diferencial entre depressão e demência no idoso não é uma tarefa fácil,
pois o desafio é verificar se as mudanças cognitivas e comportamentais são decorrentes
do próprio envelhecimento ou já são decorrentes de um processo degenerativo (Lezak,
1995). A maioria dos estudos existentes investiga o impacto da depressão sobre a cognição.
Os resultados mostram que pacientes deprimidos de qualquer idade têm dificuldades na
capacidade de aprendizado e no comprometimento da codificação da memória (Pálsson
& cols., 2000). Em pacientes com depressão maior, várias habilidades cognitivas podem
estar comprometidas, como psicomotricidade, memória não verbal, memória verbal,
aprendizagem, compreensão de leitura, fluência verbal e funções executivas (Ávila &
Bottino, 2006).
Para Ávila e Bottino (2006), outra importante característica que possibilita
diferenciar pacientes com processo degenerativo de pacientes com quadro depressivo,
é a etapa da memória em que aparece a disfunção. Os pacientes deprimidos costumam
lembrar-se dos primeiros e últimos itens de uma lista de palavras em testes de memória,
melhorando com as repetições. Em contrapartida, os pacientes com demência geralmente
lembram-se dos últimos itens e não se beneficiam das repetições. Outra característica muito
importante é que os pacientes com depressão, apesar da capacidade de aprendizagem
diminuída, conseguem armazenar a informação e evocá-la após intervalo.
O processo diagnóstico tem de ser visto dentro do ambiente clínico de referência. No
presente estudo, analisou-se o desempenho cognitivo de um idoso com queixa de memória
e depressão. Foi realizada uma análise tanto quantitativa e qualitativa, principalmente
dos tipos de erros cometidos.
Ainda, neste estudo foi escolhida uma bateria que permitisse avaliar a maioria das
funções cognitivas, em especial a memória, que teve como resultado: desempenho de
acordo com o esperado para a sua idade e escolaridade na avaliação neuropsicológica, como
MEEM, fluência verbal (animais e restrição fonêmica), atenção, praxia construtiva e na
flexibilidade mental. Estavam preservadas também a capacidade de cálculo, a compreensão
verbal e a nomeação de figuras por confronto visual. Apareceu uma diminuição em seu
desempenho na velocidade de processamento e na memória imediata.
Na análise qualitativa dos testes não foi observada uma diminuição em seu
desempenho. Verificou-se que nas provas de fluência verbal não houve perseverações e/ou
intrusões, após recordar uma história depois de ouvi-la relatou os fatos com detalhes e houve
uma melhora em seu desempenho nas tarefas cognitivas com auxilio de pistas verbais.
Entretanto, observou-se uma diminuição em seu desempenho na tarefa de memória
de aprendizado verbal. O desempenho de J.L foi menor quando comparado com o de
idosos com a mesma idade. No teste de RAVLT seus escores no teste foram nas cinco
listas administradas um total de 28, pois o esperado para a sua idade seriam um total
de 33 palavras.
Ao mesmo tempo observou-se uma melhora no desempenho com auxilio de pistas.
No teste de memória de Aprendizado verbal de Rey, o paciente conseguiu identificar as
palavras que foram apreendidas anteriormente. Isto não ocorre com paciente demenciados,
onde seu desempenho não melhora mesmo com auxílio de pistas (Strauss, Sherman, &
Aletheia 31, jan./abr. 2010
117
Spreen, 2006). A presença de muitos falso-positivos no reconhecimento da lista de palavras
aparece no desempenho de pacientes com DA e é raramente encontrado no desempenho
de pacientes com depressão (Strauss & cols., 2006).
No caso do senhor J.L. na administração do reconhecimento, observou-se que J.L
conseguiu resgatar a informação. Isto sugere então que não houve falhas no processo do
armazenamento e sim na evocação da lista de palavras.
Em conjunto com os dados da história clinica do paciente e com resultados da
avaliação neuropsicológica, os dados indicam que seus prejuízos cognitivos nos testes,
parecem ser secundários à presença de sintomas depressivos. Esta hipótese parece ser
confirmada tanto pelos resultados quantitativos e qualitativos da avaliação. Segundo a
maioria dos estudos, pacientes com depressão podem demonstrar lentidão de desempenho
e falhas na memória recente. Ainda na análise qualitativa o paciente não apresentou
intrusão durante o aprendizado de uma lista de palavras e com auxílio de pistas observouse resgate da informação da memória.
Outro aspecto importante a ser discutido é que apesar das características da testagem
e pela a história clínica do paciente sugerirem alterações cognitivas que pareciam ser
secundárias ao quadro depressivo, verifica-se que a própria depressão associada a prejuízos
cognitivos é considerada um fator de risco tanto para o diagnóstico de comprometimento
cognitivo leve e para a doença de Alzheimer (Barnes, Alexopoulos, Lopez, Williamson
& Yaffe, 2006). Com isto, torna-se importante nestes casos fazer avaliações seriadas com
objetivo de acompanhar a evolução dos sintomas.
Conclusão
Nesse estudo de caso, os resultados mostraram um prejuízo das funções cognitivas
do paciente avaliado. Esse apresentou um desempenho inferior nas habilidades que
envolvem velocidade de processamento de informações e na memória recente. Ainda
analisando os tipos de erros cometidos nestas tarefas, observou-se que são comumente
encontrados em protocolos de pacientes com sintomas depressivos. Essa é uma importante
característica que possibilita diferenciar pacientes com quadro degenerativo da depressão
e é nessa etapa que aparece a disfunção (Ávila & Bottino, 2006).
No teste de aprendizado verbal de REY o paciente apresentou falhas na evocação
da lista. No entanto, conseguiu recuperar a informação com auxilio do reconhecimento da
lista de palavras. Outra importante característica que pode ser observada é que pacientes
deprimidos são mais lentos na execução de tarefas tempo-dependentes. Neste estudo foi
verificado que o paciente apresentou uma lentificação na velocidade de processamento
das informações.
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_____________________________
Recebido em agosto de 2009
Aprovado em novembro de 2009
Nicole Maineri Steibel: Psicóloga; Especialista em Neuropsicologia (Projecto/Porto Alegre-RS); Profissional
do Hospital Moinhos de Vento- Memolab.
Rosa Maria Martins de Almeida: Psicóloga; Pós-Doutora (Tufts University/USA). Professora do curso de
Graduação e Pós-Graduação em Psicologia (UFRGS).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
120
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.121-136, jan./abr. 2010
Indicadores de síndrome de couvade em pais primíparos
durante a gestação
Talu Andréa Dartora De Martini
Cesar Augusto Piccinini
Tonantzin Ribeiro Gonçalves
Resumo: O estudo investigou indicadores da síndrome de couvade em pais primíparos durante
a gravidez das esposas. Participaram 30 casais com idades entre 20 e 35 anos que estavam em
diferentes trimestres da gestação. Os pais e as gestantes responderam individualmente a uma
entrevista semi-estruturada que investigava a percepção do pai e da gestante sobre os indicadores
de couvade. A análise de conteúdo revelou que mais da metade dos pais apresentou indicadores
físicos (aumento de apetite, preferência por algum alimento e episódios de vômito) e/ou emocionais
(nervosismo, mau humor) associados à síndrome de couvade. Os pais que conviviam com o
segundo trimestre de gravidez de suas esposas relataram mais indicadores quando comparados
aos demais participantes. Deste modo, a presença de indicadores da síndrome de couvade entre os
pais evidenciou a complexidade da transição para a paternidade e a importância de se conhecer as
vivências e sentimentos do pai durante a gestação do seu filho/a.
Palavras-chave: paternidade; gestação; síndrome de couvade.
Indicators of couvade syndrome of first time fathers during pregnancy
Abstract: The study investigated indicators of couvade syndrome in primiparous fathers during
the wives’ pregnancy. Participated 30 couples (20 to 35 years old), that they were in different
periods of pregnancy. The expectant fathers and their wives answered an open-ended interview that
investigated the father’s and mother’s perception on the couvade indicators. The content analysis
indicated that more of the fathers’ half showed physical (appetite increase, preference for some
food, vomit episodes) or emotional indicators of the couvades syndrome (nervousness and bad
mood). The fathers that lived the second trimester of pregnancy reported more symptoms than
other participants. The presence of indicators of couvade syndrome among these fathers indicated
the complexity of the transition to fatherhood, as well as the need of interventions that involve the
father’s feelings during the gestation of his son/daughter.
Key-words: fatherhood; pregnancy; couvade syndrome.
Introdução
Para o homem, a experiência da gravidez é, indubitavelmente, diferente da
experiência da mulher, tendo em vista que ele não tem a percepção física do bebê e não
sente, em seu corpo, as mudanças físicas decorrentes da gestação (Draper, 2003). Desta
forma, a experiência masculina da gestação tem recebido menos atenção por parte dos
pesquisadores do que o estudo do ponto de vista feminino. No entanto, as mudanças
físicas e comportamentais sofridas pelas gestantes, em conjunto com o processo de
transição familiar, podem provocar diferentes repercussões no marido e levá-lo ao
desenvolvimento da síndrome de couvade (Bartllet, 2004; Parke, 1996). O termo couvade
foi associado ao estado físico e a comportamentos dos pais em um ritual mantido por
Aletheia 31, jan./abr. 2010
121
culturas antigas (Bogren, 1983, 1986; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996). Segundo
Bogren (1983), o termo couvade foi originalmente utilizado em 1865 pelo antropólogo
Tylor e é derivado do verbo francês couver, que significa ‘chocar’1. Segundo Bachofen
(citado por Bogren, 1983), este ritual se constituía numa cerimônia de reconhecimento
que garantia a legitimidade da criança, estabelecia quem era o pai e atraía para a cabana
dele os espíritos do mal, onde poderiam gastar sua ira na mãe simulada, deixando a mãe
real livre para ter seu bebê de forma segura.
Duas formas do ritual couvade têm sido relatadas (Bogren, 1983; Haynal, 1977)
a couvade pré-natal e a pós-natal. Na couvade pré-natal, o pai ia para sua cama antes
da época do parto, enquanto a gestante trabalhava até o parto, quando então ia para a
selva com uma mulher que iria ajudá-la. Então, o marido simulava a agonia do trabalho
de parto e do nascimento para proteger sua esposa de espíritos malignos e da dor. Na
couvade pós-natal, o marido se considerava fraco e doente por certo período após o parto,
ficava na cama e fazia uma dieta alimentar especial. Depois disso, ele evitava o uso de
armas, pois acreditava-se que, estando ligado a criança, esta poderia se machucar ou ser
morta caso utilizasse armas. Conforme Parke (1996), em algumas culturas, a couvade
assumia um conteúdo mais dramático, quando o homem vestia-se e pintava-se como
sua mulher, recolhendo-se para um quarto escuro enquanto esta sentia as contrações do
parto. Quando a criança nascia, ela era colocada num berço ao lado do pai. Na perspectiva
antropológica, Malinowski (citado por Mason & Elwood, 1995) apontou que o ritual de
couvade tinha a função de estimular o desenvolvimento e a expressão do papel paternal.
Contudo, considera-se que, na sociedade atual, a realização de tais rituais não funciona
como pré-requisito indispensável à delimitação do comportamento social paterno (Mason
& Elwood, 1995).
Mais recentemente, a síndrome de couvade tem sido relacionada aos sintomas físicos
manifestados por pais biológicos, de caráter involuntário e de determinação inconsciente,
os quais são concomitantes à gravidez das esposas (Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez,
& Hamed, 2007a; Murphy, 1992). Assim, a versão ocidental do ritual foi denominada
de síndrome de couvade pelo psiquiatra britânico Trethowan (citado por Parke, 1996),
que a caracterizou por um conjunto de sintomas físicos experimentados pelo pai e que
se iniciam na gestação da esposa e desaparecem, quase imediatamente, após o parto
e, em alguns casos, antes do nascimento do bebê. Os sintomas típicos da síndrome de
couvade incluem náuseas, vômitos, perda de apetite, dores de cabeça, dores de dentes,
dores nas costas e aumento do peso (Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986).
Incluem-se ainda sintomas como desejos por determinados alimentos, indigestão, azia,
dores abdominais e dificuldades respiratórias (Brennan, Marshall-Lucette, Ayers, &
Ahmed, 2007b; Maldonado, 1990; Murphy, 1992). Os estudos de Trethowan e Conlon
(citado por Bogren, 1983) apontaram que os sintomas da couvade eram mais frequentes
no terceiro mês de gestação e que, até o nono mês, estes tendiam a diminuir. Porém,
próximo ao final da gravidez aumentava a ocorrência de sintomas físicos que podiam
ser acompanhados por sintomas psicológicos, tais como, depressão, tensão, insônia,
irritabilidade e até mesmo gagueira.
1
Tradução do termo inglês hatch.
122
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Estas definições da síndrome apontam sua natureza idiopática e que, provavelmente,
corresponde a uma manifestação psicossomática do pai à gravidez. Mesmo assim, a
síndrome não aparece na nosologia da Associação Americana de Psiquiatria – DSM/
IV – TRTM (APA, 2003) ou da Classificação Internacional de Doenças – CID/10 (OMS,
1993) e seu diagnóstico, quando realizado, ocorre através da exclusão de outras doenças.
Assim, apesar da etiologia da síndrome ser ainda desconhecida, diversos pesquisadores
têm investigado, relacionando-a a aspectos como: ansiedade e características emocionais
(Bogren, 1983, 1985, 1986), número de filhos (Teichman & Lahav, 1987), fatores
fisiológicos e hormonais concomitantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Mason &
Elwood, 1995; Storey, Walsh, Quinton, & Wynne-Edwards, 2000), fatores sociais, idade
(Bogren, 1984; Kiselica & Sheckel, 1995), aspectos subjetivos e processos inconscientes
(Brazelton & Cramer, 1992; Parke, 1996).
Conforme a extensa revisão de Brennan, Ayers, Marshall-Lhafez e Ahmed (2007a),
que incluiu artigos publicados de 1950 a 2006, a incidência da síndrome de couvade tem
se mostrado altamente variável, encontrando-se índices de 11% a 97% entre diversos
países do mundo. Os autores destacaram que não há concordância na literatura quanto
à influência de variáveis sócio-demográficas como idade, escolaridade e nível sócioeconômico, sobre a ocorrência dos sintomas. Da mesma maneira, a relação entre paridade,
planejamento ou não da gravidez ter sido ou não planejada e frequência de sintomas
físicos apresentados pelos pais não é consistente na literatura (Brennan & cols., 2007a;
Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, citado por Bogren, 1986). No entanto,
a influência da origem étnico-cultural sobre a incidência dos sintomas relacionados à
síndrome demonstra resultados mais consistentes. Estudos antropológicos comparando
diferentes países e backgrounds culturais demonstraram que pais caribenhos, negros
ou provenientes de minorias étnicas nos Estados Unidos apresentavam mais sintomas
e com maior frequência quando comparados a pais de origem caucasiana (Brennan &
cols., 2007a).
No Canadá, pesquisadores na área da endocrinologia do comportamento paterno
em mamíferos (Wynne-Edwards, 2001; Wynne-Edwards & Reburn, 2000) realizaram
dois estudos com humanos onde analisaram as mudanças hormonais do homem e da
esposa ao longo da gravidez comparando-os com casais que não viviam uma gestação.
Os resultados revelaram que elevações nos níveis de prolactina e estradiol e diminuição
dos níveis de cortisol e testosterona nos homens durante a gravidez imitavam, em menor
grau, as mudanças fisiológicas das gestantes (Berg & Wynne-Edwards, 2001; Storey &
cols., 2000). Apesar de os mecanismos implicados nas mudanças hormonais dos pais
não serem ainda conhecidos, estes estudos apontam que a gestação pode provocar efeitos
fisiológicos mensuráveis nos homens, reforçando a hipótese de uma base hormonal dos
sintomas associados à síndrome de couvade.
Brennan e cols. (2007a) verificaram que vários dos estudos sobre a síndrome de
couvade foram publicados nas décadas de 1980 e 1990, sendo que pouquíssimos trabalhos
são encontrados mais recentemente. Além disso, os autores destacaram que os estudos
variaram muito em relação à definição da síndrome, quanto à inclusão ou não de sintomas
psicológicos e no que diz respeito aos instrumentos de avaliação utilizados. Trethowan
e Conlon (citado por Bogren, 1986), por exemplo, estabeleceram como critério para a
Aletheia 31, jan./abr. 2010
123
síndrome de couvade a presença de dois sintomas ou mais, enquanto Bogren (1983)
considerou como critério a referência a cinco ou mais sintomas. Já Brennan e cols. (2007b)
utilizaram o parâmetro de quatro sintomas para incluir os participantes no seu estudo sobre
a couvade. Assim, o uso de critérios tão distintos pode também explicar a divergência
dos estudos quanto às diferenças no relato de sintomas entre homens que viviam ou não
a gestação de suas esposas (Bartlett, 2004; Gomez, Leal & Figueiredo, 2002; Trethowan
& Conlon, citado por Bartlett, 2004). Esta variedade de critérios de definição e a diferença
entre os achados reforçam a dificuldade em enquadrar o fenômeno da couvade tanto em
termos científicos quanto na prática clínica. Contudo, estes problemas não invalidam o
fato de que, para muitos pais, a experiência da gravidez envolve uma série de alterações
físicas e emocionais.
A relação entre ansiedade e sintomas físicos na síndrome de couvade também
despertou o interesse dos pesquisadores. Segundo Brennan e cols. (2007a), alguns teóricos
acreditam que a ansiedade causaria a síndrome ou que esta seria parte intrínseca da
couvade. Quanto à manifestação da síndrome de couvade, pesquisadores encontraram que
a expressão de ansiedade e a referência dos pais a sintomas físicos estavam negativamente
relacionados (Teichman & Lahav, 1987; Trethowan & Conlon, 1965). Para Bogren (1984),
isso se explica porque a síndrome de couvade seria uma expressão somática de ansiedade,
não necessariamente consciente. Assim, especialmente no início da gestação, os homens
tenderiam a suprimir suas preocupações, convertendo-as em sintomas somáticos.
Brennan e cols. (2007a) destacam três principais conjuntos de teorias que discutem
as origens da síndrome de couvade: as teorias, psicossociais, sobre a parentalidade e as
psicanalíticas. As teorias psicossociais consideram que a síndrome de couvade seria
uma resposta à marginalização social da paternidade e à crise desenvolvimental da
gestação, tendo em vista a especificidade da experiência do homem durante a gravidez
(Polomeno, 1998). Neste sentido, aspectos da identidade e da autoimagem do homem
sofrem transformações durante este período para incorporar as funções do papel parental e
estariam associadas à presença da síndrome. Já os estudos sobre a parentalidade apontam
a relação entre o envolvimento do homem na gravidez, a preparação para o papel parental
e a ocorrência da síndrome (Campbell & Field, 1989; Teichman & Lahav, 1987). Por fim,
as teorias psicanalíticas enfatizam a ocorrência da síndrome como uma consequência da
inveja inconsciente do homem pela capacidade procriativa da mulher e a rivalidade com
o bebê (Bogren, 1986; Brazelton & Cramer, 1992; Gerzi & Berman, 1981; Mason &
Elwood, 1995; Parke, 1996). Para a psicanálise, a síndrome de couvade representaria a
tentativa inconsciente dos pais de competir com suas esposas, sendo esta uma forma de
identificação com a gravidez e/ou com o papel materno (Bogren, 1984; Gerzi & Berman,
1981). Nesta direção, é plausível pensar que o aparecimento da síndrome de couvade
se relaciona com aspectos conscientes e, principalmente, inconscientes, envolvidos na
transição para a paternidade, tais como empatia, identificação, inveja ou competição com
a mãe (Parke, 1996).
Como foi visto através desta revisão, diversos fatores subjetivos interagem
continuamente com o contexto social e cultural dos pais durante a gestação das esposas,
impondo a eles, em especial aos primíparos, a necessidade de adaptarem-se às mudanças
trazidas pelo filho e pelo papel parental. Esta experiência pode provocar uma diversidade
124
Aletheia 31, jan./abr. 2010
de sentimentos nos pais que irão influenciar a sua resposta à gravidez. Além disso, estudos
apontaram que os sintomas físicos e emocionais das gestantes e o processo de tornarse pai podem influir no desenvolvimento da síndrome de couvade. Todavia, há grande
inconsistência na literatura internacional no que diz respeito à definição e avaliação da
síndrome. No Brasil, não foi possível localizar estudos que abordassem esta temática,
reforçando a necessidade de investigá-la na realidade brasileira. Desta maneira, o presente
estudo teve como objetivo investigar a presença de indicadores da síndrome de couvade
entre pais primíparos durante a gravidez de suas esposas. Além disto, se investigou os
relatos das próprias gestantes a respeito dos sintomas dos seus maridos.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 30 casais, ambos esperando seu primeiro filho, com
idades variando entre 20 e 35 anos. Os casais tinham relação estável, e possuíam nível
sócio-econômico médio e médio-baixo. Oito gestantes estavam no primeiro trimestre
de gestação (Pais2: P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8), onze, no segundo trimestre (P9, P10,
P11, P12, P13, P14, P15, P16, P17, P18, P19), e as outras onze, no terceiro trimestre de
gestação (P20, P21, P22, P23, P24, P25, P26, P27, P28, P29, P30). Todas as gestantes
apresentavam boas condições de saúde. As famílias eram residentes em Caxias do Sul (16)
e cidades vizinhas, tais como Farroupilha (12), São Marcos (1) e Antônio Prado (1).
Delineamento
Foi utilizado um delineamento de grupos contrastantes (Nachmias & Nachmias,
1996) para comparar os pais cujas esposas estavam no primeiro, segundo e terceiro
trimestres de gestação. Em cada grupo foi examinada a presença de indicadores da
síndrome de couvade referidos pelos pais e pelas próprias gestantes.
Procedimentos e instrumentos
Os participantes foram recrutados em consultórios de médicos obstetras da
região e em um grupo de gestantes do ambulatório da Universidade de Caxias do Sul.
Os profissionais do serviço foram informados sobre o estudo e indicaram possíveis
participantes. No primeiro contato a gestante respondia a uma Ficha de Contato Inicial
a fim de verificar as suas condições de saúde e a fase gestacional. As mães selecionadas,
juntamente com seus companheiros, eram convidadas a participar do estudo e, com
aqueles que aceitavam era marcado um novo encontro para a realização das entrevistas.
Nesta ocasião, os casais assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e,
a seguir, respondiam a Entrevista de dados demográficos que visava obter dados como
2
A letra “P” seguida do número identifica o pai e a letra “G” seguida do mesmo número identifica a
gestante.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
125
idade, escolaridade, situação conjugal e ocupacional. Depois disto, os pais e as gestantes
respondiam individualmente a Entrevista com o pai sobre sintomas físicos e emocionais e a
Entrevista com a gestante sobre sintomas físicos e emocionais. A entrevista sobre sintomas
físicos e emocionais buscava identificar o surgimento ou agravamento de sintomas
físicos (dores de cabeça, dores de dente, náuseas, vômitos, cólicas, indigestão, sintomas
gástricos, úlcera); mudanças nos hábitos alimentares (preferência por determinado
alimento, aumento ou perda do apetite); e alterações emocionais (estado de ânimo, tristeza,
ansiedade, nervosismo, mau-humor, irritação, tensão, depressão, insônia) antes e após
a gestação da esposa. Investigava ainda a percepção do pai acerca da presença ou não
destes sintomas em si mesmo e na sua esposa. A entrevista era composta de perguntas
mais gerais (ex. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido durante a
gravidez em termos físicos. Gostaria que tu me falasses sobre como tu tens te sentido
em termos emocionais.) seguida de questões específicas sobre a presença de cada um
dos 11 sintomas físicos (ex. Tu tem sentido dor de cabeça? Náuseas? Tem tido perda do
apetite?) e dos 9 estados e/ou sintomas emocionais (ex. Como está o teu estado de ânimo?
Triste? Alegre?), mencionados acima. Com isso, procurava-se investigar a ocorrência
de indicadores da síndrome de couvade. A entrevista com a gestante era semelhante a
realizada com o pai, incluindo perguntas sobre sua percepção acerca da ocorrência ou
não destes sintomas em si mesma e no esposo. Todas as entrevistas foram gravadas em
áudio e, posteriormente, transcritas.
Resultados e discussão
Os relatos dos pais e mães foram examinados com base na análise de conteúdo
qualitativa (Bardin, 1977; Laville & Dione, 1999). Ao longo das análises se buscou
identificar a presença de indicadores da síndrome de couvade nos relatos dos próprios pais,
assim como nos relatos das esposas gestantes a respeito da presença destes sintomas no
marido. Os indicadores da síndrome de couvade se referiram aos relatos sobre sintomas
físicos e emocionais experimentados pelos pais no primeiro, segundo ou terceiro trimestre
de gestação. Estes sintomas deveriam ter tido o seu surgimento durante a gravidez ou
deveria haver o agravamento de problemas já existentes. A referência a estes sintomas foi
tratada como “indicadores” devido à subjetividade do tema a ser averiguado e à divergência
da literatura no que se refere à definição desta síndrome. Desta forma, considera-se que o
surgimento de algum sintoma não define a presença da síndrome de couvade, mas antes,
indica a possibilidade de que o fenômeno esteja presente.
As verbalizações dos(as) participantes foram inicialmente classificadas pela primeira
autora do estudo a partir das duas dimensões da síndrome de couvade: sintomas físicos;
e sintomas emocionais mencionados pelos pais. Esta categorização foi posteriormente
examinada pela terceira autora do estudo e, em casos de discordância, o segundo autor foi
consultado. A seguir, estas categorias serão apresentadas e discutidas, ilustrando-se com
vinhetas provenientes das entrevistas3. Ao final da apresentação das duas categorias será
3
Na dissertação que deu origem ao presente estudo encontram-se inúmeros outros exemplos de relatos dos pais
e mães, que não foram aqui incluídos por limitações de espaço. Em função disto, aqui também se buscou editar
126
Aletheia 31, jan./abr. 2010
também contemplado o ponto de vista das gestantes sobre os sintomas físicos e emocionais
dos pais, buscando confrontá-los com àqueles fornecidos pelos pais.
Sintomas físicos mencionados pelo pai
Mais da metade dos pais (17 pais) afirmaram apresentar ou estar apresentando
algum tipo de sintoma físico durante a gravidez da esposa. Alguns deles relacionavam,
mesmo que timidamente, o aparecimento de sintomas à gravidez, enquanto outros
desvinculavam completamente um assunto do outro. Um exemplo disso foi quando
dois pais (P11, P21), ao relatarem terem sentido náuseas durante a gestação, referiam-se
a enjoos. “No início, [senti] enjoo. Até nós estávamos brincando, eu e a V. [esposa],
que eu fiquei uns dias enjoado. Ela avisou, falou [da gravidez] e acho que quinze
dias depois começou a me dar enjoo, mas passou. Aquela vez foi engraçado, porque
ela até gozou de mim. Ela que tava grávida e eu que [enjoava]” (P21). Outros pais
referiram o aparecimento de vômitos durante a gestação (P1, P3, P11, P14, P27). “Faz
uns dois meses que eu tive um problema de estômago, mas acho que é normal. Acho
que [os vômitos] é a primeira vez que aconteceu para mim” (P11); “Logo que ela ficou
grávida. Não sei se foi a água, comecei a vomitar água, uma ânsia e vomitava uma
espuma” (P14). O aparecimento de gastrite logo após a gravidez também foi relatado,
embora o pai não considerasse que estes fatos pudessem estar associados. “Acho que
foi no final de semana do rodeio, acho que há um mês atrás. Eu tomei um porre legal
e daí eu me debilitei, acho que o meu organismo, e foi quando a C. [esposa] disse
que tava grávida, logo depois. Acho que é só questão de...” (P5). Em dois casos, os
pais (P10, P13) relataram que houve uma exacerbação de sintomas gástricos, durante
a gestação. “Eu tenho tido problema estomacal, de azia, muita azia. Isso eu sempre
tive, mas não muito. De um tempo para cá, aumentou muito. De uns meses para cá,
eu tenho sentido muito” (P13).
Muitos pais mencionaram que estavam apresentando certo grau de dor de cabeça,
mas apenas dois pais (P13, P27) sinalizaram alguma relação desta com a gestação das
esposas. “Nos últimos dias tenho dormido muito pouco e, às vezes, me dá dor de cabeça”
(P27). Vários pais relataram alguma mudança nos hábitos alimentares depois da notícia
da gravidez da esposa. Para sete participantes (P13, P15, P16, P18, P19, P27, P28), houve
um aumento do apetite e de peso e, para dois pais (P21, P30), houve perda do apetite.
“Estou comendo menos. Não estou comendo tanto. Não tenho vontade, não sei se perdi
[o apetite]” (P21); “Como mais, ela [a esposa] come seguido. Então às vezes eu até
acompanho ela” (P18); “Eu tenho comido mais sim, dizem que às vezes [os pais] comem
mais, a mãe também, não sei se tem alguma coisa a ver. Eu como com mais frequência
fora de hora, sabe, toda hora estou comendo uma fruta, um sanduíche além das refeições
normais” (P19). Além disso, cinco pais (P1, P2, P3, P18, P20) mencionaram que estavam
apresentando preferências e desejos por determinados alimentos. “A única coisa que a
gente brinca é que eu tenho desejo de comer xis, essas coisas. A gente fala brincando: ‘Ela
tá grávida e eu que tenho desejos’. Mas é um dia sim outro não que eu tenho que comer
algumas citações, excluindo partes que não eram fundamentais para o seu entendimento (indicadas pelo uso de
reticências entre parênteses) ou acrescentando expressões para facilitá-las (indicadas entre colchetes).
Aletheia 31, jan./abr. 2010
127
xis, senão me dá um treco” (P2). Assim, como se pode observar nos relatos acima, estes
pais relacionavam diretamente estas mudanças nos seus hábitos alimentares à gestação
da esposa, que agora precisava comer mais.
Considerando os relatos das esposas sobre os sintomas físicos dos maridos,
algumas confirmaram a presença destes, associando-os à sua gestação, enquanto outras
acrescentaram sintomas que percebiam nos maridos que não haviam sido referidos por
eles. Assim, algumas esposas relataram episódios de vômitos do marido logo após a
notícia da gravidez: “Ele vomitou, eu já tava grávida, mas a gente ainda não sabia, eu
só tava desconfiada. Eu dizia pra ele: ‘Acho que estou grávida’. Foi aí que ele passou
mal e tal” (G3). Outras destacaram que os maridos vinham apresentando náuseas. “Ele
tava sentindo enjoo, mas isso foi no meu segundo mês de gestação” (G19). Sintomas
gástricos dos maridos também foram confirmados pelas esposas. “Ele só tem muita
azia também” (G13). Em outros casos, as gestantes mencionaram que o marido estava
apresentando alterações na alimentação, tais como aumento, diminuição do apetite e/ou
preferência por determinado tipo de alimento. Uma das esposas (G15) ainda relacionou
as preferências do marido por determinados alimentos a sua gravidez, sendo que o pai
não havia destacado esta relação. “Ele engordou uns cinco quilos, junto comigo. Ele tá
assim, mais ou menos, ele tá gestante, ele tem vontade assim de comer coisas diferentes,
misturar doce com salgado. Ele faz isso, eu não faço. Ele é que tá gestante. Agora então
desde que ele ficou sabendo da minha gestação, só engordou” (G15). Ainda quanto à
alimentação algumas mães destacaram a diminuição de apetite dos maridos. “Ele até tá
comendo menos” (G16). Algumas gestantes também referiram que os maridos estavam
sentindo dores de cabeça. “Muita dor de cabeça. Ele às vezes tem problema de dor de
cabeça. Agora, de uns dias [para cá] a dor de cabeça aumentou” (G13).
A partir destes relatos, fica evidente a relação de alguns sintomas físicos manifestados
por vários pais com a gestação das respectivas esposas, uma vez que apareceram ou se
agravaram após a gravidez, não havendo outra causa aparente referida para sua ocorrência.
Conforme já destacado por outros autores, os sintomas mais frequentes entre os pais
foram náuseas, vômitos, alteração do apetite, aumento de peso e desejos por determinados
alimentos (Bogren, 1983, 1986; Maldonado, 1990; Parke, 1996). Assim, no presente
estudo, um elevado número de pais que relataram algum tipo de sintoma físico que poderia
indicar a presença da síndrome de couvade o que está em consonância com estudos
internacionais que apontam uma alta incidência destes sintomas na gestação (Brennan &
cols., 2007a, 2007b). Estes dados podem indicar uma grande identificação inconsciente
dos participantes com a esposa gestante e um grande envolvimento com a gestação
conforme visto na literatura (Bogren, 1983, 1986; Gerzi & Berman, 1981; Brazelton &
Cramer, 1992; Mason & Elwood, 1995; Parke, 1996), especialmente considerando que
todos esperavam seu primeiro filho/a. Outro aspecto que pode contribuir para explicar este
achado é a origem cultural dos pais do presente estudo, os quais provêm de uma região
caracterizada por intensa colonização italiana, população que tem como característica
um vínculo familiar muito intenso. Como apontado em vários estudos revisados por
Brennan e cols. (2007a), a influência da origem étnica sobre o aparecimento de sintomas
da síndrome de couvade está bem estabelecida, o que pode indicar que as peculiaridades
da cultura italiana influenciaram os resultados do presente estudo.
128
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Frente aos sintomas que vinham experimentando, alguns pais (P21, P2, P13,
P16, P18, P19) mencionaram a possibilidade de uma ligação destes com a gravidez,
fazendo referência a ela ainda que, por vezes, timidamente. Em alguns destes casos,
os pais faziam verbalizações mais explícitas à gestação ao se referirem aos sintomas
que vinham sentindo, embora nenhum deles tenha se referido como “grávido” como
encontrado em um estudo sobre o envolvimento paterno na gestação (Piccinini, Silva,
Gonçalves, Lopes & Tudge, 2004). Quanto a isso, uma das mães chegou a se referir ao
seu marido como se ele vivenciasse também um estado de gravidez. Em outros casos, os
pais (P15, P3, P5) encontravam outras explicações para seus sintomas e a ideia de que
estes pudessem estar associados à gravidez era completamente rejeitada por eles. A ênfase
recaída na ideia de que os sintomas já estavam presentes antes da gestação e seu advento
não alterou a sua manifestação, sendo que, nestes casos, não foram considerados como
indicativos da síndrome. De maneira similar ao encontrado no presente estudo, Brennan
e cols. (2007b), em um estudo com homens com pelo menos quatro sintomas físicos da
couvade, verificaram que alguns pais relacionavam-os à gravidez das esposas, enquanto
outros buscavam outras explicações para eles, recorrendo às crenças culturais, convenções
religiosas e à assistência de profissionais de saúde. Para estes autores, a rejeição dos pais
em reconhecer o possível elo entre seus sintomas e a gestação das esposas pode ser uma
manifestação inconsciente do processo de transição para a paternidade e até mesmo ligar-se
à resistência de alguns em envolver-se com a gravidez. Esta dificuldade pode ainda estar
associada a aspectos sócio-culturais que relacionam a masculinidade à ideia de força e a um
maior distanciamento emocional o que pode fazer com que muitos homens negligenciem
seus problemas de saúde (Polomeno, 1998; Shapiro, 1987; Hyssälä, Hyttinen, Rautava
& Sillanpää, 1993). Por fim, é possível que alguns dos sintomas apresentados pelos pais
tivessem origem orgânica e que não foi investigada por eles através de exames.
Examinando-se os relatos dos pais nos três trimestres de gestação, pôde-se perceber
que os sintomas físicos (alterações na alimentação e aumento de peso) estiveram presentes
nos três momentos. Da mesma forma, a ocorrência de vômitos também se evidenciou nos
três trimestres gestacionais, embora tenham diminuindo até o último trimestre. Chama
atenção o fato de que todos os pais que viviam o segundo trimestre de gravidez de suas
esposas referiram estar experimentando algum sintoma físico, o que não ocorreu entre os
pais do primeiro e do terceiro trimestre. Este achado apoia um estudo português, com 52
pais que encontrou maior referência a sintomas no segundo trimestre de gestação (Gomez,
Leal & Figueiredo, 2002). De acordo com May (1982), no primeiro trimestre a gravidez
não seria ainda visível e real para o pai e no terceiro trimestre a sintonia entre o casal seria
maior e a ansiedade deste seria mais exteriorizada pela resolução de questões práticas. Já
no segundo trimestre, a autora assinala que a gravidez tende a assumir maior centralidade
com a percepção mais visível das mudanças corporais na mulher e dos movimentos fetais.
Assim, seria neste período que os aspectos psicológicos da paternidade estariam em plena
efervescência favorecendo, portanto, a expressão somática deste processo. Contudo,
outros autores encontraram tendência contrária, com uma maior ocorrência de sintomas
físicos no primeiro e terceiro trimestres de gestação (Bogren, 1983, 1986; Brennan &
cols., 2007a, 2007b; Parke, 1996), o que sugere que novos estudos são necessários para
que se compreenda melhor este fenômeno.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
129
De modo geral, as gestantes relataram menos sintomas físicos dos pais do que eles
próprios fizeram. É possível que isto se deva ao fato de que os pais evitavam comentar
estas mudanças com as esposas, ou ainda que muitas gestantes não percebessem estas
mudanças físicas nos maridos, voltando-se, elas próprias, para seus sentimentos e
preocupações em relação à gestação e ao papel parental (Raphael-Leff, 1997). Ainda
assim, tomando em conjunto os relatos das gestantes e dos pais sobre a presença de
sintomas físicos experimentados pelo homem, verificaram-se mais similaridades do que
diferenças. Em alguns casos, as gestantes endossaram o que eles haviam dito (G20, G13,
G14, G15, G3), mostrando estar em sintonia com o marido, na medida em que pareciam
perceber as mudanças que estavam ocorrendo com ele. Porém, em dois casos, as gestantes
mencionaram determinados sintomas físicos que não haviam sido referidos pelos pais
(G16, G19). Neste sentido, é plausível pensar que estes pais pudessem ter dificuldades
em admitir que experimentaram ou estavam experimentando determinado sintoma, seja
em função da situação de entrevista com uma pesquisadora do sexo feminino (primeira
autora deste estudo), seja porque se sentiram pouco encorajados a falar abertamente
sobre este assunto. Brennan e cols. (2007b) considera que a realização de entrevistas com
pesquisadores do sexo oposto pode gerar viés relacionado ao gênero já que os homens,
em particular, tendem a demonstrar mais disponibilidade para um entrevistador do mesmo
sexo do que para entrevistador do sexo oposto. Além disso, em uma cultura onde o homem
precisa mostrar-se forte, principalmente durante a gestação, quando a expectativa social
é de que o pai apoie a gestante, falar sobre sintomas físicos e emocionais pode significar
um sinal de fraqueza inadmissível.
Sintomas emocionais mencionados pelo pai
Oito pais relataram algum sintoma emocional que havia aparecido ou que tinha se
intensificado durante a gestação da esposa. Entre eles, três (P12, P20, P25) afirmaram
estarem se sentindo mais nervosos, seja em função da gravidez ou em situações do dia a
dia. “Em relação à gravidez, eu fico nervoso um pouco com a cesárea, seria isso mais,
fico nervoso. Parto normal seria mais fácil, sei lá, mais natural” (P20). Por outro lado,
dois pais (P4, P27) referiram estar se sentindo menos nervosos do que normalmente,
experimentando uma maior tranquilidade durante a gestação. “Eu acho que eu estou até
conseguindo me controlar um pouco mais” (P4). Outros três pais (P1, P5, P19) relataram
mal-humor e consideraram que isto teve uma leve exacerbação na gravidez da esposa.
“Quando eu entro no carro para dirigir, nossa, eu me transformo. Parece aqueles desenhos
animados que tinha o Pateta dentro do carro e ficava ‘malucão’. É que o trânsito hoje
em dia me perturba” (P5). Apenas um dos pais entrevistados mencionou que estava
apresentando insônia (P9) e ainda outro (P13) relatou um aumento da irritabilidade. “Não
[tinha insônia]. Agora eu tenho um pouco, porque a gente trocou o lado da cama por
causa do bercinho do nenê” (P9); “[Irritável] um pouco. Um pouco sem paciência. É
uma característica minha, mas talvez um pouco mais agora” (P13).
A ansiedade não foi mencionada na literatura como um indicador da síndrome
de couvade sendo, por outro lado, apontada como um fator desencadeante. Assim,
neste estudo a ansiedade foi considerada como um estado emocional relacionado com
a síndrome de couvade não sendo considerada como um indicador. Mesmo assim, pela
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
estreita relação da síndrome com a ansiedade evidenciada pela literatura considerou-se
importante explorar os relatos dos pais a respeito deste sentimento. Pelo menos 21 pais
relataram se sentirem ansiosos seja em relação à gravidez, ao parto e/ou ao bebê. Alguns
motivos de ansiedade mencionados pelos pais referiam-se à saúde do bebê e da gestante,
ao momento do parto, à vontade de saber o sexo do bebê e de conhecer suas características
físicas. “Digamos, ansioso de saber o sexo do bebê, a gente tem curiosidade” (P11); “Isso
[o nascimento do bebê] é o que me deixa mais ansioso. Às vezes eu paro, fico pensando
na hora que nascer. (...) Será que o dia vai chegar logo, sinto aquele nervosismo, um
frio na barriga” (P25). Entretanto, para alguns pais, a ansiedade era considerada uma
característica pessoal, presente mesmo antes da gravidez da esposa e, em outros casos,
os pais reconheciam que sua ansiedade estava exacerbada durante este período. “Eu me
sinto constantemente ansioso. Eu sei que alguma influência essa gravidez está tendo
dentro de mim. Se eu te disser que comecei a ficar assim depois que ela soube que
tava grávida, não, porque isso aí é constante em mim. Mas sei que alguma coisa ela [a
gestação] contribuiu” (P2). “[Estou ansioso] em relação a essa gravidez, não vejo a
hora que termine logo e corra tudo bem. Eu sou ansioso por natureza, sempre fui” (P13).
Alguns pais mencionaram preocupação em desenvolverem empatia com o bebê após
seu nascimento e à responsabilidade de criá-lo e educá-lo. “Mais ansioso [na gravidez]
sobre a criança, só isso. Sobre aquilo que eu falei de educar, de poder entender a criança
enquanto ela não conseguir falar, esse tipo de coisa” (P6).
Da mesma forma que a ansiedade, os estados de ânimo referidos pelos pais também
foram aqui incluídos por denotar o seu estado emocional durante a gestação das esposas,
apesar de não serem considerados como indicadores da síndrome de couvade. Assim, seis
dos pais referiram que se sentiam bastante emocionados, mais sensíveis e emotivos, tanto
em assuntos relativos ao bebê, quanto a assuntos em geral. “Em termos emocionais, eu
sinto um pouco mais, com o emocional mais à flor da pele. Então hoje eu sinto um pouco
mais sensível em relação a observar pequenos detalhes em outros pais, em outros filhos
e isso tá me deixando um pouco mais sensível” (P10); “Qualquer coisinha que eu vejo
chama atenção, é uma reportagem de criança ou alguma reportagem, coisa boa ou ruim,
me emociono. Isso eu notei, depois da gravidez, fiquei, eu já era um pouco emotivo, um
pouco sensível, mas depois da gravidez eu fiquei mais” (P30). Outros 14 pais também
verbalizaram um sentimento de alegria e completude referente à gravidez da esposa,
mesmo que esta não tivesse sido desejada. “Eu me sinto realizado. Emocionalmente, eu
tenho estado quase que completo, em plenitude. Se passar um furacão aqui e derrubar
tudo, eu não vou ficar tão triste, entendeu? Com tudo que me aconteceu de bom. (...) Eu
encaro as coisas num estado de espírito muito melhor” (P7).
Com relação a percepção das mães sobre os sintomas emocionais do marido,
excetuando-se a insônia, relatada por uma gestante (G28), nenhuma outra gestante
referiu sintomas emocionais dos maridos: “Agora, nos últimos dias [da gravidez], ele
tem sentido insônia” (G28). No entanto, pelo menos 12 gestantes enfatizaram que os
pais estavam mais ansiosos, principalmente, em função do desejo de querer ver o filho.
“[Ansioso] para ver o nenê. Ele entra no quarto, vê a caminha e: ‘Ai, não vejo a hora
desse nenê estar aí para mim ver como ele é’. Ansioso ele tá, porque tá chegando cada
vez mais perto, ele olha no calendário” (G23).
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Como pode ser visto acima, no que diz respeito aos sintomas emocionais relatados
pelos pais destacaram-se o nervosismo e a ansiedade relacionados ao parto, à saúde do
bebê, ao sustento financeiro da família e ao aumento das responsabilidades relacionadas
à paternidade, aspectos estes que também foram encontrados por outros autores (Shapiro,
1987; Brennan & cols., 2007b). Por exemplo, em um estudo longitudinal que acompanhou
320 pais de várias nacionalidades em todos os estudos da gestação até o primeiro ano do
bebê, Condon, Boyce e Corkindale (2004) encontraram que o período gestacional foi o
momento mais estressante para os homens, quando se evidenciaram maiores níveis de
ansiedade, depressão, afetos negativos, uso de álcool e sintomas somáticos. Desta forma,
a experiência masculina da gestação parece ser marcada pela antecipação das mudanças
que o nascimento do filho/a trará, pela reavaliação de seu estilo de vida, o que pode
envolver respostas psicológicas bastante intensas.
Por outro lado, vários pais também manifestaram sentimentos positivos relativos
à gravidez da esposa que os faziam se sentir mais emotivos e sensíveis ao filho/a. Estes
achados revelam um expressivo interesse e envolvimento emocional dos pais na gestação,
endossando os resultados encontrados por Piccinini e cols. (2004). Este movimento
afetivo pode ainda refletir a busca dos pais por uma maior aproximação com o filho/a
e, portanto, de uma vivência mais real de paternidade. Deste modo, entende-se que
indicadores positivos do envolvimento paterno durante a gestação poderiam ser incluídos
no entendimento e na definição da síndrome de couvade. A inclusão de tais aspectos
poderia auxiliar na compreensão da relação entre o aparecimento de sintomas físicos e
emocionais da couvade.
Assim, considerando os sintomas psicológicos que indicariam a presença da
síndrome de couvade como insônia, irritabilidade, alterações de humor, tensão e depressão,
estes foram pouco referidos pelos pais do presente estudo, o que difere do encontrado por
outros autores (Bogren, 1983; Brennan & cols., 2007b; Parke, 1996). Além disso, dois
pais mencionaram, inclusive, que estavam se sentindo mais tranquilos durante a gestação
e que antes se consideravam mais nervosos. Conforme Bogren (1984) a síndrome de
couvade seria uma expressão somática de ansiedade, ficando implícita, portanto, uma
relação negativa entre ansiedade e sintomas físicos (Trethowan & Conlon, citado por
Brennan & cols., 2007a). Em particular, entre pais primíparos, Teichman e Lahav (1987)
verificaram um menor nível de ansiedade e uma maior frequência de sintomas físicos.
Considerando estes achados, podemos entender que a maior externalização de ansiedade
e o grande envolvimento emocional demonstrado pelos pais do presente estudo poderiam
estar amenizando o aparecimento de processos de somatização e, portanto, a referência
a sintomas físicos da síndrome de couvade.
Apesar da ansiedade, o ânimo predominante entre os pais entrevistados foi de alegria,
mesmo nos casos em que a gravidez não havia sido planejada. Além disto, vários pais
referiram estar muito mais sensíveis e emocionados durante a gravidez da esposa o que
pode expressar a mobilização psicológica provocada por este momento de transição familiar,
bem como o envolvimento emocional com a gravidez e com o filho/a. Desta forma, estes
achados corroboram a noção de que a gestação de um filho/a faz com que muitos pais e
mães se voltem para seus próprios pensamentos e sentimentos, buscando reorganizar sua
identidade frente ao papel parental e preocupando-se mais com o bebê e com as mudanças
132
Aletheia 31, jan./abr. 2010
que ele trará (Cramer & Brazelton, 1992; Lebovici, 1987; Stern, 1997; Zayas, 1987). Neste
sentido, o estudo de Gómez, Leal e Figueiredo (2002) comparando maridos que estavam
vivendo a gestação das esposas e maridos cujas esposas não estavam grávidas, os autores
revelaram que no primeiro grupo os pais apresentaram uma diminuição do interesse social
e o desejo sexual. Isso pode ser explicado em função da dinâmica subjetiva dos pais durante
este momento que faria com que as suas preocupações se voltassem, prioritariamente, para
si próprios e para a unidade familiar, a exemplo do que acontece com a gestante (RaphaelLeff, 1997). No entanto, é importante lembrar que este aspecto pode ser pelo menos
parcialmente influenciado pelas restrições físicas impostas pela própria gestação. Com
relação a gestante, o fato de apenas uma mãe do presente estudo ter mencionado que seu
marido estava experimentando sintomas emocionais corrobora a ideia de que o processo
psicológico da gravidez faz com que a mulher se concentre em seus próprios sentimentos
e percepções (Raphael-Leff, 1997) e menos nos do marido.
Considerando os diferentes momentos gestacionais que os pais vivenciavam no
presente estudo, a ansiedade permaneceu sendo o estado emocional mais marcante nos
três trimestres investigados. Entre os pais que viviam o terceiro trimestre de gravidez do
filho/a não foram relatados sintomas como depressão e tensão, associados pela literatura
ao final da gestação (Bogren, 1983, 1986; Parke, 1996). Da mesma forma, dentre os
participantes que apresentaram algum tipo de sintoma emocional indicador da síndrome
de couvade, apenas um pertencia ao grupo de pais do terceiro trimestre. Diante destes
achados, é possível pensar que, com a proximidade do nascimento do bebê, os pais
buscassem priorizar a assistência e o apoio à gestante, os preparativos finais para a chegada
do filho/a e para o parto colocando seus sentimentos em segundo plano. Por outro lado,
também é possível pensar que falar sobre sintomas emocionais como irritação, tensão,
depressão e nervosismo é um assunto delicado e que a referência a tais sentimentos possa
ser constrangedora para os pais.
Considerações finais
Os relatos dos participantes apontaram que muitos deles experienciavam sintomas
físicos e emocionais durante a gravidez das esposas, o que pode indicar a presença da
síndrome de couvade. Em vários casos, a forma como estes sintomas foram relatados
sugerem um intenso envolvimento emocional e a mobilização física em torno da gravidez
da companheira. Em outros casos, a ligação entre os sintomas e a gravidez não foi
reconhecida pelos pais, o que pode apontar a influência de crenças e ditames culturais a
respeito da masculinidade e do papel do pai sobre as suas percepções e atitudes frente à
gestação (Daly, 1993; Rotundo, 1985; Silveira, 1998). A maior parte das mães corroborou
os relatos dos pais sobre seus sintomas, apesar de algumas terem apontado situações que
não haviam sido referidas pelos maridos.
Em conjunto, os resultados do presente estudo mostram a complexidade da transição
para a paternidade e a necessidade de se investigar mais profundamente este processo,
já bastante conhecido na perspectiva da gestante. A partir dos achados do presente
estudo e da revisão da literatura é possível entender a síndrome de couvade como um
fenômeno experienciado pelo pai com dimensões físicas e emocionais que está sujeito à
Aletheia 31, jan./abr. 2010
133
dinâmica subjetiva de cada homem, às suas características sócio-culturais, ao contexto
psíquico e relacional da gravidez e até mesmo a uma propensão fisiológica. Apesar
desta complexidade, a atenção dos profissionais de saúde e dos pesquisadores da área às
transformações vividas pelos pais durante este período tem sido mínima. Uma das razões
para esta negligência é, provavelmente, a tendência de se minimizar os ajustamentos
que os homens precisam fazer diante da paternidade. Contudo, a literatura aponta que as
adaptações psicológicas dos homens à gravidez e nascimento dos filhos são tão importantes
quanto àquelas experimentadas pelas mulheres (Bartllet, 2004).
O presente estudo priorizou a análise exploratória e qualitativa dos sintomas
associados pela literatura à síndrome de couvade em pais primíparos, o que permitiu
acessar as particularidades e semelhanças entre os relatos dos pais que viviam os três
trimestres gestacionais. A inclusão da abordagem das percepções da gestante sobre os
sintomas apresentados pelo marido enriqueceu as análises, possibilitando a triangulação
dos relatos dos pais. Entretanto, o uso de entrevistas no presente estudo pode ter limitado
a obtenção de alguns dados e, consequentemente, as análises realizadas. Neste sentido,
seria necessária a elaboração de instrumentos padronizados e adaptados à realidade
brasileira para a investigação de sintomas físicos e emocionais nos pais no contexto de
uma gravidez. Ao mesmo tempo, a falta de uma definição clara da couvade também
dificultou a identificação mais precisa de casos da síndrome entre os pais do presente
estudo, o que permitiu somente a avaliação da presença de indicadores.
Tendo em vista estas limitações, recomenda-se que estudos investiguem indicadores
da síndrome de couvade através de acompanhamento longitudinal dos pais ao longo da
gestação e até o pós-parto, o que poderia elucidar melhor a dinâmica de aparecimento
e desaparecimento dos sintomas e sua relação com a gravidez e o processo de transição
para a paternidade. O possível impacto dos sintomas da síndrome de couvade sobre a
relação conjugal, a saúde física e psicológica dos pais e mães, bem como a inclusão de
pais multíparos e o estudo de fatores de risco, são aspectos que também merecem ser
explorados por outros estudos. Somados a estas pesquisas, os dados fornecidos pelo
presente estudo poderiam auxiliar na formulação de uma definição mais clara da síndrome
de couvade, orientando os profissionais que lidam com famílias durante a gestação a
identificar estes sintomas nos pais e a fornecer o atendimento e apoio necessário. Uma boa
oportunidade de abordar estes aspectos seria durante os cursos de gestantes e até mesmo no
acompanhamento pré-natal, que têm enfatizado apenas o processo gestacional, o momento
do parto e o papel do pai como auxiliar (Piccinini & cols., 2004; Polomeno, 1998). No
entanto, acredita-se que a gestação afeta toda a família e, neste caso, as abordagens em
saúde deveriam incluir as necessidades físicas e psicológicas específicas dos pais. Desta
forma, recomenda-se que intervenções contemplem as dúvidas, sentimentos e vivências
do homem durante a gestação do seu filho/a, beneficiando a saúde masculina, a relação
conjugal e, sobretudo, a relação pai-bebê.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aprovado em setembro de 2009
Talu Andréa Dartora De Martini: Psicóloga; Mestre em Psicologia (UFRGS); Professora da Faculdade da
Serra Gaúcha (FSG).
Cesar Augusto Piccinini: Psicólogo; Doutor e Pós-doutor em Psicologia (University College London/
Inglaterra); Professor do PPG-Psicologia (UFRGS); Pesquisador do CNPq.
Tonantzin Ribeiro Gonçalves: Psicóloga; Mestre e Doutoranda em Psicologia (UFRGS).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.137-148, jan./abr. 2010
Autoeficácia e qualidade de vida de jovens adultos
com doenças crônicas
Elisa Kern de Castro
Clarissa Franco Ponciano
Débora Wagner Pinto
Resumo: O presente estudo teve por objetivo avaliar a autoeficácia e a qualidade de vida de
jovens adultos com doenças crônicas, examinando possíveis diferenças entre homens e mulheres.
Participaram 20 pacientes com diversos tipos de doenças crônicas, com idade média de 31,5 anos
(DP 3,6) e que estavam internados em um hospital geral. Os instrumentos utilizados foram: ficha de
Dados biossociodemográficos; Escala de Autoeficácia Geral Percebida e Instrumento de Avaliação
da Qualidade de Vida da OMS (WHOQOL-breve). Análise de correção de Spearman mostrou que
os índices de autoeficácia estiveram correlacionados de forma positiva e significativa (p<0,05) com
a qualidade de vida total e a dimensão ambiente. Não foram encontradas diferenças entre homens
e mulheres na autoeficácia e qualidade de vida. Os resultados obtidos sugerem a importância dos
aspectos positivos de saúde, especificamente a autoeficácia, para a qualidade de vida de jovens
adultos com doenças crônicas.
Palavras-chaves: autoeficácia; qualidade de vida; doença crônica.
Self-efficacy and quality of life in young adults with chronic disease
Abstract: This study aims to assess self-efficacy and quality of life in young adults
with chronic disease. Also, it examines possible differences between men and women.
Participants were 20 patients with different types of chronic diseases, mean age 31,5 (3,6)
years, hospitalized in a general hospital. Measures obtained were: Biosociodemographic
data, General Perceived Self-efficacy scale and World Health Organization Quality of Life
Bref Questionnaire (WHOQOL-bref). Spearman correlation showed that self-efficacy were
positively and significantly correlated (p <0.05) or partially correlated (p <0.10) with quality
of life and its dimensions. No differences were found between men and women in respect to
self-efficacy and quality of life. Our data suggest the importance of positive health, specifically
self-efficacy in the perception of quality of life in young adults with chronic disease.
Keywords: Self-efficacy; quality of life; chronic disease.
Introdução
Nos últimos anos, o grande desenvolvimento dos tratamentos para diversas
enfermidades fez aumentar a esperança de vida de pacientes com doenças crônicas.
Doenças que antigamente eram fatais, como o câncer, a AIDS, insuficiência cardíaca,
renal ou hepática, agora se tornaram crônicas. No entanto, isso não significa que a
experiência não seja dolorosa e difícil para paciente e sua família (Nicassio, Meyerowitz
& Kerns, 2004).
De acordo com Stanton, Revenson e Tennen (2007), em termos gerais, doença
crônica refere-se a problemas de saúde de longa duração, com taxas de cura baixas, e
que conta com três características principais: 1) a doença requer adaptação do indivíduo a
Aletheia 31, jan./abr. 2010
137
várias mudanças na sua vida; 2) as mudanças se desdobram com o tempo; e 3) há grande
heterogeneidade entre os indivíduos nas suas respostas de adaptação à doença crônica.
Dados do ano de 2003 do IBGE mostram que no Brasil mais de 52 milhões de
pessoas sofriam de algum tipo de doença crônica, sendo que uma parcela importante
dessa população estava na faixa etária entre 20 a 39 anos (IBGE, 2009). Com o aumento
da sobrevivência desses pacientes, o impacto da doença crônica na vida de jovens
adultos pode ser maior que em pacientes de meia-idade ou idosos se consideramos sua
expectativa de vida. Assim, esses adultos que estariam no auge da produtividade em suas
vidas, casando-se, tendo filhos e trabalhando, têm que adaptar-se a limitações físicas
e dificuldades incomuns nessa idade (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Estudos em
Psicologia que tratem especificamente de pacientes nessa faixa etária do jovem adulto
são escassos, o que requer nossa atenção. No entanto, segundo Castro, Moreno-Jiménez
e Carvajal (2007), há evidências de sofrimento psíquico importante nesses pacientes
relacionado à enfermidade e tratamento.
As pessoas que sofrem de diferentes doenças crônicas têm que aprender a conviver
com várias limitações em sua vida cotidiana como ir ao médico e tomar remédios
regularmente. Além disso, há períodos em que o seu estado de saúde pode se agravar
e exigir hospitalização, causando apatia, irritabilidade, tristeza entre outros sintomas, o
que implica em sofrimento físico e emocional para o paciente e para todos que o rodeiam
(Lorencetti & Simonetti, 2005).
Nesse sentido, o foco em aspectos de saúde que podem facilitar a adaptação e o
enfrentamento do paciente diante de uma situação de estresse como a doença crônica
tem aumentado, área de interesse da Psicologia Positiva (Pais-Ribeiro, 2006; Seligman &
Csikszentmihalyi, 2001). Ao analisar aspectos de saúde mental desses pacientes, é possível
ajudá-los a potencializar seus recursos para ter um melhor enfrentamento das situações
adversas. Portanto, avaliar aspectos como qualidade de vida, bem-estar, autoeficácia,
estratégias de enfrentamento, etc., pode contribuir para uma melhora efetiva dos aspectos
emocionais do paciente (Pais-Ribeiro, 2006; Passareli & Silva, 2007).
A autoeficácia é um conceito que tem sido bastante estudado nos últimos anos, pois tem
sido relacionada a resultados positivos em saúde (Bandura, 1997; Griva, Myers & Newman,
2000; Scholz, Doña, Sud & Schwarzer, 2002; Schwarzer, 1992; Schwarzer, Boehmer,
Luszczynska, Mohamed & Knoll, 2005; Souza, Silva & Galvão, 2002). Esse conceito,
segundo Bandura (1997; 2001) refere-se às crenças do indivíduo sobre suas capacidades em
planejar e executar tarefas para gerar certos resultados. Tais crenças são importantes para a
autorregulação e motivação em direção a mudanças de objetivos e expectativa de resultados.
Então, a crença na autoeficácia e outras variáveis contribuem para a autorregulação do
comportamento (Scholz & cols., 2002; Souza, Silva & Galvão, 2002).
Um forte sentido de competência facilita os processos cognitivos, o desempenho,
o enfrentamento a situações adversas, e deixa o indivíduo menos vulnerável ao estresse
e depressão (Griva, Myers & Newman, 2000; Scholz & cols., 2002). O sentido de
pouca autoeficácia, por outro lado, se associa a ansiedade, depressão, solidão e baixa
autoestima.
A qualidade de vida, em contrapartida, é um conceito multidimensional,
multidisciplinar, com indicadores objetivos e subjetivos que expressam algo mais que o
138
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bem-estar físico ou pessoal (Moreno-Jiménez & Castro, 2005; Seidl & Zanon, 2004). Na
realidade, segundo Fleck e cols. (1999; 2000), o conceito atual de qualidade de vida que a
Organização Mundial da Saúde propõe se refere à percepção individual da pessoa sobre
sua saúde conforme suas exigências culturais, sistemas de valores, metas, expectativas
e preocupações.
O interesse no estudo da qualidade de vida surgiu como uma resposta aos avanços
nos cuidados médicos (Rodríguez, Picabia, & San Gregorio, 2000; Seidl & Zanon, 2004).
No âmbito sanitário, este é um conceito central porque representa a visão humanizada
da saúde, projetada para proteger o equilíbrio físico, emocional e social do paciente,
de acordo com sua personalidade, critério de valor e critério cultural (Lovera & cols.,
2000). A avaliação objetiva da qualidade de vida está enfocada nos indicadores de saúde
físicos e suas limitações, enquanto a avaliação subjetiva se refere, sobretudo, à percepção
do indivíduo sobre sua qualidade de vida nas dimensões física, psicológica, social e
ambiental. Isto explica por que indivíduos com indicadores objetivos semelhantes de
qualidade de vida podem ter índices bastante diferentes em qualidade de vida subjetiva.
Para Seidl e Zanon (2004), qualidade de vida e estado de saúde são dois conceitos que
não devem ser confundidos, já que a qualidade de vida é importantíssima à saúde mental
do paciente e para o estado de saúde o funcionamento físico é fundamental na percepção
dos doentes.
As mudanças ocorridas nos últimos anos com respeito ao conceito de saúde
contribuíram para o desenvolvimento de pesquisas sobre qualidade de vida relacionada à
saúde (QVRS) (Rodríguez & cols., 2000). No campo da Psicologia, a função específica dos
estudos sobre qualidade de vida centra-se em assuntos relacionados à adaptação à doença,
estilos de vida saudáveis, relação entre sistema imunológico e variáveis psicológicas, etc.,
avaliando e delimitando programas de intervenção para melhorá-la (Moreno-Jiménez &
Ximénez, 1996).
Os estudos quantitativos são predominantes quando se trata de investigar
qualidade de vida (Seidl & Zannon, 2004). Os pesquisadores têm se interessado no
desenvolvimento de medidas multidimensionais de qualidade de vida, e também na
construção de instrumentos específicos para determinados tipos de doenças (Remor,
2005). Os estudos nacionais realizados até o momento examinaram a qualidade de vida
em distintas especialidades médicas como neurologia, oftalmologia, oncologia, psiquiatria,
ginecologia, nefrologia, reumatologia, imunologia, etc. (Berber, Kupek & Berber, 2005;
Berlim & cols., 2006; Castro, Caiuby, Draibe & Canziani, 2005; Lemos, Miyamoto,
Valim & Natour, 2006; Roque & Forones, 2006; Seidl, Zannon & Trócoli, 2005), porém
nenhum deles relacionou esse aspecto com autoeficácia.
Tendo em vista a importância de investigar os aspectos positivos de saúde que
possam facilitar a adaptação do paciente à doença e ao tratamento para subsidiar
intervenções que trabalhem os recursos dos pacientes, o objetivo do presente estudo
é avaliar a autoeficácia e a qualidade de vida de jovens adultos com doenças crônicas.
Além disso, pretende-se examinar possíveis diferenças na autoeficácia e qualidade de
vida entre homens e mulheres com doenças crônicas.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
139
Método
Participantes
Participaram desse estudo 20 pacientes com diferentes doenças crônicas, com idades
compreendidas entre 18 e 40 anos que estavam internados para tratamento em um hospital
localizado na cidade de São Leopoldo, Rio Grande do Sul. A amostra é do tipo consecutiva:
duas vezes por semana, durante três meses, todos os pacientes que se encaixavam nos
critérios de inclusão da pesquisa (ser jovem adulto e ter doença crônica) que estavam
internados no referido hospital público foram convidados a participar da pesquisa. Desse
modo, a amostra em questão refere-se à totalidade dos pacientes jovens adultos internados
por doença crônica no período nesse hospital. Todos os participantes eram assistidos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). O ambiente físico em que se encontravam caracterizavase pelas instalações precárias – prédio com necessidade de reforma, oito pacientes por
quarto, combinação de pacientes que estão relativamente bem com pacientes terminais,
etc. A tabela 1 mostra as principais características desses pacientes.
Tabela 1 – Dados sociodemográficos e clínicos dos participantes
Média (DP)
Idade dos pacientes (anos)
31,5 (5,6)
Idade do diagnóstico da doença (anos)
25,2 (10,6)
Número de cirurgias
0,2 (0,7)
Número de hospitalizações nos últimos 12 meses
3,2 (2,2)
N (%)
Gênero
Masculino
Feminino
12 (60%)
8 (40%)
Tipo de doença
AIDS
Diabetes
Tuberculose
Asma/bronquite
Pancreatite
Insuficiência renal
Câncer
7 (35%)
2 (10%)
3 (15%)
2 (10%¨)
2 (10%)
1 (5%)
3 (15%)
Escolaridade
Fundamental incompleto
Fundamental completo
Secundário incompleto
Secundário completo
13 (65%)
2 (10%)
1 (5%)
4 (20%)
Trabalha
Não trabalha
16 (80%)
4 (20%)
140
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Delineamento e procedimentos
O projeto caracterizou-se por ser uma pesquisa exploratória e transversal. A
aplicação dos instrumentos e a assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido era
realizada no próprio leito do paciente, após verificação por parte das pesquisadoras junto
à enfermagem de quais eram os pacientes que poderiam ser incluídos no estudo naquele
dia. As pesquisadoras liam as perguntas ao paciente e completavam os questionários de
acordo com suas respostas, já que muitos deles tinham baixa escolaridade e dificuldades
na leitura.
Considerações éticas
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (nome
da universidade omitido) e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
Instrumentos
- Dados biossociodemográficos e clínicos da doença e do tratamento: para obter
informações gerais pessoais (idade, trabalho, escolaridade), familiares (estado civil,
número de filhos) e dados da doença e do tratamento (idade no diagnóstico da doença,
tipo de doença crônica, tratamentos realizados, etc.).
- Escala de Autoeficácia Geral Percebida (Schwarzer & Jerusalém, 1995; Teixeira
& Dias, 2005): O instrumento é constituído por 10 itens que avaliam a percepção da
autoeficácia do indivíduo e suas respostas variam entre 1 (não é verdade) a 4 (sempre
é verdade). A versão original está no idioma alemão, contendo 20 itens (Jerusalem &
Schwarzer, 1979). Posteriormente a escala foi reduzida para 10 itens e subsequentemente
adaptada para 28 idiomas (Nunes, Schwarzer & Jerusalem, 1999). A escala tem sido usada
em inúmeras pesquisas com índices de consistência interna variando entre 0,75 a 0,91.
A adaptação ao português seguiu o modelo de grupo de consenso, com várias traduções
bilíngues, incluindo back translations e grupos de discussão. Vários estudos publicados
compararam as propriedades psicométricas das versões alemã, inglesa, dinamarquesa,
espanhola, russa, grega, árabe, húngara, polaca, chinesa, Indonésia, japonesa e coreana
(ver www.healthpsych.de).
- Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde
– versão breve (Fleck et al., 2000) (WHOQol-breve): é um instrumento desenvolvido
pela OMS que objetiva avaliar a qualidade de vida em diferentes culturas. A versão breve
do questionário contém 26 itens e deriva da versão original de 100 itens (Fleck & cols.,
1999). As versões em português do Brasil de ambos os instrumentos foram desenvolvidas
no Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS. O WHOQOL-breve consta
de duas questões gerais e de 24 questões que compõem cada uma das 24 facetas que
compõem o instrumento original. Os quatro domínios do instrumento são: físico (Ex: “Em
que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?”),
psicológico (Ex: “Com que frequência você tem sentimentos negativos tais como mau
humor, desespero, ansiedade, depressão?”), relações sociais (Ex: Quão satisfeito (a)
você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos, colegas)?”) e meioAletheia 31, jan./abr. 2010
141
ambiente (Ex: “Quão satisfeito (a) você está com as condições do local onde mora?”). Para
cada questão existem 5 graus de intensidade e o paciente opta por uma delas. Quanto à
consistência interna, os valores alpha de Cronbach das 26 questões no estudo de validação
foram de 0,91 com pacientes adultos. O instrumento mostrou-se discriminante ao avaliar
pacientes psiquiátricos e um grupo controle.
Análise dos dados
Todos os dados do protocolo de pesquisa (questionários) foram levantados e
tabulados na base de dados do programa SPSS 16.0. Devido ao número de participantes,
realizou-se estatística não paramétrica. Foram realizadas correlações entre as variáveis de
interesse (Spearman) e comparação de grupos homens e mulheres (Mann-Whitney).
Resultados
Inicialmente, realizaram-se análises descritivas dos resultados do instrumento
de autoeficácia e de qualidade de vida. A Tabela 2 apresenta as médias, desvio-padrão,
medianas, e valores mínimo e máximo dos resultados desses instrumentos
Tabela 2 – Resultados descritivos da autoeficácia e da qualidade de vida e suas dimensões
Instrumento
Dimensão
Média (DP)
Mediana
Mín./Máx.
Autoeficácia
Total
33,25 (3,35)
34,50
27-38
Total
82,70 (11,50)
82,50
64-100
Física
22,50 (4,89)
22,50
13-34
Psicológica
23,85 (3,65)
24,50
17-30
Social
8,75 (3,48)
8,00
3-15
Ambiente
26,80 (5,25)
27,00
16-35
Qualidade
de vida
A seguir, examinaram-se possíveis associações entre autoeficácia e qualidade de
vida e suas dimensões, idade do paciente e sua idade no diagnóstico da doença, através
da análise de correlação de Spearman (ver tabela 3). O principal resultado dessa análise
mostrou que a autoeficácia obteve correlações positivas e significativas (p<0,05) com a
qualidade de vida total e a dimensão ambiente, demonstrando íntima relação entre essas
variáveis. Além disso, cabe salientar a correlação positiva e significativa obtida entre
qualidade de vida física e idade do paciente, indicando que os pacientes com mais idade
apresentavam melhor qualidade de vida física. Ainda, obviamente, houve correlações
significativas entre a qualidade de vida total e suas dimensões.
142
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Tabela 3 – Correlação de Spearman entre autoeficácia e qualidade de vida e suas dimensões
Autoeficácia
Qv total
Domínio
físico
Domínio
psicológico
Domínio
social
Domínio
ambiente
-
Autoeficácia
0,566**
-
Domínio físico
0,419
0,729**
-
Domínio psicológico
0,426
0,813**
0,643**
-
Domínio social
0,432
0,769**
0,423
0,471*
-
Domínio ambiente
0,444*
0,734**
0,210
0,378
0,699**
-
Idade
0,009
0,319
0,471*
0,135
0,067
0,007
Idade no diagnóstico
-0,017
0,369
0,401
0,355
-0,083
0,062
Qv total
Nota: QV (Qualidade de Vida)
*p<0,05; **p<0,01
Com o intuito de examinar possíveis diferenças na autoeficácia e na qualidade
de vida entre homens e mulheres, realizou-se o teste de Mann-Whitney (Tabela 4). Os
resultados não foram significativos, apesar de observarmos que os homens obtiveram
pontuações maiores que as mulheres em todas as variáveis, indicando alta autoeficácia
e qualidade de vida.
Tabela 4 – Teste de Mann-Whitney (U) para comparação da autoeficácia e da qualidade de vida entre homens
e mulheres
Rank Homens (n=12)
Rank Mulheres
(n=8)
U
P
Autoeficácia
10,75
10,12
45.000
0,815
QV total
11,33
9,25
38.000
0,439
QV física
10,58
10,38
47.000
0,938
QV psicológica
11,08
9,62
41.000
0,583
QV social
10,92
9,88
43.000
0,698
Qv ambiente
11,83
11,50
32.000
0,215
Discussão
O objetivo do presente estudo foi examinar a autoeficácia e a qualidade de vida de
pacientes jovens adultos com doenças crônicas. A pesquisa é de caráter eminentemente
exploratório, pois apesar de existirem na literatura nacional estudos sobre qualidade de
vida em pacientes com doenças crônicas, as que se relacionam com a autoeficácia são
Aletheia 31, jan./abr. 2010
143
escassas. Além disso, o foco no jovem adulto é um aspecto a ser destacado, uma vez que
a doença crônica nessa etapa do ciclo vital pode ter consequências diferentes daquelas
provocadas no adulto de meia-idade ou idoso, e a literatura científica específica com esse
grupo etário é escassa.
Os resultados obtidos das correlações realizadas entre autoeficácia e qualidade de
vida mostraram relações importantes entre essas duas variáveis, indicando que aqueles
indivíduos que possuem alta autoeficácia são também aqueles que possuem mais alta
qualidade de vida em geral e na dimensão ambiente. Pesquisas internacionais já haviam
apontado na direção semelhante. Por exemplo, o estudo de Wahl, Rustoen, Hanestad,
Gjengedal & Moum (2005) que relaciona qualidade de vida global, autoeficácia, percepção
da saúde e funcionamento pulmonar de pacientes com fibrose cística mostrou que a
autoeficácia influenciou significativamente a qualidade de vida desses sujeitos. Pacientes
que se percebiam com maior autoeficácia tendiam a possuir uma melhor qualidade de vida
e uma melhor percepção de sua saúde. Motl e Snook (2008), igualmente, evidenciaram
relações significativas e positivas entre autoeficácia, atividade física e qualidade de vida
em pacientes com esclerose múltipla. Por fim, Kreitler, Peleg e Ehrenfeld (2006), ao
examinarem o efeito de diferentes estressores na qualidade de vida de pacientes com
câncer, observaram que a autoeficácia afeta a qualidade de vida reduzindo os níveis de
estresse percebido pelo paciente.
Quanto à relação encontrada entre o domínio físico da qualidade de vida e idade
do paciente, esse dado ainda não havia sido observado na literatura revisada. É possível
entender esse resultado a partir da ideia trazida por Papalia, Oldds e Feldman (2006) de
que a faixa dos vinte anos é o auge do desenvolvimento físico do indivíduo. Assim, o
impacto de uma doença crônica grave na vida desses adultos pode ser ainda maior do
que para os pacientes na faixa dos trinta anos, gerando uma percepção menor de sua
qualidade de vida física.
A ausência de diferenças significativas entre homens e mulheres com respeito
à autoeficácia e qualidade de vida é contrária a outras investigações que examinaram
diferenças de gênero em pacientes com doença crônica. A literatura tem mostrado de
forma consistente que as mulheres com diferentes problemas de saúde apresentam níveis
de qualidade de vida inferiores aos homens (Mrus, Williams, Tsevat, Cohn & Wu, 2005;
Teh, Kilbourne, McCarthy, Welsh& Blow, 2008), especialmente na dimensão psicológica
(Bingefors & Isacson, 2004), e inclusive em estudos com amostras brasileiras de pacientes
com HIV/Aids (Zimpel & Fleck, 2007). Com relação à autoeficácia, os dados não são tão
contundentes. Wehrens, Gesine, Hannelore, Heinz e Oskar (2007) de fato argumentam
que as mulheres apresentam mais estresse psicológico e baixa autoeficácia frente a um
problema cardíaco, porém as relações parecem ser mais complexas. O estudo de Takaki
e Yano (2006) com pacientes em hemodiálise mostrou que para os homens a autoeficácia
teve correlação positiva com indicadores de adesão ao tratamento, enquanto para as
mulheres essa correlação foi negativa, indicando que níveis altos de autoeficácia para
mulheres podem ter consequências desfavoráveis para sua saúde.
Porém, os resultados dos referidos estudos não podem ser trasladados diretamente
à nossa realidade, dado que foram realizados no exterior e nosso país e nossa cultura
tem suas particularidades. Além disso, os participantes dessa pesquisa caracterizam-se
144
Aletheia 31, jan./abr. 2010
pela pouca escolaridade, por serem usuários do sistema público de saúde, de um hospital
com instalações precárias, e de serem adultos jovens. Esses aspectos devem ser levados
em conta na interpretação desses resultados, pois é possível que essas particularidades
apresentadas na amostra expliquem as semelhanças encontradas nos níveis de autoeficácia
e qualidade de vida de homens e mulheres, o que deverá ser aprofundado em futuras
investigações sobre o tema.
Outro aspecto que pode ter contribuído para não haver diferenças significativas
entre homens e mulheres se refere à especificidade da faixa etária. Como os participantes
dos estudos citados eram adultos de diferentes idades e não foram feitas análises por
faixa etária, talvez na faixa etária do adulto jovem não haja realmente diferenças entre
os sexos na autoeficácia e qualidade de vida. Apesar da vulnerabilidade maior da mulher
a apresentar problemas psicológicos, diminuição na qualidade de vida e autoeficácia
apontada pelos estudos já citados, pode-se especular que o homem adulto jovem pode ser
especialmente afetado pela doença crônica ao deixar de ter o controle de sua vida e perder
seu status de chefe da família por estar debilitado fisicamente, o que contribuiria para se
igualarem com as mulheres em termos de níveis de autoeficácia e qualidade de vida.
É importante salientar que algumas correlações entre autoeficácia e qualidade de vida
(dimensão física, ambiente e social) foram quase significativas (p<0,10), o que indica uma
probabilidade dessas diferenças serem significativas se a amostra fosse maior. Inclusive,
alguns estudos apontam esse valor de significância como sendo parcialmente significativos
em amostras clínicas (Castro, 2009; Castro, Moreno-Jiménez & Rodríguez-Carvajal,
2007). Futuras pesquisas com maior número de participantes deverão ser realizadas para
esclarecer essas associações.
Devido ao delineamento exploratório e ao reduzido número de participantes, nossos
resultados não podem ser generalizados. O número reduzido de participantes pode ser
um fator que tenha contribuído para a ausência de diferenças significativas na qualidade
de vida e autoeficácia de homens e mulheres, conforme tendência apontada na revisão de
literatura. Além disso, pelo tipo de delineamento do estudo, não foi possível identificar o
papel preditor da autoeficacia para a qualidade de vida desses pacientes.
No entanto, nossos resultados fornecem indicações importantes de relações entre
duas variáveis psicológicas relacionadas à saúde mental dos participantes – autoeficácia
e qualidade de vida. Esse resultado fornece subsídios para futuras pesquisas incluírem
outras variáveis no estudo, tais como autoconceito, autoestima e apoio social, ampliar
a amostra ou trabalhar com grupos de pacientes específicos, além de dar informações
importantes para o delineamento de intervenções psicológicas que busquem reforçar os
aspectos positivos de saúde e a autoeficácia de pacientes crônicos.
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_____________________________
Recebido em abril de 2009
Aceito em setembro de 2009
Elisa Kern de Castro: Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde (Universidade Autônoma de Madrid),
Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos – UNISINOS, pesquisadora do CNPq.
Clarissa Franco Ponciano: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científica (Pibic/CNPq),
Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.
Débora Wagner Pinto: Graduanda do curso de Psicologia e bolsista de iniciação científica (UNIBIC),
Universidade do Vale dos Sinos –UNISINOS.
Endereço para contato: [email protected]
148
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.149-167, jan./abr. 2010
Habilidades sociais e problemas de comportamento:
um estudo exploratório baseado no modelo construcional*
Vanessa Barbosa Romera Leme
Alessandra Turini Bolsoni-Silva
Resumo: A pesquisa teve como objetivo avaliar, segundo o Modelo Construcional de Goldiamond,
os relatos de 20 mães de crianças com problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20 mães
de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico), as habilidades sociais e os problemas de
comportamento de pré-escolares, investigar as situações e os comportamentos das mães diante dos
comportamentos dos filhos e sugerir hipóteses para os comportamentos funcionalmente equivalentes
que foram investigados. Os instrumentos utilizados foram duas escalas, um questionário e uma
entrevista estruturada.Os resultados indicaram que as crianças do Grupo não clínico apresentaram,
com mais frequência e diversidade, habilidades sociais e com menos frequência, problemas de
comportamento, em comparação com as crianças do Grupo clínico.
Palavras-chave: Habilidades sociais, problemas de comportamento, modelo construcional.
Social skills and behavior problems: An exploratory study based
on theconstructional approach
Abstract: The research aimed to assess, according to the constructional approach by Goldiamond,
the reports of 20 mothers of children with behavior problems, (clinical group) and 20 mothers of
children without these problems (non-clinical group), social skills and behavior problems of
pre-school, investigate the situations and behaviors of mothers before the behavior of children and
suggest hypotheses for functionally equivalent behaviors that were investigated. The instruments
used were two scales, a questionnaire and a structured interview. The results indicated that children
of non-clinical group presented with more frequency and diversity, social skills and with less
frequency, of behavior problems compared to children of the clinical group.
Keywords: Social skills, behavior problems, constructional approach.
Introdução
Apesar de não haver um consenso na literatura quanto à definição do termo
habilidades sociais, este pode ser entendido, segundo Del Prette e Del Prette (2005),
como “...diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo,
que contribuem para a competência social, favorecendo um relacionamento saudável e
produtivo com as demais pessoas” (p. 31). Determinados ambientes, como por exemplo,
a família e a escola, que utilizam com frequência práticas educativas tidas como negativas
(por exemplo, uso de agressão verbal e física e ameaças de agressões), podem potencializar
e/ou suprimir o desenvolvimento interpessoal infantil. Nesse sentido, sendo a família o
primeiro ambiente de socialização que permite aos filhos entrar em contato com as regras
e normas de convívio social (Biasoli-Alves, 1994), a investigação do contexto familiar
pode contribuir para o desenvolvimento de programas de intervenção que procurem tanto
prevenir quanto remediar as dificuldades de relacionamento entre pais e filhos.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
149
Práticas educativas parentais e o modelo construcional
Dentre os fatores que podem contribuir ou não com o desenvolvimento das
habilidades sociais na infância, as práticas educativas parentais1 têm recebido destaque
em diversas pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Barry, Frick & Grafeman,
2008; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia, Pereira, Del Prette & Del Prette, 2007;
Koblinsky, Kuvalanka & Randolph, 2006; McGroder, 2000; Patterson, Reid & Dishion,
2002/1992; Prinzie, Onghena & Hellinckx, 2007). Segundo Patterson e cols. (2002/1992),
quando os pais utilizam Habilidades Sociais Educativas Parentais (tais como disciplina
consistente, expressão de sentimentos positivos e o uso de explicações e negociações/
trocas para estabelecer limites) para orientar os comportamentos dos filhos, geralmente
são contingentes no uso de consequências positivas para o repertório de habilidades
sociais infantis, o que, por sua vez, pode prevenir o surgimento e/ou a manutenção de
problemas de comportamento.
Analisando os estudos sobre problemas de comportamento, verifica-se que não
há um consenso quanto à definição, à classificação e ao diagnóstico para os mesmos,
podendo esses ser multideterminados por variáveis como práticas educativas parentais,
condições socioeconômicas, conflito conjugal, etc (Webster-Stratton, Reid & Hammond,
2004). Neste trabalho, problemas de comportamento serão entendidos como:
[...] déficits e/ou excessos comportamentais que prejudicam a interação das
crianças com pares e adultos [...] e que dificultam o acesso da criança a novas
contingências de reforçamento, que por sua vez, facilitariam a aquisição de
repertórios relevantes de aprendizagem. (Bolsoni-Silva, 2003, p. 10)
A maioria dos estudos procura investigar as práticas educativas parentais relacionadas
aos problemas de comportamento dos filhos, sendo poucas as pesquisas (Bolsoni-Silva &
Marturano, 2008; Cia & cols., 2007; Gorman-Smith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols.,
2006; McGroder, 2000) que fazem uma avaliação mais completa, procurando também
focar o repertório socialmente habilidoso dos pais e dos filhos. Bolsoni-Silva e Marturano
(2008) sinalizaram algumas Habilidades Sociais Educativas Parentais mais frequentes
no repertório de pais e de mães de pré-escolares com comportamentos socialmente
habilidosos, dentre elas pode-se citar, demonstrar carinho, cumprir promessas, concordar
com o cônjuge e discriminar comportamentos socialmente habilidosos dos filhos.
Na mesma direção, Koblinsky e cols. (2006) ao examinarem a relação entre as
práticas parentais, as habilidades sociais e os problemas de comportamento de 184
pré-escolares de famílias de baixa renda, encontraram que as mães que utilizam mais
Habilidades Sociais Educativas Parentais tinham filhos com mais habilidades sociais
Os pais podem orientar os comportamentos dos filhos através de várias estratégias e técnicas. No presente
estudo será utilizado o termo Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P), o qual pode ser entendido
como sendo um conjunto de habilidades sociais educativas dos pais (tais como manter conversação, expressar
sentimentos positivos e negativos, estabelecer limites, cumprir promessas etc), aplicáveis à prática educativa
dos filhos (Bolsoni-Silva, 2008). As HSE-P contemplam as práticas dos pais que são denominadas na literatura
como práticas educativas positivas (Gomide, 2003), práticas indutivas (Hoffman, 1979) e estilo parental
autoritativo (Maccoby & Martin, 1983).
1
150
Aletheia 31, jan./abr. 2010
e com menos problemas de comportamento. De forma semelhante, Cia e cols. (2007)
observaram correlações positivas entre um bom repertório em habilidades sociais de 22
mães com o envolvimento parental nas atividades acadêmicas e de lazer dos seus filhos
que frequentavam a primeira série do ensino fundamental. Portanto, verifica-se que
comportamentos sociais são desenvolvidos no repertório infantil, ao menos em parte,
através da mediação dos pais (Del Prette & Del Prette, 2005).
Habilidades sociais na infância
Segundo Del Prette e Del Prette (2005), a infância é um período crítico para a
aprendizagem das habilidades sociais e das normas de convivência, as quais ocorrem
primeiramente com a família e depois em outros ambientes como vizinhança, pré-escola e
escola. Ainda que eventuais dificuldades nas relações sociais possam ser superadas pelas
pessoas sem que haja algum tipo de intervenção sistemática, vários pesquisadores (Baraldi
& Silvares, 2003; Caldarella & Merrell, 1997; Cia & cols., 2007; Del Prette & Del Prette,
2005; De Salvo, Mazzarotto & Löhr, 2005; Mcclellan & Katz, 1996, Molina & Del Prette,
2006) têm encontrado que a promoção de comportamentos socialmente habilidosos pode
prevenir o surgimento e/ou a manutenção de problemas de comportamento, no que tange
a melhorar a relação com pares (Caldarella & Merrell, 1997; Mcclellan & Katz, 1996),
a desenvolver uma autoestima positiva e empatia (Falcone, 2000; Pavariano, Del Prette
& Del Prette, 2005), além de melhorar o desempenho acadêmico (Bandeira, Rocha,
Freitas, Del Prette & Del Prette, 2005; Molina & Del Prette, 2006) e o relacionamento
com os pais (Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; Cia & cols., 2007). Adicionalmente,
pesquisas (Campos & Marturano, 2003; McClelland & Morrison, 2003) têm indicado
que o desenvolvimento das habilidades sociais na infância é precursor ao de competência
social em outras etapas no desenvolvimento.
Várias pesquisas (Baraldi & Silvares, 2003; Castro, Melo & Silvares, 2003; De Salvo
& cols., 2005; Gonçalves & Murta, 2008) foram realizadas com o objetivo de desenvolver
habilidades sociais em crianças como forma de prevenção de problemas de comportamento
e/ou de aprendizagem. Gonçalves e Murta (2008) realizaram um estudo para avaliar os
efeitos de uma intervenção em habilidades sociais sobre comportamentos socialmente
habilidosos, autoconceito e aceitação pelos pares. A intervenção foi realizada com três
crianças (idade entre 7 e 13 anos) que apresentavam problemas de comportamento e de
aprendizagem. Os resultados indicaram um aumento nos comportamentos socialmente
habilidosos, mudanças positivas no autoconceito e no julgamento dos pares.
Baraldi e Silvares (2003) avaliaram a eficácia de um programa de intervenção
realizado com os pais e com os filhos (16 crianças pré-escolares e escolares) que
apresentavam queixas de agressividade. As análises dos dados revelaram que as crianças
apresentaram, após a intervenção, menos problemas de comportamento e que houve uma
melhora na qualidade das relações familiares com o aumento da utilização de práticas
educativas menos coercitivas. O estudo indica que o treino de habilidades sociais infantis
realizado juntamente com o treino de Habilidades Sociais Educativas Parentais parece
melhorar a relação entre pais e filhos.
De Salvo e cols. (2005) realizaram um programa preventivo baseado no
desenvolvimento de habilidades sociais com crianças pré-escolares e com seus pais. As
Aletheia 31, jan./abr. 2010
151
crianças passaram por sessões lúdicas que objetivaram proporcionar o desenvolvimento
das habilidades sociais e seus pais frequentaram sessões de orientação sobre práticas
educativas. Após a intervenção as crianças apresentaram médias maiores na maioria
dos itens referentes à competência social e médias menores para problemas de
comportamento.
Os estudos mencionados indicam que as habilidades sociais parecem funcionar
como fator de proteção para o desenvolvimento acadêmico e interpessoal infantil. Em
outras palavras, um repertório elaborado de habilidades sociais na infância pode contribuir
para que a criança obtenha mais facilmente reforçadores sociais importantes para a sua
fase de desenvolvimento, tais como fazer amizades, estabelecer relações harmoniosas
em seu ambiente social, adquirindo independência, responsabilidade e cooperação e,
por outro lado, pode aumentar a sua capacidade em lidar com situações adversas e
estressantes (Del Prette & Del Prette, 2005; Gonçalves & Murta, 2008; McClelland &
Morrison, 2003). Assim, as habilidades sociais podem trazer diversos benefícios para o
desenvolvimento infantil.
Com base nos dados das pesquisas expostas, propõe-se neste estudo que as
habilidades sociais das crianças e as Habilidades Sociais Educativas dos Pais (HSE-P)
possam ser utilizadas em intervenções que se baseiam no modelo construcional de
Goldiamond (2002/1974). De forma geral, esse modelo, baseado nos princípios da
Análise do Comportamento, focaliza a construção e ampliação de novos repertórios
em detrimento a eliminação de comportamentos problema. Para isso são utilizados
procedimentos de reforçamento positivo, modelagem por aproximações sucessivas de
repertórios socialmente habilidosos e autorregistro de comportamentos.
Segundo Goldiamond (2002/1974), o modelo construcional prioriza a investigação
de múltiplas variáveis, relacionadas à ecologia comportamental, de forma a identificar
classes de respostas e interdependências comportamentais. Essa investigação possibilita
a obtenção de hipóteses funcionais para todo o repertório da pessoa. O terapeuta busca
descrever consequências reforçadoras para os comportamentos que ocorrem em déficits e
em excessos, os quais mantêm a pessoa emitindo tais respostas ainda que as consequências
também tragam punições. De posse dessas informações, o terapeuta que investigou
também os recursos, as potencialidades do cliente, pode ampliar e/ou promover, por meio
de técnicas comportamentais, respostas denominadas de funcionalmente equivalentes, isto
é, esses repertórios seriam capazes de obter reforçadores ora obtidos por comportamentos
problemas, os quais tendem a diminuir.
Para Gimenes, Andronis e Layng (2005), os programas construcionais diferenciamse dos demais, especialmente por promover a ampliação de repertórios comportamentais
que forneçam os mesmos reforçadores obtidos pelo comportamento(s) problema. Além
disso, nesse modelo de atuação não há um foco exclusivo em desenvolver repertórios
comportamentais centrados na queixa principal do indivíduo, mas sim em promover uma
ampla gama de comportamentos que o ajude a resolver suas dificuldades (Goldiamond,
2002/1974) e obter os reforçadores que lhe são necessários.
Assim, enquanto as intervenções comportamentais de caráter eliminativo
normalmente são prejudiciais por privarem o indivíduo de reforçadores críticos, o
modelo construcional focaliza a implementação de comportamentos alternativos. Nesse
152
Aletheia 31, jan./abr. 2010
caso, as habilidades sociais dos filhos e as Habilidades Sociais Educativas Parentais são
exemplos de comportamentos que poderiam ser trabalhados em intervenções com o
objetivo de substituir no repertório comportamental dos filhos e dos pais, os problemas
de comportamento infantis e as práticas educativas negativas. A título de exemplo, uma
criança pode obter atenção fazendo birras (problema de comportamento) ou solicitando,
aos pais, que brinquem com ela (habilidade social). Na mesma situação, os pais podem
agredir verbalmente e/ou fisicamente (práticas educativas negativas) o filho quando
ele faz birras, com o objetivo de suprimir esse comportamento, ou podem conversar
e negociar com a criança (habilidades sociais educativas parentais), obtendo o mesmo
resultado. Logo, quando os pais e os filhos aprendem outras formas de obter reforçadores
através de comportamentos socialmente habilidosos, os comportamentos problema e as
práticas educativas negativas podem perder a sua funcionalidade, o que faria com que
reduzissem de ocorrência.
As informações obtidas através da descrição das situações e das consequências
para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento podem permitir a
identificação de contingências sob as quais os comportamentos dos pais e dos filhos
ocorrem ou deixam de ocorrer. Torna-se, então, possível sugerir algumas explicações,
ao menos em parte, para as frequências, por exemplo, dos comportamentos que
compõem o repertório de habilidades sociais e de problemas de comportamento das
crianças e das práticas educativas dos pais. Mediante tais informações, é possível pensar
em estratégias de intervenção tanto com os pais quanto com as crianças, utilizando
o modelo construcional, cujo foco é a construção, o fortalecimento e a generalização
de repertórios socialmente habilidosos. Tais intervenções com os pais e com os filhos
que apresentam dificuldades de relacionamento poderiam desenvolver e/ou ampliar as
HSE-P e as habilidades sociais infantis, melhorando o seu relacionamento e prevenindo
problemas de comportamento.
Utilizando como referência os pressupostos do modelo construcional de Goldiamond
(2002/1974), o estudo tem como objetivos: a) avaliar as habilidades sociais e os problemas
de comportamento de pré-escolares; b) investigar as situações e os comportamentos das
mães frente aos comportamentos dos filhos; c) sugerir hipóteses sobre comportamentos
funcionalmente equivalentes das mães e dos filhos que poderiam ser construídos em
programas de intervenção. As informações foram obtidas por meio dos relatos de 20
mães de crianças com indicativos de problemas de comportamento (Grupo clínico) e 20
mães de crianças sem esses problemas (Grupo não clínico).
Método
Participantes
Participaram deste estudo 40 mães de pré-escolares (20 mães de crianças com
indicativos de problemas de comportamento – Grupo clínico e 20 mães de crianças sem
indicativos de problemas de comportamento – Grupo não clínico) e 19 professoras. As
crianças (idade média 5,3 anos, DP=0,87) estavam matriculadas do Jardim I ao Pré, em
Aletheia 31, jan./abr. 2010
153
sete Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), de uma cidade do interior do Estado
de São Paulo com 343.350 habitantes. A idade média das mães do Grupo não clínico
era de 33 anos (DP=0,98) e do Grupo clínico era de 31 anos (DP=0,83). A distribuição
por gênero apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (X2=5,96;
p<0,01). O Grupo não clínico era composto por 15 meninas e 5 meninos, inversamente,
o Grupo clínico era formado por 15 meninos e 5 meninas. Os grupos eram equivalentes
quanto à escolaridade das mães (Grupo não clínico média 9,57 anos, DP=0,85 e Grupo
clínico média 9,37 anos, DP=0,81), a renda familiar (Grupo não clínico média R$ 1.110,00
e Grupo clínico média R$ 933,00), ao estado civil (19 mães do Grupo não clínico e clínico
viviam a primeira união conjugal), ao status ocupacional (15 mães do Grupo não clínico
e clínico estavam empregadas) e a jornada de trabalho (sete mães do Grupo não clínico
e seis mães do Grupo clínico trabalhavam período integral). Este estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com protocolo no 1175/46/01/06.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados na seleção da amostra e na coleta de dados foram: (a)
Escala Comportamental Infantil B de Rutter, versão para professores (ECI-B, Santos,
2002) e Escala Comportamental Infantil A2 de Rutter, versão para pais (ECI-A2, adaptada
por Graminha, 1994). Ambos os instrumentos são compostos por perguntas que procuram
avaliar indicativos de problemas de comportamento. O instrumento ECI-A2 foi adaptado
por Graminha (1994) para a realidade brasileira, apresentando índices satisfatórios de
fidedignidade e determinação do ponto de corte. A ECI-B foi traduzida por Santos (2002),
que verificou que o ponto de corte original da escala discriminava crianças com alto e
baixo rendimento escolar; (b) Questionário de Respostas Socialmente Habilidosas para
Pais (QRSH-Pais, Bolsoni-Silva, 2003) contem afirmações que procuram investigar
comportamentos indicativos de habilidades sociais apresentados por crianças. A versão
do QRSH para Professores já foi validada (Bolsoni-Silva, Marturano & Loureiro, 2009)
e os estudos psicométricos da versão para os pais estão em andamento; (c) Entrevista
sobre Comportamentos Infantis e Parentais (E-CIP). A E-CIP trata-se de uma entrevista
estruturada que investiga as situações em que os filhos apresentavam as habilidades sociais
e os problemas de comportamento identificados pelas mães no QRSH-Pais e na ECI-A2,
bem como os seus comportamentos diante das habilidades sociais e dos problemas de
comportamento dos filhos. Para avaliar a fidedignidade do instrumento, foram coletados
dados com 10 mães, cujas medidas foram obtidas com um mês de distanciamento. A
partir desses dados, foi realizado o teste de correlação de Spearmam, sendo encontrada
correlação significativa a 5% (0,84). Contudo, ressalta-se que o instrumento ainda não
possui as propriedades psicométricas validadas.
Procedimento de coleta de dados
Para a seleção da amostra, solicitou-se, após a permissão concedida pela Secretaria
de Educação Infantil, a colaboração, mediante a assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, de 19 professoras de sete Escolas Municipais de Educação Infantil
(EMEI), na indicação de crianças com e sem problemas de comportamento. Para formar
154
Aletheia 31, jan./abr. 2010
os Grupos não clínico e clínico, as professoras responderam a ECI-B e as crianças
indicadas como apresentando problemas de comportamento deveriam atingir o escore
da ECI-B (escore ≥ 9) e as crianças sem essa indicação não deveriam atingir esse escore.
Em seguida, a pesquisadora entrou em contato com as mães para apresentar os objetivos
da pesquisa e verificar o interesse em participar da mesma. Caso houvesse interesse,
era agendada uma visita na residência ou no local de trabalho das mães. Nesta visita,
após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a pesquisadora
aplicava os instrumentos (ECI-A2, QRSH-Pais e E-CIP). Para todos os instrumentos,
a pesquisadora leu os itens e anotou as respostas das mães e das professoras. Critérios
de inclusão: Para participar do estudo, as crianças indicadas pelas professoras como
apresentando problemas de comportamento pela ECI-B (escore ≥9) deveriam também
apresentar índice clínico na ECI-A2 (escore ≥16). Por sua vez, as crianças indicadas
pelas professoras como sem problemas de comportamento não deveriam apresentar
esses índices clínicos, segundo os relatos das professoras e das mães. Além disso,
as crianças deveriam morar com ambos os pais e esses deveriam viver uma situação
conjugal civil ou por consenso.
Procedimento de análise de dados
Os escores totais e dos itens dos instrumentos QRSH-Pais e ECI-A2 foram tratados
estatisticamente (Teste U de Mann-Whitney, pacote estatístico SPSS 12.0) a fim de fazer
comparações entre o Grupo clínico e o Grupo não clínico e foram calculadas as médias,
considerando como resultados significativos p≤0,05. Os itens do QCSH-Pais foram
agrupados em três categorias (Bolsoni-Silva, Marturano, Figueiredo & Manfrinato, 2006),
a saber: (a) Expressão de sentimentos e enfrentamento; (b) Interação social positiva;
(c) Disponibilidade social e cooperação. Por sua vez, na ECI-A2, foram considerados
somente os problemas de comportamento externalizantes. As entrevistas (E-CIP), de
duração aproximadamente de 60 minutos, foram gravadas e transcritas integralmente e,
em seguida, foram realizadas análises de conteúdo (Bardin, 1977).
A seguir são descritos os resultados significativos das análises estatísticas (Teste
U de Mann-Whitney) das frequências das habilidades sociais e dos problemas de
comportamento externalizantes. Para as habilidades sociais, os resultados das análises
estatísticas indicaram que os Grupos não clínico e clínico diferiram-se estatisticamente
(p≤0,05) nos seguintes itens da categoria Expressão de sentimentos e enfrentamento,
sendo o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de: expressar frustração e
desagrado (p=0,000); expressar desejos e preferências (p=0,001); expressar carinhos
(p=0,037); expressar direitos e necessidades (p=0,021); fazer críticas (p=0,001);
manifestar bom humor (p=0,001). Com relação à categoria Interação social positiva,
os Grupos não clínico e clínico diferiram-se significativamente nos seguintes itens que
compõem essa categoria, sendo que o Grupo não clínico mais habilidoso no caso de:
comunicar-se com as pessoas de forma positiva (p=0,004); interagir de forma nãoverbal (p=0,014); brincar com colegas (p=0,019). Por sua vez, os itens da categoria
Disponibilidade social e cooperação não apresentam diferenças estatísticas significativas
entre os grupos. Com relação aos problemas de comportamento, as análises estatísticas
indicaram que os grupos apresentaram diferenças estatísticas em todos os itens da
Aletheia 31, jan./abr. 2010
155
ECI-A2 correspondentes aos problemas de comportamento externalizantes, a saber:
ficar mal-humorado e nervoso (p=0,001); “matar” aula (p=0,038); costuma roubar
ou pegar coisas dos outros às escondidas (p=0,018); ser muito agitado (p=0,000);
ficar impaciente/irrequieto (p=0,001); destruir as próprias coisas ou as dos outros
(p=0,000); brigar com outras crianças (p=0,000); ficar irritado (p=0,000); desobedecer
(p=0,000); ficar pouco tempo numa atividade (p=0,031); falar mentiras (p=0,000);
maltratar outras crianças (p=0,015); falar palavrões (p=0,009). Para todos esses itens,
o Grupo clínico apresentou os problemas de comportamento com mais frequência que
o Grupo não clínico.
Em seguida, os dados das entrevistas (E-CIP) a respeito das habilidades sociais
e dos problemas de comportamentos das crianças que apresentaram diferenças
estatísticas entre os grupos, foram agrupados considerando os relatos das mães a
respeito das situações e das consequências (comportamentos das mães). Os dados
dessa análise são apresentados nas Tabelas 1, 2, 3 e 4. Os relatos das mães do Grupo
não clínico e clínico sobre seus comportamentos diante das habilidades sociais e
dos problemas de comportamento dos seus filhos foram organizados em um sistema
de classificação com duas categorias não mutuamente exclusivas: (a) Habilidades
Sociais Educativas Parentais (HSE-P, Bolsoni-Silva, 2008); (b) Práticas educativas
negativas (exemplos: quando os pais agridem os filhos de forma verbal e/ou física
e fazem ameaças de agressões, quando os pais deixam os filhos fazerem birras,
saem de perto e ficam quietos e quando os pais dizem não aos filhos, sem oferecer
explicações). Essas categorias foram elaboradas pelas pesquisadoras a partir da
literatura nacional (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva, 2008; Gomide,
2003; Del Prette & Del Prette, 2001) e internacional (Baumrind, 1971; Hoffman,
1979) sobre práticas educativas parentais, estilos parentais e habilidades sociais
educativas dos pais. Para categorizar os comportamentos das mães foi calculado um
índice de concordância em 30% das entrevistas por dois codificadores que tiveram
treinamento e que desconheciam o grupo a qual a mãe pertencia. Quando era atingido
um índice de concordância de 85%, as demais entrevistas tinham as respostas das
mães categorizadas independentemente pelos codificadores. As porcentagens de
acordos encontradas foram 88,1% nos comportamentos das mães e 86,9% nos
comportamentos das crianças.
Resultados
Os resultados apresentam os relatos das mães a respeito das situações e das
consequências para as habilidades sociais e para os problemas de comportamento das
crianças do Grupo não clínico e das crianças do Grupo clínico.
A Tabela 1 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não
clínico sobre as situações e as consequências para as habilidades sociais que apresentaram
diferenças significativas entre os grupos.
156
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Tabela 1 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo não clínico
em relação às Habilidades Sociais
Situações
M
Habilidades sociais dos filhos
Comportamentos das mães
M
Expressa frustração e desagrado
Quando a criança
é contrariada
1,80
Expressa desejos e preferências
Faz críticas
Habilidades Sociais Educativas
Parentais
(HSE-P)
2,50
Habilidades Sociais Educativas
Parentais
(HSE-P)
4,15
Expressa direitos e necessidades
Expressa carinhos
Brinca com colegas
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
3,15
Interage de forma não verbal
Comunica-se de forma positiva
com as pessoas
Manifesta bom humor
Pela Tabela 1, nota-se que, segundo os relatos das mães, as crianças do Grupo não
clínico expressam as habilidades sociais quando são contrariadas e, principalmente, em
momentos de lazer. Nessas duas situações, diante das habilidades sociais dos filhos, as
mães dizem que apresentam Habilidades Sociais Educativas Parentais (HSE-P).
A Tabela 2 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo não
clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento
que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Tabela 2 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo
não clínico em relação aos Problemas de Comportamento
Situações
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
M
0,20
Problemas de comportamento dos filhos
Destrói objetos
Comportamentos das mães
Habilidades
Sociais Educativas
Parentais
(HSE-P)
M
0,50
Fica mal-humorado e nervoso
Quando a criança
é contrariada
0,55
Irritável
Práticas educativas
negativas
0,60
Práticas educativas
negativas
0,65
Desobediente
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
Muito agitado
0,20
Fica pouco tempo numa atividade
Aletheia 31, jan./abr. 2010
157
Os dados da Tabela 2 sugerem, pelas falas das mães do Grupo não clínico, que seus
filhos destroem objetos em momentos de lazer com parentes e amigos; situações nas quais
as mães apresentam HSE-P. Por sua vez, a Tabela 2 indica que quando as crianças são
contrariadas e em momentos de lazer, elas ficam mal-humoradas e nervosas, irritadas,
desobedientes, agitadas e não param em nenhuma atividade. Nesses momentos, as mães
do Grupo não clínico relatam que apresentam práticas educativas negativas.
A Tabela 3 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo
clínico a respeito das situações e das consequências para as habilidades sociais que
apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
Tabela 3 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo clínico em
relação às Habilidades Sociais
Situações
M
Habilidades sociais dos filhos
Comportamentos das mães
M
Expressa desejos e
preferências
Quando a criança
é contrariada
0,60
Expressa direitos e
necessidades
Habilidades Sociais Educativas
Parentais
(HSE-P)
0,65
Habilidades Sociais Educativas
Parentais
(HSE-P)
1,60
Faz críticas
Expressa carinhos
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
1,45
Brinca com colegas
Interage de forma não verbal
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
0,25
Comunica-se de forma positiva
com as pessoas
Práticas educativas negativas
0,20
Momentos
de lazer com
parentes e amigos
0,40
Manifesta bom humor
HSE-P e
Práticas educativas negativas
0,50
Conforme a Tabela 3, as crianças do Grupo clínico apresentam as habilidades sociais
quando são contrariadas e, especialmente, em momentos de lazer. Nessas situações, as
mães do Grupo clínico dizem que quando os filhos expressam desejos e preferências,
direitos e necessidades, críticas, carinhos, brincam com colegas e interagem de forma
não-verbal, elas consequenciam positivamente essas habilidades, apresentando HSE-P.
Por sua vez, quando os filhos comunicam-se de forma positiva e ficam de bom humor,
as mães relatam apresentar também práticas educativas negativas.
A Tabela 4 apresenta as médias dos escores totais dos relatos das mães do Grupo
clínico a respeito das situações e das consequências para os problemas de comportamento
que apresentaram diferenças significativas entre os grupos.
158
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Tabela 4 – Médias dos escores totais das situações e dos comportamentos das mães do Grupo clínico em relação
aos Problemas de Comportamento
Situações
Quando a
criança é
contrariada
M
0,50
Problemas de comportamento
dos filhos
Impaciente, irrequieto
Comportamentos das mães
Habilidades Sociais
Educativas Parentais
(HSE-P)
M
1,70
Fica mal-humorado e nervoso
Costuma roubar ou pegar coisas
dos outros
Quando a
criança é
contrariada
3,80
Briga frequentemente
Práticas educativas negativas
4,20
Irritável
Desobediente
Fala mentiras
Fala palavrões
Momentos
de lazer com
parentes e
amigos
2,35
Muito agitado
Práticas educativas
negativas
1,60
HSE-P e
Práticas educativas
negativas
1,20
Destrói objetos
Fica pouco tempo numa atividade
Quando a
criança é
contrariada
“Mata” aula
0,25
Maltrata crianças
Segundo a Tabela 4, as crianças do Grupo clínico ficam impacientes e irrequietas
quando são contrariadas e, nessas situações, as mães relatam apresentar HSE-P. Os
dados demonstram que as crianças ficam mal-humoradas e nervosas, costumam roubar,
brigam, ficam irritadas e falam mentiras quando são contrariadas. Nessas situações
as mães dizem que apresentam práticas educativas negativas. De forma semelhante,
em momentos de lazer quando as crianças falam palavrões, ficam agitadas, destroem
objetos e não param numa atividade, as mães do Grupo clínico também relatam
apresentar práticas educativas negativas. Por fim, as mães do Grupo clínico relataram
ora apresentar HSE-P, ora práticas educativas negativas, quando seus filhos “matam”
aula e maltratam outras crianças quando são contrariados.
Ao comparar os dados das Tabelas (1, 2, 3 e 4), nota-se médias maiores de HSE-P
e médias menores de práticas educativas negativas relatadas pelas mães do Grupo não
clínico em relação às mães do Grupo clínico, seja diante das habilidades sociais, seja
diante dos problemas de comportamento dos filhos, principalmente em situações que as
Aletheia 31, jan./abr. 2010
159
crianças eram contrariadas. Portanto, enquanto as mães do Grupo não clínico relatam
sempre consequenciar positivamente (com HSE-P) as habilidades sociais dos seus
filhos, as mães do Grupo clínico ora dizem apresentar HSE-P, ora práticas educativas
negativas. Quanto aos problemas de comportamento, as médias do Grupo clínico são
maiores em relação às do Grupo não clínico; e as mães de ambos os grupos relatam
utilizar práticas educativas negativas.
Discussão
As mães das crianças do Grupo não clínico relataram que diante dos comportamentos
dos seus filhos, apresentavam com mais frequência HSE-P, o que corrobora com outras
pesquisas (Alvarenga & Piccinini, 2001; Bolsoni-Silva & Marturano, 2008; GormanSmith & Tolan, 1998; Koblinsky & cols., 2006; McGroder, 2000) que sinalizam que pais
de crianças socialmente competentes utilizam, para direcionar os comportamentos dos
filhos, estratégias e técnicas que se baseiam em explicações, negociações, expressão de
sentimentos positivos e estabelecimento de limites com consistência.
Contudo, chama a atenção que diante de diferentes problemas de comportamento
apresentados pelas crianças do Grupo não clínico, em situações distintas (em momentos de
lazer e quando a criança é contrariada), as mães disseram apresentar com mais frequência
práticas educativas negativas e com menos frequência HSE-P. Ao analisar os dados é
possível que ambas as práticas educativas das mães (negativas e as HSE-P) tenham a
função de suprimir os comportamentos indesejados dos filhos. Segundo alguns autores
(Sidman, 2003/1989; Vasconcelos & Souza, 2006), os pais usualmente apresentam
dificuldade em estabelecer limites aos filhos, recorrendo muitas vezes às práticas
educativas negativas. Tais práticas coercitivas são utilizadas por vários motivos, dentre
elas porque suprimem imediatamente os comportamentos problema dos filhos (Sidman,
2003/1989) e há uma valorização cultural de que a coerção é um recurso eficaz para
conseguir a obediência dos filhos (Vasconcelos & Souza, 2006).
Contudo, apesar das práticas educativas negativas diminuírem imediatamente,
após a sua apresentação, a frequência dos problemas de comportamento dos filhos, seus
efeitos são apenas temporários (Skinner, 1970/1953). Assim, tão logo, os problemas de
comportamento voltam a ocorrer, pois os pais não ensinam aos filhos outras possibilidades
de ação e ainda podem causar diversos prejuízos para o desenvolvimento infantil, tais
como baixa autoestima, agressividade e sintomas depressivos (Baum, 1999/1994; Sidman,
2003/1989; Skinner, 1970/1953; Vitolo & cols, 2005). Por isso, seria mais eficiente e
funcional que os pais aprendessem a utilizar outras estratégias educativas para estabelecer
limites aos filhos que não se baseassem em alternativas coercitivas. Assim, partindo-se
da proposta de Goldiamond, poder-se-ia propor uma intervenção às mães do Grupo não
clínico visando à ampliação das HSE-P e das habilidades sociais das crianças.
Nesse sentido, as mães do grupo clínico seriam orientadas a apresentar diante dos
problemas de comportamento dos filhos não as práticas educativas negativas, mais sim as
HSE-P, as quais já fazem com menor frequência. Essa intervenção poderia, num primeiro
momento, ensinar as mães a discriminarem que quando os filhos destroem objetos, elas
apresentam HSE-P, mas quando os filhos apresentam outros problemas de comportamento
160
Aletheia 31, jan./abr. 2010
(tais como ficar mal-humorado e nervoso, irritável e desobediente), as mães os agridem
física ou verbalmente e/ou fazem ameaças de agressões. Posteriormente, as mães do
Grupo não clínico poderiam aprender a controlar e a expressar de forma não agressiva
seus sentimentos negativos, bem como pedir mudança de comportamento aos filhos.
Assim, aproveitando o modelo construcional, na medida em que as mães ampliassem seus
repertórios socialmente habilidosos (HSE-P), ao invés de apenas eliminar suas práticas
educativas negativas, as crianças talvez não precisassem mais apresentar comportamentos
problema para, por exemplo, ter a atenção das mães.
Em relação às habilidades sociais e os problemas de comportamento identificados
pelas mães do Grupo não clínico, nota-se que, na maior parte das vezes, as crianças
comportavam-se de forma socialmente habilidosa tanto quando eram contrariadas
como em momentos de lazer. Na perspectiva de Goldiamond (2002/1974), cuja
meta é a construção, o fortalecimento e a generalização de repertórios socialmente
habilidosos, intervenções com as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar as
habilidades sociais que foram identificadas pelas suas mães quando elas, por exemplo,
eram contrariadas.
As crianças poderiam ser ensinadas, num primeiro momento, a discriminarem que há
situações (tais como são contrariadas) em que ora comportavam-se de forma socialmente
habilidosa (ao, por exemplo, expressar frustração, desagrado, desejos e preferências),
ora apresentavam problemas de comportamento (ao, por exemplo, ficar mal-humoradas,
nervosas e desobedientes). Por sua vez, na sequência, as crianças poderiam aprender que
seus diferentes comportamentos traziam também consequências diversas, isto é, quando,
por exemplo, eram contrariadas e expressavam frustração e desagrado de forma adequada,
suas mães disseram apresentar HSE-P. Já quando as crianças eram contrariadas e ficavam
mal-humoradas e nervosas, as mães falavam que as agrediam de forma verbal ou física,
faziam ameaças de agressões, etc (práticas educativas negativas).
Posteriormente, as crianças do Grupo não clínico poderiam ampliar habilidades que
envolvessem, segundo Del Prette e Del Prette (2005), o autocontrole, a expressividade
adequada dos seus sentimentos e a capacidade de negociação, naquelas situações que
poderiam envolver conflitos de interesse, obtendo as mesmas consequências, sem,
contudo, apresentar, problemas de comportamento. Portanto, é provável que os problemas
de comportamento dos filhos diminuíssem de frequência, sem, contudo realizar uma
intervenção focada na eliminação desses comportamentos (Goldiamond, 2002/1974).
No que diz respeito ao repertório comportamental das mães do Grupo clínico,
observa-se que essas disseram apresentar com mais frequência práticas educativas
negativas em momentos diversos diante dos problemas de comportamento externalizantes
dos filhos. Todavia, quando os filhos ficavam impacientes e irrequietos ao serem
contrariados, as mães relataram apresentar HSE-P. Deste modo, uma possibilidade é
que ambas as práticas educativas (as HSE-P e as práticas negativas) tenham a função de
estabelecer limites aos filhos nos momentos em que esses dão contrariados. Contudo,
as práticas educativas parentais negativas podem gerar nos filhos contracontrole,
ressentimento, mágoa e não ensinam qual o comportamento mais desejado, apenas punem
o comportamento inadequado das crianças, oferecendo ainda modelos de agressividade
(Sidman, 2003/1989).
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161
Segundo o modelo construcional, as mães do Grupo clínico poderiam, numa
intervenção, expandir as suas HSE-P para lidar com os problemas de comportamento
dos seus filhos. Isso seria viável na medida em que os resultados demonstraram que
quando os filhos expressavam desejos e preferências, direitos e necessidades, carinhos
etc, as mães disseram apresentar HSE-P. Com isso, as mães estabeleceriam limites aos
filhos de forma socialmente habilidosa, sendo consistentes, expressando sentimentos
positivos e pedindo mudança de comportamento de forma não agressiva. Assim, as
crianças possivelmente diminuíram a frequência de problema de comportamento, já
que teriam atenção e afeto das mães em outros momentos, isto é, quando apresentam
habilidades sociais.
A partir do modelo construcional, as intervenções realizadas com as crianças
do Grupo clínico, poderiam ajudá-las a identificar que quando são contrariadas, ora
comportam-se de forma socialmente habilidosa e ora não. Consequentemente, as
mães reagem diferentemente diante dos comportamentos dos filhos, apresentando,
na maioria das vezes, práticas educativas negativas diante dos problemas indesejados
dos filhos.
Tendo como hipótese, que tanto os comportamentos socialmente habilidosos
quanto os problemáticos tenham a função de, por exemplo, obter afeto e atenção
das mães, as crianças poderiam ser orientadas a ampliar suas habilidades sociais
(tais como, expressão de sentimentos negativos, negociação e autocontrole).
Esse procedimento seria utilizado para permitir que os filhos obtivessem afeto e
atenção das mães por meio da apresentação das habilidades sociais e não mais pela
emissão dos problemas de comportamento (Goldiamond, 2002/1974). A estratégia
de intervenção seria realizada através de uma avaliação do contexto (situações e
consequências) tanto das habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento.
Seria, assim, possível identificar as habilidades sociais (por exemplo, expressar
desejos, preferências, direitos e necessidades) que garantissem às crianças os
mesmos reforçadores sociais conseguidos através dos problemas de comportamento.
Entretanto, é preciso considerar durante as intervenções que, conforme sinalizam
autores da área de habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2001, 2005), embora
comportamentos topograficamente diferentes tenham a mesma função, os problemas
de comportamento são mais eficientes em obter reforçadores imediatos que os
comportamentos socialmente habilidosos. Nesse caso, é preciso ensinar as crianças
a discriminarem não apenas os reforços imediatos, mas também a identificarem os
efeitos negativos ao apresentarem os problemas de comportamento, tais como rejeição
pelos pares e ressentimento dos pais.
Conclusão
De uma maneira geral é possível verificar que as crianças e as mães do Grupo não
clínico são socialmente mais habilidosas que as crianças e as mães do Grupo clínico,
pois apresentam com mais frequência habilidades sociais infantis e Habilidades Sociais
Educativas Parentais (HSE-P), respectivamente. Como os resultados indicaram que
as mães do Grupo clínico apresentaram mais práticas educativas negativas frente aos
162
Aletheia 31, jan./abr. 2010
comportamentos dos filhos, quando comparadas às mães do Grupo não clínico, pode-se
sugerir que as primeiras sejam mais coercitivas. Todavia, a maior frequência de práticas
educativas negativas identificadas pelas mães do Grupo clínico pode estar relacionada
ao maior número de problemas de comportamento apresentado pelos filhos. Ou seja, o
comportamento da criança é o contexto para a mãe emitir respostas para educar o filho,
o que concorda com Biasoli-Alves (1994) que afirma a interação entre pais e filhos como
bidirecional. Nesse sentido, a criança tem um papel ativo na aprendizagem tanto das
habilidades sociais quanto dos problemas de comportamento, influenciando as práticas
educativas dos pais. Portanto, o que se verifica é que as interações entre pais e filhos são
interdependentes.
Os resultados sugerem que o diferencial entre os Grupos refere-se aos momentos de
interação positiva (por exemplo, conversar, oferecer explicações e expressar sentimentos
positivos) e a frequência com que as práticas educativas negativas são utilizadas para
estabelecer limites, o que concorda com estudos prévios (Bolsoni-Silva & cols., 2006;
Bolsoni-Silva & Marturano, 2008). Em outras palavras, as mães do Grupo não clínico
parecem conseguir identificar e consequenciar positivamente um maior número de
habilidades sociais dos filhos, em comparação com as mães do Grupo clínico. Por sua
vez, as últimas, ainda que com menos frequência, também observavam comportamentos
socialmente habilidosos em seus filhos. A capacidade das mães em discriminar as
habilidades sociais dos filhos foi indicada em outros estudos (tais como Bolsoni-Silva
& Marturano, 2008; Cia e cols., 2007; Koblinsky & cols., 2006) e traz implicações
importantes para a prática do modelo construcional, uma vez que esse propõe a utilização
do reforçamento positivo, a modelagem de repertórios socialmente habilidosos e a
utilização do autorregistro de comportamento em intervenções.
Essa última habilidade, em particular, pode contribuir com o desenvolvimento do
autoconhecimento dos pais sobre suas práticas educativas e sobre as variáveis que as
controlam. Nesse sentido, considerando que as habilidades sociais previnem problemas
de comportamento (Caldarella & Merrell, 1997; De Salvo & cols., 2005; Mcclellan &
Katz, 1996; Molina & Del Prette, 2006), elas podem ser utilizadas em intervenções que
se fundamentam no modelo construcional de Goldiamond (2002/1974).
Tal modelo prevê uma avaliação mais ampla do repertório comportamental das
crianças e dos pais, considerando tanto os comportamentos problema quanto as habilidades
sociais, uma vez que é possível verificar a existência de repertórios comportamentais
habilidosos em pais e em crianças com problemas de comportamento. Nessa direção, os
pais poderiam ser instruídos a aprender monitorar e ensinar comportamentos alternativos
às crianças, sendo o primeiro passo, eles próprios aprenderem a se controlar e a reagir,
sem agressividade, em momentos de frustração ou de contrariedade.
Este estudo exploratório procurou contribuir para um maior entendimento acerca
das relações entre pais e filhos que podem estar relacionadas tanto com as habilidades
sociais infantis quanto com os problemas de comportamento. Contudo, uma limitação
importante refere-se aos dados terem sido obtidos através dos relatos das mães sobre seus
comportamentos e sobre os comportamentos dos seus filhos e isso tem duas implicações.
Primeiro, as mães podem não conseguir discriminar seus comportamentos, dos seus filhos
e seus efeitos; segundo, as mães podem ter dado respostas que elas consideravam como
Aletheia 31, jan./abr. 2010
163
socialmente aceitas, o que pode influenciar nos resultados. Assim, estudos futuros podem
ser complementados com outros delineamentos metodológicos, tais como observação
natural e/ou experimental.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aprovado em agosto de 2009
Vanessa Barbosa Romera Leme: Psicóloga; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto ( FFCLRP/USP). Bolsista da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.
Alessandra Turini Bolsoni-Silva: Psicóloga; docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do
Desenvolvimento e Aprendizagem da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP/
Bauru).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
* Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda, cujo título
é “Habilidades sociais e problemas de comportamento de pré-escolares e a sua relação com as habilidades
sociais educativas parentais”, defendida na Faculdade de Ciências da UNESP-Bauru.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
167
Aletheia 31, p.168-183, jan./abr. 2010
Interações sociais e clima para criatividade em sala de aula
Ana Clara Oliveira Libório
Marisa Maria Brito da Justa Neves
Resumo: Este trabalho objetivou verificar as diferenças significativas no clima para a criatividade em
turmas de 5ª série do Ensino Fundamental, as possíveis relações entre as interações professor-aluno e
o clima para criatividade em sala e de que forma as concepções dos professores acerca da criatividade
se inter-relacionam com um clima mais ou menos favorável à criatividade. O estudo foi realizado em
uma escola pública do Distrito Federal e seus resultados sugerem que existem graus diferentes no
clima para criatividade nas turmas estudadas. As turmas que evidenciaram um clima mais favorável
à criatividade, também apresentaram, com mais frequência, interações professor-aluno de sintonia,
cooperação e domínio em comparação às interações de desconsideração. Com relação às concepções
dos professores sobre criatividade e como promovê-la, foi observado que o envolvimento e o preparo
do professor têm maior influência em sua atuação em sala do que as suas concepções.
Palavras-chave: interação professor-aluno; criatividade e clima para criatividade.
Social interaction and the climate for creativity in the classroom
Abstract: This study aim was to investigate whether there were significant differences in the climate
for creativity among fifth grade classes; to identify possible relationships between the teacher-student
interactions and the climate for creativity in the classroom; and to identify how the teachers’ beliefs
about creativity and its promotion in the classroom were related to a more or less favorable climate
for creativity in the classroom. The study was performed in a public school of Distrito Federal and
suggests that there are different degrees of climate for creativity in the fifth grade classes. Those
classes exhibiting a more favorable climate for creativity also showed more frequent instances
of teacher-student interaction involving harmony, cooperation and command, compared to that of
disregard. With regard to the teachers’ beliefs about creativity and how to promote it, the study shows
that the teacher’ preparation are more important than their beliefs about the phenomena.
Key words: Creativity, climate for creativity, teacher-student interaction.
Introdução
Partindo do pressuposto de que o trabalho educativo ocorre, essencialmente, a
partir das interações e das comunicações estabelecidas entre os atores da comunidade
escolar e que essas interações são essenciais tanto para a aprendizagem como para
o desenvolvimento dos sujeitos, torna-se imprescindível estimular relacionamentos
autênticos e cooperativos para que professor e aluno possam encontrar formas adequadas
de se posicionarem diante das diferentes situações presentes nas práticas educativas
diárias (Marinho-Araújo, 1995).
Além da importância de focar o olhar nas interações que estão sendo construídas
no espaço educativo, faz-se necessária, também, a transformação da realidade de práticas
desestimulantes, tediosas e promotoras de fracasso escolar, em práticas mobilizadoras de
aprendizagem gratificante, fecunda e comprometida com o sucesso escolar.
168
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Esta pesquisa concentrou-se no clima para a criatividade em sala de aula, buscando
correlacioná-lo com a interação professor-aluno, constituindo-se numa tentativa de
enfatizar a importância que essa relação tem na construção e consolidação do processo de
desenvolvimento e aprendizagem do sujeito. Na prática, o processo de criar ou combinar
novas ideias ou imagens, como diz Vygotsky (1987), faz parte da natureza humana e, como
tal, deve ser entendida como um processo psicológico que se constitui numa complexa
interação de elementos ao longo da história de cada sujeito; é na relação dialógica do
sujeito com o ambiente que o seu desenvolvimento vai sendo construído.
Nas abordagens clássicas da Psicologia Infantil, o desenvolvimento é fator
determinante para que o ensino ocorra, como se houvesse não só independência mas,
também, uma condição de necessidade entre ambos os processos: a aprendizagem
ocorreria em função do nível de desenvolvimento ou de maturação, sendo que a última
sempre deveria preceder à primeira.
Alguns psicólogos soviéticos, como Vygotsky, Leontiev e Lúria contrapõem
essa concepção, afirmando que o desenvolvimento humano não pode, nem deve, ser
desvinculado da apropriação que o sujeito faz da sua cultura; ou seja: não é um processo
interno (a maturação) que possibilita a aprendizagem e sim, as apropriações que o
sujeito vai fazendo da cultura na qual está inserido que vão lhe propiciando condições
de aprendizagem e de desenvolvimento.
Para os soviéticos, o processo de desenvolvimento não seria anterior ao ensino.
Para eles, a criança se desenvolveria na medida em que fosse ensinada e educada; isto
é: na medida em que, sob a orientação de adultos ou companheiros mais experientes, se
apropriasse da cultura elaborada pela humanidade (Davis, Silva & Espósito, 1989).
Essa nova concepção veio definitivamente mudar o enfoque dado às questões
relacionadas à aprendizagem, uma vez que amplia a importância da dimensão interativa.
O foco da aprendizagem, que antes incidia basicamente nas questões do indivíduo, muda
e passa a centrar-se, a partir dessa nova concepção, nas questões interacionais, deixando
claro que a cooperação intelectual em torno de um problema comum é fator fundamental
no desenvolvimento dos sujeitos.
Porém, para que as interações sociais possibilitem a construção de determinados
conhecimentos e tenham valor educativo, é necessário que elas tenham potencialidade
para provocar uma ação produtiva, que forneçam, além da dimensão afetiva, desafio e
apoio para a atividade cognitiva. Davis, Silva e Espósito (1989) colocam que as interações
sociais que contribuem com a construção do saber, são aquelas que exigem coordenação
de conhecimentos, articulação de ações e superação de contradições. Significa dizer
que, será necessário que certezas sejam questionadas, o implícito explicitado, lacunas
de informações preenchidas, conhecimentos ampliados, negociações estabelecidas e
decisões tomadas de forma sistemática e contínua.
Hinde (1979) pode ser considerado como um autor que muito tem contribuído
para a compreensão das interações sociais no contexto escolar. Ele sugere que existem
dois tipos de interações mais frequentes no contexto da sala de aula: a simétrica e a
complementar.
A interação simétrica, também conhecida como recíproca, ocorre quando os
indivíduos envolvidos apresentam comportamento similar, simultaneamente ou
Aletheia 31, jan./abr. 2010
169
alternadamente, e são consideradas mais raras. A complementar ocorre quando o
comportamento de cada indivíduo difere, mas complementa o do outro; é uma interação
muito vista na relação professor-aluno, sendo importante na iniciação ou manutenção
das relações, tendo que ser compatíveis com as normas do grupo.
É importante esclarecer a diferença que esse autor faz entre relação e interação.
Para Hinde (1979), uma relação seria o somatório de várias interações, pressupondo um
vínculo; já uma interação, ocorreria quando um sujeito A emite um comportamento para
B, com intencionalidade, o que provocaria uma reação ou resposta de A.
Ao assumirmos que o processo de aprendizagem é social, o foco da nossa atenção
desloca-se, então, para as interações e os procedimentos de ensino tornam-se fundamentais.
O que se fala, como se fala, em que momento e por quê; da mesma maneira que, o que se
faz, como se faz, em que momento e por que se faz, afetam profundamente as relações
professor-aluno, influenciando diretamente o processo ensino-aprendizagem.
O comportamento do professor em sala de aula expressa suas intenções,
crenças, valores, sentimentos e desejos, configurações essas que afetam não só o aluno
individualmente, mas, também, toda a turma. Então, o que seria necessário para que essa
relação se consolidasse da forma mais saudável possível, potencializadora da criatividade,
estimuladora de aprendizagem?
As teorizações de Bruner (1977) podem nos ajudar a responder essa questão. O autor
descarta a ideia de prontidão para a aprendizagem. Para ele, é possível ensinar qualquer
coisa para qualquer criança, não interessando o momento do desenvolvimento, visto que
o fundamental é a interação entre a criança, o assunto e o modo pelo qual o conhecimento
é apresentado. Dessa forma, o aluno é colocado em uma situação ativa, percebido como o
construtor de sua própria aprendizagem, cabendo ao professor o papel de desafiador e não
apenas o de fornecedor de respostas prontas. O autor argumenta que o desenvolvimento da
criança depende dos andaimes que irão lhe proporcionar as ajudas, direções e orientações
sobre o ambiente que a rodeia (Bruner, 1990). O autor esclarece, portanto, o papel central
do professor como mediador do desenvolvimento e de aprendizagem dos alunos.
Para esse autor, cabe ao professor propor dúvidas aos alunos. O que é isso se não
possibilitar novos pensamentos, descobrir novos caminhos; em resumo: desenvolver
a criatividade. Todo professor deseja encontrar em seus alunos características que
são necessárias e desejáveis para que os objetivos educacionais sejam alcançados,
tais como: criatividade, participação, reflexão, interesse e cooperação. Para que isso
ocorra, é necessário que esse aluno esteja inserido em um ambiente interativo onde
haja diálogos estimuladores.
Dentre as várias possibilidades sugeridas na literatura, de como a relação professoraluno possa estar se constituindo de forma a possibilitar o desenvolvimento do potencial
criativo, serão destacadas as seguintes (Alencar & Fleith, 2003): valorização da pessoa do
aluno; confiança na sua capacidade e competência; apoio à expressão e a participação do
aluno em sala, principalmente quanto à expressão de novas ideias; ajuda no fortalecimento
de traços de personalidade, como autoconfiança, curiosidade, persistência, independência
de pensamento; coragem para explorar situações novas e lidar com o desconhecido;
expor o aluno apenas a críticas construtivas; conceber o erro como parte do processo de
aprendizagem e o cultivo do senso de humor em sala de aula.
170
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Contribuindo para a ampliação dessas possibilidades, Martínez (1997) acrescenta
a essa lista algumas outras como: o incentivo à autoavaliação; a interação com o aluno
fora do contexto da sala de aula; compartilhar experiências pessoais, quando for possível,
relacionando-as ao conteúdo ministrado e à apresentação de informações significativas,
atualizadas e conectadas entre si.
É importante salientar que existem muitas barreiras no próprio sistema educacional
que dificultam a expressão da criatividade. Inicialmente, pode-se afirmar que nossa
educação ainda é voltada para a memorização, que exige dos alunos a reprodução de
um conhecimento ultrapassado ou até mesmo irrelevante. Reconhecemos, também,
como barreira, o fato de que, desde cedo, se aprende só existir uma resposta para cada
questão, o que cristaliza a concepção dicotômica do certo ou errado e gera o medo de
errar, reduzindo a participação dos alunos, uma vez que o erro está associado ao fracasso.
Uma outra barreira é a impregnação de uma cultura do fracasso no sistema escolar.
Percebe-se, no contexto escolar, um discurso recorrente de pessimismo, de menos valia,
de incapacidade, de ignorância e incompetência do aluno – o alvo mais frequente – mas,
também, do professor, da direção, o que dificulta a percepção e o vislumbre de uma visão
mais otimista e real do cotidiano escolar (Fleith & Alencar, 2003).
Por fim, convém salientar que o ensino tem se voltado quase que exclusivamente para
o conhecimento do mundo exterior, pouco se relacionando aos sonhos, ideais, à reflexão
sobre si mesmo, não favorecendo o autoconhecimento. Permitir o autoconhecimento,
por meio de um ensino voltado para o desenvolvimento do potencial criativo de cada
estudante, é permitir que ele esteja permanentemente em contato com suas necessidades
e desejos. Sendo assim, as escolas deveriam estimular o pensamento divergente e o uso
da imaginação, além de entender que educar é preparar e permitir que cada aluno possa
viver de uma forma eficiente num mundo em constantes e rápidas mudanças.
Recuperando, portanto, o conceito de criatividade como um atributo essencialmente
humano, uma condição essencial à existência humana, que pode estar presente tanto
em grandes descobertas, em grandes obras de arte, assim como em toda manifestação
humana, em todos os tempos e lugares (Aspesi, Chagas & Fleith, 2005), deve-se observar
e compreender de que forma as interações sociais podem ser potencializadoras ou não no
estabelecimento de um clima favorável à criatividade nas salas de aula.
Para melhor esclarecer a importância de se compreender como a interação professoraluno e o fenômeno da criatividade são dois fenômenos que podem e devem caminhar
juntos, apresentaremos a seguir algumas contribuições de outros pesquisadores, que
vêm se aproximando dessa questão. Um estudo realizado por Alencar (2000), com
alunos pós-graduandos, sobre comportamentos que caracterizavam um professor como
facilitador ou inibidor do desenvolvimento e da expressão de habilidades criativas em
seus alunos, revelou que as categorias mais relacionadas foram: preparação pedagógica
e técnicas instrucionais, aqui os alunos referiam-se principalmente àquele professor
que utilizava discussão e debates como incentivo para o aluno questionar e refletir;
bagagem de conhecimento, a descrição do professor aqui era o de uma pessoa com
grau de conhecimento elevado e domínio do conteúdo; e a relação professor-aluno,
onde os aspectos mais salientados foram tratar o aluno com respeito e cordialidade e ter
relacionamento amigável.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
171
Nos últimos anos, outras pesquisas têm sugerido o aprofundamento do estudo
da relação professor-aluno, com a finalidade de examinar a dinâmica da sala de aula
para que comportamentos e formas de comunicação que favoreçam ou não a atividade
criativa sejam desvendados (Cassassus, 2007; Mariani & Alencar 2005; Neves-Pereira,
2004; Santeiro, Santeiro & Andrade, 2004). A pesquisa realizada por Mariani e Alencar
(2005) com professores de História, apontou que, na percepção da maioria dos docentes
de História, a falta de habilidade na relação com o aluno foi o fator que mais restringe a
expressão criativa, sendo esse um dos limitadores mais destacados. Foram enfatizadas,
ainda, como barreiras à criatividade docente, os seguintes aspectos: dificuldade na
comunicação e na utilização da linguagem adequada de acordo com a faixa etária do aluno,
enquanto uns professores têm facilidade de se relacionar com alunos das séries iniciais,
outros preferem as séries mais adiantadas, fato esse não considerado pelos dirigentes
escolares na distribuição das turmas; dificuldade em controlar a disciplina e a inabilidade
em articular formas diversificadas de aula, para torná-las mais prazerosas.
Uma pesquisa realizada com alunos universitários, calouros de Biomedicina, no
interior paulista, procurou identificar quais seriam as características do professor facilitador
e/ou inibidor da criatividade. Os resultados sinalizaram como característica facilitadora
da criatividade o preparo do professor e como inibidora, o modo como o professor se
relaciona com os alunos (Santeiro, Santeiro & Andrade, 2004). Esses dados vão na mesma
direção dos achados por Alencar (2000) com alunos de pós-graduação.
Um trabalho recente, que não se propôs exatamente ao estudo da criatividade, nem
da interação professor-aluno, mas que veio corroborar a importância de estudos nessa
área, foi dirigido e apresentado por Juan Casassus (2007), responsável pelo programa da
Unesco sobre o estado da educação na América Latina e Caribe. De acordo com os dados,
os pesquisadores concluiram que grande parte da desigualdade que se observa na escola
é produzida dentro da própria escola e não algo herdado das diferenças entre as famílias.
As justificativas apresentadas são de que a desigualdade aumenta, em parte, porque o
afastamento que existe entre os alunos e seus professores possibilita e facilita a ação do
ambiente social, que no caso dos filhos de famílias com mais recursos é quase sempre mais
favorável aos alunos. Outra constatação da pesquisa foi a confirmação da importância de um
ambiente emocional para a aprendizagem, que pode ser favorável ou não, e a necessidade
de os professores serem preparados para desenvolver competências interpessoais.
Compreendendo que o fenômeno da criatividade deve ser definido dentro da
dimensão do desenvolvimento humano, e entendendo que o desenvolvimento humano dá-se
primordialmente nas interações sociais, assumimos, nesse trabalho, a criatividade como a
construção de algo novo (pelo menos para quem o produz) e que satisfaça as exigências de
uma determinada situação social (Martínez, 1977). Ampara-se nas ideias de Vygotsy (1987)
quando esse autor aponta, como impulsos básicos do ser humano, o impulso de imitar e o
de criar. O impulso de criar ou combinar novas imagens ou ações ocorreria sempre que o
indivíduo não se limitasse a reproduzir fatos ou impressões já vividas.
Partindo dessas argumentações, o presente trabalho buscou investigar a relação
professor-aluno, visando compreender de que forma essas relações podem ser
favorecedoras para um clima propício ou não à criatividade em sala de aula.
172
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Método
Participantes
Fizeram parte da pesquisa 226 alunos que cursavam a 5ª Série do Ensino
Fundamental e oito professores de um Centro de Ensino Fundamental, de uma escola
da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal. Os alunos tinham entre 10 e 15 anos e
estavam distribuídos em oito turmas. Quanto ao gênero, 50,4% eram do gênero feminino
e 49,6%, do masculino. Os oito professores participantes tinham média de idade de 40,1
anos, com curso superior completo, com mais de dez anos de experiência em sala de
aula, seis eram do gênero feminino e dois, do masculino. Esses professores lecionavam as
seguintes disciplinas: Matemática, Educação Física, Inglês, Educação Artística, Ciências,
Português, Geografia e História.
Instrumentos
1 – A Escala sobre Clima para Criatividade em Sala de Aula (Fleith & Alencar,
2005) foi um instrumento construído com o objetivo de avaliar e/ou diagnosticar
comportamentos do professor favoráveis à expressão criativa dos seus alunos, assim
como verificar características dos alunos associadas à criatividade, é um instrumento
que deve ser respondido pelos alunos. A Escala possui no total 22 itens, distribuídos em
cinco fatores, a saber: Suporte da Professora à Expressão de Ideias do Aluno – Fator 1
(esse fator é composto por cinco itens, que dizem respeito ao apoio que a professora dá
ao seu aluno para que ele sinta-se seguro, visando estabelecer uma relação de confiança);
Autopercepção do Aluno com Relação à Criatividade – Fator 2 (composto por quatro itens,
que procuram identificar a imagem que o aluno tem de si mesmo com relação a ser criativo
ou não); Interesse do Aluno pela Aprendizagem – Fator 3 (composto por seis itens que
visam identificar o nível de envolvimento do aluno com o trabalho escolar); Autonomia do
Aluno – Fator 4 (composto por quatro itens que buscam identificar traços de personalidade
normalmente presentes em pessoas criativas) e Estímulo da Professora à Produção de
Ideias do Aluno – Fator 5 (composto por três itens que visam identificar a postura do
professor quanto ao incentivo e à aceitação das ideias geradas pelos alunos).
Os primeiros estudos foram realizados com alunos da 3ª e 4ª séries do Ensino
Fundamental e os resultados indicaram a pertinência da escala como instrumento de pesquisa
e como identificador de condutas docentes que favorecem o desenvolvimento e expressão
das habilidades criativas dos alunos (Fleith & Alencar, 2005). Neste estudo, utilizou-se uma
versão adaptada dessa escala visando atender as especificidades dos alunos da 5ª série. A
pontuação da escala original e, também, da versão adaptada, varia de 1 a 5, sendo 1 referente
a Nunca, 2 a Poucas Vezes, 3 a Algumas Vezes, 4 a Muitas Vezes e 5 a Sempre.
2 – Entrevistas individuais semiestruturadas realizadas com os professores com a
finalidade de identificar quais as concepções deles sobre criatividade, sobre os fatores que
interferem no seu desenvolvimento, como estabelecer um clima favorável à criatividade
em sala de aula, qual o papel da interação professor-aluno no processo de desenvolvimento
da criatividade e quais as principais barreiras para a implementação de um ambiente
favorecedor do desenvolvimento da criatividade em sala de aula.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
173
3 – Observações em sala de aula. As observações tiveram como objetivo anotar as
ações concretas e reais do contexto de sala de aula e foram registradas por meio filmagens
realizadas com duas câmaras de vídeo posicionadas no fundo das salas em oposição ao
posicionamento do professor.
Procedimentos
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, em Março/2008, sob o
registro 003/2008, RG/SISNEP: FR – 176257, iniciou-se a pesquisa por um estudo piloto,
com alunos da 5ª série para verificação e validação semântica da Escala Sobre Clima
para Criatividade em Sala de Aula, (Fleith & Alencar, 2005).
Após a validação, iniciou-se a coleta dos dados pela aplicação da Escala Adaptada.
A disciplina por turma foi escolhida por sorteio. A Turma 1 (T1) – Inglês, T2 – Educação
Física, T3 – História, T4 – Educação Artística, T5 – Matemática, T6 – Ciências, T7 –
Geografia e T8 – Português.
No segundo momento, foram realizadas as entrevistas individuais e semiestruturadas
com os professores, onde se procurou esclarecer: o que era criatividade, quais os fatores
que mais interferem no seu desenvolvimento, o que é necessário para que se estabeleça
um clima favorável em sala de aula, como é possível identificar a criatividade em sala,
qual o papel da relação professor-aluno na expressão da criatividade do aluno e do
professor e quais os maiores impedimentos para a implementação de práticas pedagógicas
encorajadoras da criatividade no contexto da sala de aula.
No terceiro momento foram realizadas as observações em sala, onde foi possível
identificar quais as características ou tipos de interação professor-aluno foram mais
recorrentes.
Análise dos dados
Os dados da Escala Adaptada foram analisados utilizando-se o programa SPSS,
Versão 13.0 (2004). Esse pacote estatístico foi utilizado com a finalidade de verificar a
diferença de percepção do clima para criatividade nas diferentes turmas, o que possibilitou
traçar um perfil de como estava o clima para a criatividade em cada uma das salas, segundo
a percepção dos alunos.
As entrevistas foram analisadas utilizando-se a técnica da Análise de Conteúdo
proposta por Bardin (1997) com o objetivo de identificar as concepções dos professores
a respeito dos fenômenos propostos na pesquisa.
O registro das observações obtidos por meio das filmagens foi o último instrumento
a ser analisado. De posse das gravações, foram selecionados 20 minutos de cada aula (do
5º ao 25º minuto), e realizada as transcrições dos episódios interacionais que ocorreram
entre alunos e professores. Foram considerados episódios interacionais toda verbalização
ou ação motora de um sujeito (professor ou alunos) dirigida clara e diretamente a outro,
seguida de verbalização e ação motora deste para o primeiro (Hinde, 1979).
As interações observadas no estudo foram classificadas com base em categorias
relacionais, propostas por Duran (1987) e Marinho-Araújo (1995), sendo elas: de
174
Aletheia 31, jan./abr. 2010
sintonia, quando as ações e os comportamentos dos indivíduos envolvidos indicam
reciprocidade, harmonia, acordo mútuo, correspondência de interesses ou objetivos; de
domínio, quando há primazia de comportamentos de um dos indivíduos sobre o outro,
onde um se destacará como responsável pela direção da interação, com a finalidade ou
não de influenciar, conter ou controlar as atividades ou ações do outro, mudando ou
não normas ou acordos pré-estabelecidos; de cooperação caracterizada por interações
que envolvem ações desempenhadas com a finalidade de atingir um benefício comum
entre os sujeitos envolvidos, e ainda podendo colaborar na resolução de conflitos e
de desconsideração onde estão presentes a falta de atenção, a negação de ajuda, a
hostilidade e mesmo a desqualificação das necessidades apresentadas pelos sujeitos.
Resultados
Os resultados obtidos com os três instrumentos foram os seguintes:
Escala Adaptada sobre Clima para Criatividade em Sala de Aula (Fleith & Alencar,
2005). Para verificar a diferença de percepção do clima para criatividade nas diferentes
turmas, foram realizadas análises de comparação das médias por meio da ANOVA
(Analysis of Variance). Nas Tabelas do número 1 a 5 serão apresentados os valores
referentes ao N (número de alunos) por turma, a Média, o DP (Desvio Padrão).
A Tabela 1 apresenta os valores referentes ao Fator 1. As letras entre parênteses,
após os números das turmas, representam suas respectivas disciplinas.
Tabela 1- Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 1)
Turmas
N
M
DP
T1 (I)
32
3,87
0,70
T2 (EF)
30
4,06
0,79
T3 (H)
34
3,69
0,77
T4 (EA)
31
3,26
0,83
T5 (M)
21
3,11
0,78
T6 (C)
28
3,48
0,77
T7 (G)
26
3,34
0,87
T8 (P)
24
3,22
0,76
Com relação ao Fator 1 (Suporte da professora à expressão de ideias do aluno),
o que observamos é que existem diferenças significativas entre as turmas (F [7;218] =
5,18; p=0,000. Ao se realizar o teste de Scheffé, utilizado como post hoc, verificou-se que
a média de T2 (M=4,06; DP=0,79) é significativamente maior que a média das demais
turmas.
As turmas T1 (M=3,87; DP=0,70) e T2 (M=4,06; DP=0,79) mostraram-se
significativamente diferentes de T4 (M=3,26; DP= 0,83), T5 (M= 3,11; DP=0,78) e T8
(M=3,22; DP=0,76), contudo não evidenciam diferenças significativas entre si..
Aletheia 31, jan./abr. 2010
175
As turmas T4 (M=3,26; DP= 0,83), T5 (M= 3,11; DP=0,78), T6 (M=3,48; DP= 0,77), T7
(M=3,34; DP=0,87) e T8 (M=3,22; DP=0,76) não evidenciaram diferenças significativas
entre si. Na Tabela 2 apresentaremos os dados referentes ao Fator 2.
Tabela 2 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 2)
Turmas
N
M
DP
T1 (I)
32
3,70
0,88
T2 (EF)
30
4,20
0,53
T3 (H)
34
4,09
0,57
T4 (EA)
31
3,77
0,76
T5 (M)
21
3,83
0,91
T6 (C)
28
3,37
0,90
T7 (G)
26
3,37
0,81
T8 (P)
24
3,88
0,81
Com relação ao Fator 2 (Autopercepção do aluno com relação à criatividade)
os resultados indicam que também há diferenças significativas entre as turmas (F
[7;218]=4,37; p=0,000). As turmas que apresentaram diferenças significativas foram T2
(M=4,20; DP=0,53) e T3 (M=4,09; DP=0,57) com relação a T6 (M= 3,37; DP=0,90) e
T7 (M=3,37; DP=0,81). Na Tabela 3 apresentaremos os dados referentes ao Fator 3.
Tabela 3 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 3)
Turmas
N
M
DP
T1 (I)
32
3,89
0,52
T2 (EF)
30
4,29
0,49
T3 (H)
34
4,00
0,51
T4 (EA)
31
3,82
0,79
T5 (M)
21
3,33
0,85
T6 (C)
28
3,75
0,73
T7 (G)
26
3,58
0,55
T8 (P)
24
3,45
0,69
Com relação ao Fator 3 (Interesse do aluno pela aprendizagem) os resultados
sinalizam que existem diferenças significativas entre as turmas (F[7;218]=6,19;
p=0,000). As turmas T1 (M=3,89; DP=0,52), T2 (M=4,29; DP=0,49), T3 (M=4,00;
DP=0,79) e T4 (M=3,82; DP=0,79) não evidenciaram diferenças significativas entre si,
assim como as T5 (M=3,33; DP=0,85), T6 (M=3,75; DP=0,73), T7 (M=3,58 DP=0,55)
e T8 (M=3,45; DP=0,69) também não.
176
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Já T1 (M=3,89; DP=0,52), T2 (M=4,29; DP=0,49), T3 (M=4,00; DP=0,79) se
diferenciaram de T5 (M=3,33; DP=0,85); T2 (M=4,29; DP=0,49) de T6 (M=3,75;
DP=0,73) e T7 (M=3,58 DP=0,55); e T2 (M=4,29; DP=0,49) e T3 (M=4,00; DP=0,79)
de T8 (M=3,45;DP=0,69). Na Tabela 4 apresentaremos os dados referentes ao Fator 4.
Tabela 4 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 4)
Turmas
N
M
DP
T1 (I)
32
2,95
0,63
T2 (EF)
30
3,24
0,78
T3 (H)
34
3,04
0,80
T4 (EA)
31
2,95
0,89
T5 (M)
21
2,41
0,85
T6 (C)
28
2,79
0,81
T7 (G)
26
2,67
0,71
T8 (P)
24
2,49
0,55
Com relação ao Fator 4 (Autonomia do aluno), os dados também indicam
que existem diferenças significativas entre as turmas (F[7;218]=3,58; p=0,001). As
turmas T1 (M=2,95; DP=0,63), T2 (M=3,24; DP=0,78), T3 (M=3,04; DP=0,80) e T4
(M=2,95; DP=0,89), T6 (M=2,79; DP=0,81) e T7 (M=2,67; DP=0,71) não evidenciaram
diferenças significativas entre si.
Porém T5 (M=2,41; DP=0,85) e T8 (M=2,49; DP=0,55) evidenciaram diferenças
significativas com relação à T2 (M=3,24; DP=0,78). Na Tabela 5 apresentaremos os
dados referentes ao Fator 5.
Tabela 5 – Valores de Média e Desvio Padrão (Fator 5)
Turmas
N
M
DP
T1 (I)
32
3,40
0,73
T2 (EF)
30
3,68
0,81
T3 (H)
34
3,24
0,70
T4 (EA)
31
3,47
1,23
T5 (M)
21
3,25
0,80
T6 (C)
28
3,65
0,94
T7 (G)
26
3,28
0,99
T8 (P)
24
2,96
1,13
Aletheia 31, jan./abr. 2010
177
Com relação ao Fator 5 (Estímulo do professor à produção de ideias dos alunos)
os dados sugerem que não há diferença significativa entre as turmas (F[7;218]=1,76;
p=0,96).
Com o objetivo de sumarizar e melhor visualizar as médias de todas as turmas,
bem como identificar outros resultados, apresentaremos na Tabela 6 os valores com as
médias dos cinco fatores em cada turma.
Tabela 6 – Média dos Fatores nas Oito Turmas
Percepção do aluno do Clima
para Criatividade em Sala de
Aula
TURMAS
T1
T2
T3
T4
T5
T6
T7
T8
M
M
M
M
M
M
M
M
Fator 1: Suporte do Professor à
Expressão de Ideias
3,87
4,06
3,69
3,26
3,11
3,48
3,34
3,22
Fator 2: Autopercepção
do Aluno com Relação à
Criatividade
3,69
4,20
4,08
3,77
3,83
3,36
3,36
3,87
Fator 3: Interesse do Aluno
pela Aprendizagem
3,88
4,29
3,99
3,82
3,32
3,75
3,58
3,45
Fator 4: Autonomia do Aluno
2,94
3,24
3,04
2,95
2,40
2,79
2,67
2,48
Fator 5: Estímulo do Professor
à Produção de Ideias do Aluno
3,39
3,67
3,23
3,47
3,25
3,65
3,32
2,95
Ao compararmos os resultados obtidos nas oito turmas nos cinco fatores, observamos
que a turma que obteve as maiores médias em todos os fatores foi T2. Também podemos
identificar que os fatores melhores avaliados pelos alunos foran Interesse do Aluno pela
Aprendizagem e Autopercepção do Aluno com Relação à Criatividade e o pior avaliado
em todas as turmas, foi Autonomia do Aluno.
Entrevista Semiestrutrada. A partir das respostas dos professores às questões
propostas nas entrevistas, as verbalizações foram organizadas em temas, que posteriormente
compuseram três categorias, configurando, assim, um procedimento indutivo de análise.
A seguir, apresentaremos as categorias, suas descrições e análises.
Categoria 1 – Definição e concepção de criatividade.
Para os professores entrevistados, criatividade é a expressão espontânea da realidade
interna e a capacidade de transformar e solucionar problemas de forma inovadora. Os
professores a concebem como uma capacidade inata (5/8 dos participantes), como algo
a ser adquirido (2/8) e como uma capacidade que pode ser inata ou adquirida (1/8).
Categoria 2 – Estabelecendo um clima favorável à criatividade em sala de aula.
Os professores sugeriram que a atuação e motivação do professor associados a
um ambiente adequado, estimulante e tranquilo são os fatores mais importantes para
178
Aletheia 31, jan./abr. 2010
o estabelecimento de clima favorável à criatividade. Em segundo lugar, apontaram a
necessidade de utilização de recursos materiais adequados e a crença do professor na
capacidade do aluno.
Categoria 3 – Papel da relação professor-aluno na expressão da criatividade.
A análise nos permitiu identificar que, para os docentes (6/8), o papel da relação
professor-aluno é o de estabelecer uma relação de cumplicidade, confiança e empatia,
aparecendo de uma forma menos frequente a necessidade de conhecer o aluno em seus
aspectos cognitivos e afetivos.
Observações em sala. O objetivo inicial era observar quatro tipos de interações:
sintonia, cooperação, domínio e desqualificação; porém, no decorrer da análise, surgiu
um outro tipo de interação, a de ensino. Por interação de ensino entendemos toda ação e/
ou fala dos indivíduos que indicam que esses estão envolvidos em transmitir informações
referentes ao conteúdo ministrado.
A Figura 1 traz um exemplo de como os episódios interacionais foram analisados
nas turmas observadas.
Episódio
Tipo de interação
Referência
Um aluno levanta a mão e pergunta
a professora: O que é Lan House?
Fugindo do assunto que é plural dos
substantivos.
Sintônica
4’ 56”
A professora para a explicação, ouve o
aluno e responde: Casa de Rede.
Um aluno levanta e faz uma
brincadeira, a professora faz um
gesto para que ele se sente.
Domínio
8’ 45”
O aluno se senta.
Cooperação
15’ 29
A professora responde “Oh, já
na prova, vocês sabem como nós
trabalhamos, damos a frase e eu digo
lá, digamos que eu tenha colocado
assim: quando a palavra termina em
Y, nós acrescentamos apenas E, está
certo ou errado?”
A professora dá uma explicação
do que é a sigla Lan “um sistema
grande, .. é igual à sigla SOS?”
Um aluno faz uma brincadeira:
“socorro” .
Desconsideração
5’ 42”
A professora continua a explicação e
desqualifica a brincadeira do aluno.
A professora pergunta o que é SOS?
Alguns alunos respondem juntos: É
um pedido de socorro.
Ensino
5’ 45”
A professora repete a resposta dos
alunos e explica que ela significa
“save ours souls”, em português
“salvem nossas almas”
Um aluno faz uma pergunta sobre as
questões da prova
Resultado observado
Figura 1 – Episódios, tipo de interação, referência e resultado observado na T1
A Tabela 7 traz a quantidade de episódios identificados e sua classificação (tipos)
por turma, em valores brutos, após 20 minutos de observação em cada turma.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
179
Tabela 7 – Tipos e quantidades de interações professor-aluno por turma num período de 20 minutos
Tipos de Interações
Turmas
T1
T2
T3
T4
T5
T6
T7
T8
Sintônica
10
8
2
3
9
5
9
6
Domínio
9
8
6
13
10
1
4
11
Cooperação
11
3
2
4
9
1
4
5
Desconsideração
1
1
2
12
21
8
25
11
Ensino
57
39
3
19
102
37
64
57
TOTAL
88
59
14
51
151
52
106
90
Discussão
A partir dos resultados obtidos com esta pesquisa podemos afirmar que existem nas
turmas de 5ª séries estudadas diferentes graus de clima para a criatividade.
Segundo a percepção dos alunos, as turmas que obtiveram os melhores índices
nos fatores medidos pela Escala, foram as de Educação Física (T2), História (T3),
Inglês (T1), não evidenciando diferenças significativas entre si. Enquanto os menores
índices, em ordem decrescente, foram nas turmas de Educação Artística (T4), Ciências
(T6), Geografia (T7), Português (T8) e Matemática (T5), que também não indicaram
diferenças entre si.
Os fatores melhor avaliados foram os que se referem ao – Interesse do aluno pela
aprendizagem – (Fator 3) e o que indica a – Autopercepção do aluno com relação à sua
criatividade – (Fator 2). Esse dado pode sinalizar que os alunos, de forma geral, estão
atentos e interessados com o próprio processo de aprendizagem e acreditam em sua
capacidade de criar, mesmo quando não avaliam suas salas como um espaço com clima
favorável à criatividade.
Um resultado de pesquisa similar a esse foi evidenciado por Neves-Pereira
(2004) ao observar e analisar crianças do jardim de infância. A autora constatou que a
falta de condições teórica, técnicas e pessoais de alguns professores para lidar com as
potencialidades criativas de seus alunos, não eram impeditivos para que muitos alunos
demonstrassem uma disposição para a criatividade.
Também Renzulli (1992) salienta o quão é importante o interesse do aluno por sua
aprendizagem na promoção de uma aprendizagem criativa e que esse interesse depende,
em parte, da motivação do aluno que será despertada tanto mais ele for exposto a diversos
tipos de conteúdos. O interesse do aluno depende, também, da atenção do professor em
considerar as habilidades, interesses e estilos de aprendizagens dos seus alunos a fim de
promover seu envolvimento nas atividades propostas em sala.
Ao utilizarmos a análise de variância univariada (ANOVA) para verificar diferenças
e semelhanças entre as turmas, foi constatado que o Fator 5 – Estímulo da Professora à
180
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Produção de Ideias do Aluno – não importa qual seja a disciplina, não apresentou diferença
significativa entre as turmas. Uma explicação possível refere-se ao desconhecimento ou
desinteresse por parte dos professores de seu papel e da importância dos alunos serem
estimulados à produção de ideias e ao pensamento divergente como um fator preponderante
para o estabelecimento de um clima favorecedor do desenvolvimento da criatividade em
sala, assim como a relevância do seu papel de mediador nesse processo.
Isso talvez explique o fato de os professores apontarem, como condição necessária
para estabelecer um clima favorável à criatividade em sala, coisas como: interesse do
aluno, motivação do professor, conhecimento dos temas que serão abordados com os
alunos, aprender a ouvir mais os alunos e relações cordiais entre professores e alunos,
a utilização de recursos materiais adequados e a crença do professor na capacidade
do aluno, não trazendo o estímulo deles à produção de ideias dos alunos como tema
relevante.
Uma descoberta interessante foi quanto à percepção que os alunos têm sobre sua
autonomia em sala. Em todas as turmas, o Fator 4 – Autonomia do aluno – foi o que obteve
a pior avaliação dos alunos, o que sugere que eles podem não estar tendo a oportunidade
de fazer escolhas, que não têm muito poder de decisão na hora de escolher como fazer
os trabalhos ou tarefas. Isso pode provocar a falta de envolvimento nas atividades que
estão realizando, o que contraria um dos princípios básicos para o desenvolvimento da
criatividade em sala que é a necessidade de estimular o aluno a se tornar mais autônomo
e independente, capaz de organizar seu campo de ação e tomar decisões.
Na análise das interações, inicialmente objetivou-se observar a ocorrência das
interações de sintonia, domínio, cooperação e desconsideração; mas, no decorrer da
análise, observou-se que a interação de ensino era a mais recorrente em todas as turmas,
com exceção de T3. A explicação possível é que a atividade proposta para T3 era copiar
do quadro, o que não favoreceu a interação professor-aluno e sim, aluno-aluno.
Com relação às interações de sintonia, domínio, cooperação e desconsideração, o
resultado aponta que, em todas as turmas, ocorreram os quatro tipos e o que as diferenciou
foi a frequência com que ocorreram. Na T1 e T2, as interações mais frequentes após as de
ensino foram as de sintonia e cooperação. Já T3, teve como mais recorrente a de domínio.
Nas três outras turmas, a que ocorreu com menor frequência foi a de desconsideração.
Nas turmas T4, T5, T6, T7 e T8 observou-se como a mais frequente, após a de
ensino, as interações de desconsideração e domínio. Esses resultados vêm corroborar
estudos realizados por Fleith (2000) com professores e alunos da 3ª e 4ª séries do Ensino
Fundamental, os quais indicam que, em ambientes inibidores da criatividade, normalmente
as ideias são ignoradas, os professores são controladores, os erros não são permitidos e
as regras são excessivas.
Ao cruzarmos os dados obtidos das Entrevistas com os da Escala, pode-se afirmar
que as concepções que os professores têm sobre criatividade apresentaram poucos efeitos
sobre como esses mesmos professores procedem em sala de aula.
Em algumas das salas observadas, tais como T1, T2 e T3, verificamos que mais
importante do que a concepção do professor sobre a criatividade, foi que nas turmas
citadas trata-se de uma concepção mais inclinada para uma capacidade inata (T1 e T3)
e ambientalista (T2), foi o estabelecimento de um clima favorável à criatividade por
Aletheia 31, jan./abr. 2010
181
meio do suporte que os discentes deram à expressão de ideias dos alunos, a postura do
professor ao lidar com os alunos, a forma como apresentaram o conteúdo em sala, as
possibilidades criadas em sala para que os alunos se expressassem e desenvolvessem
o tema, como por exemplo, com exercícios em grupo, com tempo para que os alunos
refletissem sobre as questões, ou seja, o que fez diferença foi o preparo técnico, teórico
e pessoal do professor, mais precisamente a motivação e o interesse tanto do professor
como do aluno de estar em sala de aula.
Professores que argumentaram que a criatividade seria um dom ou algo próprio
do indivíduo, tais como professores das turmas T1, T3 e T4, foram professores que na
percepção dos alunos estabeleceram um clima mais favorável à criatividade. Professores
que apontaram a importância do ambiente mobilizaram poucos recursos, caso verificado
em T5 e T8, e os que defendiam a ideia de algo inato e adquirido, T7, se deparou com
resistência por parte de alguns alunos em sala o que o deixou mobilizado.
Ao cruzar os dados obtidos com a Escala e a Observação em Sala se percebeu
que nas turmas onde havia um clima mais favorável à criatividade, as interações de
desconsideração ocorriam com menos frequência em oposição com as turmas que
apresentavam uma avaliação menos favorável à criatividade.
Um ponto importante a salientar é que todos os tipos de interações observados
durante a pesquisa ocorreram em todas as turmas. Percebemos, também, que houve em
algumas turmas uma preocupação por parte dos professores em promover continuamente
as interações, estabelecendo processos interativos de sintonia, cooperação e de domínio,
de forma mais equilibrada, como foi identificado nas turmas 1, 2 e 3. Essas foram turmas
onde também foi identificado um clima mais favorável à criatividade (ver Tabela 7).
Já nas turmas T4, T5, T6, T7 e T8, apesar de ter sido percebido certa preocupação
dos professores em promover interações, elas se caracterizavam mais como de
desconsideração ou de domínio. Essas foram turmas onde foi identificado um clima
menos favorável à criatividade (ver Tabela 7).
Podemos concluir que as interações que se caracterizem como de sintonia, cooperação
e até de domínio, em oposição às de desconsideração, podem se constituir como um fator
potencializador para um clima mais favorável à criatividade em sala de aula.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aceito em agosto de 2009
Ana Clara Oliveira Libório: Psicóloga; Mestranda em Psicologia no Programa de Pós-Graduação em Processos
de Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Marisa Maria Brito da Justa Neves: Psicóloga; Doutora em Psicologia (Universidade de Brasília/UnB).
Professora colaborada plena do Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento do Instituto de
Psicologia (Universidade de Brasília/UnB).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Aletheia 31, p.184-198, jan./abr. 2010
Psicologia e presença feminina nos discursos médico e católico
na primeira metade do século XX
Flávia Moreira Oliveira
Adriana Amaral do Espírito Santo
Marcela Peralva Aguiar
Ana Maria Jacó Vilela
Resumo: Este artigo pretende analisar as interfaces da produção científica feminina no início do
século XX com a constituição do espaço psi no Brasil, utilizando para tanto um artigo do periódico
católico “A Ordem” e uma tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Para sermos mais
precisos, nosso recorte temporal situa-se nos primeiros 40 anos do século XX, uma vez que datam
desse período os primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos por mulheres encontrados por
nós, dentre as teses de Medicina e as edições da revista “A Ordem” consultadas. As produções da
Medicina e da Igreja Católica foram eleitas como fontes privilegiadas a partir de constatações de
uma pesquisa mais ampla, que demonstrou a grande importância que esses discursos – o médico
e o religioso – tiveram na construção do campo da psicologia no Brasil.
Palavras-chaves: mulher; medicina; catolicismo.
Psychology and female presence in medical and catholic discourses
in the first half of the 20th (twentieth) century
Abstract: This article aims at analyzing interfaces of female production in the beginning of the
20th (twentieth) century with the creation of the “psi” space in Brazil, using for this purpose an
article from a catholic journal “A Ordem” and a thesis from Rio de Janeiro School of Medicine.
More precisely, our focus is the first decade of the century, since the first female productions of
psychological features we had access to at the School of Medicine and the consulted editions of the
journal date from this period. Medicine and Catholic Church productions were elected as privileged
sources based on a deeper research that demonstrated the great importance religious and medical
discourses had in the construction of the psychology field in Brazil.
Keywords: woman; medicine; Catholicism.
Introdução
Este estudo busca analisar as interfaces da produção científica feminina no início do
século XX com a constituição do espaço psi no Brasil, utilizando para isto um artigo do
periódico católico “A Ordem” e uma tese da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
As produções da Medicina e da Igreja Católica foram eleitas como fontes
privilegiadas a partir de constatações de uma pesquisa mais ampla, que objetivava
compreender a participação de médicos e católicos na construção do espaço psicológico
no Brasil no período que vai de 1808 – quando da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil
– a 1962, quando ocorre a regulamentação da profissão de psicólogo no país.
A revista “A Ordem”, fundada em agosto de 1921, teve papel fundamental na
disseminação dos ideais católicos. De periodicidade irregular desde seus primeiros anos,
184
Aletheia 31, jan./abr. 2010
a revista tinha a intenção de promover a divulgação da doutrina católica, atingir as elites
intelectuais e se posicionar politicamente. Dessa atividade editorial se desdobraram
o Centro Dom Vital, a Ação Universitária Católica e o Instituto Católico de Estudos
Superiores que, em 1947, se tornou a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
não por acaso onde se instalou o primeiro curso de Psicologia do Brasil.
Já as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, entre 1832 e 1930, eram,
em sua maioria, trabalhos apresentados obrigatoriamente quando da conclusão do curso.
Elas refletem a chamada “intervenção médica na sociedade”, movimento alavancado
principalmente pelos higienistas, que propunham transformações sociais, enfocando,
para tanto, a normatização dos hábitos da família brasileira.
Estes dois conjuntos materiais se ligam a um terceiro elemento: a presença da
mulher na psicologia. A importância de se estudar a participação feminina na constituição
da Psicologia brasileira reside na instigante constatação de uma grande defasagem de
informações no que se refere à produção intelectual feminina em Psicologia. Embora nas
salas de aula dos cursos de graduação e na prática profissional estejamos acostumados a
encontrar uma maioria de mulheres – o que é corroborado por pesquisas a respeito deste
tema (Castro & Yamamoto, 1998; Conselho Federal de Psicologia, 1988) – em nossas
leituras sobre a história da psicologia os personagens, por outro lado, são, em sua quase
totalidade, homens. Para esta análise, é de nosso interesse lançar nosso olhar para além
de uma visão que dicotomize homens produtores do conhecimento/mulheres reprodutoras
do mesmo. Para tanto, buscaremos analisar as publicações de base para o nosso estudo
com foco no tema abordado e seu contexto.
Nosso estudo irá se dedicar aos primeiros 40 anos do século XX, uma vez que os
primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos por mulheres encontrados por nós,
tanto nas teses de Medicina quanto em “A Ordem”, inserem-se neste período.
As duas publicações que são objeto de nossa análise são representativas da produção
da pequena e nobre parcela das mulheres brasileiras letradas e ilustradas da época. A
primeira é uma tese apresentada por Maria da Glória Fernandes, formada em Medicina
em 1903, intitulada “Da educação sob o ponto de vista da hygiene pedagogica”1. A outra
é o artigo “Chronica Feminina: o perigo do feminismo”, publicado em “A Ordem” em
1932 e de autoria de Lucia Miguel Pereira.
Ambas as produções discutem a atuação profissional da mulher, sua educação
e caracterização, coincidindo tanto com o pensamento mais tradicionalista da época
como com o de vanguarda. Poderemos analisar como um determinado conhecimento
que chamaremos de “médico-psicológico” – por apresentar argumentos fisiológicos e
psicossociais a respeito do comportamento feminino – encontra-se presente em ambos
os trabalhos que, por outro lado, partem de perspectivas bastante diferentes.
Assim, apresentamos uma pesquisa bibliográfica focada especialmente em textos
sobre gênero e história, além de obras do mesmo período ou referentes ao período
estudado. O trabalho se inicia com um breve retrospecto sobre a constituição de espaços
de saberes no Brasil do final do século XIX e início do século XX, passeia através das
1
Na transcrição de trechos dos trabalhos analisados, respeitaremos a grafia original.
Aletheia 31, jan./abr. 2010
185
relações entre mulher, educação e trabalho, e por fim analisa as obras das duas autoras à
luz do entendimento do contexto que as circundava.
Objetivamos, com esta articulação, pensar a produção científica da mulher no
Brasil no período estudado em contraste com a constituição da Psicologia em nosso país,
atentando para as peculiaridades dos primeiros trabalhos de caráter psicológico escritos
por mulheres que foram encontrados por nós em pesquisas mais amplas.
Um campo de possibilidades para a construção da Psicologia
Até o século XIX preponderou no Brasil a influência da Igreja Católica, sustentada,
entre outras coisas, pela aliança com o Estado Português. Com a chegada da Corte
Portuguesa ao Brasil, em 1808, ocorre uma aceleração do “processo civilizatório”, uma
busca de aproximação dos modos culturais e sociais europeus, apoiado anos mais tarde
por diversos movimentos políticos e transformações sociais que tornam necessária a
construção de uma identidade nacional. Surge uma classe média intelectualizada, orientada
pelas palavras de ordem: abolição, república e democracia (Jacó-Vilela, 1999).
Ao mesmo tempo, invade o Brasil “um bando de ideias novas” (Romero,
1926), de cunho cientificista, como o positivismo de Comte e o evolucionismo de
Spencer e Darwin, ampliando o entendimento do comportamento humano para além
da esfera moral e religiosa. Dessa forma, observa-se uma inversão de valores no
que diz respeito às entidades dotadas de respeitabilidade para produzir e assumir o
papel de formadoras e informadoras de conhecimentos válidos acerca da realidade.
O discurso católico, que tradicionalmente era reconhecido como a base para qualquer
entendimento da natureza, da sociedade ou do homem, passa a ser percebido como
conservador, defasado, uma vez que se mantém embasado na teologia e não na
ciência, discorrendo sobre a alma e seus atributos, perdendo cada vez mais espaço
no universo social.
Em contrapartida, vê-se a ascensão do discurso médico, representante da vertente
científica, que se torna hegemônico a partir do último quarto do século XIX, sendo
um dos legítimos representantes dos ideais de modernidade a que aspirava a elite
brasileira. Consequentemente, ganha destaque um discurso do corpo, numa progressiva
fisiologização da alma, que se torna objeto da ciência (Alberti, 2003; Keide & Jacó-Vilela,
1999). A unidade entre corpo e alma se perde, uma vez que esta passa a ser conhecida
através daquele, principalmente através da anátomo-fisiologia do cérebro, órgão onde se
entende localizarem-se as propriedades e funções da alma.
Até este período o serviço médico no Brasil se apresentava de forma extremamente
precária. Inicialmente contava com pouquíssimos profissionais formados por universidades
portuguesas ou francesas, ficando a maior parte dos cuidados médicos destinada aos
barbeiros e boticários. Posteriormente o ensino da medicina no Brasil começa a se
estruturar, as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia sendo criadas em
1832 (Jacó-Vilela, Esch, Coelho & Rezende, 2004). Como especialistas, os médicos,
ou conforme os denomina Schwarcz (1993), os “homens de sciencia”, vêm reivindicar
e ocupar o lugar de transformadores da sociedade, num esforço de criação de saberes
próprios à realidade brasileira. A Medicina passa a ser vista como um meio de cura e
186
Aletheia 31, jan./abr. 2010
intervenção em inúmeras moléstias, inclusive as sociais, constituindo a missão higienista
de curar o “corpo doente da sociedade” (Schwarcz, 1993).
Um dos objetivos desta medicina era produzir um conhecimento acerca do povo
brasileiro. Se a intelectualidade intentava construir um Brasil moderno, tornava-se
essencial conhecer a real composição do nosso povo para que fosse possível operar
as ações necessárias para sua imperiosa transformação. Nesta perspectiva, os médicos
se tornaram os agentes que poderiam conhecer, reconhecer e modificar a identidade
nacional; seriam aqueles que poderiam atender à necessidade corretora das mazelas
do país para que este ingressasse na modernidade (Kropf, 1994; Mota, Lopez &
Coser, 1994).
As práticas médicas baseavam-se na constatação da grande miscigenação racial e
dos efeitos que dela poderiam advir. Na construção de imagens do Brasil e de seu povo –
realizada por intelectuais como Silvio Romero –, que logo se tornaram tão disseminadas
como as do negro indolente ou do índio preguiçoso, começam a se constituir conceitos
psicológicos, como o de caráter, entendido como a forma, o aspecto externo daquilo
que o indivíduo é, em contraposição a temperamento, ideia que, decorrente da medicina
hipocrática (Massimi, 2005) diz respeito aos humores que percorrem o corpo.
Estes conceitos, compreendidos e embasados na cientificidade da Medicina,
produziram um tipo de conhecimento que subsidiou em grande parte as ações higienistas,
eugênicas e da medicina legal, caracterizando a atuação médico-psicológica preventiva
e terapêutica no Brasil do início do século XX.
Diante disso, podemos destacar o início da constituição de uma “Psicologia
Cientifica”, através, inicialmente, da criação de laboratórios experimentais e,
posteriormente, do uso de testes. Esta nova Psicologia Científica vinha se contrapor
à “Psicologia Religiosa”, aquela forma de conhecimento sobre o homem oriunda das
doutrinas teológicas e complementada, algumas vezes, com a observação empírica (como
a realizada pelos jesuítas em seu contato com os indígenas) (Massimi, 2006).
A Igreja, que vinha tendo menor influência no campo político, devido ao
rompimento, desde o final do Império, da tradição lusa de total junção entre Igreja e
Estado, e sendo ainda confrontada pelo materialismo e pelo positivismo, busca meios
de atrair os intelectuais que se dispersavam ou que se deixavam levar unicamente pelo
aclamado pensamento científico. Entre suas principais iniciativas está a fundação da
revista “A Ordem”, que, como dissemos, foi criada em 1921.
O exame de artigos dessa revista nos mostra que há, nesse momento, uma busca
pela conciliação entre o pensamento religioso e o científico, e consequentemente, com
o emergente pensamento psicológico. Como exemplo, citamos um artigo de 1922, em
que Hamilton Nogueira discute a maior ênfase dada pela ciência aos mecanismos de
funcionamento do corpo, especificamente sobre a importância do cérebro em detrimento
da alma. Entretanto, diferentemente do que ocorria em um momento anterior, o autor
reconhece avanços da ciência e chega a considerar possível a existência de centros
nervosos no corpo humano, contanto que o meio científico reconhecesse que estes seriam
controlados pela alma, que teologicamente se situa além da matéria.
Mas essa aproximação não ocorrerá sem percalços. Mais tarde, conforme o
discurso psicológico se torna mais sólido, indo de encontro à doutrina da Igreja,
Aletheia 31, jan./abr. 2010
187
percebemos que os artigos da “A Ordem” passam a combatê-lo com mais força (Aguiar,
Fabrício & Jacó-Vilela, 2003).
Mulher, educação e trabalho
As transformações que vinham ocorrendo na sociedade brasileira no final do século
XIX e primeira metade do século XX atingiram de forma diferenciada as mulheres, que
começavam a sair de uma longínqua invisibilidade. Se até então eram consideradas como
seres de pouco importância para a constituição social e política da nação, as condições que
permitiram a instauração da República possibilitam que elas ocupem um papel distinto,
transformando-se em pessoas-chave para a constituição moral da sociedade.
A mulher no século XX representa o alicerce de um novo país, o centro moral e
unificador da família e do Brasil moderno que se intentava construir (Caulfield, 2000).
Entretanto, esta aparente abertura que lhe é conferida não deixa para trás preconceitos e
estruturas de convivência social, profissional e política há anos arraigadas. Junto a um
possível reconhecimento de sua importância, várias exigências comportamentais e morais
foram acrescidas às antes existentes.
Um traçado da trajetória das mulheres brasileiras, neste período, aponta para uma
grande “oportunidade controlada” de crescimento pessoal, social e político. A repercussão
das duas grandes guerras ocorridas na primeira metade do século XX fez com que a mãode-obra feminina se tornasse essencial para a manutenção da produção e do mercado
consumidor, inclusive no Brasil. Assim, estava aberto o caminho para o trabalho. Em
contrapartida, esta entrada na área profissional favoreceu o surgimento de questões antes
abafadas e até não cogitadas, como os direitos políticos e trabalhistas e a necessidade de
melhoria da educação formal feminina.
Foi em meio a este clima que os primeiros movimentos feministas se estruturaram no
Brasil. Surgidos na segunda metade do século XIX, em sua maioria, tinham como adeptas
as poucas mulheres mais instruídas da sociedade, algumas que, por terem estudado fora
do país, tiveram contato com os pensamentos e com organizações feministas estrangeiras,
trazendo consigo os ideais propagados lá fora (Hahner, 2003).
É interessante notar, no entanto, que as reivindicações das nossas feministas
não se encontravam dissociadas do pensamento moderno brasileiro. Na maioria
das vezes, todo movimento libertário, seja relacionado à conquista de voto ou a
melhores condições de trabalho ou de qualidade no ensino, estava integrado ao ideal
maior de colocar a mulher no centro da nação moderna, civilizada e desenvolvida
que se pretendia construir. Assim, enquanto por um lado alguns liberais, como Rui
Barbosa (1849-1923), consideravam temas como a educação feminina pertinentes
às questões da desigualdade de gênero da época (Araújo, 1993), outros pensadores
respaldavam as possíveis conquistas com a justificativa de que, quanto mais instruída
e competente para algumas decisões a mulher se tornasse, mais eficiente seria a sua
atuação junto aos homens que a cercavam, fossem eles seus pais, maridos ou filhos.
Ou seja, em sua maioria, as lutas feministas deste período circunscreviam-se no rol
de possibilidades que a imagem da “santíssima trindade” oferecia à mulher: ser filha,
esposa e mãe (Hahner, 2003).
188
Aletheia 31, jan./abr. 2010
O conhecimento básico ministrado às mulheres na escola envolvia principalmente as
atividades de aprender a ler, escrever, costurar e bordar. A instrução mais profissionalizante
dedicada à mulher era aquela ministrada pela Escola Normal, que a preparava para exercer
uma função que, a partir deste momento, passa a ser identificada ao papel de mãe: o
exercício da docência para crianças e adolescentes (Araújo, 1993). Então, pode-se dizer
que, caso um trabalho fora do lar fosse desejado ou necessário, as suas responsabilidades
deveriam corresponder ou se aproximar das mesmas assumidas dentro de casa.
É claro que não podemos descartar a iniciativa e coragem de algumas mulheres que
conseguiram seguir carreiras “masculinas” como o Direito, a Medicina, a Engenharia,
porém, estas mulheres representavam uma grande exceção. Hahner (2003) destaca duas
brasileiras – Maria Augusta Generosa Estrela e Josefa Águeda Felisbela Mercedes de
Oliveira – que, no final do século XIX, deixaram o Brasil, financiadas basicamente por
suas famílias, para estudar medicina nos Estados Unidos, no New York Medicall College
and Hospital for Women2. Cabe destacar que no caso de Maria Augusta as despesas com
sua educação também tiveram auxílio da realeza, através de uma bolsa concedida por
Dom Pedro II que durou todo o período de sua formação (Hahner, 2003; Maia, 1996).
O argumento destas pioneiras, em sua busca de formação profissional, era o de ser
necessária uma pessoa que pudesse compreender de perto os problemas da mulher e que
não a intimidasse na hora de falar sobre suas mazelas: “... elas garantiam que a suave
médica inspiraria a necessária confiança nas pacientes, em geral relutantes em expor seus
corpos e seus males aos médicos, no Brasil. E elas proclamavam, em nome da ‘moral’ e
das ‘leis da igualdade’: ‘Cure o homem ao homem, cure a mulher à mulher’.” (aspas no
original. Hahner, 2003, p.144).
Tendo em vista a situação da mulher no período estudado, pode-se dizer que o
trabalho feminino em prol da construção de espaços diversificados de atuação e reflexão
fora silenciado pela desvalorização da intelectualidade feminina, pelo pressuposto de sua
fraqueza física, com um cérebro anatomicamente inferior. Isto impediria pensamentos
abstratos e profundos, o que tornava inviável que exercesse um papel de literata, de
estudiosa, de livre-pensadora, de médica, advogada ou qualquer função que exigisse
maior dedicação da razão (Hahner, 2003).
Deste modo, ao mesmo tempo em que encontramos mulheres plenamente
inseridas nos modelos mais tradicionalistas, também observamos exemplos femininos
de luta contra os padrões socialmente determinados de como ser mulher no início do
século XX. Cabe ressaltar, no entanto, que nem sempre uma posição de vanguarda se
apresentava de forma clara. Em alguns momentos, vemos uma verdadeira mistura entre
comportamentos femininos mais “avançados” e sua vertente tradicional. Assim, nos
modelos que utilizaremos em nossa análise, poderemos ver duas formas de captura da
subjetividade por vieses opostos: uma apontando para a emancipação feminina, através
da vivência pessoal de nossas personagens, ao mesmo tempo que, ao lado deste caminho
emancipatório, surge o alerta em relação a ideias e posturas vanguardistas.
2
Esta escola destinava-se exclusivamente ao ensino para mulheres. Com Maria Augusta Generosa Estrela
formaram-se duas norte-americanas e uma alemã na turma de 1881 (Maia, 1996).
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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Assim, poderemos notar que os trabalhos escolhidos para serem analisados
representam provavelmente a produção de uma pequena parcela de mulheres instruídas,
que ousaram se posicionar politicamente e discutir alguns temas que, mesmo sendo
tradicionalmente considerados afins com seu sexo – educação, pedagogia, psicologia e
papel social da mulher –, assumem um tom especial devido ao local de sua veiculação
(as teses de medicina e o periódico “A Ordem”), em que predominava a produção
masculina.
A presença feminina nas teses de medicina e em “A Ordem”
A construção da história da mulher vem sendo ressaltada como um aspecto de
grande importância para a compreensão de nossa realidade, tendo em vista a mesma ter
sido negligenciada por bastante tempo. Perrot (1989) destaca que a excessiva atenção
dada ao espaço público nos escritos históricos, em detrimento da vida privada – reservada
historicamente à mulher –, favoreceria o esquecimento do feminino. Com a chegada do
século XIX e consequente “abertura” dos portões dos lares para os passeios das mulheres,
poderíamos pensar que tal problema se dissolveria. No entanto, a história das mulheres
não teve, como poderia parecer, uma trajetória tranquila.
Apesar do início da circulação das mulheres no espaço público, os registros sobre
as mesmas dizem respeito principalmente a aspectos que não relatam o seu cotidiano, o
que pensavam, como consideravam a realidade em que viviam, o que desejavam, os temas
que as perturbavam ou guiavam suas vidas. O registro sobre as mulheres no século XIX
é feito sob o olhar crítico e prioritariamente masculino dos cronistas, que as retratam sob
a ótica da ostentação do poder de seus maridos, refletida em suas vestes e ornamentos
(Perrot, 1989), apontando para a construção de um único sentido das ações ou relações
que as mesmas estabeleciam com o meio e/ou com as pessoas que as circundavam.
Ainda segundo esta autora, a história da mulher pôde ser mais bem construída a
partir do momento em que os historiadores passaram efetivamente a se interessar por
registros até então considerados como “menos nobres”, interesse este iniciado e bastante
evidenciado pelos historiadores da denominada École des Annales que se desdobrou no
movimento da História Nova.
Assim, ao adentrarem as casas de seus personagens, ao buscarem uma compreensão
mais aproximada e refinada do dia-a-dia de cada época, os pesquisadores puderam
penetrar nos porões e locais mais escondidos dos lares, encontrando os registros íntimos
das mulheres, tais como seus diários. Estes documentos apresentaram aos historiadores
outras visões sobre a realidade, propiciando novas possibilidades de interpretação e (re)
construção do momento histórico.
Após um longo período de reclusão, os escritos femininos foram ganhando espaço
através das lutas travadas para o efetivo reconhecimento da mulher como sujeito social
e político. Será através destes primeiros escritos inseridos no território brasileiro que
poderemos analisar a presença feminina na constituição de novos espaços sociais para a
mulher e a sua participação na construção de temas e espaços que possibilitaram erigir
a disciplina/profissão da Psicologia.
190
Aletheia 31, jan./abr. 2010
O início de um contraponto: a tese de Maria da Glória Fernandes
Os dois trabalhos que destacamos para este estudo são provenientes de ambientes
onde o discurso e a produção masculina “reinavam”. O primeiro é o meio acadêmico
do início do século XX. Não um meio acadêmico qualquer, mas o médico, que vinha se
firmando no Brasil como o principal local de disseminação do pensamento científico,
tão valorizado e importante para a construção do Brasil moderno.
Neste momento, era exigência para finalização do curso de medicina a apresentação
de uma tese e foi exatamente em uma tese de 1903, intitulada “Da educação sob o ponto
de vista da hygiene pedagógica”, que encontramos o primeiro material científico com teor
psicológico escrito por uma mulher, Maria da Glória Fernandes, da Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro. É importante destacar a existência, neste período, da afirmação da
incapacidade intelectual de alguns segmentos sociais e raciais, e as mulheres, na maioria
dos casos, eram consideradas como incapazes de realizar uma construção intelectual
profunda. Deste modo, encontrar um material produzido por uma mulher no legítimo
lugar da razão é algo que merece destaque.
Nas 140 páginas de sua tese, a autora discorre sobre a higiene educacional, de grande
importância à época, enfocando a psicologia e a mulher na educação. Podemos observar
no texto sua grande capacidade em se apropriar do conhecimento vigente, recorrendo a
autores e teorias reconhecidos, denotando uma preocupação com a validação científica
de seu discurso. Procura, assim, construí-lo como combate ao moralismo reinante e à
forma tradicional de se compreender a educação, as capacidades intelectuais do povo
brasileiro e a função social da mulher.
Sua perspectiva afirma a constituição orgânica inata de cada indivíduo, ressaltando
os aspectos genéticos, relativos à hereditariedade e deformidades congênitas, como fatores
decisivos para a possibilidade de desenvolvimento intelectual dos sujeitos. Entretanto,
diferentemente da tendência eugênica da época, a autora ressalta que estas características
não são circunscritas estritamente pelo nível social, sexo e pela raça das pessoas. Acredita
que as diferenças genéticas relacionadas à aptidão para a aquisição de conhecimentos
não se restringem a uma etnia ou gênero, mas podem ser encontradas em qualquer um,
sendo necessária a criação de estratégias que venham a facilitar a sua identificação. Neste
assunto a autora destaca os estudos experimentais sobre fadiga intelectual de Binet e
Henri3, através dos quais se demonstra a fisiologia deste processo, estudando-o não
como patologia, mas sim buscando o bom direcionamento intelectual das crianças.
Maria da Glória defende que, paralelamente aos cuidados com a saúde física, devese dar atenção à saúde mental das crianças, o que chama de “hygiene pedagogica”. Para
isso, aponta como essencial a utilização da Psicologia Experimental, considerada como
3
Na época da tese, não era usual fazer-se a referência bibliográfica dos autores e textos citados. No entanto,
supomos tratar-se, aqui, de Alfred Binet (1857-1911) e Victor Henri (1872-1940), que publicaram, no ano
de 1898, o livro A fadiga intelectual, primeiro a versar sobre o tema sob uma perspectiva experimental.
Os dois autores defendiam uma nova Pedagogia, baseada num sólido fundamento científico (observação e
experimentação) e estudaram, a partir desta metodologia, as consequências psicológicas do trabalho intelectual
(Rocha, 1998).
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o estudo que possibilita a caracterização, a demarcação do caráter e das capacidades de
desenvolvimento apresentadas por cada indivíduo, ressaltando que, ao identificarmos tais
atributos, também devemos levar em consideração aspectos como a vontade, qualidade
intimamente relacionada ao caráter. É ela que nos leva à ação e assim proporciona o
aflorar da inteligência.
Este pensamento é consonante com o processo que ocorrerá na Psicologia a partir do
século XX: apropriada pela pedagogia, afasta-se da medicina, seguindo na busca de sua
cientificidade. Esta união promove a compreensão psicológica da criança nas diferentes
fases do desenvolvimento. Para isto, são importantes os trabalhos que redundaram na
elaboração de testes, como os de Binet e Simon, que permitiram a medição das capacidades
intelectuais das crianças que entravam nas escolas4. Assim, seria possível organizar
as salas de acordo com as possibilidades de desenvolvimento de cada um, sendo
despendidos maiores esforços com os que efetivamente poderiam se tornar pessoas
produtivas para a sociedade. É com base neste pensamento que algumas propostas de
estruturação pedagógica do ensino, como as classes homogêneas, serão construídas,
tal como a Escola Nova, que se desenvolve no Brasil através de personagens como
Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971).
Porém, não só através da descrição de caráter efetuada pela Psicologia Experimental
ou da identificação das capacidades para o desenvolvimento se baseia a argumentação
da autora. Ao abordar as questões relativas à educação, ela traz à cena outro pensamento
bastante presente em sua época e que permeava fortemente tanto a medicina como a
engenharia e a pedagogia do início do século XX: o higienismo.
Podemos dizer que um dos suportes do higienismo dizia respeito à assepsia dos
ambientes corruptores, através da educação da população. Esta educação adentraria as
casas transformando cada agente social em um multiplicador do ser civilizado, saudável
e bem adaptado ao século XX (Mota & cols., 1994). A tese de Maria da Glória enfatiza o
fato da educação não se dar apenas no ambiente escolar, mas fazer parte do seio familiar,
atingindo também os meios social e pessoal. Ela ressalta o papel fundamental da família
como educadora moral dos indivíduos e, neste ponto, ao colocar o lar como um dos
ambientes centrais da educação, aponta para uma discussão bastante pertinente à época:
a situação da mulher em relação à educação e à sociedade.
Guiando-se pelo pensamento da época a autora nos mostra que a mulher, antes
de qualquer instituição educacional, é a melhor educadora para as crianças. Aponta a
necessidade da existência dos Jardins de Infância, principalmente para as crianças de classe
social baixa que abandonam os estudos muito cedo (por volta dos 14 anos) e que também
precisam de uma iniciação educacional precoce, mas considera que “... a educação da
crença nas primeiras idades devia ser como a das plantas, ao ar livre, confiada ás jardineiras
da infância, que são as mães.” (itálico no original. Fernandes, 1903, p.84).
Sob esta perspectiva poderíamos dizer que a função da mulher apresentada por Maria
da Glória se coaduna com aquela socialmente aceita à época. Entretanto, aprofundando a
análise de sua tese, vemos a exploração do tema da educação feminina em termos bastante
vanguardistas. Ela vai nos dizer que a mulher deve, sim, ser educada para fortalecer a
4
Para mais informações sobre o teste de Binet-Simon e outros, cf. Castro, A. C., Castro, A. G., Josephson, S.
C., & Jacó-Vilela, A. M. (2006).
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nação através dos ensinamentos que transmitirá à sua prole. Porém, não necessariamente
tudo o que a mulher deve aprender terá que se limitar ao campo familiar.
A mulher, como o homem, deve se capacitar para compreender a realidade como
um todo, instrumentalizando-se inclusive para o trabalho fora do lar. O objetivo é
promover sua educação completa, para que possa se tornar “... uma entidade economica
independente” (Fernandes, 1903, p.58), principalmente quando se pensa que nem todas
terão a possibilidade de abraçar os laços do matrimônio.
Defende a ideia de que, para a mulher ter uma vida “regular e honesta”, deve lutar
por direitos iguais entre os sexos:
Poderá faze-lo ou será isto uma utopia? Será realmente um paradoxo a igualdade
social dos sexos? Porque há de ser o casamento ou a vida da família a única
aspiração natural da mulher?
(...) Além da educação moral e domestica a mulher deve ter uma instrucção
intellectual, superior e profissional. Em uma sociedade organisada conforme
a natureza das cousas, a mulher será educada desde a infancia com o mesmo
objectivo que o homem – viver de seu trabalho.
(...) O trabalho sendo a lei da natureza, querer ficar ociosa, é querer oppor-se a
essa lei, é, pois, tornar-se immoral. (Fernandes, 1903, p.57)
Apesar de acreditar na possibilidade de igualdade entre os sexos, Maria da Glória
Fernandes (1903) reconhece que há um longo caminho a ser percorrido até o dia em que
seus ideais possam se concretizar. Afirma que este caminho será de luta, devido ao longo
período em que a mulher esteve submissa, porém acredita ser possível a construção de
uma sociedade mais igualitária, inclusive com a participação feminina no mercado de
trabalho.
Através de um discurso pró-ativo que percorre toda sua tese, podemos considerar
que Maria da Glória Fernandes é um exemplo de postura de vanguarda em uma sociedade
tradicionalista e, principalmente, em um ambiente marcado pelo conceito de que muitos
saberes são inalcançáveis pela “restrita” mente feminina.
Nem tanto ao mar, nem tanto a terra: o artigo de Lúcia Miguel Pereira
Contudo, nem todas as falas das mulheres referentes à questão da emancipação
feminina coincidiam com este posicionamento mais avançado e combativo. O artigo de
Lúcia Miguel Pereira na revista A Ordem – segunda obra por nós estudada – representa
o pensamento mais aceito socialmente no início do século XX acerca da possibilidade
de emancipação feminina. A autora destaca que o desenvolvimento intelectual não
implica independência financeira nem igualdade profissional entre os sexos, mas uma
possibilidade de pacificação social através da inserção das características femininas no
espaço público.
Nascida em Barbacena (MG), Lúcia Miguel Pereira (1903-1959) passou toda a
sua vida no Rio de Janeiro. Filha do médico Miguel Pereira e pertencente a uma família
de mulheres cultas, que valorizavam a leitura, encaminhou-se para o mundo das letras,
tornando-se crítica literária e uma das intelectuais mais prestigiadas de sua época.
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Publicou artigos em importantes jornais, como “Gazeta de Notícias”, “Correio da
Manhã” e “Revista do Brasil”, escreveu romances – sendo o mais conhecido “Cabra cega”,
de 1954 – e caminhou pela literatura infantil, recebendo o Prêmio Literatura Infantil,
do Ministério da Educação. Foi nacionalmente reconhecida por sua análise estética da
obra machadiana no ensaio “Machado de Assis” (1935), tendo inclusive conquistado
o Prêmio Felipe de Oliveira, do Círculo Literário do Brasil, em 1936 (Schumaher &
Brazil, 2000).
Católica, preocupada com a situação de seu país, acreditava ser necessária uma
transformação espiritual para que os problemas sociais pudessem encontrar uma
solução. Esta característica de nossa autora representa uma marca de um grande número
de intelectuais da década de 1930, que incluem a opção religiosa em seus discursos.
Entretanto, cabe ressaltar que tal característica de fervor espiritual nas obras de Lúcia
Miguel Pereira foi sendo amenizada com o passar do tempo, transformando-se numa
visão ética em relação à literatura e à sociedade.
Dentro do clima religioso da década de 1930, publica na revista católica “A Ordem”,
em 1932, o artigo “Chronica feminina: o perigo do feminismo”, alvo de nossa análise.
Em suas duas páginas, tece considerações acerca da função social da mulher. Embora
despreocupada com uma fundamentação científica de seus argumentos, a maneira
como versa sobre o caráter feminino acena para um dialogismo existente entre o seu
pensamento e aqueles que circulavam no meio intelectual da época, especialmente acerca
da constituição do caráter do povo brasileiro.
A autora busca demarcar o papel tradicional da mulher – ser esposa e mãe –, como
o aspecto fundamental para a constituição do traço mais forte encontrado na sociedade
brasileira: a organização familiar. Acredita que a permanência daquelas funções através dos
tempos criou “uma nítida consciência do dever” (Pereira, 1932, p.449) entre as mulheres:
“Longos séculos de dedicação, de paciência, de humildes labores e ignorados heroísmos,
de existência de mães de família, em suma, o que resume tudo, disciplinaram-na e lhe
deram uma clara e simples compreensão de sua missão.” (Pereira, 1932, p.449).
No entanto, ressalta que as transformações sociais devem ser observadas e
acompanhadas de modo a adaptar as funções femininas a cada época vivida: “... hoje
já não podemos ser somente mães de família, não podemos imitar em tudo as nossas
admiráveis avós. Para servir com eficácia é imprescindível fazê-lo de acordo com a
época. A vida moderna está a exigir a colaboração feminina.” (itálico no original. Pereira,
1932, p.449).
É importante lembrar que neste período a sociedade brasileira estava envolta em
projetos de cunho sanitarista e eugênico, que buscavam a purificação do povo, através da
eliminação da corrupção física e moral. O sexo masculino encontrava-se numa situação
bastante vulnerável, tendo em vista seu contato direto com as áreas mais viciadas da
sociedade. Podemos destacar as várias campanhas contra o alcoolismo, o jogo e a
devassidão, que permearam a primeira metade do século XX, endereçadas principalmente
aos homens.
Deste modo, a mulher, que até então vivera protegida pelos muros do lar, começa
a ser vista como elemento capaz de transmitir à vida política suas características mais
puras, combatendo toda forma de conspurcação social. Destacamos que desde a década
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de 1920 as mulheres começam a ser chamadas para participar, mesmo que indiretamente,
dos processos eleitorais. Um claro exemplo desta tendência pode ser observado nas
matérias publicadas no Jornal das Moças, que apresentava às suas leitoras a candidatura
presidencial de Rui Barbosa, caracterizando-o como o “candidato da mulher brasileira”.
Esta revista dedicou várias matérias a ele, enfatizando a necessidade das mulheres o
apoiarem, influenciando o voto dos homens de sua família e sua presença nos comícios
do candidato, através de conversas com seus pais, maridos e filhos que enaltecessem as
qualidades de Rui Barbosa (Oliveira, 2004).
Com as mudanças advindas da modernidade, principalmente através da conquista
feminina do direito ao voto, ocorrida em 1932 (ano de publicação do artigo de Lúcia
Miguel Pereira), a mulher agrega novas responsabilidades e deveres que lhe abrem mais
uma forma de inserção social. A conquista do voto é vista pela autora como um fato
consumado, acreditando na capacidade feminina de dar conta de suas novas funções
para com a nação.
Lúcia considera que a mulher deve estar inteirada dos acontecimentos, mas teme a
possibilidade de que perca o foco principal de sua participação na sociedade. A partir do
momento em que se deixa tomar pela força das transformações, inserindo-se num ambiente
que originalmente não é o seu, corre o risco de se contaminar por características menos
nobres, como ambições, angústias, ódios e inquietações, produzidas por uma sociedade
organizada predominantemente por homens. É esta sociedade que gera a demanda da
inserção da mulher “... como um elemento moderador, de doçura, que trouxesse para a
vida de fóra o suave ambiente do lar” (Pereira, 1932, p.450).
Podemos dizer que Lúcia Miguel Pereira aparentemente se esquiva, em seu
discurso, de um posicionamento mais claro em relação às tantas conquistas e deveres
que passam a ser atribuídos às mulheres, ora nos levando a pensar que talvez apóie uma
posição mais emancipatória, ora mais tradicionalista. Isso ocorre principalmente porque
em nenhum momento se implica, seja no processo das reivindicações feministas, seja
assumindo o lugar de filha, esposa e mãe. A sua fala aponta para uma “neutralidade
típica do comportamento científico” ao observar seu objeto de estudo, colocando suas
personagens como atores sociais distanciados de sua própria existência.
Considerações finais
O período estudado se caracteriza por muitos conflitos no que diz respeito ao papel
social da mulher. A sociedade se dividia entre a manutenção de sua tradicional função
social e a construção de uma nova posição, indicando uma emancipação intelectual,
profissional e política.
As obras analisadas são bastante representativas dessa situação. Vemos que,
apesar de o escrito de Maria da Glória Fernandes ser ainda do início do século XX,
apresenta um discurso de vanguarda, reivindicando direitos e afirmando a possibilidade
de desenvolvimento intelectual da mulher. Assim, ela se posiciona de forma clara em
relação ao processo de emancipação feminina, tomando para si as questões abordadas
em sua tese. Já o trabalho de Lúcia Miguel Pereira, escrito quase trinta anos mais
tarde, percorre a visão tradicional sobre a posição social da mulher, apontando para a
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necessidade de transposição das características tradicionais femininas em sua ascensão
política, favorecendo a construção de uma sociedade mais pacífica e pura. Em seu texto,
utiliza uma reflexão mais distanciada dos acontecimentos, aparentando ser uma mera
observadora dos fatos.
É interessante notar que ambas possuem um lugar privilegiado na sociedade. No
entanto, em relação a Maria da Glória, mesmo sendo uma das primeiras mulheres a se
formar em medicina no Rio de Janeiro, trazendo ideias inovadoras com relação à posição
da mulher na sociedade e fazendo parte de um saber em plena ascensão, nada pudemos
encontrar acerca de sua biografia, o que nos leva a pensar como era difícil uma mulher estar
inserida no meio científico, marcadamente masculino. Por outro lado, verificamos uma
pluralidade de referências em relação a Lucia Pereira, que se encontrava em uma área – a
religiosa – que perdia seu espaço de construtora do conhecimento social para a ciência,
mas que acaba tendo sua atuação profissional amplamente valorizada e reconhecida em
âmbito nacional.
Apesar das notadas diferenças entre as autoras, tanto no que se refere à sua produção
como ao seu reconhecimento, ambas trabalham com a possibilidade de descrição do
caráter dos sujeitos que estudam, contribuindo, sem mesmo o saber, para a constituição do
campo da Psicologia. Maria da Glória aponta as características necessárias para um bom
desenvolvimento educacional, valorizando a capacidade intelectual da mulher, enquanto
Lucia Miguel Pereira discorre sobre as diferenças de caráter encontradas entre homens
e mulheres. Isso ressalta o emprego de um mesmo princípio norteador para a análise
operada pelas duas, qual seja, a utilização de um dos principais conceitos do pensamento
psicológico da época: a noção de caráter.
É assim, com pequenas contribuições do que hoje, disciplinarmente, denominamos
como diferentes áreas do saber – a medicina, a literatura, a religião, a educação.... – que a
camada intelectual das primeiras décadas do século XX cria, aos poucos, um conhecimento
psicológico e realiza sua divulgação no país.
Consideramos, portanto, o panorama apresentado pelas duas obras aqui estudadas
importante para a compreensão desta ascensão da psicologia no Brasil, com notória
participação feminina. Fazem-se necessários novos estudos no sentido de compreender
os caminhos que fizeram com que, no jogo de forças da História, muitas empreitadas de
mulheres não tenham obtido o mesmo destaque daquelas dos homens, sendo silenciadas
e, muitas vezes, esquecidas no tempo.
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_____________________________
Recebido em março de 2009
Aceito em setembro de 2009
Adriana Amaral do Espírito Santo: Psicóloga; Mestre em Psicologia Social (UERJ).
Ana Maria Jacó Vilela: Psicóloga, Doutora em Psicologia. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia Social/UERJ.
Flávia Moreira Oliveira: Psicóloga, Doutora em Psicologia Social (UERJ).
Marcela Peralva Aguiar: Psicóloga; Mestre em Saúde Coletiva (UERJ).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Aletheia 31, p.199-211, jan./abr. 2010
Litígios intermináveis: uma perpetuação do vínculo conjugal?
Ana Lúcia Marinônio de Paula Antunes
Andrea Seixas Magalhães
Terezinha Féres-Carneiro
Resumo: O presente trabalho focaliza o fenômeno dos longos litígios em Varas de Família, com
o objetivo de discutir a inscrição do judiciário na trama conjugal. Ressalta-se que alguns casais,
mesmo após o divórcio, ficam aprisionados numa dinâmica de repetição que atua por meio do
litígio, representado nas ações de guarda, de regulamentação de visitas e seus derivados. Aborda-se o
processo de estruturação e de dissolução da conjugalidade, ressaltando as dificuldades envolvidas no
processo de elaboração do luto pós-separação, com base na literatura psicanalítica sobre as relações
amorosas. Pontua-se que a etapa jurídica da separação, compreendida como um ritual de passagem,
pode representar um corte vincular ou contribuir para a perpetuação do vínculo aprisionador. Para
ilustrar esta discussão, apresenta-se a análise de um caso de litígio familiar atendido no judiciário,
na cidade do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: separação conjugal; litígio judicial; psicanálise.
Unending litigations: A perpetuation of the conjugal bond?
Abstract: The present work focuses on the phenomenon of long litigations in Family Courts, with the
goal of discussing the role of judiciary within family networks. It emphasizes that some couples, even
after divorcing, get trapped in a dynamics of repetition that functions through litigation, represented
in custody actions, visiting regulations, and their consequences. The work focuses on the process
of structuring and dissolving conjugality, emphasizing the difficulties involved in the process of
elaborating mourning post-separation, based on psychoanalytic literature on loving relationships. It
points out that the judiciary stage in separation, taken as a rite of passage, can represent a cut in bonding,
contributing to perpetuate trapping ties. In order to illustrate this discussion, the works presents the
analysis of a case of family litigation assisted by the judiciary in Rio de Janeiro.
Keywords: conjugal separation; judicial litigation; psychoanalysis.
Introdução
Nos sujeitos que protagonizam litígios familiares de longa duração, observam-se
alguns aspectos comuns: alto grau de agressividade, postura refratária às intervenções,
discurso baseado na lógica adversarial. E, frequentemente, esses sujeitos têm como
objeto do pedido judicial, o filho. Ocorre que, no desenrolar do processo, emerge a
conjugalidade conflituosa para a qual não há respostas no referencial normativo. Alguns
juristas utilizam a leitura psicológica para analisar a questão. Peluso (1999) afirma
que as crises matrimoniais, frequentemente, constituem manifestações tardias de um
processo de ruptura, do qual as pessoas têm consciência parcial, ressaltando que seria
uma pretensão o dever dos juízes de desvendá-las com base nos recursos do processo.
Dias e Souza (2000) realçam que cada parte luta para comprovar a sua versão, atribuindo
ao outro a culpa pelo fim do relacionamento, e busca a sua absolvição, esperando que o
juiz proclame sua inocência.
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No campo da psicologia, pesquisadores se debruçam sobre o problema, motivados
pelo incremento da psicologia jurídica nas duas últimas décadas. Ramos e Shine (1999)
pontuam que cada genitor está obstinado com a ideia de ganhar do outro a ‘posse’ do filho.
Desse modo, negligenciam o fato de que o único a perder é o filho. Dolto (2003) avalia
que, perante a justiça, o pai ou a mãe permanecem girando em torno de seus pretensos
direitos, transformados em obsessão. A autora postula que as discordâncias de um casal
provêm de dificuldades de ambas as partes relacionadas com a evolução individual de
cada membro do casal. Neste estudo, parte-se do pressuposto de que, além das dificuldades
pessoais apontadas por Dolto (2003), outro fator deve ser destacado na análise dos litígios
familiares: a psicodinâmica da conjugalidade, entendida como produto intersubjetivo.
Vainer (1999) abordou o mesmo tema, por meio de pesquisa qualitativa com dados
de onze laudos técnicos do judiciário paulista. O autor classificou as conjugalidades de
acordo com a tipologia proposta por Willi (1975), com base no conceito de colusão. Silva
(2003) também abordou a problemática dos longos litígios, a partir do mesmo referencial
teórico, com base na experiência profissional em Varas de Família do estado de São
Paulo. Em publicação recente, Souza (2007) sustentou que as longas disputas judiciais
familiares seriam decorrentes da tentativa de prolongamento do vínculo conjugal, em
ensaio realizado a partir da experiência de intervenção multidisciplinar no programa JUS
MULHER – Rio Grande do Sul.
Neste trabalho, propõe-se ampliar a análise desse fenômeno, buscando-se
fundamentação em diferentes teorias da conjugalidade. Além da teoria da colusão
de Willi (1975), acrescentam-se as contribuições de Lemaire (1979), Eiguer (1985),
de Puget e Berenstein (1993), dentre outros. Essas abordagens se fundamentam no
referencial psicanalítico e postulam que a conjugalidade tem suporte num espaço psíquico
inconsciente conjugal. No desenvolvimento desse estudo, focaliza-se a escolha amorosa,
os diferentes tipos de conjugalidade dela derivados e o penoso processo de separação com
sua fase de luto. Ressalta-se que a etapa jurídica da separação pode ser vivenciada como
um ritual de passagem, promovendo o fim de um ciclo, ou sustentar a continuidade do
vínculo, conforme observado nos casos dos litígios familiares de longa duração.
Objetiva-se, com este estudo, discutir a relação entre os longos litígios familiares
e a perpetuação do vínculo conjugal, e apontar para a inscrição do judiciário na trama
conjugal. Para aprofundar esta discussão, promove-se uma articulação teórica de estudos
sobre a conjugalidade com referencial psicanalítico, ilustrando-a com a apresentação de
um caso de litígio familiar atendido no judiciário do Rio de Janeiro.
Psicodinâmica da conjugalidade
Ao estudar o funcionamento familiar, Eiguer (1985) afirma que o encontro amoroso
entre duas pessoas não seria determinado pelo acaso, mas haveria uma escolha baseada em
critérios não identificáveis no nível consciente. Do nosso ponto de vista, o conhecimento
acerca dos mecanismos inconscientes subjacentes à escolha amorosa permite deslindar
os entraves dos longos litígios conjugais.
Freud (1914/1996) postula dois tipos possíveis de escolha objetal, a ligação com o
objeto poderia seguir o modelo anaclítico (de ligação) ou o modelo narcísico. A escolha
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anaclítica recairia na busca de um objeto que completasse o sujeito, em contraposição ao
que ocorreria na escolha narcísica, na qual o sujeito elegeria um objeto que se assemelhasse
a ele próprio. A preferência pela escolha narcísica na vida adulta seria originária de alguma
perturbação durante o desenvolvimento libidinal. Em outro ensaio, aborda o fenômeno da
identificação descrevendo-o “como a mais remota expressão de um laço emocional com
outra pessoa” (Freud, 1921/1996, p. 115), afirmando que sua ocorrência desempenharia
um importante papel na história do complexo de Édipo.
Magalhães e Féres-Carneiro (2003), ao estudarem o processo de identificação entre
os parceiros, afirmam que diferentes modalidades de identificação podem ser entrelaçadas
no jogo identificatório da conjugalidade, operando transformações na subjetividade de
cada parceiro. Eiguer (1985) sustenta que as escolhas objetais do casal podem se associar,
apresentando aspectos objetais e narcisistas intervindo simultaneamente e, até, evoluindo
historicamente de uma modalidade à outra.
Fagundes (1999) aponta que dificuldades acentuadas na vivência fusional primária
podem fazer com que o sujeito permaneça ou retorne ao estado narcísico de “ilusão de
fusão”. Ele sustenta que a relação de casal teria o poder de ativar reciprocamente o mundo
das relações objetais internas, e assim, reativar também relações objetais primitivas,
podendo gerar regressão e ilusão de uma vivência fusional.
Devem ainda ser observadas outras influências na escolha do parceiro, além das
determinadas pelas relações primárias do indivíduo com suas figuras parentais, uma vez
que na bagagem psíquica estão contidas, também, as heranças transmitidas por gerações,
com seus legados e mandatos que inscrevem o indivíduo na história familiar e cultural.
Kaës (2001) discorre sobre esta maneira particular de abordar a constituição da
subjetividade, sustentando que, inicialmente, antes de constituir-se como tal, o sujeito seria
um ‘intersujeito’. O grupo precederia o sujeito, não lhe sendo dada a opção de escolha
entre ser ou não ser incluído nesse espaço e tempo. Da mesma forma, a escolha amorosa,
embora aparentemente uma livre escolha, também não seria consciente, ela obedeceria
a um determinismo familiar. No entanto, Kaës aponta a possibilidade de transformação
do material psíquico quando da interação das subjetividades.
A abordagem psicanalítica de família e casal abriu espaço para mudanças de
paradigmas, criando novos conceitos. Postula-se uma nova entidade ou instância
psíquica, que se processa na interação entre os cônjuges, assim como, na interação entre
os sujeitos de um grupo. Sugere-se que a partir da identificação de características comuns
seja estabelecida uma combinação, uma ligação, um vínculo, baseando-se na noção de
complementaridade, e, desta forma, seja gerada uma intersubjetividade na interseção
entre dois, ou mais.
Magalhães e Féres-Carneiro (2003) nomeiam de ‘trama identificatória conjugal’
o entrelaçamento dos “eus” que se processa na conjugalidade e apontam que a saúde do
vínculo conjugal dependeria do tipo de identificação objetal realizada entre os parceiros
na constituição da conjugalidade, por meio da introjeção ou da incorporação. No primeiro,
haveria a possibilidade de assimilar e transformar o parceiro por meio de um processo
criativo que preserva e até enaltece a alteridade; já no segundo, por meio da incorporação,
o componente alteritário seria desconsiderado, o que poderia levar a conjugalidade a um
movimento de devorar-se /aniquilar-se.
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Puget e Berenstein (1993) sustentam que o vínculo-casal é constituído por três
representações: uma proveniente do vínculo mãe-bebê, correspondente ao narcisismo
primário; outra da relação de casal dos pais, na qual o bebê ocupava a posição de terceiro
excluído; e a terceira recaindo na representação social do que seria uma organização
familiar.
As representações constitutivas do vínculo-casal são estruturadas a partir de
três dimensões subjetivas: a intra-subjetiva, alocada no mundo interno, com suas
representações e afetos; a intersubjetiva, uma estrutura ou um vínculo inconsciente que
liga os dois egos; e a transubjetiva, o vínculo do ego com o contexto sociocultural. O
vínculo do casal se estabeleceria no espaço intersubjetivo e, sobre ele, Puget e Berenstein
(1993) tecem sua formulação teórica.
Os autores afirmam que a relação amorosa se constituiria a partir de uma fusão, uma
indiscriminação, na qual o investimento narcísico daria lugar à supervalorização do outro,
que estaria investido, nesse momento, das características do objeto único idealizado. A
segunda etapa seria transitória, promovida pelo distanciamento intermitente do parceiro,
dando possibilidade à discriminação das individualidades e à distribuição de papéis na
relação conjugal. Caso o processo de discriminação dos egos não se complete, a estrutura
relacional, formada a partir de então, pode tomar rumos diversos, desde um estado de fusão
conjugal até o maior nível de complexidade, representado pela autonomia dos parceiros.
Nos longos litígios conjugais, acredita-se que ocorre uma regressão ao estado fusional,
um tipo de defesa reativa contra a separação, expressa nos episódios agressivos.
Tipos de conjugalidade
Puget e Berenstein (1993) levam em conta o grau de discriminação entre os parceiros
para postular três tipos de estruturas organizadas a partir de uma estrutura zero, ou seja,
uma matriz inconsciente. Inicialmente, apontam uma estrutura denominada de dual, na
qual há o predomínio de um vínculo fusional, baseado no modelo de objeto único. Uma
primeira subdivisão da estrutura dual é expressa por uma relação de simetria, denominada
de gemelaridade, que se sustenta na idealização mútua, com pouquíssimo ou nenhum
indício de diferenciação, podendo-se dizer que seu tema seria: “Somos um só.” Ainda
dentro da estrutura dual, podem ser encontradas formas de vinculação assimétricas, sendo
proposto pelos autores os seguintes tipos: complementaridade enlouquecedora, disfunção
temporal e disfunção semântica.
A segunda estrutura proposta é classificada como terceiridade limitada, e consiste
também num vínculo indiscriminado, mas não autossuficiente, ocorrendo uma angústia
catastrófica amenizada pela presença do terceiro. Nesta estrutura, os autores postulam
subtipos de funcionamento: o pervertedor-pervertido, no qual ‘o terceiro’ funcionaria
como elemento fundamental; a enciumante-ciumento, na qual ‘o terceiro’ é parte de uma
cena imaginária maravilhosa entre um ego e outro ego externo ao casal.
A terceiridade ampla é proposta como uma terceira modalidade de estrutura, na
qual os egos são suficientemente discriminados, oferecendo possibilidade de desfazer
mal-entendidos sem despertar angústias insuportáveis. Nesta estrutura ocorre o
compartilhamento de significados diferentes, favorecendo a construção de um código
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comum e não significando ameaça ao vínculo. As dificuldades ocorridas no cotidiano e
no ciclo vital, nesta forma de funcionamento, servem de base para alterações e ajustes na
conjugalidade. O projeto conjugal admite o lugar do terceiro, com prováveis momentos
de exclusão, que manterão a possibilidade futura dos parceiros reencontrarem-se e
reelaborarem o vínculo-casal.
Anteriormente, Willi (1975) abordara a psicodinâmica conjugal enfatizando a
noção de complementaridade entre os parceiros, tendo cunhado o termo colusão para
denominar o jogo inconsciente do casal. O processo colusivo teria início na escolha dos
parceiros mediante a identificação de conflitos fundamentais não superados e a conexão
estabelecida a partir deste encontro promoveria um jogo conjunto, oculto reciprocamente.
Willi propôs quatro tipos fundamentais de arranjos colusivos: a colusão narcisista, baseada
no tema do “amor como ser um”; a colusão oral, girando em torno do tema “amor como
preocupar-se um com o outro”; a colusão anal-sádica, embasada no tema “amor como
pertencer-se um ao outro”; e a colusão fálico-edípica, sustentada no tema “amor como
afirmação masculina”. Vainer (1999) e Silva (2003) basearam-se nessa tipologia para
analisar longos litígios familiares.
Willi (1975) aponta que, frequentemente, encontra-se a união de um cônjuge que
tem necessidade de progressão supercompensadora, com outro que necessita de satisfação
regressiva, sendo este emaranhamento regressivo-progressivo, dentro de uma mesma
temática, descrito como encontro colusivo. Os quatro tipos, ou temas, quase sempre
estariam presentes na conjugalidade e não representariam, necessariamente, estados
disfuncionais ou patológicos, mas na ocorrência de um conflito conjugal, o autor destaca
que um desses tipos colusivos ficaria mais evidente na dinâmica conjugal.
Separação conjugal
A complementação ou a semelhança, vislumbradas no ato de escolha amorosa, advém
de traços identificados reciprocamente que, pela força do desejo, são tomados pelo todo
num processo ilusório. No entanto, “a ilusão dura pouco tempo, a desilusão logo invade
os amantes e põe à prova a solidez do vínculo sentimental” (Eiguer, 1985, p. 46). Logo, o
objeto amoroso com quem se identificou ou que foi idealizado, apresentará sua alteridade,
promovendo um abalo na ilusão de completude do casal, pois as diversas solicitações
proporcionadas pelo cotidiano desencadeiam defasagens entre expectativa e realidade, entre
o que é desejado e o que o outro pode atender. Diversas reações podem ser desencadeadas
por este tipo de frustração, dependendo da estrutura psíquica dos sujeitos envolvidos e da
qualidade do vínculo formado na conjugalidade. Mas, o que se pretende aqui ressaltar, sobre
o processo de des-ilusão amorosa, é que ele pode ser descrito como um desdobramento da
ilusão de completude ocorrida na escolha dos parceiros, ou seja, como uma consequência da
convivência amorosa. E, ainda, que dele tanto pode resultar um crescimento mútuo com a
discriminação dos ‘eus’, produzido pelo manejo das sucessivas frustrações das expectativas
idealizadas de cada ego e, sequencialmente, o reconhecimento da alteridade, como podem
também ser desencadeados estados patológicos da conjugalidade.
Lemaire (1979) aponta três saídas possíveis para a ilusão conjunta: a primeira seria a
do casal que não resiste à desilusão e interrompe a relação; na segunda, a qual nomeia de
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‘via perpétua’, manter-se-ia o estado ilusório que sustenta o estado amoroso e a relação,
mas diminuiria a interrogação sobre a natureza do apego e da qualidade dos sentimentos
recíprocos e, uma terceira via seria aquela na qual o casal se confronta com a desilusão
diante da revelação de aspectos indesejáveis do parceiro, podendo levá-los a construir
uma relação menos defensiva e reforçar o vínculo. Focaliza-se, neste trabalho, a via da
interrupção da relação, para apontar os mecanismos de dissolução do vínculo e de sua
manutenção de forma patológica.
Partindo da premissa de que o sujeito se constitui no vínculo e que o casal conjugal
seria mais uma modalidade dessa constituição, Andino (1996) sustenta que a separação
seria também um produto vincular, articulado conjuntamente, mesmo que, por vezes
ela seja atribuída à problemática de um dos parceiros. A autora discorre sobre conceitos
de ato de encontro e de desencontro, de acting e de ação, de acordo com a tipologia
estrutural predominante no casal, para abordar a complexidade do encontro e da separação
conjugal. O conceito de ‘ato’ está referido ao instante em que se dá o sentido, em que
se origina algo diferente e produz-se uma marca, e o conceito de acting faz referência a
uma repetição dirigida a um outro.
O ato de encontro seria a marca inscrita na história dos sujeitos a partir do momento
de eleição mútua dos cônjuges e seria atravessado por três eixos: o do investimento mútuo,
o do corte com a família de origem e do reconhecimento dos outros de que se formou
um casal. Esses eixos estariam relacionados aos espaços inter, intra e trans-subjetivo
dos sujeitos. Da mesma forma que o ato de encontro, o ato de desencontro também seria
encarado como um ato fundante, mas de outra situação, diferenciada dos desencontros
do cotidiano. O ato de desencontro implica num corte, numa desorganização e em novas
organizações na estrutura que possam promover a dissolução do vínculo que ambos
constituem e que os constitui como casal.
Para que uma separação conjugal tenha efeito de fim ou de fechamento de um ciclo
e produza as necessárias transformações, se faz necessário o desinvestimento do objeto
privilegiado e, assim como no ato de encontro, o ato de separação é também atravessado
por três eixos: desinvestimento mútuo, corte vincular (ou o momento simbólico da
separação) e reconhecimento dos outros do novo lugar social que cada membro do par
passa a ocupar a partir da separação. Observa-se que há marcas representativas desse
momento, evidenciadas em relatos sobre rupturas conjugais. Frequentemente, alude-se
a um momento único de corte ou ruptura, os sujeitos referem-se a “um cristal que se
quebrou” (Andino, 1996, p. 163). A cena da separação, ou alguma ação que a represente,
inscrever-se-ia como a representação do corte vincular. Seria um rito produzido pelos
cônjuges como forma de corporificar, de trazer à realidade, o ato da separação.
Feito o corte vincular, o espaço privado do casal é tornado público e levado ao
reconhecimento da rede relacional, que também é afetada e interage nesse processo,
podendo favorecer a discriminação ou aumentar os mal-entendidos entre os exparceiros.
Algumas questões relativas à separação estão presentes desde a formulação dos
acordos e pactos constitutivos do vínculo conjugal, sejam da ordem do ‘dito’ ou do ‘nãodito’, e, estas últimas seriam explicitadas por meio de encenações durante o processo
de separação. Nestes casos, não é raro a encenação e a re-encenação de alguns conflitos
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durante a fase da separação, expressados em acontecimentos que refletem variações de
um mesmo tema, nos quais se percebe uma espécie de jogo com papéis complementares.
Essas atuações estariam a serviço da ‘não separação’, ou seja, da continuidade do vínculo
e, Andino (1996) se refere a esse tipo de conjugalidade como representante de uma
‘estrutura de repetição’.
Para que ocorra a dissolução do vínculo, o desejo de ruptura deve-se sobrepor
ao desejo de complementaridade, caso contrário, os sujeitos se manterão numa eterna
tentativa de separação. Mesmo que ocorra o afastamento físico, os sucessivos encontros
do ex-casal, muitas vezes promovidos pelo vínculo da parentalidade que não se desfaz,
em razão da educação e do cuidado dos filhos (Féres-Carneiro, 2007), os conflitos voltam
a se expressar com a mesma intensidade e constância do período anterior à separação
conjugal. Nestes casos, seriam evidenciados o jogo compulsivo e a repetição, indicando
que o corte vincular não teria se produzido.
Sobre as separações intermináveis, Willi (1975) sustenta que as iniciativas de
ruptura podem ter por finalidade a concretização da separação e representarem atitudes
saudáveis frente a arranjos neuróticos, mas podem também ocorrer tentativas de ruptura
promovidas pela não satisfação das necessidades neuróticas, tendo como objetivo a
permanente sujeição ao jogo colusivo. Ocorreria, neste caso, um processo interminável
de tentativa de ruptura do laço, no qual tormentos implicados na separação tornariam a
convivência insuportável, ocorrendo uma contínua tentativa de destruição mútua, mesmo
que promovam a separação conjugal.
Na fase pós-separação amorosa um luto é vivenciado, independente de quem
promoveu a ruptura amorosa. O trabalho de luto dos amantes é discutido por Caruso (1981),
considerando a separação conjugal como uma vivência psíquica de morte. A separação
simbolizaria a morte no curso da vida, podendo sua dor ser tão insuportável, ou até maior
do que a da morte do ser amado. A separação conjugal promoveria um forte abalo no ego
dos cônjuges, mesmo nas situações em que a iniciativa de separação se deveu a ambas as
partes, assim como uma morte em vida: a morte da consciência de um dentro do outro. O
sujeito sofreria com a vivência da morte do outro em sua consciência, mas sofreria ainda
mais com a constatação de sua morte na consciência do outro, em razão de uma dor narcísica.
Com a finalidade de conservar a vida (a do próprio ego), seria promovida uma destruição
do outro na consciência, por meio do esquecimento, num processo defensivo do ego contra
a catastrófica experiência de morte promovida pela separação. Mas, paradoxalmente, o
esquecimento do outro levaria também a uma destruição da própria consciência, uma vez
que o outro habita essa consciência e, dessa forma, o esquecimento estaria atuando como
uma defesa, mas, ao mesmo tempo, como uma automutilação.
Conflitos conjugais no judiciário: do privado ao público
A passagem do âmbito privado ao público é uma fase importante da separação.
Inicialmente são os círculos íntimos, a família, os amigos e o trabalho, que são informados
da separação do casal. Posteriormente, é o Estado que deve conhecer e reconhecer o fim
do casamento. O privado e o íntimo são tornados públicos e levados à lei para serem
regulados e legitimados.
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Muitos casais legalizam o fim do casamento quando estão começando a serem
superadas as tristezas e novos investimentos estão começando a ocorrer, evidenciando a
possível superação do luto, ou, como propõe Caruso (1981), usando o recurso de dirigir a
libido para outro objeto, a fim de fugir da vivência catastrófica provocada pela separação.
Nesses casos, o processo legal da separação ou do divórcio seria mais uma etapa necessária
para corporificar o ato da separação, seria a cena representativa do corte (Andino, 1996).
Contudo, nesta fase, a cena teria a máxima visibilidade e seria exposta ao Estado para
legitimar formalmente o fim daquele “amor”. Esse momento, representativo do fim, pode
conceber também um começo, pode inscrever os sujeitos em outro ciclo de sua história e
produzir uma marca que daria outra representatividade ao vínculo. Nesse sentido, o ato
jurídico seria assemelhado a um ritual de passagem, na sua função de outorgar um outro
estatuto ao sujeito. Pereira (2003) parte da premissa de que, na linguagem jurídica, os
ritos sociais se traduzem por meio dos processos judiciais e que a função do rito judicial
seria de por fim a uma demanda (intra e interpsíquica) e marcar a entrada em outra etapa
da vida. O autor sustenta que o processo judicial é um ritual sob o comando de um juiz,
representante legal e simbólico da lei, com a função de por fim a uma demanda e instalar
uma nova fase na vida das pessoas.
A repercussão psíquica da vivência do processo de divórcio, considerado um
ritual de passagem, pode auxiliar os sujeitos no redimensionamento dos afetos e na
transformação dos acordos e pactos do casal, dando possibilidade de passagem do vínculo
de conjugalidade ao vínculo exclusivo de parentalidade. No entanto, nem todos os casais
realizam esta etapa jurídica do divórcio, ou se a realizam, não a vivenciam como um ritual
de passagem. Nesse caso, o necessário divórcio psíquico não é alcançado. A etapa jurídica
da separação, que poderia ser uma breve intervenção do Estado, apenas confirmando o
que já fora definido entre os ex-cônjuges no âmbito privado, se transforma, então, numa
longa e sofrida batalha judicial.
Alguns ex-parceiros ingressam com seus processos legais da separação, mas no
decorrer dos atos jurídicos ocorre uma série de ações, ou de atuações, de cada uma das
partes, que se constituem em entraves às necessárias negociações relativas ao patrimônio
e aos filhos. A situação de conflito impede acordos privados ou uma busca por serviços
especializados que possam operar uma transformação mantendo a privacidade da família.
O ingresso no judiciário busca uma intervenção da lei para além do conjunto de normas
da sociedade, uma lei inscrita como um super-eu, no sentido freudiano do termo. Shine
(2002) sustenta que a escolha de lidar com os conflitos por meio do processo judicial,
“responde a uma necessidade anterior de ataque e defesa que precisa, de certa forma, do
reconhecimento público que é alcançado em um procedimento legal” (p. 69).
Análise de um caso de litígio familiar no contexto da intervenção psicológica
As partes do litígio, aqui nomeadas Márcio e Cida, casaram-se motivados por
uma gravidez nos primeiros meses de namoro. Ambos, em entrevistas individuais,
relataram relacionamento apaixonado até o nascimento do primeiro filho. Em três
anos, nasceram os dois filhos do casal em meio a uma progressiva convivência hostil,
com alguns episódios de violência física. A separação se deu por iniciativa de Cida,
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quando as crianças contavam com quatro e três anos, as quais permaneceram sob sua
guarda. Após a separação, as brigas se intensificaram. Segundo Cida, em decorrência do
desamparo financeiro a que foi submetida, e segundo Márcio, devido ao impedimento
para visitação. Cida ingressou com ação de Alimentos contra os avós paternos e foi bem
sucedida. Márcio ajuizou ação de Regulamentação de Visitas. Cida, então, ingressou
com pedido de Guarda dos dois filhos, o qual se desdobrou numa Busca e Apreensão.
Em outra ação paralela, disputavam um imóvel. Durante esse período, foram registradas
várias ocorrências policiais por ambos.
O caso foi encaminhado para avaliação psicológica no curso da ação de
Regulamentação de Visitas, em razão de alegações maternas sobre maus-tratos dos avós
paternos e abuso sexual por parte do pai. Nos atendimentos, Márcio apontou o casamento
como “uma desgraça” em sua vida, descreveu situações de violência física praticadas
por Cida e a qualificava como louca. Ele assumiu uma postura vitimizada, inclusive
com relação ao Judiciário e interpretava as propostas reflexivas como uma aliança com a
ex-cônjuge. Cida também se mostrou refratária a qualquer intervenção e sua postura era
muito agressiva. Ela sustentava haver uma conspiração do ex-parceiro, juntamente com
os avós paternos de seus filhos. Nos atendimentos com as crianças, foram verificados
comportamentos de intensa agressividade física e verbal entre elas, agitação exacerbada,
dificuldade de concentração e recusa em submeter-se a quaisquer regras. Referiam-se ao
pai como “o Corno”, “o Mau”, e à avó paterna como “a Vagabunda”, expressões estas,
que quando proferidas em presença da mãe, eram recebidas com aprovação e humor. O
filho mais velho confirmou ter sofrido abuso, mas seu relato se mostrou estereotipado
nas várias entrevistas realizadas. Os avós paternos se mostraram críticos em relação ao
comportamento do casal, compreensivos com a agressividade dos netos e desejavam
acolher as crianças para afastá-las do conflito conjugal. Pela análise da psicodinâmica
familiar, que envolveu outros aspectos não descritos nesse breve relato, avaliaram-se
fortes indícios de falsa alegação de abuso sexual. Sugeriu-se que a guarda das crianças
fosse confiada, temporariamente, aos avós paternos, que denotavam maior equilíbrio, e
também o encaminhamento para psicoterapia familiar e individual.
Em relação à decisão judicial, o juiz não acolheu as sugestões da avaliação,
manteve a guarda materna e regulamentou a visitação quinzenal, de forma que o pai
pegasse e devolvesse os filhos na escola, a fim de evitar os encontros entre os membros
do ex-casal.
No primeiro retorno do caso, os episódios de conflito haviam sido transferidos para
o contexto escolar, e os impasses giravam em torno de mudança de escola e recusa em
acompanhamento psicológico por parte da mãe. A avaliação apontou a mesma dinâmica e
reafirmou as sugestões anteriores, mas a decisão judicial não se alterou. No último retorno
do caso, o filho mais velho, prestes a completar treze anos, apresentou um discurso mais
crítico com relação ao conflito dos pais, apontando que tanto o pai quanto a mãe “jogavam
o tempo todo”. O pai continuava a contestar a guarda materna, usando como justificativa
a repetência escolar do filho mais velho e o comportamento antissocial do filho mais
novo, que havia furtado dinheiro na escola e na casa dos avós, no entanto, continuou a se
eximir de qualquer responsabilidade. A mãe atribuía tais comportamentos unicamente à
influência paterna. Nem Márcio, nem Cida refizeram suas vidas amorosas, mas diziamAletheia 31, jan./abr. 2010
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se cansados de brigar, porém sem saber como parar. Cida aceitou o encaminhamento
para psicoterapia dos filhos, mas não aceitaram sugestão de psicoterapia individual ou
familiar. Em decorrência da moderação do conflito, foi possível, pela primeira vez em
cinco anos, realizarem-se entrevistas conjuntas com o ex-casal, esboçando-se um acordo
sobre guarda materna e visitação livre, que foi homologado pelo juízo.
Discussão do caso
A análise deste caso contempla os aspectos intra, inter e transubjetivo envolvidos
na conjugalidade. Com relação ao laudo, ressalta-se a importância de estar atento ao uso
desse instrumento no contexto institucional, sem deixar de observar a possibilidade de
aliança com o poder disciplinar, como bem sinalizado por Coimbra (2004), implicando
num posicionamento ético em seu conteúdo.
Cabe apontar que as teorias aqui discutidas não devem ser utilizadas para classificar
a conjugalidade no contexto judiciário e que a relação psicólogo-jurisdicionado não
favorece que os sujeitos se revelem espontaneamente, diferentemente do que ocorre na
escuta clínica do casal que busca a psicoterapia. Pode-se, contudo, interpretar o material
coletado durante o processo judicial, à luz das teorias da conjugalidade.
A paixão avassaladora que ambos descreveram nos remete ao vínculo fusional,
baseado no modelo de Objeto Único, descrito Puget e Berenstein (1993). Contudo,
logo na chegada do primeiro filho tudo mudou. Aquela conjugalidade não suportou a
entrada do terceiro. Márcio se viu excluído, ou se fez excluir, sendo formada uma forte
cumplicidade entre mãe e filhos. Nos relatos surgiram queixas quanto à passividade e
falta de iniciativa de Márcio e à postura excessivamente autoritária de Cida. Este aspecto
do arranjo conjugal nos remete à colusão anal-sádica, postulada por Willi (1975), na qual
se observam posições polarizadas entre domínio e dependência, sendo protagonizada
pelos cônjuges, uma interminável luta. A descrição da convivência pautada em violência
e hostilidade, sem, contudo, conseguirem separar-se, ainda nos remete à ‘gemelaridade
tanática’ descrita por Puget e Berenstein (1993). Neste arranjo, “O compartilhar é
persecutório ... Circulam desprezo, críticas, mas, apesar disso, não podem ficar separados”
(p. 37). Cida sustentou graves acusações contra o pai de seus filhos e os avós paternos,
que não foram comprovadas, e denotava divertir-se com o impacto causado e com
os xingamentos proferidos pelos filhos. Essa dinâmica encontra semelhanças com o
funcionamento ‘pervertedor-pervertido’, descrito pelos mesmos autores, no qual existe
um predomínio da transgressão dos valores e são observados intercâmbios sádicos. Sobre
a função do terceiro neste tipo de funcionamento, assinala-se a impotência do judiciário
frente a esse conflito.
Entendemos que se a sugestão de inversão de guarda em favor dos avós paternos,
feita na primeira intervenção, tivesse sido acolhida, o curso da história dessa família
poderia ter sido outro. As funções materna e paterna, exercidas de forma disfuncional
pelos pais, poderiam ter sido parcialmente supridas, de forma a resguardar as crianças do
conflito conjugal. A possível utilização dos filhos pela mãe como meio de atingir o pai
poderia ter sido interditada, a omissão paterna poderia ter sido suprida e, os ex-parceiros,
presos no jogo da conjugalidade, não contariam mais com o acolhimento do judiciário
208
Aletheia 31, jan./abr. 2010
para manutenção daquele vínculo. Mas, no entanto, o judiciário se paralisou. O mito da
supremacia materna na guarda dos filhos pode ter influenciado a decisão judicial (Barros,
2005), mas também se destaca que a instituição pode ter sido convocada a interagir
subjetivamente na dinâmica conjugal, a qual necessitava representar sua cena para um
observador passivo, papel que foi cumprido, sem que o judiciário conseguisse se inscrever
como lei nessa demanda.
A observação dos tipos de conjugalidade apresentados pode servir de parâmetro
norteador na identificação das dinâmicas dos conflitos conjugais que se apresentam no
judiciário. No entanto, é importante apontar que os funcionamentos, quando descritos na
teoria, são apresentados como mecanismos distintos e separados. Mas, quando se observam
as dinâmicas de funcionamento dos casais, podem ser detectados funcionamentos que se
entrelaçam no decorrer da história da conjugalidade. É ainda importante observar que estes
mecanismos são engendrados conjuntamente no jogo da conjugalidade, e, mesmo no caso
da colusão anal-sádica, onde se identifica uma forte assimetria na distribuição de poder
da relação, o polo passivo do conflito também atua ativamente na dinâmica conjugal.
Considerações finais
A compreensão da dinâmica dos litígios familiares por uma ótica de
complementaridade confronta-se com a lógica adversarial do judiciário e dos casais
em conflito, fundamentadas em persecutoriedade e culpa (Groeninga, 2003) e, desse
confronto, advêm resistências.
No contexto contemporâneo do direito, a lógica adversarial vem sendo apontada
como um entrave aos novos focos da justiça – celeridade e democratização do processo –
sendo propostas novas técnicas de resolução de conflitos, como a conciliação, a mediação
e a arbitragem (Azevedo, 2009). Contudo, para que essas novas propostas metodológicas
sejam eficazes, é necessário que os operadores do direito reformulem seus paradigmas.
No caso dos litígios familiares, é necessário que o judiciário reconheça que o litígio está
inserido no contexto de um jogo encenado conjuntamente, com base em motivações
inconscientes, e que a justiça é permanentemente convocada a contracenar e a sustentar
sua perpetuação.
O encontro da psicologia com o direito vem se desdobrando em novos saberes,
dentre os quais ressaltam-se a perspectiva foucaltiana sobre a política de normalização
nas Varas de Família (Reis, 2009) e a perspectiva de Legendre (2004) que aponta o risco
da instituição não ocupar mais os lugares centrais de referência na ordem genealógica.
O trabalho do psicólogo jurídico requer um olhar transdisciplinar, atento ao contexto
social que influencia a formação das subjetividades (Altoé, 2003), ao conjunto normativo
onde sua práxis está inserida, à representação da lei para os sujeitos que recorrem a ela e,
tudo isso, sem perder de vista o funcionamento singular de cada célula desse organismo
– o sujeito.
Neste estudo, pretendeu-se incluir, na profusão de saberes psicojurídicos da
contemporaneidade, a perspectiva intersubjetiva da conjugalidade na análise dos litígios
familiares. Nesta proposta, inclui-se o campo intersubjetivo entre jurisdicionados e
operadores do direito, buscando inserir mais um olhar sobre um inquietante fenômeno que
Aletheia 31, jan./abr. 2010
209
se multiplica na contemporaneidade, os litígios familiares. Buscou-se acrescentar mais
uma referência neste imbricado contexto e apontar a possibilidade do judiciário interagir
complementarmente à demanda conjugal de perpetuação do conflito.
Referências
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_____________________________________
Recebido em julho de 2009
Aprovado em dezembro de 2009
Ana Lúcia Marinônio de Paula Antunes: Psicóloga; Especialista em Terapia de Família e Casal (PUC-Rio);
Mestranda em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Psicóloga do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Andrea Seixas Magalhães: Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Professora assistente do
Departamento de Psicologia da PUC-Rio.
Terezinha Féres-Carneiro: Psicóloga; Doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP); Pós-doutora em Terapia
de Casal e Família (Universidade de Paris 5/Sorbonne). Professora Titular do Departamento de Psicologia
da PUC-Rio.
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
Aletheia 31, jan./abr. 2010
211
Aletheia 31, p.212-214, jan./abr. 2010
Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociência
e a espiritualidade ensinam
Ana Catarina Araújo Elias
Peres, J. (2009). Trauma e Superação: o que a Psicologia, a Neurociência e a
Espiritualidade ensinam. São Paulo: Ed. ROCA.
Neste início de século XXI o poder proporcionado pelos recursos biotecnológicos
na prevenção e tratamento de doenças nos surpreende todos os dias, mas por outro lado
estes recursos não são capazes de proporcionar o maior bem da humanidade: a felicidade.
Para a Organização Mundial de Saúde, saúde não significa a mera ausência de doenças e
sim um completo bem-estar biopsicossocial. Os traumas psicológicos podem obscurecer
ou mesmo impedir o bem-estar de acordo com a realidade subjetiva de cada indivíduo,
tema que o Dr. Julio Peres aborda no livro Trauma e Superação: o que a psicologia,
a neurociência e a espiritualidade ensinam. Em quinze capítulos o leitor encontrará
conceitos claros e atuais que facilitam a compreensão do leitor, revisões bibliográficas de
pesquisas com sínteses didáticas, práticas terapêuticas indicadas a superação do trauma,
depoimentos de pacientes com uma riqueza fenomenológica impar, propostas inovadoras
que orientam nosso olhar para além do sofrimento, iluminando recursos auto-curativos
que o ser humano dispõe como a espiritualidade.
No primeiro capítulo Peres define e explica conceitos que utilizará ao longo do
livro como: o que é trauma psicológico, memória traumática, transtorno de estresse póstraumático (TEPT) e respectivos subtipos, como um evento se transforma em um trauma
e quais as respostas pós-trauma mais frequentes. O autor revela o grande número de
indivíduos traumatizados na população geral com interessantes dados epidemiológicos e
enfatiza a importância da área da saúde dedicar maior atenção qualificada a essas pessoas:
estima-se que a prevalência ao longo da vida para a ocorrência de eventos potencialmente
traumáticos pode alcançar de 50 a 90%, enquanto a prevalência do TEPT na população
geral é estimada entre 8 a 10% e do TEPT parcial atinge expressivos 30%.
No segundo capítulo a relação terapêutica entre as palavras e o trauma é explicitada.
Peres mostra com exemplos instrutivos e base neurocientífica que tradução da ocorrência
em representações narrativas permite a atribuição de significados à vivência pessoal e a
superação do sofrimento disperso em emoções e expressões sensoriais fragmentadas.
A percepção de um indivíduo é decisiva na qualidade de sua interação com o
ambiente, e, por essa razão, investigações sobre os processos perceptivos são de extremo
interesse à compreensão de como o trauma é configurado. Com estas palavras Peres inicia
o terceiro capítulo onde discute não só a questão da percepção, como também a interação
desta faculdade cognitiva com a filosofia e com as neurociências. Disseca o processo pelo
qual construímos o mundo no qual vivemos e pondera a importância da subjetividade na
representação da realidade individual.
212
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Neurônios-espelhos: para olhar e superar, com este subtítulo Peres expõe com
clareza no quarto capítulo a função destes neurônios recém descobertos e a sua relação
com a psicoterapia frente à vivência traumática.
Observando-se que a vivência traumática esta intimamente relacionada não só com
o evento em si, mas também com a subjetividade do indivíduo Peres, no quinto capítulo,
discute a interação entre personalidade e trauma. Aborda os elementos constituintes
deste corpo emocional, seu desenvolvimento, as limitações de um enfoque puramente
neuroquímico e os desafios frente os dados empíricos que sugerem que mente e cérebro
não são sinônimos, indicando o valor terapêutico de uma psicoterapia sem dogmas.
No sexto capítulo intitulado “dar a volta por cima” o autor ressalta o significado e
valor da resiliência, que pode ser aprendida e desenvolvida com recursos objetivos. Peres
discute a pertinência do diálogo entre a coragem e o medo, e explica, de forma didática e
fundamentada, todos os passos para a aplicação de uma abordagem apropriada a superação
do trauma psicológico, chamada Terapia de Exposição e Reestruturação Cognitiva. O
autor ressalta que os psicoterapeutas não devem dizer intelectualmente aos pacientes
“como fazer” e sim facilitar por meio de vivência terapêutica, a autocompreensão da
possibilidade de escolher novos caminhos para melhor qualidade de vida.
O sétimo capítulo aborda as diferenças entre o esquecimento e a extinção das
memórias traumáticas, pois conforme explica o autor o aprendizado de extinção, que
fortalece novas associações aos gatilhos do temor, cumpre um papel adaptativo superior
ao do esquecimento.
O oitavo capítulo é dedicado ao tratamento de muitos indivíduos que apresentam
sintomas como fobias, pânico ou TEPT, entretanto, não lembram dos episódios que
dispararam tais sofrimentos. Nas palavras do autor, a “iluminação” de traumas que se
encontram no nível inconsciente é possível por meio da Terapia Reestruturativa Vivencial
Peres (TRVP), a qual pode trazer padrões previamente inconscientes de comportamento
à luz da consciência, facilitando a ligação do significado ao afeto, desconstruindo a
compulsão à repetição do trauma e levando assim, a remissão dos sintomas que geravam
sofrimento.
No nono capítulo outras diversas formas de psicoterapias aplicadas ao trauma
psicológico são descritas de forma sintética e didática, explicitando a abordagem
terapêutica, os objetivos e as estratégias de cada uma delas. São referidas mais 16 outras
técnicas, assim como são discutidos o valor terapêutico da farmacoterapia, a função
adaptativa dos pesadelos pós-traumáticos e o respectivo tratamento com a Terapia do
Ensaio Imaginário.
O décimo capítulo reflete os estudos do próprio autor sobre a interação entre
neurociências e a psicoterapia eficaz, abordando o conceito de neurônio, as interfaces com
o sistema nervoso, os métodos de investigação por imagem e os estudos neurofuncionais
em psicoterapia. Um capítulo escrito com sólida consistência acadêmica que oferece
ao leitor, através de dados empíricos, compreensão sobre a complexa inter-relação da
neurociência com a psicoterapia.
No décimo primeiro capítulo a verdade da alma dos que sofreram uma experiência
traumática e a superaram é revelada através do depoimento de vários pacientes e dos
comentários do autor. Inúmeras situações traumáticas foram abordadas, com destaque
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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para o abuso sexual, perda de ente querido, assalto e acidente. Este capítulo demonstra
empiricamente o sagrado da natureza humana, o potencial de auto-reformulação e
aprendizado em cada indivíduo e a possibilidade de fortalecê-lo através da psicoterapia.
Os relatos espontâneos dos pacientes demonstram que não somos apenas o resultado
passivo dos eventos de vida, mas somos responsáveis sujeitos de nossas existências.
O décimo segundo capítulo é dedicado à importância da pessoa do terapeuta, sendo
que o autor o intitula de “A terapia é o terapeuta”. Enquanto psicóloga atuando nas áreas
clínica e hospitalar, e na docência universitária, endosso na íntegra estes escritos de Peres,
que nos fala sobre a relevância da segurança interior do terapeuta, conseguida através do
palmilhar prévio de seus caminhos internos, do ouvir e re-significar suas próprias dores
para levar a um lugar por ele conhecido, respeitando os sistemas de crenças e a cultura
do indivíduo em tratamento.
No décimo terceiro capítulo Peres aborda a inter-relação entre religiosidade,
espiritualidade e saúde com base em publicações científicas; escreve um brilhante resumo
sobre religiões comparadas, descreve a religiosidade / espiritualidade como fonte de
resiliência para o enfrentamento do trauma e suas implicações na psicoterapia, assim
como menciona o importante trabalho de vários grupos acadêmicos dedicados ao estudo
da espiritualidade e saúde.
No décimo quarto capítulo Peres aborda com profundidade a questão do bemestar e da felicidade. Corajosamente inicia o capítulo com uma citação de Abraham
Lincoln, referindo que a maioria das pessoas é tão feliz quanto resolver ser. Mais a frente
fundamenta, através de pesquisas epidemiológicas, que a natureza do sofrimento e da
felicidade transcende o evento em si e se dinheiro, poder e fama não ajudam as pessoas
a serem mais felizes, o desenvolvimento do caráter e das virtudes podem fazê-lo.
No décimo quinto capítulo conclui seu livro explanando sobre a cultura da Paz e a
responsabilidade de cada um de nós na construção de um mundo menos traumatizante.
Explica porque a herança genética competitiva ancestral atualmente é desnecessária
e através de dados empíricos demonstra como ensinar a nossa genética o caminho do
bem. Julio Peres demonstra que um mundo melhor e humano, ou seja, menos violento,
é exequível.
O livro do Dr. Julio Peres traz uma síntese atraente de um conjunto de informações
sobre o trauma psicológico e os processos factíveis de superação com profundidade e
clareza. Considero uma leitura importante e necessária, não só para os profissionais da
saúde mental, mas também para todos que atravessam eventos dolorosos com potencial
traumático.
____________________________
Recebido em janeiro de 2010
Aceito em março 2010
Ana Catarina Araújo Elias: Psicóloga; Doutora em Ciências Médicas (UNICAMP).
Endereço eletrônico para contato: [email protected]
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Instruções aos autores
Política editorial
A Aletheia é uma revista quadrimestral editada pelo curso de Psicologia da
Universidade Luterana do Brasil destinada à publicação de trabalhos de pesquisadores
envolvidos em estudos produzidos na área da Psicologia ou ciências afins. Serão aceitos
somente trabalhos não publicados que se enquadrem nas categorias de relato de pesquisa,
artigos de revisão ou atualização, relatos de experiência profissional, comunicações
breves e resenhas.
Relatos de pesquisa: investigação baseada em dados empíricos, utilizando
metodologia e análise científica.
Artigos de revisão/atualização: revisões sistemáticas e atuais sobre temas
relevantes para a linha editorial da revista.
Relatos de experiência profissional: estudos de caso contendo discussão de
implicações conceituais ou terapêuticas; descrição de procedimentos ou estratégias de
intervenção de interesse para a atuação profissional dos psicólogos.
Comunicações breves: relatos breves de experiências profissionais ou comunicações
preliminares de resultados de pesquisa.
Resenhas: revisão crítica de livros recém-publicados, orientando o leitor quanto a
suas características e seus usos potenciais.
Aspectos éticos: todos os artigos envolvendo pesquisa com seres humanos
devem declarar que os sujeitos do estudo assinaram um termo de consentimento livre
e esclarecido, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de pesquisa. No
caso de pesquisa com animais, os autores devem atestar que o estudo foi realizado de
acordo com as recomendações éticas para esse tipo de pesquisa. Os autores também são
solicitados a declarar, na seção “Método”, que o protocolo da pesquisa foi previamente
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do local de origem do projeto.
Conflitos de interesse: os autores devem declarar todos os possíveis conflitos de
interesse (profissionais, financeiros, benefícios diretos ou indiretos), se for o caso. A falha
em declarar conflitos de interesse pode levar à recusa ou cancelamento da publicação.
Normas editoriais
1. Serão aceitos somente trabalhos inéditos.
2. O artigo passará pela apreciação dos Editores.
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do Conselho Editorial, que poderá fazer uso de consultores ad hoc de reconhecida
competência na área de conhecimento. A Comissão Editorial e os consultores ad hoc
analisam o manuscrito, sugerem modificações e recomendam ou não a sua publicação.
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4. Os artigos poderão receber: a) aceitação integral; b) aceitação com reformulações;
c) recusa integral. Em qualquer dessas situações, o autor será devidamente comunicado.
Os originais, em nenhuma das possibilidades, serão devolvidos.
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de 15 dias após o recebimento da notificação), os autores deverão incluir uma carta
ao Editor esclarecendo as alterações feitas e aquelas que não julgaram pertinentes e a
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realizado via e-mail ([email protected]).
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Responsável e Conselho Editorial que fará uma avaliação do texto original, das sugestões
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9. Os artigos poderão ser escritos em outra língua além do português (espanhol e
inglês).
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11. As opiniões emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade do(s) autor(es),
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1) Os artigos inéditos deverão ser encaminhados em disquete ou CD e uma via
impressa, digitada em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12 e paginada
desde a folha de rosto personalizada. A folha deverá ser A4, com formatação de margens
superior e inferior (no mínimo 2,5 cm), esquerda e direita (no mínimo 3 cm). A revista
adota as normas do Manual de Publicação da American Psychological Association - APA
(4ª edição, 2001).
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2) O número máximo de laudas deve atender a seguinte orientação: relatos de
pesquisa (25 laudas); artigos de revisão/atualização (20 laudas); relatos de experiência
profissional (15 laudas), comunicações breves (5 laudas) e resenhas (máximo de 5
laudas).
3) Encaminhamento: toda correspondência deve ser encaminhada à revista Aletheia,
aos cuidados do Editor Responsável.
4) Todo manuscrito encaminhado à revista deverá ser acompanhado de uma carta
de autorização, assinada por todos os autores, onde deve constar:
a) a intenção de submissão do trabalho à publicação;
b) a autorização para reformulação da linguagem, se necessário;
c) a transferência de direitos autorais para a revista Aletheia.
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a) folha de rosto identificada: título do artigo em língua portuguesa; nome dos
autores; formação, titulação e afiliação institucional dos autores; resumo em português
de 10 a 12 linhas; palavras-chave, no máximo 3; título do artigo em língua inglesa;
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incluindo CEP, telefone e e-mail.
b) folha de rosto não identificada: título do artigo em língua portuguesa; resumo em
português, de 10 a 12 linhas, 3 palavras-chave, título do artigo em língua inglesa, resumo
(Abstract) em inglês, compatível com o texto do Resumo; key-words.
c) corpo do texto.
d) sugere-se que os artigos referentes a relatos de pesquisa apresentem a seguinte
seqüência: Título; Introdução; Método (população/amostra, instrumentos, Procedimentos
de coleta e Análise de dados – incluir nessa seção afirmação de aprovação do estudo em
Comitê de Ética em Pesquisa de acordo com Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde – Ministério da Saúde); Resultados; Discussão, Referências (títulos em letra
minúscula e em seções separadas). Usar as denominações tabelas e figuras (não usar a
expressão quadros e gráficos). Colocar tabelas e figuras incorporadas ao texto. Tabelas:
incluindo título e notas de acordo com normas da APA. Formato Word – ‘Simples 1’.
Na publicação impressa, a tabela não poderá exceder 11,5 cm de largura x 17,5 cm de
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rodapé(s). Para assegurar qualidade de reprodução, as figuras contendo desenhos deverão
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de alguma seção do trabalho. Recomenda-se evitar anexos.
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Normas para citações
- As notas não bibliográficas deverão ser colocadas ao pé das páginas, ordenadas
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ao qual se refere a nota.
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palavras deve ser apresentada em bloco próprio em itálico e sem aspas, começando em
nova linha, com recuo de 5 espaços da margem, na mesma posição de um novo parágrafo.
A fonte será a mesma utilizada no restante do texto (Times New Roman, 12).
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publicação. Exemplo: Rodrigues (2000).
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texto. Exemplo: (Carvalho & Santos, 2000) – quando os sobrenomes forem citados entre
parênteses, devem estar ligados por &. Quando forem citados fora de parênteses, devem
ser ligados pela letra e.
• Citação de três a cinco autores: citar todos os autores na primeira referência,
seguidos da data do artigo entre parênteses. A partir da segunda referência, utilize o
sobrenome do primeiro autor, seguido de e cols. Exemplo: Silva, Foguel, Martins e Pires
(2000), a partir da segunda referência, Silva e cols. (2000).
• Artigo de seis ou mais autores: cite apenas o sobrenome do primeiro autor, seguido
de e cols. (ANO). Na seção referências, todos os autores deverão ser citados.
• Citação de obras antigas, clássicas e reeditadas: citar a data da publicação original,
seguida da data da edição consultada. Exemplo: (Kant 1871/1980).
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ano de publicação. Exemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.
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citado por. Ex: Lopes, citado por Martins (2000),...
Na seção Referências, incluir apenas a fonte consultada (Martins).
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Exemplo: (Carvalho, 2000, p.45) ou Carvalho (2000, p.45).
Normas para referências
As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do artigo.
Sua disposição deve ser em ordem alfabética do último sobrenome do autor e em
minúsculo.
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Livro
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Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.
Porto Alegre: Artes Médicas.
Capítulo de livro
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(Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre:
Artmed.
Artigo de periódico científico
Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde:
desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia,
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Artigos em meios eletrônicos
Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública”
ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível:
<http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000.
Artigo de revista científica no prelo
Albuquerque, P. (no prelo). Trabalho e gênero. Aletheia.
Trabalho apresentado em evento científico com resumo em anais
Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade
Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas. XXV Reunião
Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP.
Tese ou dissertação publicada
Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de PósGraduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, RS.
Tese ou dissertação não-publicada
Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado não publicada. Programa de
Estudos de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.
Obra antiga e reeditada em data muito posterior
Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre:
Universal. (Original publicado em 1950).
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Autoria institucional
American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).Washington:
Autor.
Endereço para envio de artigos
Universidade Luterana do Brasil
Curso de Psicologia
Revista Aletheia
Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José
Sala 121 - Prédio 01
Canoas – RS – Brasil
CEP: 92425-900
220
Aletheia 31, jan./abr. 2010
Instructions to authors
Editorial policy
Aletheia is a published three times a year journal edited by the Psychology Program
of the Lutheran University of Brazil, which purpose is to publish papers in Psychology and
related sciences. Only unpublished papers will be accepted into these categories: original
articles, review/update articles, professional experiences reports, brief communications
and book reviews.
Original articles: empirical research reports with scientific methodology.
Review articles/ Update articles: systematic and update reviews about relevant
themes according with editorial policy.
Professional experiences reports: case reports with discussion of its conceptual or
therapeutic implications; description of intervention procedures or strategies of psychology
practitioners’ interest.
Brief communications: brief reports of professional experiences or preliminary
communications of original character.
Book review: critical review of recently published books that may be of interest
to psychology.
Ethical aspects: All the articles involving research with human subjects must state
that individuals included in these studies gave a Written Informed Consent, according
to the national and international ethical regulations. In case of research with animals,
authors must confirm that the study was done in accordance with the ethical care standards
for the animals involved in the research. The authors are also requested to state in the
“Methods” section that the research protocol was previously approved by a Research
Ethics Board.
Disclosures: The authors are requested to disclose all possible kinds of conflict of
interest (professionals, financials, direct or indirect benefits), if the case. The failure to
disclose properly can lead to publication refusal or cancellation.
Editorial rules
1. Only unpublished articles will be accepted.
2. The articles will be evaluated by the Editors.
3. After initial evaluation, the Editors will send the submitted papers to the
Editorial Board, which will be helped, whenever necessary, by ad hoc consultants
of recognized expertise in the knowledge area. The Editorial Board and ad hoc
consultants will analyze the manuscript, suggest modifications, and recommend or
not its publication.
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4. The papers may be: a) fully accepted; b) accepted with modifications; c) fully
refused. In any of the situations the author will be properly communicated. The originals
will not be returned in any case.
5. The authors will received a copy of the consultants’ analysis and will be informed
about recommended modifications.
6. When the modified version of the manuscript is sent (this may happen up
to 15 days after receiving the notification), the authors must include a letter to the
Editors, elucidating the changes that have been made and justifying the ones they
did not judge relevant to make. All modifications must be highlighted with Word’s
tool “yellow brush”. The modified version of the article may be sent by e-mail
([email protected]).
7. The Editors have the right to make small modifications in the text.
8. The final decision of publication of a manuscript will always be of the Editor
and of the editorial board in charge. They will take into consideration the original text,
the consultant’s recommendations and the modified version of the article.
9. Articles may be submitted in other languages besides Portuguese (Spanish and
English)
10. Regardless the number of authors, two copies of the journal per published article
will be offered. The electronic version of the printed article (PDF file) can be accessed
in Aletheia homepage www.ulbra.br/psicologia/aletheia.
11. The opinions emitted in the articles are full responsibility of author(s), and its
acceptance does not mean that Aletheia supports it.
12. Total or partial reproduction can be made only after permission of the Editor.
Aletheia owns the copyrights and will not transfer them to authors.
Preparation of manuscripts
1) The unpublished articles must be sent in diskettes or CD and also one printed
copy, typed in double space, Times New Roman letter, size 12, numbered since the title
page. The sheet must be A4, with inferior and superior margins of 2,5 cm, and right and
left margins of 3 cm. The journal follows the rules of Manual of Publication of American
Psychological Association - APA (5th edition, 2001).
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2) The maximum number of pages should be as follow: Original articles (25 pages);
Review articles/Uptade articles (20 pages); Professional experiences reports (15 pages);
Brief communications (5 pages); Book review (5 pages).
3) Submissions: All correspondence should be addressed to Aletheia in behalf of
the Editor in charge.
4) Every manuscript sent to the Journal must be accompanied by an authorization
letter, signed by all of the authors, stating:
a) The intention of submission the article to publication;
b) Authorization for modification of language if necessary;
c) Transference of copyrights for Aletheia Journal.
5) The manuscript should contain:
a) Title page: article title in Portuguese ; authors’ name; authors’ essential title and
institutional affiliation; abstract in Portuguese from 10 to 12 lines; key words, at least
3; article title in English; abstract compatible with the text of Portuguese abstract ; key
words; Correspondence address, including Zip Code, telephone and e-mail.
b) Non identified title page: article title in Portuguese; abstract in Portuguese from
10 to 12 lines; key words, at least 3; article title in English; abstract compatible with the
text of Portuguese abstract ; key words;
* If article was not written in Portuguese, it must contain the same information in
its original language.
c) Body of the text.
d) Original articles may have the following sequence: Title, Introduction,
Method (population/sample; instruments; procedures; and data analysis. In this
section the study approval in a Ethics Research Committee should be stated), Results,
Discussion, Conclusion or Final Considerations, References (in small letters and in
separate section). Use the denomination “table” and “figure” (and not graphs or other
terms). Place tables and figures embedded in the text. Tables: including title and
notes in accordance with APA’s standards . Word format - ‘Simple 1’. In the printed
version the table may not exceed 11.5 cm wide x 17.5 cm in length. The length of
the table should not exceed 55 lines, including title and footer(s). To ensure quality,
the reproduction of pictures containing drawings should have photograph quality
(minimum resolution of 300 dpi). The printed version can not exceed 11.5 cm width
for pictures. Appendixes: only when they contain new and important information,
or are essential to highlight and make more understandable any section of the paper.
The use of appendixes should be avoided.
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6) Papers with incomplete documentation or that do not attend the norms adopted
by Aletheia (APA, 4th edition) will not be appraised.
Citations norms
- The non bibliographical notes must be put in the lower margin of pages, arranged
by Arabic numerals that must appear immediately after the segment of text to which the
note refers to.
- The authors’ citations must be done in agreement with norms of APA (4th edition).
- In the case of full citation of a text: it must be delimited by quotation mark and the
author’s citation followed by the year and number of page mentioned. A literal citation
with 40 or more words must be presented in proper block and in italic without quotation
mark, starting a new line, with pullback of 5 spaces of margin, in the same position of
a new paragraph. The letter will be the same used in the remaining of text (Times New
Roman, 12).
• Citation of an author: author, last name in small letter, followed by the year of
publication. Example: Rodrigues (2000).
• Citation of two authors: cite both authors always that they are referred in the text.
Example: (Carvalho & Santos, 2000) – when the last names are cited between parentheses:
they must be connected by &. When they are cited outside the parenthesis they must be
connected by the letter e.
• Citation from three to five authors: cite all the authors in the first reference, followed
by the date of article between parentheses. Starting from the second reference, use the last
name of the first author, followed by e cols. Example: Silva, Foguel, Martins and Pires
(2000), starting from the second reference, Silva and cols. (2000).
• Article of six or more authors: cite just the last name of the first author, followed
by e cols (YEAR). In the references all the authors must be cited.
• Citation of old, classic and reedited works: cite the date of original publication,
followed by the date of edition consulted. Example: (Kant 1871/1980).
• Authors with the same idea: follow the alphabetical order of their last names
and not the chronological order. Example: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999;
Souza, 2005).
Different publications with the same date: Increase capital letter, after the year of
publication. Example: Carvalho (1997, 2000a, 2000b, 2000c).
• Citation whose idea is extracted from other or indirect citation: Use the expression
cited by. Ex: Lopes, cited by Martins (2000),...
In the Bibliographical References, include just the source consulted (Martins).
• Literal transcription of a text or direct citation: last name of author, date, page.
Example: (Carvalho, 2000, p.45) or Carvalho (2000, p.45).
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References norms
The bibliographical references must be presented at the end of article. Its disposition
must be in alphabetical order of the last name of author in small letter.
Book
Mendes, A.P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas.
Silva, P.L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.
Porto Alegre: Artes Médicas.
Chapter of book
Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertility and late pregnancy. Em P. Papp
(Org.), Couples in danger,, new guideline for therapists (pp. 119-144). Porto Alegre:
Artmed.
Article of scientific journal
Dimenstein, M. (1998). The psychologist in the Basic Units of Health:
Challenges for the formation and professional performance. Studies of Psychology,
3(1), 95-121.
Articles in electronic means
Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Collective Health: a “new public health”
or open field for new paradigms? Magazine of Public Health, 32 (4) Available: <http://
www.scielo.br> Accessed: 02/11/2000.
Article of scientific journal in press
Albuquerque, P. (no prelo). Gender and work. Aletheia.
Work presented in congress
Silva, O. & Dias, M. (1999). Unemployment and its repercussions in the family.
Em Annals of XX Meeting of Social Psychology, pp. 128-137, Gramado, RS.
Thesis or published dissertation
Silva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.
Master dissertation or doctorate thesis. Program of Graduate Studies in Psychology of
Development, Federal University of Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS
Thesis or non-published dissertation
Silva, A. (2000). Genital knowledge and sexual constancy in pre-school children.
Master dissertation non-published or doctorate thesis (non-published). Program of
Graduate Studies in Psychology of Development, Federal University of Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, RS
Old work reedited in posterior date
Segal, A. (2001). Some aspects of analysis of a schizophrenic person. Porto Alegre:
Universal. (Original published in 1950)
Aletheia 31, jan./abr. 2010
225
Institutional Authorship
American Psychological Association (1994). Publication manual (4th edition).
Washington: Author
Address for submissions
Universidade Luterana do Brasil
Curso de Psicologia
Revista Aletheia
Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José
CEP: 92425-900
Sala 121 - Prédio 01
Canoas – RS – Brasil
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Instrucciones a los autores
Política editorial
Aletheia es una revista cuadrimestral editada por el Curso de Psicología de la Universidad Luterana
de Brasil, destinada a la publicación de trabajos de investigadores, implicados en estudios
producidos en el área de la Psicología o ciencias afines. Serán aceptados solamente trabajos no
publicados que se encuadren en las categorías de relato de investigación, artículo de revisión
o actualización, relatos experiencia profesional, comunicaciones breves y reseñas.
Relatos de investigación: investigación basada en datos empíricos, utilizando
metodología y análisis científica.
Artículos de revisión/actualización: revisiones sistemáticas y actuales sobre temas
relevantes para la línea editorial de la revista.
Relatos de experiencia profesional: estudios de caso, contiendo discusión de
implicaciones conceptuales o terapéuticas; descripción de procedimientos o estrategias
de intervención de interés para la actuación profesional de la psicología.
Comunicaciones breves: relatos breves de experiencias profesionales o
comunicaciones preliminares de resultados de investigación.
Reseñas: revisión crítica de libros recién publicados, orientando el lector cuanto a
sus características y usos potenciales.
Aspectos éticos: Todos los artículos implicando investigación con seres humanos
deben declarar que los participantes del estudio firmaron algún Término de Consentimiento
Libre y Esclarecido, de acuerdo con las directrices brasileñas e internacionales de
investigación. En el caso de investigación con animales los autores deben atestar que el
estudio ha sido realizado de acuerdo con las recomendaciones éticas para este tipo de
investigación. Los autores también son solicitados a declarar, en la sección “Método”,
que el protocolo de la investigación ha sido previamente aprobado por algún Comité de
Ética en Investigación del local de origen del proyecto.
Conflictos de interés: los autores deben declarar todos los posibles conflictos de
interés (profesionales, financieros, beneficios directos o indirectos), si es el caso. El fallo en
declarar conflictos de interés puede llevar a la recusa o cancelación de la publicación.
Normas editoriales
1. Serán aceptados solamente trabajos inéditos.
2. El artículo pasará por la apreciación de los Editores.
3. Seguido de una evaluación inicial, los Editores enviarán para apreciación del
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227
Consejo Editorial, que podrá hacer uso de consultores ad hoc de reconocida competencia
en el área de conocimiento. La Comisión Editorial y los Consultores ad hoc analizan el
artículo, sugieren modificaciones y recomiendan o no su publicación.
4. Los artículos podrán recibir: a) aceptación integral; b) aceptación con
reformulaciones; c) recusa integral. En cualquier de estas situaciones el autor será
debidamente comunicado. Los originales, en ninguna de las posibilidades, serán
devueltos.
5. El autor del artículo recibirá copia de los pareceres de los consultores. Será
informado sobre las modificaciones que necesiten ser realizadas.
6. En el envío de la versión modificada del artículo (en el límite máximo de 15
días después del recibimiento de la notificación), los autores deberán incluir una carta
al Editor, esclareciendo las alteraciones hechas y aquellas que no juzgaran pertinentes
y la justificativa. En el texto, las modificaciones hechas deberán estar destacadas con la
herramienta Word “pincel amarillo”. El envío del archivo con las modificaciones realizadas
puede ser realizado por e-mail ([email protected]).
7. Los Editores se reservan el derecho de hacer pequeñas alteraciones en el texto
de los artículos.
8. La decisión final sobre la publicación de un manuscrito siempre será del Editor
Responsable y del Consejo Editorial, que hará una evaluación del texto original, de las
sugerencias indicadas por los consultores y las modificaciones enviadas por el autor.
9. Los artículos podrán ser escritos en otra lengua además del portugués (español
e inglés).
10. Independientemente del número de autores, serán ofrecidos dos ejemplares por
trabajo publicado. El archivo electrónico con la publicación en PDF estará disponible en
el site www.ulbra.br/psicologia/aletheia.
11. Las opiniones emitidas en los artículos son de entera responsabilidad de los
autores, su aceptación no significa que la Revista Aletheia o el Curso de Psicología de
la ULBRA le soportan.
12. La materia editada por la Aletheia podrá ser impresa total o parcialmente, des
de que obtenida la autorización del Editor Responsable. Los derechos autorales obtenidos
por la publicación del artículo no serán repasados para el autor del artículo.
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Aletheia 31, jan./abr. 2010
Presentación de los originales
1) Los artículos inéditos deberán ser enviados en disquete o CD y una vía impresa,
digitada en espacio doble, fuente Times New Roman, tamaño 12 y paginado desde la hoja
de rostro personalizada. La hoja deberá ser A4, con formatación de márgenes superior
e inferior (mínimo de 2,5 cm), izquierda y derecha (mínimo de 3 cm). La revista adopta
las normas del Manual de Publicación de la American Psychological Association - APA
(4ª edición, 2001).
2) El número máximo de laudas debe atender a la siguiente orientación: Relatos
de investigación (25 laudas); Artículos de revisión/actualización (20 laudas); Relatos
de experiencia profesional (15 laudas), Comunicaciones breves (5 laudas) y Reseñas de
libros (máximo de 5 laudas).
3) Dirección: Toda correspondencia debe ser dirigida a la Revista Aletheia, a la
atención del Editor Responsable.
4) Todo manuscrito dirigido a la Revista deberá acompañar una carta de autorización,
firmada por todos los autores, donde deberá constar:
a) la intención de sumisión del trabajo a la publicación;
b) la autorización para reformulación del lenguaje, si necesario;
c) la transferencia de derechos autorales para la Revista Aletheia.
5) El artículo debe contener:
a) Hoja de portada identificada: título del artículo en lengua portuguesa; nombre
de los autores; formación, titulación y afiliación institucional de los autores; resumen
en portugués de 10 a 12 líneas; palabras-clave, en el máximo de 3; título del artículo en
lengua inglesa; abstract compatible con el texto del resumen; keywords; dirección para
correspondencia, incluyendo CEP, teléfono y e-mail.
b) Hoja de portada no identificada: título del artículo en lengua portuguesa o
castellana; resumen en portugués o castellano, de 10 a 12 líneas, 3 palabras-clave, título
del artículo en lengua inglesa, resumen (abstract) en inglés, compatible con el texto del
Resumen en lengua original; keywords.
c) Cuerpo del texto.
d) Sugiérase que los artículos referentes a Relatos de Investigación presenten
la siguiente secuencia: Título; Introducción; Método (populación/muestra,
instrumentos, procedimientos de recogida y análisis de los datos, (incluir en esta
sección afirmación de aprobación del estudio en Comité de Ética en Investigación
de acuerdo con la Resolución 196/96 del Consejo Nacional de Salud – Ministerio de
Salud o declaración de haber atendido a los criterios de dicha resolución); Resultados;
Discusión, Referencias (títulos en letra minúscula y en secciones separadas). Utilizar
Aletheia 31, jan./abr. 2010
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las denominaciones tablas y figuras (no utilizar la expresión cuadros y gráficas).
Dejar las tablas y figuras incorporadas al texto. Tablas: incluyendo título y notas de
acuerdo con las normas de la APA. Formato Word – ‘Sencillo 1’. En la publicación
impresa la tabla no podrá exceder 11,5 cm de ancho x 17,5 cm de largo. El largo de
la tabla no debe pasar de 55 líneas, incluyendo título y notas al pié. Para garantizar
cualidad de reproducción, las figuras que contengan dibujos deberán ser dirigidas
en cualidad para fotografía (resolución mínima de 300 dpi). La versión publicada
no podrá ultrapasar el ancho de 11,5 cm para figuras. Anexos: solo cuando tengan
información original importante, o destaque indispensable para la comprensión de
alguna sección del trabajo. Recomendase evitar anexos.
6) Trabajos con documentación incompleta o no atendiendo las normas adoptadas
por la revista (APA, 4ª edición) no serán evaluados.
Normas para citaciones
- Las notas no bibliográficas deberán ser puestas al pié de las páginas, ordenadas
por números arábicos que deberán figurar inmediatamente después del segmento de texto
al cual se refiere a la nota.
- Las citaciones de los autores deberán ser hechas de acuerdo con las normas de
la APA (4ª edición).
- En el caso de la cita integral de un texto: debe ser delimitada por comillas y la
citación del autor, seguida del año y del número de la página citada. Una cita literal con
40 o más palabras debe ser presentada en bloque propio y en cursiva y sin comillas,
empezando en nueva línea, con una retirada de espacio de 5 espacios del margen, en la
misma posición de un nuevo párrafo. La fuente será la misma utilizada en el restante del
texto (Times New Roman, 12).
• Citación de un autor: autor, apellido en letra minúscula, seguida por el año de
publicación. Ejemplo: Rodrigues (2000).
• Citaciones de dos autores: cite los dos autores siempre que sean referidos en el
texto. Ejemplo: (Carvalho & Santos, 2000) - cuando los apellidos sean citados entre
paréntesis: deben estar separados por &. Cuando sean citados fuera del paréntesis deben
ser vinculados pela letra e, en publicaciones en portugués y por la letra y para publicaciones
en castellano.
• Citación de tres a cinco autores: citar todos los autores en la primera referencia,
seguidos de la fecha del artículo entre paréntesis. A partir de la segunda referencia, utilice
el apellido del primero autor, seguido de y cols. Ejemplo: Silva, Foguel, Martins y Pires
(2000), a partir de la segunda referencia: Silva y cols. (2000)
• Artículo de seis o más autores: cite solamente el apellido del primero autor, seguido
de y cols. (AÑO). En la sección Referencias, todos los autores deberán ser citados.
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• Citación de obras antiguas, clásicas y reeditadas: citar la fecha de la publicación
original, seguida de la fecha de la edición consultada. Ejemplo: (Kant 1871/1980).
• Autores con la misma idea: seguir el orden alfabético de sus apellidos y no el orden
cronológico. Ejemplo: (Foguel, 2003; Martins, 2001; Santos, 1999; Souza, 2005).
• Publicaciones distintas con la misma fecha: Añadir letras minúsculas, luego el
año de publicación. Ejemplo: Carvalho, 1997, 2000a, 2000b, 2000c.
• Citación cuya idea es extraída de otra o citación indirecta: Utilizar la expresión
citado por. Ej.: Lopes, citado por Martins (2000),...
En la sección Referencias, añadir solamente la fuente consultada (Martins).
• Transcripción literal de un texto o citación directa: apellido del autor, fecha, página.
Ejemplo: (Carvalho, 2000, p.45) o Carvalho (2000, p.45).
Normas para referencias
Las referencias bibliográficas deberán ser presentadas en el final del artículo. Su
disposición debe ser en orden alfabético del último apellido del autor (cuando presente más
de uno) y en minúscula. En el caso de autores hispánicos, se puede utilizar la normativa de la
APA, y presentar los dos apellidos a la vez, separados por un guión. Ej.: Martínez-Cruz.
Libro
Mendes, A. P. (1998). A família com filhos adultos. Porto Alegre: Artes Médicas.
Silva, P. L., Martins, A., & Foguel, T. (2000). Adolescente e relacionamento familiar.
Porto Alegre: Artes Médicas.
Capítulo de libro
Scharf, C. N., & Weinshel, M. (2002). Infertilidade e gravidez tardia. Em: P. Papp
(Org.), Casais em perigo, novas diretrizes para terapeutas (pp. 119-144). Porto Alegre:
Artmed.
Artículo de publicación periódica científica
Dimenstein, M. (1998). O psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde: desafios para
a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3(1), 95-121.
Artículos en medios electrónicos
Paim, J. S., & Almeida Filho, N. (1998). Saúde coletiva: uma “nova saúde pública”
ou campo aberto a novos paradigmas? Revista de Saúde Pública, 32 (4) Disponível:
<http://www.scielo.br> Acessado: 02/2000.
Artículo de revista científica en prensa
Albuquerque, P. (en prensa). Trabalho e gênero. Aletheia.
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Trabajo presentado en evento científico con resumen en anales
Corte, M. L. (2005). Adolescência e maternidade. [Resumo]. Em: Sociedade
Brasileira de Psicologia (Org.), Resumos de comunicações científicas. XXV Reunião
Anual de Psicologia (p. 176). Ribeirão Preto: SBP.
Tesis o monografía publicada
Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de PósGraduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, RS.
Tesis o monografía no-publicada
Silva, A. (2000). Conhecimento genital e constância sexual em crianças préescolares. Dissertação de Mestrado ou tese de Doutorado. Programa de Estudos de PósGraduação em Psicologia do Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Porto Alegre, RS.
Obra antigua y reeditada en fecha muy posterior
Segal, A. (2001). Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico. Porto Alegre:
Universal. (Original publicado em 1950).
Autoría institucional
American Psychological Association (1994). Publication manual (4ª ed.).
Washington:Autor
Dirección para el envío de artículos
Universidade Luterana do Brasil
Curso de Psicologia
Revista Aletheia
Av. Farroupilha, 8001 – Bairro São José
Sala 121 - Prédio 01
Canoas/RS – Brasil
CEP: 92425-900
E-mail: [email protected]
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Resenha Trauma e Superação ALETHEIA 2010