1 SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser ISSN 0103-3905 A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que divulga análises socioeconômicas de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional. EDITOR Luiz Augusto Estrella Faria SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá CONSELHO DE REDAÇÃO Luiz Augusto Estrella Faria Adalberto Alves Maia Neto André Luis Forti Scherer Jéferson Daniel de Matos Maria Lucrécia Calandro Teresinha da Silva Bello CONSELHO EDITORIAL Luiz Augusto Estrella Faria Octavio Augusto Camargo Conceição Maria Aparecida Grendene de Souza Pedro Cezar Dutra Fonseca Otília Beatriz K. Carrion Dercio Garcia Munhoz Leda Paulani Maurício Coutinho Luiz G. Belluzzo Trimestral Indic. Econ. FEE Porto Alegre v. 35 n. 3 p. 1-154 2008 2 SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser CONSELHO DE PLANEJAMENTO: Adelar Fochezatto (Presidente), André Luis Campos, Ernesto Dornelles Saraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e Thômaz Nunnenkamp. CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck. DIRETORIA PRESIDENTE: ADELAR FOCHEZATTO DIRETOR TÉCNICO: OCTAVIO AUGUSTO CAMARGO CONCEIÇÃO DIRETOR ADMINISTRATIVO: NÓRA ANGELA GUNDLACH KRAEMER CENTROS ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS: Roberto da Silva Wiltgen PESQUISA DE EMPREGO E DESEMPREGO: Míriam De Toni INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS: Adalberto Alves Maia Neto INFORMÁTICA: Luciano Zanuz EDITORAÇÃO: Valesca Casa Nova Nonnig RECURSOS: Alfredo Crestani Indicadores Econômicos FEE está indexada em: Ulrich's International Periodicals Directory Índice Brasileiro de Bibliografia de Economia (IBBE) International Bibliography of The Social Sciences (IBSS) Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades (CLASE) Cambridge Science Abstracts (CSA) Hispanic American Periodicals Index (HAPI) INDICADORES ECONÔMICOS FEE / Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. — v. 16, n. 2 (1988) - . - Porto Alegre: FEE, 1988 - . v.Trimestral Continuação de: Indicadores Econômicos RS, v. 16, n. 2, 1988. Índices: 1973-1988 em v. 17, n. 1; 1973-1990 em v. 19, n. 1; 1973-1992 em v. 21, n. 4; 1992-1994 em v. 23, n. 3. ISSN 0103-3905 1. Economia - periódicos. 2. Estatística - periódicos. I. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. CDU 33(05) CDU 31(05) Tiragem: 250 exemplares. Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE) Revista Indicadores Econômicos FEE - Secretaria Rua Duque de Caxias, 1691, Porto Alegre, RS — CEP 90010-283 Fone: (51) 3216-9132 Fax: (51) 3216-9134 E-mail: [email protected] Home Page: www.fee.rs.gov.br 3 Sumário ANÁLISES DO TRIMESTRE .......................................................................................................... 5-90 Política econômica A máquina de crescimento econômico internacional: arquitetura, avanço, fragilidades e crise — Pedro Fernando Cunha de Almeida ........................................................................................................ 7 Tópicos setoriais Indicadores da formação de uma plataforma exportadora de celulose no Rio Grande do Sul — Maria D. Benetti ...................................................................................................................................... 21 Os investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e a experiência brasileira recente — Beky Moron de Macadar ................................................................................................................. 29 Indústria em 2007: produção e produtividade do trabalho em alta — Silvia Horst Campos ................... 37 Tópicos regionais Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 — Sheila S. Wagner Sternberg ...................................................................................................................................... 43 Políticas públicas Déficit da Previdência: a verdade que se encerra — Calino Pacheco Filho ........................................ 67 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20 — Jaques Alberto Bensussan 75 Trabalho e emprego O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007 — Eduardo Miguel Schneider, Jéferson Daniel de Matos e Míriam De Toni ................................ 83 INDICADORES SELECIONADOS DO RS ......................................................................................... 91-96 4 TEMAS DA CONJUNTURA .............................................................................................................. 97-154 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária — Mirian Regina Koch ............................................................................................................................................. 99 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05: uma análise conjuntural — Orlando Arenghi, Silvio Antonio Ferraz Cario e Ricardo Lopes Fernandes .......... 117 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro — Duilio de Avila Bêrni, Henrique Morrone e Daniel Koshiyama ........................................................................................................................ 137 ANÁLISES DO TRIMESTRE 5 6 7 A máquina de crescimento econômico internacional:... Política econômica A máquina de crescimento econômico internacional: arquitetura, avanço, fragilidades e crise* Pedro Fernando Cunha de Almeida** Entre 2003 e 2006, a economia internacional viveu uma excepcional conjuntura, da qual resultou um crescimento médio de 4,9% a.a. (Tabela 1). O movimento teve, pelo menos, duas peculiaridades que se devem destacar. Em primeiro lugar, envolveu a recuperação da economia norte-americana da crise que a abalou em 2001 e 2002, em conseqüência de rápido arrefecimento do processo especulativo com ativos relacionados com o mercado das “.com”. A recuperação substituiu o objeto preferencial da especulação financeira, passando dos ativos referentes à informática para aqueles derivados da construção civil nos EUA. Em segundo lugar, o mesmo movimento conteve peculiar relação mantida entre os EUA e a China, a qual beneficiou ambos. A economia norte-americana contou com as pressões antiinflacionárias provenientes de suas volumosas importações da China. Esta última, por sua vez, tirou proveito não só da demanda efetiva decorrente de suas vendas aos Estados Unidos, como também do fortalecimento financeiro externo ocasionado pelo acúmulo de reservas internacionais em dólares que resultou das mesmas vendas. No entanto, já no segundo trimestre do corrente ano, começaram a aparecer consideráveis problemas relacionados ao excesso de acumulação de capital sob a forma de imóveis nos EUA, assim como ao comprometimento da extensa e complexa cadeia de mecanismos que provê o fluxo de financiamento para a mesma acumulação. Os referidos problemas tornaram-se notórios, à medida que, dada sua importância, foram, em algum grau, divulgados na mídia internacional (talvez não de forma clara o suficiente para explicitar toda a gravidade da situação). Mestre em Economia pela Unicamp e Economista da FEE Este artigo assume dois objetivos. O primeiro é o de apresentar interpretação relativa às características mais importantes da expansão, iniciada em 2003, das economias norte-americana e, em conseqüência, internacional. Como segundo, o texto destina-se a oferecer outra interpretação, através da qual se conclui que os notórios problemas referidos derivaram para a crise do crescimento econômico a que se fez menção. Ainda que seja impossível delinear os contornos mais precisos da nova conjuntura, pretende-se argumentar que ela trará tempos de crise. Se mais branda ou mais aguda, o tempo dirá. A respeito do que trará a nova conjuntura internacional, é importante lembrar que Keynes (1982) ensinou que o futuro é incerto. No que se refere a ele, o pensamento humano tem reduzida capacidade de previsão, especialmente quando se trata de realidades de natureza tão complexa como o comportamento futuro de determinada economia nacional ou da economia internacional. Isto é, os métodos existentes para tanto são, de tal forma, precários, que talvez não seja adequado adjetivá-los como científicos. Mais apropriado seria denominá-los especulações. Embora precárias, elas são indispensáveis para aqueles que pensam e decidem sobre o futuro. Nesses casos, simplesmente não há melhores alternativas. Assim, quando o texto se referir às características mais decisivas da nova conjuntura internacional, não estará explicitando mais do que a especulação que nele se faz acerca das mesmas características. * Artigo recebido em 07 nov. 2007. ** E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 8 Pedro Fernando Cunha de Almeida Tabela 1 Taxa média do PIB mundial em regiões e países selecionados — 1990/07 (%) PERÍODOS MUNDO EUA ECONOMIAS AVANÇADAS ECONOMIAS EMERGENTES 1990-00 2001-02 2003-06 1990-06 2007 3,3 2,8 4,9 3,7 5,2 3,3 1,2 3,0 2,9 2,6 2,8 1,4 2,6 2,6 2,5 4,2 4,6 7,4 5,1 7,5 CHINA 10,4 8,7 10,4 10,2 11,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington: IMF, Oct 2007. 1 Os supostos da análise Uma análise como a pretendida neste artigo não pode partir de considerações abstratas a respeito da realidade. Para ter validade, ela exige levar em conta os mais importantes processos em curso no mundo real subjacentes à interpretação pretendida. Dito de outra forma, é necessário considerar os resultados específicos do movimento histórico que condicionam a problemática tratada. Para explicitar esses processos, fez-se uso de específica bibliografia, que produziu as seguintes conclusões a respeito dos referidos processos.1 No mundo real, desde o pós-guerra, vem ocorrendo o processo de globalização produtiva e financeira do capital em nível internacional, embora o mesmo tenha sofrido dois grandes impulsos: o primeiro na segunda metade dos anos 60 do século XX, e o segundo a partir do início da década de 80 do mesmo século. Com o evoluir do processo de globalização: (a) verificou-se rápido movimento de unificação dos mercados produtivos e financeiros de todo o mundo, por intermédio de progressiva queda de barreiras ao comércio e ao investimento produtivo2 e de firme tendência à liberalização financeira, esta última referida tanto ao abrandamento de regras preexistentes no âmbito das diferentes nações quanto à superação dos empecilhos impostos no passado ao fluxo internacional de capitais; (b) o ouro deixou de exercer a função de reserva internacional de valor, função esta que, desde 1980, passou a caber ao dólar norte-americano, a partir da potência que lhe advém da força da economia, das finanças e do Estado nos EUA;3 e (c) o movimento expansivo do capital passou a, predominantemente, perseguir sua valorização sob a forma de ganhos de capital nos mercados financeiros organizados, ao invés de fazê-lo, como no passado, via acumulação de rendimentos esperados na esfera produtiva. Nesse contexto, as finanças e o Estado norte-americanos colocam-se como líderes do processo de globalização produtiva e financeira descrito, dados os lugares centrais ocupados por eles nesse processo. aquela que conta com a contribuição de partes e componentes mais vantajosa para elas. Isso quer dizer que as empresas internacionais exigirão a liberdade para adquirir os insumos necessários ao seu processo produtivo nos países onde melhor lhes convier. Essas estratégias impõem o desenvolvimento acelerado do comércio internacional, como comprovam as estatísticas a respeito. 3 1 Ver, a respeito, Braga (1997; 2004), Tavares (1997) e Tavares e Melin (1997). 2 Na verdade, os interesses públicos e privados existentes no interior de cada economia dão à integração dos mercados produtivos maior liberdade ao investimento produtivo do que ao comércio internacional. Isto é, dá-se espaço ao investimento estrangeiro, mas dificulta-se a absorção do mercado local por produtores localizados no exterior da economia. No entanto, em direção oposta, a estratégia das grandes empresas internacionais exige a produção internacionalizada, ou seja, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 A capacidade do dólar em constituir-se no padrão de reserva internacional de valor explica-se, como se disse, pelas potências da economia, das finanças e do Estado norte-americanos. Mas, para constituir-se como reserva internacional de valor, o dólar deve ser administrado de forma específica. A especificidade consiste em política monetária destinada a manter o valor da moeda norte-americana no longo prazo. Por isso, diz-se que o dólar toma a forma de uma moeda financeira. Além disso, não é demais lembrar que, até o momento, só os EUA dispuseram das necessárias potências da economia, das finanças e do Estado para emitir a moeda que constitui o padrão de reserva internacional de valor. 9 A máquina de crescimento econômico internacional:... 2 Da crise à recuperação: a arquitetura e o avanço da máquina de crescimento econômico internacional Assumindo os supostos explicitados no item anterior, apresenta-se, neste, uma exposição esquemática da arquitetura do movimento que, a partir do início de 2003, viabilizou a recuperação da economia norte-americana, apoiada na especulação financeira empreendida em torno de ativos reais ligados ao mercado imobiliário dos EUA (Tabela 1). Anteriormente, a economia dos EUA havia vivido longo período de expansão entre 1992 e 2000; desta feita, foi estimulada pela especulação nos mercados de alguma forma relacionados à área de computação eletrônica, a chamada Nova Economia. No intervalo de tempo que envolveu os anos de 2001 e 2002, prevaleceu a crise que correspondeu ao esgotamento da expansão de 1992 a 2000. O movimento especulativo e o crescimento econômico relacionados aos ativos do mercado imobiliário materializaram-se através de extensa e complexa cadeia de relações (Figura 1), que envolveu: (a) as reduzidas taxas de juros vigentes nos Estados Unidos, entre o final de 2001 e o início de 2005, praticadas pelas autoridades monetárias com a intenção de contrapor a forte contração da atividade produtiva (hard landing), que, então, se poderia impor naquele país, a partir do primeiro ano citado, como resultado do fim da expansão relacionada à Nova Economia (Tabela 2, coluna E); (b) a aceleração, já no início de 2002, do movimento de especulação imobiliária norte-americana (Tabela 2, coluna H), em decorrência tanto da desilusão verificada na área das “.com” quanto da aludida redução das taxas de juros;4 (c) a alavancagem da capacidade de investimento de compradores de imóveis, com ou sem tradição no mercado de capitais, via obtenção, pelos mesmos, de crédito a longo prazo, sob a forma de hipotecas assinadas junto a bancos comerciais; (d) a formação de considerável estoque de 4 A especulação de que se fala resultou das expectativas de ganhos provenientes da diferença entre o valor presente dos rendimentos relacionados à propriedade de imóveis e o custo de produção dos mesmos. Do ponto de vista conceitual, tais expectativas correspondem aos lucros do fundador definidos por Hilferding (1985) ou às expectativas de ganhos de capital que podem derivar da diferença entre o “preço da demanda dos bens de capital” e o seu “preço de oferta” (ou, ainda, seu custo de reposição), especificados por Keynes (1982). dívida hipotecária, que reuniu tomadores com e sem tradição no mercado de capitais, constituindo os mercados prime de hipotecas e subprime de hipotecas respectivamente; (e) o provimento de fundos, aos bancos comerciais, para a concessão de crédito hipotecário por meio da consolidação das dívidas hipotecárias em seu poder em Mortgage Backed Securities (MBS) e sua venda aos bancos de investimentos, os quais dispõem da possibilidade de renegociá-los no respectivo mercado secundário; (f) o provimento de recursos aos bancos de investimento, através de nova consolidação de dívidas, que, agora, envolve a reunião dos MBS em Collateralized Debt Obligation (CDO), repassados a fundos institucionais de investimento não só dos EUA, mas também de importantes praças financeiras da Europa; (g) a inexistência de mercado secundário de títulos para os CDOs; (h) o dito no item anterior ocorreu juntamente com a difusão de processo convencional alternativo para o estabelecimento de preços dos ativos negociados, no caso, os CDOs, que consiste em precificação que se baseia na classificação de risco feita por Credit Rating Agencies (CRA), constituindo nova e perigosa forma de securitização, a que dispensa a presença do referido mercado secundário; (i) a quase-impossibilidade de detecção prévia dos riscos de default das hipotecas integrantes dos títulos estruturados — os MBS e os CDOs — por bancos comerciais e de investimento, sob a chancela das agências de classificação de riscos; (j) a venda, pelos fundos institucionais, de cotas dos títulos estruturados em seu poder ao público — pessoas físicas, bancos comerciais, bancos de investimento ou até outros fundos institucionais —, em troca da promessa de parcela do fluxo de renda que se espera derive do vencimento e do pagamento das hipotecas que dão início à cadeia descrita; e (l) o incremento do consumo que resultou tanto do acréscimo de renda conseqüente da expansão da produção de imóveis quanto do efeito riqueza originado na elevação dos preços dos mesmos, elevação esta que tornou ainda mais elástico o crédito imobiliário.5 Em resumo, através da cadeia de relações descritas, entende-se que a expansão da economia norte-americana iniciada em 2003, pelo menos parcialmente, derivou da força propulsora da busca especulativa de ganhos de capital a partir de ativos imobiliários naquele 5 Embora a descrição aqui apresentada do movimento especulativo possa parecer complexa, tem-se consciência de que a realidade o é ainda mais. Muitas figuras e combinações entre elas sequer foram descritas. Aqui, trata-se apenas de apresentar um esquema geral que permita a compreensão do texto. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 10 país. Com tal especulação, os preços dos imóveis cresceram continuamente (Tabela 2, coluna I), impulsionando a construção civil. Considerando como construção civil somente sua parcela relativa às casas para uma família, chega-se ao resultado de que a participação do setor nos EUA incrementou-se de 2,0% em 2001 para 2,8% em 2005 (Tabela 2, coluna J). Como subproduto, a produção de bens de consumo também se acelerou, não só em decorrência do incremento da renda na construção civil, mas também do refinanciamento hipotecário viabilizado pela continuidade da elevação dos preços dos imóveis na economia norte-americana. Já o financiamento do crescimento econômico encetado pela construção civil contou com fontes de diferentes origens. No que diz respeito ao âmbito específico da construção civil, houve a absorção junto ao público — pessoas físicas, bancos comerciais, bancos de investimento e, mesmo, outros fundos de investimentos — de recursos captados por fundos institucionais constituídos nos EUA e em importantes países da Europa. A captação de recursos europeus para a especulação imobiliária nos Estados Unidos não deve surpreender, mas ser vista como algo normal. Conforme anunciado no item relativo aos supostos da análise deste trabalho, a normalidade a que se faz referência deriva do fato de que, pelo menos desde 1980, a economia internacional se caracteriza pela submissão da produção aos ganhos de caráter financeiro e que a globalização financeira vem evoluindo rapidamente. No referente à economia norte-americana como um todo, o crescimento encontrou uma fonte de financiamento, pelo menos parcial, na política monetária vigente até meados de 2005, no País. Na conjuntura internacional que vigorou até então, à expansão nos EUA vinculou-se diretamente o crescimento econômico da China (Tabela 2, colunas C e N). De um lado, a expansão norte-americana contou com o suprimento antiinflacionário das exportações chinesas. De outro, a China valeu-se da demanda efetiva derivada das importações norte-americanas. No tocante aos aspectos relativos ao balanço de pagamentos, os EUA financiaram seus déficits em transações correntes através do crescimento das reservas em dólares mantidos pela China e por muitos outros países no mundo. É ainda decisivo destacar que a China contou com volumoso montante de recursos para a ampliação de seu aparato produtivo que proveio do investimento direto externo (IDE), atraído pelas possibilidades de lucros oferecidas pelo crescimento econômico extraordinário em seu território. Por fim, mas não menos importante, o crescimento conjunto dos Estados Unidos e da China Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 Pedro Fernando Cunha de Almeida levaram o mundo à aceleração econômica (Tabela 2, colunas A, L e P).6 Assim, pode-se dizer que, entre 2003 e o início de 2007, as finanças norte-americanas impulsionaram suas congêneres européias em movimento especulativo que envolveu a atividade imobiliária nos EUA, no mesmo período. O vínculo entre as duas finanças localizadas nos Estados Unidos e na Europa só foi possível dado o estágio avançado da globalização financeira na atualidade. Desse movimento especulativo, redundou a constituição de específica máquina de crescimento econômico de âmbito internacional, da qual derivou o concomitante aumento dos investimentos residenciais e do consumo norte-americanos; o financiamento dos crescentes déficits em transações correntes dos EUA; as pressões antiinflacionárias no mesmo país, impostas pelas importações provindas da China; a aceleração da velocidade de expansão da atividade produtiva, bem como o fortalecimento financeiro externo da economia chinesa; e, a partir da dinamização das economias norte-americana e chinesa, o impulso das demais economias avançadas e em desenvolvimento do planeta. 6 A descrição que aqui se fez do crescimento econômico mundial a partir de 2003 constitui exercício de propositada abstração. Abstrações são sempre problemáticas, porque podem excluir importantes aspectos da realidade. Isso é especialmente verdadeiro neste artigo. Excessos de abstração foram cometidos, ao se considerar a especulação imobiliária como explicativo único para o crescimento recente dos Estados Unidos e ao se descrever a aceleração do crescimento chinês como decorrência exclusiva de seu comércio superavitário com os EUA, quando se sabe que o investimento na China ocupa lugar central no movimento expansivo de sua economia; algo similar vale para os processos de expansão nas demais economias avançadas e em desenvolvimento. Tem-se consciência disso. Mas, com as abstrações feitas, não se pretende mais que explicitar características importantes do objeto em estudo. 11 Figura 1 A máquina de crescimento econômico internacional:... Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 12 Pedro Fernando Cunha de Almeida Tabela 2 Indicadores de conjuntura econômica internacional nos EUA e no mundo — 1990/07 ANOS 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 (3) SALDO EM TAXAS DE TAXAS DE TAXAS DE TRANSAÇÕES CRESCIMENTO CORRENTES CRESCIMENTO CRESCIMENTO DO COMÉRCIO DOS EUA DO PIB MUNDIAL INTERNACIONAL DO PIB NOS EUA (%) (US$ (%) DE BENS E SERVIÇOS (%) BILHÕES) (C) (A) (B) (D) 2,9 1,6 2,4 2,4 3,8 3,7 4,1 4,2 2,7 3,7 4,8 2,5 3,1 4,0 5,3 4,9 5,4 5,2 15,0 3,3 6,8 -0,6 11,7 18,8 5,9 4,0 -1,8 3,9 11,2 -3,4 5,0 16,4 21,2 13,6 14,6 14,2 1,9 -0,2 3,3 2,7 4,0 2,5 3,7 4,5 4,2 4,4 3,7 0,8 1,6 2,5 3,6 3,1 2,9 2,6 -79,0 2,9 -50,1 -84,8 -121,6 -113,6 -124,8 -140,4 -213,5 -299,8 -417,4 -384,7 -459,6 -522,1 -640,2 -754,9 -811,5 -784,3 ÍNDICE MÉDIO NOS ÚLTIMOS 12 TAXAS MESES DA TAXA BÁSICAS DE CÂMBIO DE JUROS EFETIVA REAL DO NOS EUA DÓLAR POR (% a.a.) MOEDA (E) ESTRANGEIRA (1) (F) 8,1 5,7 3,5 3,0 4,2 5,8 5,3 5,5 5,4 5,0 6,2 3,9 1,7 1,1 1,4 3,2 5,0 5,0 89,8 87,2 85,4 88,4 86,8 80,1 81,9 86,3 91,6 90,6 100,0 103,6 105,2 95,0 85,9 85,1 84,3 82,9 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 13 A máquina de crescimento econômico internacional:... Tabela 2 Indicadores de conjuntura econômica internacional nos EUA e no mundo — 1990/07 ANOS 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 (3) TAXAS ANUAIS DE INFLAÇÃO NOS EUA (%) (G) 6,1 3,1 2,9 2,7 2,7 2,5 3,3 1,7 1,6 2,7 3,4 1,6 2,4 1,9 3,3 3,4 2,5 2,4 QUANTIDADE DE CASAS NOVAS VENDIDAS (1 000 UNIDADES) (H) 683 794 805 958 916 927 898 976 1 087 1 184 1 282 1 063 867 PREÇOS PARTICIPAÇÃO MÉDIOS DAS CASAS NOVAS DAS VENDAS DE VENDIDAS CASAS NOVAS NO PIB NORTENOS EUA -AMERICANO (%) (US$ 1 000) (2) (J) (I) 172,5 175,7 181,7 186,3 196,0 208,1 225,4 238,5 261,1 276,6 272,9 290,1 288,0 1,6 1,8 1,8 2,0 1,9 2,0 2,0 2,2 2,6 2,8 2,8 2,3 1,8 TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB NAS ECONOMIAS AVANÇADAS (%) (L) 3,1 1,5 2,2 1,4 3,4 2,8 2,9 3,4 2,5 3,5 4,0 1,2 1,6 1,9 3,2 2,5 2,9 2,5 SALDO EM TRANSAÇÕES CORRENTES NAS ECONOMIAS AVANÇADAS (US$ BILHÕES) (M) -92,6 -36,5 -33,1 56,0 16,7 33,7 28,2 74,3 20,7 -107,9 -265,7 -204,5 -211,1 -208,9 -220,6 -431,6 -508,8 -499,8 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 14 Pedro Fernando Cunha de Almeida Tabela 2 Indicadores de conjuntura econômica internacional nos EUA e no mundo — 1990/07 ANOS 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 (3) TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB NA CHINA (%) (N) 3,8 9,2 14,2 14,0 13,1 10,9 10,0 9,3 7,8 7,6 8,4 8,3 9,1 10,0 10,1 10,4 11,1 11,5 SALDO EM TRANSAÇÕES CORRENTES DA CHINA (US$ BILHÕES) (O) 12,0 13,3 6,4 -11,9 7,7 1,6 7,2 37,0 31,5 15,7 20,5 17,4 35,4 45,9 68,7 160,8 249,9 379,2 TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB DE PAÍSES EMERGENTES (%) (P) FLUXOS DE CAPITAL PARA PAÍSES EMERGENTES (US$ BILHÕES) (Q) MÉDIA ANUAL DO EMERGENT BOND INDEX (pontos-base) (R) MÉDIA ANUAL DO EMERGENT BOND INDEX PARA A AMÉRICA LATINA (pontos-base) (S) 2,8 1,9 2,6 4,0 4,4 5,0 5,7 5,3 3,0 4,1 6,0 4,3 5,0 6,7 7,7 7,5 7,9 7,5 39,4 119,7 127,4 162,6 118,0 160,3 222,2 193,2 62,6 74,6 56,7 70,2 88,3 173,3 238,6 257,2 255,8 258,7 510,0 809,4 1 111,6 752,2 837,2 774,6 562,2 437,5 316,6 199,5 179,3 472,0 700,0 853,3 668,2 882,4 995,0 724,5 536,5 374,5 218,7 195,7 FONTE: WORLD ECONOMIC OUTLOOK. Washington: IMF, Oct 2007. FONTE: IPEADATA. FONTE: U. S. Bureau of Economic Analysis — BEA. FONTE: U. S. Census Bureau. Disponível em: <http://www.census.gov/newshomesales>. Acesso em: 14 out. 2007. (1) Os índices têm como base 2000 = 100. (2) A participação do valor de vendas no PIB norte-americano resultou de estimativa do autor. (3) Os valores constantes nessa linha constituem previsões para o ano de 2007. Em geral são as encontradas no World Economic Outlook, de outubro de 2007, publicado pelo FMI. Fazem exceção a essa regra as estimativas da variação percentual do PIB norte-americano, das vendas de casas novas, das taxas de juros básicas nos EUA e aquelas referentes ao Emergent Bond Index (EMBI+). No primeiro caso, considerou-se, para o cálculo da variação do PIB de 2007, o nível do Produto Interno Bruto nos 12 meses encerrados em setembro de 2007; no segundo, trata-se da taxa de variação das vendas das casas referidas nos últimos 12 meses encerrados em setembro de 2007 em relação aos 12 meses imediatamente precedentes. Nos outros dois casos, as estimativas são do autor. As taxas de juros básicas norte-americanas correspondem à média das taxas de juros operadas com tais fundos nos 12 meses que se encerrarão em dezembro de 2007. A mesma média considera, de um lado, os valores observados para as referidas taxas até o mês de agosto e, de outro, o valor de 4,75% a.a. para os meses seguintes. Esse é o valor que corresponde à meta estabelecida, pelo Federal Open Market Committee (FOMC), para as taxas anuais dos fundos em questão no mês de setembro do corrente ano. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 A máquina de crescimento econômico internacional:... 3 Da expansão à crise: as fragilidades e a crise da máquina de crescimento Obviamente, essa máquina de crescimento econômico mundial sempre teve seus pontos fracos, que, mais cedo ou mais tarde, haveriam de emergir. Aqui neste texto, dentre eles, destacam-se seis, os quais parecem estar no centro das turbulências que povoam a conjuntura internacional nos últimos meses: (a) o caráter especulativo da acumulação de capital que deu materialidade para expansão centrada no crescimento da construção civil nos EUA; (b) a estreiteza da acumulação de capital no mercado imobiliário norteamericano; (c) a reduzida viabilidade da mesma acumulação em relação às taxas normais de juros da economia norte-americana; (d) a necessidade de preservar o dólar como moeda de reserva de valor em nível internacional; (e) a inclusão do segmento subprime do mercado de capitais na cadeia de financiamento hipotecário da construção de moradias nos EUA; e (f) a inexistência de mercados secundários para os CDOs, os quais dividiriam prejuízos e proveriam liquidez entre os integrantes da cadeia de financiamento imobiliário, no caso de inadimplência hipotecária. Como não poderia deixar de ser, no início do século XXI, o crescimento mundial a que se alude resulta de processo especulativo cuja finalidade é a de transformar dinheiro em mais dinheiro, através do circuito financeiro da economia. Processos como esses já foram descritos em Marx (1980), Hilferding (1985), Keynes (1982) e Minsky (1986), dentre muitos outros. Em Keynes (1982) e, ainda mais claramente, em Minsky (1986), tais processos derivam em movimentos de expansão da produção social, em que, em meio à incerteza, vão-se produzindo ganhos de capital, que, supostamente, correspondem ao enriquecimento da sociedade. Esse enriquecimento, na verdade, em elevadíssima proporção, nada tem a ver com a realidade, tratando-se apenas de criação fictícia de riqueza. A fantasia vai até o dia em que, necessariamente, a realidade cobra seu preço, impondo a desilusão. Por essa razão, o ciclo expansivo com base na especulação imobiliária, como todos os processos dessa natureza, teria, algum dia, que encontrar seu fim. O segundo ponto fraco da máquina de crescimento mundial em referência diz respeito à estreiteza da acumulação imobiliária nos EUA. O U. S. Department of Housing and Urban Development (U. S. Census Bureau, 15 2007) divulga informações sobre o mercado imobiliário norte-americano. Segundo se pode concluir da leitura das muitas edições de seu U. S. Bureau Joint Release (U. S. Census Bureau, 2007) relativas ao período em questão, já a partir de dezembro de 2005 havia sinais de excesso de acumulação de capital no mesmo mercado. Entre o mês citado e setembro do corrente ano, o número de casas novas para uma família vendidas em 12 meses caiu à taxa anualizada de 20,0%. Isso ocorreu depois de o mesmo número ter-se expandido à velocidade anual média de 10,2%, entre março de 2002 e dezembro de 2005. (Tabela 2, coluna H). Já os preços das mesmas casas só passaram a reduzir-se mais recentemente, talvez a partir de março de 2007. Embora, desde então e até setembro último, tenha ocorrido queda de 12,6% dos preços em questão, deve-se levar em conta que os mesmos apresentam comportamento marcadamente sazonal, com picos nos meados dos anos e vales em seus finais. De qualquer forma, a redução a partir de março parece grande demais para ser explicada somente pela sazonalidade dos preços. Mas há evidências confiáveis de queda do valor de mercado das residências novas para uma família, já que, entre os meses de setembro de 2006 e de 2007, seus preços médios caíram 2,8% (U. S. Census Bureau, 2007). A queda da quantidade de residências novas transacionadas, bem como do nível de seus preços, dá base à formulação da hipótese de que, já em dezembro de 2005, a especulação imobiliária havia se traduzido em superacumulação de capital no mercado em exame, nos EUA. Uma característica importante da acumulação de capital no setor imobiliário daquele país, durante o período estudado, é a de que, embora ela tenha sido suficientemente ampla para incrementar a velocidade de expansão da economia norte-americana, não contou com a dimensão necessária para criar estímulos capazes de retroalimentar novas rodadas de expansão da construção civil. Isso é o que justifica falar em estreiteza da acumulação de capital do mercado imobiliário norte-americano. Dessa estreiteza, resulta o curto período de tempo necessário para atingir a superacumulação de capital imobiliário e, portanto, para dar fim ao crescimento econômico nela embasado. O terceiro ponto fraco da máquina de crescimento econômico refere-se à inviabilidade de acelerada acumulação imobiliária de capital ao nível das taxas normais norte-americanas de juros. A afirmação é válida, pelo menos, no que se refere ao período que sucedeu a 2002. Não se pode deixar de levar em conta que a aceleração da construção civil nos Estados Unidos só Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 16 teve início depois que as taxas de juros do País foram sensivelmente reduzidas a partir de seu nível normal. Esse nível se altera, à medida que são abordadas diferentes economias e épocas. Para os Estados Unidos do final do século passado e início deste, pode-se considerar como nível normal aquele correspondente à média dos juros praticados no período entre novembro de 1994 e fevereiro de 2001, de 5,5% a.a. Durante esse período, os juros já haviam se recuperado dos baixos níveis praticados na crise de 1991, e a economia expandia-se a taxas satisfatórias. Pois bem, a aceleração da atividade produtiva na área da construção civil teve início em 2002, quando as taxas de juros norteamericanas já se encontravam bem abaixo de seu nível normal. Elas permaneceram baixas até maio de 2004, quando se encontravam no reduzido nível de 1,03% a.a. A partir de então, elas iniciaram um movimento de ascensão, que só se encerrou em agosto de 2006, quando atingiram patamar superior a 5,0% anuais, isto é, próximas do seu nível normal. À época, a acumulação imobiliária já se encontrava em franca desaceleração. O descrito induz a estabelecer a hipótese de que a expansão imobiliária promovida pela especulação financeira só se viabilizou porque os juros norte-americanos se mantiveram, durante longo período de tempo, abaixo de seu nível normal. Por isso, a contínua elevação das taxas norte-americanas de juros, a partir de maio de 2004, em direção ao seu nível normal constituiu-se em elemento adicional a explicar o início da desaceleração da atividade imobiliária no mês de dezembro de 2005. Muito vinculado à questão relativa ao nível normal das taxas de juros nos EUA e, portanto, aos pontos fracos apresentados pela expansão embasada na especulação financeira a partir de ativos imobiliários está o quarto ponto fraco da máquina de crescimento econômico internacional vigente desde 2003, o qual se materializa na necessidade de preservar o dólar como moeda de reserva de valor no âmbito internacional. Como já se disse, ao explicitar os supostos da análise que se faz neste trabalho, o dólar exerce o papel de reserva internacional de valor. Esse papel é da maior importância para os Estados Unidos. Ele permite que o país financie seus déficits externos, sejam correntes, sejam de capitais, com incomparável facilidade, através da elevação de suas taxas básicas de juros ou, simplesmente, por meio de emissão. Sabe-se que o poder dos Estados Unidos para exercer o referido papel depende — além de suas excepcionais potências no que diz respeito às finanças, ao Estado e à economia — de política monetária que mantenha a escassez da moeda norte-americana e, assim, o valor dela para os que a Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 Pedro Fernando Cunha de Almeida possuem. Reduzidos níveis de juros praticados pelas autoridades dos EUA significam incremento da oferta de dólares no mundo. Por isso, prolongados períodos de reduzidas taxas de juros naquele País normalmente levam à desvalorização do dólar, a qual, continuada demasiadamente no tempo, pode enfraquecer a confiança que é necessária para que ele desempenhe o papel de reserva de valor internacional, que tão bem serve aos interesses norte-americanos. Dessa forma, as taxas de juros nos Estados Unidos, mais cedo ou mais tarde, teriam que voltar ao seu nível normal, preservando o valor do dólar em detrimento da especulação financeira imobiliária. O quinto ponto fraco da máquina internacional de crescimento econômico tratada neste artigo diz respeito ao relaxamento das normas prudenciais de concessão de crédito imobiliário. Ao descrever a cadeia de relações que deu materialidade ao crescimento econômico norteamericano a partir de 2003, mencionou-se que, dela, fez parte a prática de facilitar o crédito hipotecário ao segmento subprime do mercado de capitais. A explicação para a danosa prática encontra-se no processo competitivo que envolveu os bancos comerciais dos Estados Unidos no sentido do aproveitamento, ao máximo, das oportunidades de ganhos que se lhe ofereciam com a atividade de financiamento hipotecário para investidores desejosos de participar da bolha especulativa imobiliária. Para isso, muitos bancos comerciais passaram a conceder crédito hipotecário ao público sem tradição no mercado de capitais, despreocupando-se com seus cadastros e oferecendo formas de carência que protelavam, parcial ou totalmente, o início dos pagamentos. Daí resultou, é claro, considerável perda de qualidade dos ativos hipotecários possuídos pelos mesmos bancos. É muito importante destacar que essa perda de qualidade dos ativos hipotecários não ficou restrita à saúde financeira dos bancos comerciais. Isso se entende com facilidade, se for lembrado que os mesmos ativos foram, via de regra, consolidados sob a forma de MBSs e vendidos a bancos de investimentos, e que estes últimos, normalmente, os consolidaram outra vez, agora no formato de CDOs, vendendo-os a fundos institucionais de investimentos, cujas cotas se destinaram à compra pelo público. Dessa forma, a perda de qualidade dos ativos hipotecários contaminou os MBS os CDOs e as cotas dos fundos de investimentos. Mas isso não é tudo, pois as consolidações em MBS e CDOs tornaram muito difícil a localização das hipotecas não honradas por seus emissores. Assim, aos olhos daqueles que os compram, os MBS e os CDOs perderam qualidade de maneira difusa A máquina de crescimento econômico internacional:... e pouco transparente. Não se pode esquecer que hipotecas, MBS, CDOs e cotas de que se fala fazem parte dos ativos de bancos comerciais, bancos de investimento e fundos institucionais. Dessa maneira, o sistema financeiro norte-americano e também o europeu — na medida em que também ele tomou parte da cadeia descrita — restaram menos confiáveis depois que o problema da generalizada inadimplência hipotecária veio à tona. O sexto ponto fraco da máquina de crescimento econômico diz respeito à inexistência de mercados secundários para os CDOs. Como é amplamente conhecido, mercados secundários desempenham, pelo menos, uma importante função. Através da precificação diária dos ativos neles negociados, provêem liquidez para os mesmos. No caso dos CDOs, a heterogeneidade que os caracteriza impede a formação de mercados secundários. Por isso, a precificação dos CDOs ocorre, exclusivamente, a partir das notas concedidas pelas agências de rating, constituindo, como já se disse, em surpreendente e perigosa inovação dos processos de securitização de ativos. O perigo está na desconfiança, justificada ou não, que se pode abater sobre as avaliações emitidas pelas referidas agências. De qualquer forma, à precificação assim realizada corresponde a inexistência de mercados secundários, vale dizer, a inexistência de liquidez para os ativos envolvidos, no caso os CDOs. Isso quer dizer que mudanças de expectativas quanto ao valor futuro dos mesmos não podem ser acompanhadas de modificações da composição do portfólio de seus possuidores. Nesse caso, a repartição de riscos derivados da posse de ativos securitizados simplesmente deixa de existir. Isso vale também para as cotas de fundos de investimentos que provêm dos CDOs. Concluindo, a máquina de crescimento econômico em referência é prenhe da fraqueza que provém do inarredável caráter especulativo da acumulação de capital em referência; da estreiteza da acumulação de capital no setor imobiliário norte-americano; da dependência que a mesma máquina mantém com taxas de juros básicas abaixo do patamar normal para os Estados Unidos; da necessidade dos Estados Unidos de preservar o dólar como moeda de reserva de valor internacional e, portanto, de manter suas taxas básicas de juros básicas no patamar que é normal para sua economia; dos riscos que a operação da máquina em questão signifique de imposição de crises sistêmicas no setor financeiro norte-americano e também do resto do mundo, em decorrência de práticas que envolvem: (a) o relaxamento das regras prudenciais de emissão de ativos financeiros, o 17 que acontece em decorrência do processo competitivo inerente, sobretudo, aos bancos comerciais; (b) a inexistência de mercados secundários para os CDOs emitidos por bancos de investimento; e (c) o processo de precificação de ativos que dispensa a existência do mercado secundário de ativos, o que significa abrir mão da proteção para os aplicadores financeiros através da divisão de riscos, por mais precário que possa ser o mesmo processo. Dados a arquitetura, os avanços e as fragilidades dos movimentos especulativo e do crescimento econômico descrito, pode-se, por fim, passar à explicação da fase crítica dos mesmos movimentos. De onde ela provém? O desenvolvimento deste artigo até aqui deixou em aberto espaço para duas respostas. Elas envolvem os aspectos produtivo e financeiro desse movimento especulativo. O primeiro, o aspecto produtivo, já foi descrito suficientemente. A possibilidade de acumulação de capital imobiliário tinha estreito potencial nos EUA, o qual, já em dezembro de 2005, tinha sido absorvido pela produção de novas moradias. Esse é um problema para a economia norte-americana, que terá de encontrar nova forma de expansão, mas não é, nem de longe, o mais importante. Relevância muito maior tem o segundo fator, aquele que diz respeito ao aspecto financeiro do movimento especulativo. No início do segundo trimestre do corrente ano, começaram a surgir problemas de inadimplência dos compromissos assumidos junto a bancos comerciais relativos ao financiamento hipotecário. Isso diminuiu o valor dos títulos sob a forma hipotecas e MBS nos respectivos mercados secundários e pôs a nu as dificuldades de mercados, como os de CDOs e os de cotas de fundos institucionais, que não dispõem dos mesmos mercados. Assim, diante da ocorrência dos problemas causados pela inadimplência hipotecária, os proprietários de CDOs ou de cotas de fundos institucionais simplesmente ficaram com o “mico na mão”. Em tal situação, tornou-se desconhecido o valor total dos ativos das instituições financeiras possuidoras de hipotecas, MBS, CDOs e cotas referidas. Como é inevitável, a desconfiança recaiu sobre as mesmas instituições. Para agravar a situação, deve-se lembrar que a recorrente consolidação de títulos tornou pouco transparente a qualidade dos ativos que possuem as diferentes instituições financeiras. Assim, a desconfiança tornou-se difusa. Mas há ainda mais problemas para levar em consideração. Em meio à especulação imobiliária descrita Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 18 neste trabalho, os bancos comerciais passaram a aproveitar a oportunidade que a eles se oferecia. A oportunidade em referência consistia na possibilidade de obter ganhos ao captar recursos a curto prazo, de juros mais reduzidos, e aplicá-los em operações a longo prazo, com juros mais elevados. Essa prática se consubstanciava através de Structured Investiment Vehicles (SIV), fundos formados pelos próprios bancos comerciais. Os SIV captavam recursos de curto prazo, emitindo commercial papers, recursos estes que eram utilizados para financiar aplicações suas de longo prazo. Obviamente, a prática obrigava a recorrente contratação de novos commercial papers, à medida que os mais antigos venciam. A recorrente contratação teria que ser mantida até a data do vencimento dos ativos de longo prazo de propriedade dos bancos. Ao fazê-lo, os bancos comerciais obtinham ainda outra vantagem: o passivo representado pelos commercial papers eram incluídos, não na contabilidade dos bancos comerciais, mas na dos fundos por eles criados. A não-inclusão dos passivos representados pelos commercial papers na contabilidade dos bancos comerciais criava espaço para a não-observação das regras prudenciais de endividamento impostas aos mesmos bancos pelas autoridades monetárias. Dada a já anunciada perda de qualidade dos ativos hipotecários, os mesmos tornaram-se objeto de desconfiança. Por isso, perderam liquidez. Para proverlhes a liquidez perdida, os bancos comerciais passaram a incluí-los entre os ativos pertencentes aos SIVs. Assim, também no que respeita ao financiamento hipotecário, os bancos comerciais utilizaram-se de recursos de curto prazo para financiar o longo prazo. Visto pelos olhos de Minsky (1986), os bancos comerciais, ao agirem da forma descrita, estariam tornando suas estruturas financeiras cada vez mais frágeis, isto é, estruturas que, proporcionalmente, dispõem, cada vez menos, de recursos líquidos para honrar seus compromissos financeiros vincendos. Daí proveria a imperiosidade de promover recorrente renegociação de suas dívidas de curto prazo durante longo período de tempo. Assim, ficariam expostos à crescente fragilidade financeira, a qual significa riscos de prejuízos cada vez maiores diante de alterações nas condições do mercado de crédito de curto prazo, seja no que diz respeito ao montante que pode ser captado, seja no referente aos custos dos empréstimos renegociados em comparação com os juros ativos de suas hipotecas contratadas anteriormente. É evidente que o crescimento da fragilidade financeira em referência põe sob desconfiança não só a saúde financeira dos bancos comerciais, mas, via contágio, todo o sistema financeiro Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 Pedro Fernando Cunha de Almeida em que se inserem. Pois, com a deterioração do sistema financeiro derivada da inadimplência hipotecária, as condições de empréstimos de curto prazo se deterioram rapidamente. Instituições financeiras passaram a desconfiar umas das outras. O resultado não poderia ser outro: o crédito encolheu rapidamente. Daí resulta o espetáculo vivenciado nos últimos meses. O Federal Reserve (Fed) e vários outros bancos comerciais do mundo desenvolvido foram obrigados a baixar taxas e juros e a prover liquidez para as instituições financeiras em dificuldades. Não bastando isso, grandes grupos financeiros, como o Bank of América, o JP Morgan Chase e o Citigroup, pretendem criar um fundo de emergência para garantir liquidez ao mercado de commercial papers. O valor do fundo de emergência pretendido montaria entre US$ 80 bilhões e US$ 100 bilhões (Grandes..., 2007). As ações dos bancos centrais e dos grandes grupos financeiros justificam-se plenamente, pois se trata de impedir a eclosão de crise financeira internacional de grande monta. Pelo que se descreveu até aqui, compreende-se que, em 2007, entrou em crise a forma de crescimento econômico norte-americana vigente no período de 2003 a 2006. A perda de dinamismo da economia dos EUA deverá envolver o resto da economia mundial. A crise de crescimento naquele país deriva tanto da superacumulação de capital no setor imobiliário norte-americano quanto do abalo sofrido pelo sistema financeiro no mundo desenvolvido, em decorrência do financiamento que viabilizou a mesma acumulação. 4 Observações conclusivas: o futuro, objeto de difícil trato E o futuro, o que trará? O futuro é incerto, e, por isso, não é possível responder essa questão, apenas levantar algumas hipóteses. Com razão, em momentos como os atuais, é sempre lembrada a possibilidade de repetição da depressão que tomou conta do mundo no decorrer dos anos 30 do século XX, pelo menos em alguns de seus aspectos mais importantes. Não há como descartar, a priori, a mesma possibilidade. Mas também não se pode esquecer que, hoje, é muito maior o conhecimento disponível a respeito de como funcionam as economias capitalistas e de como elas devem ser tratadas quando à beira de catástrofes A máquina de crescimento econômico internacional:... financeiras. A esse respeito, Keynes (1982) deixou as lições básicas indispensáveis. Além disso, a partir da experiência dos anos 30 e dos ensinamentos de Keynes (1982), montou-se todo um arcabouço institucional destinado a antepor-se às mesmas catástrofes. Aliás, no fundo, é exatamente essa a mensagem de Minsky (1986), em seu Stabilizing an Unstable Economy. Nos momentos de crise financeira, o Big Government (no caso dos países que o possuem) e o banco central, ou o emprestador em última instância, devem entrar rapidamente em ação, com o objetivo de fazer a economia reagir. Para Minsky (1986), as economias tendem a responder positivamente às ações estimuladoras de ambos. Haverá o custo de inflação mais elevada a ser tratado mais tarde, mas a crise será superada. Mas, perguntando novamente, o que o futuro trará? E, novamente, a resposta é a de que o futuro é incerto. No entanto, tem-se que considerar que a confiança no sistema financeiro mundial foi fortemente abalada. No mínimo, daí se pode esperar entraves ao crescimento econômico mundial, enquanto a confiança não for retomada. A recuperação da confiança pode levar um longo período de tempo e exigir modificações institucionais importantes na área financeira. O tempo exigido para tanto pode ser de dimensões parecidas áquele necessário nos anos 30 ou, ao contrário, conformar-se ao estabelecido por Minsky (1986). Uma última questão também não respondida neste texto: no caso de um abalo de grandes proporções do sistema financeiro internacional e, em especial, dos EUA, qual será a possibilidade de o dólar continuar a ser a moeda de reserva de valor internacional? Questões como essas serão respondidas pelo futuro... Referências BEALES, Richard. US niggle became global problem. The Financial Times, New York, 10 Aug 2007. BELLUZO, Luiz Gonzaga de Mello. Era da turbulência. Valor Econômico, São Paulo, 18 set. 2007. BRAGA, José Carlos de Souza. O “Big Bank” do capitalismo financeiro. 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Valor Econômico, São Paulo, 27 set. 2001. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 20 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 7-20, fev. 2008 Pedro Fernando Cunha de Almeida Tópicos setoriais Indicadores da formação de uma plataforma exportadora de celulose no Rio Grande do Sul* Maria D. Benetti** Um fato econômico novo e gerador de novas perspectivas para a economia estadual é a sua inserção no processo de reorganização espacial das indústrias de papel e de celulose em âmbito mundial e nacional. O texto que segue trata desse tema, procurando mostrar a importância dos investimentos de três grandes grupos — Aracruz, Votorantim e Stora Enso — para a expansão e a reestruturação da cadeia de produção e exportação de celulose e de papel no Estado. A abordagem do tema é precedida de uma breve caracterização da cadeia produtiva em implantação e da descrição do meio ambiente econômico em que ocorre o que se está a chamar de um ciclo de expansão em grande escala da indústria no Rio Grande do Sul. 1 Caracterização geral da cadeia produtiva de celulose e de papel A produção de madeiras origina-se de duas espécies florestais principais: as coníferas, madeiras claras, macias (softwood), de fibra longa e densidade uniforme, obtidas, por exemplo, do pínus e da araucária; e as não coníferas, caracterizadas, de uma forma geral, como madeiras duras (hardwood), de fibra curta e de cor e densidade diversas, como o mogno, o freijó e o eucalipto. Elas constituem matéria-prima de várias cadeias industriais de base florestal, dentre as quais, cabe destacar-se a da produção de celulose e de papel. A produção de celulose utiliza tanto a madeira de fibra longa quanto a de fibra curta. Economista do NAS-FEE Um esboço da cadeia produtiva de base florestal com suas subcadeias é apresentado na Figura 1. Os projetos em execução no Rio Grande do Sul referem-se à produção de celulose obtida da madeira de eucalipto; portanto, de fibra curta. Não está prevista a sua transformação em papel, destinando-se a matéria-prima ao mercado externo. A agregação de valor na cadeia é interrompida após o primeiro estágio de transformação industrial. Uma das características principais do processo produtivo da cadeia é a forte integração entre as plantas de celulose e a base florestal, tendendo as duas a se localizarem proximamente. É por essa razão que a reorganização espacial das indústrias de celulose de que se falava na abertura do texto traz consigo, ou melhor, é precedida da implantação das florestas. Essa instalação costuma ser feita através de três formas principais: plantio em terras próprias da empresa, em terras arrendadas ou mediante contratos de produção com produtores independentes. Nos projetos das empresas analisadas, predominam as plantações em terras próprias, na proporção de 70% a 80%. Uma outra característica do processo produtivo da cadeia de celulose e que o diferencia das agropecuárias em geral é o ciclo longo de produção da matéria-prima, levando uma média de sete anos, segundo os padrões brasileiros. As peculiaridades referidas implicam pesadas imobilizações de capital, em prazos longos, e podem explicar em parte importante a prevalência de grandes empresas operando no setor de celulose. * Artigo recebido em 05 nov. 2007. ** E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto n.3, p. , 2008 2007 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. Alegre, 35, n. 3,v.p.35, 21-28, fev. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 Aromáticos, Medicinais e Corantes Ceras Gomas Borracha Madeira Processada Produtos de Madeira Sólida Celulose Compensado Painéis de Madeira Reconstituídos Madeira Serrada Madeira Imunizada Outros Usos Indústria de Papel OSB Chapa de Fibra Aglomerado MDF Produção de Ferro-Ligas Produção de Ferro Gusa Usinas Integradas FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO DA ABRAF 2007 — Ano-Base 2006. Brasília: Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, 2007. Disponível em: FONTE: <http://www.abraflor.org.br/estatisticas.asp>. Acesso em: out. 2007. Indústria Química, Farmacêutica, Automobilística, Alimentícia, etc. Produtos Não Madeireiros Indústria de Móveis Forjas Artesanais Siderurgia Consumo Doméstico Consumo Industrial Máquinas e Equipamentos Serrarias Carvão Vegetal Lenha Consumo Doméstico PRODUÇÃO FLORESTAL Produtos Madeireiros Esboço da cadeia produtiva do setor florestal Agroquímicos Fertilizantes Sementes e Mudas Figura 1 22 Maria D. Benetti Mercados Interno e Externo Indicadores da formação de uma plataforma exportadora de celulose no Rio Grande do Sul 2 Marco geral da instalação das indústrias de celulose e de papel no Rio Grande do Sul O Rio Grande do Sul, mais especialmente sua região sul, pode ser considerado um dos “novos pólos de desenvolvimento florestal”, constituindo-se numa área privilegiada de expansão de novos empreendimentos no setor, processo liderado por importantes grupos empresariais estrangeiros e nacionais, atuantes no mercado de pasta celulósica e de papel (Anu. Estat. ABRAF, 2007). Esse processo que ocorre em âmbito estadual se insere em um marco de forte globalização, centralização patrimonial e concentração da produção industrial. Globalização, de um lado, significando o incremento dos fluxos de comércio, resultante do crescimento desigual do consumo e da produção regional madeireira em âmbito mundial. Globalização, também do ponto de vista patrimonial, considerando o deslocamento relativo das indústrias de papel e celulose — do Hemisfério Norte para o Sul. A seguir, reproduz-se um trecho da Carta aos Acionistas, assinada pela Presidência da Stora Enso Internacional (uma das três empresas analisadas, por estarem executando importantes projetos de instalação no RS), extraído do Relatório de Gestão de 2006. Ele ilustra algumas características do padrão recente de crescimento da indústria de celulose e de papel em âmbito mundial: aumento das escalas competitivas de produção e desconcentração dos ativos no Hemisfério Norte. Contém, também, proposições que permitem associar tais mudanças a estratégias de redução de custos da produção. Os resultados da Stora Enso melhoraram no último ano, mas ainda são menores que as metas de rentabilidade estabelecidas. Embora a demanda pelos nossos produtos tivesse sido de uma forma geral boa, enfrentamos custos crescentes. [...] O Programa de Revisão dos Ativos (APR) desenvolveu-se muito bem, e procedemos a desinvestimentos em fábricas e máquinas fora de escala. [...] Planejamos fechar duas em 2007, Reisholz na Alemanha e Berghuizer na Holanda. (Stora Enso Company, 2006, p. 6). É interessante mencionar, nesse contexto, que a empresa sueco-finlandesa vendeu, em setembro de 2007, 23 sua filial nos Estados Unidos ao grupo de investimentos Cerberus (Stora Enzo..., 2007a). A realocação espacial das atividades florestais em âmbito mundial vem privilegiando o Brasil, mas incluindo, também, o Uruguai e a Argentina. Tendo em vista a instalação e/ou a expansão concomitante desses grupos empresariais na região sul do Rio Grande do Sul e nos dois países platinos, é possível que esteja em processo de rápida constituição uma nova plataforma produtora e exportadora de celulose no Cone Sul.1 Essa globalização dos ativos e da produção ocorre em meio a um aumento da luta competitiva no mercado, onde um dos fatores estratégicos da sobrevivência e do sucesso das empresas passou a ser a produtividade física das florestas plantadas. Certas regiões do Hemisfério Sul são fortemente atrativas nesse aspecto. Basta comparar os índices obtidos na produção de madeira de eucalipto, no Brasil, em 2006 — 38m3 a 41m3/ha/ano —, com os registrados em outros importantes produtores, a Austrália e a região sul dos Estados Unidos, onde os rendimentos atingiam níveis bem inferiores, de 25m3/ha/ano e 6m3/ha/ano respectivamente (Anu. Estat. ABRAF, 2007).2 As empresas trabalham com a expectativa de que a produtividade atinja facilmente 45m3/ha/ano no curto prazo. A internacionalização da cadeia de base florestal brasileira pode ser apreciada na Figura 2, que focaliza os três grupos econômicos em expansão no Rio Grande do Sul.3 Ela estampa, e muito claramente, a presença de grandes grupos estrangeiros no setor, bem como algumas das formas privilegiadas de sua expansão e/ou 1 No Uruguai, por exemplo, foram implantadas fábricas de papel e de celulose da Espanha, da Finlândia e da Suécia; a área plantada com florestas aumentou, em 15 anos, de 30.000 para 800.000 hectares. Na Argentina, a base florestal da indústria atingiu 1 milhão de hectares (Inf. CEPEA, 2007). Em favor do argumento da formação do eixo, assinale-se a expansão, coincidente no tempo, da Stora Enso na fronteira sudoeste do Rio Grande do Sul, no Uruguai e na Argentina. A empresa está construindo uma fábrica de celulose no Departamento de Rio Negro, no Uruguai, na altura onde o Rio da Prata se torna navegável. 2 Com relação às espécies coníferas (pinho), também se observa a diferença de produtividade favorável ao Brasil: 27m3/ha/ano; 22m3 na Nova Zelândia e 4m3 na Suécia (Anu. Estat. ABRAF, 2007). 3 Não fazem parte do esquema, portanto, outros grandes grupos, como o Cenibra Celulose Nipo-Brasileira S/A — de capital japonês —, instalado em Minas Gerais, e que se constituía anteriormente em sociedade com a Cia. Vale do Rio Doce; também a Klabin e a Suzano, todas produtoras de celulose branqueada de eucalipto. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 24 Maria D. Benetti instalação: aquisições, troca de ativos, associações, joint ventures, etc., no Brasil.4 Mostra, também, as profundas imbricações entre os interesses econômicos dos grupos estrangeiros e dos nacionais. Como exemplos, destacam-se a participação da Votorantim no capital social da Aracruz e a desta última na construção da fábrica Veracel C&P em associação com a Stora Enso. Mas, além da complexidade das relações, quando são retratadas, impressiona, e muito, a velocidade com que são feitas, desfeitas e refeitas, ademais, que tenham começado a ser tecidas muito recentemente, a partir do ano 2000. É importante registrar que a Aracruz é a primeira produtora nacional de celulose e que a Votorantim é a segunda; esta, por seu turno, ocupa a terceira posição na produção de papel, mas tem negócios, sob a forma de associação, participação no capital, etc., com a Suzano e a Ripasa S/A Celulose e Papel, que figuram nos segundo e quinto lugares no ranking dos maiores produtores de papel no País. A Stora Enso (maior produtora européia de papel), que iniciou suas atividades produtivas no Brasil mais tardiamente, em 2006, através da aquisição da Arapoti Ind. de Papel Ltda., nesse mesmo ano, mediante esse mecanismo, já ocupava a oitava posição no ranking do universo das maiores empresas no mercado nacional. Recém se completava o desenho da arquitetura das relações empresariais, e sobreveio a informação (divulgada em setembro de 2007) de que a empresa sueco-finlandesa e a maior fabricante de produtos florestais no Chile, a Celulosa Arauco y Constitución, haviam celebrado uma parceria de troca de ativos e participação conjunta em outros que incluíam parte dos que haviam sido adquiridos recentemente pela Stora Enso da norte-americana International Paper no Brasil. Além da concentração patrimonial e de controle do mercado, observa-se uma considerável convergência espacial na indústria brasileira de celulose e de papel. Os grandes grupos — tanto os recém-chegados quanto os estabelecidos, independentemente da nacionalidade — haviam privilegiado o eixo São Paulo—Espírito Santo para instalação, com alguma dispersão para os Estados da Bahia, do Paraná e de Minas Gerais, e relegado o Rio Grande do Sul a uma posição marginal. 4 Chama-se atenção, de um lado, para o fato de que a Figura 2 estampa apenas as vinculações econômico-institucionais das três empresas com projetos estratégicos de expansão importantes no Rio Grande do Sul, deixando de incluir os eventos relacionados a outros grupos relevantes, como são o Suzano e o Klabin. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 São esses mesmos grupos globais que lideram, no momento, o processo de desconcentração geográfica dos investimentos para o Rio Grande do Sul. Consórcio, joint venture Permuta de ativos 51% Veracel Celulose S/A (Bahia) (Stora Enso Arapoti Ind. de Papel Ltda.) Derflin Agropecuária Ltda. 50% Portocelulose S/A 50% 12,5% 28% FONTE: ARACRUZ CELULOSE. Disponível em: <http://www.aracruz.com.br>. Acesso em: out. 2007. VOTORANTIM. Disponível em: <http://www.votorantin.com.br/ptb>. Acesso em: out. 2007. (1) Envolve fábrica de Jacareí (SP) da VCP; controla 60% do capital. (2) Passou a chamar-se Conpacel. Construção de fábrica Controle Aquisição STORA ENSO Treasury (Amsterdã) 99,99% STORA ENSO (Finlândia) Stora Enso Arapoti Parts. Societs. Ltda. Convenções: Stora Enso Aracruz (Europa) Aracruz Celulose Aracruz Celulose Inc. (EUA) Logística VCP 28% 28% Lorentzen Empreendimentos S/A (holding) Família Lorentzen, controla o Grupo Lorentzen (63% do capital) (Noruega) International Paper (São Paulo) International Paper (Paraná) Produção e Comercialização de Madeira Grupo Weyerhaeuser (EUA) 33% Aracruz Produtos de Madeira S/A (Bahia) BNDESpar Relações econômicas entre empresas com projetos florestais-industriais no Rio Grande do Sul — 2000-07 Comercialização da Celulose Aracruz Trading S/A Participações S/A) Grupo Safra (Arainvest ARACRUZ Figura 2 50% Ripasa (SP) (2) Celulose e Papel 50% Ahlstrom Corporation (Finlândia) Suzano Consórcio Joint Venture (1) Votorantim Celulose e Papel Votorantim Industrial Votorantim Participações (holding) Votorantim Indicadores da formação de uma plataforma exportadora de celulose no Rio Grande do Sul 25 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 26 Maria D. Benetti 3 Indicadores da importância econômica dos novos investimentos para a cadeia produtiva de celulose de eucalipto e de papel do Rio Grande do Sul O segmento de florestas plantadas no Rio Grande do Sul corresponde, praticamente a metade, à espécie das não coníferas (eucalipto). No Brasil, mais de 60% das florestas estão associadas ao plantio do eucalipto. Uma explicação para essa diferença pode encontrar-se no peso relativo das subcadeias produtoras de móveis, de celulose e de papel nos dois âmbitos. No Rio Grande do Sul, a presença importante da indústria de móveis na economia de base florestal daria maior embasamento ao plantio das espécies florestais coníferas, enquanto a localização das grandes plantas de celulose e de papel em São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná explicaria a relação favorável ao plantio dos eucaliptos no agregado nacional. Cabe registrar, no entanto, que, na região nordeste do RS, está instalada uma empresa produtora de celulose e de papel (Cambará), que trabalha com a matéria-prima obtida do pinus taeda.5 Ela produz um tipo específico de papel para o mercado interno e em escala pequena de produção. Já a Aracruz, a outra produtora de celulose no Estado, localizada em Guaíba, utiliza a madeira de eucalipto para a produção de celulose para exportação, não fabricando papel em sua planta estadual. De qualquer maneira, a Cambará e a Aracruz são as duas produtoras da matéria-prima no Estado, todavia com importâncias muito diferentes com relação ao volume produzido. Veja-se que a Aracruz, sozinha, responde por 93,5% da fabricação da pasta celulósica. Considerando as novas plantações de pínus e os programas de fomento ao seu plantio na região nordeste do Estado, como também as instalações de eucalipto na região sul do Rio Grande do Sul, uma vez maturados os investimentos a elas associados, ter-se-ia a constituição de duas regiões bem distintas do ponto de vista da 5 Trata-se da empresa Cambará S/A Produtos Florestais, que produz celulose sulfito fibra longa branqueada e papel tissue para fins sanitários. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 silvicultura: a nordeste, produtora de pínus, e a sul, de eucalipto. De qualquer forma, hoje e em termos globais, isto é, considerando os dois grupos principais de espécies florestais, o Rio Grande do Sul conta com, apenas, 7% da área das florestas plantadas brasileiras. No que diz respeito à produção de celulose, o Estado contribui com apenas 4,3% do volume da produção industrial. São Paulo e Espírito Santo, onde se localizam os investimentos industriais da Aracruz e da Votorantim, concentram mais da metade da produção (51,4%); os Estados da Bahia, de Minas Gerais, do Paraná e de Santa Catarina participam, cada um, com quase 10%, com isso, chegando perto dos 40%, os quais, somados aos dois estados líderes, totalizam 91% do volume da pasta celulósica. No que se refere à produção de papel, a concentração regional é ainda maior, uma vez que São Paulo, sozinho, detém 45,6% do volume produzido, e Paraná e Santa Catarina logram uma participação de 19,5% e 18,5% respectivamente. Os três juntos respondem por 83,5% do papel produzido no Brasil. A presença do Rio Grande do Sul é ainda menos expressiva, pois seu peso no agregado é de tão-somente 2,4%. Assim, em resumo, em cada elo da cadeia, hoje é marginal a presença do Rio Grande do Sul, importância relativa que, como se acabou de ver, até diminui, na medida em que se avança na cadeia de agregação de valor: participação de 5,5% na área plantada com eucalipto, de 4,3% na produção de celulose e de 2,4% na de papel. De qualquer forma, implantados e maturados os investimentos das empresas analisadas, o quadro atual alterar-se-ia profundamente, passando o Estado de coadjuvante muito secundário para protagonista importante nesse mercado. A área relacionada ao plantio de florestas de eucalipto declaradas e que fazem parte do projeto de implantação e/ou de expansão das empresas (360.000 hectares) corresponderia a duas vezes a atual (180.000 hectares) e equivaleria à área total plantada com pínus e eucalipto (365.000) hoje. No que diz respeito à base florestal, é indiscutível a relevância dos investimentos (Tabela 1). Veja-se, ainda, que o plantio das áreas de eucalipto, efetivando-se na forma declarada nos projetos, permitiria aumentar a produção dos atuais 2,6 milhões de m3 de toras de madeira para 13,7 milhões, ou seja, um incremento de mais de cinco vezes. Com esse volume de madeira, estima-se que poderiam ser produzidos cerca de 3,8 milhões de toneladas de celulose, volume 8,5 27 Indicadores da formação de uma plataforma exportadora de celulose no Rio Grande do Sul vezes maior do que o de 446.000 toneladas registrado em 2005.6 Com os novos investimentos, estima-se que as exportações de celulose estaduais poderiam passar das 353.000 toneladas para algo em torno de 3,000 milhões de toneladas. Estas, multiplicadas pelos preços médios em dólares por tonelada exportada de celulose pelo Estado em 2005, somariam mais de US$ 950 milhões, equivalendo a 8,5 vezes o valor das vendas externas no ano. Tabela 1 Indicadores da importância dos novos investimentos para a expansão da cadeia de celulose de eucalipto e de papel, por empresas selecionadas, no Brasil e no Rio Grande do Sul — 2005 RIO GRANDE DO SUL BRASIL (A) ESPECIFICAÇÃO Área de florestas plantadas com eucalipto (ha) ....... 3 Madeira para papel e celulose (m ) (2) ........................ Montante (B) Participação % B/A Novos Investimentos (1) (C) ∆% C/B 3 407 204 179 690 5,27 360 100 200,40 54 698 479 2 561 881 4,68 13 700 000 534,76 10 352 000 446 073 4,31 3 752 760 841,29 Celulose (t) (2) Produção.......................................................................... Balança comercial Exportações................................................................. 5 441 000 352 634 6,48 2 966 669 841,29 Importações ................................................................ 310 000 18 169 5,86 0 - Saldo............................................................................ 5 131 000 334 465 6,52 2 966 669 886,99 8 597 307 204 149 2,37 (3)- - Exportações................................................................. 2 039 000 59 299 2,91 - - Importações ................................................................ 770 000 91 010 11,82 - - Saldo............................................................................ 1 269 000 -31 711 - - - Papel (t) Produção.......................................................................... Balança comercial FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO DA ABRAF 2007 — Ano-Base 2006. Brasília: Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, FONTE: 2007. Disponível em: <http://www.abraflor.org.br/estatisticas.asp>. Acesso em: out. 2007. FONTE: ARACRUZ CELULOSE. Disponível em: <http://www.aracruz.com.br>. Acesso em: out. 2007. FONTE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CELULOSE E PAPEL — BRACELPA. Relatório Estatístico 2006/2007. São Paulo, 2007. FONTE: IBGE/SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: out. 2007. FONTE: STORA ENSO COMPANY. Disponível em: <http://www.storaenso.com>. Acesso em: out. 2007. FONTE: VOTORANTIM. Disponível em: <http://www.votorantim.com.br/ptb>. Acesso em: out. 2007. NOTA: Estimativas com base nos coeficientes registrados em 2005. (1) Relacionam-se à produção esperada pelas empresas Aracruz, Votorantim e Stora Enso. (2) Corresponde à madeira e à celulose de pínus e eucalipto para o Brasil e o Rio Grande do Sul em 2005; os novos investimentos relacionam-se à produção e ao processamento apenas da madeira do eucalipto. (3) Não há previsão de produção de papel nos projetos analisados. ♦ ♦ ♦ Antes de finalizar, deseja-se realçar, brevemente, algumas conclusões que aparecem dispersas no texto. 6 A diferença significativa no aumento estimado da produção de madeira é explicada tanto pelo incremento da área plantada como também, e de forma muito importante, pelos aumentos da produtividade. Estes, por sua vez, podem ser associados tanto a melhorias no processo de produção das mudas de eucalipto e de gestão da silvicultura em geral quanto a fatores naturais, como o clima. Os investimentos associados aos projetos de expansão dos três grupos empresariais levam à estruturação de um considerável setor produtor de celulose e competitivo internacionalmente no Rio Grande do Sul. Isso ocorre dentro de um processo de reorganização espacial da cadeia de celulose e papel em âmbito mundial e nacional, liderado por grandes grupos globalizados e que integra a região sul do Estado ao mercado internacional, na condição de plataforma de exportação da matéria-prima. Tal movimento resulta de estratégias Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 28 empresariais concebidas nos centros de decisão dessas empresas, situados fora do Rio Grande do Sul. Referências ANUÁRIO ESTATÍSTICO DA ABRAF 2007 — Ano-Base 2006. Brasília: Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas, 2007. Disponível em: <http://www.abraflor.org.br/estatisticas.asp>. Acesso em: out. 2007. ARACRUZ CELULOSE. Disponível em: <http://www.aracruz.com.br>. Acesso em: out. 2007. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CELULOSE E PAPEL — BRACELPA. Relatório Estatístico 2006/2007. São Paulo, 2007. CAMBARÁ S.A. PRODUTOS FLORESTAIS. Disponível em: <http://www.ufsm.br/cepef/cambara.html>. Acesso em: out. 2007. IBGE/SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: out. 2007. INFORMATIVO CEPEA — Setor Florestal. São Paulo: ESALQ; CEPEA, ago. 2007. Disponível em: <http://www.cepea.esalq.usp.br/pdf/inform68.pdf>. Acesso em: out. 2007. STORA ENSO COMPANY. Disponível em: <http://www.storaenso.com>. Acesso em: out. 2007. STORA ENSO e Arauco fecham parcerias no Brasil. Valor OnLine, São Paulo, 28 set. 2007a. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br>. Acesso em: out. 2007. STORA ENSO COMPANY. Letter to shareholders. Finlândia, 2006. p. 6. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Stora_Enso>. Acesso em: out. 2007. VOTORANTIM. Disponível em: <http://www.votorantim.com.br/ptb>. Acesso em: out. 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 21-28, fev. 2008 Maria D. Benetti Os investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e a experiência brasileira recente* Beky Moron de Macadar** Os investimentos diretos no exterior (IDEs) são uma estratégia de crescimento já consagrada entre as empresas transnacionais originárias dos países desenvolvidos. Entretanto verificou-se que, na última década, e cada vez mais, a mesma estratégia vem sendo praticada por empresas dos países em desenvolvimento (PEDs), visando aumentar sua competitividade. À medida que as economias em desenvolvimento vão se tornando mais abertas, suas empresas têm que enfrentar a concorrência com as transnacionais de outros países, tanto no mercado interno quanto no externo. Desse modo, os investimentos diretos no exterior aumentaram em importância e estão sendo utilizados com diversas finalidades: contornar as restrições estabelecidas por alguns países sobre produtos importados, fortalecer a competitividade através das economias de escala, usufruir dos efeitos da especialização e do aprendizado, ter acesso aos mercados financeiros internacionais em condições mais favoráveis, ou atingir um patamar tecnológico mais avançado, dentre outros. De fato, o processo de internacionalização das empresas assume duas formas não excludentes: o atendimento de mercados externos via exportação e o investimento direto no exterior, seja para alavancar exportações, seja para implantar unidades produtivas. Freqüentemente, as estratégias para o aumento das exportações via investimento direto no exterior visam superar diversos obstáculos que interferem na ampliação das vendas, tais como barreiras não tarifárias, institucionais ou culturais. Além das despesas em prospecção de mercados, as empresas investem em rede de distribuição, armazenamento do produto, logística de * Artigo recebido em 10 out. 2007. ** E-mail: [email protected] A autora agradece a leitura atenta e crítica, bem como as sugestões, de Álvaro Antônio Louzada Garcia, Sônia Unikowski Teruchkin e Teresinha da Silva Bello, isentando-os por eventuais equívocos remanescentes. Economista e Doutora em Administração transporte e cumprimento de requisitos técnicos ou de demandas específicas do mercado. Uma pesquisa realizada por Iglésias e Veiga (2002) registrou que, de um conjunto de empresas exportadoras brasileiras de capital nacional com investimento direto no exterior, cerca de 85% das filiais são utilizadas em atividades de comércio e distribuição de produtos, enquanto os investimentos em unidades produtivas representam 12% do total da amostra e estão concentrados nos setores têxtil, químico, metalurgia básica e autopeças. Através dessa constatação, pode-se deduzir que uma parte dos investimentos registrados no Banco Central, no setor de serviços, é voltada para dar apoio às exportações de empresas industriais brasileiras (Coutinho; Hiratuka; Sabbatini, 2003). Os objetivos deste trabalho são examinar os dados publicados pela Conferência das Nações Unidas Para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) no World Investment Report 2006 (UNCTAD, 2006) em relação aos investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e analisar a situação do Brasil nesse contexto, utilizando os dados do censo Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen, 2006). As motivações para a internacionalização De acordo com a UNCTAD (2006), a tendência recente à internacionalização de empresas dos países em desenvolvimento é pautada por quatro tipos de fatores. Primeiro, os fatores relacionados com o mercado, que têm um peso importante no estímulo aos investimentos externos. A excessiva dependência do mercado interno, a necessidade de obter novos clientes para produtos especializados e o interesse em superar as barreiras ao comércio exterior encorajam a internacionalização. Segundo, o aumento dos custos de produção no país de origem, principalmente o custo da mão-de-obra, que Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 30 constitui um estímulo adicional à expansão no exterior. Terceiro, as pressões competitivas exercidas pelos fabricantes asiáticos — com seus produtos de mais baixo custo — sobre as empresas de outros países em desenvolvimento, que também impulsionam o deslocamento de investimentos para o exterior. Quarto, as normas do país de origem e do país receptor, bem como as políticas de apoio ao IDE e as privatizações, que são, igualmente, fatores que exercem sua influência nas decisões de investimento no exterior. Ao mesmo tempo em que as empresas transnacionais de alguns países em desenvolvimento se transformam em importantes atores regionais e mundiais, as normas aplicadas pelos países desenvolvidos e pelos países em desenvolvimento aos IDEs vêm sofrendo grandes modificações. Por um lado, há uma maior consciência de que existe uma forte relação entre comércio exterior e investimentos diretos no exterior. Por outro, há um reconhecimento de que a internacionalização é fundamental para o fortalecimento das empresas e para a competitividade dos países em um ambiente onde a concorrência ocorre em nível global (Alem; Cavalcanti, 2005). As empresas de capital nacional com investimentos diretos no exterior pesquisadas por Iglésias e Veiga (2002) manifestaram que as necessidades de logística constituem a principal motivação para realizarem IDE. O segundo fator mais importante consiste no costume das empresas de comprarem, preferencialmente, de outras empresas já instaladas no país. O terceiro fator mencionado é a necessidade de acompanhar as tendências do mercado, para adaptar produtos. Por que a internacionalização das empresas de capital nacional é necessária? Na década de 90, quando começaram a ser sentidos os efeitos da abertura econômica no Brasil, ficou cada vez mais claro que as empresas brasileiras de capital nacional deveriam fazer um esforço para se tornarem competitivas em nível global, visando manter sua participação no mercado interno e ampliar seus negócios no mercado internacional. Através dessa estratégia de internacionalização, o fortalecimento da empresa poderia elevar o número de empregos da economia, ao contrário do que ocorreria, caso uma empresa não internacio- Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 Beky Moron de Macadar nalizada viesse a fechar suas portas pela impossibilidade de concorrer com outras empresas do exterior. Por outra parte, em um ambiente de acirrada concorrência internacional, o desempenho do próprio país depende da competitividade das firmas nacionais em mercados estrangeiros. Assim, a internacionalização das empresas nacionais torna-se fator fundamental para incrementar a competitividade internacional e para promover o desenvolvimento do país, facilitando o acesso a recursos e mercados. As empresas podem responder aos desafios da concorrência utilizando suas vantagens competitivas para se internacionalizarem, usufruindo de vantagens específicas relacionadas com a propriedade de ativos, por exemplo, tecnologias, marcas ou algum outro tipo de propriedade intelectual. Já aquelas empresas cujos ativos são insuficientes para enfrentar a concorrência global podem optar por uma estratégia diferente, adquirindo novos ativos no país de destino, para melhorar sua competitividade, tais como: tecnologias da informação, redes de distribuição, conhecimentos em pesquisa e desenvolvimento e competências na gestão dos negócios que talvez sejam inexistentes no país de origem. De acordo com a UNCTAD (2006), as experiências internacionais dos países tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento evidenciam o efeito positivo da internacionalização sobre as exportações do país de origem dos recursos. Além disso, observa-se uma correlação positiva entre o aumento das exportações da firma doméstica e a participação da produção de suas filiais na sua produção total. A internacionalização das empresas é importante também para garantir e expandir os mercados para seus bens e serviços. Tendo acesso a mercados maiores, as empresas podem usufruir de economias de escala e de escopo e adquirir conhecimentos que lhes permitam reduzir custos, fortalecer suas finanças e reinvestir lucros. Esses benefícios poderão reverter para outras empresas do país de origem, graças aos efeitos de transbordamento, onde a empresa que abre o caminho passa a demandar bens e serviços de outras empresas nacionais, estabelecendo, com isso, novos padrões de qualidade e competitividade. Os investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e a experiência brasileira recente Panorama mundial De acordo com o relatório da UNCTAD (2006), em 2005, o fluxo de investimentos diretos no exterior originários das economias em desenvolvimento alcançou o nível recorde de US$ 133 bilhões, representando 17% do total mundial. A maioria desses investimentos teve como destino outros países em desenvolvimento, favorecendo o crescimento e a interação Sul-Sul. Além disso, entre 1990 e 2005, o número de países em desenvolvimento com um fluxo anual de saída de IDE superior a US$ 5 bilhões aumentou de seis para 25. Essa maior participação das empresas transnacionais dos PEDs reflete o reconhecimento da necessidade de elas se instalarem em alguns países-chave, para manter ou ampliar sua participação de mercado em nível mundial, diante da intensificação da concorrência internacional. De acordo com a UNCTAD (2006), o estoque acumulado de saídas de IDE originadas nos países em desenvolvimento, em 2005, alcançou uma cifra próxima a US$ 1,4 trilhão, ou 13% do total mundial. Nesse mesmo ano, 71% do estoque de investimentos diretos no exterior dos PEDs originou-se de Hong Kong, Ilhas Virgens Britânicas, Federação Russa, Cingapura, Taiwan e Brasil (Tabela 1). Saliente-se que, dentre todos os países latino-americanos listados, o estoque de IDE brasileiro é o mais elevado. Entretanto os fluxos de IDE originários do Brasil são ainda muito pequenos, quando comparados ao tamanho de sua economia e à formação bruta de capital fixo do País. As regiões e as economias de origem das maiores empresas transnacionais dos países em desenvolvimento mudaram muito pouco nos últimos 10 anos, embora as originárias da Ásia em desenvolvimento tenham aumentado sua importância. Em 2004, Hong Kong (China) e Taiwan, juntas, possuíam 40 das 100 maiores transnacionais dos PEDs, seguidas por Cingapura, com 14, e China, com 10. Nesse ano, 77 das 100 maiores empresas transnacionais dos PEDs eram asiáticas. Das outras 23 listadas, 10 eram da África do Sul; oito, do México; três, do Brasil1; uma, da Venezuela; e uma, do Egito (UNCTAD, 2006). Apesar do crescimento acelerado das transnacionais dos PEDs, ainda existe um abismo entre essas 1 As três empresas brasileiras que constam na lista das 100 maiores transnacionais dos PEDs são a Petrobrás, a Companhia Vale do Rio Doce e a Metalúrgica Gerdau S/A, classificadas em 12º, 25º e 33º lugar respectivamente, de acordo com o valor dos ativos externos. 31 e as procedentes de países desenvolvidos. Para ilustrar a diferença, basta mencionar que o conjunto dos ativos externos das 100 maiores transnacionais dos PEDs não conseguiu superar, em 2004, o total de ativos externos da General Electric. Uma parcela significativa dos IDEs é originada em paraísos fiscais, sendo as Ilhas Virgens Britânicas o maior expoente dessas operações. A UNCTAD (2006) estima que, em 2005, US$ 123 bilhões de IDE foram realizados, indiretamente, através dessas ilhas. A circulação de IDE utilizando a intermediação de paraísos fiscais dificulta a elaboração de estatísticas do volume real de investimentos realizados por determinado país ou empresa. Isso também acontece com os IDEs brasileiros, dos quais mais da metade do estoque foi direcionada para esses locais. A UNCTAD (2006) esclarece que nem todos os fluxos de IDE registrados pelos países-hóspedes são recursos externos para investimento nesses países, seja porque podem ter sido originados no próprio país hospedeiro e fizeram a viagem de ida e volta (round-tripping), seja porque estão destinados a serem aplicados como IDE em terceiros países (trans-shipping). O tratamento diferenciado dado por alguns países a investidores estrangeiros em relação aos nacionais e os diferenciais de impostos explicam a existência das viagens de ida e volta. O exemplo mais notável é o da China e de Hong Kong. No caso da China, parte das viagens de ida e volta são realizadas via Hong Kong. Estima-se que entre 25% e 50% dos ingressos de IDE naquele país provêm das próprias empresas chinesas, que visam aproveitar os incentivos governamentais concedidos aos investimentos estrangeiros. Isso explicaria a classificação atingida por Hong Kong como a principal economia dentre os PEDs, em termos de estoque de saída de IDE, em 2005. Uma outra parcela de IDE é investida em holdings ou organizações do gênero, não só em paraísos fiscais, mas também em países desenvolvidos, tais como Luxemburgo, França, Alemanha e Portugal. No caso dos países desenvolvidos, é difícil calcular o percentual de triangulação dos IDE, mas, quando se trata de paraísos fiscais, a UNCTAD (2006) estima que a maior parte dos ingressos é redirecionada para terceiros países. Considerando a dificuldade de acompanhar integralmente a circulação dos IDEs, a UNCTAD (2006) recomenda que a interpretação dos dados leve em consideração essas questões e as complemente com outras informações estatísticas das atividades das transnacionais e de suas filiais, tais como vendas, emprego, comércio e P&D. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 32 Beky Moron de Macadar Quanto às atividades mais procuradas pelos IDEs dos países em desenvolvimento, as preferências recaem sobre o Setor Terciário, tais como o comércio, as finanças e os serviços relacionados com o comércio. Contudo os investimentos no setor manufatureiro e no Setor Primário não são desprezíveis. Tabela 1 Principais economias em desenvolvimento classificadas em função do montante acumulado de saída de IDE — 2005 ORDEM PAÍS VALOR (US$ bilhões) 1° Hong Kong, China ………. 470 2° 3° Ilhas Virgens Britânicas .... Federação Russa .............. 123 120 4° 5° Cingapura ......................... Taiwan .............................. 111 97 6° 7° Brasil ................................. China ................................. 72 46 8° 9° Malásia .............................. África do Sul ..................... 44 39 10° 11° Coréia do Sul .................... Ilhas Cayman .................... 36 34 12° 13° México …………………….. Argentina …………………. 28 23 14° 15° Chile ………………………. Indonésia …………………. 21 14 Outros …………………….. TOTAL ……………………. 122 1 400 FONTE: UNCTAD. World Investment Report 2006: FDI FONTE: from developing and transition economies: implications for development. New York: United FONTE: Nations, 2006. Vantagens e desvantagens dos IDEs Os IDEs dos países em desenvolvimento podem beneficiar não só os países receptores, mas também os países de origem. Na medida em que a empresa se expande no exterior, aumentam o conhecimento adquirido, a experiência e a capacidade de lidar com o resto do Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 mundo. As vantagens específicas podem ser aprofundadas, com reflexos na competitividade e nos resultados. Os IDEs podem ser a forma mais direta de manter e ampliar sua participação de mercado e, quando existem barreiras ao comércio, ou quando a empresa transnacionalizada fornece serviços não comercializáveis, os IDEs podem ser a única forma de ampliar seu mercado em determinados países. As empresas que investem no exterior tendem a ser mais competitivas do que aquelas que servem apenas o mercado interno (Iglésias; Veiga, 2002; Arbix; Salerno; De Negri, 2005; Salerno; De Negri, 2005; Coutinho; Hiratuka; Sabbatini, 2003). Além disso, os benefícios da internacionalização nem sempre se restringem ao país hospedeiro ou às próprias empresas investidoras. O aumento da competitividade e dos lucros poderá transbordar para outras empresas e agentes econômicos do país de origem, tais como universidades e centros de pesquisa, e refletir-se não só na transferência de conhecimentos, mas também no emprego, nas exportações e no balanço de pagamentos. Por outra parte, a saída de IDE não deixa de apresentar alguns riscos potenciais para o país de origem, uma vez que pode ocasionar a redução de exportações e do investimento interno e causar a perda de empregos em alguns setores. Contudo, mesmo quando a instalação de uma unidade produtiva no exterior ocasiona, inicialmente, a redução das exportações da matriz, é possível que, a médio e longo prazos, tal situação seja revertida. Considerando que, no comércio internacional, o intrafirma é uma das categorias que cresce mais rapidamente, existe o potencial de ampliação das exportações do país de origem a partir do comércio entre a matriz e a sua filial. Além disso, é necessário levar em conta os efeitos dinâmicos dos IDEs e a importância destes para a sobrevivência das empresas de capital nacional, o aumento da competitividade do país e a redução da vulnerabilidade externa (Alem; Cavalcanti, 2005). Os IDEs, por exemplo, ao ampliarem os mercados para produtos e serviços das empresas nacionais através das diversas formas de internacionalização, podem proporcionar as condições para se atingirem as economias de escala necessárias para competir globalmente. Além do mais, aqueles países cujos mercados internos são relativamente competitivos e nos quais existe a capacidade para aproveitar tecnologias mais avançadas estão mais aptos a usufruir dos benefícios dos IDEs realizados por suas empresas. Via de regra, no início, o saldo líquido dos fluxos financeiros tende a ser negativo para o país de origem, 33 Os investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e a experiência brasileira recente mas, posteriormente, a situação gradativamente se inverte. O resultado final dos efeitos econômicos e não econômicos no país de origem vai depender da própria economia desse país e dos motivos e das estratégias que levaram as empresas a investirem no exterior.2 Apesar de os IDEs envolverem a saída de capital em direção ao exterior, também podem representar um ingresso de capitais na forma de lucros e royalties por exemplo, bem como contribuir para o aumento das exportações ao país hospedeiro, geralmente através do comércio intra-indústria. Nos casos em que a empresa internacionalizada procura recursos naturais, o investimento no estrangeiro pode gerar, no país de origem, um aumento das importações desses recursos e das exportações dos insumos necessários à sua extração. Quando a procura é por mercados, isso pode favorecer a exportação de produtos intermediários e de bens de capital do país de origem em direção ao país receptor. Se a motivação é a eficiência ou a redução de custos, o investimento pode trazer benefícios tanto às exportações quanto às importações, em função do comércio intrafirma e de atividades de produção internacional integradas. No que diz respeito ao emprego, os resultados também dependem da motivação do investimento. Os IDEs motivados pela busca da eficiência podem acarretar muitos problemas sob a ótica do país de origem. Mesmo quando aumentam a demanda por trabalhadores especializados no país de origem, o efeito sobre os trabalhadores não especializados pode ser negativo. Os dados levantados pela UNCTAD (2006) em relação a algumas economias asiáticas, como Hong Kong e Cingapura, indicam que os investimentos no exterior podem gerar, no país de origem, empregos para técnicos e administradores, mas reduzi-los para os trabalhadores não especializados. Diante das evidências de uma relação custo/ /benefício positiva como resultado dos IDEs das empresas nacionais, os países em desenvolvimento buscam, cada vez mais, eliminar os obstáculos para a saída de IDE. Inclusive, vários governos, principalmente 2 Por exemplo, diante da valorização do real, algumas empresas calçadistas brasileiras emigraram para a China, buscando a redução de custos através do uso da mão-de-obra mais barata nesse país. Em conseqüência, os efeitos imediatos foram o aumento do número de desempregados nas regiões produtoras e a transferência de recursos para o exterior. Entretanto, se as condições locais voltassem a favorecer a produção de calçados no Brasil, algumas empresas voltariam a investir no País, trazendo um acúmulo de conhecimentos adquiridos no exterior que iria aumentar sua competitividade. na Ásia, fomentam suas empresas a investirem no exterior através de uma série de medidas de apoio, tais como o repasse de informações, atividades de intermediação, incentivos financeiros e fiscais e cobertura de seguro para os investimentos no exterior. Embora o Brasil ainda não tenha definido medidas oficiais de apoio à internacionalização das empresas de capital nacional, já assinou acordos de proteção de investimentos com diversos países. Além disso, o BNDES tem uma linha de crédito específica para o financiamento de investimentos ou projetos que contribuam para promover as exportações brasileiras. Os investimentos diretos brasileiros no exterior Diversas pesquisas confirmaram os benefícios trazidos pelos IDEs e a relação positiva entre IDE e exportações. No entanto, os IDEs das empresas brasileiras de capital nacional ainda são muito baixos. Iglésias e Veiga (2002) atribuem esse fato a três fatores: ao processo macroeconômico, pouco favorável ao aumento do investimento global da economia; a algumas características das exportações brasileiras (tipo de produto exportado, origem do capital dos exportadores em que são necessários os investimentos, concentração de destinos); e ao baixo coeficiente de exportação da maioria dos exportadores brasileiros de manufaturados. A pesquisa de Iglésias e Veiga (2002) também mostrou que o principal motivo pelo qual 40% das empresas exportadoras de capital nacional da amostra não investem no exterior é porque não têm necessidade, seja pelas características do produto exportado (commodities por exemplo), seja pelas características do mercado de destino, seja por fatores sobre os quais a empresa não tem controle. As empresas brasileiras acumulam ativos específicos, que estão relacionados à maior dotação de recursos naturais e à mão-de-obra da economia brasileira, quando comparada com outras economias. Nos segmentos industriais mais intensivos nesses fatores de produção, a capacidade de diferenciação do produto e a inovação da firma tendem a ser menores, portanto, os ativos específicos que viabilizam a internacionalização da empresa são a escala de produção e o know-how de produzir bens padronizados de menor custo e preço. Pesquisa realizada por Salerno e De Negri (2005) confirma que a escala de produção das firmas brasileiras com investimento direto no exterior é significativamente Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 34 superior à daquelas que não investem no exterior e, inclusive, superior à das firmas transnacionais. Arbix, Salerno e De Negri (2005, p. 184), por sua vez, testando, através de um modelo econométrico, os fatores explicativos da probabilidade de a firma industrial brasileira realizar investimentos no exterior, concluíram que “[...] a inovação tecnológica de produto novo para o mercado é positiva e fortemente correlacionada com a condição de as firmas industriais brasileiras realizarem ID [investimento direto]”. Prochnik, Esteves e Freitas (2006) testaram e comprovaram para o Brasil que as empresas industriais de capital brasileiro que realizam IDE têm produtividade muito mais elevada que as congêneres que somente exportam. A produtividade destas últimas, por sua vez, é significativamente maior que a daquelas que não exportam nem investem. Os autores concluem que “[...] a estratégia de inovação, a política de recursos humanos das empresas e o seu porte e produtividade são dimensões relevantes para explicar o grau de internacionalização das firmas brasileiras” (Prochnik; Esteves; Freitas, 2006, p. 342) e ressaltam que a variável mais importante é o percentual de pessoas ocupadas em P&D. Com base no censo Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen, 2006) — série iniciada pelo Banco Central a partir da declaração de 2001 —, é possível analisar, em detalhe, algumas características das operações internacionais de empresas brasileiras. Conforme os dados censitários de 2001 a 2005, os capitais brasileiros no exterior passaram de US$ 68,6 bilhões para US$ 111,7 bilhões. Desses totais, a parcela correspondente ao estoque de investimento direto brasileiro no exterior aumentou de US$ 49,7 bilhões para US$ 79,3 bilhões, considerando as participações no capital de empresas no exterior superiores a 10%, além dos empréstimos intercompanhia (Tabela 2). No que se refere ao ramo de atividade receptora dos investimentos brasileiros diretos, o censo de 2005 — repetindo o padrão de anos anteriores — evidencia a absoluta predominância do investimento em serviços (91%), sendo intermediação financeira e atividades auxiliares da intermediação financeira, seguros e previdência complementar responsáveis por 49,1% do total. Quanto aos serviços prestados às empresas, predominam, nessa rubrica, que representa 36,1% dos IDEs em serviços, as despesas na constituição de holdings no exterior, para administrar os negócios internacionais de instituições financeiras e empresas. Investimentos diretos declarados como sendo destinados especificamente à indústria totalizavam Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 Beky Moron de Macadar apenas US$ 5,2 bilhões em 2005 (cerca de 8% dos IDE), dos quais US$ 3,4 bilhões foram para a indústria extrativa, e US$ 1,8 bilhão, para a indústria de transformação. A construção civil, que, em 2002, representava 3,5% dos IDEs, teve sua participação reduzida para 0,9%. Esses dados confirmam que os investimentos produtivos brasileiros no exterior são muito baixos e que a maior parte dos investimentos registrados no Banco Central está direcionada aos serviços de intermediação financeira e aos serviços prestados às empresas. Confrontando as informações dos ramos de atividade com as informações sobre os países de destino do investimento, infere-se que uma elevada parcela dos investimentos diretos brasileiros no exterior está relacionada, em todos os anos censitários, com a busca de ganhos de capital através de vantagens fiscais, cambiais e financeiras em paraísos fiscais. Prova disso é que — repetindo o comportamento dos censos anteriores —, no censo de 2005, três dos quatro principais países detentores do estoque de IDEs brasileiros são paraísos fiscais: as Ilhas Cayman na liderança (com US$ 15,1 bilhões), seguidas pela Dinamarca (US$ 9,5 bilhões), Ilhas Bahamas (US$ 7,5 bilhões) e Ilhas Virgens Britânicas (US$ 7,3 bilhões). Esses quatro países eram responsáveis por 60,2% do estoque total de investimentos diretos brasileiros no exterior, em 2005, mas tudo leva a crer que boa parte desses recursos foi redirecionada para outros países. Estados Unidos, Luxemburgo, Espanha, Argentina e Uruguai são países que também mantêm importantes estoques de IDE brasileiro. No que diz respeito aos empréstimos intercompanhias, em 2005, 82,3% do total continuaram concentrados nas Ilhas Cayman, no valor de US$ 11,4 bilhões. Não obstante o Banco Central ainda não ter divulgado os dados censitários para o ano de 2006, as informações constantes no Boletim do Bacen (2007) permitem inferir algumas informações relevantes sobre os IDEs. A constituição líquida de novos investimentos brasileiros diretos no exterior, em 2006, atingiu o valor recorde de US$ 28,2 bilhões, influenciada por uma megaoperação no setor de mineração.3 Com isso, os fluxos de IDE superaram, pela primeira vez, a entrada de investimentos estrangeiros diretos no País, cujos 3 O resultado de 2006 foi marcado pela compra da mineradora canadense Inco por parte da Companhia Vale do Rio Doce. A operação, pelo valor de US$ 17,8 bilhões, representou, aproximadamente, 65% do total dos investimentos diretos brasileiros no exterior, nesse ano. 35 Os investimentos diretos no exterior dos países em desenvolvimento e a experiência brasileira recente ingressos líquidos totalizaram US$ 18,8 bilhões. Do total das remessas líquidas, US$ 23,4 bilhões referiram-se a aumento de participações no capital, enquanto os empréstimos de empresas brasileiras a subsidiárias no exterior alcançaram o valor de US$ 4,8 bilhões. Nos primeiros seis meses de 2006, o resultado líquido dos investimentos diretos brasileiros no exterior apresentou uma saída líquida de capital da ordem de US$ 4,5 bilhões, ao contrário do primeiro semestre de 2007, quando o retorno desses investimentos ultrapassou a saída, resultando em uma entrada líquida de US$ 3,5 bilhões. Entretanto o comportamento das participações no capital não se alterou substancialmente no primeiro semestre de 2007, em relação ao mesmo período do ano anterior, visto que, em ambos os períodos, houve uma saída líquida de US$ 4,6 bilhões e US$ 4,5 bilhões respectivamente. A principal diferença ocorreu nos empréstimos intercompanhias, onde as subsidiárias de empresas brasileiras no exterior reverteram a direção dos fluxos de anos anteriores e, no lugar de tomar emprestado da matriz, passaram a fornecer recursos para a mesma. Assim, no primeiro semestre de 2007, houve um ingresso líquido de empréstimos intercompanhias de US$ 8,0 bilhões, enquanto, no mesmo período de 2006, essa conta apresentou um saldo líquido de apenas US$ 23 milhões. Tal comportamento estaria sinalizando a busca de vantagens financeiras na arbitragem cambial e no diferencial de juros, mais elevados no Brasil do que no exterior. Tabela 2 Estoque de investimento direto no exterior do Brasil — 2001-05 DISCRIMINAÇÃO 2001 2002 2003 2004 2005 TOTAL ........................................................................................ Investimento direto (participação acionária superior a 10%) ...... Empréstimos intercompanhia (1) ................................................ 49 689 42 584 7 104 54 423 43 397 11 026 54 892 44 769 10 123 69 196 54 027 15 169 79 259 65 418 13 842 FONTE: Banco Central do Brasil. (1) Inclui empréstimos, financiamento e leasing e/ou arrendamento. Considerações finais O aumento dos IDEs dos países em desenvolvimento está produzindo a emergência de novos atores transnacionais de peso, que disputam espaços antes ocupados de forma quase inconteste pelas transnacionais dos países desenvolvidos. Os países da Ásia são os participantes mais ativos na corrida pela internacionalização de suas empresas e estão vários passos à frente em relação ao Brasil e a outros países latino-americanos. Embora a internacionalização de empresas brasileiras tenha avançado bastante nos últimos anos, como mostram os dados censitários do Capitais Brasileiros no Exterior (Bacen, 2006), os IDEs ainda continuam sendo pequenos em relação ao PIB e à formação bruta de capital fixo do País. A forte heterogeneidade estrutural prevalecente na economia brasileira manifesta-se nas significativas diferenças de produtividade entre as empresas que não se internacionalizam, aquelas que apenas exportam e as que investem no exterior. Além das persistentes incertezas macroeconômicas da economia brasileira, das características do comércio exterior do País e da baixa relação entre exportações e faturamento das empresas, outros aspectos devem ser considerados: é possível que as restrições mais relevantes para a maior internacionalização das empresas brasileiras sejam sua baixa capacidade de poupança interna, as restrições do mercado de capitais doméstico e as dificuldades de acesso ao financiamento externo. Além disso, o Brasil, por ser um país continental, ainda continua tendo uma economia relativamente fechada, quando comparada com a de outros PEDs. Apesar da abertura econômica praticada a partir dos anos 90, a maior parte das empresas está voltada para o mercado interno. Para que as empresas exportadoras brasileiras de capital nacional intensifiquem seus IDEs, a parcela das exportações em relação ao faturamento Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 29-36, fev. 2008 36 Beky Moron de Macadar necessariamente terá que ser muito mais significativa. Ademais, maior investimento em inovação de produtos e processos, bem como uma oferta mais diversificada de produtos exportados, são condições sine qua non para o aumento de ativos proprietários que sustentem a competitividade dessas empresas no exterior. PROCHNIK, Victor; ESTEVES, Luiz Alberto; FREITAS, Fernando Morais de. O grau de internacionalização das firmas industriais brasileiras e suas características microeconômicas. In: DE NEGRI, João Alberto; ARAÚJO, Bruno César Pino Oliveira de (Org.). As empresas brasileiras e o comércio internacional. Brasília: IPEA, 2006. p. 341-369. Referências SALERNO, Mario Sérgio; DE NEGRI, João Alberto. Inovação, estratégias competitivas e inserção internacional das firmas da indústria brasileira. Parcerias Estratégicas, n. 20, p. 1309-1333, jun. 2005. ALEM, Ana Claudia; CAVALCANTI, Carlos Eduardo. O BNDES e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras: algumas reflexões. Revista do BNDES, Brasília, v. 12, n. 24, dez. 2005. ARBIX, Glauco; SALERNO, Mario S.; DE NEGRI, João A. Inovação, via internacionalização, faz bem para as exportações brasileiras. Brasília: IPEA, 2004. (Texto para discussão, n. 1023). ARBIX, Glauco; SALERNO, Mario S.; DE NEGRI, João A. Internacionalização gera emprego de qualidade e melhora a competitividade das firmas brasileiras. In: DE NEGRI, João A.; SALERNO, Mario S. (Org.). 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World Investment Report 2006: FDI from developing and transition economies: implications for development. New York: United Nations, 2006. Indústria em 2007: produção e produtividade do trabalho em alta 37 Indústria em 2007: produção e produtividade do trabalho em alta* Silvia Horst Campos** O terceiro trimestre de 2007 foi conturbado em termos do cenário financeiro internacional. Após um período favorável, propiciado, em parte, pela trajetória das taxas de juros de longo prazo norte-americanas e pelo bom crescimento do comércio mundial e das economias emergentes, eclodiu uma forte turbulência financeira, decorrente da inadimplência no crédito imobiliário de maior risco, nos Estados Unidos, com prováveis repercussões sobre o lado real da economia. O desempenho da economia brasileira até o início do mês de outubro, contudo, dava sinais de não ter sido muito afetado pela crise financeira internacional, mesmo porque esta ainda não se havia alastrado efetivamente para o lado real da economia. Com relação à indústria, os parâmetros estabelecidos pela política econômica garantiram, em grande parte, a expansão do nível de atividade industrial em 2007. Fatores como a continuidade da trajetória de redução da taxa de juros básica (Selic), a ampliação do gasto público, a expansão do crédito, o aumento da renda e a elevação dos investimentos produtivos, dentre outros, foram decisivos para a sustentação da taxa de crescimento acumulada no ano até agosto. Neste artigo, efetuam-se inicialmente breves comentários sobre a conjuntura econômica nacional e faz-se a análise dos principais indicadores de desempenho da indústria. Na seqüência, examina-se o comportamento da indústria gaúcha em comparação com o da indústria brasileira, finalizando com uma análise da evolução recente da produtividade do trabalho em nível global e das atividades industriais. Economista da FEE e Professora da FACE-PUCRS Conjuntura nacional e desempenho da indústria brasileira O bom resultado do PIB no segundo trimestre e as projeções de crescimento em 2007, juntamente com o comportamento da indústria geral — Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física (PIM-PF) — em agosto, alimentaram o otimismo presente em diversos segmentos da sociedade brasileira, em torno do atual ciclo expansivo da economia nacional. Esse ciclo é o terceiro desde 1999, o quinto desde a implementação do plano Real e, tal como os demais, também tem a política monetária como seu principal determinante, sendo a atividade econômica extremamente sensível à taxa de juros (Prates, 2007). Um aspecto a ser destacado refere-se ao incremento mais acentuado da demanda interna (consumo mais investimento), bastante alimentado pela expansão das importações, impulsionadas pela valorização cambial. Majoritariamente de bens intermediários e de bens de capital, representando, respectivamente, 59,5% e 13,9% do total importado no acumulado de janeiro a agosto,1 essas importações, de um lado, fazem parte de um conjunto de estratégias adotadas pelo setor empresarial na tentativa de compensar parte da perda de competitividade do produto brasileiro decorrente da desvalorização do dólar frente ao real e, de outro, porém, significam que uma parte representativa da demanda não vem sendo suprida por incremento da produção interna de bens industriais. Além do papel das importações, destaca-se, 1 * Artigo recebido em 31 out. 2007. **E-mail: [email protected] A autora agradece à colega Clarisse Chiappini Castilhos os comentários efetuados à versão preliminar deste artigo e ao estagiário em Economia Gustavo Meira Carneiro o apoio técnico na elaboração das tabelas e gráficos. Essa situação é diferente da ocorrida em 2000 e 2004, quando o crescimento do PIB superou o da demanda doméstica, tendo sido acompanhado por uma expansão das exportações superior à das importações (Prates, 2007). Conforme a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), as importações brasileiras cresceram 27,8% nos primeiros oito meses de 2007, na comparação com o mesmo período em 2006, com uma taxa de crescimento 11,6 pontos percentuais maior que a expansão de 16,2% das exportações (B. Com. Ext., 2007). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 38 Silvia Horst Campos ainda, a contribuição fortemente positiva da formação bruta do capital fixo, do aumento do mercado interno — estimulado pela expansão do crédito, pela redução dos juros e pelo alongamento dos prazos de financiamentos — e da ampliação do gasto público (Lanzana, 2007). As projeções de crescimento do PIB em 2007 apontam uma taxa de até 5%, em parte apoiada no desempenho da indústria, um importante indicador antecedente do PIB.2 De fato, a comparação das taxas de crescimento desses dois agregados mostra uma evolução quase sempre na mesma direção, embora em patamares diferentes. A trajetória ascendente dos indicadores de produção física acumulados mensalmente ao longo do ano, calculados pelo IBGE, chegando a agosto com acréscimos de 5,3% para o período de janeiro a agosto e de 4,5% para os últimos 12 meses, e continuando a tendência de recuperação iniciada no segundo semestre de 2006, serve de base para a referida projeção de expansão do PIB. Esse comportamento favorável da indústria brasileira no período jan.-ago./07 foi fortemente influenciado pelos avanços de 17,6% na produção de bens de capital, principalmente máquinas e equipamentos agrícolas e equipamentos industriais, e de 6,9% na fabricação de bens de consumo duráveis, impulsionados pelo aumento na produção de veículos automotores. Ambos os setores vêm sendo beneficiados pelo incremento da demanda interna e pela melhora das expectativas dos empresários. Também com taxas positivas, porém inferiores à média global de 5,3%, tem-se a produção de bens intermediários (4,2%) e a de bens de consumo semi e não duráveis (3,2%) (Indic. IBGE, 2007). Por sua vez, na série livre de influências sazonais, no mês de agosto, manteve-se a trajetória de crescimento da indústria geral brasileira (quebrada apenas no mês de julho), tendo crescido 1,3% frente a julho, reflexo de taxas positivas observadas em 17 dos 22 ramos considerados na pesquisa. O bom desempenho medido pelos indicadores do IBGE também foi acompanhado pelos dados gerados pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Todas as variáveis pesquisadas pela instituição registraram variação positiva no acumulado de jan.-ago./07, frente ao mesmo período do ano anterior (Indic. Industr., 2007). O destaque 2 A indústria, em especial a de transformação, é considerada um indicador antecedente do PIB, devido às suas características de produção. Além disso, é o “[...] segmento cujo crescimento exerce maior poder de alavancar o crescimento dos demais setores e, portanto, com mais potencial para contribuir para o crescimento da produtividade da economia” (Primeiro..., 2007, p. 1). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 é o comportamento das vendas reais da indústria, que cresceram 4,3% nessa comparação, acompanhadas pela expansão das horas trabalhadas na produção, embora com taxas levemente inferiores, e pelo aumento no nível de utilização da capacidade instalada da indústria nacional para 83,6%, um nível considerado “[...] baixo demais para ameaçar a inflação, mas alto o bastante para incentivar novas decisões de investir” (Indústria..., 2007, p. 1). Esse crescimento da indústria no Brasil tem sido acompanhado por um aumento expressivo na produtividade do trabalho. Como se sabe, a modernização do processo produtivo faz-se usualmente com a incorporação de tecnologia mais sofisticada, que garante uma maior produção com menor necessidade de mão-de-obra. Produção e produtividade do trabalho na indústria gaúcha A indústria de transformação no Rio Grande do Sul apresentou, em agosto, variação negativa de 0,2% em relação ao mês anterior, no qual havia crescido 0,5%, na série livre de influências sazonais. Contudo, nas comparações com o ano anterior, os resultados têm sido sempre positivos, confirmando a trajetória de recuperação da indústria gaúcha e desfazendo a imagem altamente desfavorável de 2006, quando o RS foi o que menos cresceu dentre os estados brasileiros pesquisados pelo IBGE. De fato, na comparação com o ano anterior, no mês de agosto de 2007, houve um crescimento de 6,0%, e o resultado acumulado no período jan.-ago./07 avançou 8,1%. Por sua vez, a taxa anualizada, indicador acumulado nos últimos 12 meses, confirma a trajetória ascendente que se vinha mostrando nos últimos meses, crescendo inclusive mais do que a indústria brasileira desde junho do ano em curso, conforme pode ser visualizado no Gráfico 1. Mas foi só depois de um longo período de taxas anualizadas negativas (jul./05-mar./07) que a indústria de transformação gaúcha passou a refletir a melhoria do desempenho mensal, já detectado na série livre de influências sazonais. A obtenção de uma boa safra agrícola em 2007, além das excelentes perspectivas para 2008, aliada à melhoria da renda agrícola em razão da recuperação desse setor (intensamente afetado pela seca do verão de 2005), a queda da taxa de juros, a expansão do crédito (novas linhas e melhores condições de Indústria em 2007: produção e produtividade do trabalho em alta financiamento), o aumento do emprego, da massa de rendimentos real e da renda interna e o bom desempenho das exportações destacam-se como os principais responsáveis pela atual recuperação da indústria gaúcha. E o desempenho poderia ser melhor, se não fosse a manutenção da valorização cambial, que, devido à existência de importantes atividades produtivas com grande inserção no comércio internacional, tem restringido o seu crescimento. No âmbito das atividades pesquisadas, considerando-se todos os indicadores, conforme apresentado na Tabela 1, destacam-se refino de petróleo e álcool, máquinas e equipamentos e fabricação de veículos automotores. Em termos de produtos, têm-se, respectivamente, produção de gasolina, naftas para petroquímica, ferramentas hidráulicas de motor não elétrico, semeadores, automóveis e semi-eixos e outras peças para transmissão. As maiores quedas ocorreram em fumo, couro e calçados, celulose, produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos e mobiliário. A pior situação é a da fabricação de calçados e artigos de couro, uma atividade duramente atingida pela valorização do real e que tem tido a sua competitividade afetada no mercado internacional, devido à ameaça representada pelos produtos asiáticos, principalmente chineses, muito mais baratos. Uma estratégia adotada pelos empresários do setor é a produção de sapatos de maior valor agregado, comercializados em faixas de preço mais elevadas, com marca própria, ou sob o conceito de marca Brasil. A performance relativamente positiva da indústria gaúcha em 2007 também repercutiu favoravelmente sobre os índices locais de produtividade industrial. Medida pela razão entre o índice da quantidade de itens produzidos e o índice do número de horas pagas, ela aumentou 9,3%, nos primeiros oito meses de 2007, no Rio Grande do Sul, um resultado 4,2 pontos percentuais superior ao do mesmo período em 2006, conforme pode ser observado na Tabela 2. De modo geral, contribuiu para esse desempenho, além do crescimento econômico, a adoção de políticas e estratégias empresariais que buscam ampliar a absorção de tecnologia, maior incentivo à inovação, maior inserção exportadora e produtiva na economia mundial. Esse aumento, que supera, inclusive, o obtido em 2004, ano em que a produção física industrial gaúcha cresceu 6,4%, e a produtividade, 7,1%, deve ser creditado, em larga medida, à expansão da produção industrial (8,1%), tendo em vista a redução no indicador de horas pagas (-1,1%). Trata-se de uma situação diferente da observada na indústria de transformação nacional, onde 39 o crescimento da produtividade acumulado no ano (3,9%), quase um ponto percentual acima do aumento médio de 3% nos últimos quatro anos, se deu com ampliação dessas duas variáveis e também do pessoal ocupado assalariado. O crescimento mais intenso da produção industrial em 2007, em detrimento da expansão do emprego, vem sendo impulsionado pelo bom desempenho das atividades menos intensivas em mão-de-obra, tais como máquinas e equipamentos, veículos automotores e refino de petróleo e álcool. Os investimentos em bens de capital, particularmente, aumentam a capacidade instalada, mas também modernizam seus equipamentos, conseqüentemente afetando a geração de novos postos de trabalho. Além disso, há que se considerar a substituição de bens industriais antes produzidos internamente por importados, favorecida pelo câmbio valorizado, diminuindo a demanda de mão-de-obra do setor industrial. É importante lembrar, também, que o emprego costuma apresentar uma reação defasada com relação ao aumento da produção industrial, pois depende, dentre outros fatores, da confiança dos empresários na continuidade do crescimento da economia (Salgado, 2007). Os resultados negativos relativos ao pessoal ocupado assalariado e ao número de horas pagas na indústria de transformação gaúcha de janeiro a agosto de 2007, que se somam ao fraco desempenho do ano anterior, contudo, têm sido compensados pelo crescimento da renda dos trabalhadores no setor. A folha de pagamentos real, que é um indicador da evolução dos salários industriais, já cresceu 7,2% entre janeiro e agosto deste ano, na comparação com o mesmo período de 2006. O crescimento da produtividade industrial no Rio Grande do Sul ocorreu em sete das 10 atividades pesquisadas, cinco delas acompanhadas de incrementos na produção física, mas apenas uma delas — veículos automotores — experimentou também expansão no número de horas pagas. Essa constatação reforça o argumento de que a elevação da produtividade na indústria de transformação gaúcha vem acontecendo em razão de um processo de expansão da produção física, conforme pode ser observado nas Tabelas 1 e 2. Os maiores acréscimos de produtividade ocorreram em refino de petróleo e álcool (50,5%), máquinas e equipamentos (33,3%), veículos automotores (17,4%) e borracha e plástico (10,2%), que são os ramos em que se observaram excepcionais taxas de crescimento da produção física nos primeiros oito meses de 2007 (com exceção de borracha e plástico) e que respondiam por cerca de 25% do valor da transformação industrial (VTI) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 40 Silvia Horst Campos do Rio Grande do Sul, medido pela Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE) de 2005 (Indic. IBGE, 2007). Fatores como o aumento da capacidade instalada, em decorrência de investimentos realizados, a recuperação da agropecuária, a recomposição da renda do produtor rural, a diminuição das taxas de juros e as condições favoráveis do crédito têm impulsionado a produção nessas atividades industriais. Também com acréscimos de produtividade, embora abaixo da média da indústria de transformação, situam-se fabricação de fumo (7,0%), calçados e artigos de couro (7,6%) e metalurgia básica (8,7%). Principalmente com relação às duas primeiras atividades, que contribuem com 15,1% do VTI, é preciso cuidado no exame do significado desses incrementos de produtividade. Na verdade, tanto a produção física quanto o número de horas diminuíram expressivamente no período em análise, sendo um reflexo da situação de crise por que passam essas indústrias. A valorização da taxa de câmbio iniciada no segundo semestre de 2004 e intensificada em 2007 afetou notadamente o seu desempenho, tendo em vista o seu perfil marcadamente exportador no Rio Grande do Sul. Sobressai aqui o caso da indústria coureiro-calçadista, pelo seu enorme potencial gerador de empregos, uma vez que emprega 25,9% da mão-de-obra industrial, segundo a PIA de 2005, e que vem desempregando nos últimos dois anos, face à diminuição das quantidades produzidas para exportação. O último grupo é composto por aquelas atividades com taxas negativas de variação da produtividade (alimentos e bebidas (-4,5%), outros produtos químicos (-7,1%) e produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos (-31,4%)), que, juntas, respondiam por 36,5% do VTI e por 26,3% do pessoal ocupado na indústria do Estado, em 2005. Nesses casos, foi observada uma expansão maior no número de horas pagas, acompanhada de uma evolução também positiva no emprego industrial. O conjunto de resultados positivos da indústria de alimentos e bebidas é significativo para a economia gaúcha, por ser uma importante empregadora de mão-de-obra e, conforme alertam Breitbach e Castilhos (2007, p. 78), “[...] pelo fato de ser uma atividade relativamente bem distribuída no território, contribuindo para o dinamismo das economias locais”. Gráfico 1 Taxas de crescimento da produção física da indústria de transformação do Brasil e do Rio Grande do Sul — jan./04-ago./07 (%) Legenda: Brasil RS FONTE: IBGE. Produção Física Industrial; número-índice (2006/2007). Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: FONTE: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2007. NOTA: Os índices são acumulados dos últimos 12 meses. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 Jul./07 Maio/07 Mar./07 Jan./07 Nov./06 Set./06 Jul./06 Maio/06 Mar./06 Jan./06 Nov./05 Set./05 Jul./05 Maio/05 Mar./05 Jan./05 Nov./04 Set./04 Jul./04 Maio/04 Mar./04 Jan./04 10 8 6 4 2 0 -2 -4 -6 Indústria em 2007: produção e produtividade do trabalho em alta 41 Tabela 1 Taxas de crescimento da produção física, por seções e atividades da indústria, no Rio Grande do Sul — ago./06 e ago./07 (%) ACUMULADA NO ANO MENSAL (1) ACUMULADA EM 12 MESES ATIVIDADES INDUSTRIAIS Ago./06 Ago./07 Jan.-Ago./06 Jan.-Ago./07 Até Ago./06 Indústria de transformação ..................................... -2,5 6,0 -3,5 8,1 -3,6 Alimentos e bebidas ................................................ 9,4 -1,2 5,8 4,0 5,7 Fumo ....................................................................... -14,2 -27,7 -8,8 -5,9 -7,0 Calçados e artigos de couro ................................... -1,6 -3,9 -7,8 -10,0 -10,8 Celulose, papel e produtos de papel ....................... 7,8 -9,3 5,1 -4,0 1,3 Edição, impressão e reprodução de gravações ...... 21,8 -19,4 -3,8 4,2 -2,5 Refino de petróleo e álcool ..................................... -13,3 44,6 -9,5 41,4 -0,3 2,4 -2,9 -1,2 2,9 -2,4 Outros produtos químicos ....................................... Borracha e plástico ................................................. 8,4 4,1 4,8 6,1 1,4 Metalurgia básica .................................................... -12,0 13,6 -0,7 8,0 -1,4 Produtos de metal — exclusive máquinas e equi8,3 -12,2 -1,3 -11,2 pamentos ................................................................ -18,0 Máquinas e equipamentos ...................................... -16,6 35,0 -18,2 31,8 -17,7 Veículos automotores ............................................. 1,1 30,8 3,6 29,6 1,4 Mobiliário ................................................................. 0,5 -3,2 3,0 -1,9 -3,0 FONTE: IBGE. Produção Física Industrial; número-índice (2006/2007). Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2007. (1) Sem ajustamento sazonal; os dados têm como base igual mês do ano anterior. Até Ago./07 5,8 3,9 -4,7 -10,3 -2,1 3,8 30,2 3,5 7,0 5,4 -3,2 14,3 24,5 1,8 Tabela 2 Taxas de crescimento da produtividade industrial na indústria de transformação, segundo as atividades, no Brasil e no Rio Grande do Sul — jan.-ago./06 e jan.-ago./07 (%) BRASIL ATIVIDADES INDUSTRIAIS Produtividade (1) Jan.-ago./06 Indústria de transformação ........ 2,5 Alimentos e bebidas .................. -4,3 Fumo ......................................... 11,5 Calçados e artigos de couro ...... 4,5 Refino de petróleo e álcool ........ -8,7 Outros produtos químicos .......... -4,1 Borracha e plástico .................... 4,2 2,3 Metalurgia básica ....................... Produtos de metal — exclusive máquinas e equipamentos ........ 0,2 Máquinas e equipamentos ......... 9,1 Veículos automotores ................ -0,8 Jan.-ago./07 RIO GRANDE DO SUL Produtividade (1) Jan.-ago./06 Indicadores (jan.-ago./07) Jan.-ago./07 Produção física Número de horas pagas Folha de pagamento real Pessoal ocupado assalariado 3,9 -1,5 7,3 5,6 -7,2 3,7 4,2 2,0 5,1 9,0 -0,8 5,6 -12,3 0,7 19,7 3,1 9,3 -4,5 7,0 7,6 50,5 -7,1 10,2 8,7 8,1 4,0 -5,9 -10,0 41,4 2,9 6,1 8,0 -1,1 8,9 -12,1 -16,3 -6,0 10,9 -3,7 -0,7 7,2 11,7 -14,3 -5,1 8,6 23,9 8,1 -3,5 -0,9 6,6 -10,2 -13,3 3,2 11,9 -3,5 -2,5 -0,3 11,9 5,2 -4,5 -9,1 3,4 -31,4 33,3 17,4 -1,3 31,8 29,6 43,9 -1,1 10,4 44,3 5,0 13,9 32,1 -0,5 7,3 FONTE: IBGE. Produção Física Industrial; número-índice (2006/2007). Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: FONTE: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2007. FONTE: IBGE. Pesquisa Industrial Mensal: emprego e salário (PIMES); número-índice (2006/2007). Rio de Janeiro: IBGE. Disponível em: FONTE: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: 13 out. 2007. (1) Produção física/horas pagas. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 42 Silvia Horst Campos Considerações finais INDÚSTRIA — o crescimento é o mais importante. Análise IEDI, São Paulo, n. 2, out. 2007. O desempenho das indústrias brasileira e gaúcha nos primeiros oito meses de 2007 — respectivamente, 5,3% e 8,1% — mostrou recuperação frente ao mesmo período em 2006, num contexto de uma política macroeconômica que favoreceu a atividade industrial, exceção feita aos segmentos que enfrentam perdas de competitividade decorrentes do processo de valorização cambial em curso. A análise setorial dos resultados deixou evidente que o aumento da produtividade tem relação com o crescimento da produção. No Rio Grande do Sul, isso é particularmente visível, mesmo porque aqui não houve expansão das horas pagas na mesma intensidade do ocorrido na indústria brasileira. Tanto o aumento da produção industrial quanto o de produtividade ocorreram nas três atividades que alavancaram o desempenho da indústria gaúcha (onde também houve redução ou um acréscimo menor das horas pagas): refino de petróleo e álcool, máquinas e equipamentos e veículos automotores. Dentre os fatores que impulsionaram essa expansão, destacam-se a queda na taxa de juros, a melhoria das condições de crédito, o aumento da massa de rendimentos real, a ocorrência de uma boa safra agrícola em 2007 e a também muito importante elevação de investimentos produtivos na economia brasileira. LANZANA, Antonio. Nível de atividade. Informações Fipe, São Paulo, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, n. 324, p. 8-10, set. 2007. Referências BOLETIM DE COMÉRCIO EXTERIOR. Rio de Janeiro: FUNCEX, ano 11, n. 9, set. 2007. BOLETIM DE CONJUNTURA. Rio de Janeiro: IPEA, n. 78, set. 2007. BREITBACH, Áurea C. de M.; CASTILHOS, Clarisse C. Indústria: sinalização de mais uma década perdida? Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 34, n. 4, p. 73-82, mar. 2007. IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 13 out. 2007. INDICADORES IBGE: pesquisa industrial mensal: produção física Brasil. Rio de Janeiro, ago. 2007. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores>. Acesso em: 08 out. 2007. INDICADORES INDUSTRIAIS: Sumário Executivo. Brasília: CNI, ano 18, n. 8, ago. 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 37-42, fev. 2008 PRATES, Caio. Panorama macroeconômico. Economia & Conjuntura, Rio de Janeiro, UFRJ, Instituto de Economia, ano 7, n. 83, p. 5-16, set. 2007. PRIMEIRO semestre de produtividade industrial em alta. Carta IEDI, n. 279, set. 2007. SALGADO, Raquel. Produtividade cresce 3,9% até agosto com alta do emprego. Valor Econômico, São Paulo, p. A5, 16 out. 2007. 43 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Tópicos regionais Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05* Sheila S. Wagner Sternberg** O presente artigo, que faz um balanço da evolução do mercado de trabalho formal no Rio Grande do Sul, no período 1994-05, contemplando as distintas trajetórias regionais, integra o projeto intitulado Identificação e Regionalização das Estruturas Produtivas e Padrões Dinâmicos dos Municípios e Territórios do Rio Grande do Sul na Transição Para o Século XXI1, desenvolvido no Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos da FEE. Os resultados apresentados procuram contribuir para o entendimento da dinâmica recente do emprego formal no Estado, identificando os setores de atividade e as regiões nas quais vem ocorrendo a geração, ou a destruição, de postos de trabalho. O tratamento analítico considera as 35 microrregiões da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2 que compõem o RS como unidade de análise e vale-se da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), uma base de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que fornece informações sobre o emprego formal em 31 de dezembro de cada ano. Ainda que restrita ao mercado formal de trabalho, essa base apresenta informações bastante detalhadas sobre essa parcela de trabalhadores, contemplando classificações setoriais, atributos dos trabalhadores, rendimento, dentre outros, constituindo-se em fonte valiosa e, por isso mesmo, obrigatória para se conhecer a dinâmica do emprego. Além disso, por permitir a abertura dos dados no nível dos municípios, possibilita a * Artigo recebido em 04 out. 2007. ** E-mail: [email protected] A autora agradece a cuidadosa leitura e as sugestões dos colegas Maria Isabel H. da Jornada, Guilherme Xavier de F. Sobrinho, Mirian R. Koch, Ricardo Brinco, Rosetta Mammarella,Tanya Barcellos, Ivan Tartaruga e Maria Heloísa Lenz. Agradece ainda ao estagiário de Geografia Rodrigo Araújo. 1 2 Esse projeto conta com financiamento do CNPq, através do Edital MCT/CNPq 50/2006 — Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. As microrregiões geográficas foram instituídas pela Resolução da Presidência do IBGE (IBGE, s. d.). Engenheira Química da FEE apreensão da dinâmica dos mercados regionais de trabalho no período mais recente.3 Sem deixar de reconhecer a riqueza e a importância dos dados da RAIS, é preciso que se façam alguns comentários a respeito de suas limitações. Conforme adverte o Ministério do Trabalho e Emprego, essa base é constituída por registros administrativos e, por isso, passíveis de apresentarem erros, decorrentes, especialmente, do fato de as informações oriundas das empresas respondentes não sofrerem crítica. Muitos dos erros existentes na base devem-se ao preenchimento incorreto e/ou à omissão de campos dos formulários, especialmente no caso de municípios menores e de alguns setores e subsetores da economia. Evidentemente, quanto mais desagregada a informação que se busca na base, maior é a margem de erro, o que recomenda cautela na utilização desses dados. O texto está organizado em três seções, além das Considerações finais. A primeira trata da evolução do emprego no agregado estadual. A segunda e a terceira seções analisam o comportamento do emprego nas microrregiões em que o Estado se subdivide, considerando inicialmente a totalidade do emprego e, a seguir, a sua desagregação nos principais setores de atividade. Finalmente, as conclusões apontam as principais evidências sobre o comportamento do mercado de trabalho formal no Estado e nas suas microrregiões. O comportamento do emprego no agregado estadual No período 1994-05, o emprego formal no Rio Grande do Sul avançou de cerca de 1,8 milhão para algo 3 O Censo Demográfico do IBGE também fornece informações sobre o mercado de trabalho nos municípios. Nesse caso, contudo, o último dado disponível é o de 2000. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 44 Sheila S. Wagner Sternberg em torno de 2,2 milhões de indivíduos, acusando a geração líquida de aproximadamente 450,8 mil postos, com uma variação de 25,3% (Tabela 1). Tal crescimento, por si só bastante significativo, ganha maior destaque se se considerar que, no período analisado, no Estado, a população4, a População em Idade Ativa (PIA) e a População Economicamente Ativa (PEA) 5 tiveram aumentos de 13,9%, 22,6% e 18,5% respectivamente. O contingente empregado cresceu em praticamente todos os anos — apenas em 1995 houve retração, e, em 1996, relativa estabilidade —, destacando-se o ano de 2004 como o de maior variação positiva, tanto em termos absolutos (acréscimo de 114,2 mil postos de trabalho) como percentuais (variação de 5,5% em relação a 2003). Além disso, é possível observar que, de 1994 a 1998, a performance do emprego foi pior do que a registrada a partir de 1999. Esse movimento reflexo das mudanças na política econômica6, evidencia a retomada de fôlego do segmento formal após a mudança do regime cambial, confirmando a tendência de diminuição do nível de informalidade nos anos mais recentes, já apontada em diversos estudos sobre o mercado de trabalho nacional e também estadual.7 O comportamento setorial (Tabela 1) evidencia também, na quase-totalidade dos setores, um melhor desempenho nos anos finais do período estudado (a partir de 1999). A única exceção é a agropecuária8, em que o número de postos gerados até 1999 (7.822 postos) superou o que foi acrescido nos anos subseqüentes (477 postos), resultando, em termos globais, no acréscimo de 8,3 mil postos, o que corresponde a uma variação de 12,8%. Ao final do período estudado, esse setor abrigava 73,3 mil trabalhadores formais. O comportamento dos setores que compõem o Terciário — comércio, serviços e administração pública — 4 5 Dados populacionais informados pelo IBGE e pelo Núcleo de Indicadores Sociais da FEE. 9 Os dados de População em Idade Ativa e de População Economicamente Ativa têm como fonte a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) do IBGE e referem-se ao período 1993-2005, já que, em 1994, não houve PNAD. Observe-se que esses dois setores foram os únicos, dentre os nove considerados, a apresentar diminuição de contingente no período analisado. 10 A extrativa mineral representou, em todo o período, algo em torno de 0,2% do emprego estadual; e o SIUP, cerca de 1%. 6 Para mais detalhes sobre o movimento do emprego estadual, ver Jornada (2004) e Sternberg (2005). 7 A esse respeito, ver, dentre outros, Ramos e Ferreira (2005), Jornada (2004) e Sternberg (2005; 2007). 8 chama especial atenção pelo volume de postos criados no período. Em conjunto, esses setores incorporaram 422,7 mil novos trabalhadores, o que corresponde a uma variação de 40,8% entre os anos extremos do período. Dentre esses setores, o serviços foi o que mais se destacou, com elevação de contingente em praticamente todos os anos, registrando, no cômputo total do período, a maior variação do Terciário em termos tantos absolutos (incorporação de 220,1 mil empregados) como percentuais (52,7%). No comércio, que exibiu queda nos dois primeiros anos e crescimento nos demais, foram acrescidas, entre os anos extremos do período, 133,6 mil vagas, com uma variação de 48,0%. A administração pública, que alternou recuos e avanços do nível de emprego, chegou a 2005 com um acréscimo de 20,3%, pela, incorporação de 69 mil indivíduos. O Setor Secundário, com queda do nível de emprego até 1998 e elevação nos anos seguintes, contabilizou, ao final do período, um acréscimo de 15,8%, pela adição de cerca de 96 mil novos postos de trabalho. Dos setores que compõem o Secundário, a saber, indústria de transformação, construção civil, extrativa mineral e serviços industriais de utilidade pública (SIUP), apenas os dois últimos9 setores, que têm pequena representatividade no emprego estadual,10 apresentaram queda de -13,1% e -21,0% respectivamente, enquanto os demais, tiveram elevação do número de empregados. A construção civil acusou, no cômputo total do período, aumento de 17,1% no pessoal empregado. A indústria de transformação11, setor mais severamente atingido pelas medidas de política econômica12, ostentou queda do nível de emprego até 1998, expansão até 200413 e nova queda em 2005, resultando em um saldo líquido de 92,1 mil postos gerados, o que corresponde a uma variação de 18,0% entre 1994 e 2005. Lembre-se que, em função do baixo nível de formalização de relações de trabalho existente na agropecuária, a RAIS não é a fonte mais adequada para o acompanhamento do emprego neste setor. Assim sendo, neste artigo, fazem-se apenas alguns poucos comentários sobre o emprego na agropecuária. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 11 Esse setor, por seu peso no emprego do Secundário (cerca de 85% ao longo do período analisado), acaba por determinar o movimento do emprego do agregado setorial. 12 Sobre o comportamento do emprego industrial no RS, no período analisado, ver textos sobre o Plano Real. 13 Também na indústria de transformação, assim como no emprego total, o ano de 2004 foi o que apresentou o melhor desempenho, com o acréscimo de 51,8 mil postos e uma variação de 9,1% em relação a 2003. Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 45 O Gráfico 1, ao explicitar o movimento do emprego nos principais setores de atividade14, em cada um dos anos do período estudado, deixa mais clara a contribuição de cada um deles para a geração de vagas no agregado estadual. Como se vê, na maior parte dos anos, a performance dos setores do Terciário — capazes de gerar postos de trabalho mesmo em um contexto de baixo crescimento e, por vezes, de recuo do emprego industrial —, especialmente a do setor serviços, foi a grande responsável pelo crescimento do emprego formal. Do total de postos acrescidos no período,15 41,3% deveram-se ao setor serviços; 25,0%, ao comércio; 17,3%, à indústria de transformação; e 12,9%, à administração pública, evidenciando o significativo peso do Setor Terciário na geração de vagas, responsável por 79,2% do total de postos de trabalho acrescidos ao mercado formal do RS no período 1994-05. Refletindo as distintas intensidades de variação do emprego em cada um dos setores, ao final do período, a estrutura setorial do emprego no RS modificou-se. O setor serviços, que, em 2005, contava com 637,8 mil empregados formais, ampliou sua participação em 5,1 pontos percentuais, abrigando, nesse ano, 28,5% dos trabalhadores do RS, assumindo o lugar da indústria de transformação, como maior absorvedor de mão-de-obra formal no Estado. A indústria de transformação, que experimentou recuo em sua participação, passando de 28,7% em 1994 para 27,1% em 2005, contava, no último ano, com 604,7 mil empregados. A administração pública, com recuo de 0,8 ponto percentual em sua participação, e o comércio, com ganho de 2,8 pontos percentuais chegam a 2005 com praticamente a mesma ponderação no emprego estadual, abrigando, respectivamente, 18,3% (409,7 mil trabalhadores) e 18,4% (411,9 mil trabalhadores) dos empregados formais estaduais. Os demais setores mantiveram-se com pouca expressão na estrutura do emprego estadual. 14 Consideram-se apenas indústria de transformação, comércio, serviços e administração pública, já que esses foram os setores que concentraram a maior parcela dos empregados formais no RS, abrigando, em conjunto, cerca de 90% do total ao longo do período analisado. 15 Consideram-se aqui apenas os setores com saldo positivo de emprego no período analisado. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 46 Sheila S. Wagner Sternberg Tabela 1 Evolução do emprego formal, por setores de atividade, no RS — 1994-05 ANOS EXTRATIVA MINERAL INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO SERVIÇOS INDUSTRIAIS DE UTILIDADE PÚBLICA CONSTRUÇÃO CIVIL COMÉRCIO 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 5 559 4 172 3 929 4 565 4 577 4 257 4 800 4 793 4 397 4 452 4 770 4 831 512 577 478 693 477 778 463 703 454 168 480 281 514 104 540 664 558 083 570 851 622 693 604 695 27 732 25 690 23 691 21 802 18 611 16 214 18 711 19 160 18 844 21 673 19 349 21 910 60 934 63 779 63 671 72 854 75 645 67 709 68 538 73 238 67 109 67 719 72 188 71 328 278 396 268 601 262 694 279 946 287 844 305 107 312 527 334 576 352 343 365 471 394 740 411 942 ANOS SERVIÇOS ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AGROPECUÁRIA OUTROS/ /IGNORADO TOTAL 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 417 660 470 071 471 754 491 178 507 575 505 122 539 861 560 860 573 259 575 744 608 893 637 772 340 679 330 336 354 515 350 318 364 676 363 722 365 139 378 766 378 167 395 187 390 483 409 727 64 964 74 979 73 993 73 225 70 870 72 786 70 020 67 480 69 502 71 696 73 859 73 263 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 76 171 12 847 3 771 1 076 347 31 89 0 0 0 0 0 1 784 672 1 729 168 1 735 796 1 758 667 1 784 313 1 815 229 1 893 789 1 979 537 2 021 704 2 072 793 2 186 975 2 235 468 47 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Gráfico 1 Variação percentual do emprego formal nos principais setores de atividade do RS — 1995-05 12,0 7,0 2,0 -3,0 -8,0 1995 1996 Legenda: 1997 1998 1999 2000 2001 Indústria de transformação Serviços Total 2002 2003 2004 2005 Comércio Administração pública FONTE: RAIS-MTE. O comportamento do emprego por microrregiões Em 1994, os cerca de 1,8 milhão de trabalhadores formais existentes no RS encontravam-se distribuídos de maneira bastante heterogênea no território, observando-se uma forte concentração espacial do emprego.16 Nesse ano, a Microrregião Porto Alegre respondia por pouco menos da metade dos empregados formais do Estado (48,6%). A Microrregião Caxias do Sul, com peso no emprego estadual 5,6 vezes inferior ao da Microrregião Porto Alegre, aparecia na segunda posição, abrigando 8,7% dos empregados estaduais. A seguir, com participações muito próximas entre si e ocupando a terceira, a quarta e a quinta posições na hierarquia do emprego estadual, encontravam-se, respectivamente, as Microrregiões Pelotas (3,5%), Gramado-Canela (3,4%) e Lajeado-Estrela (2,9%). Em conjunto, essas cinco microrregiões respondiam por 16 Uma análise mais acurada do emprego regional necessitaria que se incorporassem dados sobre a População em Idade Ativa, a População Economicamente Ativa, o total de ocupados, os níveis de informalidade, dentre outros, o que, contudo, não é possível, já que o Censo Demográfico, única fonte que seria capaz de fornecer tais informações para as microrregiões, não cobre o período analisado. pouco mais de dois terços do emprego formal do Estado.17 Nesse ano, as demais microrregiões tinham, individualmente, participação inferior a 2,5% no emprego estadual (Tabela 2). Ao longo do período analisado, a trajetória do emprego, na maior parte das microrregiões, foi, em linhas gerais, convergente com a apresentada pelo agregado estadual. Ainda assim, as diferentes intensidades de variação em cada uma das microrregiões, em cada um dos anos analisados, bem como eventuais divergências de trajetória em alguns contextos, fizeram com que, ao final do período, o resultado líquido observado nas microrregiões se diferenciasse (Tabela 2). Apenas duas microrregiões — Campanha Central (-4,7%) e Jaguarão (-1,8%) — tiveram retração do contingente formalmente empregado, tendo sido responsáveis, em conjunto, pela supressão de 1177 postos de trabalho no período analisado. As demais 33 microrregiões, seguindo o comportamento do agregado estadual, exibiram aumento do pessoal com vínculo 17 De acordo com informações do Núcleo de Indicadores Sociais da FEE, em 1994, as Microrregiões Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Lajeado-Estrela e Gramado-Canela abrigavam 32,7%, 6,1%, 4,7%, 2,7% e 2,1% da população estadual respectivamente, concentrações que são inferiores àquelas que o emprego formal ostenta em cada uma dessas regiões. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 48 formal de trabalho, distinguindo-se, contudo, duas situações, de acordo com a intensidade da variação. Oito microrregiões — Litoral Lagunar (3,0%), Cachoeira do Sul (3,2%), Pelotas (8,2%), Santo Ângelo (8,9%), Campanha Ocidental (9,8%), Campanha Meridional (10,0%), Porto Alegre (16,2%) e Santa Rosa (24,2%) — tiveram crescimento do emprego em patamar inferior ao do conjunto do Estado. Dentre elas, destaca-se a Microrregião Porto Alegre, com o maior crescimento absoluto de postos de trabalho (140,3 mil), que, por seu expressivo peso no emprego estadual, foi responsável por pouco menos de um terço das vagas acrescidas no Estado, entre 1994 e 2005. As demais 25 microrregiões tiveram variação igual ou superior à do agregado do RS, o que configura uma situação favorável no contexto estadual. Nelas, as taxas de crescimento ficaram compreendidas entre 25,3% na Microrregião Camaquã e 88,7% na Guaporé. Nesse grupo, encontra-se a Microrregião Caxias do Sul, que teve o segundo maior saldo líquido de postos de trabalho, um acréscimo de cerca de 64 mil novas vagas, respondendo por 14,2% da geração estadual. Ainda com alguma importância no crescimento do emprego, no RS, encontram-se, também nesse grupo, as Microrregiões Lajeado-Estrela, Gramado-Canela e Passo Fundo, que tiveram participação de 5,5%, 5,4% e 5,2% no acréscimo do período, respectivamente. Como decorrência das distintas variações, ao final do período, observaram-se alterações na participação das microrregiões no emprego do RS. Destaque-se, contudo, que, em muitos casos, o pequeno peso de algumas microrregiões no emprego estadual fez com que as variações ali experimentadas, ainda que com impacto importante no âmbito regional, não fossem capazes de produzir perceptível mudança em sua participação no contexto estadual. O Gráfico 2 sintetiza as mudanças ocorridas nas participações das microrregiões no emprego estadual. Nove microrregiões — as duas que ostentaram queda do emprego formal (Jaguarão e Campanha Central) e as sete com menor crescimento do emprego do que o do RS (Campanha Meridional, Santo Ângelo, Cachoeira do Sul, Campanha Ocidental, Litoral Lagunar, Pelotas e Porto Alegre) — diminuíram sua participação no emprego estadual. A redução mais significativa foi a da Microrregião Porto Alegre, que perdeu 3,5 pontos percentuais. As demais microrregiões desse grupo tiveram perdas de participação compreendidas entre 0,5 ponto percentual na Microrregião Pelotas e 0,1 ponto percentual na Campanha Meridional e também na Microrregião Jaguarão. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 Sheila S. Wagner Sternberg Dez microrregiões — uma com variação do emprego inferior à do RS (Santa Rosa) e nove com variações do emprego superiores à do Estado (Restinga Seca, Serras de Sudeste, Sananduva, São Jerônimo, Cruz Alta, Não-Me-Toque, Santiago, Cerro Largo e Camaquã) — chegaram a 2005 com a mesma ponderação no emprego estadual do início do período. As demais 16 microrregiões (Soledade, Carazinho, Santa Maria, Vacaria,. Ijuí, Três Passos, Frederico Westphalen, Santa Cruz do Sul, Erechim, Gramado-Canela, Guaporé, Montenegro, Lajeado-Estrela, Passo Fundo, Osório e Caxias do Sul), todas com crescimento do emprego em patamar igual ou superior ao do conjunto do Estado, ampliaram sua participação no emprego estadual. A Microrregião Caxias do Sul foi a que ostentou o maior crescimento de participação, com uma variação de 1,1 ponto percentual. Nas demais microrregiões desse grupo a, ampliação de participação oscilou entre 0,1 ponto percentual nas Microrregiões Soledade, Carazinho, Santa Maria, Vacaria, Ijuí e Três Passos e de 0,6 ponto percentual nas Microrregiões Osório e Passo Fundo. Ainda que as variações experimentadas não configurem alterações profundas no mapa do emprego estadual, é possível identificar algumas mudanças. Em 2005, percebe-se uma leve tendência à diminuição da concentração espacial do emprego estadual. Ao final do período analisado, a Microrregião Porto Alegre, com expressiva perda de participação, como já mencionado, concentrava ainda a maior parcela dos empregados estaduais, abrigando cerca de 45% deles. A Microrregião Caxias do Sul, que ampliou sua participação e se aproximou da microrregião anterior, mantinha-se na segunda posição, abrigando 9,8% dos empregados estaduais.18 Na terceira e na quarta posições, encontravam-se, respectivamente, as Microrregiões Gramado-Canela (3,8%) e Lajeado-Estrela (3,4%), que, com aumento de participação, ascenderam uma posição cada uma, enquanto a Microrregião Pelotas, que perdeu participação, caiu duas posições, passando para o quinto lugar (3,0%).19 Ao final 18 Ao final do período analisado, a participação da Microrregião Porto Alegre no emprego estadual era 4,6 vezes maior que a da Microrregião Caxias do Sul, uma diferença menor do que a registrada em 1994. 19 Também ao final do período, conforme dados do Núcleo de Indicadores Sociais da FEE, essas cinco microrregiões tinham menor participação na população estadual do que no emprego formal. Em 2005, a Microrregião Porto Alegre, diferentemente do que ocorreu com o emprego formal, aumentou sua participação na população estadual, respondendo por 34,1%, enquanto as outras quatro microrregiões abrigavam, respectivamente, 6,8%, 2,7%, 2,7% e 4,6% da população estadual. 49 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 do período, eram ainda as cinco maiores microrregiões do ranking de 1994 que se mantinham na liderança do emprego estadual. Em 2005, contudo, essas cinco regiões abrigavam 65,1% dos empregados estaduais, uma concentração de 1,9 ponto percentual inferior à do início do período. Dentre as demais microrregiões, destacam-se Montenegro, Osório, Passo Fundo e Erechim, que passaram a ter, em 2005, maior relevo no cenário estadual, graças ao expressivo crescimento do emprego ali vivenciado. Assim, ao final do período, é possível identificar uma “mancha” de maior concentração de emprego que vai desde a Microrregião Porto Alegre, ocupa a parte central do Estado de maneira quase contínua, passa pela Microrregião Caxias do Sul e vai em direção ao norte do RS, atingindo as Microrregiões Passo Fundo e Erechim (Mapa 1). Tabela 2 Emprego formal, por microrregiões, do RS — 1994 e 2005 NÚMERO DE EMPREGADOS MICRORREGIÕES E TOTAL 1994 Santa Rosa ....................................... Três Passos ...................................... Frederico Westphalen ....................... Erechim ............................................. Sananduva ........................................ Cerro Largo ....................................... Santo Ângelo .................................... Ijuí ..................................................... Carazinho .......................................... Passo Fundo ..................................... Cruz Alta ........................................... Não-Me-Toque .................................. Soledade ........................................... Guaporé ............................................ Vacaria .............................................. Caxias do Sul .................................... Santiago ............................................ Santa Maria ....................................... Restinga Seca ................................... Santa Cruz do Sul ............................. Lajeado-Estrela ................................. Cachoeira do Sul ............................... Montenegro ....................................... Gramado-Canela ............................... São Jerônimo .................................... Porto Alegre ...................................... Osório ................................................ Camaquã ........................................... Campanha Ocidental ........................ Campanha Central ............................ Campanha Meridional ....................... Serras de Sudeste ............................ Pelotas .............................................. Jaguarão ........................................... Litoral Lagunar .................................. TOTAL .............................................. 19 018 14 267 10 167 26 888 4 622 5 213 21 935 23 195 17 611 41 044 16 427 5 942 4 487 14 859 20 501 154 688 9 634 43 476 4 565 39 473 51 067 17 330 28 994 60 826 16 510 866 773 28 457 11 150 42 390 22 819 21 384 10 333 62 734 5 920 39 973 1 784 672 2005 23 612 20 992 16 191 40 466 6 170 6 592 23 888 31 895 24 080 64 469 20 826 7 647 6 747 28 034 27 972 218 975 12 143 56 653 6 671 52 922 75 748 17 887 48 041 85 416 21 045 1 007 043 49 017 13 971 46 549 21 747 23 524 13 643 67 899 5 815 41 178 2 235 468 VARIAÇÃO ABSOLUTA 4 594 6 725 6 024 13 578 1 548 1 379 1 953 8 700 6 469 23 425 4 399 1 705 2 260 13 175 7 471 64 287 2 509 13 177 2 106 13 449 24 681 557 19 047 24 590 4 535 140 270 20 560 2 821 4 159 -1 072 2 140 3 310 5 165 -105 1 205 450 796 VARIAÇÃO PERCENTUAL 24,2 47,1 59,3 50,5 33,5 26,5 8,9 37,5 36,7 57,1 26,8 28,7 50,4 88,7 36,4 41,6 26,0 30,3 46,1 34,1 48,3 3,2 65,7 40,4 27,5 16,2 72,2 25,3 9,8 -4,7 10,0 32,0 8,2 -1,8 3,0 25,3 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 50 Sheila S. Wagner Sternberg Gráfico 2 Variação percentual da participação das microrregiões no emprego do RS — 1994-05 Porto Alegre Pelotas Litoral Lagunar Campanha Central Campanha Ocidental Cachoeira do Sul Santo Ângelo Campanha Meridional Jaguarão Santa Rosa Camaquã Cerro Largo Santiago Não-Me-Toque Cruz Alta São Jerônimo Sananduva Serras de Sudeste Restinga Seca Soledade Carazinho Santa Maria Vacaria Ijuí Três Passos Frederico Westphalen Santa Cruz do Sul Erechim Gramado-Canela Guaporé Montenegro Lajeado-Estrela Passo Fundo Osório Caxias do Sul -4,0 -3,0 -2,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 -1,0 0,0 1,0 51 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Mapa 1 Distribuição do emprego formal, por microrregiões, no RS — 2005 Comportamento setorial do emprego nas microrregiões No início do período analisado, a distribuição do emprego formal por setores de atividade20 evidenciava que, na maior parte das microrregiões, era alguma das atividades ligadas ao Setor Terciário que concentrava a maior parcela dos empregados formais (Tabela 3). Têm-se, nesse ano, 21 microrregiões nas quais um dos setores que compõem o Terciário — comércio, serviços e administração pública — abrigava a maior parcela dos empregados formais. 20 Para efeitos desta análise, consideram-se apenas os principais setores de atividade, isto é, a indústria de transformação, comércio, serviços e administração pública. O comércio, cuja participação no emprego regional ia de 8,5% na Microrregião Guaporé a 26,8% na Não-Me-Toque, era o setor com maior relevância em sete microrregiões (Não-Me-Toque, Cruz Alta, Carazinho, Ijuí, Campanha Ocidental, Osório21 e Campanha Meridional). A administração pública, com participação de 6,8% na Microrregião Gramado-Canela a 34,6% na Microrregião Frederico Westphalen, concentrava a maior parcela de empregados formais em 10 microrregiões (Frederico Westphalen, Soledade, Sananduva, Santiago, Restinga Seca, Cerro Largo, Três Passos, Serras de Sudeste, Campanha Central e Santo Ângelo). 21 Nessa microrregião, a indústria de transformação tinha praticamente o mesmo peso que o comércio. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 52 O setor serviços, cujo peso no emprego regional estava compreendido entre 9,7% na Microrregião Gramado-Canela e 30,4% na Litoral Lagunar, respondia pela parcela mais expressiva dos vínculos formais em apenas quatro microrregiões: Litoral Lagunar, Pelotas, Porto Alegre e Santa Maria. A indústria de transformação, que registrava a sua menor expressão na Microrregião Jaguarão (3,2%) e a maior na Gramado-Canela (68,2%), era o setor que abrigava a maior parcela dos empregados formais em 13 microrregiões (Gramado-Canela, Caxias do Sul, Lajeado-Estrela, Montenegro, Guaporé, Santa Cruz do Sul, São Jerônimo, Erechim, Vacaria, Santa Rosa, Camaquã, Passo Fundo e Cachoeira do Sul). Destaque-se que, nas Microrregiões Gramado-Canela, Caxias do Sul, Lajeado-Estrela e Montenegro, o setor industrial abrigava mais da metade dos empregados formais. Ainda que não seja propósito deste estudo enfocar o emprego na agropecuária, deve-se mencionar a situação peculiar da Microrregião Jaguarão, que, em 1994, tinha a maior parcela de seus empregados formais (31,8%) alocados nesse setor. Nos setores do Terciário e também na indústria de transformação, assim como se viu para a totalidade do emprego, havia, no início do período, uma forte concentração espacial dos trabalhadores formalmente empregados. A Microrregião Porto Alegre era a que detinha as maiores fatias de empregados formais no comércio, em serviços, na administração pública e na indústria de transformação, abrigando, respectivamente, 41,7%, 57,2%, 59,7% e 42,1% do total estadual em cada um deles. A Microrregião Caxias do Sul, ainda que com participação bastante inferior, era a segunda maior absorvedora de mão-de-obra estadual nesses setores, respondendo por 6,6%, 6,8%, 3,4% e 16,8% dos empregados do comércio, de serviços, da administração pública e da indústria de transformação respectivamente. Ao se tratar da evolução do emprego nas microrregiões, nos principais setores de atividade, verifica-se que, no cômputo total do período, de maneira geral, o comportamento foi convergente com o do congênere estadual (Tabela 4). Nos setores que compõem o Terciário, houve elevação de contingente, no período analisado, na maior parte das microrregiões. Nesses três setores, a Microrregião Porto Alegre destacou-se, registrando os maiores acréscimos absolutos de postos de trabalho no período analisado. Essa microrregião, que teve incorporados 45.000 mil trabalhadores no comércio, 116.000 em serviços e 27,5 mil na administração pública, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 Sheila S. Wagner Sternberg respondeu por 33,7%, 52,8% e 38,6% dos postos gerados em cada um dos setores, no Estado, respectivamente. No comércio, todas as microrregiões exibiram crescimento do emprego, com variações compreendidas entre 8,6% na Microrregião Campanha Central e 156,2% na Guaporé, encontrando-se 19 microrregiões (Guaporé, Sananduva, Osório, Serras de Sudeste, São Jerônimo, Santa Cruz do Sul, Soledade, Passo Fundo, Lajeado-Estrela, Caxias do Sul, Vacaria, Frederico Westphalen, Restinga Seca, Montenegro, Gramado-Canela, Erechim, Camaquã, Santiago e Ijuí) com variação superior à média estadual do setor. Tais variações provocaram aumento quase generalizado do peso do comércio nas microrregiões — apenas na Microrregião Três Passos o comércio diminuiu sua participação. Como se observa no Gráfico 3, a variação da participação desse setor no emprego das diversas regiões ficou compreendida entre -4,8 pontos percentuais na Microrregião Três Passos e 10,9 pontos percentuais na Microrregião Sananduva, observando-se, na maior parte dos casos, expressiva ampliação de participação. Em 2005, o comércio registrou sua menor participação na Microrregião Guaporé (11,5%) e a maior na Cruz Alta (29,2%), encontrando-se 11 microrregiões nas quais esse setor abrigava a maior parcela dos empregados formais: Camaquã, Carazinho, Ijuí, Cachoeira do Sul, Campanha Ocidental, Santiago, Santo Ângelo, Campanha Central, Santa Rosa, Osório e Cruz Alta (Tabela 5). O setor serviços teve elevação de contingente em praticamente todas as microrregiões — a única exceção foi Jaguarão, com queda de 7,0% —, encontrando-se 15 microrregiões (Gramado-Canela, Três Passos, Montenegro, Passo Fundo, Frederico Westphalen, Caxias do Sul, Lajeado-Estrela, Guaporé, Santa Cruz do Sul, Erechim, Osório, Soledade, Ijuí, São Jerônimo, Santa Maria) em que a variação superou a do congênere estadual. As Microrregiões Gramado-Canela (130,1%) e Campanha Ocidental (14,1%) destacaram-se como as de maior e menor crescimento respectivamente (Tabela 4). Esse setor, em que a amplitude de variação da participação no emprego regional ficou compreendida entre -2,4 pontos percentuais e 8,0 pontos percentuais (Gráfico 4), teve sua participação diminuída em apenas três microrregiões: Guaporé, Jaguarão e Sananduva. Assim, em 2005, a participação do setor serviços no emprego regional (Tabela 5) ficou compreendida entre 12,2% na Microrregião Guaporé e 36,4% na Litoral Lagunar. Nesse ano, encontravam-se cinco microrregiões (Santa Maria, Porto Alegre, Campanha Meridional, Pelotas e Litoral Lagunar) nas quais esse setor concentrava a 53 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 maior parcela de trabalhadores, além de outra (Passo Fundo) em que tinha a mesma ponderação da indústria de transformação, dividindo com esse setor a liderança na absorção de mão-de-obra formal. O número de empregados na administração pública diminuiu em apenas três microrregiões — Cachoeira do Sul (-10,0%), Campanha Central (-30,4%) e Campanha Meridional (-0,5%). Nas demais, com aumento do contingente empregado, o acréscimo ficou compreendido entre 0,4% na Microrregião Santo Ângelo e 126,1% na São Jerônimo, observando-se que, na maior parte dos casos (24 microrregiões), a variação superou a do congênere estadual. Nas Microrregiões Porto Alegre, Três Passos, Vacaria, Passo Fundo, Santiago, Caxias do Sul, Jaguarão e Santo Ângelo, a variação positiva do emprego na administração pública ficou abaixo da registrada no RS (Tabela 4). Como decorrência das distintas variações, o peso da administração pública no emprego regional experimentou alterações compreendidas entre -7,2 pontos percentuais e 9,4 pontos percentuais (Gráfico 5), encontrando-se 19 microrregiões (Serras de Sudeste, Porto Alegre, Sananduva, Não-Me-Toque, Frederico Westphalen, Caxias do Sul, Santo Ângelo, Campanha Meridional, Erechim, Cachoeira do Sul, Vacaria, Montenegro, Restinga Seca, Soledade, Guaporé, Passo Fundo, Santiago, Três Passos e Campanha Central) nas quais esse setor teve queda de participação. Em 2005, a participação desse setor ia de 5,7% na Microrregião Caxias do Sul até 33,4% em Frederico Westphalen, encontrando-se, além desta última, outras quatro microrregiões (Sananduva, Cerro Largo, Soledade e Serras de Sudeste) em que esse setor respondia pela maior parcela dos empregados formais (Tabela 5). Também na indústria de transformação, na maior parte das microrregiões, o sentido de variação do emprego acompanhou o do agregado estadual (Tabela 4). Em sete microrregiões (Sananduva, Porto Alegre, Campanha Ocidental, Cachoeira do Sul, Campanha Central, Pelotas e Jaguarão), houve queda do emprego nesse setor, destacando-se as Microrregiões Sananduva (-2,0%) e Jaguarão (-35,8%) como as de menor e maior retração respectivamente. Nas demais 28 microrregiões, houve elevação do contingente empregado, com variações compreendidas entre 0,9% na Microrregião em Santa Rosa e 127,2% na Guaporé, encontrando-se apenas oito microrregiões — Santo Ângelo, Serras de Sudeste, Cerro Largo, Camaquã, Santa Cruz do Sul, São Jerônimo, Vacaria e Santa Rosa — com variação inferior à do RS. A Microrregião Caxias do Sul foi a que experimentou o maior crescimento absoluto de pessoal empregado na indústria de transformação, com um acréscimo de 24,5 mil postos de trabalho, praticamente um quarto do total de vagas acrescidas na indústria de transformação do RS, no período analisado. No extremo oposto, encontram-se as Microrregiões Porto Alegre22 e Pelotas23, com as maiores perdas de pessoal no período. A primeira, com a diminuição de 4,5 mil trabalhadores, e a outra, com a supressão de 2,8 mil postos, responderam, respectivamente, por 52,7% e 32,9% das vagas fechadas na indústria de transformação estadual, entre 1994 e 2005. A grande discrepância entre as taxas de variação do emprego na indústria de transformação, nas diversas regiões, fez com que o espectro das variações de participação desse setor no emprego regional fosse o mais amplo dentre os setores considerados, ficando compreendido entre -10,1 pontos percentuais e 9,4 pontos percentuais (Gráfico 6). Ao final do período, a indústria de transformação, que aumentou seu peso em 17 microrregiões (Guaporé, Restinga Seca, Três Passos, Não-Me-Toque, Passo Fundo, Frederico Westphalen, Santiago, Campanha Meridional, Litoral Lagunar, Santa Maria, Ijuí, Carazinho, Erechim, Soledade, Montenegro, Santo Ângelo e Cruz Alta), registrou sua menor participação na Microrregião Jaguarão (2,1%) e a maior na Gramado-Canela (60,1%). Nesse mesmo ano, esse setor respondia pela maior parcela dos empregados formais em 10 microrregiões — Três Passos, Erechim, Não-Me-Toque, Guaporé, Caxias do Sul, Restinga Seca, Santa Cruz do Sul, Lajeado-Estrela, Montenegro e Gramado-Canela — e, na Microrregião Passo Fundo, como já citado, dividia a liderança com a administração pública (Tabela 5). Mesmo que não se esteja analisando o emprego na agropecuária, é preciso mencionar que, em 2005, em duas microrregiões — Vacaria e Jaguarão24 — esse setor concentrava a maior parcela de empregados formais, com ponderações de 26,3% e 31,0% respectivamente. 22 Na Microrregião Porto Alegre, a supressão de postos de trabalho na indústria de transformação deveu-se fundamentalmente à indústria de calçados, segmento fortemente ligado ao mercado externo, que, no período analisado, eliminou cerca de 9000 postos de trabalho. 23 Na Microrregião Pelotas, foi o segmento de alimentos e bebidas que sofreu os maiores cortes de pessoal no período analisado. 24 Lembre-se que, no início do período, nessa microrregião, a agropecuária já abarcava a maior parcela dos empregados formais. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 54 As variações do emprego, em cada um dos setores considerados, ainda que, como se viu, tenham influído na estrutura setorial do emprego regional, nem sempre provocaram alteração relevantes da participação das microrregiões no congênere estadual. Nos setores que compõem o Terciário, como mostram os Gráficos 7, 8, e 9, na maior parte dos casos, as variações de participação foram pequenas, encontrando-se, além disso, várias microrregiões que mantiveram participação inalterada no período analisado. No comércio, as maiores variações de participação em relação ao congênere estadual foram registradas pelas Microrregiões Porto Alegre (-2,6 pontos percentuais) e Caxias do Sul (1,2 pontos percentuais), que, juntamente com a Microrregião Osório (1,1 ponto percentual), foram as únicas a atingir variação de participação superior a 1 ponto percentual. Nesse setor, 15 microrregiões (Caxias do Sul, Osório, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul, Lajeado-Estrela, Guaporé, Gramado-Canela, Montenegro, Vacaria, São Jerônimo, Serras de Sudeste, Frederico Westphalen, Sananduva, Erechim e Soledade) tiveram aumento de participação; 14 microrregiões (Não-Me-Toque, Cruz Alta, Jaguarão, Carazinho, Cachoeira do Sul, Litoral Lagunar, Santa Maria, Santo Ângelo, Três Passos, Pelotas, Campanha Meridional, Campanha Central, Campanha Ocidental e Porto Alegre) diminuíram sua participação, e as outras 10 chegaram a 2005 com a mesma participação no congênere estadual que ostentavam em 1994 (Gráfico 7). Em serviços, apenas duas microrregiões, Porto Alegre e Caxias do Sul, exibiram variação de participação superior a 1 ponto percentual Ambas, com variação de 1,5 ponto percentual — a primeira negativa e a outra positiva — , registraram, respectivamente, a maior queda e a maior elevação de participação. Nesse setor, 11 microrregiões, além da já citada Caxias do Sul, tiveram crescimento de participação; 12 não tiveram variação de participação, e as outras 10, além da Microrregião Porto Alegre, diminuíram sua participação (Gráfico 8). Na administração pública, no período 1994-05, 17 microrregiões tiveram aumento de participação, sete mantiveram participação inalterada, e outras 11 diminuíram sua participação. Apenas a Microrregião Porto Alegre, com queda de 3,3 pontos percentuais teve variação de participação superior a 1 ponto percentual (Gráfico 9). A indústria de transformação foi o setor em que as variações de participação das microrregiões em relação ao congênere estadual foram mais significativas. Nesse setor, em que a variação de participação foi positiva em 19 microrregiões, negativa em 10 e igual a zero em outras Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 Sheila S. Wagner Sternberg seis, o intervalo de variação das participações ficou compreendido entre -7,1 pontos percentuais, na microrregião de Porto Alegre e 1,5 ponto percentual na de Caxias do Sul (Gráfico 10). Ao final do período analisado, observa-se também, nos principais setores de atividade, uma ligeira desconcentração do emprego formal. A Microrregião Porto Alegre, apesar da significativa perda de participação nos quatro setores considerados, mantinha-se como a maior absorvedora de mão-de-obra em todos eles. Em 2005, abrigava 34,9% dos empregados estaduais da indústria de transformação, 39,1% dos alocados no comércio, 55,7% dos em serviços e 56,3% do total dos trabalhados da administração pública. A Microrregião Caxias do Sul, que ampliou sua participação no comércio, em serviços e na indústria de transformação, mantinha-se na segunda posição, com ponderações ainda distantes das da Microrregião Porto Alegre, registrando 7,9%, 8,2% e 18,3% respectivamente. Na administração pública, a pequena perda de participação da Microrregião Caxias do Sul fez com que ela caísse para a terceira posição, abrigando, em 2005, 3,0% dos empregados formais do setor. 55 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Tabela 3 Distribuição setorial do emprego formal, por microrregiões, do RS — 1994 MICRORREGIÕES E TOTAL Santa Rosa ......................... Três Passos ........................ Frederico Westphalen ......... Erechim ............................... Sananduva .......................... Cerro Largo ......................... Santo Ângelo ...................... Ijuí ....................................... Carazinho ........................... Passo Fundo ....................... Cruz Alta ............................. Não-Me-Toque .................... Soledade ............................. Guaporé .............................. Vacaria ................................ Caxias do Sul ...................... Santiago .............................. Santa Maria ........................ Restinga Seca .................... Santa Cruz do Sul ............... Lajeado-Estrela ................... Cachoeira do Sul ................ Montenegro ......................... Gramado-Canela ................ São Jerônimo ...................... Porto Alegre ........................ Osório ................................. Camaquã ............................ Campanha Ocidental .......... Campanha Central .............. Campanha Meridional ......... Serras de Sudeste .............. Pelotas ................................ Jaguarão ............................. Litoral Lagunar .................... TOTAL ................................ INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO COMÉRCIO Valor Absoluto % Valor Absoluto 5 617 2 992 1 416 8 398 1 135 879 2 891 4 997 3 096 10 124 1 230 1 421 824 6 863 6 154 86 064 688 3 910 943 17 383 27 178 3 944 15 421 41 470 5 976 215 626 6 365 2 815 4 024 1 761 2 134 1 322 13 900 187 3 429 512 577 29,5 21,0 13,9 31,2 24,6 16,9 13,2 21,5 17,6 24,7 7,5 23,9 18,4 46,2 30,0 55,6 7,1 9,0 20,7 44,0 53,2 22,8 53,2 68,2 36,2 24,9 22,4 25,2 9,5 7,7 10,0 12,8 22,2 3,2 8,6 28,7 4 536 3 553 2 233 4 817 736 1 249 5 160 5 499 4 351 8 747 4 287 1 593 911 1 256 2 774 18 496 2 221 9 986 818 6 655 6 846 3 428 4 112 7 057 1 603 116 054 6 433 2 186 9 950 5 628 4 748 1 344 11 547 1 113 6 469 278 396 SERVIÇOS ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA % Valor Absoluto % Valor Absoluto % 23,9 24,9 22,0 17,9 15,9 24,0 23,5 23,7 24,7 21,3 26,1 26,8 20,3 8,5 13,5 12,0 23,1 23,0 17,9 16,9 13,4 19,8 14,2 11,6 9,7 13,4 22,6 19,6 23,5 24,7 22,2 13,0 18,4 18,8 16,2 15,6 4 389 2 657 1 571 4 602 868 960 4 782 5 012 3 314 9 943 2 948 685 675 1 894 3 137 28 340 1 436 11 249 691 7 444 7 404 3 014 3 231 5 882 3 366 238 983 6 032 1 816 9 501 4 437 4 174 2 112 17 954 994 12 163 417 660 23,1 18,6 15,5 17,1 18,8 18,4 21,8 21,6 18,8 24,2 17,9 11,5 15,0 12,7 15,3 18,3 14,9 25,9 15,1 18,9 14,5 17,4 11,1 9,7 20,4 27,6 21,2 16,3 22,4 19,4 19,5 20,4 28,6 16,8 30,4 23,4 2 123 3 848 3 521 4 286 1 484 1 469 5 479 3 568 3 045 6 157 3 686 1 166 1 451 2 303 3 269 11 717 2 910 7 604 1 308 4 514 3 846 3 593 3 799 4 138 2 009 203 253 5 793 2 208 6 605 6 103 4 432 2 774 9 223 1 423 6 572 340 679 11,2 27,0 34,6 15,9 32,1 28,2 25,0 15,4 17,3 15,0 22,4 19,6 32,3 15,5 15,9 7,6 30,2 17,5 28,7 11,4 7,5 20,7 13,1 6,8 12,2 23,4 20,4 19,8 15,6 26,7 20,7 26,8 14,7 24,0 16,4 19,1 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 56 Sheila S. Wagner Sternberg Tabela 4 Variação do emprego formal nos principais setores de atividade, por microrregiões, do RS — 1994-05 MICRORREGIÕES E TOTAL Santa Rosa ........................... INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO Variação Absoluta 51 Variação Percentual 0,9 COMÉRCIO Variação Absoluta 2 148 SERVIÇOS Variação Percentual 47,4 Variação Absoluta Variação Percentual 1 120 25,5 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Variação Absoluta 1 806 Variação Percentual 85,1 Três Passos .......................... 2 780 92,9 673 18,9 2 942 110,7 504 13,1 Frederico Westphalen .......... 1 542 108,9 1 644 73,6 1 395 88,8 1 890 53,7 Erechim ................................ 5 281 62,9 2 817 58,5 3 648 79,3 1 363 31,8 Sananduva ........................... -23 -2,0 916 124,5 141 16,2 463 31,2 Cerro Largo .......................... 70 8,0 548 43,9 341 35,5 471 32,1 Santo Ângelo ........................ 512 17,7 1 508 29,2 927 19,4 23 0,4 Ijuí ......................................... 2 775 55,5 2 666 48,5 3 012 60,1 1 583 44,4 Carazinho ............................. 1 801 58,2 1 718 39,5 1 698 51,2 1 182 38,8 Passo Fundo ........................ 8 737 86,3 6 612 75,6 8 936 89,9 630 10,2 Cruz Alta .............................. 451 36,7 1 784 41,6 1 256 42,6 1 216 33,0 Não-Me-Toque ..................... 843 59,3 525 33,0 312 45,5 258 22,1 Soledade .............................. 546 66,3 698 76,6 484 71,7 490 33,8 Guaporé ................................ 8 733 127,2 1 962 156,2 1 530 80,8 991 43,0 Vacaria ................................. 67 1,1 2 054 74,0 1 599 51,0 387 11,8 Caxias do Sul ....................... 24 520 28,5 13 941 75,4 24 224 85,5 711 6,1 Santiago ............................... 579 84,2 1 100 49,5 689 48,0 205 7,0 Santa Maria .......................... 2 797 71,5 4 177 41,8 6 058 53,9 4 139 54,4 Restinga Seca ...................... 984 104,3 595 72,7 335 48,5 371 28,4 45,3 Santa Cruz do Sul ................ 569 3,3 5 196 78,1 6 006 80,7 2 046 Lajeado-Estrela .................... 11 597 42,7 5 171 75,5 6 012 81,2 3 119 81,1 Cachoeira do Sul .................. -577 -14,6 1 251 36,5 897 29,8 -359 -10,0 Montenegro .......................... 11 056 71,7 2 835 68,9 3 510 108,6 865 22,8 Gramado-Canela .................. 9 876 23,8 4 332 61,4 7 652 130,1 2 404 58,1 126,1 Sao Jerônimo ....................... 107 1,8 1 491 93,0 1 915 56,9 2 533 Porto Alegre ......................... -4 458 -2,1 44 947 38,7 116 282 48,7 27 495 13,5 Osório ................................... 1 674 26,3 7 546 117,3 4 472 74,1 4 554 78,6 Camaquã .............................. 147 5,2 1 094 50,0 580 31,9 983 44,5 Campanha Ocidental ............ -260 -6,5 2 272 22,8 1 340 14,1 2 177 33,0 Campanha Central ............... -286 -16,2 483 8,6 938 21,1 -1 854 -30,4 Campanha Meridional .......... 969 45,4 612 12,9 1 555 37,3 -22 -0,5 Serras de Sudeste ................ 126 9,5 1 336 99,4 865 41,0 844 30,4 Pelotas .................................. -2 784 -20,0 3 957 34,3 4 704 26,2 4 109 44,6 Jaguarão ............................... -67 -35,8 244 21,9 -70 -7,0 51 3,6 Litoral Lagunar ...................... 1 383 40,3 2 693 41,6 2 807 23,1 1 420 21,6 TOTAL .................................. 92 118 18,0 133 546 48,0 220 112 52,7 69 048 20,3 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 57 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Tabela 5 Distribuição do emprego formal nos principais setores de atividade, por microrregiões, do RS — 2005 MICRORREGIÕES E TOTAL Santa Rosa ..................... Três Passos .................... Frederico Westphalen .... Erechim .......................... Sananduva ..................... Cerro Largo .................... Santo Ângelo .................. Ijuí ................................... Carazinho ....................... Passo Fundo .................. Cruz Alta ......................... Não-Me-Toque ............... Soledade ........................ Guaporé .......................... Vacaria ........................... Caxias do Sul ................. Santiago ......................... Santa Maria .................... Restinga Seca ................ Santa Cruz do Sul .......... Lajeado-Estrela .............. Cachoeira do Sul ............ Montenegro .................... Gramado-Canela ............ São Jerônimo ................. Porto Alegre .................... Osório ............................. Camaquã ........................ Campanha Ocidental ...... Campanha Central ......... Campanha Meridional .... Serras de Sudeste .......... Pelotas ............................ Jaguarão ......................... Litoral Lagunar ................ TOTAL ............................ INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO COMÉRCIO SERVIÇOS ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Valor Absoluto % Valor Absoluto % Valor Absoluto % Valor Absoluto % 5 668 5 772 2 958 13 679 1 112 949 3 403 7 772 4 897 18 861 1 681 2 264 1 370 15 596 6 221 110 584 1 267 6 707 1 927 17 952 38 775 3 367 26 477 51 346 6 083 211 168 8 039 2 962 3 764 1 475 3 103 1 448 11 116 120 4 812 24,0 27,5 18,3 33,8 18,0 14,4 14,2 24,4 20,3 29,3 8,1 29,6 20,3 55,6 22,2 50,5 10,4 11,8 28,9 33,9 51,2 18,8 55,1 60,1 28,9 21,0 16,4 21,2 8,1 6,8 13,2 10,6 16,4 2,1 11,7 6 684 4 226 3 877 7 634 1 652 1 797 6 668 8 165 6 069 15 359 6 071 2 118 1 609 3 218 4 828 32 437 3 321 14 163 1 413 11 851 12 017 4 679 6 947 11 389 3 094 161 001 13 979 3 280 12 222 6 111 5 360 2 680 15 504 1 357 9 162 28,3 20,1 23,9 18,9 26,8 27,3 27,9 25,6 25,2 23,8 29,2 27,7 23,8 11,5 17,3 14,8 27,3 25,0 21,2 22,4 15,9 26,2 14,5 13,3 14,7 16,0 28,5 23,5 26,3 28,1 22,8 19,6 22,8 23,3 22,2 5 509 5 599 2 966 8 250 1 009 1 301 5 709 8 024 5 012 18 879 4 204 997 1 159 3 424 4 736 52 564 2 125 17 307 1 026 13 450 13 416 3 911 6 741 13 534 5 281 355 265 10 504 2 396 10 841 5 375 5 729 2 977 22 658 924 14 970 23,3 26,7 18,3 20,4 16,4 19,7 23,9 25,2 20,8 29,3 20,2 13,0 17,2 12,2 16,9 24,0 17,5 30,5 15,4 25,4 17,7 21,9 14,0 15,8 25,1 35,3 21,4 17,1 23,3 24,7 24,4 21,8 33,4 15,9 36,4 3 929 4 352 5 411 5 649 1 947 1 940 5 502 5 151 4 227 6 787 4 902 1 424 1 941 3 294 3 656 12 428 3 115 11 743 1 679 6 560 6 965 3 234 4 664 6 542 4 542 230 748 10 347 3 191 8 782 4 249 4 410 3 618 13 332 1 474 7 992 16,6 20,7 33,4 14,0 31,6 29,4 23,0 16,1 17,6 10,5 23,5 18,6 28,8 11,8 13,1 5,7 25,7 20,7 25,2 12,4 9,2 18,1 9,7 7,7 21,6 22,9 21,1 22,8 18,9 19,5 18,7 26,5 19,6 25,3 19,4 604 695 27,1 411 942 18,4 637 772 28,5 409 727 18,3 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 58 Sheila S. Wagner Sternberg Gráfico 3 Variação percentual da participação do comércio no emprego das microrregiões do RS — 1994-05 Três Passos Montenegro Carazinho Campanha Meridional Não-Me-Toque Erechim Gramado-Canela Ijuí Frederico Westphalen Santa Maria Lajeado-Estrela Passo Fundo Porto Alegre Campanha Ocidental Caxias do Sul Guaporé Cruz Alta Restinga Seca Cerro Largo Campanha Central Soledade Vacaria Camaquã Santiago Santo Ângelo Pelotas Santa Rosa Jaguarão São Jerônimo Santa Cruz do Sul Osório Litoral Lagunar Cachoeira do Sul Serras de Sudeste Sananduva -6,0 -4,0 -2,0 0,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 59 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Gráfico 4 Variação percentual da participação do setor serviços no emprego das microrregiões do RS — 1994-05 Sananduva Jaguarão Guaporé Osório Restinga Seca Santa Rosa Camaquã Campanha Ocidental Cerro Largo Serras de Sudeste Não-Me-Toque Vacaria Carazinho Santo Ângelo Soledade Cruz Alta Santiago Frederico Westphalen Montenegro Lajeado-Estrela Erechim Ijuí Cachoeira do Sul Santa Maria São Jerônimo Pelotas Campanha Meridional Passo Fundo Campanha Central Caxias do Sul Litoral Lagunar Gramado-Canela Santa Cruz do Sul Porto Alegre Três Passos -4,0 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 60 Sheila S. Wagner Sternberg Gráfico 5 Variação percentual da participação da administração pública no emprego das microrregiões do RS — 1994-05 Campanha Central Três Passos Santiago Passo Fundo Guaporé Soledade Restinga Seca Montenegro Vacaria Cachoeira do Sul Erechim Campanha Meridional Santo Ângelo Caxias do Sul Frederico Westphalen Não-Me-Toque Sananduva Porto Alegre Serras de Sudeste Carazinho Osório Ijuí Gramado-Canela Santa Cruz do Sul Cruz Alta Cerro Largo Jaguarão Lajeado-Estrela Litoral Lagunar Camaquã Santa Maria Campanha Ocidental Pelotas Santa Rosa -8,0 -6,0 -4,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 -2,0 0,0 2,0 4,0 6,0 São Jerônimo 8,0 10,0 61 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Gráfico 6 Variação percentual da participação da indústria de transformação no emprego das microrregiões do RS — 1994-05 Guaporé Restinga Seca Três Passos Não-Me-Toque Passo Fundo Frederico Westphalen Santiago Campanha Meridional Litoral Lagunar Santa Maria Ijuí Carazinho Erechim Soledade Montenegro Santo Ângelo Cruz Alta Campanha Central Jaguarão Campanha Ocidental Lajeado-Estrela Serras de Sudeste Cerro Largo Porto Alegre Cachoeira do Sul Camaquã Caxias do Sul Santa Rosa Pelotas Osório Sananduva São Jerônimo Vacaria Gramado-Canela Santa Cruz do Sul -11,0 -6,0 -1,0 4,0 9,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 62 Sheila S. Wagner Sternberg Gráfico 7 Variação percentual da participação das microrregiões no emprego do comércio do RS — 1994-05 Porto Alegre Campanha Ocidental Campanha Central Campanha Meridional Pelotas Três Passos Santo Ângelo Santa Maria Litoral Lagunar Cachoeira do Sul Carazinho Jaguarão Cruz Alta Não-Me-Toque Cerro Largo Santa Rosa Ijuí Santiago Camaquã Restinga Seca Soledade Erechim Sananduva Frederico Westphalen Serras de Sudeste São Jerônimo Vacaria Montenegro Gramado-Canela Guaporé Lajeado-Estrela Santa Cruz do Sul Passo Fundo Osório Caxias do Sul -3,0 -2,5 -2,0 -1,5 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 1,5 63 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Gráfico 8 Variação percentual da participação das microrregiões no emprego do setor serviços do RS — 1994-05 Porto Alegre Pelotas Campanha Ocidental Litoral Lagunar Santo Ângelo Campanha Central Santa Rosa Cachoeira do Sul Campanha Meridional Jaguarão Camaquã Sananduva Cruz Alta Serras de Sudeste Cerro Largo Santiago Vacaria Não-Me-Toque Carazinho Restinga Seca Soledade Santa Maria São Jerônimo Ijuí Frederico Westphalen Guaporé Erechim Osório Três Passos Montenegro Santa Cruz do Sul Lajeado-Estrela Passo Fundo Gramado-Canela Caxias do Sul -1,7 -1,2 -0,7 -0,2 0,3 0,8 1,3 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 64 Sheila S. Wagner Sternberg Gráfico 9 Variação percentual da participação das microrregiões no emprego da administração pública do RS — 1994-05 Porto Alegre Campanha Central Caxias do Sul Santo Ângelo Cachoeira do Sul Campanha Meridional Passo Fundo Santiago Três Passos Vacaria Jaguarão Não-Me-Toque Litoral Lagunar Montenegro Restinga Seca Sananduva Cerro Largo Soledade Serras de Sudeste Cruz Alta Erechim Guaporé Camaquã Carazinho Campanha Ocidental Ijuí Santa Cruz do Sul Frederico Westphalen Santa Rosa Gramado-Canela São Jerônimo Pelotas Lajeado-Estrela Santa Maria Osório -3,5 -3,0 -2,5 -2,0 FONTE: RAIS-MTE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 -1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0 65 Diferenciais regionais na evolução do emprego formal no RS, no período 1994-05 Gráfico 10 Variação percentual da participação das microrregiões no emprego da indústria de transformação do RS — 1994-05 Porto Alegre Pelotas Santa Cruz do Sul Cachoeira do Sul Vacaria Campanha Ocidental São Jerônimo Santa Rosa Campanha Central Camaquã Sananduva Serras de Sudeste Jaguarão Cerro Largo Santo Ângelo Cruz Alta Soledade Santiago Osório Campanha Meridional Não-Me-Toque Litoral Lagunar Restinga Seca Carazinho Frederico Westphalen Ijuí Santa Maria Três Passos Gramado-Canela Erechim Lajeado-Estrela Passo Fundo Guaporé Montenegro Caxias do Sul -7,5 -6,5 -5,5 -4,5 -3,5 -2,5 -1,5 -0,5 0,5 1,5 2,5 FONTE: RAIS-MTE. Considerações finais Os dados apresentados permitem identificar a diversidade de comportamento do emprego formal nas microrregiões que compõem o Rio Grande do Sul, que se expressa nas distintas taxas de variação do emprego — em termos tanto globais como setoriais — de cada uma delas. O crescimento mais expressivo e quase generalizado do emprego no comércio e em serviços fez com que esses setores, responsáveis pela maior parcela das vagas geradas, no período analisado, ampliassem sua participação no emprego, em praticamente todas as microrregiões. Já a indústria de transformação, com menor crescimento ou, até mesmo, com diminuição do contingente empregado, teve sua participação diminuída em um número significativo de microrregiões. Espacialmente, verifica-se, no período estudado, que a maior geração de vagas se dá na porção do território que vai da Microrregião Porto Alegre até a Microrregião Caxias do Sul, cobrindo praticamente toda a parte central do Estado e apontando em direção ao norte, atingindo as Microrregiões Passo Fundo e Erechim. É também nesse espaço que se encontra a maior concentração de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 66 empregados formais do RS. Nesse período, contudo, observa-se uma tendência, ainda que tênue, à desconcentração do emprego estadual, que se deve, fundamentalmente, à perda de participação da Microrregião Porto Alegre. Ainda assim, essa microrregião, que respondeu pela maior parcela de vagas geradas, era, em 2005, a que detinha as maiores concentrações de empregados formais nos setores analisados e também na totalidade do emprego estadual. Tem-se, pois, um quadro bastante desigual, tanto em termos de geração de oportunidades de emprego como especialmente no que diz respeito à distribuição espacial do emprego, o que traz à tona a necessidade e a importância de que se avance no conhecimento das especificidades que condicionam os diferentes comportamentos regionais. Referências COSTANZI, R. N. Evolução do emprego formal no Brasil (1985-2003) e implicações para as políticas públicas de geração de emprego e renda. Brasília: IPEA, 2004. (Texto para discussão, n. 1039). IBGE. Censo Demográfico 2000: trabalho e rendimento; resultados da amostra. Rio de Janeiro, 2003. IBGE. Resolução da Presidência do IBGE n.11, de 5 de junho de 1990. Boletim de Serviço da Instituição, ano 38, n.1.774, semanas 026 a 030, s. d. (circulação interna). IBGE. Síntese de indicadores sociais 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2001. IBGE. Síntese de indicadores sociais 2003. Rio de Janeiro: IBGE, 2004. JORNADA, Maria Isabel H. O mercado de trabalho no Rio Grande do Sul e o Plano Real: principais evidências. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 223-246, ago. 2004. PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS 1993-1999, 2001, 2004, 2005: RS. Rio de Janeiro: IBGE, 1993/1999, 2002, 2005, 2006 RAMOS, L.; FERREIRA, V. Geração e realocação espacial do mercado de trabalho brasileiro — 1992-2002. Rio de Janeiro: IPEA, 2004. (Texto para discussão, n.1027). RAMOS, L.; FERREIRA, V. Padrão espacial da evolução do emprego formal — 1995-2003. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. (Texto para discussão, n.1102). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 43-66, fev. 2008 Sheila S. Wagner Sternberg STERNBERG, Sheila S. Wagner. Mercado de trabalho no RS, no período 1999-2005: um contraste entre a RMPA e os municípios não metropolitanos. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v. 34, n. 4, p. 143-166, 2007. STERNBERG, Sheila S. Wagner. O Plano Real e o mercado formal de trabalho no Rio Grande do Sul. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v. 32, n. 4, p. 249-270, mar. 2005. 67 Déficit da Previdência: a verdade que se encerra Políticas públicas Déficit da Previdência: a verdade que se encerra* Calino Pacheco Filho** Economista da FEE Introdução das quais os trabalhadores tivessem uma integração, com alguma segurança, ao sistema produtivo e, dessa forma, fossem reduzidos os conflitos sociais. Na década de 80 do século XIX, na Alemanha, sob a inspiração do Chanceler Otto Von Bismark, foi criada a Lei dos Seguros Sociais, que instituía o Seguro-Doença (1883), o Seguro Contra Acidente de Trabalho (1884) e o Seguro Contra a Invalidez e a Velhice (1889). O custeio desse sistema securitário tinha sustentação nas contribuições de empregados e do Estado. Bismark argumentava que “[...] por mais caro que pareça o seguro social, resulta menos gravoso que os riscos de uma revolução” (Pereira Junior, 2005, p. 2). Esse sistema de seguros sociais obrigatórios, abrangendo os trabalhadores da indústria e do comércio, financiado por um esquema de contribuições tripartite, colocava o Estado como o administrador responsável pelo mesmo. Assim, estava configurada a base da moderna previdência social. O Seguro Social espalhou-se pela Europa e pelos Estados Unidos e foi sofrendo alterações no final do século XIX e ao longo do século XX. Na década de 40 do século XX, o Governo inglês, premido pelo esforço de guerra e orientado pelo princípio da união na luta pela sua sobrevivência, criou uma comissão com o objetivo de elaborar um relatório sobre o sistema de proteção social. Presidida pelo economista liberal Sir William Beveridge, a comissão construiu o arcabouço do que ficou conhecido como Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), cujas premissas básicas, conforme Boschetti (2003, p. 10), definem a responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio da regulação da economia de mercado, a fim de manter elevado nível de emprego e de prestação pública de serviços sociais universais, como educação, seguridade social, assistência médica e habitação. A seguridade social concebida no bojo do Estado de Bem-Estar Social não pode ser confundida com o conceito de seguro social ou mesmo de previdência social. O Seguro Social é guiado pelos riscos sociais oriundos de seu esforço produtivo (doença, invalidez, acidente, velhice) que acometem os trabalhadores e tem uma lógica O presente texto tem como objetivo analisar a questão atual do (des)equilíbrio das contas do sistema previdenciário brasileiro. A primeira seção trata do surgimento do Seguro Social na Europa até a sua ampliação como seguridade social e traça uma breve evolução histórica da Previdência Social brasileira, passando pelas mudanças introduzidas pela Constituição de 1988 até a situação atual. A segunda seção mostra, num primeiro momento, como o sistema previdenciário participou do financiamento do processo de crescimento econômico e, num segundo momento, a discussão acerca do déficit previdenciário no Brasil. A terceira seção enfoca a seguridade social e as desvinculações de seu orçamento para outros fins. E, por fim, ressalta-se que, com um crescimento econômico expressivo e com a nova metodologia do Governo na apresentação das contas da Previdência, o sistema pode caminhar para o equilíbrio. 1 Seguro Social versus seguridade social Até meados do século XIX, o sistema capitalista, já consolidado em sua fase industrial, não oferecia nenhum tipo de proteção social aos trabalhadores, tais como assistência médica, aposentadorias e pensões, além de os mesmos estarem submetidos a salários aviltados e a condições muito precárias de trabalho. As revoltas populares e as greves, apesar de duramente reprimidas, proliferavam e constituíam motivo de séria preocupação para os governantes dos países da Europa. Esse contexto tornou necessária a intervenção do Estado, para construir formas de proteção social através * Artigo recebido em 16 out. 2007. ** E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 68 contributiva — contribuir no presente, a fim de gozar um benefício no futuro. Já a seguridade social tem como objeto o cidadão, trabalhador, ou não, portador de uma necessidade social e prevê benefícios sem contrapartida contributiva. A concepção de previdência social no Brasil tomou forma com a Lei Eloy Chaves, em 1923, quando foram criadas as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que se constituíram nas primeiras instituições previdenciárias do País. Assim, a proteção social passou a contar com uma instituição que oferecia pensão e aposentadoria, além de assistência médica e auxílio farmacêutico. As CAPs eram sociedades civis que tinham abrangência por empresas, mas não possuíam uma organização geográfica, e sua administração realizava-se por meio de um colegiado composto por empregados e empregadores com ingerência mínima do poder público. Na década de 30 do século XX, com o processo de crescimento industrial e com a ampliação das classes assalariadas urbanas, o Estado brasileiro passou a intervir nas relações trabalhistas, de forma a conciliar os conflitos entre capital e trabalho. Desse modo, no que tange à proteção social, o Estado emergiu como o responsável pelo sistema previdenciário, substituindo as CAPs por Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), autarquias organizadas por categorias profissionais, abrangendo todo o território nacional, com um sistema de custeio através de contribuições paritárias dos empregados, dos empregadores e do Estado. Segundo Gentil (2006, p. 96), no Brasil, há uma nítida diferença na organização dos seguros sociais, antes e depois de 1930. Ao final da década de 40, tínhamos 10 vezes mais segurados do que em 1934. A criação da Lei Orgânica da Previdência Social, em 1960, veio promover a uniformização legislativa dos IAPs. A partir daí, a União passou a não participar mais do custeio da proteção social, mas tornou-se responsável pelas despesas de administração geral, financeira e de pagamento de pessoal. Porém a unificação da gestão do sistema previdenciário só foi levada a efeito com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social, em 1966. Em 1971, foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural (Funrural), que concedeu, pela primeira vez, ao trabalhador rural, benefícios previdenciários: aposentadoria por velhice e invalidez e pensão por morte; além disso, incluía Auxílio-Funeral, serviços de saúde e serviço social. A aposentadoria correspondia, então, a 50% do salário mínimo. Ao longo da década de 70, foram ocorrendo importantes avanços na proteção social: a inclusão dos empregados domésticos e dos trabalhadores autônomos no sistema previdenciário e a criação da Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 Calino Pacheco Filho Renda Mensal Vitalícia para os idosos pobres com mais de 70 anos. A previdência social no Brasil, ainda que tenha apresentado avanços até a década de 80, não conseguiu se afastar do enfoque do Seguro Social, cujo pressuposto é a contribuição compulsória dos empregados formais e de seus empregadores. A Constituição de 1988 tentou dar um passo além desse contexto, rumando para a concepção da seguridade social. O fim da ditadura militar, em 1985, resultou num amplo processo de discussão dos problemas sociais represados por mais de 20 anos de cerceamento às liberdades democráticas. A convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte deu origem a uma carta constitucional que incluiu transformações fundamentais no sistema de proteção social do País. No artigo 194 da Constituição Cidadã, foi inserido o conceito de seguridade social como o “[...] conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade relativos à saúde, à previdência social e à assistência social”. No caso da previdência, ao conjugar Seguro e seguridade social, ampliou a sua cobertura, de modo a incluir parcela da população até então não atendida pelo sistema. É o caso dos trabalhadores rurais, que passaram a ter pleno acesso aos benefícios previdenciários. A premissa básica era a ampliação da proteção social, do seguro para a seguridade social, determinando a subordinação de uma concepção previdenciária estrita, que permaneceu, a uma mais abrangente (Gentil, 2006, p. 115). Novos direitos sociais, como os benefícios assistenciais para idosos e deficientes carentes e a expansão dos benefícios previdenciários dos trabalhadores da agricultura familiar, exigem uma base financeira mais ampla do que as contribuições diretas de trabalhadores e empregadores. Para tanto, as fontes de financiamento do sistema de seguridade social foram previstas no artigo 195 da Constituição Federal e compreendem, além das contribuições previdenciárias de empregados e empregadores, as seguintes contribuições sociais: Contribuição Sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Concurso de Prognósticos, recursos provenientes do Orçamento da União e, mais tarde, a Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF). Déficit da Previdência: a verdade que se encerra 2 Financiamento do sistema previdenciário brasileiro 2.1 O sistema previdenciário financia o Estado Os sistemas previdenciários, em sua fase inicial, tiveram como característica apresentar um ritmo de crescimento tanto de suas despesas como do aumento de segurados contribuintes. Nessa fase, as suas obrigações com o pagamento de benefícios aumentaram em uma proporção bem menor do que a proporção de crescimento dos segurados. No Brasil, a massa de segurados ativos era de 22.991 em 1923, cresceu para 142.464 em 1930, alcançando 2.762.822 segurados em 1945 (Andrade, 1999, p. 48). Ainda assim, poucos trabalhadores haviam adquirido o direito de se aposentarem, o que significava que as receitas do sistema eram superiores às suas despesas. Em 1936, foi criado o Fundo Geral de Garantia e Compensação das Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões, com o objetivo de cobrir a eventualidade de déficits no futuro. Os recursos seriam aplicados em investimentos rentáveis pelo Conselho Nacional do Trabalho. Dessa forma, ficou instituída a combinação de um regime de repartição (onde o custeio seria garantido pelas contribuições de empregados, empregadores e Estado) com um de capitalização de reservas (Andrade, 1999, p. 50). Desse modo, estavam criadas as condições para a constituição de um sólido sistema previdenciário, com reservas que poderiam prover as dificuldades futuras. O Fundo não se viabilizou, e o Estado, além de não entrar com a sua parcela de contribuição, tratou de desviar as reservas da Previdência para outras finalidades. O Estado brasileiro, em sua estratégia de industrialização e de crescimento econômico, criou mecanismos para controlar os elevados superávits do sistema. Em 1939, autorizou os fundos previdenciários a efetuarem empréstimos a pessoas físicas ou jurídicas em processos de reflorestamento, papel e celulose e material bélico. Também tratou de impor a subscrição de ações preferenciais de empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Companhia Nacional de Álcalis e a Fábrica Nacional de Motores. No decreto de criação do Banco Nacional de Desenvolvimento, em 1952, constou um artigo onde era exigida das instituições previdenciárias 69 a concessão de empréstimos compulsórios em montante fixado pelo Ministério da Fazenda. De acordo com dados levantados por Andrade (1999, p. 47), o montante das reservas financeiras do sistema de previdência teve uma trajetória de superávits no período 1930-97. De 1930 a 1949, a relação despesa/ /receita — recursos necessários para o pagamento do total de benefícios — foi de 43,33%, ou seja, mais da metade da arrecadação (56,67%) constituía-se em resultado positivo do sistema previdenciário. A partir de 1950, o sistema passou a viver problemas típicos da fase de maturidade: as contribuições e benefícios passam a crescer de forma desproporcional. No período 1950-69, a relação despesa/receita subiu para 71,93% e, de 1970 a 1997, subiu ainda mais (77,82%), porém ainda se mantendo superavitária. A partir da segunda metade da década de 90, o saldo previdenciário — arrecadação oriunda das contribuições de trabalhadores e empregadores menos o pagamento de benefícios a segurados e pensionistas — passou a tornar-se negativo. Os recursos previdenciários, que, na primeira metade do século XX, contribuíram para o processo de financiamento do crescimento econômico do País, continuaram, na segunda metade do século, colaborando com o financiamento do Estado brasileiro na construção de Brasília, da ponte Rio-Niterói, da Usina Hidrelétrica de Itaipu, da estrada Transamazônica e das Usinas Nucleares de Angra dos Reis. A professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Eli Gurgel Andrade (B. Inf. UNAFISCO..., 2003) estima que o volume total de recursos da Previdência utilizados para o financiamento do Estado era equivalente a 69,7% do PIB daquele ano (2003). Dessa forma, com um volume importante de reservas, a Previdência Social, a partir da década de 30, é transformada em “sócia” do Estado no financiamento do processo de industrialização e crescimento econômico do País. 2.2 O discurso do déficit previdenciário Desde o início da década de 90, predomina, no Brasil, uma concepção defendida por empresários, parlamentares e pelo Governo Federal de que o grande impedimento ao crescimento sustentado da economia brasileira é o desequilíbrio fiscal, do qual o “déficit explosivo” da Previdência Social é o principal responsável. Um exemplo dessa idéia está assim expresso no editorial do jornal Zero Hora de 20.11.06 (Entrave..., 2006): Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 70 Calino Pacheco Filho O problema do déficit previdenciário, que é grave e que a curto prazo inviabiliza o equilíbrio das contas públicas, além de comprometer a capacidade do governo de investir em outras áreas essenciais, não pode deixar de ser um tema urgente e preocupante para a própria estratégia de longo prazo. As medidas de curto prazo propostas por esses setores para serem implementadas através de uma reforma na Previdência seriam, dentre outras, o estabelecimento de idade mínima para as aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a desvinculação entre benefícios previdenciários e salário mínimo e o fim do regime especial de aposentadorias para professores e trabalhadores da agricultura familiar. Essa posição, fortemente repercutida na mídia (jornais, revistas e TV), formou um consenso nacional, cuja hegemonia só foi parcialmente quebrada com as discussões no Fórum Nacional de Previdência Social (FNPS), instalado pelo Governo Lula no início de 2007, com o objetivo de fazer uma avaliação da situação da Previdência Social no País, o qual é formado por representantes do Governo Federal, por centrais sindicais, por aposentados, por empregadores e por especialistas da área previdenciária. No FNPS, o contraponto ao discurso do déficit surgiu, de forma categórica, a partir dos sindicatos e das associações de aposentados, e a mídia viu-se na obrigação de ceder algum espaço para esses setores. Para estes, a proteção social deve ser traduzida em princípios redistributivistas baseados na intervenção estatal. Defendem o sistema de seguridade social implantado pela Constituição de 1988 e argumentam que o orçamento desse sistema apresentaria um superávit significativo, por conseguinte, a Previdência também não seria deficitária. Na década de 90, vamos encontrar a combinação de dois fatores: o “amadurecimento” do sistema previdenciário — que aumenta, mais que proporcionalmente, o número de aposentados e pensionistas que auferem benefícios em relação número de contribuintes — e uma política econômica recessiva que grassa desde a década de 80, aumentando o desemprego e a informalidade, e que produz um impacto negativo na base contributiva do sistema. Em conseqüência, o saldo previdenciário do RGPS passou a mostrar resultados negativos a partir de 1999, situação que persiste até os últimos dados consolidados (Tabela 1). Os resultados negativos do saldo previdenciário são considerados pelo Governo e pela mídia como o déficit do sistema de previdência social. Ocorre que o saldo previdenciário é a soma das receitas provenientes das Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 contribuições de empregados e empregadores deduzidos os benefícios pagos aos aposentados e pensionistas. Constituem-se em um resultado parcial do fluxo de caixa do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), cujo resultado final é o saldo operacional. O saldo previdenciário inscreve-se dentro da noção de Seguro Social, onde a cobertura dos benefícios deve ser sustentada estritamente pelo volume de contribuições de trabalhadores e patrões. O saldo operacional está ligado à noção de seguridade social e envolve o subsistema previdenciário rural e os benefícios assistenciais (auxilio à velhice e a deficientes pobres), que configuram gastos sem contrapartida contributiva e que, segundo o dispositivo constitucional de 1988, deveriam ser financiados pelas receitas advindas das contribuições sociais, como a Cofins, a CSLL e a CPMF, criada em 1994. O “explosivo” déficit da Previdência Social expresso no saldo previdenciário é, portanto, resultado de alguns itens das receitas do fluxo de caixa do INSS que provêm estritamente das contribuições previdenciárias de empregados e empregadores, cotejadas com a totalidade dos benefícios pagos. O saldo operacional, por sua vez, é a arrecadação líquida proveniente do recebimento de todas as fontes de recursos da Previdência deduzido do total das despesas, conforme podemos verificar na Tabela 1, onde constatamos que, de 1999 a 2006, só ocorreu déficit em 2003 (R$ 1,13 bilhão) e, mesmo assim, de magnitude bem menor do que o déficit apresentado no saldo previdenciário (R$ 26,40 bilhões). Porém esses superávits operacionais registrados oficialmente no fluxo de caixa do INSS são ignorados pela grande mídia e não são divulgados para a população como sendo o resultado final das contas da Previdência Social. O fluxo de caixa do INSS poderia apresentar resultados ainda mais favoráveis, se não ocorresse a inserção de gastos que não são característicos da Previdência Social, como os benefícios assistenciais pagos a idosos e deficientes pobres. Além disso, também é incluída, no fluxo de caixa, a folha de pagamento dos servidores do Ministério da Previdência Social (MPS). Em 2003, os benefícios assistenciais e a folha de pagamento dos funcionários do Ministério totalizaram uma despesa de R$ 8,22 bilhões, valor que cobriria, com muita folga, o déficit operacional daquele ano, que foi de R$ 1,13 bilhão. Tais atribuições são de competência da União e deveriam ser atendidas diretamente com recursos do Tesouro Nacional. Outra peculiaridade do fluxo de caixa do INSS é que as receitas próprias do orçamento da seguridade social, como a Cofins, a CSLL, a CPMF e as receitas 71 Déficit da Previdência: a verdade que se encerra das loterias federais, são computadas como Transferências da União, ou seja, são apropriadas pelo Ministério da Fazenda e depositadas no Banco Central. Como a receita das contribuições previdenciárias é insuficiente para pagar as despesas com benefícios, o Governo Federal “transfere” recursos que, originalmente, são próprios da seguridade social por determinação constitucional, para tapar o “rombo” causado pelo déficit da Previdência Social (Tabela 2). Em 2006, o Ministério da Previdência Social inovou, ao apresentar o resultado das contas do Regime Geral de Previdência Social agregando importantes modificações, tais como o reconhecimento da parcela da CPMF constitucionalmente determinada como fazendo parte das receitas do RGPS, o desconto da despesa com o subsistema de previdência rural como política social de distribuição de renda a ser arcada diretamente pela União e a admissão das renúncias previdenciárias como despesa do sistema. Assim, no ano de 2006, o saldo previdenciário, com déficit de R$ 42 bilhões, passou, com a nova metodologia proposta pelo Governo, a ter um déficit de R$ 3,8 bilhões. Dessa forma, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) (B. Not. ANFIP, 2006, p. 63), em 2006, o déficit caiu de 1,8% para 0,95% do PIB. Se projetarmos um crescimento econômico variando entre 4,5% e 5%, o RGPS, dentro dessa metodologia, chegaria, em 2010, com um déficit de 0,38% do PIB. Essa forma mais transparente de apresentação do resultado previdenciário foi aprovada por consenso no FNPS. Tabela 1 Saldo previdenciário e saldo operacional do fluxo de caixa do INSS no Brasil — 1999-06 (R$ bilhão) RUBRICAS 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Saldo previdenciário ....... -9,412 -10,072 -16,999 -16,998 -26,404 -31,985 -37,576 -42,065 Saldo operacional ........... 0,190 0,711 2,969 2,969 -1,132 8,259 0,921 1,246 FONTE: BRASIL. Ministério da Previdência Social. Tabela 2 Resumo do fluxo de caixa do INSS no Brasil — 2002-06 (R$ bilhão) RUBRICAS 2002 2003 2004 2005 2006 Recebimentos ........................... 105,035 122,229 160,000 172,719 201,756 Arrecadação líquida .................. 71,027 80,730 93,765 108,434 123,520 Pagamentos .............................. 102,066 123,361 151,741 171,798 200,510 Benefícios previdenciários ........ 88,026 107,134 125,750 146,010 165,585 Saldo previdenciário ................. -16,999 -26,404 -31,985 -37,576 -42,065 Saldo operacional ..................... 2,969 -1,132 8,259 0,921 1,246 FONTE: INSS. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 72 Calino Pacheco Filho 3 Orçamento da seguridade social e suas desvinculações A Cofins e a CSLL foram criadas, no bojo da Constituição de 1988, como fontes específicas de financiamento do sistema de seguridade social. A CPMF veio depois, com a finalidade de financiar o setor da saúde; posteriormente, porém, ficou decidido que os seus recursos seriam assim distribuídos: 42,1% para a saúde, 21,5% para a Previdência Social, 21,5% para o Fundo de Erradicação da Pobreza e 15,8% para o orçamento fiscal através da Desvinculação de Receitas da União (DRU). A CPMF é a única das contribuições sociais que tem uma distribuição percentualmente detalhada para as distintas áreas da seguridade social; as demais (Cofins e CSLL), além da destinação genérica para a seguridade social, só têm definição no que tange à desvinculação de 20% pela DRU. Já o PIS-Pasep destina 60% de suas receitas para a seguridade social(Seguro-Desemprego e Abono Salarial), sendo que os restantes 40% têm como destinatário o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para aplicação em projetos de desenvolvimento econômico. A Anfip realiza anualmente uma detalhada análise da seguridade social no País, à luz dos artigos 194 e 195 da Constituição Federal, demonstrando, através de um balanço com todas as receitas comparadas com todas as despesas, que o sistema se mostrou superavitário no período de 1995 a 2006, sendo que, somente nos dois últimos anos, o orçamento da seguridade social registrou um superávit acumulado de cerca de R$ 105 bilhões (Tabela 3). Porém existe um mecanismo utilizado para retirar recursos do orçamento da seguridade social para outras áreas de interesse do Governo. A Desvinculação das Receitas da União, estabelecida através de emenda constitucional, autoriza o Governo a utilizar 20% dos recursos arrecadados, livre de vinculação a despesas específicas. Dessa forma, receitas próprias da seguridade social são desviadas para o Orçamento Fiscal. Segundo a Anfip (2007, p. 12): Historicamente, a DRU se mostra como um dos vários mecanismos utilizados para retirar recurso de diversas áreas e programações, principalmente seguridade, educação e infra-estrutura de transportes. Ao contrário do que é usualmente afirmado, a DRU não é uma resposta ao engessamento causado pelo conjunto de vinculações orçamentárias. Ela Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 não afeta a vinculação existente para as despesas financeiras, a maior de todas. Somente para os pagamentos do valor principal e dos encargos da dívida, foram executados no orçamento, em 2006, mais de R$ 600 bilhões — desse total, cerca de R$ 138 bilhões são juros reais e R$ 462 bilhões são amortizações. Isto é, mais do dobro do que se gastou com a seguridade social, por exemplo. O alvo da DRU sempre foi a desvinculação de obrigações do Estado para com as diversas despesas sociais e de infra-estrutura. Segundo Gentil (2006, p. 54), houve desvios para além dos 20% previstos legalmente pela DRU: de 1995 a 2005, foram subtraídos R$ 267 bilhões dos recursos da seguridade social, sendo R$ 160 bilhões através da DRU e R$ 107 bilhões além do legalmente estabelecido. Outro desvio apontado pela autora (Gentil, 2006, p. 58) é o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), sem qualquer previsão legal. De acordo com a Constituição, o órgão que representa a Previdência no sistema de seguridade é o RGPS, administrado pelo INSS. O RPPS é o sistema previdenciário próprio dos servidores da União, dos estados e dos municípios, inclusive do Legislativo e do Judiciário, que têm suas aposentadorias e pensões — cujos valores são mais elevados do que os praticados no RGPS — financiadas, em grande parte, pelas receitas da seguridade social. Trata-se de categorias regidas pelo estatuto dos servidores públicos, amparadas por aposentadoria integral e paridade, que possuem capacidade contributiva para bancar o pagamento de seus benefícios, e, em caso de déficit, a responsabilidade deveria caber ao Governo Federal. Frente ao surgimento, cada vez mais freqüente, do contraponto ao discurso do “rombo na Previdência”, este passa a ser substituído pelo discurso do excessivo gasto previdenciário, que seria um obstáculo ao crescimento econômico, na medida em que utiliza recursos que poderiam ser transformados em investimento. Segundo o economista especializado em política fiscal Francisco Lopreato (B. Not. ANFIP, 2006): O setor produtivo tem dois interesses particulares na reforma da previdência: redução da carga tributária e aumento de investimentos, porque isso faz a demanda crescer. Se o governo conseguir segurar os gastos com previdência, poderia relaxar a carga tributária. O setor financeiro, hoje com uma associação cada vez mais íntima com segmentos do chamado setor produtivo, vem aplaudindo, com forte repercussão na mídia, a política do Governo Federal com relação ao 73 Déficit da Previdência: a verdade que se encerra superávit primário, porém com a ressalva de que a manutenção deste no patamar atual só foi alcançada graças ao aumento da carga tributária, quando deveria ser realizada através do corte das despesas previdenciárias. De acordo com Lopreato (B. Not. ANFIP, 2006), “[...] quem defende a reforma da previdência não quer questionar nem a dívida pública, nem os juros. Há uma resistência muito forte para que se reduza a taxa de juros, porque ela favorece o sistema bancário”. Tabela 3 Receitas e despesas da seguridade social no Brasil — 2002-06 (R$ bilhão) RUBRICAS 2002 2003 2004 2005 2006 A - Total das receitas ............... 157 400 180 440 220 340 278 104 303 028 B - Total das despesas ............. 124 440 148 710 177 800 221 222 255 171 C - Resultado (A - B) ................ 32 960 31 730 42 540 56 882 47 857 FONTE: Anfip. 4 Considerações finais Ao analisarmos o comportamento das contas do RGPS estritamente pelo saldo previdenciário — contribuições resultantes do emprego formalizado e da massa salarial —, vamos verificar que, a partir da segunda metade da década de 90, iniciou-se uma trajetória de resultados negativos. Estes foram decorrentes de uma política econômica restritiva, caracterizada por uma média de crescimento pífia: de 1995 a 2005, o PIB cresceu a uma taxa de 2,7% ao ano. A taxa de desemprego aumentou de 5,8% em 1995 para 12,3% em 2003, chegando, em 2005, a um patamar menor (9,8%). O rendimento médio real dos assalariados, que era de R$ 302,65 em 1995, subiu para R$ 1.139,10 em 2002, retraindo-se para R$ 1.004,32 em 2005. A relação pessoas empregadas com carteira assinada sobre o total de pessoas ocupadas caiu de 49,7% em 1995 para 45% em 2005 (Gentil, 2006, p. 220). Mesmo com a tímida recuperação econômica do biênio 2004-05 e apesar dos significativos aumentos reais do salário mínimo nesse período, as receitas previdenciárias — contrariando a tendência histórica verificada de crescimento das despesas acima do crescimento das receitas — tiveram, em 2006, uma importante reação: as receitas aumentaram 13,9% com relação a 2005, ao passo que as despesas cresceram 13,4% (ANFIP, 2007, p. 19). Tal fato não ocorria desde o Plano Real. Ao se realizarem os prognósticos de crescimento da economia em torno de 5% nos próximos anos, com uma inclusão significativa de novos contribuintes, mesmo dentro da concepção estrita de saldo previdenciário, as contas do RGPS, com a nova metodologia proposta pelo Governo, tendem a se tornar auto-suficientes sem a necessidade de uma reforma previdenciária. Referências ANDRADE, Eli Iola Gurgel Andrade. (Des)equilíbrio da previdência social brasileira 1945-1997. Tese (Doutorado)—Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas FACE/ /UFMG, Departamento de Demografia, Belo Horizonte,1999. ASSOCIAÇÃO DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL — ANFIP. Análise da seguridade social 2006. Brasília, 2007. Disponível em: <www.anfip.org.br>. Acesso em: set. 2007. BOLETIM DE NOTÍCIAS DA ANFIP. Brasília: ANFIP, 28 ago. 2006. Disponível em: <www.anfip.org.br>. Acesso em: ago. 2006. BOLETIM INFORMATIVO UNAFISCO-SINDICAL. Brasília: Sindicato Nacional do Auditores Fiscais da Receita Federal. 2003. Disponível em: <www.unafisco.org.br>. Acesso em: set. 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 74 BOSCHETTI, Ivanete. Implicações da reforma da previdência na seguridade social. Porto Alegre, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: set. 2007. ENTRAVE previdenciário, O. Zero Hora, Porto Alegre, 20 nov. 2006. GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e falsa crise da previdência social brasileira: análise financeira do período 1990-2005. Tese (Doutorado)—Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação, 2006. PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais. Teresina, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>. Acesso em: jul. 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 67-74, fev. 2008 Calino Pacheco Filho 75 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20* Jaques Alberto Bensussan** 1 Introdução Este trabalho, baseado em um estudo prospectivo, tem por objeto enfocar a possibilidade de estrangulamento do setor elétrico frente às questões do crescimento da economia brasileira e seus rebatimentos nos fluxos de energia, restringido à dimensão espacial relativa ao Estado do Rio Grande do Sul e amarrado, temporalmente, ao limiar do novo século. Assim, o artigo propõe-se a expressar, de um lado, a capacidade da infra-estrutura energética do setor elétrico em 2010, considerando a infra-estrutura atualmente existente, adicionada dos projetos e das obras em andamento, e, de outro, os fluxos do setor, prospectivamente projetados a partir de um cenário tendencial de crescimento com três taxas diversas, já influenciadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — 2007-10 (Brasil, 2007) do Governo Federal (Souza, 2007). Dessa relação entre a infra-estrutura do setor elétrico e seus fluxos de energia, poder-se-ão detectar os pontos de estrangulamento do sistema em qualquer ponto no horizonte de tempo, alertando para a confecção dos ajustes, quando necessários, com a devida antecedência, dentro da idéia de um planejamento global e estratégico. Na verdade, essa proposição abre uma porta para diversos trabalhos futuros, tais como a cenarização simultânea da matriz e da infra-estrutura energética, privilegiando diversos tipos de funções objetivas multiperiódicas, tais como a minimização do custo de todo o sistema de energia, ou a minimização de seus impactos ambientais, ou, ainda, a participação crescente dos energéticos novos-renováveis¹ na transição para * Artigo recebido em 17 out. 2007. **E-mail: [email protected] 1 Tais como energia eólica, solar, etc. Doutor em Planejamento Energético pela Unicamp, Economista da FEE uma era pós-petróleo, considerando-se os diversos e pertinentes elencos de restrições. Trata-se, enfim, embora restrita ao setor elétrico, de uma tentativa, de uma incursão para o entendimento do setor energético como um dos módulos de que se reveste a sociedade, mantendo com ela vínculos de interdependência, cuja resultante é determinada pelo seu estilo e pelos vetores políticos, jurídicos, científicos, tecnológicos, educacionais, dentre outros, que lhe dão dinamicidade e lhe imprimem a direção, revelando, explicitamente, ou não, a qualidade e a intensidade de seu movimento. 2 Objetos do estudo O estudo propõe-se a cotejar a capacidade da infra-estrutura levantada, inclusive a estimada, com os fluxos da cenarização de eletricidade na matriz energética, em um dado horizonte temporal do Rio Grande do Sul — entre 2010 e 2020. Os objetos específicos são: a) estimar os requerimentos de energia elétrica no Rio Grande do Sul, conforme três variantes do cenário tendencial; b) determinar a capacidade de geração de energia elétrica para o Rio Grande do Sul; e c) detectar os pontos de estrangulamento entre os fluxos de energia elétrica e sua infra-estrutura. 3 Dimensões espaço-temporais As dimensões temporais do trabalho variarão conforme os objetos da pesquisa acima enumerados. A dimensão espacial do trabalho restringir-se-á ao território correspondente ao Estado do Rio Grande do Sul. O tempo prospectivo corresponderá ao período que vai de 2010 a 2020. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 76 Jaques Alberto Bensussan 4 Dos modelos de análise A idéia destacada neste trabalho restringe-se a um cenário tendencial e a três variantes de crescimento da economia brasileira, que condicionarão o crescimento da economia gaúcha e seus requerimentos de energia. As variantes adotadas são de 3,5%, 4,5% e 5,5% ao ano e atendem a uma imposição social do desempenho esperado da economia brasileira a partir do PAC, simulando uma certa pressão sobre os requerimentos energéticos, para o período prospectivo de análise. Foram feitas várias regressões entre o PIB do Rio Grande de Sul (PIBRS) e o do Brasil (PIBBR) para uma série que vai de 1970 a 2002, escolhendo-se, dentre elas, a função Log-Log que apresentou os melhores resultados, conferidos a partir de seus parâmetros, tais como o coeficiente de determinação ajustado, a análise da variância, os testes de hipótese com nível de significância de 5% e o de Durbin-Watson. Mais especificamente, para fins deste trabalho, o conceito dos requerimentos de energia, medido em Joules, para o conjunto de todos os fluxos e usos energéticos, corresponde a um balanço entre a disponibilidade global e a demanda total. Pelo lado da disponibilidade global, tem-se a soma da produção, da importação e do estoque inicial contrapondo-se à demanda total, que inclui a demanda intermediária, a demanda interna, a demanda externa, as perdas em transporte e armazenagem e o estoque final. Foram feitas diversas regressões entre os requerimentos de energia e o PIBRS para o período compreendido entre 1979 e 2002, escolhendo-se, dentre elas, a função Log-Log que apresentou os melhores resultados, conferidos a partir de seus parâmetros, tais como o coeficiente de determinação ajustado, a análise da variância, os testes de hipótese com nível de significância de 5% e o de Durbin-Watson. 4.1 Do modelo para estimar os fluxos da nova matriz Os levantamentos que cobrem a infra-estrutura foram obtidos através da literatura pertinente e de entrevistas e se constituem nas variáveis do tipo estoque, que quantificam a intensidade dos fluxos de energia durante o período prospectivo. [Mi,hc,t] = λhc,t * [Ai,hc,t] , em que: [Mi,hc,t] = matriz energética dos fluxos de cada Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 energético i , da hipótese i, da hipótese h do h docenário cenário energético c, tno(Bensussan, tempo t (Bensussan, tendencialtendencial c, no tempo 2000), em 2000), em Joule; Joule; λhc,t = escalar dos requerimentos totais de energia da hipótese h do cenário tendencial c, no tempo t (Bensussan, 2000), em Joule; [Ai,hc,t] = matriz dos coeficientes dos fluxos de cada energético i (Bensussan, 2000) da hipótese h do cenário tendencial c, no tempo t. Os requerimentos totais de energia, que vêm a ser o escalar λhc,t, são obtidos conforme o modelo para encontrar pontos de estrangulamento. A matriz [Ai,hc,t] é calculada, dividindo-se o fluxo do energético i, da hipótese h do cenário tendencial c, no tempo t, em Joules, pelos requerimentos totais de energia, em Joules, conforme o modelo para detectar pontos de estrangulamento descrito abaixo. 4.2 Para determinar a capacidade de geração de energia elétrica para o Rio Grande do Sul no período 2003-10 Foram levantadas as capacidades das usinas de energia elétrica do Estado do Rio Grande do Sul em 2002 e adicionados os projetos em planejamento e em andamento para o período de 2003 a 2010. 4.3 Do modelo para detectar os pontos de estrangulamento entre os fluxos de energia elétrica e sua infra-estrutura em 2002-20 De posse das estimativas e dos cálculos das variáveis do tipo fluxo obtidos e da projeção da infra-estrutura energética a partir dos projetos em planejamento e em andamento para o mesmo período de análise e conforme cada uma das três hipóteses do cenário tendencial, por diferença, identificam-se os estrangulamentos. 77 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20 5 Resultados e conclusões A transição será marcada pela entrada do gás natural na matriz energética, influindo quer na geração de eletricidade, como insumo, competindo com o carvão, abstraindo-se os mercados cativos, quer na sua destinação para a demanda final, abarcando diversos setores, dentre eles, o industrial, o residencial e o automotivo. Sem a entrada do gás na matriz energética, os indicadores energéticos² (Bensussan, 2000) ou se estabilizam, ou rumam em direção à convergência, o que manteria a estrutura matricial, independentemente do crescimento do PIB. Entretanto, o gás, ao romper o equilíbrio, provoca perturbação nos indicadores energéticos, reencaminhando a matriz para um outro patamar de inércia ao longo do tempo. Assim, o método adotado em Bensussan et al. (2003), ao tentar desenhar a prospectiva da matriz em todos os seus fluxos, encontrou dificuldade na definição da participação dos energéticos que irão compor a termeletricidade. Tal dificuldade foi provisoriamente contornada, ao se considerar a eletricidade de forma agregada, simulando-se situações para as participações dos carvões e do gás natural. O estudo, ao se referir aos fluxos energéticos da matriz, deixa em aberto, como foi dito, a questão do gás e dos carvões como insumos para a geração de energia elétrica. Por outro lado, propõe várias simulações de utilização do gás natural e dos carvões para fins termelétricos. Quanto à hidroeletricidade, são feitas várias simulações dos regimes hidrológicos, para dar flexibilidade, para baixo, ao conceito de disponibilidade garantida3. Diante de tal complexidade para a determinação da disponibilidade energética,4 mesmo nesse cenário 2 Os indicadores energéticos foram desenhados para revelar o comportamento das variáveis da matriz energética, para sentir a sua tendência ou uma ruptura na inércia esperada. 3 Energia assegurada é definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), conforme Resolução nº 268, de 13.08.98. Para as termelétricas a carvão, não foram utilizadas as suas médias históricas, pois subestimariam a disponibilidade potencial. 4 Os projetos eólicos, por não pertencerem à idéia que se encerra no conceito de cenário tendencial, foram preteridos neste estudo, aguardando-se a sua participação quando da inclusão de cenários alternativos, que permitirão a quantificação da matriz energética cenarizada, sobretudo os de orientação ecológica, em uma próxima pesquisa. Mesmo assim, registram-se os interesses da Woben, Gamesa, Enerfin, Elebrás e Petrobrás, com 16 usinas, totalizando 1.117,7MW de potência, com base no Atlas Eólico do RS (Rio Grande do Sul, 2002). tendencial, destacam-se cinco simulações a comentar, num total de 688, conforme Bensussan et al. (2003): - a primeira simulação admite que os fatores de disponibilidade5 das termelétricas a carvão, a gás, da hidroeletricidade e de outros6 se mantêm em 100% de sua proposição originalmente calculada; - a segunda simulação admite, para as usinas a gás e a carvão, 100% de seus fatores de disponibilidade originais, 85% para os da hidroeletricidade e 100% para os dos demais; - a terceira simulação admite, para as usinas a gás e a carvão, 75% de seus fatores de disponibilidade originais, 85% para os da hidroeletricidade e 100% para os das demais; - a quarta simulação admite, para as usinas a gás e a carvão, 50% de seus fatores de disponibilidade originais, 85% para os da hidroeletricidade e 100% para os das demais; e - a quinta simulação admite, para as usinas a gás, 50% e, para as a carvão, 40%7 de seus fatores de disponibilidade originais, 85% para os da hidroeletricidade e 100% para os dos demais. Essas cinco simulações são conjugadas com as taxas de crescimento da economia brasileira, cujos rebatimentos no PIB e nos requerimentos de energia, no Rio Grande do Sul — ver resultados estatísticos nos Quadros 1 e 2 —, permitem as descrições conclusivas a seguir, sintetizadas nas Tabelas 1 a 5 e no Gráfico 1. A Simulação 1 (Tabela 1), observando-se os números em negrito, revela os seguintes estrangulamentos: - em 2016, hipótese 3, de crescimento de 5,5% ao ano da economia brasileira; e, - em 2018, hipótese 2, de crescimento de 4,5% ao ano da economia brasileira. A Simulação 2 (Tabela 2), observando-se os números em negrito, revela os seguintes estrangulamentos: - em 2015, hipótese 3, de crescimento de 5,5% ao ano da economia brasileira; e, - em 2018, hipótese 2, de crescimento de 4,5% ao ano da economia brasileira. 5 Fator de disponibilidade é a relação entre potência assegurada ou passível de ser garantida e a potência efetiva. Vale para todo o período de análise. 6 Outros compreendem as usinas baseadas na casca de arroz e em resíduos de madeira. 7 Para as usinas a carvão, 40% do fator de disponibilidade original, que é de 90%, resulta em 36%, que é a média histórica de utilização do carvão — 35% a 36%. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 78 Jaques Alberto Bensussan A Simulação 3 (Tabela 3), observando-se os números em negrito, revela os seguintes estran-gulamentos: - em 2013, hipótese 3, de crescimento de 5,5% ao ano da economia brasileira; - em 2016, hipótese 2, de crescimento de 4,5% ao ano da economia brasileira; e, - em 2019, hipótese 1, de crescimento de 3,5% ao ano da economia brasileira. A Simulação 4 (Tabela 4), observando-se os números em negrito, revela os seguintes estrangulamentos: - em 2011, hipótese 3, de crescimento de 5,5% ao ano da economia brasileira; - em 2013, hipótese 2, de crescimento de 4,5% ao ano da economia brasileira; e, - em 2015, hipótese 1, de crescimento de 3,5% ao ano da economia brasileira. A Simulação 5 (Tabela 5), observando-se os números em negrito, revela os seguintes estrangulamentos: - em 2010, hipótese 3, de crescimento de 5,5% ao ano da economia brasileira; - em 2012, hipótese 2, de crescimento de 4,5% ao ano da economia brasileira; e, - em 2014, hipótese 1, de crescimento de 3,5% ao ano da economia brasileira. O Gráfico 1, da quinta simulação, a mais histórica de todas, reforça, em imagem, o conteúdo da Tabela 5. A combinação dos energéticos dentro da prospectiva matricial depende de seus preços relativos, de seus custos, da eficiência tecnológica, da legislação ambiental e de outras decisões que a sociedade pode tomar ou preterir. De qualquer modo, considerando-se um cenário tendencial, essas cinco simulações esboçadas já dão uma idéia das limitações impostas pelas taxas mais elevadas de crescimento da economia brasileira à matriz energética do Rio Grande do Sul . Ao mostrar uma projeção predominantemente térmica nas primeiras quatro simulações, muitas usinas poderão operar de forma independente, isto é, fora do sistema da Operadora Nacional de Sistemas (ONS), o que poderá gerar fluxos de importação, não obstante a existência de excedentes líquidos de energia, sobre os requerimentos, pelo menos até 2015. Outra questão a ser levantada é relativa aos custos, podendo a ONS deixar de requisitar serviços de certas usinas, deixando-as na ociosidade, e os excedentes de energia esperados poderiam ser questionados. Há que se considerar a possibilidade de estrangulamentos para o sistema nacional como um todo. Nesse caso, deverão prevalecer as simulações 1, 2 e 3, com custos muito mais elevados que os atuais e aumento considerável dos impactos ambientais, devido à presença significativa das usinas térmicas a carvão e a gás natural. Quadro 1 Resultados estatísticos do modelo logarítmico PIBRS(t) em função do PIBBR(t-1) — 2010-20 Coeficiente de determinação ajustado 0,947 Erro-padrão 0,043 Número de observações 32 Coeficientes Intercepto = ln a = 0,000 Variável independente b = 0,874 Estatística de Durbin-Watson 1,246 F = 1 435,251 Significância de F = 6,794E-27 Erro-padrão Teste t Probabilidade de b = 0 3,848E-04 2 271 1,674E-82 FONTE: BENSUSSAN, J. A. Algumas notas de planejamento prospectivo do Rio Grande do Sul 2003-2020; Parte 1: Eletricidade. Technologia, Canoas, v. 5, n. 2, p. 17-26, jul./dez. 2004. NOTA: 1. PIBRS (t) = PIB do Rio Grande do Sul no tempo t. NOTA: 2. PIBBR (t) = PIB do Brasil no tempo (t-1). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 79 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20 Quadro 2 Resultados estatísticos do modelo logarítmico REQRS(t) em função do PIBRS(t) — 2010-20 Coeficiente de determinação ajustado 0,917 Erro-padrão 0,0693 Número de observações 22 F = 232,1526551 Coeficientes Intercepto = ln a = -13,88830875 Variável independente b = 1,590634039 a= 9,29788E-07 Estatística de Durbin-Watson 1,141419661 Significância de F = 1,80E-12 Erro-padrão Teste t Probabilidade de ln a = 0 e b = 0 1,802500951 -7,705021591 2,07E-07 0,1043959 15,23655654 1,80E-12 FONTE: BENSUSSAN, J. A. Algumas notas de planejamento prospectivo do Rio Grande do Sul 2003-2020; parte 1: Eletricidade. Technologia, Canoas, v. 5, n. 2, p. 17-26, jul./dez. 2004. NOTA: 1. REQRS (t) = requerimentos de energia no Rio Grande do Sul no tempo t. NOTA: 2. PIBRS(t) = PIB do Rio Grande do Sul no tempo t. Tabela 1 Simulação 1(S1): requerimentos (REQ) e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2010-20 (1 000 MWh) REQUERIMENTOS E GERAÇÃO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 REQH1 (1) ………….… 30 056 31 528 33 073 34 693 36 393 38 176 40 046 42 008 44 067 46 226 48 490 REQH2 (2) ………….… 33 004 35 087 37 302 39656 42 159 44 819 47 648 50 655 53 852 57 250 60 864 REQH3 (3) ………....…. 36 210 39 008 42 023 45 270 48 769 52 538 56 598 60 972 65 684 70 761 76 229 Geração (S1) ................ 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 53 829 FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 266p. (1) H1 = taxa de crescimento da economia brasileira a 3,5% ao ano. (2) H2 = taxa de crescimento da economia brasileira a 4,5% ao ano. (3) H3 = taxa de crescimento da economia brasileira a 5,5% ao ano. Tabela 2 Simulação 2 (S2): requerimentos (REQ) e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2010-20 (1 000 MWh) REQUERIMENTOS E GERAÇÃO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 REQH1 (1) …..…...… 30 056 31 528 33 073 34 693 36 393 38 176 40 046 42 008 44 067 46 226 48 490 REQH2 (2) ……….…. 33 004 35 087 37 302 39 656 42 159 44 819 47 648 50 655 53 852 57 250 60 864 REQH3 (3)……….….. 36 210 39 008 42 023 45 270 48 769 52 538 56 598 60 972 65 684 70 761 76 229 Geração (S2) ............. 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 52 061 FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 266p. (1) H1 = taxa de crescimento da economia brasileira a 3,5% ao ano. (2) H2 = taxa de crescimento da economia brasileira a 4,5% ao ano. (3) H3 = taxa de crescimento da economia brasileira a 5,5% ao ano. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 80 Jaques Alberto Bensussan Tabela 3 Simulação 3 (S3): requerimentos (REQ) e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2010-20 (1 000 MWh) REQUERIMENTOS E GERAÇÃO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 REQH1 (1) …………… 30 056 31 528 33 073 34 693 36 393 38 176 40 046 42 008 44 067 46 226 48 490 REQH2 (2) …………… 33 004 35 087 37 302 39 656 42 159 44 819 47 648 50 655 53 852 57 250 60 864 REQH3 (3) …………… 36 210 39 008 42 023 45 270 48 769 52 538 56 598 60 972 65 684 70 761 76 229 Geração (S3) ............. 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 44 866 2019 2020 FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 266p. (1) H1 = taxa de crescimento da economia brasileira a 3,5% ao ano. (2) H2 = taxa de crescimento da economia brasileira a 4,5% ao ano. (3) H3 = taxa de crescimento da economia brasileira a 5,5% ao ano. Tabela 4 Simulação 4 (S4): requerimentos (REQ) e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2010-20 (1 000 MWh) REQUERIMENTOS E GERAÇÃO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 REQH1 (1) .................. 30 056 31 528 33 073 34 693 36 393 38 176 40 046 42 008 44 067 46 226 48 490 REQH2 (2) .................. 33 004 35 087 37 302 39 656 42 159 44 819 47 648 50 655 53 852 57 250 60 864 REQH3 (3) .................. 36 210 39 008 42 023 45 270 48 769 52 538 56 598 60 972 65 684 70 761 76 229 Geração (S4) ............. 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 37 671 FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 266p. (1) H1 = taxa de crescimento da economia brasileira a 3,5% ao ano. (2) H2 = taxa de crescimento da economia brasileira a 4,5% ao ano. (3) H3 = taxa de crescimento da economia brasileira a 5,5% ao ano. Tabela 5 Simulação 5 (S5): requerimentos (REQ) e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2010-20 (1 000 MWh) REQUERIMENTOS E GERAÇÃO 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 REQH1 (1) .................. 30 056 31 528 33 073 34 693 36 393 38 176 40 046 42 008 44 067 46 226 48 490 REQH2 (2) .................. 33 004 35 087 37 302 39 656 42 159 44 819 47 648 50 655 53 852 57 250 60 864 REQH3 (3) .................. 36 210 39 008 42 023 45 270 48 769 52 538 56 598 60 972 65 684 70 761 76 229 Geração (S5) ............. 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 36 057 FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 266p. (1) H1 = taxa de crescimento da economia brasileira a 3,5% ao ano. (2) H2 = taxa de crescimento da economia brasileira a 4,5% ao ano. (3) H3 = = taxa de crescimento da economia brasileira a 5,5% ao ano. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 81 Os estrangulamentos do setor elétrico do Rio Grande do Sul — 2010-20 Gráfico 1 Simulação 5: requerimentos e geração de energia elétrica do Rio Grande do Sul — 2002-20 (1 000 MWh) 90 000 80 000 70 000 60 000 50 000 40 000 30 000 20 000 10 000 00 000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 Legenda: Requerimentos: hipótese 1 Requerimentos: hipótese 2 Requerimentos: hipótese 3 Geração FONTE DOS DADOS BRUTOS: SILVEIRA, Eberson J. T. Balanço energético consolidado do Estado do Rio Grande do Sul 1999-2000. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 2004. 6 Recomendações O principal resultado revelado na pesquisa e que interessa ao desenvolvimento do Estado (Bensussan, 2004) é detectar os pontos de estrangulamento entre os fluxos de energia do cenário tendencial, com a infra-estrutura correspondente, para a proposição de um programa de investimentos no setor, pertinente ao horizonte de tempo demarcado. Dessa forma, recomenda-se um novo projeto de pesquisa em continuidade a este, que deverá incluir: - a definição de cenários alternativos, além do tendencial, de modo similar aos apresentados no Conselho Mundial de Energia, em 2000 (World Energy Council, 2000), e nos estudos do Pew Center on Global Climate Change, em 2000; - a proposição de um modelo de programação linear multiperiódico, para o período 2010-30, que minimize o valor presente dos custos do sistema energético, sujeito a um elenco de restrições de oferta e de demanda de energia, e que leve em consideração a questão ambiental, os rendimentos tecnológicos existentes e em P&D, os custos e os preços relativos entre os energéticos, permitindo a confecção de uma matriz cenarizada, dentro do horizonte temporal de análise. Dessa forma, a questão dos energéticos, o gás natural e os carvões, na composição da termeletricidade poderia ser precisada, conforme cada cenário proposto e com as suas respectivas variantes; - a disponibilização da matriz energética cenarizada, com todos os seus fluxos, para o período 2010-30; e - a proposta de um programa de investimentos em energia para o Estado do Rio Grande do Sul, para o período 2010-30. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 82 Referências BENSUSSAN, J. A. Planejamento prospectivo: um programa de investimentos em energia do Rio Grande do Sul, 1995-2015. Tese (Doutorado)—Faculdade de Engenharia Mecânica, Unicamp, Campinas, 1994. 350p. BENSUSSAN, J. A. Algumas notas de planejamento prospectivo do Rio Grande do Sul 2003-2020; parte 1: Eletricidade. Technologia, Canoas, v. 5, n. 2, p.17-26, jul./dez. 2004. BENSUSSAN, J. A. et al. 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FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 75-82, fev. 2008 Jaques Alberto Bensussan O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007 83 Trabalho e emprego O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007* Eduardo Miguel Schneider** Jéferson Daniel de Matos*** Míriam De Toni**** Em 2007, o mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) apresentou um comportamento pouco favorável em seus principais indicadores, especialmente no primeiro semestre. Em que pese tal comportamento ser típico dos primeiros meses do ano, observando-se os dados do período de janeiro a agosto, constata-se queda na ocupação e elevação da taxa de desemprego até o mês de junho, registrando-se recuperação desses indicadores apenas a partir de julho. De modo inverso, o rendimento médio real dos trabalhadores apresentou evolução positiva no período. À primeira vista, tais resultados parecem contrastar com o desempenho favorável da economia gaúcha neste ano, conforme atestado por vários indicadores da atividade econômica. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar o mercado de trabalho metropolitano a partir de informações da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA), confrontando seu comportamento com o desempenho da economia regional. A partir de recortes analíticos distintos, busca-se contemplar tanto a evolução desse mercado ao longo de 2007 quanto sua situação neste ano, comparativamente ao mesmo período do ano anterior, em que os indicadores mostram um quadro favorável, indicando, portanto, direção semelhante à registrada para a economia regional. *Artigo recebido em 11 de out. 2007. **E-mail: [email protected] ***E-mail: [email protected] ****E-mail: [email protected] Os autores agradecem os comentários e sugestões dos colegas Irene Maria S. Galeazzi e Raul A. Bastos e o auxílio de Ana Paula Sperotto, Estatística do DIEESE, na organização dos dados. Economista do DIEESE Estatístico da FEE Socióloga da FEE 1 O mercado de trabalho na RMPA, em 2007 Segundo os dados mensais da PED-RMPA, o primeiro semestre de 2007 caracterizou-se pela constante queda no nível de ocupação, o que se refletiu no aumento da taxa de desemprego, no período. De outra sorte, os rendimentos apresentaram evolução positiva, tendo registrado ganhos reais no período (Tabela 1). Como se pode depreender da análise da Tabela 1, o contingente de ocupados caiu em 2007 até junho — todavia com um ritmo cada vez menor ao longo dos meses —, a partir de quando esboçou uma recuperação. Cabe destacar que essa reação positiva do nível ocupacional aconteceu um tanto tardiamente, neste ano, tendo em vista que, em períodos anteriores, ocorria normalmente em maio ou junho. Contudo, ao comparar-se com a estimativa de ocupados em dezembro de 2006, em que pesem efeitos sazonais, verifica-se que essa recuperação recente da ocupação nos últimos dois meses ainda não foi capaz de reverter o declínio no número de postos de trabalho observados ao longo do primeiro semestre do ano, de modo que se registra um decréscimo acumulado, no ano, de 8,5% na ocupação. Esse desempenho da ocupação foi determinante na explicação do comportamento da taxa de desemprego total neste ano, que aumentou, de forma continuada, entre os meses de fevereiro e junho. A retomada da geração de postos de trabalho nos últimos dois meses da série (julho e agosto) impactou favoravelmente a taxa de desemprego total, que passou a decrescer, atingindo 13,4% em agosto. Todavia, de modo semelhante ao supracomentado a respeito da ocupação, em que interferiram efeitos de sazonalidade, esse declínio recente da taxa de desemprego total ainda não logrou Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 84 retornar ao patamar mais favorável registrado em dezembro de 2006, quando o indicador se situava em 12,9% da População Economicamente Ativa (PEA). O rendimento médio real dos ocupados, por sua vez, observou evolução positiva, apresentando crescimento contínuo no período fev.-jun./07 e estabilizando-se em junho e julho do mesmo ano. Assim, até julho de 2007, o rendimento registrou crescimento real de 3,6% sobre o valor vigente em dezembro de 2006, alcançando R$ 1.054,00. Essa evolução positiva do rendimento médio real dos ocupados em 2007 confere continuidade à tendência de lenta recuperação desse indicador verificada desde 2005, sendo especialmente significativa, pois consolida a inflexão na trajetória de forte queda registrada nos sete anos imediatamente anteriores. Uma vez analisados os resultados pouco favoráveis do mercado de trabalho na RMPA, ao longo de 2007, notadamente em seu primeiro semestre, faz-se necessário qualificar a abordagem, contornando os efeitos da sazonalidade e sinalizando o sentido tendencial do mercado de trabalho metropolitano. Assim, orienta-se o foco analítico dos principais indicadores para o resultado acumulado no primeiro semestre de 2007, comparativamente ao mesmo período do ano anterior, a partir dos dados apresentados na Tabela 2 e no Gráfico 1. Em termos do nível ocupacional, verifica-se que o total de ocupados na RMPA, no primeiro semestre deste ano, superou em 47.000 postos de trabalho o resultado registrado no primeiro semestre de 2006 — significando um aumento de 3,0% no nível de ocupação entre os períodos (Tabela 2). Quanto à estrutura ocupacional setorial, mantendo-se a mesma base de comparação semestral, observa-se que a indústria foi o único setor que apresentou queda na ocupação — foram eliminados 14.000 postos de trabalho, o que representa uma redução de 4,5%. Contribuiu para tal resultado o desempenho desfavorável da indústria de calçados, que, sozinha, foi responsável por mais da metade da redução observada — foram cortados 8.000 postos de trabalho nesse ramo. Essa indústria em particular, muito voltada ao mercado externo, ressente-se dos efeitos de uma taxa de câmbio desfavorável frente à intensificação da competição internacional, como será detalhado adiante. Já os outros setores apresentaram geração de postos de trabalho na comparação do primeiro semestre de 2007 com o mesmo período de 2006. O setor serviços — cabe sublinhar que é que mais emprega na RMPA — aumentou em 6,2% o seu contingente de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 Eduardo Miguel Schneider; Jeferson Daniel de Matos; Míriam De Toni ocupados; foram gerados 49.000 postos de trabalho no setor. O comércio aumentou em 1,8% o seu contingente de ocupados; foram criados 5.000 postos de trabalho no setor. Esse setor está estimulado tanto pela taxa cambial, que torna mais acessíveis os produtos importados (dentre eles, eletrodomésticos e eletroeletrônicos), quanto pela queda na taxa de juros, que incentiva o crédito e a realização de compras parceladas (como as vendas de automóveis). Contudo o principal vetor explicativo da recuperação observada no comércio, bem como de outros setores, é a retomada do crescimento dos rendimentos, que, em paralelo à recuperação do emprego, repercute no aumento da massa de renda disponível para consumo.1 Essa retomada dos rendimentos pode ser explicada ainda por outros fatores, tais como os resultados favoráveis das negociações salariais no primeiro semestre deste ano, uma vez que pesquisa do DIEESE (2007) indica que 100% das negociações acompanhadas pelo Departamento no RS registraram índices de reajustes iguais ou superiores ao INPC, e o fato de que os reajustes concedidos em 2007 ao salário mínimo nacional (8,57%) e ao piso regional gaúcho (5,98%) atingiram percentuais bem acima da inflação. No caso da construção civil na RMPA, além da elevação da renda disponível, o incremento da ocupação pode ser explicado também por várias medidas que vêm sendo tomadas, com vistas a estimular o nível de atividades nesse setor, tais como: aumento na oferta de crédito imobiliário, redução nos juros dos financiamentos, alongamento nos prazos dos empréstimos, redução das exigências na contratação das aquisições de imóveis, além de medidas de incentivo à construção civil no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê a liberação de R$ 1,6 bilhão em projetos para o Rio Grande do Sul (Barcelos; Brum, 2007). Este foi o setor que mais aumentou, em termos relativos, o seu contingente de ocupados no primeiro semestre de 2007 frente ao mesmo semestre do ano anterior, com um crescimento de 7,7% na ocupação, refletindo a ampliação de 6.000 postos de trabalho. Esse desempenho favorável da ocupação na comparação semestral, ou seja, expurgando-se os efeitos sazonais, refletiu-se também na performance da taxa de 1 Deve-se mencionar que dados da Serasa (Situação..., 2007) atestam queda de 1,6% na inadimplência, no primeiro semestre deste ano, comparado ao primeiro semestre de 2006, sinalizando que parcela da massa de rendimentos está sendo utilizada no pagamento das dívidas, o que poderá ter efeitos benéficos sobre o risco dos empréstimos e, conseqüentemente, apoiar uma queda nas taxas de juros no crédito pessoal. 85 O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007 desemprego total. Mantendo-se a mesma base de comparação, evidencia-se que ela declinou de 15,0% no primeiro semestre de 2006 para 13,6% nos primeiros seis meses de 2007. Essa taxa mais baixa em 2007 resulta de taxas de desemprego mensais em patamares sempre inferiores aos verificados nos mesmos meses em 2006, como visualizado no Gráfico 1. Por fim, quanto aos rendimentos médios reais dos ocupados, constata-se aumento de 3,0% em termos reais, comparando-se os resultados para o primeiro semestre de 2007 com os do mesmo período do ano anterior. Em termos setoriais, apenas o rendimento médio real do setor industrial apresentou queda (-2,6%). Já o melhor resultado foi registrado pelo setor comércio, que aumentou em 5,7% seu rendimento médio real, seguido pelos setores serviços (3,8%), construção civil (3,4%) e emprego doméstico (2,6%). Tabela 1 Evolução dos ocupados, da taxa de desemprego total e do rendimento médio real dos ocupados na RMPA – ago./06-ago./07 ANOS E MESES 2006 Ago. Set. Out. Nov. Dez. 2007 Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. OCUPADOS TAXA DE DESEMPREGO TOTAL (%) (3) RENDIMENTO MÉDIO REAL DOS OCUPADOS Número (1) Índice (2) Valor (4) Índice (2) 1 557 1 583 1 618 1 642 1 651 108,4 110,2 112,7 114,3 115,0 14,6 14,3 14,2 13,7 12,9 977 997 1 012 1 026 1 017 87,6 89,4 90,8 92,0 91,2 1 643 1 634 1 619 1 616 1 610 1 609 1 621 1 637 114,4 113,8 112,7 112,5 112,1 112,0 112,9 114,0 12,2 12,3 12,9 13,6 14,1 14,4 13,8 13,4 987 992 997 1 013 1 020 1 054 1 054 … 88,5 89,0 89,4 90,9 91,5 94,5 94,5 … FONTE: PED-RMPA – Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio RMPA. (1) Estimativa em 1.000 pessoas. (2) Os dados têm como base a média de 2000 = 100. (3) Desempregados/População Economicamente Ativa (PEA). (4) Inflator utilizado: IPC-IEPE; valores em reais de jul./07. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 86 Eduardo Miguel Schneider; Jeferson Daniel de Matos; Míriam De Toni Tabela 2 Estimativa dos ocupados, segundo setores de atividade econômica, na Região Metropolitana de Porto Alegre – 1º sem./06 e 1º sem./07 VARIAÇÕES ESTIMATIVAS (1 000 pessoas) SETORES DE ATIVIDADE ECONÔMICA 1º sem./06 1º sem./07 1 567 309 274 794 78 107 (2)- 1 614 295 279 843 84 107 (2)- Total de ocupados ........... Indústria ........................... Comércio .......................... Serviços (1) ...................... Construção civil ................ Emprego doméstico ......... Outros .............................. Absoluta 1º sem./07 1º sem./06 (1 000 pessoas) Relativa 1º sem./07 1º sem./06 (%) 47 -14 5 49 6 0 - 3,0 -4,5 1,8 6,2 7,7 0,0 - FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. (1) Inclui o ramo de atividade serviços de administração pública, forças armadas e polícia. (2) A amostra não comporta desagregação para essa categoria. Gráfico 1 Evolução da taxa de desemprego total na RMPA — jan.-dez. 2006-07 (% sobre PEA) 16,0 15,5 15,5 15,0 15,4 14,9 14,5 14,1 15,0 14,9 14,6 14,4 14,3 14,0 13,6 13,5 12,5 13,6 13,7 13,4 13,2 13,0 14,2 13,8 12,9 12,9 12,2 12,0 12,3 11,5 0,0 Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Legenda: Jun. Jul. 2006 Ago. Set. Out. 2007 FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio PMPA. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 Nov. Dez. O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007 2 Confrontando desempenhos: o mercado de trabalho da RMPA e a economia do RS O desempenho do mercado de trabalho da RMPA no decorrer de 2007, até o mês de agosto, traz como característica, relativamente ao comportamento observado em anos anteriores, uma recuperação mais tardia de dois de seus principais indicadores. Como já analisado, a ocupação passou a crescer apenas a partir de julho, mês em que o desemprego também apresentou o primeiro movimento de redução. Tendo-se presente que vários indicadores de desempenho da economia gaúcha para 2007 vêm acusando retomada expressiva no crescimento da economia regional, emergem questões a respeito das razões que teriam levado a ocupação a responder mais tardiamente aos estímulos da economia registrados especialmente no primeiro semestre do ano, bem como ao fato de a ocupação na indústria ter declinado, quando se compara o contingente ocupado no primeiro semestre de 2007 com aquele do mesmo período do ano anterior. Dentre os indicadores relativos à economia do Estado, dois merecem ser destacados. O mais abrangente deles, o Índice Trimestral da Atividade Produtiva (ITAP)2, apresentou um crescimento de 8,9% no primeiro semestre do corrente ano, em relação a igual período do ano passado, refletindo o crescimento de 10,1% da agropecuária e de 8,5% da indústria de transformação. Ressalve-se, doravante, que esse crescimento ocorreu sobre uma base comparativa deprimida, dado o fraco desempenho da economia estadual nos últimos dois anos. No primeiro semestre de 2007, contribuíram positivamente para a boa performance da indústria os ramos de atividade de veículos automotores e de máquinas e equipamentos, enquanto o destaque negativo coube à indústria coureiro-calçadista. Ao lado do ITAP, o desempenho do comércio no Estado e na RMPA reforça a recuperação da economia gaúcha neste ano de 2007, na comparação com o mesmo período do ano anterior. No caso da RMPA, o Índice de Vendas do Varejo (IVV) acusou variação positiva de 5,6% 2 O ITAP é um índice agregado da produção de dois setores relevantes da economia gaúcha — a agropecuária e a indústria de transformação, com participações, respectivamente, de 20% e 80% na composição do índice (FEE, 2007). 87 no acumulado do ano até o mês de junho, frente ao mesmo período de 2006 (FEE, 2007b). Comparando-se o desempenho da economia gaúcha com os dados apresentados para o mercado de trabalho da RMPA, cabe tecer alguns comentários que podem ser tomados como vetores explicativos para o comportamento do mercado de trabalho regional. No que concerne à evolução desfavorável do mercado de trabalho da RMPA no decorrer deste ano — notadamente em seu primeiro semestre —, é preciso referir que, acompanhando as características estruturais da matriz produtiva brasileira, a economia gaúcha e, mais especificamente, a da RMPA têm, historicamente, um padrão de sazonalidade que repercute sobre o mercado de trabalho de forma bem definida: a ocupação geralmente tende a cair no primeiro semestre do ano e a se recuperar no segundo semestre, ocorrendo comportamento inverso em relação à taxa de desemprego, como se pode observar no Gráfico 2. O comportamento sazonal está associado, em boa medida, ao aquecimento do nível de atividade da economia no segundo semestre, o que acaba tendo reflexos positivos sobre o mercado de trabalho. Essa situação está ligada tanto à reposição de estoques e ao atendimento da maior demanda do comércio, dada a expectativa de aumento do consumo vinculado às datas comemorativas do período final do ano, quanto a uma certa dinamização das atividades do setor serviços nesse período. Entretanto, ao se analisarem os dados para o mercado de trabalho metropolitano, comparando-se o primeiro semestre de 2007 com o mesmo período do ano anterior, os resultados, tanto para o nível ocupacional quanto para o desemprego, indicam uma situação mais favorável neste ano, acompanhando, portanto, a direção evidenciada pelos indicadores sobre a economia gaúcha, os quais utilizam base comparativa similar. Contudo o descompasso manifesto em especial no que respeita ao desempenho negativo do nível ocupacional da indústria da RMPA, frente à elevação da produção nesse setor, registrada pelo ITAP, merece um exame mais detalhado, através do qual se busca explicar tanto a queda da ocupação na indústria quanto a retomada relativamente tardia do aumento da ocupação regional, verificada neste ano. Detendo-se no setor industrial, sobressai a crise da indústria de calçados, que vem apresentando queda na produção e no nível de emprego, sendo emblemático, nesse contexto, o fechamento de uma das maiores exportadoras de calçados do Estado, a Calçados Reichert, com mais de 70 anos no mercado (Dutra, 2007). Tais fatos tornam-se mais graves em razão da imporIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 88 Eduardo Miguel Schneider; Jeferson Daniel de Matos; Míriam De Toni tância dessa indústria no parque fabril da RMPA e na pauta exportadora do RS — o setor ocupa em torno de um quarto do total da mão-de-obra da indústria de transformação da RMPA (Inf. PED, 2007) e detém o segundo lugar em termos de valor das exportações no Estado (FEE, 2007c)3. A crise nesse setor decorre, fundamentalmente, do fato de que, no mercado externo, ele vem sentindo os impactos negativos da valorização da taxa cambial e da concorrência de fabricantes internacionais — especialmente a China, que responde por cerca de 70% do volume de pares de calçados importado pelo País —, sem que a demanda interna compense a perda de competitividade no mercado internacional.4 Tendo em vista que esse é um setor mais intensivo em mão-de-obra, as reduções na produção têm efeitos negativos imediatos e fortes sobre o contingente de trabalhadores ocupados. Ainda em relação ao desempenho negativo da ocupação na indústria, cabem outras considerações, que, em conjunto, acabam por interferir no nível ocupacional do setor. Embora, na discussão realizada a seguir, boa parte das informações se refira ao Estado, seu impacto é relevante para o setor industrial da RMPA, considerando que ele concentra mais da metade do Produto Interno Bruto da indústria do RS (Alonso, 2001). Nesse sentido, destaca-se o estudo de Contri (2007), que, utilizando uma classificação das atividades da indústria por intensidade tecnológica, constata que a retomada da indústria gaúcha neste ano tem sido alavancada pelos setores de média-alta e média-baixa tecnologias, mais intensivos na utilização do fator capital e pouco demandantes do fator trabalho. Ao contrário, os setores de baixa tecnologia, que usam mais intensivamente o fator trabalho, registraram queda na produção, sendo que o setor de couros e calçados registrou o maior declínio, de 10,9% no acumulado até 3 4 Considerando-se a indústria de transformação, a participação do setor couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados alcançou 15,9% do valor das exportações no período jan.-jun./07 — em primeiro lugar está o setor produtos alimentícios e bebidas (24%) —, tendo registrado, no entanto, queda de 66,0% no volume exportado (FEE, 2007c). Conforme estudo de Calandro (2007), a taxa acumulada da produção de calçados, no Estado, vem sendo negativa desde 2005, situação que se viu agravada neste ano de 2007, com redução de 15% na produção (período jan.-abr./07). Bello (2007), por sua vez, afirma que as empresas exportadoras mais afetadas negativamente pela valorização cambial são as que se caracterizam por uso mais intensivo em mão-de-obra e/ou pela utilização de insumos e matérias-primas nacionais, dentre as quais estão incluídas as produtoras de couro e calçados. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 jul./07.5 Além desse fator, outros elementos também podem ser tomados como responsáveis pela tardia retomada da contratação de mão-de-obra no mercado metropolitano, tais como os elevados estoques de produtos finais industriais, depois de quase dois anos de crise nas vendas industriais6, e o baixo patamar do nível médio de utilização da capacidade instalada da indústria.7 A julgar pelas informações da PED-RMPA, essa redução na capacidade ociosa industrial vem sendo, inicialmente, propiciada pela ampliação do expediente das horas-extras — no período ago./06-ago./07, o percentual de trabalhadores industriais que trabalharam mais de 44 horas semanais ampliou-se de 24,8% para 28,2% (Inf. PED, 2007). 5 No acumulado do ano até jul./07, registraram-se crescimento para as indústrias de média-alta tecnologia (19,2%) e de média-baixa tecnologia (17,9 %) e queda de 1,2% para as de baixa tecnologia (Contri, 2007). 6 Em um índice que varia entre zero e 100, o nível de estoques estava em 56 no segundo trimestre de 2005, caiu para 51 no segundo trimestre de 2006 e, agora, no segundo trimestre de 2007, encontra-se em 49 (Sond. Ind., 2007). 7 Em um índice que varia de zero a 100, no segundo trimestre de 2006 esse indicador estava em 74 e agora, no segundo trimestre de 2007, aumentou para 76 (Sond. Ind., 2007). 89 O mercado de trabalho da RMPA responde com defasagem à recuperação da economia do Estado em 2007 Gráfico 2 Evolução do índice da estimativa do número de ocupados e do índice da taxa de desemprego na RMPA — jan./04-ago./07 Índice 115,0 110,0 105,0 100,0 95,0 90,0 85,0 80,0 Legenda: Ocupação Jul./07 Maio./07 Mar./07 Jan./07 Nov./06 Set./06 Jul./06 Maio./06 Mar./06 Jan./06 Nov./05 Set./05 Jul./05 Maio./05 Mar./05 Jan./05 Nov./04 Set./04 Jul./04 Maio./04 Mar./04 70,0 0,0 Jan./04 75,0 Desemprego FONTE: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP, DIEESE e apoio RMPA. NOTA: Os índices tem como base a média de 2004 = 100. 3 Considerações finais Considerando-se os aspectos analisados quanto à evolução dos principais indicadores do mercado de trabalho da RMPA no decorrer de 2007, até o mês de agosto, e os dados sobre a economia gaúcha apontados para este ano, pode-se esperar um cenário mais favorável, no que respeita às perspectivas para o mercado de trabalho regional nos próximos meses de 2007. Ressalvada a questão do impacto cambial no setor calçadista e das características da indústria gaúcha quanto à intensidade tecnológica, espera-se que a economia do Estado mantenha o curso positivo registrado no primeiro semestre de 2007, reforçando a trajetória de recuperação do mercado de trabalho regional iniciada em julho último. Para tanto, deverão contribuir, além de elementos sazonais ligados ao nível de atividade da economia no segundo semestre do ano, fatores tais como: as expectativas de um crescimento industrial mais sustentado, levando as empresas a contratarem mais trabalhadores para prosseguir na redução da capacidade ociosa ou até mesmo na ampliação da capacidade instalada no médio ou no longo prazo, a depender do fôlego do crescimento projetado; as várias medidas de incentivo à construção civil, quer no mercado imobiliário, quer no âmbito do PAC; e, não menos importante, os bons resultados que o setor agropecuário vem apresentando e as perspectivas alvissareiras para a safra 2007/2008, o que é particularmente relevante no âmbito do Estado, dado o peso desse setor na economia regional. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 90 Entretanto cabe certa cautela quanto à continuidade de elevação dos rendimentos do trabalho, considerando-se a possibilidade de reversão dessa tendência, conforme sinaliza a estabilização desse indicador no último mês, no que pesou a alta da inflação. Esse cenário menos favorável traria repercussões negativas sobre o consumo das famílias e, em conseqüência, sobre a economia e o mercado de trabalho. Ademais, deve-se atentar para possíveis rebatimentos sobre a economia, advindos de turbulências nos mercados financeiros desencadeadas pela crise no mercado imobiliário dos EUA, bem como para a situação crítica em que se encontram as finanças públicas estaduais, mais uma vez exposta na proposta do Orçamento do Estado para 2008, recentemente enviada à Assembléia Legislativa. Todavia acredita-se que repercussões mais fortes desses fatores poderão ser sentidas, de modo mais efetivo, no próximo ano, pois, para o presente exercício, as principais decisões em termos de investimento e de consumo já foram tomadas. Referências ALONSO J. A. F. Caracterização econômica da Região Metropolitana de Porto Alegre. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 29, n. 1, p. 253-293, 2001. BARCELOS, A.; BRUM, M. Lula promete atenção especial ao RS. Zero Hora, Porto Alegre, p. 4-5, 25 ago. 2007. BELLO T. Alguns efeitos da apreciação do real. Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 16, n. 7, jul. 2007. CAIXA aumenta os prazos de financiamento para 30 anos. Zero Hora, Porto Alegre, p. 14, 29 ago. 2007. CALANDRO M. L. A persistente crise da indústria calçadista gaúcha. Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 16, n. 6, jun. 2007. CONTRI A. L. A intensidade tecnológica da produção industrial gaúcha. Carta de Conjuntura FEE, Porto Alegre, v. 16, n. 8, ago. 2007. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIO-ECONÔMICOS — DIEESE. Balanço das negociações coletivas no primeiro semestre de 2007: nota à imprensa. Porto Alegre, 17 ago. 2007. DUTRA, Carla. Crise calçadista — fechamento de empresa pode deixar mais de 5 mil sem emprego. Zero Hora, Porto Alegre, p. 20, 30 maio 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 83-90, fev. 2008 Eduardo Miguel Schneider; Jeferson Daniel de Matos; Míriam De Toni FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER — FEE. Índice de Vendas do Comércio (IVC). Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/estatisticas>. Acesso em: ago. 2007b. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER — FEE. Índice Trimestral de Atividade Produtiva (ITAP) — Destaques. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/estatisticas>. Acesso em: ago. 2007 FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER — FEE. O Produto Interno Bruto da economia gaúcha em 2006. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/estatisticas>. Acesso em: ago. 2007a. FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA SIEGFRIED EMANUEL HEUSER — FEE. Índices das exportações. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/estatisticas>. Acesso em: ago. 2007c. INFORME PED. Porto Alegre: FEE, v. 16, n. 8, ago. 2007. SANTI, Alexandre de. Obras aceleradas — dinheiro novo na construção gaúcha. Zero Hora, Porto Alegre, p. 28, 1º jul. 2007. SITUAÇÃO da economia anima consumidor. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 10, 22 jul. 2007. SONDAGEM INDUSTRIAL — Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FIERGS, jul. 2007. Disponível em: <http://www.fiergs.org.br/>. Acesso em: set. 2007. INDICADORES SELECIONADOS DO RS 91 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 92 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 93 Indicadores selecionados do RS* Tabela 1 Produção, área colhida e produtividade dos principais produtos da lavoura no Rio Grande do Sul — 2006/07 PRODUTOS Produção (t) 2006 Área (ha) Produtividade (kg/ha) Produção (t) Arroz ....................... 6 784 231 1 023 074 6 631 6 342 251 940 964 6 740 Banana ................... 110 133 11 544 9 540 2007 (1) Área (ha) Produtividade (kg/ha) 118 174 11 344 10 417 Batata-inglesa ......... 335 209 24 143 25 624 386 393 24 259 28 455 Cana-de-açúcar ...... 1 166 717 33 277 35 061 1 429 238 35 768 39 959 Cebola .................... 146 325 10 894 13 432 161 559 11 164 14 471 Feijão ...................... 120 156 121 670 2 057 142 428 116 958 2 376 Fumo ....................... 472 720 243 065 1 945 482 652 229 618 2 102 Laranja .................... 339 765 27 476 12 366 340 956 27 020 12 619 Maçã ....................... 328 091 15 260 21 500 471 602 16 360 28 827 Mandioca ................ 1 297 191 87 396 14 843 1 392 475 88 737 15 692 Milho ....................... 4 528 143 1 403 218 3 227 5 991 497 1 364 343 4 391 Soja ........................ 7 559 288 3 863 726 1 956 9 938 817 3 890 583 2 555 Trigo ........................ 823 112 607 304 1 355 1 689 593 836 432 2 020 Uva ......................... 623 847 44 298 14 083 705 228 45 381 15 540 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro, IBGE. (1) Dados de out./07. * Tabelas compiladas por Marilene Gauer (coordenação), Ana Maria de Oliveira Feijó e Jussara Lima do Nascimento, pertencentes ao Núcleo de Dados do Centro de Informações Estatísticas da FEE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 94 Tabela 2 Taxas de crescimento da produção, da área colhida e da produtividade dos principais produtos da lavoura no Rio Grande do Sul — 2006/07 (%) PRODUTOS 2006/2005 2007/2006 (1) Produção Área Produtividade Produção Área Produtividade Arroz .......................... 11,2 1,7 9,3 -6,5 -8,0 1,6 Banana ...................... 9,2 8,0 1,1 -6,8 1,8 -8,4 Batata-inglesa ........... 18,0 2,2 14,8 15,3 0,5 11,0 Cana-de-açúcar ........ 28,4 2,6 25,1 22,5 7,5 14,0 Cebola ....................... 7,5 3,0 4,4 10,4 2,5 7,7 Feijão ........................ 60,2 12,1 87,0 18,5 -3,9 15,5 Fumo ......................... 9,8 0,6 9,3 2,1 -5,5 8,1 Laranja ...................... 9,0 1,0 7,9 0,4 -1,7 2,0 Maçã ......................... 10,6 2,0 8,4 43,7 7,2 34,1 Mandioca ................... 14,9 0,4 14,4 7,3 1,5 5,7 Milho .......................... 204,9 45,3 109,8 32,3 -2,8 36,1 Soja ........................... 209,2 3,5 198,6 31,5 0,7 30,6 Trigo .......................... -40,8 -28,1 -17,8 105,3 37,7 49,1 Uva ............................ 2,0 4,4 -2,3 13,0 2,4 10,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE/LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA. Rio de Janeiro, IBGE. (1) Dados de out./07. Tabela 3 Taxas de crescimento da produção da indústria de transformação, segundo os setores de atividade, no Rio Grande do Sul — 2006/07 (%) SETORES 2006 2005 Alimentos ........................................................................ Bebidas ........................................................................... Borracha e plástico ......................................................... Calçados e artigos de couro ........................................... Celulose, papel e produtos do papel ............................... Edição, impressão e reprodução de gravações .............. Fumo ............................................................................... Máquinas e equipamentos .............................................. Metalurgia básica ............................................................ Mobiliário ......................................................................... Outros produtos químicos ............................................... Produtos de metal — exceto máquinas e equipamentos Refino de petróleo e álcool ............................................. Veículos automotores ..................................................... Total ................................................................................ 4,7 7,3 6,1 -8,8 4,1 -1,6 -7,3 -16,3 -0,4 5,0 0,8 -10,7 -2,8 7,1 -2,0 1º TRIM/07 2º TRIM/07 1º TRIM/06 2º TRIM/06 5,8 5,7 8,6 -16,2 0,4 2,9 10,0 14,5 7,0 8,9 5,1 -5,5 18,2 31,2 6,3 4,1 13,2 2,0 -5,8 -4,0 13,6 -2,9 47,5 4,7 -9,2 4,5 -3,0 56,5 25,7 10,4 3º TRIM/07 3º TRIM/06 ACUMULADA ATÉ O 3º TRIMESTRE -1,9 -4,8 8,1 -6,4 -11,0 -3,7 -25,0 35,0 6,8 -7,7 -2,7 5,3 36,1 30,8 5,2 2,6 5,6 6,2 -9,6 -4,9 3,8 -6,6 31,5 6,1 -3,5 2,0 -1,0 36,3 29,2 7,3 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PESQUISA INDUSTRIAL MENSAL: produção física. Rio de Janeiro, IBGE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 95 Tabela 4 Taxas de crescimento do volume real de vendas dos comércios varejista e atacadista, segundo os setores de atividade, no Rio Grande do Sul — 2006/07 (%) 2006 2005 SETORES TOTAL ....................................................................................... 1,6 Comércio varejista ................................................................... 2,6 Produtos alimentícios, bebidas e fumo ...................................... 9,4 Produtos alimentícios — hipermercados e supermercados ...... 9,5 Combustíveis e lubrificantes ...................................................... -6,1 Veículos, motocicletas, partes, peças e acessórios .................. 2,7 Materiais de construção ............................................................. 0,9 Tecidos, vestuário e calçados .................................................... -4,1 Móveis e eletrodomésticos ........................................................ 1,4 Artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, perfumaria e cosméticos ................................................................................ 4,0 Equipamentos e material para escritório, informática e comunicação ....................................................................................... 24,8 Livros, jornais, revistas e papelaria ........................................... -7,0 Outros artigos de uso pessoal e doméstico ............................... 2,6 Comércio atacadista ................................................................ 0,5 Produtos alimentícios, bebidas e fumo ...................................... 3,3 Combustíveis ............................................................................. -10,3 Veículos, motocicletas, partes, peças e acessórios .................. 1,4 Material de construção, madeira, ferragens e ferramentas ....... 1,2 Artigos de usos pessoal e doméstico ........................................ 6,3 Produtos intermediários industriais ............................................ 2,5 Máquinas, aparelhos e equipamentos ....................................... 9,6 Matérias-primas agropecuárias ................................................. 17,0 Mercadorias em geral (outros) ................................................... 1,9 ACUMULADA 1º TRIM/07 2º TRIM/07 3º TRIM/07 ATÉ O 3º 1º TRIM/06 2º TRIM/06 3º TRIM/06 SEMESTRE 6,9 4,2 7,5 9,1 -10,0 11,4 7,1 -3,5 7,4 7,6 4,4 4,4 6,7 -9,9 17,4 10,7 1,5 5,6 5,5 0,6 -1,5 1,4 -17,1 18,0 8,8 -3,7 -0,3 6,7 3,0 3,3 5,6 -12,3 15,7 8,8 -1,7 4,1 1,3 2,6 -1,8 0,6 10,6 -6,0 8,9 10,4 7,4 9,4 5,4 2,5 13,4 6,7 15,0 26,8 5,7 -1,2 -7,7 10,5 11,3 7,2 13,1 12,6 11,9 12,6 5,7 20,9 13,5 11,5 -14,1 -7,6 13,7 11,3 5,6 10,7 10,2 11,5 7,4 10,5 21,6 27,3 10,5 -2,8 -7,1 11,1 11,0 6,7 11,1 9,4 8,6 11,0 7,7 19,3 21,0 9,3 FONTE: FEE/NPE. NOTA: Indicadores calculados com base em dados primários oriundos da Secretaria da Fazenda-RS. Tabela 5 Taxas de crescimento do nível de ocupação, segundo os setores de atividade, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2006/07 (%) SETORES 2006 2005 1º TRIM/07 1º TRIM/06 Indústria de transformação .................... -1,1 -3,3 Comércio ................................................ 3,7 2,0 Serviços .................................................. 1,6 5,6 Construção civil ...................................... 7,0 -3,0 Serviços domésticos .............................. 4,0 0,0 Total ....................................................... 1,7 2,3 2º TRIM/07 2º TRIM/06 3º TRIM/07 3º TRIM/06 JAN-OUT/07 JAN-OUT/06 -2,9 2,2 -0,4 2,4 2,5 2,4 5,1 5,5 5,1 11,1 10,8 5,6 0,0 7,6 2,5 3,0 4,8 3,4 FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 96 Tabela 6 Taxas de crescimento do nível de emprego, do rendimento médio real e da massa de rendimentos reais dos ocupados e dos assalariados na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2006/07 (%) DISCRIMINAÇÃO 2006 2005 1º TRIM/07 1º TRIM/06 2º TRIM/07 2º TRIM/06 3º TRIM/07 3º TRIM/06 ACUMULADA ATÉ O 3º TRIMESTRE 1,6 1,1 2,7 2,5 2,3 4,8 3,3 3,6 7,0 4,9 2,4 7,4 3,6 2,8 6,4 2,3 1,0 4,3 3,2 2,4 3,5 4,3 1,5 3,7 2,7 3,3 7,6 6,0 5,9 6,5 Ocupados Emprego .................................................... Rendimento real ........................................ Massa de rendimentos reais .................... Assalariados Emprego .................................................... Rendimento real ........................................ Massa de rendimentos reais .................... FONTE DOS DADOS BRUTOS: PED-RMPA - Convênio FEE, FGTAS/SINE-RS, SEADE-SP e DIEESE. Tabela 7 Taxas reais de crescimento do ICMS arrecadado, segundo os setores de atividade, no Rio Grande do Sul — 2006/07 (%) SETORES 2006 2005 1º TRIM/07 1º TRIM/06 2º TRIM/07 2º TRIM/06 3º TRIM/07 3º TRIM/06 JAN-OUT/07 JAN-OUT/06 Produção animal e extração vegetal ...... Extrativa mineral .................................... Indústria de transformação .................... Comércio varejista ................................. Comércio atacadista .............................. Serviços e outros ................................... Total ...................................................... -9,7 9,9 -3,8 3,3 18,0 0,0 2,9 5,6 2,8 -10,6 -5,8 10,0 -11,9 -4,8 8,6 15,2 -0,6 1,5 -2,4 -7,3 -1,7 9,4 2,9 5,9 18,9 -2,3 -35,7 -2,7 6,2 8,5 -3,9 5,8 1,9 -20,1 -3,5 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Fazenda. NOTA: ICMS deflacionado pelo IGP. Tabela 8 Inflação mensal, acumulada no ano e nos últimos 12 meses, na Região Metropolitana de Porto Alegre — 2006/07 (%) PERÍODOS IPC-IEPE INPC-IBGE Dez./05-dez./06 ...................................... Ago./07 .................................................. Set./07 ................................................... Out./07 ................................................... Acumulada no ano de 2007.................... Acumulada nos últimos 12 meses (1) ... 2,4 0,2 0,1 0,0 5,0 6,1 2,3 0,4 0,1 0,1 3,4 4,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. IEPE. (1) Dados de out./07. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 93-96, fev. 2008 97 TEMAS D A CONJUNTURA DA Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 98 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 Mirian Regina Koch 99 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária* Mirian Regina Koch** Arquiteta, Pesquisadora do Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos da Fundação de Economia e Estatística (NERU-FEE) Resumo Neste texto, examinam-se os condomínios horizontais residenciais localizados em espaços da Cidade de Porto Alegre, na área polarizada pelo Shopping Center Iguatemi, compreendendo os Bairros Boa Vista, Chácara das Pedras, Três Figueiras e Vila Jardim. Procura-se verificar em que medida a dinâmica de estruturação dos estoques residenciais nesses bairros foi influenciada por forças de atração e repulsão que esse tipo de equipamento comercial produz, envolvendo a valorização imobiliária e as estratégias que a construção civil utiliza para convencer as famílias a se deslocarem para determinados locais — convenção urbana conforme as inovações espaciais (diferenciação do bem moradia). Os principais resultados encontrados apontam algumas conexões entre as alterações na convenção urbana e a difusão da inovação espacial referente ao estoque residencial. Esse movimento evidencia a tendência de que o processo de estruturação dos estoques residenciais está intimamente ligado às características urbanas e às suas possíveis transformações. Palavras-chave: condomínios horizontais residenciais; dinâmica intra-urbana; mercado imobiliário. Abstract This text examines the located residential horizontal properties jointly owned in spaces of Porto Alegre city, in a polarized area by Shopping Center Iguatemi enclosing the quarters, Boa Vista, Chácara das Pedras, Três Figueiras and Vila Jardim. It aims to verify how the residential supplies structural dynamics in these quartes was influenced by attraction and repulsed forces that these commercial companies produce, involving the * Artigo recebido em 29 jun. 2007. Uma versão preliminar deste texto foi apresentada no II Seminário Nacional Metrópole: Governo, Sociedade e Território, em julho de 2007, na Cidade do Rio de Janeiro. ** E-mail: [email protected] A pesquisadora integra igualmente o núcleo de Porto Alegre do Observatório das Metrópoles–Instituto do Milênio–CNPq. A autora agradece aos colegas do NERU-FEE os comentários e as sugestões a uma primeira abordagem deste texto, eximindo-os, entretanto, de aventuais incorreções porventura remanescentes. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 100 Mirian Regina Koch real estates and the strategies that the civil construction uses to convince families to dislocate for definitive places — urban convention as space innovations (differentiation of well housing).The main results found point us some conecctions detected between the alterations in the urban conventions, and the diffusion of the referring space innovation to the residential supply. This movement evidences the trend that the residential supplies structural process is closely conected to the urban characteristics and its possible transformations. Nos anos mais recentes, vem aumentando significativamente a presença dos condomínios horizontais fechados na paisagem urbana. São crescentes as discussões acerca de suas origens, causas e conseqüências. Neste trabalho, objetiva-se discutir esse novo modelo de espaço residencial que se consolidou nos anos 90, na Cidade de Porto Alegre, bem como algumas particularidades morfológicas desses conjuntos, relacionando esses processos aos fatores econômicos e sociais advindos dessas intervenções. Aqui, a temática é analisada sob as óticas da estruturação urbana, do mercado imobiliário e da tipologia construtiva. É no interior das áreas urbanas que os efeitos das transformações produzidasnos âmbitos socioeconômicos e físico-espaciais se reproduzem, materializando, por exemplo, um modelo de desenvolvimento urbano fundamentado na redefinição dos espaços públicos e no acréscimo da urbanização privada e fechada. Assim, a moradia, enquanto produto, apresenta modificações em seus princípios de produção, com o surgimento dos condomínios fechados — residências unifamiliares ou prédios de apartamentos com acesso controlado. O desenvolvimento desses empreendimentos coincide com o aprofundamento da fragmentação do espaço social, ao se implantarem na cidade como unidades autônomas, e manifesta-se através dos aspectos físicos de descontinuidade entre superfícies (fragmentos) e da segregação, por meio da diversidade dos elementos morfológicos e tipológicos, e, ainda, através de fatores funcionais vinculados às disparidades nos níveis de infra-estrutura e serviços. Os condomínios fechados ocupam parcelas significativas da malha urbana, alterando a estrutura morfológica do tecido urbano, reduzindo o número de lotes previstos para a área e substituindo as fachadas das edificações por barreiras físicas, alterando as relações existentes entre os espaços público e privado. Eles constituem os chamados enclaves fortificados: “[...] espaços privatizados, fechados e monitorados, para residência, consumo, lazer e trabalho” (Caldeira, 2000, p. 211). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 Os impactos dos condomínios fechados no espaço urbano podem ser de diferentes níveis, sendo os mais citados na literatura sobre o assunto1 a segregação e as exclusões social e espacial, a privatização do espaço público, a perda da vida pública e do significado do espaço público, a fragmentação e a segmentação do tecido urbano, o enfraquecimento do poder público em função da privatização dos serviços públicos, dentre outros. Nesses trabalhos, discutem-se as causas sociais, econômicas e políticas que influenciam o surgimento e a expansão dos condomínios fechados, havendo poucos estudos que examinam uma linha relacionada à questão dos fatores individuais envolvidos na mobilidade de residência e das estratégias que orientam os empreendedores imobiliários a apresentarem novos produtos. Não é pretensão, neste texto, fazer uma abordagem detalhada sobre a economia urbana e o mercado imobiliário, mas, sim, a partir da dinâmica intra-urbana, associada a fatores que atraem ou dispersam os investimentos imobiliários, traçar um panorama de como se desenha essa produção imobiliária em bairros previamente definidos, na Cidade de Porto Alegre. A importância das estratégias dos agentes em orientar e “convencer” os segmentos de poder aquisitivo médio e alto a optarem pela vida em condomínios fechados foi também aqui considerada.2 Enfocam-se os condomínios horizontais fechados de uso exclusivo residencial, circundados por barreiras funcionais e visuais, encontrados no interior da malha urbana em zonas de tecido consolidado, com os lotes adjacentes ocupados por edificações e/ou espaços públicos definidos, situados nos Bairros Boa Vista, Cháca- 1 Ver, dentre outros, Ueda (2004), Capelani e Ueda (2006), Barcellos e Mammarella (2007), Ribeiro (1997), Ugalde (2002), Caldeira (2000), Andrade (2001), Souza (2003) e Salgado (2000). 2 Neste texto, foi realizada uma avaliação que contempla apenas fragmentos da análise maior, que será objeto do produto final da pesquisa. 101 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária ra das Pedras, Três Figueiras e Vila Jardim, no entorno do Shopping Center Iguatemi (SCI), em Porto Alegre. A partir de algumas reflexões sobre a estrutura urbana e a dinâmica imobiliária, o texto desenvolve-se em três outros tópicos: primeiramente, apresenta-se um panorama das adjacências da área estudada, através das questões locacionais e da legislação; depois, descreve-se o caso em análise, detalhando a tipologia construtiva e as especificidades do mercado imobiliário; e, por fim, no item A título de conclusão, assinalam-se os pontos que se destacam nessa fase do estudo. Os temas centrais: a estrutura urbana e a dinâmica imobiliária O eixo estruturador da temática aqui desenvolvida tem origem na pesquisa intitulada Grandes Equipamentos Comerciais e Alterações na Estrutura Urbana: o Caso do Shopping Center Iguatemi em Porto Alegre”3 (Koch, 2004), onde se destacam a difusão dos grandes equipamentos comerciais e sua inserção na estrutura urbana, desencadeando um processo de alteração no território. Vários autores apontam as transformações das áreas comerciais associadas a mudanças nas áreas residenciais, valorizando novos espaços e alterando a tipologia construtiva das áreas, modificando o direcionamento da ocupação residencial e promovendo o surgimento de um comércio nas principais vias que se situam no entorno do shopping center, devido ao aumento no tráfego de veículos e aos reflexos em termos da acessibilidade de toda a região. Segundo Hirschfeldt (1986), os shopping centers são importantes instrumentos de descentralização urbana e incorporam novas áreas no seu processo de desenvolvimento. Cada tipo de shopping center atrai para seu entorno uma localização residencial de diferente nível de renda. Gaeta (1992, p. 48), em sua análise sobre a implantação de shopping centers em metrópoles como São 3 O Shopping Center Iguatemi, em Porto Alegre, inaugurado em 1983, localiza-se no Bairro Passo d’Areia. Na pesquisa de 2004, foram considerados os bairros do entorno, Boa Vista, Três Figueiras, Chácara das Pedras e Vila Jardim em sua totalidade, e parte dos Bairros Passo d’Areia, Cristo Redentor e Vila Ipiranga, em função da metodologia utilizada para definir a área de influência do SCI. Paulo, afirma que essa implantação “[...] provoca uma repercussão profunda na geografia da cidade. Não só esses equipamentos induzem as transformações, mas aparecem associados e fazem parte dessas transformações”. Ainda, segundo esse autor, [...] na inovação shopping center, há uma autêntica subversão da estrutura urbana até então existente. Em função do surgimento de novos e importantes pontos de atração, alteram-se os eixos de circulação, que são reorientados, e são formadas novas áreas, como, por exemplo, áreas nobres em locais isolados, condomínios, etc. Na pesquisa realizada anteriormente (Koch, 2004), foram apontados como principais fatores determinantes das alterações na configuração urbana da área de estudo aqui contemplada a dinâmica imobiliária e a alteração no padrão de acessibilidade, produzindo um avanço no processo de urbanização, caracterizado pela ocupação dos vazios, pela ampliação dos usos residenciais qualificados, pelo surgimento de novos usos comerciais peculiares voltados à alta renda, pela densificação e pela nova tipologia construtiva (torres e condomínios residenciais). A escolha individual da localização residencial baseia-se na previsão das possíveis localizações residenciais dos futuros vizinhos, e essa escolha se reflete na divisão social do espaço urbano4, nas tipologias que passam a ser construídas, nos valores dos terrenos, na verticalização e na densificação do uso do solo e na especulação imobiliária. No processo de expansão urbana, face ao sistema capitalista de valorização do solo, o crescimento da cidade e o processo de acumulação de capital são fatores fundamentais da dinâmica socioespacial. A expansão urbana realizada pelos agentes produtores do espaço urbano (mercado imobiliário e produção estatal) implica condições diferenciadas de acesso ao solo, o que propicia distintos modos de uso e ocupação desse solo, levando a diversidades sociais, refletidas tanto no modo de quanto no acesso a apropriação e uso da terra. Harvey (1985), em sua teoria do desenvolvimento desigual, a partir das leis de confrontação entre as forças de atração e repulsão, aponta: 4 Tendo como pressuposto que as relações de classe são reproduzidas de forma concreta na morfologia da cidade e sendo o mercado residencial altamente estratificado, pode-se conjeturar que a diferenciação entre as residências pode reforçar distinções intraclasses pelo estilo de vida adotado. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 102 Mirian Regina Koch [...] a força centrífuga (repulsão) é encontrada na contínua procura de novos locais que permitem aumentar o lucro. Do outro lado, a força centrípeta (atração) é encontrada na competição de mercado que dirige empreendedores a compartilhar o desenvolvimento de novos locais. O fato de essas forças gerarem um desenho fundamentado no crescimento de “ilhas de desenvolvimento” leva à assertiva de que a produção do espaço através da inovação favorece a obtenção de uma alta lucratividade, dinamizando a atividade imobiliária. Para Abramo (2001, p. 167), o ordenamento residencial configura-se como um movimento de valorização-desvalorização de localizações por convenção, pois “[...] os indivíduos são investidores e não apenas consumidores, ou seja, a escolha pela localização teria um aspecto de antecipação especulativa, o indivíduo procuraria morar em locais onde as externalidades de vizinhança lhe fossem favoráveis”. O autor também levanta a questão da inovação espacial, enquanto elemento que estimula os empresários a persuadirem certos grupos familiares e que surge como uma estratégia para atrair seletivamente os diversos tipos de famílias que compõem o mercado da localização residencial. O aumento da densidade, da verticalidade e dos condomínios residenciais no entorno dos shopping centers, por exemplo, pode ser entendido como resultado do uso da inovação espacial pelos investidores para a obtenção de lucro em escala. Nesse sentido, os empresários urbanos são vistos como participantes do processo da emergência de uma convenção urbana — “[...] uma representação cognitiva de um padrão físico do estoque residencial de uma determinada área-localização e também uma indicação do tipo de uso e características socioeconômicas e culturais de seus moradores” (Abramo, 2001, p. 171) — acerca da estrutura urbana do futuro, e não mais como simples estipuladores de preços. No circuito urbano, a confiança depositada na convenção urbana deverá ser capaz de servir de referência na coordenação dos agentes econômicos (oferta e demanda) interessados na alteração da configuração residencial pretendida. A convenção urbana é, portanto, um mecanismo de coordenação espacial das decisões em uma determinada localização. Considerando a convenção urbana “[...] uma crença referente ao tipo de família que, supostamente, vai se instalar numa determinada localização (externalidades de vizinhança), conforme as inovações espaciais (diferenciações do bem moradia), propostas pelos capitalisIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 tas” (Abramo, 2001, p. 169), o autor sugere que a mudança dessa convenção pode ocorrer quando o estoque residencial se aproximar da representação veiculada pela convenção urbana (incerteza dos investidores quanto à oportunidade de continuar a produzir estoques residenciais) e quando uma inovação, que resultará em uma nova convenção urbana, induzir o deslocamento de determinadas famílias para um novo local. Espacialmente, essa estratégia evidencia que a dinâmica do espaço urbano estaria relacionada a um movimento contínuo de diferenciação dos estoques residenciais. Por outro lado, a prática imitativa proporciona o deslocamento da diferenciação produzida por essa inovação através do espaço residencial urbano. Isso dá origem a uma configuração em que diversos estoques residenciais apresentam características semelhantes. A difusão de uma mesma inovação espacial (no tempo e no espaço) mostra dois movimentos: (a) permite a modificação das tipologias residenciais dentro de uma localização (diferencia-se das moradias em relação ao estoque passado) e (b) contribui para o surgimento de uma certa homogeneidade das características residenciais da ordem urbana, mediante a reprodução em diversas localizações (Abramo, 2001, p. 177). Considerando que a convenção urbana possibilita analisar o estoque residencial através da inovação espacial, no desenvolvimento deste texto, examina-se em que medida a dinâmica de estruturação dos estoques residenciais em áreas no entorno do SCI foi influenciada por forças de atração e repulsão que esse tipo de equipamento produz, envolvendo a valorização imobiliária e influenciando na escolha da localização residencial por determinados estratos de renda. O entorno da área estudada: a localização e a legislação urbana Neste item, mostra-se um panorama da área proposta para o estudo, abordando-se as questões locacionais e os principais aspectos referentes à legislação urbana vigente. Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária A delimitação da área A delimitação da área para o estudo reproduz aquela utilizada na pesquisa anterior (Koch, 2004), onde o sistema viário principal, definido pelas artérias de escoamento (Nilo Peçanha, João Wallig e Teixeira Mendes) e pelo anel de suporte (Protásio Alves, Carlos Gomes, Plínio Brasil Milano, Assis Brasil, Avenida do Forte e Saturnino de Brito), determinou o âmbito geográfico de análise. Nesse raio de influencia do SCI, elegeram-se para o estudo, conforme já salientado, os Bairros Boa Vista, Chácara das Pedras, Três Figueiras e Vila Jardim (Figura 1), por serem esses os que concentram o maior número de ocorrências da tipologia construtiva “condomínio horizontal” dentre os dessa circunvizinhança. Villaça (2001, p. 203), estudando a estruturação intra-urbana de Porto Alegre, mostra a tendência de deslocamento de um dos eixos de expansão dos estratos de alta renda, a partir do centro urbano em direção ao leste da Cidade (o outro eixo seria no caminho da orla do rio). A área ora em questão segue um eixo de prestígio já consolidado, incluindo os Bairros Independência, Moinhos de Vento, Mont’Serrat, Bela Vista, Três Figueiras, Chácara das Pedras e Boa Vista. Em termos de equipamentos urbanos, infra-estrutura viária de acesso e marcos simbólicos, esse eixo materializa a apropriação do espaço urbano pelos mais elevados patamares de renda. Nos Bairros Três Figueiras, Chácara das Pedras e Boa Vista, predomina o uso residencial de alta renda, porém com uma certa heterogeneidade. Observam-se concentração de residência unifamiliar, edifícios de alto padrão e condomínios residenciais. É nesse espaço onde se localizam também os Colégios Farroupilha, Anchieta e Província de São Pedro, freqüentados pelas elites da Cidade. Ao longo das principais vias de acesso, aparece o uso misto (comércio e serviços) e prédios de maior altura. Contíguos ao Country Club, existem dois aglomerados de subabitação: o primeiro, Vila Luiz Cosme, é delimitado pelas Ruas André Arjonas Guillen, Luiz Cosme e Ramis Galvão, e o outro, Vila Caddie, localiza-se na extensão da Avenida Frei Caneca. Próximo à Rua João Caetano, aparecem remanescentes do aglomerado Beco do Resvalo, localizados em parte do espaço da Chácara Limongi, antiga denominação da área que hoje constitui o Bairro Três Figueiras. O Bairro Vila Jardim, caracterizado como de classe baixa (Koch, 2004), onde a presença de um núcleo de subabitação contabilizava em torno de 1.200 domicílios, em seus aglomerados, em 2000, foi o bairro que sofreu a maior alteração em sua conformação. Nota-se ali, em uma área de vazio urbano, no limite com o Bairro Cháca- 103 ra das Pedras, uma ocupação que demonstra uma mudança no padrão residencial do bairro. No decorrer deste estudo, voltar-se-á a essa questão. Um outro espaço desocupado nos limites dos Bairros Vila Jardim e Vila Ipiranga, na área fronteiriça ao núcleo de habitações precárias, onde existia o loteamento Germânia, foi urbanizado. Aí surgiu um parque de 15ha, e está em implantação um projeto residencial (“um novo bairro”, segundo o apelo publicitário), com a previsão da edificação de 34 torres residenciais. Atualmente, encontra-se em andamento a construção de três prédios (Riserva Cipriani, Cipriani Nuova Architettura e Karpathos), e está em fase de lançamento a quarta torre residencial denominada Alizé Parc Residence. Esse evento se traduziu em uma grande transformação da área, atingindo inclusive parte de um núcleo de subabitação do Bairro Vila Jardim. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 104 Mirian Regina Koch Figura 1 Entorno do Shopping Center Iguatemi e localização dos condomínios estudados em Porto Alegre — 2007 FONTE: Google Earth. Acesso em: maio 2007. A legislação urbana atual No Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA-1999) de Porto Alegre (Porto Alegre, 2000)5, o conjunto de diretrizes classifica o território que compreende a área em estudo como Macrozona 3 - Cidade Xadrez6. No quesito mobilidade, o destaque é a Avenida Carlos Gomes (Terceira Perimetral), via que compõe o Eixo de Integração Metropolitana. Também as Avenidas Assis Brasil, Nilo Peçanha e Anita Garibaldi têm 5 Atualmente, encontra-se em discussão a proposta de revisão do PDDUA-1999 de Porto Alegre. 6 “Constitui a cidade a ser ocupada através do fortalecimento da trama macroestruturadora xadrez, do estímulo ao preenchimento dos vazios urbanos e da potencialização de articulações Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 papel estruturador importante e são classificadas como eixos de mobilidade dos corredores de centralidade. Quanto ao zoneamento de usos, são permitidos, basicamente, o uso residencial (no interior das Unidades de Estruturação Urbana (UEUs)) e misto7 (nas vias arteriais e coletoras). No que tange ao regime volumétrico, no quesito alturas, essas variam de 9,00m (nas áreas residenciais) a 52,00m (nas vias estruturadoras). Já a taxa de ocupação (relação entre as projeções máximas de construção e as áreas de terreno sobre as quais as- metropolitanas e novas centralidades”. São marcos estruturadores os três Corredores de Centralidade: Sertório/ /Assis Brasil, Anita Garibaldi/Nilo Peçanha e Ipiranga/ Bento Gonçalves (Porto Alegre, 2000). 7 Zonas onde se estimulam principalmente o comércio varejista, a prestação de serviços e demais atividades compatíveis. 105 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária cendem as construções) situa-se no intervalo compreendido entre 66,6% e 90%. Regulamentado no PDDUA-1999 e instituído pela Lei Complementar n° 315/94, o Solo Criado é um instrumento urbanístico com origem na Lei Orgânica do Município e é condicionado por uma série de objetivos e parâmetros estabelecidos por essas legislações. Esse instrumento, cujo conceito já se encontrava no 1º Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), regula o uso do solo e possibilita ao empreendedor construir acima do coeficiente (índice construtivo privado) que lhe é assegurado por lei, adquirindo-o do Município. Em algumas zonas da Cidade, o índice privado somado ao Solo Criado8 poderá chegar a 2,00 e, em outras, a 3,00, desde que atendidos os parâmetros de densificação estabelecidos pelo PDDUA-1999.9 No que diz respeito à legislação sobre loteamentos e condomínios, cabe apenas salientar que o loteamento é regulamentado pela Lei Federal nº 6.766/79 (que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano), modificada parcialmente pela Lei Federal nº 9.785/99, e representa a divisão do solo em lotes, com aberturas de vias e logradouros públicos, estando implícito, nessa legislação, que 35% da área do loteamento será de domínio público. Ou seja, a acessibilidade não pode ser estrita a seus moradores, o que torna o termo “loteamento fechado” incorreto. O condomínio, por sua vez, não é contemplado pela legislação federal, que não prevê nenhum tipo de limitação física para tais empreendimentos10. Em Porto Alegre, o mesmo fica sujeito à legislação urbana municipal (PDDUA-1999), onde, basicamente, são regulados o tamanho dos empreendimentos (limitando-os em 22.500m2 em zonas consolidadas e sem restrição em áreas periféricas) e alguns aspectos relacionados ao seu interior, como tamanho dos lotes, quantidade mínima de área livre e densidade (Ugalde, 2002). 8 Com a venda do Solo Criado, o poder público monitora a cidade para que seus espaços sejam preenchidos de forma organizada e controlada. Ao mesmo tempo, promove uma melhor distribuição de renda urbana, pois os recursos obtidos são canalizados para o Fundo Municipal de Desenvolvimento (FMD) e destinados, em sua maior parte, à produção de habitações de caráter social. 9 A utilização do Solo Criado é controlada pelo monitoramento da densificação, que indica os locais onde, em função da infra-estrutura disponível, pode ocorrer maior concentração de pessoas e negócios. 10 Encontra-se em tramitação, na Câmara Federal, o projeto de Lei nº 3.057/2000, que “[...]dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos e dá outras providências”, onde, nas Considerações Gerais, em seu art. 3, item XII, estabelece o condomínio urbanístico como: “[...] a divisão de imóvel em unidades Os condomínios e a dinâmica de estruturação dos estoques residenciais: a tipologia construtiva e o mercado imobiliário Neste item, após serem mostradas algumas características gerais dos condomínios residenciais horizontais na cidade, abordam-se as tipologias construtivas encontradas nos condomínios analisados dos bairros previamente selecionados. Num segundo momento, com informações oriundas dos censos imobiliários do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RS) de 2000 a 2006, traça-se um panorama do movimento do mercado imobiliário na área em estudo. Os condomínios residenciais horizontais fechados estão disseminados na Cidade, localizando-se, em maior número, na zona sul, denominada Cidade Jardim pelo PDDUA de 1999, mas também são encontrados no núcleo mais consolidado, bem como em zonas mais periféricas. Esses condomínios diferem entre si pelo porte e tipo de habitação construída: térrea, em geral isolada no lote; e sobrados, tanto isolados quanto geminados ou em fita. De acordo com o PDDUA-1999 (Porto Alegre, 2000), podem ser construídos, na Zona de Ocupação Intensiva, condomínios de até 22.500,00m2 ou até 40.000,00m2, desde que ocupem no máximo um quarteirão (art. 156, Lei Complementar n° 434, 1999). Os de metragem maior devem localizar-se na Zona de Ocupação Rarefeita, ao sul da Cidade, não tendo limitação de área. Classificam-se como de pequeno porte os condomínios de 500m2 a 1.500m2 de área; de médio porte, aqueles com até 40.000,00m2; e os acima dessa metragem são classificados como de grande porte. No caso de Porto Alegre, são reduzidos os exemplos de condomínios de grande porte. O maior deles, Terra Ville11, ocupa uma área de 143ha com 463 residências unifamiliares e alguns serviços. Ainda podemos ci- autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio”. 11 Uma análise que contempla grandes empreendimentos de alto padrão em Porto Alegre pode ser encontrada em Ueda (2006, p. 107). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 106 Mirian Regina Koch tar, como exemplos, o Jardim do Sol e o Parque Knorr, os primeiros condomínios horizontais fechados construídos na cidade. Todos estão localizados na zona sul, são habitados por grupos de alto nível econômico, com unidades residenciais isoladas no terreno, gerando baixas densidades e possuindo grandes áreas verdes de lazer e recreação privativas. Verifica-se a construção de condomínios para as diversas categorias de renda, diferenciando-se entre si pela tipologia habitacional e pelo tamanho das residências e das áreas de lazer. Nas faixas de renda mais altas, as tipologias geralmente são isoladas nos terrenos com áreas acima de 150m2, cada unidade, e nas intermediárias, em geral, aparecem sobrados em fita, com casas em torno de 60m2 a 150m2. A tipologia mais encontrada na cidade é a de condomínios de pequeno e médio portes, tipo sobrado, geminado ou em fita. Nesta pesquisa, enfocam-se especificamente condomínios horizontais fechados de uso residencial, de porte médio, ou seja, que possuem de 1.500m2 a 22.500,00m2, localizados na zona de tecido urbano consolidado, na área de influência do Shopping Center Iguatemi. Configuram-se como bairros residenciais dotados de boa acessibilidade viária, rede de transporte público e infra-estrutura completa. Esses bairros possuem residências unifamiliares, edifícios de apartamentos e vários condomínios. O perfil dos moradores é de população de categorias de renda média e alta, sendo que o Bairro Três Figueiras é o de mais alto perfil. No Gráfico 1, visualiza-se o comportamento da renda mensal em salários mínimos (SMs) dos moradores dos bairros em estudo, segundo os Censos Demográficos 1991 e 2000 (IBGE, 1996; 2003). Gráfico 1 Distribuição percentual dos moradores, por classes de rendimento nominal mensal, em bairros selecionados de Porto Alegre — 1991 e 2000 (%)(%) 70 60 50 40 30 20 1991 Legenda: Legenda: Boa Vista 2000 Chácara das Pedras Três Figueiras Vila Jardim FONTE: IBGE.Censo Demográfico 1991: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 1996. IBGE. Censo Demográfico 2000: Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. NOTA: Os dados de 1991 baseiam-se nos resultados da amostra; e os de 2000, nos resultados do universo. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 Mais de 15SMs Mais de 10 a 15SMs Mais de 5 a 10SMs Mais de 2 a 5SMs Mais de 1 a 2SMs Até 1SMs Sem rendimento Mais de 15SMs Mais de 10 a 15SMs Mais de 5 a 10SMs Mais de 2 a 5SMs Mais de 1 a 2SMs Até 1SM 0 Sem rendimento 10 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária Tipologia construtiva dos condomínios Neste segmento, realiza-se uma abordagem acerca das especificidades, do ponto de vista de suas características físico-espaciais, encontradas nos condomínios estudados nos Bairros Boa Vista, Chácara das Pedras, Três Figueiras e Vila Jardim, de tipologia construtiva diversa e com moradores com perfil de renda também diferenciado, mostrando como os mesmos se inserem na morfologia desses bairros. Inicia-se por um conjunto de condomínios, em obras e concluídos, implantados em uma área até recentemente caracterizada como de vazio urbano, localizado no Bairro Três Figueiras. Essa escolha se dá em função do efeito impactante ocorrido na paisagem urbana, devido, principalmente, à transformação na configuração desse local. Trata-se da porção sul da Chácara Limongi, que teve sua viabilidade urbanística de loteamento aprovada no início dos anos 90, onde estão sendo implantados quatro condomínios residenciais e um quinto está em lançamento. Esses condomínios, todos pertencentes a um mesmo empreendedor imobiliário, apresentam alto padrão construtivo, sob a forma de unidades isoladas no terreno ou conjuntas, e com características totalmente diferenciadas dos demais condomínios residenciais existentes no entorno. O maior deles, Alathea, entregue em janeiro de 2004, possui área total de 12.193,66m2 e é composto de oito casas isoladas nos lotes. O segundo, concluído em maio de 2006, Amalfi, é o menor desse conjunto, com área de 1.493m2 e com padrão construtivo diferenciado, com casas implantadas no interior de um grande lote. Em fase final de obras, encontram-se os condomínios Stanza, com 9.453,24m2 de área total, e Alpha, com 7.841m2 de área total. O quinto está em fase de lançamento e é totalmente diferenciado dos demais, denominando-se Biltmore TownHouses (segundo o apelo publicitário, “um estilo inglês de morar”) e dispondo de 13 casas e de uma área verde preservada de 3.000m2. Ainda neste bairro, no seguimento desse espaço em direção à Avenida Nilo Peçanha, observa-se a implantação de outros três condomínios, concluídos ou em obras, todos também pertencentes a uma única empresa construtora, porém com tipologia construtiva diferenciada dos anteriores, tipo sobrado. São os condomínios Villa Gardena (15 unidades residenciais), Sagaró Villas (13 unidades) e Piccola Cittá (24 unidades). Aparecem 107 ainda os lançamentos imobiliários Villagio Di Cavalcanti (10 casas) e Malibú. No Bairro Boa Vista, com reduzidos exemplares dessa tipologia no período mais recente, foi selecionado o condomínio Jardim Provence, com entrega prevista para novembro de 2007. O mesmo localiza-se na Rua Tomaz Gonzaga, esquina com 14 de Julho, em uma área que, desde o final da década de 90, sofreu alterações em sua configuração com a implantação de inúmeros condomínios horizontais de pequeno e médio portes. Muito próximo ao Jardim Provence, localiza-se o condomínio Alameda França, ocupando um quarteirão inteiro da malha urbana há 10 anos. As 16 casas do Jardim Provence, segundo o projeto, serão implantadas em pátios individuais, cada uma com área total de 740m2, estando também prevista a construção de um clube com infra-estrutura completa. Na área de entorno desse condomínio, onde a tipologia construtiva predominantemente tem a mesma conformação, são restritos os espaços vazios e ainda disponíveis na vizinhança. Praticamente, a totalidade das áreas não ocupadas pertence a escolas e a clubes existentes nas imediações. No Bairro Chácara das Pedras, o condomínio examinado, também em fase final de obras, é o La Quadra, cujo empreendimento irá ocupar uma quadra inteira entre as Ruas Francisco de Paula Cidade, Estácio de Sá e Professor Ulisses Cabral, com previsão de conclusão de obras para outubro de 2007. As unidades do La Quadra estarão distribuídas em oito pequenas torres de apenas quatro e cinco andares, denominadas “torretas”. Esse condomínio contará com unidades térreas, com terraço privativo integrado à área social, chamadas de Terrazas; unidades térreas com dois pisos (Duplex); e as Viviendas, com sacada, nos andares elevados. A escolha desse exemplo nesse bairro se deve ao caráter de “inovação” apresentado pelo empreendedor, ou seja, de “[...] um novo conceito de condomínio fechado de alto padrão: um projeto que une o clima de uma casa com a comodidade e a segurança de um apartamento” (Goldsztein, 2007), como forma de reverter a tendência, que se desenha no bairro, de descenso dos investimentos imobiliários residenciais. A maioria dos exemplares de unidade residencial sob a forma de condomínios aí existentes é de pequeno porte, do tipo sobrado geminado, e sua construção data, em média, de seis a sete anos. Por fim, no Bairro Vila Jardim, foram eleitos dois condomínios, ambos pertencentes à mesma empresa Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 108 construtora. O primeiro, já concluído, Principado de Firenze, localizado na esquina das Ruas São Leopoldo e Araruama, é formado por sobrados dispostos em fita, com 284m2 de área privativa e terraço social integrado ao pátio. O outro, em lançamento, denominado Principado Passadena, está localizado nas imediações do anterior, na Rua Araruama esquina com Cananéia, dispondo de dois pisos, além de terraço, contabilizando seis unidades em terrenos individuais. Ainda pode-se apontar o condomínio Conde da Figueira, tipo sobrado, um dos primeiros exemplares dessa tipologia construtiva, implantado nesse bairro em 2005. É importante ressaltar que a preferência em mostrar os exemplares desse bairro teve como objetivo demonstrar a tendência de direcionamento do mercado imobiliário em procurar oferecer produtos diferenciados, aproveitando as externalidades de vizinhança e dirigindo a oferta a um público situado em patamares intermediários de renda. Uma visão do mercado imobiliário A partir de informações oriundas dos censos imobiliários do Sinduscon-RS (2000/2006), inicia-se este bloco com uma rápida abordagem sobre o posicionamento do comportamento do mercado imobiliário na Cidade, em todas as tipologias construtivas. Na seqüência, mostra-se um panorama do movimento do mercado imobiliário na área estudada, no que se refere às unidades residenciais novas ofertadas para a venda e suas respectivas faixas de valor. É importante salientar que, apesar de o universo da pesquisa do Sinduscon contemplar a quase-totalidade dos imóveis novos em oferta, para esse caso em análise, se consideraram somente os imóveis residenciais. Para a Cidade de Porto Alegre (Gráfico 2), faze-se referência, a título de ilustração, às informações de todas as modalidades construtivas novas ofertadas para a venda no período 2000-06, onde se destacam as tipologias apartamento e casa. Os apartamentos representam a maioria das unidades em oferta, com crescimento de forma contínua, sofrendo uma pequena inflexão no último ano considerado, fato este que se repete em todas as tipologias ofertadas para a venda na Cidade. As casas, por sua vez, atingem o ápice de ofertas em 2004, mostrando um movimento de descenso a partir desse ponto. É importante observar que a tipologia “casa”, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 Mirian Regina Koch que aparece na pesquisa do Sinduscon-RS (2000/2006), se refere a unidades localizadas em condomínios.12 Fazendo um recorte na análise e dirigindo o enfoque para os bairros em estudo, visualizam-se, num primeiro momento, as ofertas de imóveis novos por tipologia de casa, de três ou quatro dormitórios, na série 2000-06 (Gráfico 3). Deve ser dado destaque para o Bairro Três Figueiras, que desponta como o que possui as maiores ofertas no tipo casa de três dormitórios, atingindo o auge em 2005. O Bairro Vila Jardim, por sua vez, confirma a recente mudança em sua configuração, mostrando, a partir de 2003, um movimento ascendente na tipologia casa de quatro dormitórios, com pequeno descenso a partir de então, seguindo a tendência geral da Cidade. Nas ofertas do Bairro Boa Vista, nota-se, a partir do ano 2004, um movimento semelhante ao verificado no Bairro Três Figueiras, porém, neste último, as ofertas situam-se em um patamar inferior, onde ressalta o tipo casa de três dormitórios. Na seqüência, trazem-se informações sobre as tipologias casa e apartamento nos bairros relacionados, agora segundo as faixas de valor ofertadas13 no mercado imobiliário. Salienta-se que foram consideradas, nesse conjunto, também as ofertas de apartamentos, devido ao fato de os mesmos serem os grandes responsáveis pelas vendas de unidades residenciais novas tanto na Cidade como nos bairros estudados. Deve-se, além disso, ressaltar que, para a análise considerando faixa de valor, foi reduzido o período estudado, devido a alterações na metodologia de pesquisa.14 No Bairro Boa Vista (Gráfico 4), a tipologia casa, cuja oferta se concentrou nos anos finais do período e na maior faixa, teve, no ano de 2005, o melhor posicionamento da série. No tipo apartamento, nota-se que a maior parte das ofertas está nas faixas intermediárias de valor. Houve um declínio da disponibilidade de 12 Informação obtida junto ao Sinduscon-RS. 13 Na pesquisa do Sinduscon, a informação do preço para a venda é opcional, o que acarreta um desencontro entre o número total de unidades ofertadas e as unidades ofertadas segundo as faixas de valor. O percentual dessa diferença varia de acordo com o ano estudado, encontrando-se no intervalo de 8,58% a 0,67%, na série apresentada. 14 Até 2002, os resultados eram divulgados em reais e, a partir de 2003, em Custo Unitário Básico da construção (CUB-RS). Houve condições de compatibilizar as faixas a partir de 2002, sendo, portanto, esse ano o período inicial considerado. O CUB/m2-RS ponderado habitacional válido para o mês de junho de 2007 é de R$ 919,60. Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária imóveis, ao mesmo tempo em que aumentou, entre 2002 e 2004, a oferta de apartamentos na faixa de maior valor, que decresceu a partir de 2004. Essa provável saturação do mercado residencial nesse bairro pode ter explicação na indisponibilidade de terrenos, o que sugere um momento de consolidação de um padrão. Pode-se conjeturar ainda sobre uma possível alteração no quadro de motivações das camadas de mais alto poder aquisitivo. Mais recentemente, examinando-se os classificados dos jornais e das imobiliárias, essa tendência é confirmada. Praticamente, inexistem lançamentos imobiliários de tipo “casa”, e as unidades ofertadas para a venda são, em sua maioria, de imóveis usados. No Bairro Chácara das Pedras, a oferta da tipologia casa, encontrada quase exclusivamente na faixa de maior valor, apresenta um movimento de decréscimo no período considerado. Por outro lado, a oferta de apartamentos, cujo auge ocorreu em 2002, nas faixas intermediárias de valor, destaca-se em 2006, revertendo a tendência, com maior número de unidades ofertadas, dessa vez na maior faixa de valor, conforme podemos observar no Gráfico 5. Esse movimento pode estar sinalizando o processo de transformação que o bairro está vivenciando. Também nesse bairro, repetindo o que se visualiza no Bairro Boa Vista, em pesquisa dos classificados recentemente, são reduzidos os lançamentos e a disponibilidade de unidades residenciais à venda, inclusive em condomínios. As ofertas concentram-se, quase exclusivamente, em imóveis usados. A presença dos condomínios residenciais no Bairro Três Figueiras (Gráfico 6), representada pela oferta de casas, aparece na série de forma evidente, com destaque para a maior faixa de valor pesquisada. A tipologia apartamento, não obstante isso, apresenta uma oferta expressiva em 2003. É importante notar que, dos bairros estudados, este último apresenta o maior valor do m2 construído e, a partir de 2003, se eleva consideravelmente o número de imóveis residenciais em oferta. É aí, praticamente, que se concentram todas as ofertas de lançamento e venda de unidades residenciais, a maioria delas novas, disponíveis nos bairros em estudo. Como já foi comentado anteriormente, Vila Jardim é o bairro que sofreu a maior alteração em sua configuração espacial no período estudado. São ali crescentes as ofertas de imóveis nos maiores estratos de valor, com destaque para a tipologia casa, onde, no ano de 2006, já apareceram ofertas na maior faixa de valor (Gráfico 7). Esse bairro, de conformação heterogênea, desponta como aquele que, segundo os critérios de Abramo 109 (2001), apresenta características de inovação, ou seja, “[...]diferenciação dos estoques com relação ao ciclo de vida, e por um processo de homogeneização da estrutura residencial real, no que diz respeito à dinâmica espacial”. Nele, o valor dos imóveis ainda não atingiu o patamar dos bairros vizinhos, já aparecendo ofertas de unidades habitacionais de padrões diferenciados, desde médio elevado, até de um preço mais baixo e acessível. Essas ofertas se direcionam para as categorias não classificadas nos estratos mais altos de renda, que procuram uma opção de moradia semelhante a que se encontra nos bairros de mais alto padrão. Para melhor se entenderem os resultados apresentados pelas informações obtidas através do Sinduscon-RS, mostram-se, a seguir, os dados referentes à evolução de áreas vistoriadas nos bairros selecionados, disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) (Gráfico 8). Esse indicador também oferece subsídios importantes para se observar o comportamento do mercado imobiliário em Porto Alegre. Tendo em vista a não-disponibilidade das informações para o período completo, focaliza-se a análise nos anos 2000, 2001, 2004 e 2006. Como os dados mostram a evolução do total de áreas vistoriadas nos bairros, em todas as modalidades construtivas, pode-se presumir que o movimento examinado esteja apontando alterações na tipologia edificada, notadamente no Bairro Chácara das Pedras. Aí, a tendência de crescimento das áreas vistoriadas, associada à análise realizada no item anterior, parece sinalizar uma oferta mais consistente de imóveis comerciais, principalmente nas categorias salas e outros. Esse movimento reproduz o observado na evolução das ofertas de imóveis para o total da Cidade (Gráfico 2). É importante afirmar, ao finalizar a abordagem empírica deste bloco, que, apesar de a mesma representar uma amostra ainda reduzida do escopo da pesquisa, traz elementos que se mostram eficientes para a compreensão da dinâmica investigada. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 110 Mirian Regina Koch Gráfico 2 Evolução de unidades novas ofertadas para a venda, por tipo, em Porto Alegre — 2000-06 Índice 180,0 160,0 140,0 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 2000 2001 Legenda: Legenda: 2002 2003 2004 2005 2006 Apartamento Cobertura Casa Flats Sala/conjunto Loja Outros Total FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO 2001. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2002. FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO 2002-2004. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2005. FON : ECONOMIAS vistoriadas por bairros 2006. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2007. (Dados fornecidos pela PMPA). NOTA: Índice de base fixa de 2000 = 100. Gráfico 3 Unidades em oferta, por tipologia de casa, em bairros estudados de Porto Alegre — 2000-06 40 35 30 25 20 15 10 5 0 2000 Legenda: 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Boa Vista - casa de três dormitórios Chácara das Pedras - casa de três dormitórios Chácara das Pedras - casa de quatro dormitórios Três Figueiras - casa de três domitórios Três Figueiras - casa de quatro dormitórios Vila Jardim - casa de três dormitórios Vila Jardim - casa de quatro dormitórios FONTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — SINDUSCON-RS. Censo do Mercado Imobilário de Porto Alegre: imóveis novos (III; IV; V; VI; VIII; IX). Porto Alegre: SINDUSCON-RS, 2000/2006. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 111 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária Gráfico 4 Unidades ofertadas, por faixa de valor, no Bairro Boa Vista, em Porto Alegre — 2002-2006 2002 2003 Legenda: Legenda: 2004 2005 Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 2006 Casa Apartamento FONTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — SINDUSCON-RS. Censo do Mercado Imobiliário de Porto Alegre: imóveis novos ( V; VI; VII; VIII; IX). Porto Alegre: SINDUSCON-RS, 2002/2006. Gráfico 5 Unidades ofertadas, por faixa de valor, no Bairro Chácaras das Pedras, em Porto Alegre — 2002-06 35 30 25 Gráfico 5 20 15 10 5 2002 Legenda: 2003 2004 2005 Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs 0 2006 Casa Apartamento FONTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — SINDUSCON-RS. Censo do Mercado Imobiliário de Porto Alegre: imóveis novos ( V; VI; VII; VIII; IX). Porto Alegre: SINDUSCON-RS, 2002/2006. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 Legenda: 2002 2003 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 2004 2005 Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs 2005 Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs 2004 Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs 2003 Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs 2002 Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Legenda: Legenda: Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs Mais de 430 CUBs Mais de 220 a 430 CUBs Mais de 130 a 220 CUBs Mais de 90 a 130 CUBs Até 90 CUBs 112 Mirian Regina Koch Gráfico 6 Unidades ofertadas, por faixa de valor, no Bairro Três Figueiras, em Porto Alegre — 2002-06 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 2006 Casa Apartamento FONTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — SINDUSCON-RS. Censo Gráfico 7 do Mercado Imobiliário de Porto Alegre: imóveis novos ( V; VI; VII; VIII; IX). Porto Alegre: SINDUSCON-RS, 2002/2006. Unidades ofertadas, por faixa de valor, no Bairro Vila Jardim, em Porto Alegre — 2002-06 16 14 12 10 8 6 4 2 0 2006 Casa Apartamento FONTE: SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL — SINDUSCON-RS. Censo do Mercado Imobiliário de Porto Alegre: imóveis novos ( V; VI; VII; VIII; IX). Porto Alegre: SINDUSCON-RS, 2002/2006. 113 Condomínios fechados: as novas configurações do urbano e a dinâmica imobiliária Gráfico 8 Evolução de áreas vistoriadas em bairros selecionados de Porto Alegre — 2000-2006 Índice 300,00 250,00 200,00 150,00 100,00 50,00 0,00 2000 Legenda: Legenda: 2001 Boa Vista Três Figueiras Total dos bairros 2004 2006 Chácara das Pedras Vila Jardim Total da Cidade FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO 2001. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2002. FONTE: ANUÁRIO ESTATÍSTICO 2002-2004. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 2005. FONTE: ECONOMIAS vistoriadas por bairros 2006. Porto Alegre, 2007. (Dados fornecidos pela PMPA). NOTA: Índice de base fixa 2000 = 100. A título de conclusão As considerações aqui apresentadas traduzem uma primeira incursão na questão dos efeitos provocados numa área polarizada por um grande equipamento comercial, o shopping center. Não são posições consolidadas, mas uma prévia das possíveis correlações existentes, que a pesquisa, ainda em andamento, poderá aportar. Sendo o entorno do SCI um espaço para onde muitas atividades econômicas se direcionaram, a presença de investimentos em estoques residenciais (dinâmica imobiliária) teve um papel fundamental. A densificação, a verticalização e a nova tipologia construtiva (Koch, 2004), juntamente com a esfera comercial e a acessibilidade, foram os elementos responsáveis pelas grandes alterações e pela atual conformação dessa área. Essa região da Cidade de Porto Alegre surgiu como o local preferencial de categorias sociais mais abastadas e que, em função da acessibilidade crescente, induziu à inserção de atividades comerciais nas principais vias de acesso. Iniciaram-se, assim, mudanças na configuração de uso do solo, que se traduziram principalmente no padrão edificado da principal via de acesso, Avenida Nilo Peçanha, e também, em escala diferenciada, nos bairros analisados. As “leituras” dos resultados, em conjunto com as principais linhas teóricas que embasaram a investigação, permitem apontar algumas tendências para a área em questão. No que se refere aos Bairros Boa Vista e Chácara das Pedras, pode-se conjeturar que o declínio verificado na oferta de imóveis residenciais novos, assim como o número reduzido de lançamentos do tipo “casa”, pode estar representando uma “incerteza urbana” que os investidores estejam entrevendo em relação a essas localidades. Isso significa que existe a possibilidade de estar ocorrendo a proximidade entre a configuração real e aquela prevista pela convenção urbana. No Bairro Três Figueiras, os resultados apontados na pesquisa podem sinalizar dois processos: (a) o reflexo da especulação imobiliária, que deixou grandes glebas sem construir até recentemente; e (b) a indicação de que a convenção urbana está em pleno auge, quando se relacionam, por exemplo, as famílias de maior poder aquisitivo (externalidades de vizinhança) aos condomínios horizontais de luxo (bens de moradia). Essa tendência é Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 99-116, fev. 2008 114 confirmada, quando se constata o elevado número de lançamentos nos últimos anos. Por fim, em relação ao Bairro Vila Jardim, que é aquele que detém crescentes ofertas de estoques residenciais, principalmente no que se refere a casas (inovação da tipologia sugerindo um novo público), ressaltam-se fatos que podem estar apontando o surgimento de uma nova convenção urbana nessa área. Em síntese, a dinâmica urbana observada remete a uma reflexão sobre possíveis conexões detectadas entre as alterações na convenção urbana e a difusão da inovação espacial referente aos estoques residenciais, a serem melhor explorados na próxima etapa deste estudo. Referências ABRAMO, Pedro. Dinâmica espacial e instabilidade do mercado imobiliário: a ordem-desordem urbana. In: ABRAMO, Pedro (Org.). Cidades em transformação: entre o plano e o mercado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. p. 161-188. ANDRADE, Luciana Teixeira de. Condomínios fechados na Região Metropolitana de Belo Horizonte: novas e velhas experiências. 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Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05: uma análise conjuntural* Orlando Arenghi Silvio Antonio Ferraz Cario** Ricardo Lopes Fernandes*** Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina Professor Doutor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina Mestrando em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina Resumo A indústria têxtil-confecção constitui um dos setores que contribui para a formação da pauta exportadora catarinense, considerada a sexta maior do País. As vendas para o mercado externo foram da ordem de US$ 350 milhões em 2005, sendo os principais produtos comercializados os artefatos têxteis confeccionados. Os Estados Unidos e a Argentina são responsáveis por 60% do valor obtido com as exportações. Por sua vez, as importações catarinenses somam cerca de US$ 138 milhões, sendo o algodão, de 1996 a 2000, e os filamentos sintéticos ou artificiais, de 2000 a 2005, os produtos mais importantes comprados no exterior. Argentina, EUA e Paraguai perderam espaços para China, Taiwan e Índia como países de origem das importações. Conclui-se que os valores das exportações de têxtil-confecção se mantiveram praticamente estáveis no período em estudo, enquanto as importações decresceram ao longo do tempo, contribuindo, assim, para a formação do saldo positivo da balança comercial brasileira na presente década. Palavras-chave: indústria têxtil-confecção; comércio exterior do setor têxtil-confecção; comércio exterior catarinense. Abstract The industry textile-confection constitutes one of the sectors that contribute for the formation of the catarinense exporting guideline, considered 6ª. bigger of the country. The sell for the external market is of the USS order 350 million in 2005, being the main commercialized product, the confectioned textile articles. The United States and Argentina are responsible for 60% of the value gotten with the exportations. In turn, the catarinenses importations add about USS 138 million, being the cotton, * Artigo recebido em 09 abr. 2007. ** E-mail: [email protected] *** E-mail: [email protected] Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 118 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes of 1996 the 2000, and the synthetic or artificial filaments, of 2000 the 2005, the product more important bought in the exterior. The Argentina, U. S. A. and Paraguay lose spaces for China, Taiwan and India as native countries of the importations. One concludes that the values of the exportations textiles-confections practically keep steady in the period in study, while the importations decrease it the long one of the time, contributing, thus, for the formation of the surplus of the Brazilian trade balance in years 2000. 1 Introdução A indústria têxtil-confecção constitui uma dos principais segmentos produtivos do ramo tradicional da indústria de transformação de Santa Catarina. Ela se insere no contexto da formação histórica industrial do Estado, ocupa posição de destaque no valor da transformação industrial, constitui-se em setor absorvedor de emprego, sobretudo nos elos finais da cadeia produtiva, possui forte representação econômica em espaços regionais localizados e é reconhecida nacionalmente pela presença de grandes empresas ofertantes de produtos no mercado. A mudança no marco regulatório, no início dos anos 90, expôs essa indústria a um forte processo concorrencial, cujo resultado, em seus primeiros anos, foi a perda de posição das empresas têxtil-confecção no mercado. Em resposta, tais empresas promoveram processos de reestruturação produtiva e organizacional, segundo os parâmetros ditados pelo padrão produtivo internacional vigente nesse segmento. Assim sendo, adquiriram máquinas e equipamentos modernos, promoveram a desverticalização produtiva, orientaram-se para a produção diversificada, criaram novas formas de comercialização interna, procuraram inserir-se no mercado internacional, dentre outras medidas. Nesse sentido, este texto tem como objetivo analisar o resultado apresentado pelo comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina, no período 1996-05, sob uma perspectiva analítica conjuntural, no sentido de contribuir com elementos para uma avaliação econômica setorial. O estudo está dividido em cinco seções, sendo que, nesta primeira, se faz a apresentação; na segunda, apontam-se as principais características da estrutura dessa indústria em nível nacional; na terceira, caracterizam-se as exportações do segmento têxtil-confecção de Santa Catarina; na quarta, discute-se o perfil das importações desse setor em nível estadual; e, por fim, na quinta seção, listam-se as conclusões. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 2 Estrutura e padrão de concorrência da indústria têxtil-confecção do Brasil: características principais A mudança no marco regulatório concorrencial que ocorreu, no Brasil, no início dos anos 90 afetou fortemente a indústria têxtil-confecção. Isso aconteceu de forma abrupta, e não se estabeleceram mecanismos imediatos para proteger as empresas pertencentes a essa indústria contra as importações subfaturadas e o dumping comercial. Em resposta às medidas de redução das barreiras tarifárias e não tarifárias e de política cambial apreciativa, estimuladoras da importação de produtos concorrentes, as empresas empreenderam processos reestruturantes, voltados a criar melhores condições competitivas no mercado. Para tanto, modernizaram a planta industrial, adquirindo, principalmente, teares computadorizados, equipamentos eletrônicos para tinturaria e máquinas de costura, de bordar e de acabamentos automatizadas. No mesmo sentido, adotaram novas práticas organizacionais, em sintonia com procedimentos que ocorrem em nível internacional. Dentre elas, destacam-se as técnicas modernas de gestão, como círculo de controle de qualidade, Just-in-Time, Kanban, célula de produção, terceirização da produção, novas relações com fornecedores, aproximação com clientes, processo decisório participativo, dentre outras. Esse processo alcançou todos os portes empresariais, ainda que de forma diferenciada. Em maior grau, médias e grandes empresas e, em menor nível, as pequenas empresas procuraram reestruturar-se. Nesse curso, registra-se a convivência de máquinas e equipamentos de níveis tecnológicos diferenciados executando operações produtivas, bem como a adoção de técnicas modernas de gestão em paralelo aos Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... procedimentos administrativos já existentes. A convivência do novo com o velho equipamento e da nova e da velha prática organizacional é uma característica marcante desse processo reestruturante da indústria têxtil-confecção. No âmbito produtivo, esse processo é impulsionado pelo setor de bens de capital, fornecedor de máquinas e equipamentos. Os controles microeletrônicos das máquinas, cada vez mais aperfeiçoados, tornam as operações mais rápidas, e os avanços em corte e desenho constantes nos equipamentos aumentam a capacidade de os designers exercerem o poder de criação. No campo organizacional, difundem-se as best practice adotadas pelas empresas, impulsionadas por orientações de empresas de consultorias externas, modernos cursos gerenciais, workshops empresariais, divulgação de práticas virtuosas em congressos e seminários acadêmicos, dentre outras referências. No conjunto, observa-se um movimento de transformação no interior da indústria têxtil-confecção. Nas fases produtivas de fiação, tecelagem e tinturaria, a indústria deixa de ser intensiva em trabalho para ser intensiva em capital, porém, na fase do vestuário, mantém-se intensiva em absorção de trabalho, ainda que processos reestruturantes ocorram. Nesta última fase, dadas as suas características de baixas barreiras à entrada, padrão tecnológico difundido, fácil acesso à tecnologia, reduzido volume de recursos para investimento, disponibilidade de fonte de financiamento, etc., novas empresas são criadas e novos trabalhadores são contratados. Nesse contexto, o movimento de criação de empresas intensifica-se por conta do crescimento da desverticalização produtiva no âmbito das médias e das grandes empresas. Muitas fases e etapas do processo de fabricação dessas empresas passam a ser executadas pelas pequenas empresas, em regime de subcontratação. Empresas subcontratadas comprometem-se a entregar todo ou partes do produto. Para tanto, recebem, adquirem, ou recebem matéria-prima e têm garantida a compra de seus produtos. Ao participarem desse processo, tais empresas especializam-se em determinada etapa do processo produtivo e criam maior adensamento na divisão de trabalho empreendida. Por sua vez, a prática de cooperação interempresarial não se restringe somente à área dos aglomerados produtivos, onde, geralmente, estão concentradas as empresas desse segmento, mas estende-se para fora da região industrial especializada. Em muitos casos, as relações de cooperação atingem âmbito internacional, através do processo de compra e 119 venda entre empresas situadas em países diferentes. Vínculos formam-se entre empresas produtoras de maior porte e grandes produtores e varejistas mundiais, controladores da cadeia global de produção têxtil-confecção. Ao transferir parte do processo produtivo para outras empresas subcontratadas, as médias e grandes empresas passam a dar ênfase à marca, ao design, à distribuição e à comercialização, às etapas consideradas de criação e de apropriação de maior valor agregado gerado nessa atividade. Em particular, o design torna-se um fator competitivo importante e base da diferenciação de produto. Nesse sentido, empresas buscam, crescentemente, realizar investimentos em tendências e inovar em moda e estilo, visando à consolidação de um estilo diferenciado no mercado. As empresas, sobretudo as médias e as grandes, estão-se concentrando cada vez mais nas etapas que garantem maior comando e apropriação dos ganhos decorrentes dessa atividade. Nesse contexto, a estratégia de diferenciação de produto constitui elemento central. Com isso, as empresas alcançam novos espaços no mercado, ampliando o número de consumidores, e fogem da concorrência de produtos padronizados. Para tanto, procuram manter a planta industrial atualizada em termos tecnológicos, treinar e qualificar mão-de-obra, garantir recursos para pesquisa e desenvolvimento, dentre outros esforços de capacitação para inovação de produto. Destaca-se, no campo das estratégias adotadas, o firmamento de marcas. As empresas entendem que produtos com marca são um referencial de qualidade no mercado. Procuram, assim, associar a diferenciação do produto e a qualificação de marcas, com foco em segmentos específicos do mercado consumidor. Outros procedimentos estão presentes, como oferecer produtos licenciados por marcas internacionais famosas, ou através de agentes, instituições, atores e cantores com grande aceitação no gosto do consumidor nacional. Através dessa prática, as empresas esperam firmar a marca e explorar a fidelidade do consumidor, considerando que, em cada marca, há uma representação específica. As estratégias de comercialização das empresas mostram-se distintas, dependendo da natureza do produto e do foco do mercado a ser atingido. Há formas de comercialização através de grandes redes de distribuição, como supermercados, hipermercados e redes especializadas de varejo de roupa, assim como algumas empresas recorrem à criação de lojas próprias e a lojas franqueadas, que vendem produtos diferenciados de Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 120 marca e portadores de maior valor agregado, geralmente estabelecidas em shopping centers. As relações com os consumidores assumem importância entre as estratégias desenvolvidas pelas empresas do ramo têxtil-confeção. Nesses termos, as relações ultrapassam o simples mecanismo mercantil de compra e venda. As empresas procuram ter canal aberto direto com seus consumidores, as quais opinam sobre a concepção e a qualidade dos produtos, a forma de atendimento das lojas próprias e das franqueadas, a possível tendência de mercado, dentre outros aspectos. Segue-se, no quadro atual, a adoção de estratégias empresariais direcionadas a promover melhor atendimento pela rede de distribuição dos produtos da indústria têxtil-confecção aos consumidores no mercado. Entre as medidas adotadas, estão os programas de treinamento de balconistas, revendedores e repositores dos seus clientes no varejo, bem como a promoção de palestras e cursos e a distribuição de informativos e impressos on-line, via internet, para a rede de distribuidores de seus produtos. No âmbito do mercado externo, as empresas procuram participar do movimento de internacionalização da produção e do consumo; para tanto, criam e melhoram condições estruturais para inserção ativa nesse espaço. Dentre as estratégias, destacam-se a criação de lojas comerciais próprias e franqueadas e a abertura de escritórios de representação em mercados tradicionais. As empresas buscam, ainda, realizar pesquisa própria ou contratar empresas de consultoria, no intuito de conhecer gostos e preferências de consumidores em mercados externos a serem conquistados. No curso desses acontecimentos, a estrutura de mercado dessa indústria altera-se, em decorrência de muitas empresas entrarem em processos de fechamento ou serem adquiridas por grupos maiores, em paralelo à criação de outras empresas (Gorini, 2000). A mudança na disposição do número de empresas por segmento pode ser visualizada na Tabela 1, tendo destaque as unidades produtoras de têxteis, que passaram de 5.728 em 1995 para 3.847 em 2004, registrando uma redução de mais de 1.800 unidades. O setor de confecções, ao contrário, apresentou aumento de quase 2.000 unidades nesse período. O segmento têxtil, de acordo com a Tabela 2, apresenta trajetória de redução de valor da produção nos anos considerados, com exceção, principalmente, do ano de 2004. Esse movimento se verifica também no segmento do vestuário, porém a reversão de trajetória já ocorria de forma acentuada em 2003. Citam-se como motivos para o reinício do crescimento da produção o Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes aquecimento do consumo no mercado interno e a maior venda de produtos para o mercado externo, ainda que devam ser considerados, nesse momento, a apreciação da moeda nacional em relação ao dólar e o comportamento dos preços/kg do produto em cada segmento. O registro do aumento no volume produzido de têxteis, no período correspondente a 1995 a 2000 — de quase 500.000 toneladas —, e o do segmento de confecções — de mais de 400.000 toneladas — encontram-se expressos na Tabela 3. Tais ocorrências estão fortemente relacionadas ao processo de reestruturação produtiva empreendido na segunda metade dos anos 90, que levou ao aumento da produtividade de ambos os subsegmentos industriais. No âmbito da distribuição regional da produção, observa-se o crescimento da produção de têxtil-confecção na maioria das regiões do País, conforme a Tabela 4. A Região Sudeste é a única que apresenta queda de mais de 10% na participação produtiva de confeccionados. O deslocamento das empresas da Região Sudeste para a Região Nordeste e para o sul de Minas Gerais faz parte da estratégia de recuperação da competitividade e está relacionado aos baixos custos de mão-de-obra e a incentivos fiscais proporcionados por essas regiões (Massuda, 2002). Esse processo foi incentivado por crédito oficial, pois, segundo Gorini (2000), os maiores financiamentos realizados pelo programa têxtil do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram destinados às empresas voltadas para a produção de fios e tecidos, em altas escalas de commodities de algodão, localizadas nas Regiões Sudeste e Nordeste. No âmbito do comércio mundial, o Brasil tem uma participação muito pequena nas transações ali realizadas. O segmento têxtil, em 1995, participou com 0,90% das exportações mundiais, e, em 2000, esse valor reduziuse para 0,71%. O mesmo ocorreu com o segmento de confecção, que, em 1995, participou com apenas 0,24% das exportações mundiais e, em 2000, apresentou uma fração menor ainda, 0,17% (Lupatini, 2004). Dentro desse quadro, é importante salientar que as exportações brasileiras se concentram no segmento têxtil menos dinâmico da cadeia mundial têxtil-confecção, como os tecidos planos. O aumento das exportações de confeccionados a partir do ano 2000 deve-se principalmente ao segmento cama, mesa e banho, que representou mais de 50% das exportações do segmento de confecção em 2002. Os valores das exportações têxtil-confecção apresentaram-se estáveis, em relação aos valores totais, Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... até 2003, quando passaram a se elevar, sobretudo em 2004, conforme a Tabela 5. Isso se deveu a algumas razões, dentre as quais se destacam o crescimento do comércio intrablocos, tais como o NAFTA, o aumento de exportações do México aos EUA, a perda de competitividade do produto nacional no mercado de têxteis, devido ao câmbio defasado, e o atendimento pela Turquia e pela União Européia de mercados tradicionalmente abastecidos por produtos brasileiros. Para Gorini (2000), vários fatores contribuíram para que as importações tivessem um crescimento tão expressivo no Brasil. Em 1992, o País deixou de ser um grande produtor de algodão e, em pouco tempo, passou a ser um dos maiores importadores mundiais. Conjugaram-se para tal ocorrência, de um lado, a falta de barreiras e de proteção maior ao setor e, de outro, a política cambial de cunho apreciativo da moeda nacional. As importações brasileiras de têxteis, em 1995, superaram os US$ 800 milhões, um número considerado alto, se se levar em consideração que, em 1990, elas alcançaram a cifra de US$ 147 milhões, conforme a Tabela 6. Em 2000, as importações do segmento têxtil foram da ordem de US$ 581 milhões, um valor bem inferior ao registrado em 1995, redução que está relacionada a alguns fatores, tais como a desvalorização cambial de 1999 e o crescimento da produção de algodão a partir de 1997. Os anos 2001, 2002 e 2003 continuaram contabilizando quedas nas importações, sendo que, em 2003, esse valor se reduziu para US$ 436 milhões. O ano de 2004 apresentou uma elevação, no volume de importações, de mais de US$ 100 milhões em relação a 2003, em grande parte impulsionada pela apreciação cambial, que torna baixa a relação R$/US$. O segmento de confecções, em 1995, também se confrontou com um grande volume de importações, tendo sido esse considerado um momento de forte presença de produtos estrangeiros no País, agravando-se ainda mais a crise no setor após a abertura comercial iniciada em 1990. Os registros desta década apontam valores anuais inferiores ao registrado em 1995, ainda que o ano de 2004 revele movimento de elevação nos valores dos produtos importados superior aos de 2002 e 2003, sustentado pelos mesmos motivos que impulsionaram as importações têxteis. O saldo da balança comercial brasileira da cadeia têxtil-confecção, em 1995, apresentou um déficit de US$ 850 milhões, ocasionado principalmente pelo volume de importações, já que as exportações permaneceram sem grandes alterações. A Tabela 7 mostra um saldo negativo, no segmento têxtil-confecção, de US$ 230 milhões em 121 1995, que continuou apresentando déficits em 2000, 2001 e 2002, os quais, porém, não ultrapassaram US$ 50 milhões anuais. Entretanto houve reversão desse quadro em 2003 e 2004, quando a totalidade do saldo superou os US$ 350 milhões. Com comportamento diferente, o segmento de confeccionados, desde 1990, apresenta valores positivos. A trajetória dos valores positivos, nesta década, mostra curso crescente, atingindo US$ 554 milhões em 2004, superior aos US$ 361 milhões registrados em 2000. Os dois últimos anos em consideração, tanto para o segmento têxtil como para o de confecção, representam uma mudança no balanço comercial desse setor, em contraponto aos resultados dos anos 90, quando esse balanço se mostrou negativo. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 122 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Tabela 1 Número de empresas do setor têxtil-confecção, por segmento, no Brasil — 1990-2004 SEGMENTOS 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 Têxteis ................................... Fiações .................................. Tecelagens ............................ Malharias ............................... Beneficiamento ...................... Confeccionados ................... Vestuários .............................. Meias e acessórios ................ Linha lar ................................. Outros (1) ............................... TOTAL ................................... 7 244 1 179 1 481 3 766 818 15 368 13 283 731 1 062 292 22 612 5 278 661 984 3 019 614 17 066 13 908 1 235 1 498 425 22 344 4 463 360 434 3 195 474 18 797 15 634 1 235 1 501 427 23 260 4 500 360 425 3 250 465 18 438 15 367 1 290 1 325 456 22 938 4 503 363 431 3 261 448 17 766 14 767 1 256 1 291 452 22 269 4 130 364 437 2 874 455 18 060 15 156 1 189 1 255 460 22 190 3 847 359 448 2 546 494 19 042 16 531 995 1 020 496 22 889 FONTE: RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e FOFONTMarketing Industrial, v. 5, p. 180, ago. 2005. (1) Artigos técnicos e industriais. Tabela 2 Valor da produção da indústria têxtil-confecção, por segmento, no Brasil — 1990-2004 (US$ milhões) SEGMENTOS 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 Têxtil .................................... Fios ....................................... Tecidos .................................. Malhas ................................... Confeccionados ................. Vestuário ............................... Meias e acessórios ............... Linha lar ................................ Outros ................................... TOTAL .................................. 18 839,3 5 206,3 10 515,8 3 117,2 30 174,1 23 056,9 638,5 2 304,2 4 174,5 49 013,4 18 216,4 4 547,5 10 383,7 3 285,2 30 456,6 23 419,3 644,7 1 975,1 4 417,5 48 673,0 16 249,0 4 266,0 8 378,9 3 604,1 28 752,6 21 475,7 495,7 2 284,3 4 496,9 45 001,6 14 009,8 3 249,4 7 953,4 2 807,0 21 750,4 16 146,4 412,8 1 684,7 3 506,5 35 760,2 12 571,6 2 970,7 7 102,7 2 498,2 18 870,2 12 799,3 458,8 1 751,9 3 860,2 31 441,8 12 887,9 3 109,5 7 227,1 2 551,3 20 047,6 13 078,6 502,9 1 953,6 4 512,5 28 423,0 15 857,7 3 835,7 9 035,6 2 986,4 23 397,3 15 320,5 587,6 2 343,0 5 146,2 39 255,0 FONTE: RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e Marketing Industrial, v. 5, p. 180, ago. 2005. NOTA: Valores calculados a partir do preço médio à vista dos artigos na fábrica, sem ICMS, custos de frete e vendas. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 123 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Tabela 3 Volume da produção da indústria têxtil-confecção, por segmento, no Brasil — 1990-2004 (1 000t) SEGMENTOS Filamentos (1) .............. Têxtil (2) ........................ Fios ................................ Tecidos .......................... Malhas ........................... Confeccionados (3) ..... Vestuário ....................... Meias e acessórios ........ Linha lar ......................... Outros ............................ TOTAL ........................... 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 168,1 1 309,6 1 141,5 803,0 319,3 820,0 467,0 11,4 188,3 153,3 2 129,6 224,1 1 291,0 1 066,9 875,2 350,8 1 229,7 796,0 20,2 243,2 170,3 2 520,7 294,5 1 738,5 1 444,0 1 084,7 497,0 1 635,9 1 053,3 20,4 367,1 195,1 3 374,4 280,1 1 576,2 1 296,1 1 232,4 490,2 1 624,2 1 041,5 20,5 346,9 215,3 3 200,4 279,4 1 505,2 1 225,8 1 219,8 477,4 1 699,5 1 017,7 22,5 410,8 248,5 3 204,7 299,2 1 472,1 1 172,9 1 179,4 443,8 1 683,8 994,9 21,9 411,7 255,3 3 155,9 318,0 1 574,6 1 256,6 1 313,0 453,9 1 739,7 1 022,5 22,1 429,0 266,1 3 314,3 FONTE: RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e FONTE: Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. ONTE: Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas. ONTE: Associação Brasileira dos Produtores de Fibras Poliolefínicas (2005). (1) Produção de filamentos têxteis; incluem polipropileno/polietileno. (2) A produção total têxtil, por critério, é medida pelo volume de fios mais filamentos têxteis. (3) Produção calculada a partir do consumo de suas matérias-primas básicas (tecidos planos, malhas, etc.). Tabela 4 Participação percentual das regiões na indústria têxtil-confecção, por setores, do Brasil — 1990 e 2004 SETORES E MÉDIA Fios .................. Tecidos ............ Malhas ............. Confeccionados Média ............... REGIÃO NORTE REGIÃO NORDESTE REGIÃO SUDESTE REGIÃO SUL REGIÃO CENTRO-OESTE 1990 2004 1990 2004 1990 2004 1990 2004 1990 2,7 3,1 0,2 2,8 2,2 0,7 2,9 0,2 4,3 2,0 24,9 17,6 2,8 8,0 13,3 37,0 20,8 9,2 12,4 19,9 55,2 65,6 39,9 66,6 56,8 35,6 62,8 30,8 54,7 45,9 17,2 12,8 55,7 21,6 26,8 26,5 12,9 58,9 24,8 30,8 0,0 0,9 1,4 1,0 0,9 TOTAL 2004 0,2 0,6 0,9 3,8 1,4 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 FONTE: RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e FONT E: Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 124 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Tabela 5 Valor das exportações de produtos da cadeia têxtil-confecção, por segmentos, do Brasil — 1990-2004 (US$ 1 000 FOB) SEGMENTOS Fibras/filamentos Têxteis ................. Fios/linhas ............ Tecidos ................. Malhas .................. Especialidades ..... Confeccionados .. Vestuário .............. Meias e acessórios Linha lar (1) .......... Outros .................. TOTAL ................. 1990 292 180 524 075 273 134 156 710 4 961 89 270 426 978 228 000 1 928 178 137 18 913 1 243 233 1995 245 245 656 639 194 255 260 316 10 800 191 268 539 606 273 855 7 700 227 447 30 604 1 441 490 2000 2001 133 732 534 148 137 840 214 977 30 278 151 053 554 191 263 573 10 355 247 376 32 887 1 222 071 247 593 500 629 105 850 243 328 27 754 123 697 557 875 266 363 7 158 251 202 33 152 1 306 097 2002 220 023 440 942 111 819 197 144 28 683 103 296 524 521 211 183 3 568 279 547 30 223 1 185 486 2003 2004 372 124 639 425 173 737 277 226 39 441 149 021 644 732 283 216 5 956 324 136 31 424 1 656 281 604 022 736 015 159 717 316 355 53 179 206 764 739 380 333 677 6 710 348 276 50 717 2 079 417 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em:FONTEg FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. FONTE RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e FONTE: Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. (1) Inclui tapetes e carpetes. Tabela 6 Valor das importações de produtos da cadeia têxtil-confecção, por segmentos, do Brasil — 1990-2004 (US$ 1 000 FOB) SEGMENTOS 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 Fibras/filamentos ...... Têxteis ....................... Fios/linhas .................. Tecidos ....................... Malhas ........................ Especialidades ........... Confeccionados ....... Vestuário .................... Meias e acessórios ..... Linha lar (1) ................ Outros ......................... TOTAL ....................... 262 265 147 962 41 696 60 906 2 470 42 890 58 639 43 164 3 863 7 365 4 247 468 866 1 026 272 886 847 136 477 534 409 43 775 172 186 378 738 286 359 23 510 53 797 15 072 2 291 857 831 505 581 569 78 220 222 970 62 868 217 511 193 007 123 499 17 302 33 400 18 806 1 606 081 512 593 521 275 45 071 239 320 39 790 197 094 198 818 140 632 13 301 28 865 16 020 1 232 686 424 723 467 111 31 267 244 263 15 907 175 674 141 589 100 134 9 552 19 228 12 675 1 033 423 496 696 436 635 32 593 213 531 8 829 181 682 128 391 90 264 9 859 15 979 12 289 1 061 722 669 852 567 880 74 361 262 383 16 243 214 893 184 497 134 547 13 685 18 962 17 303 1 422 229 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. FONTE: RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e FONTE: Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. (1) Inclui tapetes e carpetes. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 125 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Tabela 7 Saldo da balança comercial da indústria têxtil-confecção, por segmento, no Brasil — 1990-2004 (US$ 1 000 FOB) SEGMENTOS 1990 1995 2000 2001 2002 2003 2004 Fibras/filamentos ........ Têxteis ........................ Confeccionados (1) ..... TOTAL ........................ 29 915 376 113 368 339 774 367 -781 027 -230 208 160 868 -850 367 -697 773 -47 421 361 184 -384 010 -265 000 -20 646 359 057 73 411 -204 700 -34 060 390 823 152 063 -124 572 202 790 516 341 594 559 -65 830 168 135 554 883 657 188 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. FONTERELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e F FONTE: Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. (1) Incluem tapetes e carpetes. 3 Características das exportações da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina A participação do Estado de Santa Catarina no total das exportações brasileiras, no período 1994-04, situa-se em torno de 5%, participação esta que o coloca em quinto lugar, em alguns anos, e na sexta posição, em outros, entre os estados exportadores nacionais. Por sua vez, tem-se registrado mudança na contribuição dos setores produtivos, no total das exportações desse estado, em particular no setor têxtil-confecção. De acordo com a Tabela 8, em 1989, o setor têxtil ocupava a décima posição nas exportações, representando 2,02% do total exportado estadual, enquanto o segmento de confecção, calçados e artefatos ocupava a primeira posição, com participação de 20,18%. Apresentando trajetória decrescente de participação na composição setorial, em 2004, o setor têxtil estava em décimo terceiro lugar, com 0,79%, e o setor de confecção, calçados e artefatos passou a ocupar a quinta posição, representando de 6,92% do total das exportações. Por sua vez, outros segmentos apresentaram crescimento significativo de participação no total das exportações, durante esse período. Produtos alimentares obteve um relevante aumento na composição das exportações catarinenses, correspondendo a pouco mais de 15% em 1989, próximo de 25% em 1996 e 28% do total exportado estadual em 2004. Segmentos produtivos como mecânica, madeira e mobiliário tiveram, também, um excelente desempenho exportador. Essa evolução percentual em determinados setores indica a exportação de produtos com maior valor agregado, notadamente os ligados aos segmentos de mecânica e mobiliário, além da própria indústria alimentícia, que não exporta somente carne abatida, mas produtos com maior transformação industrial, dentre os quais congelados e embutidos. O Estado de Santa Catarina concentra a maior parte de suas exportações do setor têxtil-confecção em produtos do segmento confeccionados, tais como: vestuário e seus acessórios de malha, vestuário e seus acessórios, exceto malha (ternos, saias, vestidos, camisas, etc.) e artefatos têxteis confeccionados (artigos de cama, mesa, cozinha, etc.). Tais produtos representam em torno de 90% dos valores obtidos em dólares com as exportações dessa indústria, como justificam os percentuais de 90,60% em 1996, 93,03% em 2000 e 88,20% em 2005. Segundo a Tabela 9, o ano de 1996 apresentou o melhor resultado em exportações de têxtil-confecção dos últimos 10 anos, atingindo um patamar superior a US$ 400 milhões. Nos anos seguintes, não se observaram valores superiores, sendo o menor valor obtido — US$ 280 milhões — registrado em 2000. No período 2003-05, as exportações desse setor apresentaram recuperação, em decorrência de as decisões empresariais darem maior ênfase para o mercado externo, concomitantemente à ocorrência de condições conjunturais favoráveis dos países importadores dos produtos da indústria têxtil-confecção catarinense. Cumpre salientar que, ao longo Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 126 do período, as exportações obtiveram taxa média de crescimento negativa (-1,04%), ainda que não acentuada. Em relação ao destino das exportações do segmento têxtil-confecção catarinense, registra-se como principal cliente os Estados Unidos, seguido por Argentina e Alemanha. Em 1996, o mercado norte-americano importou produtos equivalentes ao valor de US$ 67,9 milhões, representando em torno de 20% do total exportado pelo Estado, conforme a Tabela 10. Em 1997, 1998, 1999 e 2000, as exportações para o mercado norte-americano continuaram em ritmo crescente, chegando, em 2000, a ultrapassar US$ 100 milhões. O maior destaque do período de 1996-05 refere-se ao ano de 2003, quando as exportações para aquele país atingiram US$ 144 milhões, representando 47,17% do total exportado. A Argentina também é um importante mercado da indústria têxtil-confecção catarinense. Entre 1996 e 2005, essas exportações oscilaram entre US$ 51 milhões em 1996 e US$ 54 milhões em 2005. Apesar da aparente regularidade das exportações do setor têxtil-confecção para esse país, em 2002 houve uma drástica redução do volume exportado, em decorrência de crise econômica, expressa por forte queda do PIB, falência do regime cambial, decretação de moratória externa, mecanismo compulsório de retenção de moeda interna, dentre outros. Todavia, com a recuperação econômica do País, as exportações voltaram a apresentar valores crescentes, justificados nas participações de 9,57% em 2003, 13,75% em 2004 e 15,42% em 2005, do total exportado. As exportações de têxtil-confecção destinadas aos blocos econômicos regionais apontam o NAFTA, a partir de 1998, como o principal comprador de Santa Catarina, posição até então ocupada pela União Européia, segundo o Gráfico 1. As exportações para o Mercosul apresentam trajetória praticamente estável até 2001, queda acentuada em 2002 e crescimento nos últimos anos, justificado pela recuperação econômica da maioria dos países e pelos incentivos dos governos nacionais em promover maior integração comercial entre os parceiros que compõem esse bloco regional. As exportações de Santa Catarina, sob a ótica das quantidades físicas comercializadas na segunda metade dos anos 90, registram valores abaixo de 30.000 mil toneladas, conforme a Tabela 11. Porém, após a desvalorização do real em 1999 e a demonstração de crescimento da economia mundial na presente década, as vendas para o mercado externo sofreram estímulo, promovendo trajetória de crescimento do volume do valor exportado. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Avaliando o setor têxtil-confecção no Gráfico 2, observa-se que a curva que representa o preço médio dos artefatos têxteis confeccionados aponta uma queda constante no período 1996-05, e as curvas que representam os itens vestuário e seus acessórios de malha e vestuário e seus acessórios exceto malha indicam uma queda nos preços médios, a partir de 1998 até 2002. Somente em 2003, os preços médios começaram a reagir novamente e, em 2005, atingiram valores próximos aos pagos em 1996, mas abaixo do ápice do preço médio alcançado em 1997. 127 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Tabela 8 Composição das exportações da indústria de transformação, por setores, de Santa Catarina — 1989, 1996 e 2004 1989 SETORES Minerais não-metálicos .................... Metalúrgica ...................................... Mecânica ......................................... Material elétrico ............................... Material de transporte ...................... Madeira ............................................ Mobiliário ......................................... Papel e papelão ............................... Borracha .......................................... Couros e peles ................................. Química ........................................... Produtos farmacêuticos ................... Produtos de perfumaria e sabão ..... Produtos de matérias plásticas ........ Têxtil ................................................ Vestuário, calçados e artefatos ....... Produtos alimentares ....................... Bebidas ............................................ Fumo ................................................ Editorial e gráfica ............................. Diversas ........................................... TOTAL ............................................. Valor (US$) 1996 % 71 238 534 4,97 34 817 319 2,43 189 607 437 13,23 35 166 180 2,45 15 300 858 1,07 44 128 065 3,08 11 649 484 0,81 62 601 281 4,37 165 407 0,01 7 457 332 0,52 32 243 0,00 10 182 0,00 1 529 976 0,11 3 152 529 0,22 28 934 398 2,02 289 269 701 20,18 215 581 030 15,04 417 965 0,03 93 527 988 6,52 159 616 0,01 328 925 681 22,94 1 433 673 206 100,00 2004 Valor (US$) % Valor (US$) % 124 501 243 47 469 354 352 522 510 114 884 690 62 390 215 207 250 740 178 990 409 101 323 885 539 722 11 190 074 8 163 584 920 005 996 403 14 632 658 30 497 056 314 060 420 652 850 590 1 552 941 140 673 823 100 241 271 797 269 2 637 307 832 4,72 1,80 13,37 4,36 2,37 7,86 6,79 3,84 0,02 0,42 0,31 0,03 0,04 0,55 1,16 11,91 24,75 0,06 5,33 0,00 10,31 100,00 208 868 529 103 223 211 776 941 078 318 966 246 109 425 339 569 634 324 441 084 864 164 067 015 827 323 20 328 055 51 691 312 1 300 586 3 357 055 29 795 703 38 214 002 335 961 081 1 366 097 201 710 250 133 423 676 2 785 793 176 803 787 4 853 506 430 4,30 2,13 16,01 6,57 2,25 11,74 9,09 3,38 0,02 0,42 1,07 0,03 0,07 0,61 0,79 6,92 28,15 0,01 2,75 0,06 3,64 100,00 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio. Secex. In: KROETZ, M. A mudança do paradigma e FONTE: seus impactos sobre o desenvolvimento de Santa Catarina. Maringá, PR, 2006. Dissertação (Mestrado em EconoFONTE: mia)—Universidade Estadual de Maringá. p. 107. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 128 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Tabela 9 Valor das exportações da indústria têxtil-confecção, por produtos, de Santa Catarina — 1996-05 VALORES (US$ milhões FOB) PRODUTOS Algodão ............................. Filamentos sintéticos ou artificiais .............................. Pastas, feltros e falsos tecidos; fios especiais; cordéis, cordas e cabos; artigos de cordoaria .............. Tecidos especiais; tecidos tufados; rendas; tapeçarias; pássamanarias; bordados ............................... Tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados; artigos para usos técnicos de materiais têxteis ..................... Tecidos de malha ............. Vestuário e seus acessórios de malha ................... Vestuário e seus acessórios, exceto de malha ........ Artefatos têxteis confeccionados; sortidos; etc. .......... Outros ............................... Total .................................. 2003 2004 2005 VARIAÇÃO % 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 24,44 22,45 17,05 13,10 13,46 10,58 9,46 15,8 19,34 20,2 -2,64 0,12 0,37 0,36 0,35 0,57 0,89 0,44 1,49 1,34 1,30 23,31 1,61 1,46 1,56 1,52 1,36 1,00 0,65 0,85 1,14 1,30 -5,79 6,82 5,25 5,52 5,38 5,32 4,68 4,46 4,06 9,93 9,30 3,00 2,73 0,87 1,83 0,12 1,44 0,72 0,82 0,94 2,04 0,34 1,45 0,67 1,31 0,11 2,24 1,49 3,62 3,21 3,60 3,90 6,38 20,76 86,86 70,52 61,24 61,04 92,74 89,10 59,07 90,23 105,90 96,00 3,36 47,65 46,85 47,79 38,59 40,15 35,08 26,54 24,03 25,03 25,40 -8,93 231,42 1,36 403,90 229,74 1,46 380,10 184,07 1,44 321,20 179,96 0,70 302,40 183,79 0,68 340,40 172,74 0,78 317,00 177,44 1,20 280,70 186,87 0,96 328,00 195,56 1,14 366,20 188,00 1,80 350,80 -1,83 0,26 -1,04 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Tabela 10 Destino das exportações da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina — 1996-05 VALORES (US$ milhões FOB) PAÍSES 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 VARIAÇÃO % Estados Unidos ..... 67,9 72,1 73,4 80,4 103,5 97,8 127,8 144,9 139,2 124,5 6,59 Argentina ............... 51,3 66,7 46,9 49,1 62,4 58,5 7,0 29,4 48,7 54,1 -8,41 Alemanha .............. 65,1 39,4 29,1 28,4 26,9 25,9 29,2 28,5 27,3 22,1 -9,85 Chile ...................... 13,4 10,5 11,2 10,6 13,5 10,8 10,8 11,3 14,1 16,3 -0,13 Uruguai .................. 10,1 13,3 13,9 12,5 14,5 18,3 10,6 9,5 13,9 14,2 -1,64 França ................... 14,9 10,7 8,1 8,5 8,9 9,6 10,3 14,7 18,08 13,5 1,51 Paraguai ................ 16,0 18,3 16,7 11,4 11,9 10,7 5,5 5,9 8,7 12,0 -11,64 Outros ................... 86,8 80,5 68,2 57,7 59,2 63,5 56,4 62,6 83,7 93,7 -2,05 Total ...................... 325,5 311,5 267,5 258,6 300,8 295,1 257,6 306,8 353,68 350,4 -1,04 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 FONTE: 129 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Gráfico 1 Exportações da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina para blocos econômicos regionais — 1996-05 (US$ milhões FOB) 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1996 1997 Legenda: 1998 1999 NAFTA 2000 2001 2002 Mercosul 2003 2004 União Européia 2005 Outros FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Tabela 11 Volume das exportações da indústria têxtil-confecção, por produtos, de Santa Catarina — 1996-05 VOLUME (1 000t) PRODUTOS Algodão .............................. Vestuário e seus acessórios de malha ...................... Vestuário e seus acessórios, exceto malha .............. Artefatos têxteis sortidos .... Outros ................................. Total ................................... VARIAÇÃO % 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2,0 1,8 1,3 1,2 1,4 1,1 1,2 2,7 3,0 2,8 3,69 3,8 2,9 2,7 3,5 5,7 6,3 4,8 6,8 6,7 5,5 6,62 2,5 17,8 1,7 28,1 2,3 18,5 1,4 27,1 2,6 15,6 1,3 23,7 2,4 17,4 1,5 26,3 2,6 19,8 1,7 31,4 2,6 19,8 1,8 31,8 2,3 22,0 1,5 32,0 1,8 25,6 2,3 39,4 1,6 26,8 3,8 42,0 1,6 28,0 3,8 41,9 -7,54 3,59 8,01 3,56 2005 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 130 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Gráfico 2 Preço médio dos três principais produtos exportados da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina — 1996-05 (US$/kg) 21 19 17 15 13 11 9 7 5 3 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Legenda: Vestuário e acessórios de malha Vestuário e acessórios, exceto malha Artigos têxteis sortidos FONTE: BRASIL. Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. 4 Perfil das importações da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina As importações catarinenses nesse setor somaram US$ 230 milhões em 1996, como indica a Tabela 12, sendo que esse número se elevou para US$ 295 milhões em 1997, considerado o ano de maior valor registrado no período 1996-05. A partir de 1998, o volume importado começou a declinar e, em 2003, alcançou a cifra de US$ 53 milhões. Entretanto, como o câmbio no Brasil, a partir de 2004, passou a ser atrativo, as importações apresentaram sensível elevação, registrando os valores de US$ 99 milhões e US$ 138 milhões, respectivamente, em 2004 e 2005. O algodão foi o principal produto importado por Santa Catarina até o ano 2000, chegando a representar mais de 60% do total de produtos importados pelo setor têxtil-confecção. Tal volume de importação ocorreu em função de uma drástica redução da produção nacional nos anos 90. Porém, ainda no final dessa década, a produção desse insumo recuperou-se, principalmente depois que os estados da Região Centro-Oeste passaram a produzir Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 em larga escala (Ferreira Filho et al., 2004, p. 3). Por sua vez, o valor do algodão importado pelo setor têxtil-confecção, na presente década, reduziu-se de forma significativa, comparativamente aos valores contabilizados nos anos 90. O somatório dos valores importados a partir de 2000 iguala-se ao do valor obtido em apenas um ano, 1996, e é inferior ao registrado em 1997. Ainda que a produção brasileira — e principalmente a catarinense — esteja baseada na produção de produtos têxteis de fibras naturais, notadamente o algodão (Gorini; Siqueira, 2002, p. 11), os filamentos e as fibras sintéticas têm um papel importante como matéria-prima e grande participação na gama de produtos importados do setor. Em 1996, os produtos sintéticos representavam em torno de 15% do total importado e, em 1998, mais de 23%, o equivalente a US$ 56 milhões dos US$ 241 milhões destinados à importação. Nos anos seguintes, essa participação continuou se elevando, chegando, em 2005, a ultrapassar os 45% do total importado pelo setor têxtil-confecção naquele ano. Um dos fatores responsáveis pela importação de filamentos e fibras sintéticas, segundo o Relatório Setorial da Cadeia Têxtil Brasileira (RELATÓRIO..., 2005, p. 42), decorre do fato de o Brasil ser pouco competitivo na produção desse insumo. Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Os principais países de origem das importações de produtos do setor têxtil-confecção, em 1996, eram o Paraguai e a Argentina, com valores de US$ 70 milhões e US$ 39 milhões, respectivamente, seguidos por EUA, com o registro de US$ 32 milhões, conforme a Tabela 13. A expressividade desses países na pauta de importações catarinense continuou em 1997, alcançando os valores de US$ 36 milhões, US$ 81 milhões e US$ 20 milhões, respectivamente, para os países citados. Porém, nesta década, outros países se destacam como fornecedores internacionais, tais como Taiwan, China e Índia, reduzindo, em compensação, a participação dos países tradicionais ofertantes de produtos para Santa Catarina. A conjugação dos fatores melhores preços oferecidos pelos novos ofertantes e baixas barreiras à importação foi determinantes para tal ocorrência. Tais dados indicam que, no decorrer do período 1996-05, os países asiáticos aumentaram gradativamente sua participação no mercado catarinense, confirmando seu forte poder competitivo no mercado internacional, principalmente da China, que, em 2005, participou com mais de 10% do total das importações catarinenses do setor têxtil-confecção. O registro das taxas de crescimento negativas dos Estados Unidos (-20,4%), da Argentina (-29,31%) e do Paraguai (-33,54%) comprovam a perda de participação desses países no mercado importador da indústria têxtil-confecção catarinense ao longo do período analisado. Quanto aos produtos importados vistos sob a perspectiva de volume físico, os dados revelam que, em 1996, houve aquisições da ordem de 72.000 toneladas, sendo que, desse total, 60.000 eram de algodão, conforme a Tabela 14. A partir de 1998, o volume de importação desse setor apresentou quedas sucessivas até 2003, com a recuperação sendo estimulada, em grande monta, pelo retorno da apreciação cambial, porém em patamares abaixo do registrado no passado. Verifica-se, por outro lado, que os filamentos sintéticos ou artificiais, desde 1996, vêm aumentando gradativamente sua participação nas importações catarinenses. Esse produto, em 1996, somava 5.000 toneladas; em 1997, o volume duplicou para 10.000 toneladas, e, em 2005, foram importadas 22.000 toneladas, representando cerca de 40% do total importado pelo setor. Entretanto o resultado final mostrou-se positivo, em face de a variação das importações no período 1996-05 ser negativa (-121,64%). Considerando o preço médio dos três principais produtos importados para o setor têxtil-confecção, entre 1996 e 2005, segundo o Gráfico 3, constata-se que, a partir de 1997, o preço das fibras sintéticas ou artificiais apresentaram queda constante até 2002. A partir deste 131 último ano, os preços do algodão e das fibras sintéticas ou artificiais descontínuas tiveram recuperação gradual até 2005. Em contrapartida, os preços médios dos filamentos sintéticos ou artificiais, que vinham declinando até 2003, mantiveram-se estáveis nos últimos dois anos da série em estudo. Tais ocorrências são, em muito, justificadas pelo aumento da produção, pela redução dos custos de produção e pelo acirramento concorrencial no mercado. O Mercosul é o bloco econômico regional com maiores valores registrados de importação de têxtil-confecção por Santa Catarina, comparativamente aos contabilizados para o NAFTA e a União Européia, conforme a Tabela 15. Os registros apontam valores elevados no início do período — US$ 98 milhões em 1996 e US$ 106 milhões em 1997. Em 1998-03, as importações oriundas desse mercado regional sofreram quedas seguidas, atingindo o menor patamar em 2003, quando o valor importado alcançou a cifra de US$ 7,6 milhões, em grande parte justificado pela crise econômica dos países desse bloco, em particular da Argentina. Porém os dados apresentados por “outros países” são mais significativos em termos comparativos. Neles, incluem-se as crescentes importações procedentes de países como China, Taiwan e Índia, os quais não estão organizados formalmente como um bloco regional de comércio. Em relação ao saldo comercial externo do setor têxtil-confecção do Estado de Santa Catarina, este é considerado positivo desde 1996, conforme evolução apresentada no Gráfico 4. Nota-se que, no período em análise, se destaca o aumento da diferença entre os valores de exportação e importação, à medida que se aproxima dos últimos anos. Os valores obtidos com as exportações, grosso modo, mantiveram-se estabilizados ao longo da maioria dos anos, logo, a diferença deve-se à queda acentuada das importações. Esse fato decorre da menor demanda por algodão importado, compensada pela disponibilidade desse produto no mercado interno. Por sua vez, nos últimos anos, diminuiu o saldo comercial, em virtude do crescimento das importações de fibras sintéticas, estimulado pela política cambial em vigor. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 132 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Tabela 12 Valor das importações da indústria têxtil-confecção, por produtos, de Santa Catarina — 1996-05 VALORES (US$ milhões FOB) PRODUTOS Algodão ............................. Filamentos sintéticos ou artificiais ............................... Fibras sintéticas ou artificiais descontínuas ............. Pastas, feltros e falsos tecidos; fios especiais; cordéis, cordas e cabos; artigos de cordoaria ............... Tecidos especiais; tecidos tufados; rendas; tapeçarias; passamanarias; bordados Tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados; e para usos técnicos de materiais têxteis .................................... Tecidos de malha .............. Vestuário e seus acessórios de malha ..................... Vestuário e seus acessórios, exceto de malha ........ Artefatos têxteis confeccionados; sortidos, etc........... Outros ............................... Total ................................. 2004 2005 VARIAÇÃO % 9,40 21,10 21,00 -34,10 34,16 15,06 23,58 22,20 5,44 10,36 8,49 11,75 26,37 42,30 5,50 1,92 2,56 1,96 1,71 1,96 2,70 3,70 2,22 0,68 0,56 0,44 0,43 1,86 7,50 -0,67 5,40 2,16 3,98 4,33 3,96 6,56 3,34 0,67 3,26 0,22 3,20 0,21 3,83 0,62 5,00 2,50 -5,13 -19,30 3,29 2,16 0,58 0,57 1,11 0,87 0,21 0,62 2,50 -11,35 8,81 14,15 10,21 4,09 2,94 2,90 1,41 1,92 3,31 9,80 -12,58 3,60 3,47 230,55 2,56 5,61 295,63 2,04 3,24 241,47 0,94 2,69 182,88 2,15 1,70 157,21 1,67 1,89 87,21 0,44 1,09 62,34 0,64 9,29 53,82 1,96 14,17 99,38 2,80 20,50 138,80 -7,55 15,22 -14,25 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 165,90 199,73 152,49 108,87 76,01 28,40 10,01 23,58 36,85 36,98 39,64 48,97 33,75 11,79 19,89 20,89 13,45 11,76 1,12 1,95 2,52 2,10 1,24 2,44 3,36 6,33 1,86 5,86 3,29 1,86 2003 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. FO Tabela 13 Valor das importações, por principais países de origem, de produtos têxtil-confecção de Santa Catarina — 1996-05 VALORES (US$ milhões FOB) PAÍSES Estados Unidos ............. Argentina ....................... Alemanha ...................... China ............................. Uruguai ......................... Taiwan (Formosa) ......... Paraguai ........................ Índia .............................. Outros ........................... Total ............................. 1996 1997 1998 1999 2000 32,26 39,96 2,98 1,12 8,81 5,58 70,48 3,10 66,26 230,55 20,13 81,99 2,68 1,83 11,47 7,81 36,48 8,54 124,69 295,63 8,29 66,04 1,92 0,84 11,77 6,00 33,14 9,13 104,34 241,47 4,79 26,31 1,17 1,17 7,02 10,17 40,69 7,02 84,54 182,88 6,56 19,68 1,70 0,57 5,99 14,48 25,34 7,58 75,33 157,21 2001 2002 2003 2004 2005 5,35 7,13 2,00 1,56 1,45 9,24 9,24 4,01 47,22 87,21 4,46 3,26 1,41 3,48 0,54 4,13 5,00 1,96 38,08 62,34 3,63 2,35 0,85 2,56 0,21 3,74 5,45 2,14 32,89 53,82 3,21 9,00 2,07 4,65 0,09 8,79 10,13 7,14 54,29 99,38 5,30 14,80 0,60 14,80 0,50 7,20 2,50 5,70 87,40 138,80 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 VARIAÇÃO % FONTE: -20,40 -29,31 -11,85 24,00 -53,73 -1,40 -33,54 -4,55 -7,24 -14,25 133 Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Tabela 14 Volume das importações de produtos têxtil-confecção em Santa Catarina — 1996-05 VOLUME (1 000t) VARIAÇÃO % PRODUTOS Algodão .......................... Filamentos sintéticos ou artificiais ......................... 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 60,8 81,3 66,6 58 47,3 17,2 6,2 4,9 7,9 6,5 -37,40 14,1 22,8 22,2 9,95 5,1 10,4 10,9 16,1 24,4 17,7 Vestuário e seus acessórios exceto malha ........... 20 0,2 0,4 0,1 0,1 0,3 0,5 0,2 0,1 0,5 1,6 114,84 Fibras sintéticas ou artificiais descontínuas ........ Outros ............................ Total ............................... 3,5 3,0 72,6 4,2 3,5 99,8 5,0 3,1 85,7 4,0 2,7 80,9 4,5 4,5 8,1 4,6 1,8 41,8 4,7 1,1 32,2 6,5 1,5 27,1 14,1 3,8 49,1 20,6 7,2 58,1 135,33 -16,38 -121,64 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. FON TE: Gráfico 3 Preço médio dos três principais produtos têxteis-confecção importados por Santa Catarina — 1996-05 (US$/kg) 3,9 3,4 2,9 2,4 1,9 1,4 0,9 0,0 0,4 1996 1997 Legenda: 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Algodão Filamentos sintéticos ou artificiais Fibras sintéticas ou artificiais, descontínuas FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Tabela 15 Valor das importações de produtos têxtil-confecção, segundo blocos econômicos regionais, de Santa Catarina — 1996-05 VALORES (US$ milhões FOB) BLOCOS NAFTA ......................... Mercosul ...................... União Européia ............ Outros .......................... Total ............................ 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 27,4 98,0 12,9 47,5 185,8 21,2 106,6 13,5 101,0 242,3 11,2 92,5 13,0 84,4 201,1 4,6 63,5 9,2 148,3 225,6 6,2 45,3 9,6 77,9 139 5,6 16,1 8,7 102,2 132,6 4,3 8,2 6,1 94,4 113 3,7 7,6 5,3 33,8 50,4 3,8 18,6 8,0 65,7 96,1 5,9 17,9 10,0 108,8 142,6 VARIAÇÃO % -21,58 -30,97 -9,50 -0,07 -14,25 FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONT: FONE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 134 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes Gráfico 4 Evolução da importação e da exportação de produtos têxteis-confecção de Santa Catarina — 1996-05 (US$ milhões FOB) 450 400 350 300 250 200 150 100 50 0 403,90 380,06 295,63 366,19 340,44 321,20 316,97 302,39 230,55 328,04 350,80 280,68 241,47 182,88 157,21 87,21 62,34 99,38 138,80 53,82 1996 1997 1998 1999 Legenda: 2000 2001 Exportações 2002 2003 2004 2005 Importações FONTE: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: FONTE: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. NOTA: Dados deflacionados de acordo com a taxa de inflação norte-americana no período, com base em 2005. 5 Conclusões A abertura comercial ocorrida, no Brasil, na década de 90 foi o marco inicial do processo de reestruturação e modernização contemporânea da indústria têxtil-confecção. No período 1995-04, o setor têxtil brasileiro apresentou uma redução de mais de 1.400 empresas, enquanto o setor de confeccionados registrou um incremento próximo a 2.000 empresas. A produção brasileira de têxtil-confecção, em seu último registro — 2004 —, era de US$ 39 bilhões, sendo o setor de confecções responsável por 61,5% desse valor, e o segmento de têxtil, por 38,5%. Houve um acréscimo de quase 800.000 toneladas na produção brasileira têxtil-confecção, no período 1995-04, indicando significativo aumento da produção, mesmo com a redução do número de empresas. Por sua vez, o número de empregados decresceu em mais de um milhão, nesse período, sinalizando profunda mudança na estrutura produtiva do setor, relacionada ao processo de modernização do parque de máquinas e equipamentos. Nesse cenário, as exportações e importações da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina mostraram trajetórias distintas nos últimos 10 anos. As exportações apresentaram um curso sem grandes oscilações nos valores obtidos, demonstrando, ao longo do período, taxa de crescimento de -1,04%. Considerando o último ano de análise — 2005 —, as exportações alcançaram a Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 cifra de US$ 350 milhões, sendo fortemente concentrada em dois subsegmentos: artefatos têxteis confeccionados e vestuário e seus acessórios, com 53,70% e 34,28% respectivamente. Quanto aos principais destinos das exportações catarinenses, pouco mais de 60% são para os EUA e a Argentina. Destaca-se o NAFTA como principal bloco econômico demandador, posição mantida, desde 1998, entre os mercados regionais. Por sua vez, observa-se redução no valor pago aos produtos exportados, sendo referência os têxtil-confeccionados, cujo valor, em 1996, era de US$ 10,42/kg, e, em 2005, alcançou o valor de US$ 6,69/kg. As importações catarinenses dos produtos têxtil-confecção tiveram trajetória descendente ao longo do tempo. Em 1996, somavam US$ 230 milhões, cerca de US$ 90 milhões acima dos US$ 138 milhões importados em 2005. A taxa média de crescimento de 1996 a 2005 foi de -14,25%, redução causada pela diminuição das importações de algodão e vestuário e seus acessórios. Os principais países exportadores de produtos têxtil-confecção para Santa Catarina, em 2005, eram China, Argentina e Taiwan, sendo que, de 1996 a 2000, o Paraguai foi o principal exportador. Registra-se, ao longo do período, perda de espaço dos produtos provenientes de Argentina, Paraguai e EUA no mercado catarinense para os procedentes de países do continente asiático, principalmente para China e Taiwan. Caracterização do comércio externo da indústria têxtil-confecção de Santa Catarina em 1996-05:... Em termos físicos, Santa Catarina importava, em 1996, 72.000 toneladas, sendo que, em 2005, esse montante não ultrapassou as 58 toneladas. No período 1996-00, o algodão era o principal produto na pauta de importações; a partir de 2000 até 2005, os filamentos sintéticos ou artificiais eram os produtos com maior volume de importação no setor têxtil-confecção. Os filamentos sintéticos ou artificiais importados por Santa Catarina sofreram reduções constantes de preços desde 1996, quando o preço era de US$ 3,66/kg, caindo, em 2005, para US$ 0,99/kg. Conclui-se que o setor exportador catarinense, no período 1996-05, não sofreu grandes alterações no conjunto de suas exportações, uma vez que estas se mantiveram estáveis; e as importações foram reduzidas ao longo do período. Observa-se uma redução nos preços dos produtos exportados e importados, indicando um maior acirramento da concorrência internacional e mostrando que a modernização do parque produtivo e a redução de custos de produção são fundamentais para a concorrência nos mercados internacionais. 135 MASSUDA, E. M. Transformações recentes da indústria têxtil brasileira (1992-1999). [S. l., s. n.], 2002. Disponível em: <http://www.ppg.uem.br/Docs/ctf/Humanas/2002>. Acesso em: 05 dez. 2006. RELATÓRIO setorial da cadeia têxtil brasileira. Brasil Têxtil 2005, São Paulo: Free Press: Instituto de Estudos e Marketing Industrial, v. 5, n. 5, p. 180, ago. 2005. Referências BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Secex. Sistema Alice. Disponível em: <http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/default.asp>. Acesso em: 15 jan. 2007. FERREIRA FILHO, J. B. de S. et al. Análise prospectiva dos mercados da fibra do algodão na indústria têxtil em relação à qualidade. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 42., 2004, Cuiabá. Anais. Cuiabá: [s. n.], 2004. 20p. GORINI, Ana Paula Fontelle. Panorama do setor têxtil no Brasil e no mundo: reestruturação e perspectivas. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 12, p. 17-50, set. 2000. GORINI, Ana Paula Fontelle; SIQUEIRA, Sandra Helena Gomes de. Complexo têxtil brasileiro. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 15, p. 113-136, mar. 2002. KROETZ, M. A mudança do paradigma e seus impactos sobre o desenvolvimento de Santa Catarina. Maringá, PR, 2006. Dissertação (Mestrado em Economia)—Universidade Estadual de Maringá. 121p. LUPATINI, M. Setor têxtil e vestuário: relatório setorial preliminar. Rio de Janeiro: [s. n.], 2004. Disponível em: <http://www.file://C:Documents%20and%20Settings/>. Acesso em: 10 dez. 2006. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 136 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 117-136, fev. 2008 Orlando Arenghi; Silvio Antonio Ferraz Cario; Ricardo Lopes Fernandes 137 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro* Duilio de Avila Bêrni** Professor do PPGE-PUCRS e Doutor em Economia pela Oxford University Economista do INCRA e Mestre em Economia do Desenvolvimento pelo PPGE-PUCRS Economista pela UFRGS e mestrando em Henrique Morrone*** Daniel Koshiyama**** Economia do Desenvolvimento pela PUCRS Resumo Buscando contribuir para o debate sobre o papel do protecionismo e a questão da reprimarização da pauta da economia brasileira, analisamos os efeitos de duas simulações. A primeira consiste na exclusão dos impostos indiretos do sistema tributário nacional. A segunda examina o efeito de um aumento exógeno das exportações sobre a formação de preços do sistema. Retirando os impostos indiretos, o que implicou (por construção) redução do Produto Interno Bruto, vimos que as famílias pobres e as exportações são as menos afetadas. Com isso, entendemos que, na economia aberta, algumas questões alocativas serão resolvidas em favor dos pobres e dos exportadores. Com a segunda simulação, sugerimos que as exportações são vitais no processo de crescimento do País, sendo que os setores exportadores exibiam “linkages” que não permitem chamá-los de “setores atrasados”, ainda que, naturalmente, alguns deles — direta ou indiretamente — exportem primários. Palavras-chave: eficiência econômica; regressividade da tributação indireta; modelo de preços de Leontief. Abstract The paper has made an attempt to contribute to two issues concerned with the present interpretations of the Brazilian economy: the role of protectionism and the so called reprimarization of the exports profile. Our exercise consisted of performing two simulations, the first dealing with the consequences of the exclusion of all indirect taxes from the economy, * Artigo recebido em 03 abr. 2007. ** E-mail: [email protected] *** E-mail: [email protected] **** E-mail: [email protected] Os autores agradecem os comentários dos pareceristas anônimos da revista Indicadores Econômicos FEE, cujos conteúdos levaram ao aperfeiçoamento do texto original. Se erros houver daqui para frente, debite-se a responsabilidade aos três autores, uma vez que seus julgamentos de valor são, logicamente, objeto de discordâncias de outra natureza. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 138 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama while the other appraised what would happen if exports received an important exogenous expansion, particularly as regards the price dimension of the working of the system. The withdrawal of indirect taxes from the economy — although, by simple arithmetic reasons reducing gross domestic product — would be relatively less harmful to the poor families and exporting firms. We interpret these results as indicating that, in the open economy, some allocative questions will be solved for the benefit of these two sub-economies. The second simulation allowed us to find some evidence pointing to the vital role of exports in the process of growth of the country, as far as the linkages derived from the exporting sectors do not allow us to dub them as backward, even though, of course, some of them — directly or indirectly — export primary products. 1 Introdução O ano de 1808 começa a reanunciar-se com a previsão de comemorações dos 200 anos da abertura dos portos previstas para o ano vindouro. Desde então, periódicas dores de cabeça associadas ao setor externo passaram a fazer parte do cenário econômico da Colônia, do Vice-Reinado, do Império e da República. Duzentos anos depois, portanto, estamos em condições de fazer uma avaliação apenas levemente positiva da performance do sistema econômico nacional, inclusive de seu setor externo. Ou seja, instalou-se na Colônia — e não mais esvaeceu — a dificuldade do aparato econômico local em lidar com os abalos emanados “de fora”. Ainda que, em determinados momentos, as vendas no exterior tenham exercido papel sinalizador de generalizada expansão da demanda total, soma-se à sua manutenção e à sua expansão a forma como o sistema lida com o binômio preço-quantidade. A simples expansão quantitativa pode resultar de movimentos fortuitos ou deliberados tanto na economia nacional quanto naquela de seus atuais ou futuros parceiros comerciais. No primeiro caso, é proverbial a descoberta de novas jazidas de recursos minerais, ao passo que modificações na constelação de fatores dos parceiros lhes podem abrir novas formas de visualizarem as oportunidades inseridas na fronteira de possibilidades de produção do Brasil. Por exemplo, o ouro de Marabá poderia ter gerado resultados similares aos da Califórnia. Mais concretamente, as novas possibilidades criadas com o domínio da tecnologia de produção de biocombustível devem-se a um fato portador de certa ironia. O preço do petróleo, que transtornou a economia brasileira após 1973, foi o aliado que permitiu a recentemente conquistada equalização entre produção e consumo nacional. Outros exemplos poderiam ser buscados para reforçar essa noção. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 No que diz respeito à componente dos preços, emerge a possibilidade de distorção criada pela escolha feita pelos dirigentes dos órgãos reguladores do sistema monetário sobre o regime cambial associada, ou não, à competitividade da economia nacional (Bello, 2005), vale dizer, distorções sobre o grau de eficiência com que esta utiliza sua constelação de fatores de produção. Ainda que a adoção de um regime de câmbio livre possa servir para expandir o grau de abertura da economia, o quantum de desejabilidade que os diferentes atores e analistas econômicos lhe atribuem tem sido bastante variado. Da mesma forma, as medidas protecionistas costumam ser vistas com dualidade equivalente. Sob a argumentação da importância da criação de incentivos à indústria nascente e mesmo sob a interpretação da trajetória da forma que assumiu a inserção internacional das economias hoje vistas como bem-sucedidas,1 a criação de salvaguardas tarifárias também costuma receber avaliações extremas. O modelo de Leontief, inspirador da maior parte dos resultados quantitativos a serem analisados no presente artigo, permite rastrearmos a variação dos preços relativos intersetoriais. Com isso, podemos inferir que tipo de infecção endógena pode resultar da elevação dos custos em determinado setor sobre os demais componentes do sistema. Por seu turno, a elevação exógena dos 1 Assumindo uma postura pacifista, consideramos que a defesa do sucesso das políticas protecionistas de países como os Estados Unidos e a Coréia do Sul deveriam ser evitadas a todo custo. No primeiro caso, a violência das armas foi invocada, em diversas oportunidades, para promover as exportações do império norte-americano. No segundo, convém referir que as condições subjacentes ao vertiginoso crescimento da Coréia do Sul, a saber, o rescaldo do imperialismo japonês e a guerra civil coadjuvada pela intervenção estrangeira, requereram medidas radicais de canalização da poupança nacional. 139 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro custos de um determinado setor resulta do aumento da participação de seus insumos primários (PIB mais importações) na oferta total setorial.2 Nessa identidade, vemos explícito o papel das importações, mas também podemos pensar na relação entre as exportações (definida como uma das componentes da demanda final) e o impacto que estas provocam na geração de emprego e no PIB (Bêrni, 2006; Lewis, 1954). Nesse sentido, podemos criar uma cadeia de raciocínios, iniciando com o exame do perfil exportador de diferentes setores, passando pelo cálculo de como ele afeta a estrutura de geração do PIB, e aportar na avaliação quantitativa de quanto este último afeta o sistema de preços. Tal tipo de encaminhamento pode contribuir para o entendimento do mais recente ímpeto exportador experimentado pela economia brasileira. Dirão os primeiros: “Exportar é o que importa”, sendo redargüidos pelos colegas de discussão: “Exportar primários é reprimarizar”. Buscando evidência que permita darmos por certas as afirmações dos dois grupos digladiantes, pretendemos, no presente artigo, sugerir que a chamada reprimarização da pauta verificada nos anos recentes pode estar calcada num mecanismo basal simples. Tratar-se-ia da busca dirigida por certo determinismo econômico de exportar o que de mais valioso é produzido, ou seja, os produtos aos quais o sistema é capaz de adicionar maior quantidade de valor (PIB). No que diz respeito a 2002, nossa base de dados clama por novos estudos, que permitam emitirmos julgamentos mais firmes sobre a hipótese recém-levantada. Em 2002, a economia brasileira exibia um déficit de transações correntes de 1,5% do PIB, transformado nos vigorosos superávits visíveis em 2006. Novas pesquisas esposando metodologias assemelhadas permitirão verificarmos se, no ano do bicentenário da abertura dos portos, a reprimarização prosseguirá no estilo explícito do café, ou se assumiu o estilo insidioso da produção e da manutenção das câmaras frigoríficas dos navios que trans- 2 Estamo-nos referindo aqui a uma tecnicalidade. Por um lado, estamos apenas refraseando a noção de que o aumento efetivo do preço de um insumo, ou seja, modificações no cerne da chamada tabela de transações, ao recalcular os coeficientes técnicos daquele setor, estaria retirando a legitimidade da realização de comparações. Por outro, modificações nos insumos primários, por alterarem exclusivamente a componente exógena do sistema de preços do modelo de Leontief (como poderemos constatar ao examinarmos a matriz F’ da equação (5)) vão infectar, por meio da ação da transposta da matriz inversa de Leontief (lá modificada pela inserção da matriz de depreciação do estoque de capital), a estrutura de custos de todos os demais setores. portam (CIF) o grão de soja metamorfoseado em filezinhos de frango. Na seção 2, faremos algumas considerações sobre os jogos de coordenação e a erupção da Dutch Disease, criando o ambiente para, na seção seguinte, diagnosticarmos uma seqüela patrícia, que viremos a chamar de Mal Brasileiro. A seção 4 apresenta um ligeiro retrospecto sobre o modelo de insumo-produto, que será encarregado de gerar os resultados, na seção seguinte, da modelagem selecionada. Como Conclusão, a seção final fará algumas considerações adicionais, buscando interpretar certas evidências colhidas no desenrolar do trabalho empírico. 2 Jogos de coordenação e o Mal Holandês Diz um bordão internacionalista que “Exportar é o que importa”, cujo duplo sentido também pode esconder, ao contrário do internacionalismo (“Exportar financia importações”), seu oposto, ou seja, a geração de políticas comerciais inspiradas nas doutrinas mercantilistas destinadas a restringir as importações (“Exportar é que se faz importante”). No sentido contábil, além de pagamentos e recebimentos realizados entre dois agentes econômicos, as transferências unilaterais podem permitir-nos pensar que um país como a Eritréia irá importar sem se preocupar excessivamente com as exportações, que, de outro modo, iriam desequilibrar seu balanço de pagamentos.3 O papel das importações, sob o ponto de vista dos consumidores (de bens e serviços de utilização final ou intermediária, chineses, ou não), é saudado com o mesmo entusiasmo que o protecionismo recebe por parte do produtor do “similar nacional”, a base da política de crescimento pela via da substituição de importações. As propriedades curativas das exportações, sempre tidas como inquestionáveis, passaram a ser tratadas com mais cautela desde a erupção da chamada Dutch Disease. O Mal Holandês foi provocado, na terra da Royal Dutch Shell, pela desvalorização do câmbio, estimulada pelo excesso de divisas carreadas ao aparato econômico local pela extração do petróleo do Mar do Norte. Ou seja, um su- 3 Dois artigos clássicos de avaliação do ajuste do balanço de pagamentos e o desenvolvimento econômico brasileiro encontram-se em Bonelli e Malan (1976) e Tavares e Serra (1972). Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 140 cesso mal-administrado também pode se transformar em fracasso. No caso, boa administração não deveria ser entendida como a criação de sobretaxas às exportações, mas como a busca do equilíbrio no balanço de pagamentos por meio do aumento de importações ou de investimento... na Eritréia. Nesse recorte não kaldoriano de mundo, portanto, sucesso pode gerar fracasso, se algumas medidas não forem tomadas para garantir a sadia verificação de simples identidades contábeis.4 Vale dizer, é preciso entendermos, de forma um tanto menos cavilosa, que “Importar é o que exporta”. Em outras palavras, a busca de condições que ex ante garantam o equilíbrio no balanço de pagamentos exige que o sucesso no programa exportador seja acompanhado de um programa de abertura comercial. Ou seja, 200 anos depois de D. João VI, a abertura dos mercados nacionais à concorrência internacional volta à espreita. Seria essa a vacina para o combate frontal ao Mal Holandês, pois não é legítimo pensarmos que os parceiros comerciais transigirão na exigência de promoção de suas próprias exportações. O incremento no volume de importações, nesse ambiente mercantilista, cujo foco é a acumulação de divisas, levaria ao aumento de produtividade, seja por meio de ganhos de aprendizado, seja mesmo com a elevação do investimento. Em Agénor (2000), Frankel e Romer (1999), Koshiyama, Alencastro e Fochezatto (2007), Romer (1994) e Wälde e Wood (2004), encontramos evidência internacional de que tanto o crescimento do volume de exportações como o de importações apresentam forte correlação com o crescimento do PIB e, conseqüentemente, com o investimento.5 Em particular, o artigo de Paul Romer (1994) permite-nos sustentar esse tipo de regularidade empírica. Na seção 2 de Koshiyama, Alencastro e Fochezatto (2007), é feito um resgate sistemático da evidência empírica e das perspectivas teóricas relativas à ligação entre o comércio externo e o crescimento do PIB, a qual nos leva a entender que a importação de insumos, bens intermediários e tecnologias modernas tende a elevar a produtividade total da economia. Com efeito, o modelo de Paul Romer (1994) explora as conseqüências provocadas pela abertura comercial sobre o aumento da variedade de bens 4 Sobre as leis de Kaldor (1966; 1975), ver também Rowthorn (1975; 1979) e Thirwall (1983). 5 Ao falarmos de exportações e importações, naturalmente estamos nos referindo aos movimentos de bens e serviços (inclusive os serviços dos fatores), como destaca o contexto da literatura citada, pois a importação de serviços às empresas tem assumido importância crescente nas pautas mundiais. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama disponíveis aos agentes domésticos. Concluímos que economias abertas experimentarão elevação em sua produtividade total, por se beneficiarem da importação de bens de consumo intermediário e de capital mais baratos e de melhor qualidade. Em uma economia sujeita a restrições comerciais, apenas uma estreita faixa de bens intermediários ou de capital especializado pode ser produzida de forma lucrativa. Nesse caso, o conjunto completo de possibilidades tecnológicas, que depende de um conjunto mais amplo de insumos, não pode ser eficientemente explorado. Na medida em que esse ganho de produtividade se tranforma em maior competitividade externa, haverá estímulos às exportações, também as tornando uma variável endógena a esse tipo de modelo. Assim, em uma perspectiva dinâmica, somos autorizados a concluir que as importações do período corrente promovem as exportações de períodos futuros. Além dos problemas intrínsecos à manipulação da taxa de câmbio, o artifício periodicamente aplicado no Brasil, a saber, fazer desvalorizações, a fim de conquistar maior competitividade internacional, pode criar outras dificuldades comerciais. No caso, ao considerarmos os cânones da concorrência que regem a produção de um grande número de mercadorias, as empresas importadoras do produto doméstico poderão forçar a concessão de abatimentos no preço dos produtos em negociação. Ou seja, o fruto dessa medida acabará sendo compartilhado por compradores e vendedores, deixando como saldo distorções no sistema de preços doméstico. Abandonando as possíveis bifurcações para o tratamento das questões de importações e quantidades, vamos fixar-nos, no presente artigo, no binômio preços-exportações. No que diz respeito às últimas, nossa motivação reside no exame dos desdobramentos de um dos jogos de coordenação que têm perturbado a busca de ideais luzidios por parte da economia brasileira. Nos jogos de coordenação, como sabemos, a interação estratégica entre agentes é portadora de múltiplas soluções de equilíbrio, alguns virtuosos e outros, por contraste, condutores de alta morbidade. No primeiro caso, podemos citar a Petrobrás e a auto-suficiência nacional na produção de petróleo alcançada no ano eleitoral de 2006. No segundo, podemos citar... a Petrobrás e a utilização privada que a imperatriz das estatais confere aos lucros extraordinários alcançados num mercado milionário e monopolístico.6 Por exemplo, dois países podem coordenar seus movimentos comerciais de duas maneiras. De acordo 6 O artigo de Sofia e D’Amorim (2006) revela que o recolhimento do lucro das empresas estatais ao Tesouro Nacional tem por 141 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro com a primeira, podem aplicar, nos “setores sensíveis”, tarifas de parte a parte, o que restringe o comércio, transfere renda dos consumidores ao governo e ainda solapa um dos pilares emuladores do crescimento harmônico do grau de eficiência entre os diferentes setores. Seguindo a segunda, ao invés de um saldo comercial, digamos, nulo, com parcelas de D$ 100 e D$ 100, eles poderiam coordenar sua ação para alcançar a mesma nulidade, com um minuendo de H$ 110 e, no subtraendo, outros H$ 110. Importar é o que exporta. Ao importarmos um automóvel japonês, estamos favorecendo as exportações de produtos ferrosos da indústria extrativa mineral. Se a indústria mineira se liga à paulista produtora de esteiras, elevadores, motores elétricos, etc., estará fechado o círculo virtuoso. Ou seja, supera-se o tradicional modelo de enclave, contexto em que a atividade econômica não cria encadeamentos internos na economia, como, por exemplo, a exploração mineral belga na África e, mais recentemente, as “maquiladoras” norte-americanas que se instalaram no México. Nossa linha de argumentação transita, assim, do modelo de Paul Romer (1994) para a magnitude dos encadeamentos existentes e a serem criados nas relações interindustriais. Nesse caso, acorre à mente do observador a linha de argumentação inicialmente entendida como antagônica, que tem crescentemente sido vista como complementar. Ela foi criada pela dupla formada pelo polonês Paul Rosentein-Rodan (Rodan, 1943) e pelo teuto-americano Albert Hirshman (1958), que pareciam se referir ao mesmo jogo de coordenação, enfatizando posições de equilíbrio diversas (Ray, 1998, cap.16-18). Para o autor holandês, o Big Push representa precisamente a possibilidade de escolha deliberada por parte dos agentes do equilíbrio mais nobre. Por contraste, podemos pensar que Hirshman desconsiderava a possibilidade de ação coordenada por parte dos agentes privados, o que requereria viva interferência estatal, na linha do bordão “Get the prices wrong.” Se o mercado fosse capaz de put them back right, ingressaríamos no melhor dos mundos. Em qualquer caso, podemos esperar que o desequilíbrio provocado pela ação externa gere uma expansão conducente a um novo e mais nobre equilíbrio. Ao mesmo tempo, por ser nobre, esse novo equilíbrio deve alterar a constelação de fatores, provocando crescimento setorial desigual. Ou seja, desequilíbrio, novo equilíbrio, etc., num permanente jogo entre forças centrífugas e centrípetas. A componente dos preços concernente ao binômio preços-exportações exibe duas dimensões adicionais, cujo confronto interessa aqui realizar. A primeira associa-se à adequação de um regime de livre-cambismo, examinado sob a perspectiva de impactos das oscilações nas exportações sobre o sistema de preços local. A segunda diz respeito ao grau com que a propagação intersetorial de movimentos na demanda sobre os preços pode ser usada para expandir ou reduzir a competitividade internacional. Mais especificamente, interessa-nos entender como o impacto provocado no sistema de preços pelas exportações é absorvido tanto pelos diferentes setores econômicos quanto pelas diversas instituições (famílias, empresas nacionais e estrangeiras e governo). Nossa intenção é trazer a dimensão das relações intersetoriais para o debate sobre a reprimarização da economia brasileira. São visíveis as implicações no julgamento a ser feito sobre a eficácia das políticas protecionistas destinadas a estimular o crescimento de setores específicos. base o fato de que “O valor do dividendo é fechado com o Tesouro e, nos últimos anos, seguiu o padrão de 35% do lucro”. Ou seja, existe uma tabela que permite às empresas estatais reter privadamente cerca de 65% de seu lucro extraordinário (isto é, acima do custo de oportunidade do uso de seu capital). [...] para melhor avaliar o novo potencial competitivo/exportador do País, há que se esperar o transcurso de um tempo em que, pela queda do crescimento do comércio mundial, a expansão das exportações brasileiras se 3 Importações e o Mal Brasileiro Nossa ponte entre o passado e o futuro — o ano de 2002 — é realmente um divisor de águas, como atesta a seguinte contextualização do artigo de Cunha, Prates e Lélis (2006, p. 94): Se, entre 1995 e 2002, o País experimentou significativos déficits em conta corrente, que se traduziram em ampliação dos passivos externos, depois de 2003 tal quadro reverteu-se de forma sensível. A partir da adoção do regime de câmbio flutuante, a conta corrente do balanço de pagamentos (BP) passou a reagir positivamente aos estímulos de uma moeda mais competitiva e, depois de 2003, de um ambiente internacional mais favorável. Essa observação é referendada por Marcantonio (2006, p. 26), que salienta a elevação da participação brasileira no comércio mundial, entre 2003 e 2005. O autor assinala uma dramática elevação de quase mais de 30% (de 0,8% para 1,1%), alertando que, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 142 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama depare com mercados menos receptivos e competidores mais hostis. Isso e taxas do PIB nacional mais elevadas permitirão melhor conhecer a nova capacidade produtiva do País. Há certo contraste com a proposição de Scherer e Contri (2006, p. 7, grifos nossos), reproduzida com nosso destaque, ao citarem: [...] [a] frase muitas vezes repetida de que “O bom do câmbio flutuante é que ele flutua”. “Verdade” esta comprovada no cotidiano por todos aqueles que têm o custo de seus negócios com o exterior aumentado pela volatilidade excessiva da taxa de câmbio, que os obriga a contratarem sistematicamente hedge nos mercados cambiais futuros, repartindo seus ganhos com um sócio minoritário financeiro compulsoriamente presente em todas suas transações sob risco de pesadas perdas. Isso sem lembrar os competidores da Ásia, onde, graças a acentuadas intervenções governamentais, quase nunca o câmbio flutuante significa elevada volatilidade cambial. Ainda que a importação de salitre culmine por afetar a quantidade consumida de, digamos, óleo de soja por parte das famílias pobres, não parece que, no final de suas contas, elas tenham seus negócios com o exterior afetados pelas variações cambiais, em virtude da diluição do preço desse insumo ao longo da cadeia de valor da indústria de alimentos. Sob o ponto de vista contábil, não lhes interessa escriturar a distribuição do excedente amealhado por seu fornecedor de soja entre si próprio e seus banqueiros. Qualquer que seja o vencedor, grãos de soja e quanta de energia elétrica podem ser substituídos, em alguma medida, por similares nacionais. Nesse caso, para dar um tom bilaquiano à observação, talvez a família pobre não tenha luz na cabana em que habita. Se o componente importado do grão de soja inflaciona o preço da leguminosa, vibrará o produtor nacional de inhame, cuja lavoura usa insumos made in Brazil, de baixa correlação com o cassino financeiro internacional. Em outras palavras, o subsídio carreado ao produtor de soja pela defesa do câmbio estabiliza-lhe o negócio num nível admirável, particularmente no ano em que corre, mas ajuda o produtor de inhame a manter-se nos grotões do subdesenvolvimento, pois seu produto alcança um preço relativo menos palatável. Talvez seja por esse tipo de falha de coordenação que as famílias brasileiras consomem quantidades maiores de pão de trigo do que de pão de mandioca. A inserção produtiva da soja, do trator, do inhame, da mandioca e das foices usadas para seu cultivo, bem como peculiaridades do orçamento das famílias, pode Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 ser examinada com o auxílio dos modelos multissetoriais. A primeira questão relacionada à temática deste trabalho passa a utilizar a matriz de contabilidade social do Brasil, tentando contribuir para o entendimento das implicações do superávit do balanço de transações correntes do Brasil no ano de 2002. O modelo abaixo desenvolvido permite realizarmos uma simulação de certas conseqüências das mudanças de algumas dessas variáveis de política sobre o orçamento das diferentes instituições integrantes do sistema. Na medida em que as importações de salitre e todas as demais têm, para o modelo de insumo-produto aqui utilizado, o mesmo caráter que os impostos indiretos líquidos de subsídios (cobrados aos produtores, que os repassam às instituições), veremos o que ocorreria se eles fossem completamente banidos.7 Ora, o principal sintoma do Mal Holandês é a perda de competitividade dos demais produtos da economia provocada pela elevação da taxa de câmbio e, com ela, do preço do produto importado. No caso, tal elevação no câmbio resultou da descoberta de uma nova fonte de recursos naturais. De modo equivalente, tal fenômeno também poderia ter ocorrido em resposta à valoração de um insumo destinado ao comércio mundial. Desse modo, países como a Holanda e a Grã-Bretanha, em um passado não muito remoto — mesmo não apresentando problemas no que tange à conta de serviços —, sofreram problemas sérios de competitividade externa de seus produtos. Tal ocorreu, pois houve uma drenagem dos recursos para o novo setor pujante. Além disso, a valorização cambial proveniente das exportações desses produtos gerava a perda de competitividade externa dos demais setores da economia. Esse processo pode contribuir para a desindustrialização de uma economia. Nesse sentido, no período em que o café era um dos produtos brasileiros mais valorizados externamente, ocorreu um vigoroso desestímulo às atividades que não lhe eram vinculadas. Ao buscarmos avaliar o impacto dos impostos indiretos sobre os preços setoriais, estamos mensurando o montante de infecção de custos provocada às transações intermediárias domésticas. 7 Para alegria dos grupos de interesses beneficiários da arrecadação de impostos indiretos (contadores, fiscais, importadores de produtos estrangeiros ingressando em certos estágios da produção, etc.), nosso exercício não é a proposta de destruição completa desse imposto distorcivo. Temos clara a existência de benefícios na vigência de uma tarifa básica, em torno da qual haveria sub e sobretaxações, destacando bens de demérito, como o açúcar, e bens de mérito, como as frutas tropicais. Nesse sentido, ao reduzir e ao aumentar, respectivamente, seus consumos, a distorção dos preços relativos é desejável sob o ponto de vista social. Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro Ou seja, em ambos os casos, na condição de insumos primários do sistema doméstico, os impostos indiretos líquidos de subsídios e as importações8 são qualitativamente idênticos, podendo diferir apenas em termos quantitativos. Em termos mais estritos, estamos buscando evidências quantitativas para afirmar que, a exemplo do Mal Holandês, a estrutura tributária brasileira provoca desestímulo generalizado às exportações de outros setores, o que pode, dependendo da situação, não gerar impactos na atividade interna, não havendo economias de escala induzidas, muito menos ganhos no aumento da produtividade, o que poderá aumentar as exportações. Nesse contexto, a Tabela 1, obtida a partir da matriz de contabilidade social da Tabela A.1 do Anexo, mostra resultados interessantes. O corte abrupto dos impostos indiretos revela o Mal Brasileiro, ou seja, uma infecção de custos nos setores econômicos, que, se fosse eliminada, geraria um aumento de demanda de 11,1% para as famílias pobres e de 17,0% para as ricas. Em outras palavras, a estrutura tributária em vigor oferece essa superioridade de 17/11 para as famílias ricas! Examinemos com mais detalhe este ponto. Desta última, foram retirados todos os impostos indiretos, todos os impostos indiretos foram retirados do quadrante da distribuição primária da renda (na verdade, do Produto Interno Bruto). Ou seja, o Produto Interno Bruto original (remuneração dos empregados e dos autônomos a preços de 2002) era, em bilhões de reais: PIB = 548,4 + 639,7 + 152,9 Dele, retiramos a última cifra, que corresponde aos impostos indiretos líquidos de subsídios. Ainda assim, mantivemos as cifras originais das contas da poupança (mesmo os valores negativos) e do investimento. As cifras resultantes foram submetidas à distribuição proporcional carreada pela aplicação do Método RAS. Isso implica que os ajustes e as realocações que geram nova matriz de contabilidade social mostram a resposta mecânica do sistema a variações localizadas. A grande virtude desse ajuste mecânico é que ele revela a existência de diversas posições para o equilíbrio geral do sistema. Nossa intenção é demonstrar que a atual estrutura tributária conduz à grande ineficiência distributiva, num jogo de coordenação cuja posição de equilíbrio poderia ser substituída por outra de maior eficiência alocativa, produtiva e distributiva. Naturalmente, de acordo com a definição de valor adicionado mensurado pela ótica do produto, ao retirar- 8 Vamos tratá-las como “não competitivas”, para efeito da aplicação do modelo de insumo-produto. 143 mos impostos indiretos líquidos de subsídios de todos os setores, estamos, ipso facto, reduzindo o valor desse agregado mesoeconômico, especificamente aquele apropriado pelo Governo. Retiramos, assim, R$ 153,1 bilhões dessa receita governamental, causando uma redução de 11,4% no PIB. Com uma distribuição setorial muito irregular, ela se mostra expressiva em setores importantes, como os três complexos industriais, a construção, os transportes e as comunicações, além dos serviços prestados às famílias. Esses 11,4% retirados do PIB impactam a demanda final em 8,7%, também se distribuindo de forma irregular pelos setores, dada a estrutura tributária vigente no Brasil. Em termos relativos, destaca-se a tributação sobre insumos energéticos e transportes e comunicações, mas, nos demais setores, tampouco é desprezível. As indústrias extrativas não colocam montantes expressivos diretamente aos consumidores finais, ainda que suas vendas estejam longe de se alterarem marginalmente. Por fim, a construção, que vende apenas para o investimento, não foi modificada, em virtude da forma como o experimento foi delineado. A primeira coluna da Tabela 1 já mostra o viés introduzido no sistema pela tributação indireta. Com sua eliminação, os ajustes do Método RAS fizeram com que as exportações — cujas isenções têm sido marcantes — tivessem uma queda de 2,2%, muito inferior aos 8,7% médios da economia. Ainda assim, existe uma perda de competitividade do produto exportado, a qual foi criada e mantida pelos legisladores e por seus associados no Poder Executivo da República. Mas é nas três colunas finais da Tabela 1, principalmente no contraste entre os orçamentos das famílias pobres e ricas, que o diabólico mal exibirá toda sua peçonha. Sem impostos, ao reduzir-se o PIB, todos ficariam mais pobres, mas a distribuição do empobrecimento é bastante desigual entre as três instituições familiares. Se os pobres perderiam menos, isso significa que os ricos — que perderiam mais — são relativamente beneficiados no atual status quo, onde os 11,1% e os 17,0% mostram uma relação de desigualdade de mais de uma vez e meia. Usando informações da matriz de contabilidade social da Tabela A.1, da nova matriz simulada, conforme descrevemos acima, e do número de famílias informado pela PNAD, pudemos calcular o índice de Gini das despesas de consumo familiar resultante das situações “com” e “sem” Mal Brasileiro. No caso concreto da economia brasileira, o índice de Gini, ou seja, da desigualdade do consumo interfamílias, exibia o valor de 0,52, um pouco mais baixo do que os conhecidos índices de concentração de renda obtidos nos anos reIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 144 centes com os dados da PNAD. Ainda assim, poucos países do mundo igualariam nosso índice, a julgar pelos 0,31 da Holanda. Retirados os impostos, de acordo com nosso exercício contrafactual, todas as famílias ficaram mais pobres, mas a desigualdade no consumo medida pelo índice de Gini caiu 12%. O principal resultado de nosso exercício contrafactual é que a distribuição da demanda final (ou seja, PIB mais importações) é acometida pela Brazilian Disease. Com efeito, diferentemente da Dutch Disease, o Mal Brasileiro não é o fato de os impostos indiretos cá e as exportações lá afetarem a estrutura de custos dos setores produtivos, mas fazer com que as famílias ricas sejam relativamente menos afetadas pelos impostos do que as famílias pobres. Usando um modelo de jogo “com inveja”, esse mal faz com que redistribuições de renda via destruição dos impostos indiretos não sejam realizadas9, pois poderiam beneficiar os pobres e os exportadores! Câmbio livre e protecionismo, assim, começam a mostrar a patologia da união siamesa, na medida em que a matriz de contabilidade social permitiu vermos os meandros do funcionamento das instituições (famílias, governo, empresas investidoras domésticas e empresas do exterior importadoras do produto doméstico). A questão do protecionismo diz respeito ao isolamento, é claro, mas tem implícita uma teoria da cooperação. Ao recomendar o protecionismo, um estudioso considera que a relação internacional traz exploração, ou que a economia fechada promove maior sinergia entre a ação dos agentes locais, culminando com maior geração de valor adicionado. Ao recomendar o livre-cambismo, o outro estudioso, escudado pelas novas teorias das redes, considera que a abertura pode incentivar alianças estratégicas locais para alcançar os mercados externos. Nenhum setor será competitivo externamente, se não o for internamente, pois existe uma diferença entre as inclinações nas curvas de oferta e demanda externas comparativamente às correspondentes curvas do mercado interno. No mercado internacional, naturalmente, essas curvas exibem inclinação mais suave, refletindo precisamente maiores pressões competitivas, dado o aumento do número de ofertantes e de produtos substitutos. 9 A fim de não destruir o PIB, poderíamos ter transferido os impostos indiretos líquidos de subsídios, por exemplo, aos trabalhadores, ou distribuí-los entre trabalhadores e capitalistas. Mesmo sem o fazer, nosso exercício marca seu ponto: a tributação indireta é responsável por uma parcela significativa da desigualdade brasileira. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama 145 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro Tabela 1 Incidência setorial dos impostos indiretos e conseqüências de sua retirada de componentes selecionados da demanda final no Brasil — 2002 (%) SETORES Agropecuária .................................................. Extrativa mineral (exceto combustíveis) ......... Extrativa mineral (petróleo e gás natural, carvão e outros combustíveis) .................... Transformação — complexo metal-mecânico Transformação — química ............................. Transformação — complexo agroindustrial .... Serviços industriais de utilidade pública ......... Construção civil .............................................. Comércio ........................................................ Transporte ...................................................... Comunicações ................................................ Instituições financeiras ................................... Serviços prestados às famílias ....................... Serviços prestados às empresas ................... Aluguel de imóveis ......................................... Administração pública .................................... Serviços privados não mercantis ................... Total .............................................................. Participação no consumo com tributação ...... Participação no consumo sem tributação ...... Número de famílias ........................................ PARTICIPAÇÃO DOS TRIBUTOS INDIRETOS NO PIB, ANTES DA ELIMINAÇÃO QUEDA NA DEMANDA FINAL APÓS A ELIMINAÇÃO DOS TRIBUTOS INDIRETOS Consumo das Famílias Total (1) Exportações 4,2 10,5 -13,6 -5,4 -2,6 -5,3 -19,2 0,0 -21,3 0,0 -26,3 0,0 5,9 14,4 24,1 17,7 18,1 18,6 12,0 21,1 19,1 8,6 20,4 9,7 1,3 3,6 1,9 11,4 - -10,2 -10,1 -20,9 -11,0 -24,6 0,0 -14,5 -17,1 -18,0 -9,8 -6,8 -11,3 -4,7 -4,4 0,0 -8,7 - -13,5 -7,1 -9,9 2,5 -5,3 0,0 6,1 0,6 3,7 16,5 17,3 -10,8 0,0 80,4 0,0 -2,2 - 0,0 -23,0 -25,3 -14,9 -21,4 0,0 -12,0 -16,6 -14,1 -3,6 -2,8 -26,2 -0,5 49,6 6,3 -11,1 25,3 26,2 33 493 807,0 0,0 -25,1 -27,3 -17,2 -23,5 0,0 -14,4 -18,8 -16,3 -6,2 -5,4 -27,9 -3,1 45,6 3,6 -12,4 29,6 30,2 10 336 678,0 0,0 -29,9 -32,0 -22,4 -28,5 0,0 -19,9 -24,2 -21,7 -12,4 -11,7 -32,8 -9,5 36,1 -3,3 -17,0 45,1 43,6 4 704 154,0 Pobres Remediadas Ricas FONTE: GRIJÓ, Eduardo. Efeitos da mudança do grau de eqüidade sobre a estrutura produtiva brasileira: análise da matriz de FONTE: contabilidade social. Porto Alegre: PPGE-PUCRS, 2005. (Dissertação não publicada). (1) Inclui o consumo do Governo e o investimento das empresas. 4 Insumo-produto, subeconomias e sistema de preços de Leontief Na visão de Scherer e Contri (2006), não se pode afirmar que “[...] um improvável e imperceptível choque de produtividade teria elevado, de forma extraordinária, a competitividade do setor exportador da economia brasileira”. Em alguma medida, essa afirmação — que, no devido tempo, poderá ser testada para o ano do bicentenário da abertura dos portos — permite verificarmos o que ocorreu em 2002. Para tanto, é necessário direcionarmos a pesquisa para a obtenção de novos dados. Com o estoque de capital dos diferentes setores econômicos devotados à exportação, poderíamos expan- dir as lições que até agora retiramos da Tabela 1. Com matrizes de contabilidade social mais recentes, poderíamos realizar dois tipos de diagnósticos. No primeiro, iríamos rastrear maiores indícios sobre as conseqüências da infecção da economia nacional com o Mal Brasileiro, expandindo a análise sugerida com o exercício contrafactual aglutinado em torno da Tabela 1. No segundo, poderíamos aprofundar a análise, que agora iniciaremos a fazer, para o ano de 2002. Nosso primeiro passo consiste em examinarmos o sistema de quantidades do modelo de insumo-produto, dado pela equação (1): x = Ax + f (1) onde x é o vetor da demanda total da economia, A é a matriz de coeficientes técnicos, e f é o vetor da demanda final. Se, ao invés do vetor f, considerarmos a matriz Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 146 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama F, em que cada coluna corresponde a uma categoria da demanda final, temos a seguinte equação reduzida: X = (I - A)-1F. (2) Naturalmente, multiplicando (2) pela direita, pelo vetor soma i compatível, voltamos a (1): Xi = (I - A)-1Fi = x = (I - A) –1f. (3) Diremos que cada coluna de X representa uma “subeconomia”, correspondente a cada categoria da demanda final. Seu elemento característico mostra como o correspondente da demanda final se “resolve” em termos dos insumos intermediários utilizados em sua produção. A equação 3 permite-nos escrever V = vDX = vD (I - A)-1F (4) onde V é a matriz de valor adicionado (PIB) “resolvido”, ou seja, mostra o valor adicionado (PIB) por todos os setores que produziram para entregar os montantes de F. Nesse ambiente, podemos escrever a equação de preços do sistema como P’ = (I - A - D)-1V’ (5) onde P’ é a matriz dos preços de Leontief, cada linha correspondendo à fração do preço total do produto correspondente à subeconomia pertinente, que foi mapeada na matriz V a partir da matriz F; D é a matriz cujo elemento característico mostra a depreciação (consumo de capital fixo) incidida pelo setor i, por ter usado seu capital para atender à demanda que lhe fez o setor j, normalizada para o correspondente valor da oferta total; e apóstrofe indica a operação de transposição matricial. Ou seja, cada linha da matriz P’ corresponde a uma categoria da demanda final, por exemplo, consumo das famílias pobres ou remediadas, consumo do governo, etc. Com a matriz inversa de Leontief, estamos rastreando a influência direta e indireta da geração de PIB sobre a determinação dos preços setoriais. Aumentos nos elementos da matriz V’ — ou seja, geração de mais valor adicionado por unidade de produção — implicam elevações mais que proporcionais nos preços dos setores encadeados com aquele em que o abalo original ocorreu. Em outros termos, ainda que não sejamos capazes de calcular a produtividade total dos fatores alocados na produção setorial, o sistema de preços de Leontief permite-nos emitir um juízo de valor preliminar sobre os ganhos de produtividade setorial relativa. A obtenção dos valores de D no estudo empírico a ser comentado na próxima seção iniciou com o rateio da cifra de R$ 160,6 milhões, correspondente ao consumo de capital fixo das contas nacionais de 2002. Esse rateio obedeceu à estimativa da depreciação setorial obtida como a média aritIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 mética das cifras da estrutura percentual setorial das seguintes variáveis10: a) compra de insumos feita pelos setores econômicos ao setor dos serviços prestados às empresas; b) total das compras de insumos feitas pelos demais setores integrantes do sistema; c) total das vendas de insumos feitas aos demais setores integrantes do sistema; d) total setorial dos salários, inclusive pagamento de trabalhadores autônomos; e) total setorial do valor adicionado-produto; f) total setorial da demanda final; e g) oferta (e demanda) total de cada um dos 42 setores integrantes das tabelas de recursos e usos das contas nacionais. A seleção dessas variáveis foi feita por consideramos, aprioristicamente, que elas se relacionam diretamente com o tamanho da empresa e, assim, com seu estoque de capital. Uma vez descrito o modelo, passaremos imediatamente a aplicá-lo. 5 Exportações, preços setoriais e reprimarização A seção 4 confrontou-nos com uma situação aritmeticamente interessante, para não falarmos de implicações sobre políticas redistributivas. Tão devastador é o resultado da eliminação completa dos impostos indiretos sobre a distribuição das oportunidades de consumo entre as famílias pobres e as ricas e outras variáveis, que cabe indagarmos o que aconteceria com o sistema se os demais insumos primários fossem excluídos, em particular as importações. Como veremos adiante, o montante de impostos indiretos líquidos de subsídios imputado às exportações é muito reduzido, em virtude dos acordos internacionais para zerar a tributação dos produtos exportados. Isso significa que, na economia verdadeiramente aberta, o governo precisa bus- 10 Nossa intenção original era extrair o primeiro componente principal do espaço ocupado por elas. Todavia as cargas com que eles compareceriam na sua composição assumiriam, respectivamente, os valores de 0,99, 0,99, 0,98, 0,98, 1,00, 1,00 e 1,00, o que, na prática, significa fazermos o cálculo da média aritmética simples entre essas percentagens. Um exemplo da aplicação dessa técnica (ainda que portador de pequenos erros de digitação) encontra-se em Bêrni (1978). Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro car outras fontes de financiamento de suas atividades, pois não pode penalizar o produtor nacional comparativamente ao concorrente estrangeiro. Ou seja, eliminar impostos indiretos é uma tendência, ao passo que a economia aberta não funcionará sem importações de insumos (matérias-primas, como o salitre, bens duráveis, como os automóveis, e não duráveis, como os vinhos). Menos ainda ela funcionará sem trabalhadores. Sua existência sem impostos indiretos é precisamente a cura, numa época futura, do Mal Brasileiro. O que faremos agora, ao aplicarmos a equação (5) da seção anterior sobre os dados da matriz de contabilidade social brasileira de 2002 (Tabela A.1), apresenta um caráter ligeiramente diverso. Vamos provocar um aumento exógeno nas exportações, no valor de toda a demanda final da economia. Ou seja, nosso novo “experimento mental” consiste em injetarmos na economia brasileira uma nova economia de mesmo tamanho, mas totalmente destinada à exportação. Sob o ponto de vista operacional, adicionamos ao vetor das exportações o próprio vetor da demanda final. Esse aumento na demanda final, naturalmente, aumenta os insumos primários na mesma cifra. Nossa equação (4) permite rastrearmos esses impactos sobre o PIB setorial e, com isso, avaliarmos o impacto do aumento na demanda final devido à extraordinária expansão das exportações sobre os preços setoriais. Na medida em que os preços de Leontief rastreiam as inter-relações na estrutura de custos setoriais, estamos provocando uma infecção de custos generalizada. Diferentemente do já catalogado Mal Holandês e da abordagem de Baumol (1967) sobre a expansão mais do que proporcional do setor serviços, nosso modelo permite uma interpretação interessante. Podemos afirmar que maiores preços setoriais resultam de maior PIB por unidade de oferta setorial total, id est, maior produtividade no uso dos insumos. Em outras palavras, desejamos testar se os setores exportadores exibem relações intersetoriais que os aproximam de complexos associados a produtos primários, ou se, ao contrário, os produtos primários estão recebendo maiores montantes de valor adicionado, e apenas isso é o que está sendo exportado. A Tabela 2 reúne os resultados da simulação do efeito do aumento das exportações sobre o sistema de preços, exibindo também outro elenco de indicadores do grau de vitalidade do sistema econômico brasileiro em 2002. Nela, vemos que os indicadores do comportamento do setor externo mostram certa virtuosidade nas exportações do Brasil. Conforme a Tabela 2, os diferentes setores possuem tamanhos variáveis (primeira coluna), e a segunda 147 coluna permite vermos os seus graus de abetura. Destacam-se os cinco blocos da extração de minerais e da transformação. Na extração do minério de ferro, essa cifra é maior do que 100, em virtude da diferença entre a demanda final e o PIB. Nesse caso, as compras de insumos são maiores do que as vendas, ou seja, o setor está absorvendo mais trabalho do que cedendo ao sistema. A produtividade com que usa seus insumos é menor do que a média da economia, levando-nos a sugerir que essas exportações impactam positivamente as relações intersetoriais. Ou seja, os produtos primários por ela exportados estão carregando, com eles, outros insumos nacionais. Na terceira e na quarta coluna da Tabela 2, vemos dois conceitos de produtividade do trabalho. Sendo o denominador comum, a diferença entre elas, a cada setor, deve-se ao conceito de PIB resolvido. Em particular, na medida em que as variáveis resolvidas carregam todos os fragmentos de produção necessários direta e indiretamente, podemos chamar atenção para as precauções que devem ser tomadas, ao associarmos o recente surto de exportações do Brasil com simples reprimarização (Benetti, 2004; 2006), ou desindustrialização, da pauta. Mesmo dispondo de um grande mercado, um país que se orienta para fora vê-lo-á ampliado, o que abre algumas valências a serem preenchidas no ajuste associado à expansão generalizada no rumo da harmonização do parque industrial. Digamos que o setor médio exportador aumenta a escala e resolve seu excesso de capacidade exportando 10%. Esse vetor induz crescentemente todos os demais setores, com aumento induzido sobre a demanda do setor que recebeu os 10%. Relacionados entre si, não podemos apontar um desvio sistemático relativamente aos setores mais voltados à produção de serviços e o mercado interno. Por fim, a derradeira coluna mostra que o impacto da vigorosa expansão das exportações aqui postulada também afeta de modo irregular os preços dos diferentes setores, sem sugerir qualquer viés sistemático em favor dos setores de maior coeficiente de abertura, em particular os que usam matérias-primas mais próximas à agropecuária e à extração de minerais convencionais. Superada essa etapa, nossa questão passa a ser a avaliação de quanto a estratégia brasileira de promoção de exportações pode ser vista como um meio de favorecer o Big Push, na medida em que favorece o aproveitamento de economias de escala e escopo, retirando o sistema de um equilíbrio retrógrado e colocando-o numa posição virtuosa. Uma forma de aquilatar essa interpreIndic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 148 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama tação consiste em examinarmos o papel que os setores mais outward looking exercem na determinação do nível de preços de economia. Na medida em que a eficiência produtiva representada pelo aumento da escala de produção, em virtude do atendimento da demanda externa, culmina por ser repassada aos consumidores (intermediários financeiros), podemos fazer um teste para ver o impacto das exportações num sistema com e sem exportações. Tabela 2 Indicadores setoriais da economia brasileira — 2002 SETORES Agropecuária ........................ Extrativa mineral (exceto combustíveis) ..................... Extrativa mineral (petróleo, gás, etc.) ............................. Transformação — complexo metal-mecânico .................... Transformação — complexo químico ................................ Transformação — complexo agroindustrial ........................ Serviços industriais de utilidade pública ......................... Construção civil .................... Comércio .............................. Transporte ............................ Comunicações ...................... Instituições financeiras ......... Serviços prestados às famílias Serviços prestados às empresas .................................. Aluguel de imóveis ............... Administração pública .......... Serviços privados não mercantis ................................... Total ..................................... PARTICIPAÇÃO DO SETOR NO PIB (%) COEFICIENTE DE ABERTURA RAZÃO COMPRAS/ /VENDAS DE INSUMOS PRODUTIVIDADE DO TRABALHO (produto/trabalhador) PRODUTIVIDADE DO TRABALHO RESOLVIDA (produto/trabalhador) PREÇO DAS EXPORTAÇÕES 8,2 11,2 0,64 24,8 25,7 506,1 0,5 128,4 1,22 34,7 36,8 290,4 2,5 15,2 0,20 554,1 562,8 393,5 8,0 60,2 0,98 34,7 44,5 411,0 6,4 23,3 0,66 135,5 186,7 458,5 6,9 64,4 1,64 21,7 25,0 499,7 3,6 8,3 7,3 2,7 2,7 7,0 5,3 0,2 0,0 7,2 17,2 1,2 1,1 8,7 0,59 3,45 1,15 0,97 0,71 1,03 2,23 213,5 28,3 10,3 13,5 138,5 121,7 7,9 231,2 29,4 10,7 16,0 153,0 127,1 8,3 710,8 1 151,6 688,5 561,3 836,0 1 293,8 886,9 4,3 10,1 15,0 19,9 0,0 1,0 0,31 0,45 6,52 21,0 588,7 32,6 21,7 589,1 34,3 520,4 3 956,4 1 396,0 1,1 100,0 0,0 15,3 1,00 2,3 24,7 2,3 27,0 8 407,2 ... FONTE: GRIJÓ, Eduardo. Efeitos da mudança do grau de eqüidade sobre a estrutura produtiva brasileira: análise da matriz de FONTE: contabilidade social. Porto Alegre: PPGE-PUCRS, 2005. (Dissertação não publicada). 6 Conclusão Na medida em que nossa principal base de dados diz respeito ao ano de 2002, o escopo do trabalho envolveu a avaliação de algumas condições que acompanharam o desenvolvimento do atual status quo. A fim de entender em que medida a baseline existente nesse ano foi propícia à criação e à manutenção do ímpeto exportador, precisamos ampliá-la. Precisamos, em futuros estudos, avaliar as conseqüências de sua manutenção Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 durante os quatro anos do primeiro mandato do Presidente Lula da Silva. Resta, assim, esquadrinhar o elenco de promessas de que essa nova onda exportadora tenha desencadeado mecanismos que contribuem para que essas vitórias (se é que vitórias houve) sejam perenes. O sistema de preços do modelo de insumo-produto permite avaliarmos a produtividade setorial relativa, pois setores com maiores coeficientes de geração de valor adicionado, ao terem sua demanda aumentada, geram Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro 149 mais valor adicionado e, com ele, maiores preços de Leontief. Mas os dados experimentais estão mostrando que as exportações não têm conteúdo de valor adicionado por unidade de valor da produção (diretos e indiretos) discrepantes com a média da economia. Isso indica que elas podem ser um elemento central para impulsionar o crescimento econômico, impactando positivamente as demais variáveis relevantes ao desenvolvimento de um país. Além disso, elas garantem ocupação nos demais setores internos da economia, podendo estes usufruírem dos ganhos decorrentes de economias de escala e escopo. Logo, o efeito das exportações é bastante poderoso, pois estimula a produtividade interna da economia de diversas maneiras, seja por seus encadeamentos internos, seja pela importação que estimula ganhos de eficiência para a economia. Por contraste, um regime de câmbio fixo exige que algumas questões sejam respondidas: quem vai determinar a taxa de câmbio fixa, definir o tempo de duração da proteção, definir exatamente o que é infant industry, e por aí vai. É mais sensato tirar esse papel das mãos de um único indivíduo e disseminá-lo por milhões de agentes dos mais variados portes econômicos. Concluindo, permanece sem resposta a questão da razão que impede que o livre-comércio tenha aceitação generalizada e incondicional. Se todos os agentes e países considerassem que as virtudes de longo prazo são maiores do que o protecionismo, nada impediria a união planetária. Mas a recusa mantém-se pelo mesmo tipo de motivo que faz com que a emissão desmesurada de dinheiro leve à inflação, ou que a redução dos gastos governamentais leve ao desgoverno. Todos sabem, mas seus grupos de interesse acham que o sistema ainda não está preparado para ver a solução redentora. Ainda assim, fica pendente a principal questão que circunscreve a problemática geral tratada no presente trabalho. Foi o protecionismo que referendou a enorme desigualdade que perpassa a sociedade brasileira desde os tempos coloniais, ou, ao contrário, foi precisamente a sociedade desigualitária que criou o protecionismo? Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 150 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama Anexo Tabela A.1 Matriz de contabilidade social do Brasil — 2002 (R$ bilhões) ORDEM PRODUTORES CONTAS 1 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Agropecuária.................... 29,7 Extrativa mineral (exceto combustíveis) ................... 0,4 Extrativa mineral (petróleo e gás natural, carvão, etc.) ................................. Transformação — complexo metal-mecânico ...... 1,1 Transformação — química ................................... 24,7 Transformação — complexo agroindustrial ......... 10,7 Serviços industriais de utilidade pública................ 1,1 Construção civil ............... Comércio ......................... 6,3 Transporte ....................... 3,6 Comunicações ................ 0,1 Instituições financeiras .... 0,9 Serviços prestados às famílias ............................... Serviços prestados às empresas ......................... 1,7 Aluguel de imóveis ........... Administração pública ...... 0,7 Serviços privados não mercantis ......................... Remuneração do trabalho e autônomos............. 12,1 Excedente operacional bruto ................................. 93,0 Governo (impostos e transferências) ................. 4,6 Resto do mundo (importações e outras receitas 4,1 do exterior) ....................... Famílias pobres (rendimentos até R$ 1.200,00) Famílias remediadas (rendimentos até R$ 3.000,00) .......................... Famílias ricas (rendimentos de mais de R$ 3.000,00) ......................... Poupança das instituições ................................. Total ................................ 194,8 2 3 4 5 6 7 8 9 - - 1,8 5,6 82,8 - - - 1,0 - 2,8 0,5 0,7 - 0,5 - - - 0,1 34,8 - 0,1 - - 1,5 2,1 113,9 6,3 10,7 3,3 29,2 1,0 1,7 0,6 20,5 66,9 20,9 1,9 7,4 40,9 0,2 0,3 5,3 7,2 79,1 0,7 4,1 3,4 0,7 0,4 0,5 0,1 0,4 0,8 0,2 0,5 0,4 0,2 0,6 8,7 0,5 8,8 5,6 3,9 3,2 4,2 0,3 4,4 5,1 1,7 1,7 7,0 0,5 15,3 6,8 3,7 2,4 24,3 0,4 0,6 0,2 0,2 1,6 0,3 6,3 7,2 1,8 0,6 0,6 3,2 0,4 3,9 6,5 4,3 3,0 - - 0,1 0,1 0,2 0,8 - 0,4 0,5 0,1 0,1 1,2 0,1 0,2 3,1 0,8 0,7 2,0 0,4 0,5 5,4 1,3 2,1 1,1 0,6 0,2 2,3 0,2 0,3 9,5 5,6 1,3 - - - - - - - - 1,6 1,7 30,3 11,4 31,5 13,1 19,0 60,9 4,5 30,4 62,0 53,5 44,5 26,2 71,2 24,7 0,7 2,0 15,5 20,6 16,3 8,7 20,7 11,7 0,4 0,5 30,5 32,3 14,0 4,0 4,3 3,4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 14,4 41,8 318,0 259,4 345,2 87,8 175,9 183,9 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 151 Milagre exportador, preços relativos e o Mal Brasileiro Tabela A.1 Matriz de contabilidade social do Brasil — 2002 (R$ bilhões) ORDEM 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Agropecuária................... Extrativa mineral (exceto combustíveis) .................. Extrativa mineral (petróleo e gás natural, carvão, etc.) ................................. Transformação — complexo metal-mecânico ..... Transformação — química ................................... Transformação — complexo agroindustrial ........ Serviços industriais de utilidade ública................ Construção civil .............. Comércio ........................ Transporte ...................... Comunicações ................ Instituições financeiras ... Serviços prestados às famílias .............................. Serviços prestados às empresas ........................ Aluguel de imóveis .......... Administração pública ..... Serviços privados não mercantis ........................ Remuneração do trabalho e autônomos............ Excedente operacional bruto ................................ Governo (impostos e transferências) ................ Resto do mundo (importações e outras receitas do exterior) ...................... Famílias pobres (rendimentos até R$ 1.200,00) Famílias remediadas (rendimentos até R$ 3.000,00) ......................... Famílias ricas (rendimentos de mais de R$ 3.000,00) ......................... Poupança das instituições ................................ Total ............................... FATORES PRODUTORES CONTAS 10 11 12 13 14 15 16 17 18 - - - 3,0 - - 3,1 0,1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3,5 2,9 0,1 4,8 0,6 0,2 2,3 - - 20,8 0,7 0,1 5,0 0,6 0,1 2,7 0,1 - 1,3 0,8 1,3 14,1 7,4 0,1 9,2 0,4 - 0,5 0,4 4,9 7,1 1,5 1,5 0,7 0,6 1,0 1,8 4,0 1,4 0,6 1,1 1,4 2,5 7,0 2,8 0,5 8,6 1,1 1,4 0,6 0,8 0,2 1,4 0,9 2,3 0,6 0,4 5,5 0,1 0,1 0,3 5,1 1,8 7,8 3,1 2,2 2,5 0,1 0,1 - - 0,1 1,3 3,1 0,7 0,1 - 13,4 - - 2,1 0,5 0,3 3,5 1,3 0,4 9,1 1,6 1,1 2,0 0,4 0,3 4,0 0,7 1,0 0,1 0,1 - 17,6 1,7 2,4 0,1 0,1 - - - - - - - - - - - 25,1 10,6 38,4 50,1 30,6 2,9 194,5 14,4 - 3,8 19,2 47,7 6,1 21,6 131,3 - - - 7,7 7,0 8,1 14,4 5,6 1,7 7,3 0,3 - 6,9 3,9 4,2 3,2 1,9 0,1 10,5 0,1 - - - - - - - - - 118,0 - - - - - - - - 165,7 - - - - - - - - 264,7 88,1 61,0 127,6 119,0 80,3 142,9 287,4 15,8 548,4 (continua) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 152 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama Tabela A.1 Matriz de contabilidade social do Brasil — 2002 (R$ bilhões) ORDEM CONTAS FATORES 19 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 Agropecuária..................... Extrativa mineral (exceto combustíveis) ................... Extrativa mineral (petróleo e gás natural, carvão, etc.) ................................. Transformação — complexo metal-mecânico ...... Transformação — química ..................................... Transformação — complexo agroindustrial ......... Serviços industriais de utilidade pública ................ Construção civil ................ Comércio .......................... Transporte ........................ Comunicações .................. Instituições financeiras ..... Serviços prestados às famílias ........................... Serviços prestados às empresas .......................... Aluguel de imóveis ........... Administração pública ...... Serviços privados não mercantis ........................ Remuneração do trabalho e autônomos ............. Excedente operacional bruto ................................ Governo (impostos e transferências) .................. Resto do mundo (importações e outras receitas do exterior) ....................... Famílias pobres (rendimentos até R$ 1.200,00) Famílias remediadas (rendimentos até R$ 3.000,00) .......................... Famílias ricas (rendimentos de mais de R$ 3.000,00) ......................... Poupança das instituições .................................. Total ................................. INSTITUIÇÕES 20 21 22 TOTAL 23 24 25 - - 12,3 18,4 12,9 10,3 14,7 194,8 - - 8,8 - - - -0,4 14,4 - - 5,2 - - - 1,7 41,8 - - 64,8 6,2 9,7 17,0 36,8 318,0 - - 19,9 7,7 8,1 9,6 -1,3 259,4 - - 59,5 51,1 41,5 39,4 8,4 345,2 - - 0,1 7,0 6,3 0,4 1,0 8,7 17,7 9,1 6,8 8,6 7,8 30,9 10,3 10,5 24,1 9,9 50,2 15,7 14,4 65,7 158,1 5,8 0,8 - 87,8 175,9 183,9 88,1 61,0 127,6 - - 6,1 16,7 24,5 51,2 - 119,0 - 271,0 11,5 2,0 0,3 39,2 0,7 0,5 39,2 0,8 0,8 49,0 1,1 1,9 - 80,3 142,9 287,4 - - - 1,9 4,9 9,0 - 15,8 - - - - - - - 548,4 - - - - - - - 639,7 69,0 106,6 3,2 21,3 29,7 70,4 12,0 465,3 15,2 29,8 0,3 7,3 8,5 13,0 27,2 225,6 12,0 10,9 - 2,2 - 1,9 - 145,1 52,7 13,7 - - 2,8 1,9 - 237,7 324,7 41,1 - - - 6,1 - 636,6 166,1 639,7 -7,8 465,3 16,7 225,6 -78,8 145,1 -29,9 237,7 199,7 636,6 266,0 266,0 - FONTE: GRIJÓ, Eduardo. Efeitos da mudança do grau de eqüidade sobre a estrutura produtiva brasileira: análise da matriz de contabilidade social. Porto Alegre: PPGE-PUCRS, 2005. (Dissertação não publicada). Indic. 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FEE, Porto Alegre, v. 35, n. 3, p. 137-154, fev. 2008 Duilio de Avila Bêrni; Henrique Morrone; Daniel Koshiyama 155 Concentração e especialização em setores industriais... ORIENTAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS 1 - A revista Indicadores Econômicos FEE é uma publicação trimestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser e tem por objetivo a divulgação de artigos de caráter conjuntural no âmbito das economias gaúcha, nacional e internacional. 2 - Os artigos remetidos à revista Indicadores Econômicos FEE para publicação devem ser inéditos, em língua portuguesa (Brasil), apresentados na sua versão definitiva e acompanhados de um abstract em inglês e de um resumo em português, com 10 linhas no máximo. 3 - Devem ser apresentadas as palavras-chave do texto, no número máximo de três, em português e inglês. 4 - Os artigos devem vir acompanhados do nome completo do autor, de sua titulação acadêmica e do nome das instituições a que está vinculado, além do endereço para contato, do e-mail, do telefone ou do fax. 5 - Devem ser encaminhadas três cópias impressas dos artigos, com as páginas numeradas na margem superior direita e não excedendo 25 laudas de 24 linhas, em espaço duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12, incluindo notas, bibliografia e outras referências. As cópias impressas devem vir acompanhadas do arquivo correspondente em MS-Word. 6 - As notas de rodapé devem conter apenas informações explicativas ou complementares e devem ser apresentadas em ordem seqüencial. 7 - As citações devem ser feitas no próprio texto, com a respectiva fonte: sobrenome do autor, ano de publicação e número da página entre parênteses (Vanin, 1980, p. 8). As citações em língua estrangeira devem vir traduzidas, ficando a critério do autor a publicação do original em nota de rodapé. 8 - As referências bibliográficas devem conter o nome completo do autor, o título da obra, o local e a data de publicação, o nome do editor e o número de páginas, enquadrando-se em uma das situações a seguir referidas: a) livro - POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização: A nova internacionalização do trabalho e os camia) livro - nhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. 151p. CASTRO, Antônio B. de; SOUZA, Francisco E. P. de. A economia brasileira em marcha forçada. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985. 217p. b) capítulo ou artigo de livro - MIRANDA, José Carlos da Rocha. Dinâmica financeira e política macroeconôb) capítulo ou artigo de livro mica. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Org.). Poder e dinheiro: uma economia b) capítulo ou artigo de livr o - política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 243-275. c) periódico - CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro: FGV, n. 12, dez. 2000. d) artigo de periódico - BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. O declínio de Bretton Woods e a emergência dos mercados "globalizados". Economia e Sociedade, Campinas, n. 4, p. 1-20, 1997. PARTICIPAÇÃO do Brasil nos investimentos diretos mundiais. Carta da SOBEET, São Paulo, v. 1, n. 4, set./out. 1997. e) artigo de jornal - SALGUEIRO, Sônia. Autopeças brasileiras conquistam mercado externo. Gazeta Mercane) artigos de jorn istil, São Paulo, p. A-4, 6-8 mar. 2000. e) artigos de joris - PARTICIPAÇÃO de salários no PIB cai para 38%. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 2-5, 12 dez. 1997. f) informação ou texto obtidos pela internet - livro eletrônico (monografia) DICIONÁRIO da língua portuguesa. Lisboa: Priberam informática, 1988. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlDLPO>. Acesso em: 8 mar. 1999. - periódico eletrônico (revista, anuário, etc.) Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 156 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel BOLETIM INFORMATIVO DE PESSOAL. Porto Alegre: Secretaria da Fazenda-RS, n. 31, jul. 2001. Disponível em: <http://www.sefaz.rs.gov.br>. Acesso em: 14 dez. 2001. - artigo de periódico em meio eletrônico O IED no Brasil e no mundo: principais tendências. Sinopse Econômica. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/sinopse/poleco.htm>. Acesso em: 21 mar. 2000. - banco de dados IBGE-SIDRA. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: mar. 2001. - home page institucional BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2004. 9 - As tabelas e os gráficos apresentados no artigo devem ser numerados e apresentar título e fonte completos. Os gráficos devem ser gerados no MS-Excel, com formatação em preto e branco. O arquivo do MS-Excel deve ser encaminhado à revista Indicadores Econômicos FEE contendo as tabelas dos dados vinculadas aos gráficos gerados. 10 - Os artigos encaminhados à revista Indicadores Econômicos FEE serão submetidos à apreciação do Conselho de Redação, sendo os autores informados da aceitação ou recusa de seus trabalhos. 11 - Em se tratando de artigos aprovados, o Conselho de Redação reserva-se o direito de introduzir as modificações editoriais que julgar convenientes. 12 - O envio espontâneo de qualquer colaboração implica, automaticamente, a cessão integral dos direitos autorais à FEE. 13 - Toda correspondência deverá ser enviada à: Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser Revista Indicadores Econômicos FEE Rua Duque de Caxias, 1691 CEP 90010-283 — Porto Alegre — RS E-mail: [email protected] Fone: (0XX51) 3216-9132 Fax: (0XX51) 3216-9134 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 157 Concentração e especialização em setores industriais... FICHA DE ASSINATURA As revistas Indicadores Econômicos FEE e Ensaios FEE podem ser adquiridas na Livraria da FEE, Rua Duque de Caxias, 1691, térreo, CEP 90010-283, Porto Alegre-RS, de segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h30min às 18h, ou por fone (0xx51) 3216-9118, fax (0xx51) 3216-9134, e-mail [email protected], ou, ainda, pela Home Page www.fee.rs.gov.br Você também pode optar por uma assinatura, preenchendo o formulário abaixo e enviando o cheque ou o comprovante de depósito para a Secretaria das Revistas, no 6º andar do endereço acima. Publicação Desejo receber a revista Ensaios FEE pelo preço de R$ 40,00 cada assinatura anual (edição semestral). Desejo receber a revista Indicadores Econômicos FEE pelo preço de R$ 75,00 cada assinatura anual (edição trimestral). 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Composição, diagramação e arte final: Denize Maria Maciel, Ieda Terezinha Koch Leal e Rejane Maria Lopes dos Santos. Conferência: Lourdes Teresinha dos Santos, Rejane Schimitt Hübner e Vera Sonia Silva Castro. Impressão: Cassiano Osvaldo Machado Vargas e Luiz Carlos da Silva. Capa: Ezequiel Dias de Oliveira. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 160 Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 163-174, dez. 2005 David Basso; Benedito Silva Neto; Janete Stoffel