o i n i p O s i r Iu Boletim Informativo do Curso de Direito da Universidade Positivo N. 2 – maio/2011 Editorial Agradecemos as contribuições e a divulgação para o número 1. da Opinio Iuris. Este veículo é feito com base nas suas ideias e serve para informálo do que acontece em nosso ambiente. Não poderia passar em branco fato de relevantíssima importância: nosso prestigiado colega, Professor Guilherme Roman Borges foi aprovado no concurso para Juiz Federal e em breve assumirá Vara Federal no Estado de São Paulo. Ganha a magistratura federal, ganha a população. Sucesso e parabéns, aos alunos, boas aulas e sigam o exemplo. Sua partipação com artigos, sugestões ou críticas pode ser registrada pelo mail [email protected] Boas aulas! Prof. Maicon Guedes. Palavra da Coordenação Vida acadêmica e reflexão sobre a sociedade A vida universitária não se restringe a assistir a aulas e realizar provas. A universidade constitui-se como ambiente de perene reflexão, o que pressupõe debate e divulgação de ideias. Justamente por isso o curso de Direito promove diversos eventos que fomentam a exposição e discussão de temáticas atuais e polêmicas que instigam o acadêmico a refletir sobre o seu papel na sociedade e no campo do conhecimento. Recentemente, no auditório do bloco bege, o secretário nacional de justiça, professor Paulo Abrão, proferiu palestra sobre a questão polêmica da lei da anistia e a proteção aos direitos humanos. No dia 19 de maio foi realizado evento sobre direito internacional humanitário: a lei da guerra, promovido pelo tenente-coronel Carlos Eduardo Machado Gouvêa. Recentemente, no auditório do bloco bege, o secretário nacional de justiça, professor Paulo Abrão, proferiu palestra sobre a questão polêmica da lei da anistia e a proteção aos direitos humanos. No decorrer deste mês, o professor Alberto Vargas ministra curso sobre benefícios previdenciários. No dia 19 de maio será realizado evento sobre direito internacional humanitário: a lei da guerra, promovido pelo tenente-coronel Carlos Eduardo Machado Gouvêa. Todos esses eventos de extensão demonstram o diálogo do curso de Direito com temáticas contemporâneas e o compromisso com o aprofundamento teórico que a formação completa do jurista exige. O papel do profissional do Direito vai muito além dos textos legais e demanda reflexão sobre questões sociais a ser aprimorada durante toda a vida universitária. Prof. Eros Cordeiro. Coordenador-Adjunto do Curso de Direito Agenda 10/05 a 01/06 EXPOSIÇÃO ARTE ACADÊMICA Horários: de segunda a sexta-feira das 7h às 22h, e aos sábados das 8h às 17h Local: Biblioteca 24/05 a 07/06 EXPOSIÇÃO JARDIM EM LOCO - JARDINS DE CURITIBA Horário: durante a semana 9h às 21h; sábado 9h às 15h Local: Sala de Eventos do Prédio da Pós-Graduação e Extensão Informações: 3317-3446 25/05 às 20h O CONTESTADO, DE ROMÁRIO BORELLI Local: Teatro Positivo Pequeno Auditório Entrada: Gratuita Informações: 3317-3446 08/06 às 09h30min FORMAÇÃO POLÍTICA UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA - PROFESSOR JOSÉ PIO MARTINS Local: Auditório do bloco bege 22/05 DOMINGO NO CÂMPUS DUO DE CONTRABAIXO E PIANO Músicos: Pablo Guiñez, Maria Helena Salomão e Clenice Ortigara 24/05 - 18h30 CORAL UNIVERSIDADE POSITIVO - ABERTURA DA EXPOSIÇÃO JARDIN IN LOCO Local: Sala de Eventos – Prédio da Pós-Graduação e Extensão Informações: 3317-3446 29/05 RECITAL DE PIANO Músico: Olga Kiun Informações: 3317-3446 11/06 às 20h30min MUSICA NO CAMPUS Teatro Positivo - Pequeno Auditório Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada). Informações: 3317-3446 15/6 às 19h Palestra com Prof. Dr. RenÉ Ariel Dotti 25 anos da Lei dos Crimes contra Sistema Financeiro Nacional Local: Auditório do Bloco Azul Vitrine Acadêmica - Projeto de extensão – Cidade em Debate O Projeto de Extensão “Cidade em Debate”, da Universidade Positivo, é multidisciplinar, o qual possui como objetivo ampliar os canais de participação da sociedade civil em um processo que divulgue as ações e propostas que impulsionam possibilidades e garantias do desenvolvimento de políticas setoriais para a construção de uma cidadania plena e, principalmente, para que a população esteja aberta, participe, fiscalize, exerça seus direitos e cumpra seus deveres. Integram tal projeto professores e estudantes dos cursos de Direito, Arquitetura e Urbanismo e Serviço Social da Universidade Positivo, bem como a equipe do Centro de Apoio às Promotorias dos Direitos Constitucionais do Ministério Público do Estado do Paraná. Esse Projeto de Extensão possui alguns projetos em andamento, quais sejam: (i) elaboração de um guia de proteção do direito à moradia adequada para a cidade de Curitiba; (ii) monitoramento, documentação e incidência nos espaços de participação popular sobre planejamento urbano, com o objetivo de acompanhar os espaços de participação popular, nos quais são discutidos temas sobre o planejamento urbano; (iii) difusão do sistema nacional de desenvolvimento urbano, realizado com vinculação ao Observatório das Metrópoles; (iv) análise da implantação do sistema de desenvolvimento urbano nas regiões metropolitans, a partir de alguns estudos de casos, projeto que também é realizado em vinculação ao Observatório das Metrópoles; (v) elaboração do Estatuto da Cidade anotado, com o qual se pretende organizar as informações relativas ao processo de concretização e implementação do Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001); e (vi) formação e capacitação da sociedade civil e Poder Público, visando construir espaços para a partilha de conhecimento com a sociedade civil, com vistas a fomentar o aprofundamento de temas relativos ao planejamento urbano. Para maiores informações sobre o projeto de extensão “Cidade em Debate” verifique o site http://www.cidadeemdebate.net/ - Aconteceu na Positivo Evento: Direitos Humanos e Anistia Paulo Abrão - Secretário Nacional de Justiça Data: 05 de maio, às 19h Evento: Eterno Retorno à Moral Inquisidora: Aspectos Gerais da Denúncia Genérica Palestrante: Professor Leonardo Costa de Paula DATA: 06 de maio, às 9h30min - Professor da UP oferece curso de capacitação para líderes de Minas Gerais Durante os dias 27 e 28 de abril, o professor Marcelo Guimarães ofertou um curso para Lideranças e Gestores da FIAT, em Betim-MG (Região Metropolitana de BH) sobre Relações Trabalhistas e Prevenção de Riscos, abrangendo diversos assuntos, tais como: legislação trabalhista em geral, responsabilidade civil do empregador por acidente de trabalho e doença ocupacional, assédio moral, limites da jornada de trabalho e compensação de horas, entre outros. Revista Raízes Jurídicas seleciona artigos A Revista do Curso de Direito e da Pós-Graduação da Universidade Positivo, “Raízes Jurídicas”, capitaneada pelo professor Guilherme Roman Borges seleciona artigos de professores e alunos para seu próximo volume. A publicação é semestral e o periódico está indexado no sistema Qualis Periódicos. Maiores informações podem ser obtigas em http://raizesjuridicas.up.edu.br/ Espaço do Professor Sobre a morte de Bin Laden A morte de Osama Bin Laden é a nova onda pop internacional. Tuitada por todos, replicada incontáveis vezes em redes sociais e comentada em milhares de blogs na internet, o assassinato do maior terrorista internacional foi assunto obrigatório em todos os jornais há poucos dias. Na medida em que a produção acadêmica não consegue acompanhar a velocidade da era digital, estas linhas vêm à tona apenas agora, em evidente atraso eletrônico. A única vantagem desse atraso parece ser a possibilidade de reflexão que só o tempo permite – mesmo que a correria do dia a dia torne esse tempo extremamente exíguo. Ao mesmo tempo em que arrefece o interesse no tema, começam a surgir debates interessantes sobre a temática e que podem render boas ponderações teóricas. Obviamente não se pretende esgotar a temática neste texto, mas é possível lançar aqui alguns germens de discussão que, no futuro, rendam pesquisas aprofundadas. Não há dúvidas de que a operação militar americana que matou o terrorista foi feita ao arrepio do Direito, tanto nos seus ramos Internacional quanto Penal. No plano do Direito Internacional, a invasão não autorizada de um país por outro é apenas possível em casos excepcionais (legítima defesa ou autorização do Conselho de Segurança, por exemplo), que não se evidenciaram na situação que se tem em mesa. Embora teóricos internacionais possam vir a apresentar fundamentos para tanto, não se acredita que será possível diferenciar a medida americana (chamada tecnicamente de “abdução”) de outras tomadas, por exemplo, por Israel no caso Eichmann, reconhecidamente violadoras das regras da soberania defendidas no plano internacional. No que toca ao ramo Penal, tampouco se pode identificar qualquer traço de legalidade na operação americana. Seria um extenuante exercício científico listar todos os princípios penais violados pelo que é chamado de assassinato de Estado (statesponsored murder), comumente praticado secretamente em históricas ditaturas e, dentre outras ocorrências contemporâneas, às claras por regimes que, diga-se, pretendem “defender a ordem pública”, como ocorre na Rússia, na China, em Cuba e em Israel. Mas violações ao devido processo legal, ao uso limitado da força e à própria proporcionalidade – sem contar a evidente violação do direito à vida – não deixariam de constar nessa constrangedora lista. Embora exista posição doutrinária que aponte pela necessidade de um afastamento da legalidade estrita e de uma “virada à ética” no Direito Internacional (como quer KOSKENIEMMI), o que justificaria intervenções militares ilegais ditas humanitárias, como aquela da OTAN na Iugoslávia em 1999, esse argumento não se sustenta no plano do Direito Penal. O raciocínio da pena é estanque: ela somente é justa quando realizada dentro da legalidade e não existe “virada à ética” que possa sustentar uma execução levada a cabo sem o controle do Judiciário e, especialmente, de uma lei democrática. A simples fundamentação das operações militares americanas que terminaram com Bin Laden morto em informações que teriam sido obtidas a partir de tortura, como se alega e parece reconhecido pelo próprio governo estadunidense, por si só já é um determinante da ilegalidade de toda a situação. O argumento que se levanta não é ignorado: trata-se de Osama Bin Laden e, portanto, sendo um caso extremo de um terrível terrorista de seu quilate, seriam necessárias medidas extremas. A condição de Bin Laden como hostis humani generis parece justificar qualquer medida, mas não justifica. Se se tratava de um criminoso perigoso, deveria ter sido levado a julgamento, processado e, eventualmente, condenado (mesmo à morte, se a legislação aplicável, ainda que abjeta, assim o determinasse). A exceção aberta pelos assassinatos de Estado não pode ser celebrada sob argumento algum porque confirma a exceção e o risco ao Estado de Direito, abrindo as portas para uma “virada à ética perversa” formidavelmente assustadora e perigosa. Todavia, mais desagradável é a sensação de mal-estar que provocam as imagens de celebração do assassinato do terrorista que circularam onipresentes. Sabendo-se que o mundo não está mais seguro e que a morte do saudita não melhora em nada a atual condição do homem em nosso planeta, à razão causa estranheza que tanta celebração e felicidade tomem conta da comunidade internacional nesse momento. Diante do fato de que não existe motivo justo para a celebração da morte de um homem (qualquer que seja), permanece ativa uma pergunta que parece cutucar os mais recônditos íntimos da psique humana: que espécie de válvula de escape moral esse evento ativou na humanidade? Afinal, é como se essa “virada à ética perversa” fosse comum e natural ao ser humano, sendo a lei, que se pretende baseada em uma ética virtuosa, uma necessária forma de controle da maldade natural do indivíduo. Em outras palavras, é de se temer o Estado totalitário ou o homem totalitário? Rui Carlo Dissenha Doutorando em Direitos Humanos na USP; mestre em Direito das Relações Sociais e bacharel na UFPR; Diplôme Supérieur de l’Université de Paris II Panthéon-Assas, França; LLM in Public International Law with International Criminal Law Specialization at Leiden University, Holanda; bolsista doutoral do governo brasileiro na Università di Bologna; advogado, professor de Direito Penal e de Direitos Humanos na Universidade Positivo. O ENSINO JUSBRASILEIRO: A mediação quase universal do princípio constitutivo do I don’t care No final do séc. XIX, desde os estertores da centralização de nosso segundo Pedro de Alcântara, o Brasil experimentava no plano político e econômico uma lenta “americanização”, conduzida em seguida com maestria nas mãos de Rio Branco e em plena sintonia com os presságios de Monroe e Roosevelt. A América era, doravante, o lugar dos “americanos”, descolonizados, independentes, “autônomos”, que passavam a contrapor-se à força do concerto europeu de poderes e a toda a opressão conservadora que constituiu a triste historiografia latino-americana. Se no sécs. XVI e XVII o capital flamengo nos colocou economicamente no mundo, e nos sécs. XVIII e XIX o capital inglês nos conduziu à liberdade do exclusivo metropolitano e do lado “negro” de nossa história, o final do séc. XIX e o séc. XX fazem aparecer o capital norte-americano na compra de nossos excedentes de café e na proclamação de nossa República. Os EUA se tornam o “novo parceiro”, a nova “mão-condutora”, e o Brasil europeu passou a ser o Brasil “norte”-americano. Essa aproximação não foi apenas econômica ou política, mas o foi, sobretudo, cultural. Se antes Bilac se regozijava e se destacava escrevendo em francês, e nossa elite jurídica dançava no antigo paço os passos da Polca, da Mazurca, da Valsa, desde então, os brasileiros, quando não brindavam nos Frevos ou nos Chorões, estavam lentamente sendo norte-americanizados, e seus saracoteios bamboleavam ao som do Cake-Walk, Two-Step, Blackbotton, Jazz, Fox-trot etc. Nossa elite musical trocou o choro das flautas e do oficlide pelo som nobre do saxofone. Nossa elite política, formada por pequenos industriais, mas, especialmente, por juristas (professores, magistrados, advogados, promotores) trocou suas influências franco-germânicas pelo gosto do american way of life. O Brasil era culturalmente um país hollywoodiano. Apesar da eqüidistância pragmática intentada no início por Getúlio, o Brasil foi paulatinamente se tornando cada vez mais norte-americanizado. Os Estados Unidos não se tornaram apenas nosso agente econômico, mas nosso grande pedagogo. E assim, a elite política, que estava acostumada com as aventuras amorosas nas garçonières e a auto-exibição nas pelouses dos hipódromos, passou a fazer footing nas avenidas; talqualmente o povo a deleitar-se nos shows ao som do rock’n roll. Esse completo alinhamento político-econômico e cultural à Nova Inglaterra, se por um lado permitiu o avanço da substituição das importações e da industrialização nacional, e, logo, uma possibilidade de desenvolvimento econômico, trouxe, por outro, inevitavelmente, uma aniquilação da cultura nacional, especialmente, uma antropofagia modernista às avessas no sistema educacional brasileiro. Se antes o romântico iluminismo europeu, mesmo aos tropeços, elitista, mesmo com as “idéias fora do lugar”, como bem gosta Roberto Schwarz, tentava construir um ensino voltado à busca por uma cultura do povo brasileiro, lavrada a sangue índio e a sangue negro (Darcy Ribeiro), o consumismo norte-americano invadiu os bancos escolares, as faculdades de direito, e, há mais de meio século tem contribuído para construir um modelo de ensino frágil, superficial, pragmático e utilitarista. Nesse caminho, o ensino jurídico também a certo ponto se norte-americanizou. Não adotou a perspectiva casuística (ainda, enquanto os “cases” não tomarem conta do “novo modelo” de jusensino), talvez por simples ausência de alteração legislativa, porém esse modelo assumiu em todos os seus níveis um papel fundamental: otimizou raciocínios, tecnicizou currículos, agilizou respostas forenses, publicizou imagens de professores-palestradores showmen, em suma, empobreceu a juspedagogia brasileira. Essa giganta aproximação não seria de todo ruim se fora feita com cautela ou se se restringisse à recepção de construções teóricas aprimoradas de brilhantes intelectuais norte-americanos, cujos objetivos não se mostrariam como neoimperilistas, mas como prudentes reflexões sobre o mundo. Todavia, esse achegamento à cultura norte-americana trouxe para academia jurídica uma triste realidade, seja no que diz com o conteúdo, seja com o corpo discente, seja com a docência nacional. Tudo, infelizmente, americanizou-se. O conteúdo do jusensino brasileiro débil e burrego constrói-se às margens e às obviedades norte-americanas. Abandonam-se paulatinamente as grandes teorias, as investigações mais detalhadas, o gosto pelo rigor conceitual, pela seriedade de pesquisa e, especialmente, pela “austeridade acadêmica”, e, no seu lugar, aparecem o imediatismo das respostas, a efetividade dos dispositivos, o deleite com as regras de decisão. O corpo docente, por sua vez, em grande parte (embora alguns dignos devam ser excepcionados, porque fazem uma resistência, ora velada, ora aberta), também se deixou levar pela fluidez e superficialidade da formação pessoal e do ensino de seus alunos. Às vezes mal intencionados, utilizando-se da academia para angariar clientes entre os alunos ou estagiários para os seus gabinetes, contudo, às vezes muito bem intencionados, procurando criar mecanismos para facilitar o aprendizado. Assim, espécies de mnemônias jurídicas começaram a correr os bancos jusescolares por culpa de editores, mas, sobretudo, por culpa de professores. Tal como na pré-escola, em que os incipientes alunos recebem de seus pedagogos construções feitas, cujo nobre e necessário objetivo é a memorização léxica, o aprendizado da formação sintática e mesmo a ortoepia pela repetição exaustiva dessas fórmulas rítmicas (mnemônias): “um, dois, feijão com arroz; três, quatro, feijão no prato”, ou mesmo as regionalistas “tem picolé, seu José; é de juçara, dona Januária; é de murici, dona Lili; é de Abacaxi, seu Gigi” etc., no jusensino elas também têm ocorrido. Os alunos, longe das aulas feitas com discussão de textos ou debates e longe até da pesquisa e dos projetos de extensão jurídicas, tão fundamentais para a formação de “juristas curadores de si”, têm sido limitados ao conhecimento que forma, que constitui, que os torna virtuosos, como bem queria a paideía grega. Cada vez mais são conduzidos por seus mestres, americanizados, a fazerem monografias concisas, de rápidas leituras, papers, quando não o deveriam, já que a concisão e a capacidade de “dizer-se” em parcas palavras e orações é privilégio de poucos machadianos. Do mesmo modo são levados a ler as tais sinopses, vez que os exames assim lhes auferem o “conhecimento”, quando muito não as indicam em seus planos de ensino. O grande problema é que, mesmo para os docentes bem intencionados (porque os mal não têm justificativa) essa facilitação fez os alunos perderem o gosto pela pesquisa, pela reflexão, pela abstração, pelo demorar-se com um texto, pelo “saber com sabor”, no bem querer de Roland Barthes, pelo pacientar-se com o futuro econômico. Resumos, sumários, esquemas, cursos, sínteses, sinopses jurídicas prontificaram o jusconteúdo aos acadêmicos, mas abreviaram, concentraram assuntos, e, sobretudo, restringiram nessa medida o conhecimento. Somos nada mais que uma boa coletânea de vernáculos e uma boa reunião limitada de conhecimentos aos nossos alunos. É preciso refletir a prática do ensinar. Por fim, a norte-mericanização também se faz sentir no corpo discente. Os alunos das faculdades de direito (e aqui novamente inúmeros devem ser excluídos, porque procuram fugir a essa formatação) parecem constituir-se das imagens que os meios de comunicação acabaram por lhes vender. Se fossem apenas questões estéticas, o mal seria menor, a grande questão é que toda a principiologia da sociedade de consumo norte-americana os arrebatou na própria formação pessoal. Osacadêmicosdedireitoparecem, nas palavras de Mario Quintana, “viverem eternamente barbiturizados pelas novelas da Televisão”, e, desse modo, pelo gosto das coisas fáceis, rápidas, sem conteúdo, criadas com fim apenas da satisfação dos sentidos. Perdidos, não sabem exatamente porque fazem Direito, ou mesmo porque estão na faculdade, quando gostariam de estar fazendo outra coisa, que também não sabem bem ao certo o quê. Padronizados pelo consumismo norte-americano e pela orientação desfalcada de professores também norte-americanizados, que lhes retiram conteúdos pela sinopse, apresentam uma nítida “infantilidade”. Essa supressão de conteúdo, seja pela superficialidade do conhecimento passado, seja pela alienação produzida pela cultura de massa, impede-os de se madurarem. Assim, em pleno curso superior, portam em suas malas experiências que deveriam ter ficado no passado: cadernos com imagens de ursinhos Walt Disney, canetas com estrelas que acendem com o apoio sobre o caderno, estojos Hello Kitty, ou mesmo práticas estudantis, como trabalhos entregues em folha almaço, provas feitas à lápis, gírias que retiram a variedade vocabular, e, como um bom passe-partout, impelem seus interlocutores a uma mesmice inevitável. Há, esteticamente, enfim, uma “cor-de-rosalização” do mundo, cuja inocência, se não bela, deixa-os deleitados e presos numa irresponsabilidade peculiar da adolescência tardia. No entanto, o que há de mais pesaroso é a importação do princípio norte-americano do I don’t care, que parece constituir-se numa espécie de mediação quase universal a ponto de deixá-los desleixados com o mundo. Inúmeras situações admitem na prática o uso do I don’t care e suas traduções também não são poucas, mas se concentram, talvez, no famoso (recentemente divulgado por fraca música de massa) “tô nem aí!”. Essa prática norte-americana de não se importar com nada se apresenta de diferentes maneiras no campo político, econômico, social, lingüístico, mas, especialmente, no âmbito antropológico. Vê-se nas variantes próximas: I couldn’t care less! (Eu não poderia me importar menos!), This definitely doesn’t concern me! (Isso definitivamente não me diz respeito!); Why should I know/worry? (E eu com isso?), em suma, whatever!. Há também às vezes em que são empregadas de maneira irresponsável: Include me out! (To fora! Me tire disso!); ou com vontade de menosprezo: Beats me! (Sei lá!); I have/got no idea! (Não faço idéia!); How should I know! (Como eu deveria saber!); I don’t give a damn (Não ligo para isso, não estou nem aí!); What’s that to me? (Não dou a mínima!); ou com vontade de desafio: And so what? (E daí?); Who cares? (Quem se importa?); ou com total relapso: Never mind! (Deixa pra lá! Não liga pra isso!) Forget it! (Esquece!) Big deal! (Grande coisa!). Seja lá o sentido próprio movido pelo desprezo, pela irresponsabilidade, pelo relapso, pelo desafio, o triste é que esse princípio norte-americano contaminou parte significativa dos acadêmicos de direito no Brasil, que parecem estar a todo instante dispostos a não se preocupar com nada, a deixar tudo para depois, a não se importar com coisa alguma, em suma, a fazer do “tô nem aí!” um modo de ser, uma Lebensfhürung (condução da vida), segundo Weber, uma forma de agir. Essa é uma forma de norte-americanização da alma, muito mais dura e profunda que a não menos trágica corrupção estética. Desse modo, o american way of life se espraiou pelo mundo, o que é evidente, mas não poderia ter penetrado, ao menos em seu lado nefasto, no universo acadêmico jurídico. É preciso saber disso para que possamos dele nos afastarmos. É preciso fugir a tudo isso, sejam professores, sejam acadêmicos, à sedução das coisas práticas, dos fest-foods teóricos, da falta de compromisso. É necessário deixar a mandriice e a pachorra de lado que nos passarinha, que nos atenta e nos encanta, e optar pelas leituras mais bem construídas, mais bem refletidas, que nós brasileiros somos capazes certamente de fazer. Optemos pelo ensino paciencioso, pela disposição e pela prudência que se constrói lentamente numa academia jurídica à brasileira, sem síntese, sem plágios, sem “Ctrl’s C e Ctrl’s V”! Guilherme Roman Borges Doutorando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP (2007), com estágio doutoral anual na Sholé Anthropístikon kai Koinonikon Epistémon Tméma Philosophías - Universidade de Patras - Grécia (2008), pesquisador-visitante junto ao Max Planck Institut für ausländisches und internationales Strafrecht de Freiburg - Alemanha (2010) e pesquisador-bolsista junto ao Max Planck Institut für Europäische Rechtsgeschichte de Frankfurt - Alemanha (2010 e 2011); é Mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP (2006) e Mestre em Direito do Estado na UFPR (2005); é Bacharel em Direito na UFPR (2003), Professor de Economia e Direito Econômico na Universidade Positivo (2003-), Advogado. Espaço do Aluno A Academia e a Formação Humana Em tempos de recatado conformismo, do encapsulamento do ser humano dentro de seu próprio eu e do triunfo de um individualismo, frio, cruel e desmedido, se faz preciso reavivar a brasa daquele humanismo que se preocupa com as relações, as inquietudes e os problemas sociais e psíquicos que permeiam a existência humana sobre a Terra. Inserida no contexto dessa problemática tão atual e preocupante, a academia deve abandonar a feição tecnicista e a objetividade prática que vem acatando, mormente nas últimas duas décadas, e voltar-se novamente ao ser humano, seu objeto e objetivo primordial. É preocupante assistir, no seio histórico dos grandes triunfos da humanidade, o exulto de uma ética meramente utilitarista, cujo objetivo parece não ser outro senão a adesão inescrupulosa aos interesses de um mercado que prega a competição e a intolerância e abomina qualquer manifestação que seja contrária aos seus ideais diabólicos. Inegável é que qualquer área do conhecimento, por mais objetiva e técnica que se apresente, tem sempre como pano de fundo o homem em sua vivência cotidiana. Nesse contexto, o que dizer então daquelas ciências que são indiscutivelmente humanas ou sociais? O que dizer do direito? Não há dúvidas de que o direito que hoje se enclausura em um curso universitário é muito mais do que um simples ramo do conhecimento ou uma opção profissional. O direito é um instituto tradicional de incalculável nobreza, que desenha, projeta, forja e disciplina a vivência da humanidade e toda sorte de relações que se travam entre as pessoas. Não se pode negar que apenas o direito tem a capacidade de regular e limitar a liberdade de seres humanos, de garantir-lhes sobrevivência digna ou entregar-lhes à sua própria sorte, de tutelar os seus negócios e disciplinar absolutamente todas as relações que podem travar no decorrer de sua vida. Falamos, portanto, de um organismo vivo, cujo habitat é a sociedade humana em suas relações e angústias, em seus tormentos e aflições psicológicas. Não se pode cogitar o direito fora da sociedade e não se pode pensar uma sociedade, qualquer que seja ela, sem o direito. Cabe ponderar, então, que a sociedade para a qual o fenômeno jurídico se dirige é a mesma na qual ele é criado e exercido, pois é, e deve continuar sendo, fruto da vivência dos seres humanos. Nesse contexto, o que preocupa é a contaminação do direito com os males da sociedade, criando um insuperável e mortal círculo vicioso. Ora, a sociedade que trabalha o direito está cada vez mais permeada pelos ideais do mercado, pelo individualismo e pelo espírito de selvageria, atitudes que ferem de morte todo um arcabouço ideológico que há séculos vinha sendo desenhado. Não há meios imagináveis que sejam capazes de unir o direito ao individualismo e ao descaso para com os seres humanos, sem desvirtuar por completo a verdadeira razão de ser do fenômeno jurídico. Cabe recordar aquela famosa carta de um médico recém-formado que, ao encarar a realidade prática da medicina e perceber que nela a vida e a saúde se dobram aos mandos do mercado, se disse arrependido da profissão que escolheu. No direito, não seria nenhum exagero afirmar que a situação é ainda pior, pois a triste realidade de que tratamos se reflete já nos próprios bancos universitários e muito pouco ou quase nada se escreve ou se debate a respeito. O olhar apenas para o próprio nariz é um mal que contraria nossos ideais mais nobres, é uma atitude deve ser imediatamente abolida e, mais do que isso, deve deixar de ser incentivada pela comunidade acadêmica, pois calar é consentir. Como gostam de ponderar os europeus, o nível acadêmico é um nível de crítica e não deve ser instrumentalizado. O papel da academia não é apenas o de prestigiar a técnica, a dinâmica e a praticidade, como fez crer o paradigma americano, mas carece também de profunda análise e ponderação no trato com a realidade que se descortina do lado de fora dos muros da academia. É, pois, inaceitável que a comunidade acadêmica chancele o desvirtuamento de sua verdadeira função e dos seus verdadeiros fins, que se traduzem na busca por uma formação humana pautada na ética e no respeito às diferenças e não na produção de um exército de profissionais obedientes à selvageria do mercado, acríticos e estupidamente competitivos e individualistas. A atuação que se espera da academia, especialmente no curso de direito, é a de não apenas oferecer disciplinas propedêuticas curriculares, como também incentivar o diálogo e exercitar a vivência humana na mais inocente e imaculada de suas formas, mirando a necessidade de uma completa revolução intelectual em prol do verdadeiro bem comum. Não é inegável que tal proposta pode parecer uma utopia aos teóricos e talvez uma verdadeira perda de tempo aos mais práticos, mas são justamente essas reações que fazem prova da necessidade de uma mudança urgente de atitudes e, quiçá, de paradigmas. A precipitação faz mal ao homem, a banalização também. A vida de relação que travamos diariamente e as inculcações que trazemos conosco e desenvolvemos no curso de nossa existência fazem, muitas vezes, com que nos precipitemos em nossa intenção de resolutividade ou banalizemos a própria essência das relações humanas, esquecendo-nos da velha e tão conhecida máxima aristotélica que proclama o homem como um animal social e não como um ente isolado do restante do planeta, o que de fato não é. Precisamos, portanto, de uma reeducação humana e ética a nos afastar desses incômodos males contemporâneos, que são, e cada vez mais intensamente o serão, os responsáveis por problemas homéricos para toda a humanidade. O novo homem a ser forjado deve prezar pelo bom direito e pelos nobres ideais da justiça, mas somente irá brotar e desenvolver-se se semeado nas terras férteis da academia, na medida em que é ela o grande celeiro de intelectuais e a tutora por excelência das perspectivas futuras do ser humano. Não se pode olvidar ou tratar com menosprezo a grande necessidade de mudança e a importante incumbência que tem a academia em todo esse contexto. Negar tais circunstâncias seria o mesmo que dar um tiro no próprio pé ou destruir a viga mestra de um grande edifício, seria a própria anunciação do apocalipse. Leandro José Rutano Acadêmico do 5º período de Direito Egressos pelo mundo Nosso ex-aluno Allan Gilberto Pereira Barcelos atualmente advoga em escritório próprio, cursa o Mestrado em Gestão Ambiental e coordena o grupo de estudos em Constituição e Ambiente da Universidade Positivo em conjunto com a Profa. Bettina Amorim. Roberto de Carvalho Peixoto, formado em nossas primeiras turmas, advoga e, com o gosto pela docência despertado ainda nos bancos acadêmicos, hoje leciona Direito Empresarial na Universidade Positivo e Direito do Trabalho na especialização em Direito do Trabalho do IBPEX. Com igual interesse acadêmico, a ex-aluna Heloísa Camargo de Lacerda hoje é Mestre em Direito. Leciona Direito de Família, Sucessões e Internacional nas Faculdades Estácio de Sá e FAMEC, onde também exerce funções de gestão. Publicou artigos e partipa de grupo de pesquisa da UFPR. O ex-aluno Pedro Cruz Port, advoga para diversas instituições financeiras. Atualmente é Procurador de Justiça Desportiva no Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná e cursa Especialização em Direito Civil e Processual Civil. Parabéns! Desejamos ainda maior sucesso na jornada acadêmica e profissional. Expediente: Orientação e editoriação: Maicon Guedes | Coordenação do curso de Direito : Marcos Alves da Silva Revisão: Adriane Setti | Diagramaçao e projeto gráfico: Marcos Felipe Monteiro e Paula Setsuko Nishizima