1 PROFA.DRA.ARILDA INES MIRANDA RIBEIRO Livre-Docente em Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. TEXTOS REFERENTES À FORMAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA e DIDÁTICA: PUBLICADOS EM REVISTAS, APRESENTADOS EM CONGRESSOS CIENTÍFICOS, de autoria de Arilda Inês Miranda Ribeiro. Email: [email protected] Obs: Respeite o direito autoral. Ao referir-se a algum dos textos ou bibliografias mencionadas nos mesmos, mencione a referência bibliográfica. 2007 2 1º. Texto) Sobre a Didática em Sala de aula: Publicado em Junho de 2005 pela Editora Arte & Ciência São Paulo No livro organizado por Arilda Inês Miranda Ribeiro e Ana Maria da Costa Santos Menin. Formação do Gestor Educacional: necessidades de uma ação democrática. METODOLOGIA DO ENSINO SUPERIOR: A FACE OCULTA DA SALA DE AULA. Profa.Dra.Arilda Ines Miranda Ribeiro Livre-Docente do Depto de Educação da FCT-UNESP I-INTRODUÇÃO, II MESTRE, PROFESSOR E EDUCADOR, III-DISCIPULOS, ALUNOS, EDUCANDOS, III-FASES EDUCATIVAS E DIFERENTES DENOMINAÇÕES UTILIZADAS IDEOLÓGICO PELOS ALUNOS EMOCIONAL DA PARA SALA SEUS DE PROFESSORES AULA, V-ÉTICA IV-ESPAÇO PROFISSIONAL DOCENTE. I INTRODUÇÃO. É muito comum, na nossa época contemporânea, termos a figura do professor em sala de aula. Ele ministra muitas vezes, várias disciplinas e para um número considerável de educandos. No entanto, esse profissional não se dá conta dos diversos aspectos teóricos, físicos, emocionais que o cercam em seu ato educativo. Um problema que se assevera de imediato é que existem dois tipos de professores: aqueles, que, tendo tido preparação pedagógica, não puderam valer-se dela para a solução dos problemas com que se defrontam em suas relações com os alunos e, por isso, voltaram-se as costas às teorias dos livros de pedagogia. O outro é aquele dos docentes que, tendo ingressado no ministério de aulas sem formação 3 especializada, tem caminhado pelo bom senso , pela imitação de seus antigos professores, por tentativas e erros, adquirindo uma didática puramente empírica, daquela denominada dá para o gasto . (Grisi, 1956, p.10) Basicamente esse último, ao estudar no ensino superior, não cursou as licenciaturas. Sendo bacharel em determinada profissão, iniciou sua carreira como professor como complemento de sua atividade específica. No que tange aos pressupostos teóricos e a conceituação, é mister que esses profissionais, responsáveis pela transmissão e construção do conhecimento, tenham acesso a trajetória da construção do conhecimento humano. É importante que conheçam a antiguidade clássica, desde os pré-socráticos até os pensadores de nossa época. Para ser um bom professor, é importante levantar alguns questionamentos dessa atividade: o que fundamenta a ação docente? Como situar-se como professor em sala de aula? Quem foram os primeiros professores? Como se dá a relação professor-aluno em sala de aula?Quais os objetivos a serem alcançados? É sobre essas questões, de ordem teórica e prática que teceremos algumas reflexões. II MESTRE, PROFESSOR E EDUCADOR. Os chineses podem ser considerados os primeiros pensadores, dentro da Filosofia Oriental, que cultivaram os caminhos em busca da sabedoria humana. Chamados de Mestres observavam e refletiam sobre a origem do homem, dos seus sentimentos, de suas subjetividades, bem como do nascimento do espaço e da natureza física (o cosmos). Normalmente abstinham-se de riquezas materiais e envolviam-se na meditação das razões da ação humana, dos legados de seus antepassados e procuravam incutir nas pessoas que se aproximavam deles, o exercício da paciência, do silêncio, da perseverança, para o bom desempenho da convivência humana. Os que se identificavam com suas filosofias foram denominados de discípulos e tinham como 4 objetivo divulgar as idéias do mestre. Confúcio pode ser considerado um dos primeiros mestres orientais (Luzuriaga, 1969). Na Antiguidade Clássica Grega, temos como exemplo de mestres e discípulos, Sócrates, Platão e Aristóteles. Sendo Platão discípulo de Sócrates e Aristóteles discípulo de Platão. Sócrates não cobrava quando utilizava-se do seu método de interrogação, a maiêutica. Seu objetivo era que os homens pudessem aprender o significado suas virtudes para viverm bem em sociedade. (Durant, 2000) No mesmo período de Sócrates, temos a figura do professor, o sofista. Os sofistas cobravam pelos seus ensinamentos aos jovens atenienses, o ato da eloqüência, da persuasão. Ferramentas indispensáveis no Curso de Direito dos nossos dias. A denominação Mestre perpassa a Civilização Grega, Romana e a Idade Média. Jesus Cristo é um grande exemplo de mestre, que junto com seus discípulos, divulgou a máxima do Cristianismo: Amai ao próximo como a ti mesmo , e assim como Sócrates, nada escreveu e pouco pediu de seus discípulos. A partir da primeira fase da Modernidade, começamos a vislumbrar a possibilidade do povo ter acesso à educação e conseqüentemente, a partir de Comenius, a escolarização sob a responsabilidade do Estado (Cambi, 1996). Com o surgimento das escolas públicas, surge o professor, que tem como objetivo a transmissão dos conhecimentos clássicos e universais. Com ele, temos a presença do aluno. Esses dois seres terão a sua convivência estreitada a partir de meados do século XIX, e indissociáveis no século XX. Atualmente preferimos a denominação de Educadores e Educandos, visto que a Educação contempla tanto a assimilação dos conhecimentos enciclopedistas, tanto quanto a humanização ética. Ser formador e informador. Ter a formação e a informação são objetivos básicos do educando do século XXI, e nesse sentido adquirir a cidadania necessária a boa convivência em sociedade. 5 III-FASES EDUCATIVAS E AS DIFERENTES DENOMINAÇÕES QUE OS ALUNOS UTILIZAM PARA SEUS PROFESSORES. Na nossa contemporaneidade convivemos, na escola, com diversas fases educativas e em cada uma delas, sob o nosso ponto de vista, existe um perfil de professor e de aluno. No período do Ensino Infantil, que perpassa o início da vida da criança dos 0 aos 6 anos, o professor tem um papel fundamental, em que quase substitui os pais em suas vidas. Quando entram na escola, sofrem uma separação dolorosa dos familiares. Órfãos dos pais, denominam seus professores de tios porque são os parentes mais próximos de sua intimidade, de sua afetividade. É uma fase interessante, onde o ser humano é muito autêntico. Nesse período, formação de sua identidade, o professor é muito importante. A criança pede para ser avaliada pelo professor, quando mostra seus rabiscos e procura a sua apreciação. Ë também nesse período que ela traz à tona seus sentimentos mais profundos de amor ou de ódio. Inocentemente, afirmam com muita veemência que sentem saudades da sua professora, que são admiradores. Demonstram afeto através de bilhetes apaixonados, sofrem quando chegam as férias e ficam sem as tias . Essa paixão, essa relação de carinho perdura durante a primeira fase do Ensino Fundamental (dos 07 aos 10 anos). Infelizmente, a criança encerra sua convivência feliz com seus professores das séries iniciais quando entra na 5a.série do Ensino Fundamental. Nesse período, o aluno sofre novamente outra separação. Agora, não mais dos pais, mas dos tios . É que na 5a.série aumenta o número de professores, o número de disciplinas a serem estudadas, o rigorismo e a exigência da família e dos professores para com as suas obrigações escolares. O aluno agora não pode mais enfeitar seus cadernos, pintar, desenhar, cantar, etc. Fica proibido de chamar seus professores de tio . Agora são pessoas estranhas à sua vida que vão ficar com eles durante muitos anos. Tornam-se assim estranhos, denominados por Seu fulano de tal ou a Dona de Matemática. Ficaram órfãos dos tios. 6 Se os alunos pudessem escolher ficar na 5a.série ou voltar para a 4a. certamente uma boa parte retornaria à 4a. série primária, onde havia mais afetividade em suas vidas. No entanto o sistema não permite e muito menos contorna esse problema. Conseqüência disso são as evasões e repetências nessa série, denominadas de Fracasso Escolar , objeto de muitas dissertações e teses acadêmicas. Como estão órfãos dos tios, e os pais lhes cobram posições mais maduras, seus pares prediletos agora são os amigos. Copiam os gostos, os vestuários, o comportamento dos amigos. Assumem papel preponderante na vida dessas crianças pré-adolescentes. Também é nesse período, da 5a. série e que se estende até a 8a.série, que a criança se transforma no Adolescente. Diríamos que é o período crucial para a convivência entre professores e alunos. Há uma clara ausência de sintonia entre eles. O professor cobra conhecimento, o aluno cobra compreensão, respostas às suas perguntas mais íntimas da sua convivência com a sociedade, com o mundo. Ele está confuso e em processo de mudanças de todo o tipo. Biologicamente o corpo muda. Sua voz engrossa, criam-se espinhas no rosto, pelos pelo corpo. As meninas menstruam, os rapazes tem os pênis aumentado, etc. Também é nessa época que os sentimentos de amor sexual e afetivo, de amizade acentuam-se. Aumenta também o desejo de consumo, dos bens materiais, do exibicionismo entre os grupos, entre os gêneros. Não é fácil ser professor desses alunos, se o profissional da educação não entender o perfil dos mesmos. Tornam-se indivíduos contestadores, irreverentes, inquietos. Adoram ser desafiados, buscam a liderança. É o período onde os alunos mais evadem da escola, onde há mais índice de violência, de consumo de drogas, de meninas grávidas, de consumo de álcool, etc. No Ensino Médio, os alunos já estão mais calmos. Já possuem romances mais fixos, mais freqüentes. O corpo já transformou-se e eles já se acostumaram com as novas regras escolares: muitos professores e conteúdos diversificados. Conseguem, as vezes, até brincar, quando denominam o professor de Prof ou de Sor . Surge nessa 7 época uma outra preocupação: o vestibular. É o primeiro momento da vida do jovem em que ele vai ser avaliado. A sociedade, a comunidade, a família cobram sua opção por uma profissão. O aluno sofre com o medo do fracasso, com o medo do desconhecido. Nesse momento ele também percebe que ficará órfão dos amigos. Também eles farão o vestibular e partirão, muitas vezes, para lugares distantes. Outros irão interromper a escola e partirão para o mercado de trabalho. Ele vai ficar só. Sem os pais, sem os tios , sem os amigos e ele próprio, muitas vezes, partirá. Nesse momento, os alunos se aproximam de alguns professores, solicitando ajuda para obterem êxito nesse exame. Principalmente para os professores de redação e disciplinas mais complexas. Os poucos que entram no Ensino Superior, deparam-se com uma situação mais confortável. Usufruem, na Graduação, de uma liberdade que não possuíam nos níveis educacionais anteriores. Podem sair da sala de aula ou da escola quando quiserem. O controle da freqüência está contido nas cadernetas dos professores. Não há mais rigidez dos inspetores de alunos trancando os portões da escola. Alguns alunos já são casados, são trabalhadores. O tratamento com os professores é mais calmo. A preocupação é com a aquisição e domínio dos saberes e a obtenção do diploma. O próprio aluno se cobra e chama o professor pelo nome. Retorna lentamente o interesse pelo professor, pelo conhecimento. Mas está preocupado, nesse momento, mais com a profissão a ser conquistada, do que com o aprofundamento do estudo. Finalmente, na Pós-Graduação, o educando retoma os mesmos valores de sua fase inicial escolar. Interessa-se pelas disciplinas, que voluntariamente escolheu para estudar e se aperfeiçoar. Demonstra explicitamente admiração pelos professores. Mostra seus projetos de pesquisa, pede para ser avaliado em seus escritos, em seus trabalhos. Tece elogios ao saber e agradece, nas monografias, dissertações e teses, o benefício que obteve de seus professores. IV-ESPAÇO IDEOLÓGICO E EMOCIONAL DA SALA DE AULA A sala de aula é um espaço que comporta dois persongens: o professor e os alunos. Nesse local se estabelecem relações afetivas, emocionais, racionais, entre 8 outras. Vivenciamos esse espaço durante a maior parte da nossa vida, como alunos e alguns, como professores, e no entanto pouco descrevemos ou refletimos sobre seu valor simbólico. (Marchand, 1956, p.29) Originariamente a sala de aula, tal qual a conhecemos, provém da Academia de Platão, onde o mestre fazia interlocução com os seus vários discípulos. (Durant, 2000) Daquela época até os nossos dias, muito pouco mudou nessa relação e interlocução. Geometricamente a sala de aula é de tamanho retangular ou quadrado. O professor fica centralmente na frente, seguido de filas de alunos, até o final da sala. Existem vários tipos de professores: os que falam alto, os que quase que sussurram, os que olham para a janela ou o teto, quando expõem suas idéias, os que ficam com as mãos nos bolsos, os que ficam parados no mesmo lugar, os que andam rapidamente, transformando a sala de aula em um cooper . Existem os professores que centram o olhar em um único aluno, que senta e raras vezes levanta e anda pela sala, enfim, há inúmeros tipos e que são danosos para o processo de ensino-aprendizagem. Nesse encontro, seres vivos, seres humanos, confinados dentro dos limites da classe, se defrontam, se comunicam, se influenciam mutuamente. (Abreu & Masetto, 1989, p.113). O professor, por estar em lugar de destaque, deve ter o cuidado para não chamar muita atenção sobre si. É importante observar seu vestuário. Não deve ser exuberante, luxuoso ou ostentativo. É de bom senso que utilize uma roupagem discreta, condizente com o papel que desempenha de catalizador de atenções. Quanto aos alunos e sua disposição na sala, é bastante conhecida a formação de suas fileiras. Inicialmente temos a primeira fila, denominada pelos outros alunos de C.D.F. (desnecessário a tradução, visto que é conhecida pela maioria). Também chamada de Trem Bala , porque são sempre os primeiros a terminar a tarefa. São os alunos que os professores, de certa forma, mais apreciam. São sempre corajosos, tidos com inteligentes, estão sempre com a matéria em dia, e o mais importante: são solidários com os professores. Atendem os seus pedidos ao menor sinal. São vistos, pelo restante da classe, como os puxa-sacos , aduladores do professor. 9 Se há a primeira fila, existe a última. Essa é muito conhecida dos professores, que não gostam muito dos alunos que a freqüentam. É denominada de Fundão , cozinha e se existe a denominação Trem Bala para os da frente, para o fundão seu apelido é Maria Fumaça já que os alunos demoram muito mais para acabar os trabalhos solicitados em sala. É importante salientar que o fundo da sala é mais descontraído, mais distante geográfica e ideologicamente do professor. Se fizermos uma reflexão sobre os apelidos, vamos perceber que a cozinha é o lugar mais agradável da casa. Onde são deixados os formalismos da sala, e entre a degustação de alimentos, se entabula conversas mais informais. Mas, quem senta-se no Fundão, na Cozinha da Sala de Aula? Os professores não percebem, mas muitas vezes encontramos alunos nesse local, que foram colocados lá, pelos próprios docentes. Por exemplo, quando surge na sala um aluno de alta estatura, é muito comum o professor solicitar que ele sente lá atrás, para não atrapalhar a visão dos menores. Com o passar do tempo e de séries, esse aluno nem vacila mais. Chega no primeiro dia de aula e já vai para o fundo, evitando o pedido conhecido. Outro tipo de aluno que senta no fundo, é o medroso. É o educando que tem receio da matéria ou ausência de identificação com o professor por motivos diversos. Se esconde, para manter-se em sala de aula. Finalmente, no fundo encontra-se também um tipo de aluno que os professores geralmente não gostam, tem pouco contato, matem uma certa distância. Esse alunos que sentam na última fila, são muito parecidos com os alunos da primeira. Possuem grandes qualificativos: são corajosos, inteligentes, estão para o que der e vier! A diferença é que eles não são solidários aos professores!! Ao contrário, disputam a liderança, palmo a palmo com o educador. Na primeira oportunidade de ausência do professor, eles tomam o controle da classe. São muitas vezes, carismáticos, divertidos, criativos. Os demais alunos da sala gostam da sua atuação desafiadora. Outros, são ostensivos, violentos, rebeldes. Não são muitos, mas vivem no imaginário do professor, que as vezes, esquecendo do restante da sala, se preocupam, intensivamente, em medir o grau de autoridade com esses alunos. Por diversas razões, eles agem na direção contrária ao objetivo do professor. São os chamados alunos-problemas. A 10 atuação e o êxito de suas potencialidades vai depender do modo de agir do líder, que no caso, deve ser o professor. A relação entre ambos devia ser de parceria. No entanto, a percepção de que o relacionamento em sala de aula é a reprodução, guardadas as devidas proporções, das relações complexas e ambíguas que existem na sociedade contemporânea, em muitos casos se agravam, e um dos dois atores é penalizado. Ou o aluno ou o professor. Falta a compreensão mais aprofundada do desenvolvimento do aluno-problema, na realidade da sociedade... estes e outros fatores semelhantes contribuem para que o próprio papel e, conseqüentemente, a ação do professor em sala de aula se tornem cada vez mais complexos e ambíguos (Abreu&Masetto, 1989, p.115). Mas, além da primeira e da problemática última fila, existem os alunos que ficam no meião . São os intermediários. Alunos completamente desconhecidos dos professores! Alunos que tiram entre cinco e sete. Às vezes um três, raramente um nove. Alunos medianos, que não fazem trabalhos excepcionais, nem fracos. Filhos de classe média, possuem uma religião, uma família com pequenos problemas, enfim, são aqueles chamados de MAIORIA! É exatamente esse contingente de alunos que deve ser considerado pelos professores. São os que no futuro, atuarão na sociedade como farmacêuticos, padeiros, verdureiros, mecânicos, comerciantes, bancários, etc. Não são alunos rebeldes, nem dóceis. Atendem tanto os reclamos do professor, como a brincadeira dos alunos do fundão. Vão de acordo com a tendência de liderança. Nesse sentido, o professor deveria estar mais atento as suas reivindicações, olhar com mais acuidade suas potencialidades, e descobrir que nem toda à classe é rebelde, é problemática. A maioria não é! Cuidar não só da maioria, mas de todos, indistintamente, sem exclusão. (Gentili, 1995) A preocupação central do professor é com a aprendizagem de todos os alunos, indistintamente e não com o ensino (do professor). Que todos, da primeira, do meio e da ultima fila tenham o mesmo tratamento dos professores. Cabe ao professor dar as diretrizes do relacionamento de sala de aula. 11 É necessário a construção de um conhecimento, em sala de aula, que perpasse a afetividade, e basicamente, a formação do conceito de Cidadania plena. Nesse sentido o professor é um facilitador da aprendizagem: Quando um facilitador cria, mesmo em grau modesto, um clima de sala de aula, caracterizado por tudo que pode empreender de autenticidade, apreço e empatia; quando confia na tendência construtora do indivíduo e do grupo; descobre, então, que inaugurou uma revolução educacional (Rogers apud Abreu & Masetto, 1989, p.117). Nesse sentido, a aprendizagem se transforma em vida. O ato de aprender e aprender consiste, portanto, num esforço de clareza e este é feito em proveito do aluno, mas quando levado a bom termo, o próprio docente aproveita. V A ÉTICA PROFISSIONAL Toda ação humana é pautada por valores e princípios que motivam, orientam pou tolhem a conduta do homem, em benefício do individuo ou da sociedade. Em todo e qualquer agrupamento de indivíduos, desde a mais antiga civilização, reconhece-se um código de conduta, direcionado para objetivos pragmáticos e utilitários. A ética, entendida como o estudo das finalidades últimas, ideais, dirige a conduta humana para o máximo de harmonia, universalidade e excelência, como o convívio fraterno e solidário em sociedade. (MEC/ INEP, 2002) Infelizmente, nos dias de hoje, se existe uma categoria profissional que eticamente tem deixado a desejar, na sua atuação pública, é a dos professores. É muito comum encontrarmos no meio professoral, professores criticando colegas de profissão, em relação à sua atuação em sala de aula, no seu domínio de habilidades e competências, no planejamento de suas aulas. Não é raro que colegas da mesma instituição invadam a intimidade dos colegas professores, denegrindo sua imagem no que toca à sua crença, à sua opção sexual, à sua raça, mesmo que isso vá contra os princípios democráticos da Constituição Brasileira em vigência. 12 Também é muito comum que, alguns professores e gestores da área educacional não só permitam que profissionais de outras áreas do conhecimento, leigos na história do desenvolvimento da Educação teçam comentários jocosos contra o ensino atual. O pior é que muitas vezes, esses mesmos professores acatam críticas desconstrutivas, vazias de argumentação e propriedade, reforçam inverdades fundamentados na filosofia do achismo casuístico. A postura do professor deveria estar pautada na legislação em vigor. A consideração pelos colegas de profissão, pelo respeito aos seus superiores hierárquicos na escola, aos seus alunos, aos funcionários, implica em respeitar a identidade institucional. O professor, principalmente das escolas públicas, deve ter em mente que é um profissional como qualquer outro, no desempenho de suas funções. Deveria cumprir seus deveres, assim com muitas vezes reivindica seus direitos. É seu dever zelar pela aprendizagem dos alunos de menor rendimento escolar, elaborar e cumprir a proposta pedagógica de sua escola, ser um professor efetivo, evitando faltas em demasia, etc (Artigo 13 LDBEN 9394/96). Concluindo essas questões reflexivas, que estão normalmente ocultas no cotidiano da escola, dentro das várias reflexões que podemos tercer em Metodologia do Ensino, poderíamos lembrar que o professor é uma figura pública. Ele é um exemplo seguido e moldado pelo aluno na sala de aula. Suas atitudes internas e externas à classe são geralmente acompanhadas pela comunidade, pelos alunos, pelos egressos, pais, sociedade em geral. Nesse sentido, é de bom tom que lembremos que suas ações públicas são observadas, e que podem, de certa forma, comprometer à sua credibilidade, quando o mesmo se envolve em discussões, confrontos, bebedeiras, atividades duvidosas, etc. A preocupação em manter uma certa discrição, garantindo os direitos à sua individualidade, contribuem para a manutenção de condutor de potenciais humanos. O aluno deseja um professor que o ajude a melhorar sua vida e o objetivo da escola, desde os tempos mais remotos, é tornar os indivíduos mais felizes. Como afirma Snyders A maior alegria cultural é sentir-se participante de auto-progresso, do 13 progresso da sua comunidade, do progresso do mundo (Snyders, 1996, p.2000) Cabe ao professor esse grande papel de construtor de progressos e alegrias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ABREU, Maria Célia & Masetto. O professor universitário em aula. São Paulo:, MG, 1989. DURANT, Will. A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2000. ÉTICA. Adauto Novais (Org) São Paulo, Cia das Letras, 2000. GRISI, Raphael. Didática Mínima. São Paulo: Do Brasil, 1956. GENTILI, Pablo. Pedagogia da Exclusão: Crítica ao Neoliberalismo em Educação. Petrópolis: Vozes, 1995. LUZURIAGA, A. História da Pedagogia. Barcelona, s.e.e., 1989. MARCHAND, Max. A afetividade do educador. São Paulo: Summus, 1985. MEC/INEP. Princípios éticos e orientações de conduta. Diretoria de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior. Brasília: MEC, 2002. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9394/96. RIBEIRO, Arilda Ines Miranda & MENIN, Ana Maria da Costa Santos. Formação do Professor: Contribuições e reflexões dos docentes e discentes dos cursos de pósgraduação Lato Sensu em Gestão Educacional e O Ensino do Texto: teoria e prática em sala de aula (1999-2000). São Paulo: Arte & Ciência/Villipress, 2001. SNYDERS, Georges. Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 14 2º.Texto) Sobre a função da escola e do professor: Ribeiro, Arilda Inês Miranda. Publicado no Livro Universidade, Formação, Cidadania. Chauí, Marilene. Arroyo, Miguel e outros. (org. Gisleine Aparecida dos Santos, pela Editora Cortez, 2001). FORMAÇÃO EDUCACIONAL: INSTRUMENTO DE ACESSO À CIDADANIA? Profa.Dra.Arilda Ines Miranda Ribeiro. 1 Quem é o cidadão? Por que hoje novamente se discute com afinco a questão da cidadania na escola e sua função educativa? Afinal, a educação, desde o século XVIII, teve sempre como função clássica a formação para o exercício da cidadania. Porque o retorno do tema, com tanta assiduidade, nos debates acadêmicos? Aproveitando a volta de outros conceitos do século passado, arriscaríamos a noção de uma neocidadania? 2 1. Um pouco de história... Em verdade, sob o meu ponto de vista, o ressurgimento da questão da cidadania e educação envolve a explicitação de alguns conceitos básicos ligados à história da cidadania e a história da educação. Cidadão vem da raiz latina civitas3, habitante da cidade. É originalmente o burguês, aquele que habitava os burgos (cidades) no período do feudalismo. A noção de cidadania, dessa forma, está ligada a ascensão da burguesia, e consequentemente do capitalismo. Em outras palavras, a sociedade, que esteve centrada no campo durante a Idade Média, se desloca para as cidades. Portanto, o cidadão é oriundo das 1 Coordenadora do Curso de Especialização Gestão Educacional e Membro do Grupo de Pesquisa Formação de Professores do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp-Campus de Presidente Prudente. 2 O redimencionamento dos conceitos do século XIX seriam: o neo-liberalismo, o neo-positivismo, a pósmodernidade, entre outros. 3 As reflexões feitas nesse texto, tomaram como base o artigo Educação, cidadania e transição democrática , do professor Dermeval Saviani. 15 cidades, e consequentemente faz parte do contexto das relações vivenciadas na sociedade citadina. De acordo com Saviani (1986) cidade, da sua raiz grega pólis, originou o político, o polido, que significa aperfeiçoado, cortês, civil. Contrariamente, a esses atributos dos habitantes das pólis gregas, campo vem da raiz latina rus, de rústico, grosseiro, e do grego agrós, agressivo, áspero. Assim, com o passar dos tempos, ser camponês significava ser rustíco, atrasado, primitivo, grosseiro. Em contrapartida, ser cidadão ficou sendo sinônimo de sujeito participante do desenvolvimento do progresso, da urbanização, do moderno. Esses sentidos etimológicos da palavra cidadão nos levam para a noção de que a vida na cidade exige polidez, e consequentemente o saber sistematizado. É nesse contexto que a educação surge, a partir do século XIX, como instrumento de acesso ao cidadão à vida em sociedade, a partir da cultura letrada. A Educação, dessa forma, auxiliaria o indivíduo a agir segundo convenções previamente acordadas, na constituição dos chamados direitos e deveres do cidadão. Caberia, portanto, a educação, nesse momento, a tarefa de formar o cidadão dentro do princípio de que todos são iguais, e portanto, de terem, indiscriminadamente, acesso ao conhecimento científico. Daí a crença da escola como redentora da humanidade, universal e obrigatória. O chamado senso comum ou conhecimento vulgar foram excluídos dos estabelecimentos escolares. Neste sentido, os conteúdos das disciplinas estudadas, discriminaram o folclore, as crenças, supertições, enfim, os conhecimentos oriundos do campo, da tradição oral. O capitalismo que emergiu com a urbanização exigiu o desenvolvimento da indústria, do comércio. Daí a sociedade moderna ter solicitado da educação a instrumentação da ciência, que se materializou na indústria, e no aperfeiçoamento da mercadoria e do produto. O analfabeto, que até então, convivia bem no campo, não teria lugar na cidade, já que esta possuia regras escritas em textos legais, baseadas no Direito Positivo .4 A 4 O denominado Direito Positivo ulttrapassa o direito natural, dado o seu caráter convencional, formalizado, sistemático. A vida na cidade exige normas em termos escritos. 16 forma de trabalho também deveria sofrer alterações: a agricultura camponesa se modernizaria, através da mecanização da agricultura. 2. A educação como instrumento de cidadania: a educação intelectual x a educação manual. Assim, na primeira metade do século XIX os teóricos do liberalismo incentivaram a criação dos sistemas nacionais de ensino, considerando que a sociedade moderna (e da cidade) necessitava rapidamente da disseminação do saber científico. A ciência desenvolvendo-se através da indústria, traria resultados positivos para o capitalismo. E a indústria, que é a base da existência da cidade, exigia dos trabalhadores o conhecimento sistemático, expressados muito mais pela forma escrita do que oral. Daí a importância da educação, da escola, da formação para a cidadania. Porque ...para ser cidadão, para participar ativamente da vida da cidade, é necessário o ingresso na cultura letrada, sem o que não se chega a ser sujeito de direitos e deveres ( Saviani:1986, p.75). A educação em si, no entanto, não constitui a cidadania. Ela dissemina os instrumentos básicos para o exercício da cidadania. Para que o cidadão possa atuar no sindicato, no partido político, etc. é necessário que ele tenha acesso a formação educacional, ao mundo das letras e domínio do saber sistematizado. Consequentemente, a formação do cidadão passa necessariamente pela educação escolar. Além do próprio burguês, o trabalhador também é um cidadão. Como a democracia só se consolida na medida em que cada um de seus membros esteja capacitado para participar das decisões, o proletariado também reivindicou o acesso ao saber sistematizado. Assim, através dos movimentos dos trabalhadores do século passado, iniciou-se a ligação entre educação e trabalho. No entanto, a educação para todos não apresentou-se igualitária, entre os detentores do capital e os subservientes ao capital. Desde o início, ficou bem clara a distinção do trabalhador manual do trabalhador intelectual. A criação, pela burguesia. da Escola Única e Diferenciada , em detrimento da Escola Unitária pretendida pelos 17 trabalhaores, internamente, acentuou a desigualdade entre os grupos sociais, através dos dons naturais ou aptidões pessoais. O chamado Darwinismo social . Assim, a escola que deveria formar todos os cidadãos nas mesmas condições de atuação da cidadania, interpretava que a sociedade tendo funções diferenciadas, também deveria formar diferentemente. É nesse momento que Saviani introduz o ditado popular: O que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho? (Saviani: 1986, p.78) Em outras palavras, no sentido educativo, o que seria da sociedade, se todos quisessem ser doutores? A sociedade tem necessidade de vocações diferenciadas. As cidades precisam de trabalhadores manuais e intelectuais: de médicos, de lixeiros, de advogados, de pedreiros, etc. Nessa ótica, o papel da educação seria o de identificar as aptidões nos indivíduos e colocá-los no lugar certo. Chamou-se a isso de Orientação profissional. O problema é que nas escolas, ocorreu uma inversão dos conceitos, quando apregoaram que a Orientação Vocacional antecedia a Profissional. Primeiro descobrir-se-ía para que servia o cidadão, através dos testes vocacionais, depois destinar-se-ía uma orientação para a profissão. Na verdade, nenhum aluno seriamente, afirmaria sentir-se auto-realizado desempenhando a profissão de lixeiro, ou de pedreiro. De uma forma geral, o desejo é de ascensão de classe, profissional e financeira. No fundo, o indivíduo aspira ao papel de comando, de poder, de status. De fato, todo indivíduo, indistintamente, gostaria de pertencer à classe dos que mantém as benesses, o conforto, a cultura, o lazer e a diversão. E se, a escola traz para si o papel de poder fornecer os instrumentos para essa ascensão, não o faz igualitariamente. Ao contrário, acirra o antagonismo cultural. A seleção que ocorre na escola, espelha-se na diferenciação social. Alguns terão acesso a uma educação intelectual e outros a manual, a técnica. E essa diferenciação rompe-se na própria estrutura educacional. É o trabalho, ou melhor, o tipo de trabalho a ser exercido que (in) forma, ou molda, o cidadão para a sociedade. Nesse sentido, existe um vínculo entre educação, cidadania e trabalho. No entanto, os grupos que dominavam e dominam, procuraram sempre dissociar o 18 conceito de trabalho e de cidadania e vincular o conceito de trabalho ao de profissionalização. Essa vinculação já esteve presente na Lei 5.692/71, quando esta priorizou a qualificação para o trabalho, em detrimento do preparo para o exercício da cidadania. A educação, nesta lei, segundo Saviani (1989), passou a ser entendida, precipuamente, como um instrumento para o desenvolvimento econômico, para o ajustamento dos indivíduos ao chamado mercado de trabalho, deixando-se em segundo plano, e mesmo na penumbra, a questão da educação como instrumento da cidadania, como um instrumento de participação, de interferência nas decisões políticas, de expressão de pontos de vista sobre o modo de condução da coisa pública. (p.79) Vinte e cinco anos depois, a Lei 9394/96, influenciada pelo neo-liberalismo, aumentou essa dicotomia. Com o ressurgimento de um liberalismo, que deseja mais e mais a ampliação dos mercados de capital, o poder público e estatal perdeu o apoio da sociedade. Diante de seus próprios beneficiados (os alunos), vistos agora como clientes muito mais exigentes, a escola se viu disposta a concorrer com outros instrumentos, para além do domínio do saber, em um mundo carente de oferta de serviços. Se antes, na reformada Lei 5692/71, a preocupação da educação era com a profissionalização e a qualificação para o trabalho, na nova lei 9394/96, o intuito é o de preservar o emprego, já que profissões estão escassas. O desmantelamento de um modelo de produção e de organização de serviços, promovido pelo estado, fez aumentar o temor de um apoio à educação pública. A privatização educacional foi celebrada como uma conquista da nova concepção de cidadania: É agora o cidadão que escolhe onde vai estudar. Entretanto, a escolha não apresenta-se democrática para com o trabalhador. Cada vez mais, ele tem menos espaço para eliminar a Escola Diferenciada. 19 A separação entre os trabalhadores manuais e intelectuais certamente encontrase mais acentuada do que no século passado. 3. O caso do ensino médio: técnico ou propedêutico? O Ensino Médio, por exemplo, na nova lei de educação, divide-se em educação secundária para aqueles que vão cursar o ensino superior, e educação técnica para os que vão profissionalizar-se. Nesse sentido, não foi apenas a nomenclatura a única herança absorvida da Reforma Francisco Campos, de 1932, pela 9394/96. De fato, a nova lei resgatou para o final do milênio, a impossibilidade do trabalhador profissionalizante galgar o ensino superior. Nesse sentido, a nova lei cerceou a liberdade da Escola Única, conquistada na lei 5692/71, que permitia aos estudantes do ensino médio, oriundos tanto das classes trabalhadoras, como das camadas médias e altas, e ingresso no curso superior. O filho do trabalhador, ao optar pelo prosseguimento de seus estudos técnicos, no mesmo caminho dos filhos da classe dominante, que frequentaram o secundário propedêutico, ambos, pelo menos no papel, tinham chances iguais de chegar à universidade. O ensino superior, a partir da Lei 9394/96, fechou as portas para os trabalhadores manuais. O curso superior está sendo frequentado pelos egressos do ensino secundário, isso porque o estado raciocina que os jovens das camadas mais baixas procuravam o ensino superior apenas porque não dispunham de grau de ensino que lhes desse uma formação profissional. Daí a ênfase, atualmente, no ensino médio. Será que o ensino médio que a nova lei preconiza, fornecerá de fato, uma educação que o profissionalize? Isso já não foi tentado com a 5692/71, quando se dizia que ia qualificar para o trabalho e na realidade, pouco preparou? A intenção governamental não estaria fixada na exclusão do ensino superior para os menos favorecidos? Infelizmente, essa questão tem recebido pouca atenção da mídia, e a população brasileira de baixa renda ainda não tem conhecimento dessas novas resoluções, que certamente vão acirrar, mais ainda, o desnível cultural e social do país. Os privilégios se mantêm, mudam-se apenas os nomes. 20 Desta maneira, a formação que a escola tem ministrado mantém a diferenciação entre os cidadãos. Se o seu objetivo inicial era o de instrumentalizar o domínio do saber sistematizado universal, nesse momento a educação sofre com a dicotomia imobilista entre o trabalho manual e o intelectual. De qualquer forma, em qualquer uma das situações, no ensino intelectual ou manual, o processo do conhecimento ficou restrito a produção da ciência, a mercantilização dos produtos mundiais. O que devemos nos questionar é se não estamos restringindo as práticas educativas de formação e profissionalização do educador dominantemente nesta perspectiva. A escola deve formar para além da inserção no mundo do trabalho. Ele não é o único conteúdo a ser contemplado nas escolas. A educação envolve planos do conhecimento bio-psiquico, cultural, éticopolítico, lúdico e estético. Esta concepção de formação humana traz em si consequências concretas, e se constituem em outros desafios para aqueles, que de acordo com Frigotto, tem como tarefa formar e profissionalizar educadores neste fim de século, particularmente, em sociedades fortemente desiguais e subordinadas ao mercado global excludente, como a sociedade brasileira (Frigotto: 1996, p.93). 4.O que ensinar no século XXI? Em 1997, em uma pesquisa da BBC de Londres, revelou-se o fato de que apenas 20% dos empregos desse século serão absorvidos no próximo milênio. Portanto, grande parte da população mundial estará desempregada, excluída socialmente. Contrariamente, os educadores, em seus diferentes níveis de ensino, ainda preconizam aos estudantes em sala de aula, que se os mesmos não estudarem determinados conteúdos, não conseguirão trabalho, no mercado capitalista. Ora, se considerarmos os resultados dessa pesquisa e a própria exclusão que já avassala o final do milênio, nota-se uma contradição nos objetivos da formação que os educadores exprimem e a constatação do afunilamento empregatício. 21 Forrester (1996), em O Horror Econômico reflete sobre o papel da educação, neste final de século: o que ensinar para os filhos do desemprego? Que os conteúdos da escola garantirão uma vaga na indústria ou no comércio? Não seria o momento de nos preocuparmos com outros níveis de formação, para além da apreensão do conhecimento histórico-científico? A música, a arte, a afetividade, as atividades físicas, ou alternativas não mereceriam a atenção dos educadores? Em legislações educacionais anteriores, era o estado brasileiro, o responsável pela educação. Na escola neoliberal, são os pais os chamados a decidir sobre tais questões. Estamos diante de uma cidadania privada (Johanek, apud Sacristan, 1996), que funciona como árbitro do destino social das instituições educacionais. O neoliberalismo desse final de milênio desabrigou o público, e deixou a deriva o cidadão. Há uma neo-cidadania, que prega uma identidade fundamentada na qualidade e eficiência do mercado. O cidadão para além de deveres e direitos deve ser competitivo. E a escola, fornecerá a instrumentação para o exercício da competição do mercado profissionalizante??! A escola está sendo vista por muitos educadores, como um fast food . 5. A McDonaldização do ensino. A Mcdonaldização do ensino , de acordo com Gentili (1996), constitui uma metáfora apropriada para caracterizar as formas dominantes de reestruturação educacional propostas pelas administrações neoliberais. Na educação neoliberal as instituições escolares devem funcionar como empresas produtoras de serviços educacionais. Isto é, o que unifica os McDonalds e a utopia dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria oferecida deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas e rigorosas normas de controle da eficiência e da produtividade. O aluno, assim como o sanduíche americano, devem estar de acordo com a fórmula, Qualidade, serviço, limpeza e preço . 22 O McDonalds tem conseguido, graças a sua universalização, enorme capacidade de sucesso. Seu criador, Ray Kroc, afirmou que se lhe tivessem dado um tijolo cada vez que ele repetiu essas palavras, sem falsa modéstia, ele teria podido construir uma ponte sobre o Oceano Atlântico. A escola, pelo contrário, no que se refere a suas funções educacionais, não tem sido tão bem sucedida, se avaliada pela ótica empresarial, defendida pelos neoliberais. Para eles, a escola tem que se configurar como mercado educacional, e, portanto, definir estratégias competitivas, para competir, conquistando nichos que respondam pelas demandas de consumo por educação. Indaga Gentili que o leitor intrigado com estas afirmativas, perguntaria qual a razão que explica que o mercado educacional deva ser necessariamente competitivo? Para ele, os neoliberais responderiam de forma simples: assim como as pessoas precisam comer hambúrgueres porque o trabalho (e, claro, a mídia) o exige, também precisam educar-se porque o conhecimento se transformou na chave do acesso à nova Sociedade do Saber. (Gentili: 1996, 31) A escola neoliberal tem por função básica, a transmissão de certas competências e habilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente, num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito e excludente. A educação escolar transformou-se em garantia das funções de classificação e hierarquização dos postulantes aos futuros empregos ou aos empregos do futuro. Daí ela transformar-se numa instância de seleção meritocrática, avaliando, fornecendo certificados e diplomas. Nisso reside a função social da escola. A pedagogia Fast Food possui sistema de treinamento rápido, com grande poder disciplinador e altamente centralizados em seu planejamento e aplicação. A Hamburguer University de McDonalds em Chicago e sua competidora, a Harvard dos preparadores de batatas fritas, a Burger King University, na perspectiva dos homens de negócio, constituem invejáveis modelos de instituições educacionais do novo tipo. 23 (Gentili: 1996,34). Para os neoliberais, formar um professor não costuma ser considerado mais tarefa mais complexa de que a treinar um preparador de hambúrgueres. Essa parece estar sendo a linha de formação que tem se instalado na escola nessa última década, e infelizmente poucos debates sobre a questão tem ocorrido nos meios acadêmicos. Porque o silêncio sobre a formação que vem se instaurando e o ressurgimento do papel da educação e a cidadania? Considerações finais Esse artigo teve como objetivo trazer à tona reflexões sobre a noção de cidadania e de como a escola, assim como a sociedade, modificam seus conceitos, em função das mudanças sociais, econômicas e políticas. Essas transformações acompanham o enfoque político, e a filosofia que subjaz a sociedade dominante. Se já houve um tempo em que a função clássica da educação era servir de instrumento para o exercício pleno da cidadania, hoje ela parece estar vinculada aos interesses do grande capital. O cidadão é visto como um ser competitivo, dentro de um mercado econômico avassalador, que exclui a maioria dos cidadãos, em favor de poucos. É preciso rever essas posições. E o espaço para essas discussões deve iniciar-se dentro da própria escola, da própria formação do educador do terceiro milênio. Bibliografia: Casali, Alípio...et al. Empregabilidade e educação: novos caminhos da aprendizagem.São Paulo: EDUC, 1997.. Desaulniers, Julieta. Memória social e cidadania. In: Cadernos Cedes. Campinas, Educação & Sociedade, ano XVIII, no. 59, agosto 97. Forrester, Viviane. O Horror Economico. São Paulo: Edunesp, 1996. Frigotto, Gaudêncio. A formação e profissionalização do educador: novos desafios. In: Gentili, Pablo & Silva, T.T. Escola S/A: quem ganha e quem perde no mercado do neoliberalismo.Brasília: CNTE, 1996. 24 Gallo, Sílvio, (Coord.) Ética e cidadania: caminhos da filosofia. Campinas-SP: Papirus, 1997. Gentili, Pablo & Silva, T.T. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: Escola S/A: quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1996. Lamounier, Bolívar, Weffort, Francisco e Benevides, Maria Victoria. (org.) Direito, cidadania e participação. São Paulo: T.A Queiroz, 1981. Ribeiro, Arilda Ines Miranda. Mulheres e Cidadania: conquistas de cada dia. In: Perez, Zizi Trevisan.(Org.) Questões de Cidadania. São Paulo:Clíper, 1998. Sacrístan, J.Gimeno. Educação pública: um modelo ameaçado. In: Gentili, P.& Silva, T.T. Escola S/A Brasília:CNTE, 1996. Saviani, Dermeval. Educação, cidadania e transição democrática. In: Covre, Maria de Lourdes. (Org.) A Cidadania que não temos. São Paulo: Brasiliense, 1986. Sodré, Nelson WernecK. A farsa do neoliberalismo. Rio de Janeiro, Graphia, 1996. Zainko, Maria Amelia Sabbag. (org) Cidades educadoras.Curitiba: Ed.UFPR, 1997. 3º. Texto) Sobre o quadro histórico da Feminização do Magistério ou Ausência dele no Brasil-Colônia. Ribeiro, Arilda Inês Miranda. Publicado no Livro 500 anos de Educação no Brasil. LOPES, C. e outros. Belo Horizonte:Autêntica, 2002. Lançado na Universidade de Coimbra, Portugal em novembro de 2002 e no site do www.histedbr.unicamp.br (com as fotografias incluídas) A EDUCAÇÃO DAS MULHERES NA COLONIA. ARILDA INES MIRANDA RIBEIRO UNESP/Presidente Prudente/SP 25 Este texto é parte de uma dissertação de mestrado no Brasil (Unicamp) e de pesquisas realizados posteriormente em um pós-doutoramento em Portugal (Universidade de Lisboa) nos anos de 1987 e 1996, respectivamente. 5 O trabalho em questão pretende possibilitar maior visibilidade à educação feminina no período colonial brasileiro, reconstituindo suas práticas, normas, proibições e transgressões, através da literatura (brasileira e portuguesa) dos registros dos viajantes, dos documentos localizados nos arquivos pesquisados, (Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo do Estado de São Paulo, entre outros) dos dados da biografia de algumas mulheres e dos poucos artigos/livros encontrados sobre o tema. Ainda hoje, às portas do século XXI, são raros os trabalhos dos estudiosos sobre a educação feminina colonial brasileira. Durante trezentos e vinte e dois anos (de 1500 a 1822), período em que o Brasil foi Colônia de Portugal, a educação feminina ficou, geralmente, restrito à procriação e ao cuidado com o marido e os filhos. Tanto as mulheres brancas, ricas ou empobrecidas, como as negras escravas e as indígenas não tinham acesso à arte de ler e escrever. A instrução era reservada aos filhos dos indígenas e dos colonos. Esses últimos cuidavam do negócio do pai, seguiam para a universidade de Coimbra ou tornavam-se padres jesuítas. Por que as mulheres não estudavam?! Essa questão nos remete à tradição Ibérica, transposta de Portugal para a Colônia brasileira: As influências da cultura dos árabes nesse país, durante quase oitocentos anos, consideravam a mulher um ser inferior. O sexo feminino fazia parte do Imbecilitus Sexus, ou Sexo Imbecil. Uma categoria ao qual pertenciam mulheres, crianças e doentes mentais. Era muito comum o versinho declamado nas casas de Portugal e do Brasil que dizia: "mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada." 6 Os poetas daquele período tinham na literatura um veículo transmissor repressivo à instrução feminina, na medida em que concretizavam e encarnavam as idéias da supremacia masculina. Gonçalo Trancoso, poeta português muito lido pelos 5 O resultado desses estudos foram publicados no meu livro A Educação da Mulher no Brasil-Colônia São Paulo:Arte & Ciência, 1997 e na minha tese de Livre-Docência, ainda em andamento, sobre A Educação feminina no século XVIII em Portugal, durante a reforma Pombalina..(1750-1777) 6 Luís Edmundo foi escritor e jornalista brasileiro, de 1880 a 1961. Escreveu vários livros sobre a cultura e os costumes dos brasileiros. O texto citado encontra-se em: A Corte do Rio de Janeiro, p.299 citado por DIAS, M.Odila. Quotidiano e poder em São Paulo no Séc.XIX, 1984, p.26 26 homens lusos, entre 1560 e 1600, afirmava que a mulher não tinha necessidade de ler e escrever e, se possível, não deveria falar: "Afirmo que é bom aquele rifrão que diz: a mulher honrada deve ser sempre calada". 7 O poeta aconselhava também que, quando elas andassem nas ruas não chamassem atenção sobre si: as moças não falem, nem alcem os olhos do chão quando forem pela rua e se ensinem a não tomar brio de verem e serem vista, que a mim me parece muito bem. 8 Sendo também um alfabetizador, Trancoso foi procurado certa vez por uma dama da sociedade portuguesa da época, que pedia-lhe que a ensinasse a ler, já que suas vizinhas liam os livros de rezas na missa e ela não. Respondeu-lhe o poeta, que como ela não tinha aprendido a ler na casa dos pais, durante a infância, e agora já passava dos vinte anos de idade, deveria contentar-se com as contas do rosário de orações. No entanto, ele enviava-lhe um abecedário moral, onde cada letra do alfabeto continha implícito o padrão de comportamento desejado na sociedade seiscentista. Por exemplo, a letra A-a significava que a mulher deveria ser amiga de sua casa, H-humilde a seu marido, M-mansa, Q-quieta, R- regrada, S-de sizuda, entre outros. Encerrava dizendo que se ela cumprisse esse abecedário, saberia mais do que aquelas senhoras que liam livros religiosos. Era essa, portanto, a mentalidade da época sobre a instrução feminina em Portugal, e que foi amplamente difundido no Brasil.9 ALFABETIZAÇÃO DA INDÍGENA POR QUE NÃO? Entretanto, quase que por ironia, a primeira reivindicação pela instrução feminina no Brasil, partiu dos indígenas brasileiros. Foram ao Padre Manoel de Nóbrega pedir que ensinassem suas mulheres a ler e escrever. 7 10 O Padre, sensibilizado, mandou Gonçalo Trancoso é considerado o primeiro contista português. Viveu no séc.XVI. Escreveu Contos e histórias de proveito e exemplo em 1569 e publicado pela primeira vez em 1575. Seu trabalho foi uma das obras mais lidas no período. Era versado na lição da história profana e nas ciências da astronomia. Foi preceptor e caligrafista de meninos. A vida literária deste homem inicia-se sobre as ruínas da grande epidemia que em 1569 começou a grassar Lisboa. Perdeu na Peste Grande, a filha e o filho, um neto e a esposa. Ver: Trancoso, Gonçalo Fernandes. Contos e histórias de proveito e exemplo. Prefácio por João Palma Ferreira. Lisboa, Imprensa Nacional, 1974.(conforme edição de 1624) 8 idem, p.82 9 É preciso esclarecer ao leitor de que a opção deste estudo centra-se na educação da mulher branca das camadas abastadas, porque as informações referentes às mulheres negras e indígenas são raríssimos no período colonial brasileiro. Infelizmente pouco pude levantar sobre suas atividades, até o momento presente. 10 Nóbrega era o chefe designado da primeira missão jesuítica enviada ao Brasil, em 1549. Procurou adaptar-se e a catequese aos costumes nativos, respeitando os valores do povo colonizado. É, junto com Anchieta, um dos fundadores da cidade de São Paulo, com a criação da Aldeia de Piratininga, em 1553. Deixou os textos Informações das Terras do Brasil (1549) e Diálogo sobre a conversão do Gentio (1556-7). 27 uma carta à Rainha de Portugal, Dona Catarina, ainda no início da colonização, solicitando educação para as indígenas. Alegavam que, se a presença e assiduidade feminina era maior nos cursos de catecismo, porque também elas não podiam aprender a ler e escrever? O próprio Padre José de Anchieta escrevia nas cartas de Piratininga que nos encontros de conversão da catequese o concurso e freqüência das mulheres é maior... 11 (SUGESTÃO DE ILUSTRAÇÃO: NO LIVRO APARECE A IMAGEM DE DONA CATARINA, RAINHA DE PORTUGAL) Na simplicidade natural de sua cultura primitiva, o indígena considerava a mulher uma companheira, não encontrando razão para as diferenças de oportunidades educacionais. Não viam, como os brancos os preveniam, o perigo que pudesse representar o fato de suas mulheres serem alfabetizadas. Condenar ao analfabetismo e à ignorância feminina lhes parecia uma idéia absurda. Isso porque o trabalho e o prazer do homem, como da mulher indígena eram considerados eqüitativos e socialmente úteis. Os cronistas do Brasil quinhentista se admiravam da harmonia conjugal existente entre os indígenas brasileiros. O mesmo padre Anchieta escreveria em seus relatos: "Sempre andam juntos" 12 (SUGESTÃO: COLOCAR A IMAGEM DOS INDIGENAS DE RIO BRANCO) Nóbrega achou a idéia muito boa. Isso poderia desencadear um processo de respeito pelas mulheres que viviam na Colônia, já que a miscegenação imposta pelo branco grassava em quase todas as aldeias, ocasionando nascimentos desvinculados de amor e respeito. João Ramalho, por exemplo, teve mais de trinta mulheres indígenas e mais de oitenta filhos. 13 É preciso não esquecer que nessa época o colono imigrava só para o Brasil, deixando a mulher e os filhos em Portugal. Ele vinha em busca do lucro fácil. A ausência da família cedia lugar à dominação sexual masculina na Colônia. Para que os 11 Poeta, gramático e catequista, chegou ao Brasil em 1553. Deixou vasta obra, inclusive autos teatrais (Auto da Festa de São Lourenço) representados pelos índios e escritos numa mistura de espanhol, tupi-guarani e português, que marcam o início do teatro no Brasil. 12 Hoornaert, Eduardo et alii. História da Igreja no Brasil. Trad.Bertholdo Klinger. Rio de Janeiro:Vozes, 1979. 13 Darcy Ribeiro cita João Ramalho como um dos primeiros moradores do Brasil Tinha muitas mulheres, flhos e netos descendentes das indígenas brasileiras. Ribeiro, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p.84 28 abusos atenuassem, Nóbrega achava que o acesso à instrução pelas indígenas poderia colaborar de forma positiva. Os padres jesuítas tinham o desejo de fundar recolhimentos para as mulheres no Brasil. Para eles, a educação feminina na Colônia não era apenas um requinte de erudição humanísta. Era uma questão mais grave: tratava-se de lançar a base para a obra de moralização. E também de forma eficiente na formação de famílias "brasileiras". Infelizmente a Rainha de Portugal, Dona Catarina, negou a iniciativa, qualificando de "ousado" tal projeto, devido as "conseqüências nefastas" que pudesse representar o acesso das mulheres indígenas à cultura dos livros da época. No século dezesseis, na própria metrópole não havia escolas para meninas. Educava-se em casa. As portuguesas eram, na sua maioria, analfabetas. Mesmo as mulheres que viviam na Corte, possuíam pouca leitura, destinada apenas aos livros de rezas. Por que então oferecer educação para mulheres selvagens , em uma colônia tão distante, que só existia para o lucro português? Apesar da negação da metrópole, algumas indígenas conseguiram "burlar" as regras. Catarina Paraguassú ou Madalena Caramurú parece ter sido a primeira mulher brasileira, que sabia ler e escrever. Os registros que encontrei, até o momento, são controvertidos e merecem um estudo cuidadoso por parte dos pesquisadores da área da História da Educação Brasileira. Alguns autores afirmam que essa brasileira era filha de Diogo Alvares Correia, o Caramurú, com a índia Moema ou Paraguassú. Outros afirmam que seria a própria esposa, também chamada de Catarina Paraguassú. 14 No dia 26 de março de 1561 ela escreveu uma carta de próprio cunho ao Padre Manoel de Nóbrega. Infelizmente não localizei o documento e o teor de seu conteúdo. Seria interessante que futuros pesquisadores resgatassem essa informação, como o primeiro registro feito por uma mulher brasileira. 15 A educação "letrada", no entanto, estaria reservada ao sexo masculino, e a incumbência de tal fato foi de responsabilidade exclusiva dos padres da Companhia de 14 Diogo Alvares Correia, denominado o Caramurú, já se encontrava na Bahia antes da chegada do governador-geral Tomé de Sousa. Foi incumbido pelo rei de auxiliá-lo na colonização. 15 A história ainda não contou sobre quem seria de fato a mulher que alfabetizou-se nos primórdios do BrasilColônia. Chamada de Catarina Paraguassú, também é reconhecida como Madalena Caramurú ou Paraguassú. Otto Scheneider, em Curiosidades Brasileiras, 1954, p.20 refere-se a Madalena Paraguaçu, como a primeira mulher alfabetizada, mencionando a carta como prova. Adalzira Bittencourt, em A mulher paulista na história, p.51 relata a bahiana Madalena Caramurú, como a filha de Caramuru como a primeira mulher a ler e escrever no Brasil. No livro de Ignez Sabino, Mulheres Illustres do Brazil refere-se à Catarina Paraguassú. Nesse contexto, surgem também dois possíveis autores da mesma aquarela, J.Simmonds, como o Sonho de Catarina Paraguassú e Edgard de Cerqueira Falcão, denominando apenas Paraguaçu. 29 Jesus. Até 1627, somente duas mulheres de São Paulo sabiam assinar o nome. Eram Leonor de Siqueira, viúva de Luiz Pedroso e sogra do Capitão-Mor Pedro Taques de Almeida e Madalena Holsquor, viúva de Manuel Vandala, de origem flamenga. 16 A CUSTÓDIA DAS PREDESTINADAS A Colônia brasileira do século XVI tinha poucas mulheres portuguesas. Em função disso, foi criado, no período, o mito da Mulher Branca. Sua representação social aumentou o preconceito com relação às mulheres de outras etnias - negras e indígenas - de condições submissas ao português. Com o aumento da população de mestiços (os mamelucos e os mulatos, que viriam a ser os brasileiros), os jesuítas e a metrópole preocuparam-se em importar para o Brasil levas de mulheres brancas com o intuito da reprodução e fixação do padrão étnico europeu/branco. Não tinha importância se na Metrópole fossem órfãs, ladras, prostitutas, alcóolatras, mentalmente incapacitadas, etc. Na Colônia Brasileira elas seriam as responsáveis pela perpetuação do domínio europeu, através da procriação dos portugueses. Em 1552, Nóbrega, escrevia ao Rei, dizendo que os homens viviam em pecado e insistentemente pedia que "Vossa Alteza mande muitas orphans e si não houver muitas, venham mistura dellas e quaesquer.." 17 Fica claro, pelas palavras de Nóbrega, que as mulheres brancas seriam meras reprodutoras dos varões portugueses na Colônia, e que a sua educação existia com esse objetivo. Nos casamentos, não haveria laços afetivos, e sim contratos econômicos acertados pelos pais e na falta desse, pelo irmão mais velho. No Brasil Colônia, o homem decidia as ações. Era ele quem dominava, através da família patriarcal. Aliás, a palavra família vem de famulus. Uma expressão latina que quer dizer: escravos domésticos de um mesmo senhor. Ou seja: todos deviam obediência ao senhor patriarcal. Sua esposa e filhas também. Elas o chamavam de senhor meu marido, senhor meu pai . A mulher branca colonial, de camadas abastadas, casava-se muito cedo. Quando ocorria a primeira menstruação, com onze ou doze anos, as meninas estavam prontas para o casamento com homens de quarenta ou cinqüenta anos. Isso porque 16 Alcantara Machado escreveu sobre a vida privada do bandeirante, familiar, religiosa, econômica e social. Deixando de lado a epopéia dos desbravadores, foi em busca dos fatos. Não nos gestos heróicos que passaram à história, mas nos atos cotidianos que alicerçam e explicam os outros. Ver Machado, Alcantara. Vida e Morte do Bandeirante. São Paulo: Martins, 1965. P.101 17 Foi durante a gestão da Rainha Catarina que foram enviadas as orfãs para a povoação da Colônia Brasileira. Ver Rodrigues, Leda M.P. A instrução feminina em São Paulo, São Paulo: Sedes Sapientae, 1962, p.30 30 demorava muito tempo para os portugueses conseguirem acumular fortunas ou as heranças paternas. Essas mulheres viviam geralmente escondidas nas "casas-grandes", e a virgindade era vigiada pelo pai e pelos irmãos. O homem tinha que ter certeza de que os filhos gerados eram dele, para herdarem os seus bens. Luccock, viajante do século XIX, observou que a reclusão feminina ainda predominava nessa época, afirmando que as mulheres portuguesas raramente saíam de casa. "O pouco contato que os costumes com elas permitem, dentro em breve, põem a nú a sua falta de educação" 18 A PEDAGOGIA SEXUAL DA COLÔNIA As mulheres brancas, na sua maioria, também eram sexualmente ignorantes. Quando casavam-se, seguiam para a lua de mel despossuídas de informações sobre o sexo. Muitas vezes conheciam o noivo dias antes do casamento, acertado entre os homens. Na hora da relação entre os sexos, fechavam as janelas do quarto, deixando-o escuro. A claridade não combinava com a fecundação. As noivas cobriam-se com um lençol que possuía um círculo aberto em cima dos órgãos sexuais. Feito isso, o noivo adentrava ao recinto, e sobreposto à sua esposa, copulava. Aliás a Igreja Católica não lhes permitia o prazer sexual. O orgasmo era entendido como coisa do demônio. O corpo feminino era um templo de purificação, não devia ser visto pelo marido. Servia apenas para reprodução dos filhos de Deus. Nesse sentido, as relações sexuais entre os portugueses, muitas vezes, eram verdadeiros estupros. A pedagogia do prazer sexual para o senhor patriarcal ficava à cargo das negras escravas, que além de servilos nas tarefas da casa, deveriam satisfazê-los na cama. Mesmo que exploradas no seu trabalho produtivo e no seu próprio corpo, contraditoriamente, com o tempo, elas dominaram o senhor tornando-o escravo do prazer sexual. Raul Dunlop conta o caso de um homem que para excitar-se diante da noiva branca, precisou, nas primeiras noites de casado, de levar para a alcova a camisa úmida de suor, do cheiro de sexo da sua escrava amante." 19 18 John Luccock residiu no Brasil no início do século XIX (1808-1818). Escreveu Notas sobre o Rio de Janeiro e as partes meridionais do Brasil, tomadas durante uma permanência de dez anos nesse país. In: Hahner, J. A mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização,1978. p.32 19 Gilberto Freire, sociólogo, defendeu em 1922, na Universidade de Columbia a tese Vida Social no Brasil na Metade do Século XIX tema que originou o livro Casa Grande e Senzala. Foi várias vezes premiado como obra básica sobre relações inter-raciais. De acordo com Ronaldo Vainfas, dentre os vários autores que falaram das mulheres brasileiras, talvez o melhor tenha sido ele, mesmo com a arte incomparável das generalizações nem sempre exatas. Faça-se, no entanto, alguma justiça a Gilberto Freire: ele viu como ninguém diferenças entre as 31 A dependência sexual do homem branco à sua escrava o levava a vender, muitas vezes, escravos vigorosos e rentáveis para o seu engenho, por causa do ciúmes. Preferia ter prejuízos econômicos do que disputar a atenção da negra com o rival. Essa situação era possível porque a negra possuía a pedagogia da sexualidade que representava uma dependência do senhor à escrava, que desempenhava a didática do sexo. TRANSGREDINDO A ESFERA DOMÉSTICA Como já evidenciado em páginas anteriores, a mulher branca da época colonial deveria ser passiva, calada, regrada, submissa. Mas estes atributos destinados ao sexo feminino aconteciam apenas em tempos de calmaria. Quando o domínio dos portugueses era ameaçado, elas assumiam cargos tidos como masculinos, ocupando outros espaços. Nesses períodos, aprendiam rapidamente como administrar uma propriedade ou mesmo um território político. Do cuidado do lar, muitas tiveram que ultrapassar a esfera doméstica para a esfera pública. Poucas brasileiras sabem que das capitanias doadas no século XVI, as únicas que deram certo, de São Vicente e de Pernambuco, foram governadas por mulheres. A capitania de São Vicente foi administrada por Dona Ana Pimentel, esposa de Martin Afonso de Souza, que ao concluir sua instalação na Vila de São Vicente, em 1533, retornou à Portugal:"... transmitindo os poderes de que se achava investido à sua mulher, D.Ana Pimentel, dama das mais altas qualidades e do mais subido valor... 20 Sem a presença do marido, D.Ana durante a sua gestão, mandou trazer ao Brasil as primeiras mudas de laranja, de arroz e do Gado Vacum , responsáveis hoje por grande parcela da economia do Brasil. Durante o seu governo, os índios gáuchos, oriundos no Rio Grande do Sul, visitaram a governadora e um deles apaixonou-se por uma de suas damas de companhia. Casando-os, Ana Pimentel deu-lhes um lote de gado vacum, que mulheres, atento às diversidades de culturas ou, como querem alguns, de cor e de raça. Ver: Vainfas, Ronaldo. Homoerotismo feminino e o Santo Ofício. In: Priore, Mary Del, História das Mulheres no Brasil, São Paulo:Contexto, 1997. p.115. 20 José Torres de Oliveira escreveu um artigo sobre a fundação da Capitania de São Vicente, atribuíndo apenas à Martin Afonso de Souza as iniciativas realizadas durante o seu governo. Em 1530, Martin Afonso vistoriava o litoral brasileiro para implantação do núcleo ocupacional.Em 1534 o Rei lhe concedia a Capitania. Nessa fase, o oriente , com suas especiarias, convidava muito mais que o Brasil. terminada a tarefa de colonização, Martin Afonso seguiu para a Europa, deixando sua mulher no seu lugar. Ver: Oliveira, José Torres de. Martin Afonso de Souza e a fundação de São Vicente. In: Revista Instituto Histórico e Geográfico da Bahia. 44:123-138, 1918. 32 levaram ao sul do país, reproduzindo-os em grande escala. 21 Também foi no seu governo que Brás Cubas recebeu de suas mãos um extensão de terras (Cesmaria) entre a Serra de Cubatão e o mar, hoje denominada cidade de Santos. Infelizmente, os livros didáticos brasileiros não incluem até o momento, atuações sociais e políticas femininas, como a relatada acima. Dona Beatriz ou Brites de Albuquerque, esposa de Duarte Coelho governou Pernambuco quando Duarte Coelho foi para Portugal com os seus filhos: " Ficava em seu lugar sua molher Donna Beatriz de Albuquerque que a todos tratava como filhos." 22 Durante a sua administração ajudou a apaziguar o conflito entre os portugueses colonizadores e os temíveis índio botocudos, que tinham o hábito da antropofagia. Essas mulheres cultivavam o ócio apenas quando era possível. No momento em que as circunstâncias exigiam uma presença decisiva na esfera de atuação administrativa, os atributos de passividade caíam por terra.23 A AUSÊNCIA DA EDUCAÇÃO DO CORPO Quanto a educação do corpo, as atividades físicas para as mulheres das camadas favorecidas, eram desestimuladas. Além do preconceito pelo trabalho manual que implicava em imobilidade, as portuguesas assimilaram da tradição moura o costume de não praticarem o hábito de caminhar ou cavalgar. Andavam sempre em cadeirinhas (ou liteiras). Em casa viviam, quase sempre deitadas ou sentadas. Quando queriam um copo de água, esse era trazido por uma escrava. Engravidavam continuamente, o que deformava o corpo rapidamente. Também adquiriram o hábito de comerem muitos doces açucarados, o que lhes tornavam obesas. No discurso de posse do Governador Maurício de Nassau, é possível encontrar uma descrição sobre a indisposição física das portuguesas: "De ordinário as mulheres, ainda moças, perdem os dentes, e pelo costume de estarem contínuo sempre sentadas, não são tão ágeis...24 21 É preciso cuidado com as obras ufanistas dos feitos femininos. Mas não podemos deixar de considerar suas informações e tentar cruzá-las com outras fontes. O livro de Adalzira Bittencout, A mulher paulista na história ilustra com detalhes esses fatos. Rio de Janeiro:Livros de Portugal, 1954. 22 Dona Beatriz foi governadora de Pernambuco duas vezes. Seu irmão Jeronimo de Albuquerque ajudou-lhe a dividir os problemas que enfrentava na Capitania. Raras são as informações sobre a sua pessoa. Ver: SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil (Duarte Coelho). Annaes da Biblioteca Nacional, XIII: 44-63, 1888. 23 O papel pioneiro de algumas mulheres no Brasil Colonial, que romperam com as determinações socialmente contituídas frente a educação feminina preponderantemente restrita aos misteres domésticos ainda está por ser escrita. Principalmente com relação às mulheres de condições economicamente baixas. 24 Diferentemente das européias do período Renascentista, que tinham o hábito de cavalgar ou caminharem pelos campos, as mulheres brasileiras mantiveram o costume de não exercitarem-se. As negras, contudo, mantinham-se ágeis e com o corpo bem delineados, em função das tarefas diárias que eram obrigadas a exercer, enquanto escravas 33 Outro costume assimilado dos mouros foi a utilização das baetas, uma manta negra para cobrir a cabeça. Esse se apresentava também como um recurso para burlar a vigilância que a sociedade impunha. Nos bailes, os pouco que haviam, e nas festas religiosas, quando era possível, dançavam-se figurativamente, e os pares apenas trocavam uma ou outra palavra rápida. Nos jantares de família, as mulheres ficavam à mesa em frente aos homens, quietas, ouvindo a conversa constrangida dos mesmos, que esperavam as suas retiradas, para falarem à vontade. 25 A LINGUAGEM DAS FLORES O flerte entre os sexos ocorria freqüentemente dentro das igrejas, no horário da missa. O padre rezava em latim, de costas para os devotos. As mulheres ficavam sentadas, à mourística, no grande salão, e os homens da sociedade colonial sentavamse nas laterais. Nessa posição, muitas moças flertavam com o sexo masculino e entabulavam ligações afetivas proibitivas. Como elas eram na sua maioria, analfabetas, não podiam mandar bilhetes secretos aos seus amores. Criaram, então, outras formas de comunicação. Utilizavam-se, por exemplo, da correspondência amorosa das flores, ou Linguagem das Flores, que era uma espécie de código, resultante da combinação engenhosa de interpretação simbólica das diferentes flores, construindo uma expressão codificada. Por exemplo, quando uma moça se apaixonava por um rapaz indesejado pela família, ela enviava através de sua mucama, uma combinação da rosa vermelha com um ramo de trigo, que significava que ela o amava muito. Ou quando o ser amado a traía, a moça enviava uma Camélia com um ramo de alecrim, que poderia significar seu arrependimento e ódio pela traição. Essa linguagem manteve-se como substituto das letras durante décadas. Com o tempo, os namorados tornaram-se pais e a linguagem teve o seu código comprometido."Essa ciência, transmitida assim de geração a geração, tornou-se objeto de mofa quando os progressos da educação feminina a substituíram pela escrita" 26 ou negras de ganho. Ver:Pinho, José Vanderley Araújo. Revista do Arquivo Geográfico de Pernambuco, Tomo 34:1887, p.174. 25 Mantinha-se a mesma atitude do Brasil seiscentista. As mulheres deveriam ouvir caladas, com os olhos baixos, mantendo certa distância do sexo masculino. Ver: TAUNAY, Affonso D E. O enclaustramento das mulheres . Capítulo IV. Annaes do Museu Paulista, 1: 320-329, 1922. 26 Jean Baptiste Debret (1768-1848) pintor e desenhista francês,veio para o Brasil em 1816 com a Missão Artística Francesa e aqui introduziu o neoclassicismo nas artes plásticas. Lecionou na Academia de Belas-Artes do Rio de Janeiro e escreveu Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, onde incluiu várias pinturas sobre o cotidiano dos brasileiros. São Paulo:INL, 1975, p.11 34 MULHERES DESPROTEGIDAS Por não saberem ler e escrever, mulheres aforunadas ficaram expostas a enganos de elementos masculinos, que muitas vezes resultavam em espoliações e roubos de propriedades, através de falsificações testamentais ou escrituras. Analfabetas, eram representadas por homens que as vezes, as enganavam. 27 De 1578 a 1700, quatrocentos e cinquenta inventários foram levantados e neles apenas duas mulheres sabiam ler e escrever. 28 Mas o abuso não era apenas financeiro, a questão moral, aspecto importante nesse período, foi por vezes motivo de desgraça de muitas senhoras da sociedade colonial. Em um período em que ao homem pertencia o poder absoluto, a instrução não ajudava o sexo feminino a reagir, a resistir a tais abusos. Exemplo disso é o caso do estupro citado por C.R.Boxer, ocorrido em 1611, com uma dama brasileira de nome Margarida de Mendonça. Como sabia ler e escrever, enviou uma petição, de próprio punho à Coroa, pedindo que o Rei obrigasse o suposto marido a casar-se legalmente com ela, caso contrário ela tornaria-se uma mulher desonrada. Na carta ao monarca, conta detalhadamente que Nuno da Cunha disse que queria casar-se com ela, mas que deveria ser em segredo. Jurando numa Ermida, na frente da imagem de Cristo, dizendo-se cristão, fez os votos do casamento. E na mesma hora, não querendo esperar, se entregou de mi e me forçou: gritando eu, me deu e me rompeu o fato, dizendo era eu sua mulher, e se gritasse, me mataria às punhaladas... 29 Depois disso, pegou coisas de sua casa, forçou-a a assinar um papel e fugiu. Nessa petição enviada ao Rei, a justiça que D.Margarida pedia não referia-se ao abuso nem ao logro, mas a volta do homem que a deflorou, porque naquele período uma mulher desvirginada tinha um caminho a seguir: a prostituição. O Rei, ao que tudo indica não atendeu a reivindicação de uma mulher letrada. Nos relatos de Boxer, parece que Nuno da Cunha morreu solteiro em Sena, como 27 Paes Leme conta o caso de D.Isabel Pires Monteiro, que do primeiro casamento tivera uma filha e herdara uma fortuna. Casada novamente com João Fernandes de Oliveira, que também tinha um filho, se viu lesada pelo próprio marido. Ver: Leda Maria Rodrigues, História da Educação Feminina em S.Paulo. São Paulo:Sedes Sapientae, 1962, .38 28 Eesses documentos vinham acompanhados de uma frase que revelava o analfabetismo e consequentemente a dependência feminina: se declarava o motivo de ser o ato assinado por outrem a pedimento da ourtorgante: por ser mulher e não saber ler. Ver: Machado, Alcantara Vida e Morte do Bandeirante, 1965. P.101 29 Romper o fato na expressão da época significava desvirginar, romper o hímem da mulher. Boxer, C.R. Women in Iberian expasion overseas (1415-1815) Some facts, fancies and personalities. New York:Oxford University Press, 1975, p.113 35 governador de Moçambique, em 1623. Num contexto social onde os interesses econômicos eram muito mais importantes do que a dignidade de uma dama da sociedade colonial, a instrução revelada na carta de D. Margarida foi de pouca valia. Contudo, desde que tivessem dotes, era possível às mulheres da época colonial escolher uma outra alternativa para se esquivar dos pais e dos maridos indesejáveis: o ingresso nos conventos. Também era essa a única alternativa para as que quisessem estudar. Se optassem pelo celibatarismo, seriam estigmatizadas pela sociedade colonial como "solteironas" por causa da necessidade da reprodução dos varões. Uma mulher que não se casasse ou não fosse para um convento era considerada "encalhada". Criava-se, desta forma, o estímulo ao casamento: com os homens de Cristo ou com o próprio Cristo, no caso das freiras. EDUCANDO NOS CONVENTOS:RECLUSÃO E NOVAS APRENDIZAGENS Não existindo um sistema formal de educação feminina na colônia, esta acontecia nos conventos. Eles surgiram no Brasil apenas na segunda metade do século XVII. Normalmente, o ensino de leitura e a escrita era ministrado ao lado da música, do canto chão, do órgão e dos trabalhos domésticos, principalmente a feitura de doces e de flores artificiais. Até esse período, as mulheres mais abastadas seguiam para Portugal para estudar. Casos raros como o de D.Tereza Margarida da Silva e Orta, a primeira romancista brasileira. Irmã de Matias Aires, ela escreveu em 1752, o livro "Aventuras de Diófanes", atribuído erroneamente durante muitos anos a Alexandre de Gusmão. 30 No Convento de Trinas, em Portugal, instruiu-se em música, artes, poesias e algumas partes de Astronomia. Dorothea era o anagrama utilizado por Tereza e seu livro obteve quatro edições, todas raríssimas, tanto em Portugal como no Brasil. Apesar de ser a primeira obra a compor a história da literatura colonial feminina, é muito pouco conhecida. Mas Tereza, além de pioneira na arte do romance brasileiro, era uma mulher decidida, destemida e de personalidade marcante. Em torno de sua história 30 Filha de José Ramos da Silva e d.Catarina de Horta, nasceu em São Paulo e casou-se aos dezesseis anos de idade, contra a vontade paterna, com o maranhense Pedro Jansen Moller van Praet. Seu livro revela a influência dos iluministas e de Fénelon. Ennes, Ernerto. Thereza Margarida da Silva e Orta : Primeira escritora paulista e primeira romancista brasileira. (17051787). in: Separata do Volume XXXV da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S.Paulo. São Paulo, 1938. P.78 36 paira um mistério: foi prisioneira do Marquês de Pombal durante o seu governo, por crime de Lesa Magestade. Ficou em cela onde não via "luz de sol, nem luz da lua" mais de seis anos. Que crime Tereza teria cometido? Conspiração?! Infelizmente, ainda não obtive resposta a esse dado. 31 O primeiro convento fundado no Brasil foi em 1678, denominado Santa Clara do Desterro, na Bahia. Foi considerado o mais luxuoso e o mais mundano, pelos excessos ali cometidos: pois algumas freiras "vestem por baixo de seus hábitos camisas bordadas (..:)calção e meias de seda ligando-as commumente com fivellas de ouro cravadas de diamantes.." 32. A pouca religiosidade era explicada por diversas razões: muitas mulheres eram internadas sem nenhuma vocação definida e com pouca idade. Os pais que tivessem gerado muitas filhas, trancafiavam a maioria nos conventos, com receio de terem que dividir suas propriedades com os futuros genros. Também era para os conventos que os maridos enviavam as esposas que os traíam, quando não a assassinavam. Nesse sentido, estas instituições eram reconhecidas como "prisões místicas". A prisão mística servia tanto às famílias como às próprias decisões do governo local. As moças que "erravam" , ou aquelas por determinação régia, eram enviadas para o convento. Foi o caso da esposa do comerciante Manoel José Fróes, que movia uma ação de separação contra o seu marido, e "foi recolhida a pedido deste ao convento da Lapa por ordem do Arcebispo" 33 Não eram somente os maridos, os pais e o governo que usavam o convento como penitenciárias, os irmãos, que no momento da partilha da herança, preferiam não repartir os bens com suas irmãs. Muitas destas mulheres fugiram da clausura, apesar da vigilância apurada. Outras, entretanto, trataram de administrar a instituição de forma produtiva. Mesmo atreladas ao poder da igreja, iniciaram um pedagogia de iniciativa empresarial em moldes bem estruturados. Mais do que educação formal, os conventos foram reflexos daquilo que a sociedade colonial tinha como base fundamental: a questão econômica, a questão do comércio. 31 Durante o meu pós-doutoramento em Lisboa, procurei seguir alguns documentos que trouxessem pistas sobre os motivos do ódio do Marquês de Pombal por D.Tereza Margarida da Silva e Orta, assim como já o fizeram outros pesquisadores. No entanto, o silêncio ainda prepondera. 32 É preciso não esquecer-se que as meninas muitas vezes ingressavam contra à vontade com pouca idade e sem nenhuma vocação para a clausura e a pobreza. Agiam nessas instituições como meninas que tem desejos de adereços, modismos, entre outras manifestações femininas. Pinho, José Vanderley de Araújo. Costumes monásticos na Bahia. Freiras e Recolhidas. In: Revista do Instituto Histórico de São Paulo, XLI:12-13. 1942. 33 Idem, p.133 37 É sabido que durante o Brasil-Colônia não haviam bancos ou agências de crédito. Os conventos desempenharam esse papel, em função do acúmulo de dotes e doações que recebiam. Na realidade, as freiras emprestavam dinheiro a juros aos proprietários de terra, aqueles mesmos que as haviam trancafiado nos conventos. Como muitos não conseguiam saldar suas dívidas, em função de falências ou problemas no engenho, seus bens, algumas vezes, eram entregues aos conventos como forma de pagamentos. Assim o patrimônio das freiras foi aumentando. No convento do Desterro, na Bahia, elas se revelaram tão boas gestoras, que além de emprestarem dinheiro aos senhores, compravam, vendiam e arrendavam propriedades. Nesse sentido, fica evidenciado que apenas teoricamente existia renúncia à vida material:" O convento do Desterro fazia empréstimos e tinha propriedades enquanto pregava a pobreza." 34 A condição econômica estabelecia a posição social da população feminina dentro do convento: As mais ricas eram as freiras de véu preto, seguidas das de véu branco, das educandas que pagavam para estudar, e as servas, que durante muito tempo deveriam ser brancas. "Sabe-se que as recolhidas de véu branco eram pessoas de prestígio, mas não prestavam votos e seu dote só chegava à metade das freiras de véu preto. (...) só em 1720 as servas puderam ser negras ou mulatas. 35 PROPOSTAS DE EDUCAÇÃO DE MULHERES. Depois da expulsão dos jesuítas (1759) e da implantação da Reforma Pombalina da Educação, em Portugal e suas colônias, no que se refere a instrução feminina, pouco mudou. Luís Antonio Verney, que escreveu "O Verdadeiro Método de Estudar" na Itália e era português, dedicou um apêndice à educação das mulheres. Sua proposta tinha como objetivo o lar, a serventia doméstica. Além da tarefa de educar os filhos, que antes era tarefa da mãe-preta, à mulher cabia naquele momento a arte de "prender" o marido em casa. Verney propõe que as mães, ou na impossiblidade dessa, governantas, ensinassem as meninas. Criticava duramente a falta de instrução das mulheres portuguesas, e indiretamente, as brasileiras: "ler e escrever Português... isto é o que rara mulher sabe fazer em Portugal.(..)ortografia e pontuação nenhuma 34 Susan Soeiro fez um amplo estudo sobre o Convento de Santa Clara do Desterro. Escreveu A baroque nunnery: The economic and social role of colonial Colonial Convent Santa Clara do Desterro, entre outros. Indicações da Fundação Carlos Chagas, na pesquisa Mulher Brasileira. Bilbiografia Anotada. São Paulo:FCC, 1980, Tomo I p. 67 35 idem, p.67 38 conhece.. 36 . Sugeria a leitura da história, de noções de aritmética, de línguas, da dança, entre outros. No entanto, poucos reflexos dessa proposta educacional chegaram ao Brasil. De forma concreta, apenas o livro de José Lino Coutinho, sobre "Carta à Cora" e os estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, em Olinda. 37 Até 1808, a educação de uma maneira geral continuou a mesma. Com a vinda de D.João VI as mudanças culturais não atingiriam de imediato as mulheres. Debret, dizia que desde a chegada da corte ao Brasil tudo se preparara mas nada de positivo se fazia em pol da educação das jovens brasileira. "Esta, em 1815 se restringia, como antigamente, a recitar preces de cor e a calcular de memória sem saber escrever ou fazer as operações." 38 Os conventos continuaram a crescer e os escândalos também. O próprio filho do Rei, D.Pedro I teve um romance com uma freira sineira em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, e da relação entre eles, nasceu um filho, já depois do Imperador estar ausente. Viveu quatro ou cinco anos apenas. 39 . O que comprova o longo caminho que ainda percorreriam as mulheres para serem compreendidas como seres atuantes na sociedade brasileira. Maria Quitéria e a Imperatriz Leopoldina destacaram-se na passagem do Brasil Colônia para o Brasil Independente. E ambas atuando incisivamente neste episódio, pouco foram estudadas pelos historiadores brasileiros. A Imperatriz Leopoldina teve participação decisiva no dia do FICO, quando seu esposo vacilante, não decidia se ia para Portugal ou ficava no Brasil. Também atuou na proclamação da Independência, quando enviou, em comum acordo com José Bonifácio, uma carta ao marido para que ele tomasse a atitude drástica de rompimento com o Reino Português. Foi sua missiva que desencadeou o gesto histórico nas margens do Rio Ipiranga, em São Paulo. 40 36 Filho de Dionísio Verney, um francês e Maria da Conceição Arnaut, portuguesa, desde a tenra idade, Luis Antonio Verney foi colocado aos cuidados de um capelão para ensinar-lhe os primeiros rudimentos. Aos 23 anos concluiu os Estudos de Teologia em Évora. Em 1746 endividou-se para publicar suas idéias iluministas pedagógicas com o Título O Verdadeiro Método de Estudar, utilizado amplamente pelo Marquês de Pombal. Lisboa: Sá da Costa, 1952. Vol. V , p. 128 37 José Lino Coutinho, professor de medicina, escreveu em 1849, Cartas sobre a educação de Cora que era sua filha. Seu trabalho revela semelhanças com o de Verney quando enfatiza a educação na infância, os exercícios físicos, que até então não eram estimulados, incutindo hábitos morais e amor à verdade. Nesse sentido, eles ultrapassavam as esferas de um livro de rezas, diferindo dos moldes introjetados nos conventos. In: Peixoto, Afrânio. A Educação da Mulher. São Paulo:Nacional, 1936. p.107 38 Debret, Jean Baptiste. Op.cit. Vol.II, p.11 39 A criança passou pela roda dos expostos e recebeu o nome do Imperador. Foi enterrada junto ao Adro da Sé. Pinho, José Vanderlei de Araújo, Op. Cit. P.133. 40 A contribuição de D. Leopoldina é muito pouco estudada nos manuais de História Brasileira da Independência do Brasil, sobretudo no ensino fundamental brasileiro. Com a iniciativa do Consulado Geral da Áustria, a obra de 39 Quanto a Maria Quitéria, participou de diversas batalhas pela Independência, vestida de homem. Seu sexo nunca foi revelado, até que seu pai o comunicasse ao seu oficial comandante da Infantaria. Recebeu de D.Pedro I elogios e méritos pela bravura e coragem de atuar como um brasileiro. Maria Graham, que pintou o seu retrato e a admirava, mencionou : ela é iletrada, mas inteligente. Sua compreensão é rápida e sua percepção aguda. Penso que, com educação, ela poderia ser uma pessoa notável. 41 (IMAGEM DE MARIA QUITÉRIA) FINALIZANDO O TEXTO Como procurei evidenciar em páginas anteriores, até o momento, pouco se sabe sobre a educação das mulheres brasileiras no Brasil Colônia. Há muito o que pesquisar em arquivos brasileiros e portugueses, apesar da documentação ser escassa e de difícil acesso. O silêncio em torno das atividades femininas requerem do pesquisador verdadeiro malabarismo e um pouco de sorte. No entanto, para além do resgate de fontes novas, é preciso uma releitura da documentação existente sobre a educação feminina e sua representação social no período inicial da colonização brasileira. Tudo ainda está por fazer nessa área da História da Educação Brasileira. BIBLIOGRAFIA ABREU, Capistrano de. Capítulos da História Colonial (1500-1800). 4.ed. Brasília: Universidade de Brasília, s.d. BITTENCOURT, Adalzira. A mulher paulista na história. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1954. BOXER, C. R. 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Com a propagação da economia cafeeira no sudeste do país, mormente a província de S.Paulo começou a ter destacadas transformações na área cultural. Se até então o Nordeste tinha ocupado o lugar de destaque, o "ouro verde" sobressai-se nesse momento nas terras paulistanas e alcança supremacia em detrimento às plantações de cana em sítios nordestinos. Campinas foi, sob o meu ponto de vista, uma das cidades mais privilegiada da segunda metade do século XIX. Fundada em 1774, cem anos depois, este pequeno município já estava pronto para receber toda a sorte da iniciativa de republicanos, maçons, imigrantes, positivistas, barões do café e a insurgente classe média que iria povoar suas ruas, construindo seus casarios, lojas, e indústrias emergentes. Onde existiram cidades no século XIX, existiu o desejo pela Educação. Em Campinas, tanto meninos como meninas tiveram a oportunidade, a partir desse período, de terem acesso aos saberes institucionalizados. Os pais, fazendeiros, profissionais liberais e políticos, possuíam condições financeiras favoráveis e ideários que facilitaram o surgimento de escolas e colégios. A análise que realizei do processo educativo das mulheres de famílias abastadas na cidade 42 Mestre e Doutora (Unicamp) e Livre-Docente (Unesp) em História da Educação e Professora junto ao Programa de Pós-Graduação e Graduação da UNESP Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente. Faz parte do Grupo de Pesquisa Valores, Educação e Formação de Professores. 45 de Campinas, durante o século XIX, teve como propósito, obter o maior número possível de informações, a fim de que uma primeira etapa da historiografia educacional feminina dessa localidade fosse evidenciada, já que até o momento da realização do meu doutoramento (1992), havia escassos registros sobre essa temática. Dessa forma, nesse estudo, contemplei uma instituição de nível secundário, de origem laica e de iniciativa particular, que possuía aspectos específicos que o diferenciavam de uma grande parte de seus contemporâneos. O método empregado para a reunião e análise dos dados foi composto por várias ferramentas que descreveram o fenômeno: cartas, diários, jornais, obras sobre o período, almanaques, material iconográfico, entre outros ainda pouco utilizados na historiografia da educação brasileira. Para pesquisar a educação feminina na cidade de Campinas, durante o II Império, foi necessário fazê-lo através do resgate da trajetória de uma instituição privada. Para tanto, contei com a contribuição das fontes primárias da Família Florence em São Paulo, através do Arquivo Cyrillo Hércules Florence, depositado nas mãos da bisneta Leila Evangelina Florence de Moraes. Isso porque no Brasil, o ensino secundário para o sexo feminino só começou a constituir-se na segunda metade do século XIX, graças aos esforços da iniciativa particular, e pouco sobrou dos documentos oficiais novecentistas. (HAIDAR, 1972, p. 231). Este texto está estruturado em três partes. Na primeira traça um histórico dos fundadores da instituição, com ênfase na formação educacional da sua gestora e sua inserção, como imigrante alemã, e de seu esposo francês, no contexto histórico brasileiro. A segunda parte trata do cotidiano escolar, as disciplinas estudadas, a origem dos docentes e discentes e finalmente a terceira parte procura estabelecer as relações entre o Colégio Florence e Campinas no desenvolvimento da cultura do país, "do progresso" positivista, e do caminho para o republicanismo. Carolina e Hércules, os Krug e Florence: os fundadores do Colégio Criados por particulares, a história dos colégios envolve a história de seus fundadores. O Colégio Florence inaugurou suas atividades em Campinas em O3 de novembro de 1863, por uma imigrante alemã de nome Carolina Krug Florence e por seu marido Hércules Florence. Os dados a respeito da vida de Carolina foram coletados por descendentes e registrados no Álbum que a Prefeitura Municipal de Campinas confeccionou em função da comemoração aos 200 anos de fundação da cidade. Apresento-os, a fim de preservar as informações. Carolina Krug (Caroline Mary Catherine) nasceu no mesmo dia da autora desse trabalho: 46 21 de março de 1828 no sul da Alemanha, numa cidade denominada CasseI, próxima a Floresta Negra. Filha de um fabricante de mosaicos artesanais de madeira, João Henrique Krug e Elizabeth Debus Krug, iniciou seus estudos com a idade de seis anos em uma escola dirigida por três irmãs. Freqüentou também a Escola Ruppel até os quatorze anos e fez com essa idade a primeira comunhão. (Florence, 1974) Carolina era, portanto, de origem religiosa Católica. A Educadora Carolina Krug Florence (18281913) Foto Ana Maria Felix Fonte cedida pela Coleção Cyrillo Hércules Florence. Concluídos os estudos médios, freqüentou curso superior dirigido por um Pastor de nome Jatho, dedicando-se principalmente às disciplinas: História Universal e Literatura. Nessa época, em seu interesse pelo estudo, sobressaía a vontade de dar continuidade ao que aprendera até então. No entanto, Cassel não oferecia condições suficientes para seu desenvolvimento pedagógico. Assim, seus pais resolveram enviá-la à Suíça, ao Instituto de Madame Niederer, esposa de um antigo colaborador e amigo de Pestalozzi, já considerado, na época, um grande pedagogo moderno. É interessante observar que seu deslocamento para outra região implicava em atitude de coragem e persistência: a viagem era muito difícil, devido aos meios primitivos de transporte, mesmo na Alemanha. Chama a atenção também o fato dos pais serem desprendidos em confiarem à travessia de uma filha, mulher, muito jovem ainda, para tão longe e sozinha. Todo o trajeto foi feito em diligência e cavalos, exceto uma pequena parte, de Frankfurt sobre-o-Meno até Manhein, um dos poucos pontos que naquele momento possuía estrada de ferro. Carolina hospedou-se em várias cidades onde seus pais tinham conhecidos, até que 47 finalmente chegou ao Instituto de Madame Niederer, num dos arredores de Genebra, chamado La Servette. Neste estabelecimento, Carolina Krug teve a oportunidade de conhecer melhor o método de Pestalozzi e também vivenciá-lo na prática. Pela descrição, de uma de suas antigas colegas de internato, percebe-se que havia respeito e dedicação tanto da diretora do Instituto em relação às alunas, como destas entre si. Em uma carta enviada por uma amiga que estudou com Carolina naquele estabelecimento é possível verificar o grau de afetividade e reconhecimento pelo trabalho pedagógico realizado por Madame Niederer: Carolina: (...) Agradeço toda a bondade e toda a amizade que você manifestou durante minha última estadia junto à Madame Niederer. Aqueles dias que tive a felicidade de passar com ela deram-me um novo impulso, para seguir com coragem a cadeira de educadora. Tenho novamente sido testemunha de sua bondade a todas as suas alunas, do interesse que dedica a cada uma delas, dos cuidados que ela toma para bem dirigir a educação destas (grifo meu) (Carta de Suzete Kaesseler para Carolina Florence, em francês, Coleção Cyrillo Hercules Florence. Genebra, 9/1/1847). A preocupação com a educação transcendia os ensinamentos de conteúdos nas disciplinas. Havia por parte da direção deste estabelecimento o desejo de que as educandas aprendessem a se comportar na sociedade e a respeitar o outro como companheiro de conhecimentos. Essas mesmas preocupações fizeram parte do cotidiano do Colégio Florence no Brasil, anos mais tarde. Infelizmente Madame Niederer, que tinha confiado à Carolina Krug a redação de sua correspondência particular, cedeu a Madame Broglua et Flaction seu instituto, na primavera de 1847. O instituto mudou-se para uma casa situada perto de um lago, chamado Deux Paquis. Após a sua retirada desse instituto, Carolina manteve com esta senhora, que se ocupava exclusivamente do ensino, correspondência por alguns anos. Na troca destas missivas é possível verificar que a jovem aluna teve êxitos nos estudos, preparando-se para a sua carreira de docente: Madame Elizabeth Krug (...) fico feliz em poder vos dizer que sua filha, Caroline, fez grandes progressos nos estudos, e principalmente na língua francesa, desenho etc. Nós só podemos lhe dar, para além das qualidades sólidas de seu caráter, a segurança de que está perfeitamente preparada para completar com sucesso a vocação para a qual ela se prepara. (Carta de M. Flaction para Elizabeth Krug, em francês, Coleção Cyrillo Hércules Florence. Genebra, 21/8/ 1847). Na continuação dessa carta, a educadora comunica à mãe da aluna seu desejo de que Carolina Krug partisse para Colônia ou Prússia, para lá iniciar sua carreira. Entretanto, a ligação muito estreita com a família trouxe-a de volta à cidade natal de Cassel, em 1848. Durante algum 48 tempo trabalhou como professora em uma casa de família, na propriedade campestre de Holstein. Deu aula para moças durante um ano e ao fim deste aconselhou aos pais de suas alunas que as matriculassem em um colégio onde, em companhia de outras colegas, encontrariam mais estímulo para o estudo. Esse conselho foi aceito e as meninas entraram no colégio em Altona, cuja diretora, Mlle. Biernatriski achou-as tão adiantadas que indagou sobre a pessoa que as ensinava. Informada a esse respeito, a diretora ofereceu um lugar à Carolina Krug, que lecionou nesse Instituto durante três anos. As observações sobre o que tinha aprendido e o que ensinava era dividido com as antigas companheiras de internato. Através da correspondência com Berth, por exemplo, podemos observar que as matérias constantes na formação pedagógica ultrapassavam ao que previam ao gênero feminino. (verbete gênero) Conhecimentos sobre lógica, geometria, matemáticas eram, na época, destinados aos homens, em uma época em que as mulheres conquistavam lentamente o direito de assimilar conhecimentos científicos. Assim, Berth menciona que continuava a tomar, com grande interesse as lições que Carolina conhecia tão bem, como astronomia com M. Wartalltmann. Também mencionava as comédias que M. Perret as fazia interpretar. (Carta de Berth I. para Carolina Krug, em francês, Coleção Cyrillo Hércules Florence. Genebra, 19/3/1848). Ainda em 1850, Carolina Krug continuava mantendo correspondência com M. Broillat. Nessa época, sua antiga diretora do Instituto Suíço, agora casada (o sobrenome foi substituído por Breittonager) lhe escrevia sobre os problemas que os europeus enfrentavam em decorrência das políticas econômicas, discorria sobre o papel e aconselhava da necessidade do aprimoramento intelectual para ser uma boa educadora. Também sua antiga mestra utilizava o elogio como estímulo ao desenvolvimento das potencialidades de sua antiga discípula, no domínio das línguas, principalmente o francês, muito conceituado na segunda metade do século XIX: Cara Carolina (...) estou muito contente minha cara criança, por você se encontrar bem no estabelecimento Biernatriski. A vida é tão difícil para todos nos tempos em que vivemos que é preciso contentar-se com o seu trabalho. Entretanto minha cara pequena não negligencie de sonhar com o futuro e não se descuide dos conhecimentos. Veja: não se é sempre jovem e as forças se esvaem muito rápido na carreira de professor. Eu vos asseguro: você é melhor professora para ensinar nossa língua (o francês) que a maior parte dos nossos compatriotas. Nós temos é que escrever muitos trabalhos e, sobretudo ler bons autores, é assim que se forma o estilo. (Carta de M. Broillat para Carolina Krug, em francês, Coleção Cyrillo Hércules Florence. Genebra, 27 /7 /1850). 49 Nessa mesma ocasião, tempos difíceis na Alemanha, os pais de Carolina desejavam reunir-se ao filho mais velho, Jorge Krug estabelecido como farmacêutico no Brasil, na cidade de Campinas desde 1846. Nesse tempo, seu irmão já havia adquirido fortuna razoável na América, participando da vida social e política campineira. Exerceu, por muito tempo, em toda a Província de São Paulo, o cargo de Vice-Cônsul da Suíça. Era maçon (grau 33), de tendência liberal, e auxiliou a fundação de vários estabelecimentos de ensino na cidade de Campinas. Entre eles, o Colégio Culto à Ciência para o sexo masculino, a Escola Alemã para filhos e filhas de descendentes germânicos e deu bastante suporte para a criação do Colégio Florence, destinado a educação de mulheres. Assim como sua irmã Carolina, Jorge Krug dedicava-se com afinco às causas da educação. (A Província de S. Paulo, 3/1875). Em conseqüência dos fortes laços familiares, Carolina Krug se juntou ao restante da família e embarcaram para o Brasil em setembro de 1852. Saindo de Hamburgo em um navio à vela, pois nesse tempo não havia ainda navios a vapor para o Brasil. Levaram dois meses na travessia. Aliás, muitos alemães emigram para o Brasil nessa época. A causa dessa emigração se deve a diversos fatores. Muitos abandonam a cultura germânica em plena mudança para a industrialização, outros por causa dessa mudança. Boa parte da emigração germânica é composta de citadinos. Era uma forma de prevenir ou modificar situações econômicas indesejáveis, pois, com a industrialização, havia o medo da proletarização. O pai de Carolina, João Henrique Krug, por exemplo, pertencia à classe média. Era artífice, possuía um estabelecimento que produzia mosaicos de madeira, trabalho muito apreciado na Alemanha, sendo que muitos assoalhos, em vários castelos, são ainda admirados como verdadeiro primor de arte. (grifos meus). (FLORENCE, 1974). Seria, porém, como cita Willens, um erro considerar questões econômicas ou administrativas como únicos motivos de emigração, pois freqüentemente não eram os mais pobres que emigravam, e a emigração continuava mesmo quando a situação do país já se havia tornado favorável, mais favorável às vezes, do que a situação do país de emigração. (WILLENS, 1980, p. 34). No caso dos Krug, além do desejo de encontrar uma terra propícia à implantação de suas realizações no campo profissional, havia a vontade de unirem-se ao filho e irmão mais velho, que certamente lhes contava das oportunidades que surgiam no novo continente, principalmente em Campinas, onde o desenvolvimento parecia mais acentuado. Tchudi, viajante teuto que esteve nesse período no Brasil, relata essas mudanças das famílias européias para Campinas, cidade 50 ainda em condições precárias de infraestrutura, e acrescentava como uma das causas da vinda dos Krug, o pouco espaço de convivência entre idéias contrárias ao poder vigente, conforme consta em seu diário: Em Campinas, hospedei-me na casa do farmacêutico dr. Georg Krug, pois esta cidade, de grande movimento e indiscútivel importância, uma das maiores da Província, não possuía sequer um hotel. O pai do sr. Krug emigrara da Alemanha, devido à triste situação política do Ducado eleitoral de Hessen-Kassel, onde exercia, na cidade de Kassel, a profissão de marceneiro, que lhe dera grande fama, como artífice hábil e competente. Cometera, entretanto, o grave crime de abrigar idéias demasiado liberais, o que lhe valeu ser forçado a abandonar a pátria, ele e sua família. Veio para o Brasil e fixou residência em Campinas. Seu filho mais velho estabeleceu-se com uma farmácia e o mais jovem exercia, com muita habilidade, a profissão paterna. (TSCHUDI, 1954, p. 58). A viagem também foi realizada com as dificuldades presentes no século XIX. Chegando ao Rio de Janeiro, os viajantes deixaram o veleiro, seguindo para Santos em um vapor costeiro de nacionalidade brasileira. Nesse porto esses teutas foram recebidos pela família Batista, amiga do filho mais velho Jorge Krug e ficaram quinze dias. Seguiram depois para Campinas, todos a cavalo, com exceção da mãe de Carolina, já idosa, que fêz a viagem de bangué. Em São Paulo a família parou, a fim de descansar em casa do sr. Gérard, amigo de Jorge krug. Justo três meses depois da partida de Hamburgo, tendo a viagem de mar durado nove semanas, aos 18 de Dezembro de 1852 a família Krug chegava a Campinas. Umas léguas antes de chegarem à cidade, vieram-lhe ao encontro vário cavaleiros: Jorge Krug e seus amigos, o qual privado durante tantos anos de seus velhos pais e dos seus irmãos, podia agora matar as saudades. (FLORENCE, 1974). Além de Carolina, seus pais, vieram também seus irmãos: Francisco Guilherme Henrique Krug e Anna Krug (posteriomente Anna Kupfer). Francisco Krug, como seu pai, aprendera a arte da marcenaria e trazia, além da experiência na arte do entalhe na madeira, conhecimentos políticos, econômicos e sociais que o tornaram figura de destaque na sociedade campineira. Sua irmã, Anna Krug, também era professora. Não se sabe ao certo seu grau de especialização. Entretanto, em suas anotações do dia a dia em Campinas, relata que teve aulas com uma preceptora alemã na cidade de Limeira e que nessa mesma época ensinava às crianças. Nas suas narrativas é possível observar um pouco da gênese do cotidiano escolar brasileiro, em 1853, permeado pela pedagogia empregada, bem como a incorporação e a interdisciplinaridade das matérias enciclopedistas: 51 Frau Gê era muito boa senhora, tinha, a fim de aumentar a renda de seu marido fundado um internato, uma pensão onde parte das filhas do país como também estrangeiros recebiam instrução. Éramos internacionais! Durante o dia ensinava o ABC aos pequenos, porém a noite era a minha vez. ( o grifo é meu). E ainda hoje lembro com alegria nas belas horas nas quais Frau Gê ensinava com prazer. Muitas vezes durava até meia noite, mas não nos causava cansaço. Línguas estrangeiras me davam muito prazer. Frau Gê sabia ligar a isso História e Geografia e hoje estou muito agradecida por isso. Aqui quero apenas lembrar o quanto considero importante o estudo de línguas estrangeiras. Não é apenas o traduzir das palavras, não. É porque com isso você adquire facilmente grande parte cultural dos valores de respectivo povo. (Diário de Anna KUPFER.Coleção Cirillo Hércules Florence). Mais tarde Anna conheceu o Dr. Otto Kupfer, amigo de seu irmão, com quem se casou e viveu parte da sua vida na cidade de Campinas e na Alemanha. De acordo com Willens, o imigrante citadino representa classes sociais bem diversas e cultiva, na maioria das vezes, o gosto pela cultura, pela erudição. Não apenas proletários, mas também pequenos e médios burgueses que fugiram à proletarização iminente, representantes da burguesia intelectualizada e liberal que se envolveram em lutas políticas; enfim, quase todas as classes sociais, ainda que em proporções desiguais, forneceram seus contigentes de emigrantes, contribuindo assim para a heterogeneidade cultural daqueles que tencionaram radicar-se no Brasil. (WILLENS, 1980, p. 31). Outro fato que os distinguia dos nacionais, além da questão erudita ou a qualificação profissional diz respeito à forma como esses emigrantes encaravam a escravidão no Brasil. Quando se estabeleceram em Campinas, no final de 1852, todo o trabalho manual era realizado por escravos, fato que foi narrado no diário da irmã de Carolina, nos seguintes termos: Os criados brancos não existiam naquela época no Brasil. As famílias (dos colonos) tinham necessidades de suas filhas em suas casas. Embora a contra-gosto dos meus (o grifo é meu) teve meu irmão de comprar um casal de escravos em Itú e sem poder conhecer certas circunstâncias mais de perto. Estas duas pobres criaturas chegaram: o marido José, cozinheiro, negro de boa índole como todos os outros escravos... (Diário de Anna KUPFER, Coleção Cirillo Hércules Florence). Estabelecidos em Campinas e procurando amoldar-se à cultura brasileira sem deixar de manter a Germânica, a família Krug foi adaptando-se paulatinamente. Em contato social com os amigos do irmão Jorge, dois anos mais tarde, em 1854, Carolina Krug casou-se com Hércules Florence. Francês, nascido em Nice em 1804, Hércules era um homem inteligente, culto e afável. 52 Foi o primeiro estrangeiro a fixar residência em Campinas. (DUARTE, p. 140). Integrante do grupo de europeus que estiveram no Brasil, em busca de novos horizontes, viajou e desenhou pelas paisagens brasileiras. Tinha a alma voltada para o futuro. Participante da Expedição do Barão de Langsdorf, do Tietê ao Amazonas, entre 1825 a 1829, escreveu um livro sobre a viagem, além de farta documentação iconográfica, reproduzindo aspectos da selva brasileira 43 Foi também o criador da Zoofonia "estudo sobre o canto dos animais", a Poligrafia, criação do papel inimitável (para cédulas monetárias e notas de bancos - inventos relativos à impressão). 43 Expedição sob os auspícios do Czar AIexandre I, o naturalista e Cônsul Geral da Rússia, Barão de Langsdorf organizou uma expedição que deveria ir por terra pêlo antigo caminho dos bandeirantes, hoje via Anhanguera. Alterada a rota, prefiriu o Barão de Langsdorf a via fluvial, a partir de Porto Feliz, no ano de 1825. Tinha a expedição, além de Hércules Florence, o astrônomo Rubtsov, o botânico Riedel e o desenhista Taunay. A expedição malogrou com a morte no Rio Guaporé, do primeiro desenhista Adriano Taunay, por afogamento, mas principalmente em conseqüência da insanidade mental de seu chefe, Hércules Florence deixou o manuscrito da longa viagem que terminou em Belém do Pará, sob o título "Esboço da viagem feita pelo sr. Langsdorf no interior do Brasil, desde setembro de 1825 até março de 1829", escrito em francês e traduzido duas vezes, a primeira pelo Visconde Taunay, e a segunda pelo bisneto de Hércules, Francisco Álvares Machado e Vasconcelos Florence. Ambas as traduções têm o título de Viagem fluvial da Tietê ao Amazonas. Em junho de 1992, foi editado pelo professor da Sorbonne, Mario Carelli e pela editora Gallimard o livro A La Decoubérte De La Amazonie, Hércules reproduziu aspectos da selva brasileira, além de farta documentação iconográfica. 53 Hércules Florence em idade avançada. (1804-1879) Fotografia cedida por Leila Evangelina Florence de Moraes. Fonte cedida pela Coleção Cyrillo Hércules Florence. No entanto, o principal invento de Hércules Florence foi a fotografia.44 Ainda hoje é desconhecido por muitos o fato de Hércules Florence ser um dos inventores da Fotografia. Porém consta que fez em 1832, dois, anos após estar residindo em Campinas, experiências pioneiras com a câmara escura e a fixação de imagens, cuja glória coube, em 1839 a Daguerre, seu compatriota. Isso porque Hércules Florence não deu divulgação em tempo oportuno dos seus resultados obtidos seis anos antes. Campinas, naquela época, infelizmente ainda não oferecia meios fáceis de comunicação. E assim, tendo conhecimento dos resultados das experiências de 44 Em seu livro, KOSSOY, (1977) registra os resultados positivos da repetição que promoveu, das experiências fotográficas de Hércules Florence nos EUA, nos laboratórios do Rochester Institute ofTechnology em 1976. Nos manuscritos em poder da família Florence em Campinas, Hércules anotaria a gênese de seu invento: Neste ano de 1832, no dia 15 de agosto, estando a passear na minha varanda, vem-me a idéia de que talvez se pudesse fIxar as imagens na câmara escura, por meio de um corpo que mude de cor pela ação da luz. Esta idéia é minha porque o menor indício nunca tocou anteso o meu espírito. Vou ter com o Sr. Joaquim Correia de Melo, boticário de meu sogro, homem instruído, que me diz existir o nitrato de prata. 54 Daguerre, encerrou suas atividades nesse campo, mas a palavra fotografia lhe pertence. Obteve-a com a colaboração de Joaquim Correa de Mello, o Joaquinzinho da Botica como era conhecido. Ao aconselhá-lo a formar a palavra, utilizou-se de elementos do grego e a usar nitrato de prata em suas experiências. (Jornal O Correio Popular, 9/11/1978). Hércules casou-se em primeiras núpcias com Maria Angélica Machado Florence em 04 de janeiro de 1830, logo após seu retorno da expedição Langsdorf. A convite do sogro, Francisco Alvares Machado Vasconcellos, homem público de influência em Campinas, estabeleceu-se nessa cidade, na Rua Barão de Jaguará, no Largo do Carmo. Com sua primeira esposa viveu vinte anos e teve treze filhos, o que era muito comum na época. As mulheres tinham o papel de povoarem o país, gerando muitos filhos.45 Teve Infelizmente alguns faleceram, sendo que o que ocupou papel de maior destaque, tanto na política como na educação, foi Amador Bueno Machado Florence. Professor e homem público participou da fundação do Colégio destinado à educação de meninos, o "Culto à Ciência" e foi presidente da Câmara Municipal de Campinas durante o período do Império. (SILVEIRA, 1968, p. 143). Hércules Florence, para além de suas qualidades de desenhista, escritor, inventor, também era comerciante e fazendeiro em Campinas. Proprietário da Fazenda Soledade e posteriormente de outra de bom porte, foi, juntamente com outros fazendeiros de café, um dos primeiros a introduzir e ser bem sucedido com a vinda para Campinas dos primeiros colonos, através do Sistema de Parceria. Não bastasse sua atuação no campo econômico e social, participou também das questões políticas através da sua tipografia ou autografia, a primeira instalada em Campinas. (MARIANO, p. 21). Com ela, coube-lhe imprimir e dirigir o órgão da Revolução de 1842, encabeçada em território paulista, pelo brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, marido da Marquesa de Santos. ... folha de duração efêmera, quatro ou cinco números se tanto, preparada e distribuída em Sorocaba e imediações, em meio aos curtos, mas febricitantes episódios do levante, que Caxias abafou em São Paulo e Minas. O jornal da revolução denominava-se O Paulista. (SILVEIRA, 1968, p. 143). Dezesseis anos depois, Hércules Florence vendeu a tipografia aos irmãos João e Francisco Teodoro de Siqueira e Silva, e nela se imprimiu o primeiro jornal da cidade, a Aurora Campineira, no ano de 1858. 45 Em meu mestrado tratei longamente da questão do papel a ser desempenhado pelas mulheres no Brasil Colônia: a reprodução dos filhos dos colonizadores. Ver: Ribeiro, A. A educação da mulher no Brasil-Colônia. S.Paulo:Arte & Ciência, 1997. 55 Em 1854, com cinqüenta anos de idade, viúvo há quatro anos e morando nos arredores da cidade de Campinas com seus filhos, alguns ainda pequenos, Hércules Florence sentiu-se atraído pela possibilidade de casar-se novamente com uma jovem de vinte e quatro anos, culta e disposta a criar seus filhos dentro de uma educação fundamentada nas modernas teorias pedagógicas européias. Era Carolina Krug, que também oferecia certa ascensão social à sua família, como ele mesmo relataria a sua mãe, em carta de apresentação de sua nova esposa. Nessa missiva Hércules evidencia o encantamento que teve com as qualidades da professora alemã: Minha mãe, eu vos escrevi uma vez que eu me casaria novamente, mas que não deveria ser logo. No dia quatro de janeiro do ano corrente eu me casei com MIle. Caroline Krug, irmã de meu amigo Jorge Krug, farmacêutico estabelecido há oito anos em Campinas. Ela chegou de CasseI, com seu pai sua mãe e seus irmãos e irmã, e eu fui absorvido por suas qualidades, seu talento e suas maneiras distintas. Tendo feito sua educação durante três anos em um Instituto de jovens moças em Genebra, ela adquiriu um perfeito conhecimento de Francês. Ela sabe a história, a geografia, os elementos de matemática, a pintura e a música. Todas as ocupações de seu sexo. Ela saiu do instituto e foi ser professora em Altona, na Suíça-Holstein. Seu objetivo era de se ocupar do ensino e soube aproveitar disso em alto grau. (o grifo é meu). (Carta de Hércules Florence para sua mãe residente em Nice, em francês. Campinas, 10/6/1854). Com relação à situação dos seus filhos perante a sociedade campineira, Hércules reconhece que o casamento com Carolina Krug também favoreceu a ascensão que esses tiveram, após o enlace matrimonial: Meus filhos são tão bons para mim e minha esposa que minha escolha parece ter sido feliz. Eles têm verdadeira afeição por sua segunda mãe. A condição dela na sociedade os fez ganhar, pois antes eles viviam no abandono, quase sem relacionamento social e hoje a minha casa é freqüentada por toda a boa gente da sociedade da cidade. (Carta de Hércules Florence para sua mãe residente em Nice. Em francês. Campinas, 10/6/1854.) O casamento de um homem maduro, de mentalidade e temperamento incomuns, com uma mulher dotada de muitos qualificativos resultou em uma relação de igualdade entre os parceiros amorosos, ao contrário do que se via nos laços matrimoniais estabelecidos na família patriarcal brasileira. Dentro do patriarcalismo, como é sabido, o homem é o senhor de todos os bens. A fazenda e os escravos lhe pertencem, assim como a esposa e os filhos. Dessa forma, a mulher lhe deve submissão e obrigações. As relações de gênero são marcadamente desiguais. Na família alemã, entretanto, sobretudo a urbana, a posição da mulher é elevada. Em outras 56 palavras, o tratamento dos dois sexos é, em todos os sentidos, mais homogêneo na Alemanha do que no Brasil. (WILLENS, 1980, p. 306). Assim, a união de Hércules Florence com Carolina Krug resultou muito mais numa ligação de respeito e companheirismo, do que um gênero subjugando o outro, coisa que comumente ocorria no Império Brasileiro. Não havia receio por parte do esposo pela emancipação de sua mulher, estimulando a propagação de seus conhecimentos científicos, uma vez que o próprio Hércules Florence impulsionava as novas ciências, através de seus inventos. Na carta que Carolina Krug Florence envia a sua sogra, mãe de Hércules Florence, solicitando as bênçãos pelas núpcias, o companheirismo evidencia-se, na forma como ela percebia sua relação com o marido e enteados: Mãe, Peço a permissão de vos nomear por esse nome tão doce do qual eu conheço melhor ainda o valor depois do casamento com meu bem amado Florence. Aceitando sua mão eu não somente ganhei o melhor e o mais desinteressado dos amigos (o grifo é meu), mas também eu encontrei nos seus filhos uma afeição que acolhe de muito minha alegria. (Carta de Carolina Florence para a Mãe de Hércules Florence, em Nice. Campinas, 12/6/1854). Após o casamento, Hércules Florence continuou a viver na fazenda Soledade com sua nova esposa e os filhos do primeiro casamento. Um ano depois, sentindo necessidade de rever a mãe, parte para a Europa deixando Carolina com a responsabilidade da propriedade e a guarda das crianças. Uma atitude, que acredito só ser possível, devido ao fato de haver um perfeito entrosamento entre o casal. (Almanaque..., 1914, p. 51). Viveram nesse local durante oito anos e tiveram sete filhos: cinco homens e duas mulheres. Nesse sentido, é interessante observar que além do cuidado com os filhos do primeiro casamento de Hércules, Carolina Florence gerou seus próprios filhos, vivendo assim intensamente o papel de mãe de uma imensa prole. Em 1863, a família resolveu mudar-se para a cidade. Essa mudança estava relacionada, de certa forma, com fatores sociais e econômicos. Sociais, porque com o crescimento dos filhos, Carolina Florence sentia que a instrução lhes era indispensável; econômica, porque o cultivo do café exigia de Hércules Florence, assim como de outros fazendeiros, o deslocamento para a cidade em função das diversas atividades urbanas exigidas por essa cultura, desde as transações da comercialização do produto, até o trato com bancos, transporte, etc. Campinas, nessa época, estava começando a modificar-se, a progredir. Como já foi dito, a 57 região sofreu transformações profundas em decorrência da cultura do café, que substituiu a cana de açúcar na primeira metade do século XIX, e em pouco tempo tornou-se a base dos rendimentos da população agrária paulista. De acordo com Wilson Cano, A produção paulista de café até o início da década de 1870, representava apenas 16% do total brasileiro, a partir desse momento, ingressava num período de vigorosa expansão, perfazendo, em 1875, cerca de um quarto da produção nacional saltando, dez anos depois, para 40%. (Cf.Cano:1977, p. 31). Aliás, segundo Caio Prado Jr. não era somente Campinas que teria seu progresso marcado. A segunda metade do século XIX vai se constituir num dos momentos de maiores transformações da economia brasileira e o decênio 1870-1880 será marcado por sensível prosperidade nacional. (PRADO Jr., 1949, p. 178). É de Campinas, portanto, que se alastrará o café pelo Oeste Paulista. (CANO, 1977, p. 31). Como sede desse avanço, a cidade tem necessidade de implantar benfeitorias. Viotti afirma, nesse sentido, que: À medida que os fazendeiros mudaram-se para os grandes centros, cresceu a tendência em promover melhoramentos urbanos. Aumentou o interesse pelas diversões públicas, a construção de hotéis, jardins e passeios públicos, teatros e cafés. Melhorou o sistema de calçamento, iluminação e abastecimento de água. Aperfeiçoaram-se os transportes urbanos. O comércio ganhou novas dimensões, bem como o artesanato e a manufatura. O processo foi favorecido pelo interesse que o capital estrangeiro teria nesses tipos de empreendimentos urbanizadores. (COSTA, 1977, p. 197). Muitos se aventuraram a fundar colégios para os filhos dessa burguesia emergente. Haidar, no histórico que realizou das escolas secundárias criadas na Corte do Rio de Janeiro e nas capitais das províncias, retrata as dificuldades dos colégios particulares para se manterem em funcionamento. Cita o Colégio Pestana criado em 1876 em São Paulo por Rangel Pestana e sua esposa Damiana. Era um colégio destinado à educação feminina. Rangel era um ardoroso defensor da Educação. Seus escritos em jornais revelam essa qualidade. No entanto, o próprio Rangel Pestana, culto e sábio, sucumbiu em seu intento e a instituição foi vendida em 1878. As causas do malogro do empreendimento, de acordo com alguns críticos da época apontavam como principal fator do insucesso o modernismo exagerado do jornalista que tivera a pretensão de educar a mulher na liberdade. (HAIDAR, 1972, p. 241). O Colégio Florence, ao contrário de muitos contemporâneos, manteve-se como o estabelecimento de ensino de maior durabilidade dos tempos imperiais. Essa estabilidade e desenvolvimento decorreram possivelmente, de diversos fatores: a mentalidade e a cultura de seus fundadores, o fato da diretora ter adquirido uma grande experiência pedagógica no país de 58 origem e, também de ter encontrado um marido companheiro e um irmão empreendedor, em uma cidade com o terreno propício para o desenvolvimento da educação. O Colégio Florence e a Educação para Mulheres no século: desafios, resistências e conquistas A campanha em favor do aprimoramento da instrução feminina no Brasil não tinha como objetivo, elevar à mulher a culminância científica e literária. Também não se pretendia preparálas para funções profissionais, ainda consideradas incompatíveis com a sua capacidade intelectuais e desnecessárias à missão que lhe fora reservada pela natureza: a maternidade. Entre os defensores do aprimoramento da instrução feminina destacavam-se aqueles que, animados por idéias evolucionistas apontavam a ignorância da mulher como um importante fator de retardamento do progresso da humanidade. Entre eles, Tito Livio de Castro, com o livro A mulher e a sociogenia e Tobias Barreto. (HAIDAR, 1972, p. 246). A mulher deveria estudar, porém não muito. Nessa época a elas não eram permitida a entrada nas Academias. Desobrigados, portanto, de preparar para os estudos superiores em geral, ainda considerados impróprios à mulher, o ensino secundário montado no fim do Império, em alguns poucos estabelecimentos particulares, adquiriu feição própria. No caso do Colégio Florence, liberto da tradição secular que vinha consagrando o predomínio das humanidades clássicas nos estudos preparatórios, caracterizou-se pela importância atribuída às línguas modernas e às ciências, especialmente consideradas em suas aplicações práticas. Tomaz Tadeu da Silva, em seu livro O que produz e o que reproduz em educação afirma que a educação produz e reproduz os elementos que contribuem para produzir o novo e os elementos que contribuem para manter o existente. Ao dizer que a escola possui também outras características mais prosaicas e cotidianas, além das macro-características estruturais, cita elementos como a arquitetura e a configuração da sala de aula como tal a concebem, a divisão em séries, a administração do tempo através de períodos, a divisão e a classificação do conhecimento pelas diferentes disciplinas e matérias como contribuições para se entender a educação. (SILVA, 1992, p. 64). As cartas e jornais trouxeram à tona informações sobre a atuação das alunas na sala de aula, no pátio de recreações, nas apresentações em festas públicas, na assimilação dos conteúdos ministrados por seus professores, dificuldades, doenças, etc. Retrataram o meio em que viviam e o cotidiano escolar do século XIX. Através de cursos completos e regulares compostos de estudos de várias línguas, 59 disciplinas como geometria, ciências naturais e trabalhos artesanais é possível verificar o grau de aperfeiçoamento, destreza e aplicação adquiridos na instituição. A natureza do padrão de trabalho que as alunas realizavam possibilitava-lhe obter informações imediatas sobre os seus resultados porque, freqüentemente, apresentavam-se ao público. O papel da Imprensa deve ser ressaltado como elemento fundamental e mediador às atividades educacionais particulares, considerando o fato de que o governo não se interessava pela expansão do ensino secundário público. Entre os docentes que lecionaram no Colégio Florence, destaco os mais expressivos, considerando a dificuldade em possuir uma relação completa dos mesmos. Dos docentes masculinos, grande parte iniciando no Colégio Florence a sua carreira como professores antiimperiais, posteriormente, contribuíram para a estruturação e a solidez do ensino público no período republicano. Criaram os primeiros livros didáticos brasileiros, muitos utilizados no ensino público, como os livros de Julio Ribeiro (professor de Letras), João Kopke (professor das ciências históricas e geográficas), Miguel Alves Feitosa (Língua Portuguesa), Rangel Pestana(Língua Portuguesa e retórica) (sic), Emílio Giorgetti, Emílio Henking, (professores de música) Campos da Paz, etc. Entre eles, merece destaque o próprio Hércules Florence, como professor de desenho. Os jornais anunciavam ao final do ano os progressos das meninas que estudavam com ele: "Mereceram também particular mensão(sic) os desenhos executados por algumas discípulas, aula dirigida pelo sr.Hércules Florence."(O Diário de Campinas, 17/12/1875) 60 Diretora do Colégio Florence, Carolina (ao centro) e o corpo docente e discente de Campinas. Acima, o professor de música Emílio Giorgetti. Do lado esquerdo, olhando-a a sua filha Isabel e do lado direito, acima, sua filha Augusta. Foto cedida por Leila Evangelina Florence de Moraes Fonte: Coleção Cyrillo Hércules Florence Muitas também foram às professoras do Colégio Florence. Destaque para as preceptoras alemãs, contratadas pessoalmente por Carolina e que desenvolveram familiaridades e habilidades das alunas com as operetas européias, trabalhos manuais e o gosto pelo estudo de línguas (italiano, inglês, francês, alemão). Entre elas, frau Emília Krafth (a primeira que veio da Alemanha) frau Catarina Huffenbecher, frau Sophia Zoega e a irmã de Carolina Anna Kupfer. Os filhos de Hércules com Maria Angélica e Carolina também foram docentes na instituição:Amador Bueno Machado Florence (português, francês e desenho), Henrique Florence (matemática) Augusta e Isabel Florence (música, peças teatrais, etc) Paulo, o músico e Guilherme, o engenheiro (Gêmeos) Jorge (farmacêutico) e Ataliba (oftalmologista) Alunas egressas do estabelecimento também foram professoras atuantes no Colégio Florence: Armelina Lamaneres, Leonor Gomes, Ruth Fonseca, entre outras. Quanto à origem das alunas do Colégio Florence, procurei pistas que mostrassem a família, a profissão dos pais e as inúmeras dificuldades que a instituição enfrentava com pais, alunas, doenças entre outros. É certo que era um estabelecimento destinado às camadas mais favorecidas da população campineira, já que as anuidades eram muito mais caras do que em outras instituições, no entanto as despesas com a infraestrutura, alimentação, livros etc, retiravam boa parte do lucro arrecadado. Hércules Florence demonstrava muito bem isso quando escrevia os sufocos financeiros em que se metia, ao seu cunhado Otto Kupfer, ao enviar os filhos para estudar no exterior e ao contar os grãos da sua lavoura de café para o pagamento das despesas extras: Caro Otto, Quanto a mim, eu vou cada seis a oito dias ao sítio para fazer o benefício do café. Eu já enviei duas mil e oitocentas arrobas a Santos e me restam duas mil arrobas que totalizam setecentas arrobas a mais que aquilo que eu tirava. Eu devia onze contos e ainda devo seis, que espero pagar com o café. Eu não tinha jamais contraído essa dívida se eu não tivesse enviado Arnaldo e Paulo a Europa contra a minha vontade, porque isso estava acima de minhas forças. (Carta de Hércules Florence ao seu cunhado Otto Kupfer, na Alemanha. Campinas, 25/5/1871). Entre as alunas que mais se destacou, Maria Monteiro corrobora a credibilidade da 61 instituição, quando na Itália, o conservatório de música reconhece seu adiantamento no treinamento da voz. No entanto, muitas se tornaram professoras ou diretoras de escola. Entre os pais e parentes de algumas alunas, alguns foram figuras ilustres na história de Campinas e do século XIX. Entre eles Francisco Glicério, Coronel Quirino dos Santos, Tomás Gomide, Moraes Salles, Gustavo Schaumann, Ferreira Penteado, José Egydio de Souza Aranha, Francisco de Queiroz Telles, Antonio Pinheiro de Ulhoa Cintra, Barão de Ataliba Nogueira, entre outros. As atividades culturais desenvolvidas pelas discípulas na sociedade campineira, através de soirées, clubes literários tiveram sua origem nas festividades promovidas pelo Colégio Florence, que as preparava para viver na esfera pública. Carolina, Hércules e suas filhas freqüentaram, por exemplo, o Club Semanal de Cultura Artística, existente até hoje na cidade. Bilhetes de teatro encontrados na relação das despesas das alunas indicavam a freqüência com que freqüentavam essas atividades culturais, o que as diferia das alunas que freqüentavam instituições religiosas, como o Colégio de Itu, das Irmãs de Chamberry. 62 Exemplo de nota fiscal contendo material utilizado pelas alunas no Colégio Florence. Fonte: Coleção Cyrillo Hércules Florence. 63 O Brasil transformava-se e com ele a sociedade da época. As festas da corte passaram a fazer parte da vida das mulheres das famílias abastadas, e fez com que aumentasse a necessidade da educação para as mulheres de elite. Nas outras províncias, a produção do que ocorria na Corte levava os fazendeiros ricos a imitarem, reproduzirem as novidades, desde a moda, danças, músicas, edificações suntuosas etc. Campinas e o Colégio Florence na vanguarda cultural Na capital da província de São Paulo, no entanto, a vida social ainda era muito pacata, mesmo depois da segunda metade do século XIX. Alfredo d'E. Taunay, nas cartas à família, daria notícias da vida social paulistana em 1865, dizendo que não lhe agradou a capital da província e o retraimento característico de sua mulheres. Eram tímidas por demais. No mesmo se dava com as edificações: As igrejas eram ainda esteticamente pobres, os edifícios pequenos e acanhados; as construções de taipa; embora limpas, as ruas mal calçadas e pouco movimentadas onde quase não se via uma mulher. Para Taunay, as paulistanas viviam ainda muito reclusas. No teatro, a freqüência era quase inteira de homens e poucas famílias nos camarotes. As festas ou homenagens também eram diminutas. Taunay era enfático: a cidade não o havia agradado. (..) Das damas paulistas pouco poderei dizer por enquanto, pois muito pouco as tenho avistado. São as famílias aqui muito retraídas, como bem sabemos; pouco saem a passeio. (PINHO, 1970, p. 102). Já na cidade de Campinas os acontecimentos sociais ocorriam em franca ebulição. A sociedade, a seu ver, tinha um ritmo cultural mais desenvolvido. Taunay diria que: Esse retraimento da gente da capital fazia contraste com a expansão e a cortesia da sociedade de Campinas onde tudo exigia elogio do missivista. Na cidade, que já tinha seus dez mil habitantes, próspera e rica, em pleno desenvolvimento, com notável movimento comercial, alguns sobrados excelentes, ostentavam aparência luxuosa. (PINHO, 1970, p. 103). Diria ainda que em Campinas as moças eram-lhe mais amáveis, conversavam animadamente, e que já não sabia a quantos saraus, bailes, jantares e festas tinha ido. Isso demonstrava o quanto à educação e a cultura contribuía para que cidade de Campinas possuísse mulheres da elite locais desinibidas e desenvoltas. Era fundamental as mulheres freqüentar colégios, como o Florence, de cunho laico, que possuía professores do gênero masculino convivendo com alunas abertas às novas idéias e costumes. Isso lhes possibilitava conviver com desenvoltura na sociedade campineira. Seus conhecimentos, no entanto, não ficaram apenas 64 naquilo que lhes era solicitado. Avançavam quando davam utilidade a essa educação, quando aprendiam muito mais do que a vida social lhes exigia. Nesse sentido, reproduziam o que a sociedade da época esperava, mas também produziam uma nova forma de convivência, pautada nos ensinamentos assimilados no estabelecimento. Palavras finais Infelizmente o Colégio, depois de vinte e cinco anos de funcionamento fechou suas portas em Campinas e transferiu-se para a cidade de Jundiaí, em decorrência da febre amarela. Aliás, a febre voltou nos anos posteriores, em vários verões, ceifando a vida de muitos campineiros e estrangeiros, reduzindo suas potencialidades de uma cidade com características de capital de província. Mesmo assim nos anos em que o Colégio Florence permaneceu na cidade de Jundiaí, o acompanhamento da família, mesmo com a diretora tendo se afastado, foi contínuo. É preciso não se esquecer que na Corte do Rio de Janeiro, anteriormente à instalação da Escola Normal, em 1880, os poderes públicos só ofereceram às crianças e adolescentes do sexo feminino a instrução primária. Nas províncias, as escolas normais que se criaram a partir da reforma constitucional descentralizadora, em geral, franquearam suas portas à população escolar feminina. A instrução oferecida por tais estabelecimentos, cujo número só principiou a ampliarse a partir da década de 70, via de regra, entretanto, não chegou a ultrapassar o nível primário superior. (HAIDAR, 1972, p. 238). Em relação ao ensino secundário de um modo geral, as mudanças ocorreram somente a partir do ato adicional de 1834. Até então, era fragmentado em aulas avulsas, à moda das aulas régias. O aparecimento de liceus provinciais a partir de 1835, e a criação do Colégio Pedro II na Côrte, em 1837, representaram, no campo do ensino público, os primeiros esforços no sentido de imprimir alguma organicidade a esse ramo do ensino. Em 1854 tentou-se, através da implantação da Reforma Couto Ferraz ampliar a função dos estudos secundários colocando-o na base das especializações técnicas. Animado pelo surto industrial e a extinção do tráfico negreiro, pretendeu articular o curso de estudos do Colégio Pedro II, não apenas com os estudos superiores, mas com cursos comerciais e industriais oferecidos pelo Instituto Comercial e pela Academia de Belas Artes. Visando tal objetivo, o Ministro do Império do Gabinete Paraná, de acordo com Haidar, dividiu o curso do Colégio Pedro II em estudos de 1º e 2º classe, confiando aos primeiros à missão de fornecer a cultura básica para as especializações técnicas e atribuindo aos segundos, montados sobre os anteriores, a tarefa de preparar para o ingresso nas Academias. A medida, inspirada nas mesmas intenções que haviam levado à criação das Realschulen 65 prussianas, não encontrou, entretanto, em nosso país, o grau de desenvolvimento comercial e industrial que condicionara o êxito extraordinário do empreendimento nos estados alemães. (idem, p. 261). As condições sociais e econômicas que haviam conduzido ao malogro a inovação tentada por Couto Ferraz em meados do século não se haviam alterado significativamente ao fim do Império. Os estudos secundários continuavam a ter por missão a preparação para os cursos superiores. (idem, p. 261). Assim, a Reforma Leôncio de Carvalho, em 1878, consagrou os estudos fragmentários definitivamente ao manter as matrículas avulsas e ao introduzir a freqüência livre aos exames vagos no Externato d. Pedro II. (idem, p. 260). O ensino secundário público, dessa forma, teve durante o período do Império, o caráter de propedêutico, fragmentário e destinado ao sexo masculino. Quanto ao ensino secundário masculino privado, também este, se tornou preparador para as Academias: Os estabelecimentos particulares, cujo renome era em geral função do êxito de seus alunos em tais exames, com pouquíssimas e honrosas exceções que confirmam a regra, limitaram o currículo dos estudos secundários às disciplinas preparatórias e consagraram os estudos avulsos. (idem, p. 16). Desobrigados de preparar o sexo feminino para o ensino superior, o ensino secundário fornecido pelos estabelecimentos particulares puderam dar às mulheres um ensino fundamentado no enciclopedismo, libertando-se dos vícios decorrentes dos exames parcelados e preparatórios. O Colégio Florence obteve influências múltiplas das pedagogias propagadas no período. Além de Pestalozzi, Spencer, entre outros que viam a educação caminhando para a vida prática, as realschulen alemãs e os liceus secundários franceses que tinham a cultura e o ensino fundamentado no enciclopedismo (SILVA, 1969, p. 10 1) também influenciaram a educação ministrada no Colégio Florence. Hércules e Carolina Florence, oriundos da classe média, fundaram uma instituição de ensino através de seus esforços. Em cartas percebe-se que ambos tinham dificuldades para pagar os estudos dos filhos e manter a instituição com a qualidade que exigiam. Tinham um padrão de vida superior porque eram originários de classe média germânica e francesa, que instalada em Campinas, montaram negócios. Porém, trabalharam para manter suas rendas, ao que parece, sem espoliar seus subalternos. É preciso não se esquecer o sucesso que teve a propriedade de Hércules Florence no Sistema de Parceria. Carolina Florence sabia que os pais, assim como a sociedade imperial, desejavam que suas filhas adquirissem apenas uma educação que fosse suficiente para o convívio social, no entanto, seu estabelecimento ultrapassou essa educação ornamental desejada, quando se preocupava em 66 absorver os métodos pedagógicos que surgiam na Europa, além de permitir que o corpo docente da instituição elaborasse livremente seus programas de ensino, diferentemente dos colégios religiosos ou de associações que controlavam seus docentes. Dessa forma, o Colégio Florence reproduzia o ideal da educação feminina que a sociedade da época solicitava, mas avançava quando acrescentava novos conhecimentos que tornavam suas educandas mulheres que assumiram, posteriormente, atividades profissionais como professoras, fundadoras de escolas, instituições de caridade ou simplesmente filântropas. Carolina Florence conseguiu criar um estabelecimento educacional em um período em que a educação feminina ainda se encontrava em gestação, envolta em concepções que achavam desnecessário um ensino mais aprimorado para as mulheres. Conseguiu também mantê-Io funcionando por vinte e cinco anos na cidade de Campinas, com credibilidade e confiança dos pais, o que era muito difícil para o período. Finalmente, concluo acreditando que seja possível que futuras investigações acrescentem às reflexões aqui registradas, muitos aspectos que venham a preencher a lacuna que a área da História da Educação apresenta. De 1992 a 2006, muitas pesquisas surgiram, principalmente através do grupo de pesquisa de História da Educação do Histebr e do Centro de Memória da Unicamp relativos a outros colégios femininos existentes no período e que complementam o quadro da educação feminina na cidade de Campinas durante o Império Brasileiro. O interessante seria a reunião desses dados em uma coletânea, de forma a se constituírem como fontes de compreensão e resgate da memória dos processos educativos femininos do Brasil novecentista. Bibliografia CANO, W. Raízes da concentração industrial em S. Paulo. São Paulo: Difel, 1977. CARELLI, M. A Ia decoubérte de Ia amazonie. França: Gallimard, 1992. COSTA, E. V. da. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Grijalbo, 1977. DUARTE. Campinas de outrora. Campinas:Typographia Andrade de Mello, 1905. FLORENCE, I. Carolina Florence (Biografia) .Albúm de Comemoração do Bi-Centenário da Cidade de Campinas. Campinas, 1974. HAIDAR, M. de L. M. O ensino secundário no Império Brasileiro. São Paulo: Grijalbo/USP, 1972. KOSSOY, B. Hércules Florence - 1833. A descoberta isolada da fotografia no Brasil. São Paulo: Faculdade de Comunicação Social Anhembi, 1977. KUPFER, A. K. Diário. São Paulo, s.d. (Documentação em poder da Família Florence.) 67 MARIANO, J. Campinas de ontem e ante-ontem. Campinas: Maranata, 1970. PINHO, W do. Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Martins, 1970. RIBEIRO, A.I.M. A Educação da Mulher no Brasil-Colônia. S.Paulo:Arte & Ciência, 1997. RIBEIRO, A.I.M. A Educação feminina durante o século XIX: O colégio Florence de Campinas. Campinas:Área de Publicação do CMU/Unicamp, 1996. SILVA, G. B.A educação secundária. São Paulo: Nacional, 1969. SILVA, T. T. O que produz e o que reproduz em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. SILVEIRA, C. da. et alii. Notas genealógicas e outras notas. São Paulo: Inst. Hist. Geogr. S. Paulo, 1968. TSCHUDI, J. J. Viagem às Províncias do Rio de janeiro e São Paulo. São Paulo: Martins, 1954. WILLENS, E.A aculturação dos alemães no Brasil, estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil. 2. ed. ampl. e iIustr. São Paulo: Nacional/INL, 1980. Outros Documentos Pesquisados: Jornais, Almanaque, Boletins e Diários : O Correio Popular, O Diário de Campinas, A Gazeta de Campinas, A Província de São Paulo ALMANAQUES de Campinas ANOS: 1870 e 1873 - José Maria Lisboa 1878 - José Hypolito da Silva Dutra, 1879 - Carlos Ferreira e Hypólito da Silva 1886 - Henrique de Barcellos, 1892 - Francisco Cardona Coleção Cyrillo Hércules Florence (Cartas, diários e fontes primárias relativas à Família Florence) 68 5º. Texto) Sobre os prgramas de capacitação dos professores e suas didáticas. Apresentado no Congresso Internacional de Formação de Professores em Portugal (2002) FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: OS PROGRAMAS PEC-FORMAÇÃO CONTINUADA, PEC-FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA CIRCUITO GESTÃO DA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO (1997-2002) e Pedagogia Cidadã/UNESP (2002-2005) AUTORAS: RIBEIRO, ARILDA INES MIRANDA E MENIN, ANA MARIA DA COSTA SANTOS (Professora Livre Docente e Professora Doutora do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP Paulista Universidade Estadual Brasil) A Educação, dentre outras práticas sociais, tem papel importante na construção histórica da realidade social. A escola, de modo particular, é o espaço onde se vivência, analisa e compreende contradições e conflitos, como reflexo do contexto social. Sendo assim é fundamental que a Educação e a Escola estejam comprometidas com princípios democráticos. É importante lembrar que tais princípios definidos pela Constituição Federal de 1988, fundamentaram as discussões da nova LDB, Lei nº 9394/96, no que se refere à necessidade de fortalecimento de uma cultura educacional e pedagógica que privilegie a dimensão democrática da escola e que incentive, ainda mais, a participação e a sua responsabilidade social. A mesma lei procura assegurar o caráter democrático do ensino público sugerindo a reorganização dos sistemas de ensino para que implantem e efetivem novos modelos de gestão voltados para ampliação dos níveis de autonomia pedagógica, administrativa e financeira das suas instituições e das unidades escolares. Cabe registrar, no entanto, que uma concepção e uma prática de gestão que incorporem princípios democráticos constituem-se em aprendizado que deve se processar no interior das Instituições, incluindo-se aí a escola, para que não se esvaziem de sentido e caiam em descrédito. 69 No que se refere, especificamente, ao ensino, a democratização ocorre, basicamente, em dois níveis: quantitativo e qualitativo. No Estado de São Paulo, medidas implementadas a partir da segunda metade da década de 50, de certa forma equacionaram o problema da quantidade. No entanto, os altos índices de retenção e evasão comprometeram o fluxo escolar regular, ampliando o tempo de permanência dos alunos em cada série, prejudicando um satisfatório atendimento da população. Nos últimos quinze anos, tem se observado que as políticas implementadas, em nível governamental, voltaram-se para aspectos qualitativos. A atual administração da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEESP) e a anterior tem buscado a melhoria da qualidade de ensino como meta fundamental as ações desencadeadas, envolvendo todos os setores, agrupam-se em três grandes vertentes: Reestruturação do modelo pedagógico; Racionalização Organizacional; Novos Padrões de Gestão. No entanto, a ação institucional do governo, via propostas de reformas, por si só, não assegura mudanças na cultura institucional do Sistema Escolar. Para que ocorram mudanças na prática pedagógica e nos procedimentos administrativos, é imprescindível que os atores desse processo mudem seus comportamentos e formas de atuação e isto exige novos conhecimentos, novas habilidades, novas atitudes no interior das escolas e nos órgãos regionais. A adoção ou não de novos padrões de comportamento em qualquer organização está diretamente relacionada, por exemplo, à maneira como suas lideranças orientam o processo de implementação de mudanças. Embora a responsabilidade dos órgãos centrais da Secretaria de Educação, nesse processo, seja grande, a qualidade de ensino não ocorre somente nela: se os alunos não aprendem, o problema pode estar na Escola, nos processos que ocorrem dentro dela, no gerenciamento desses processos e/ou nas relações dos diferentes atores que nela participam. Estudos têm ressaltado a Gestão Escolar, como um fator determinante que faz diferença significativa na melhoria da qualidade de Ensino. O tipo de liderança, o 70 trabalho conjunto da equipe escolar, a decisão colegiada, o envolvimento dos professores nas decisões, a competência e o comprometimento do gestor, as mútuas relações estabelecidas entre professores-alunos-diretor-funcionários-pais, o exercício da autonomia, a organização do ambiente escolar, o envolvimento dos pais e da comunidade, o uso adequado de indicadores, o acompanhamento do controle de resultados são fatores que promovem a eficácia e a qualidade dos serviços educacionais e só estão presentes quando existe uma gestão eficaz. É importante lembrar, nesse contexto, que a sociedade, de um modo geral, a família, a escola, os professores, os alunos, em particular, todos enfim, foram profundamente impactados por inovações científico-tecnológicas ocorridas principalmente na segunda metade do século XX e que tais mudanças trouxeram, para a instituição escolar novos desafios, dentre eles: o desafio de aprimorar lideranças para que facilitem a incorporação dos novos paradigmas fazendo-se cumprir a meta maior de proporcionar ensino a grandes contingentes, privilegiando-se a qualidade. A legislação federal propõe e ampara transformações urgentes e necessárias na escola e no ensino, para as quais a SEE-SP vem desenvolvendo um trabalho constante de discussão e aprimoramento de conceitos presentes no âmbito educacional e escolar. Nas ações de capacitação presenciais e em publicações oficiais dentre outras prioridades, a SEE no processo de consolidação de sua política educacional destaca como questões principais: Estudo aprofundado da LDB no que se refere a: Projeto Pedagógico. Concepções de Avaliação no sistema de Progressão Continuada. Ensino Médio. Ação Supervisora e Gestão Escolar que privilegiem a formação e atualização de lideranças para atuarem na rede pública de ensino em consonância com as novas necessidades organizacionais e pedagógicas: Gestão Financeira e de Materiais. Gestão de Pessoas. 71 No que se refere à formação e atualização de lideranças, a SEE-SP, articulada às ações preconizadas e, apostando na valorização profissional dos gestores, entende que priorizar os resultados da aprendizagem constitui as bases da sua missão. Desse modo, lança um olhar atencioso sobre o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem de seus gestores a fim de que possam intervir na qualidade demandada pela escola. Novos vocábulos são incorporados ao repertório educacional: autonomia, flexibilidade, descentralização, competência, progresso e progressão, transparência, efetividade, avaliação institucional e outros. Neste contexto de mudanças que surgiu O Programa de Educação Continuada (PEC), biênio 1997-1998 que visou capacitar professores, coordenadores pedagógicos, diretores, supervisores e diretores de ensino em relação à elaboração de projetos pedagógicos, plano gestor e, orientação para o trabalho com as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Todos estes grandes temas permeados por uma preocupação comum; como praticar a avaliação do ponto de vista das unidades de ensino, dos docentes de cada unidade, dos programas curriculares, dos alunos e da aprendizagem. Para concretização deste vultoso programa, durante dois anos, professores universitários percorreram diversos Pólos Educacionais, em todo o Estado de São Paulo, com vistas a garantir, efetivamente, o cumprimento dos projetos, elaborados por grupos de docentes e encaminhados para cada diretoria de ensino. As ações contaram com o acompanhamento de especialistas em avaliação e em educação da Fundação Carlos Chagas os quais estiveram à frente de todo o processo avaliando constantemente e continuamente os trabalhos realizados pelos mais diversos docentes e instituições. Percebeu-se a seu término que a escola paulista havia sofrido grandes transformações e que, certamente, os profissionais envolvidos pelo processo começaram a despertar para a necessidade de se praticar mudanças substantivas na escola. Na região de Presidente Prudente o projeto sobre Avaliação e a proposta pedagógica para uma escola de qualidade atendeu às cidades de Osvaldo Cruz, 72 Adamantina, Dracena, Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio e Porto Primavera. Em uma outra ponta deste processo e com as mesmas preocupações, ou seja, capacitar os profissionais do ensino fundamental e médio do Estado de São Paulo, surgiu o Programa Circuito Gestão, criado pela Secretaria a Educação do Estado de São Paulo. O programa foi estabelecido a partir de um projeto implantado pela Secretaria de Educação em 2000, visando aperfeiçoar continuamente o profissional. Desta forma o público alvo esteve voltado para os gestores da educação, e se desenvolveu no período de 2000 à 2002, em nove centros no Estado de São Paulo, coordenados a partir de um centro gerador sediado na cidade de Botucatu. A proposta pedagógica do Circuito Gestão esteve ancorada em duas grandes metas: a) fortalecer a liderança dos gestores; b) refletir sobre os paradigmas que sustentam a nova organização da Educação Brasileira. O programa foi organizado em módulos temáticos, voltados para atender as necessidades específicas detectadas no cotidiano das escolas e dos gestores da rede estadual de ensino, ajudando-os a compreender melhor os problemas que enfrentam e preparando-os para encontrar os melhores caminhos que levem ao sucesso das escolas. Foi extinto em 2002, quando a Secretária da Educação do Governo Mário Covas, Profa. Rose Newbauer transferiu seu cargo para o Prof.Dr.Chalita, Secretário da Educação do Governo Alkimin. Apesar de gerar controvérsias entre os gestores da Rede de Ensino Estadual, metodologia adotada partia de um princípio que privilegiava um processo dinâmico e com grande flexibilidade, retratado pela prática diária que fornecia novos elementos que alimentaram novas propostas e procedimentos no cotidiano escolar, evidenciando a busca de novos caminhos e a superação dos problemas do dia-a-dia. Nesse sentido, além do referencial teórico cuidadosamente elaborado e trabalhado com os gestores nos módulos, destacou-se a oportunidade de reflexão propiciada, bem como os momentos em que foram apresentados pelos gestores em suas unidades, as experiências de sucesso que foram sendo colocadas em prática nas escolas, possibilitando uma troca de experiências. O conteúdo pedagógico de cada módulo foi sendo definido pelas necessidades detectadas nas verbalizações, nas atitudes e posturas dos educadores da rede pública paulista. Na opinião de um diretor de escola, que freqüentou o Circuito Gestão: 73 A preocupação em integrar teoria e prática fez com que o programa Circuito Gestão fosse buscar tanto profissionais que tivessem como objeto de estudo a educação, os professores universitários, como profissionais vinculados diretamente à prática educacional nas escolas, tais como supervisores e assistentes técnicos pedagógicos da rede estadual de ensino, para elaborarem e multiplicarem os conteúdos abordados. Esta parceria resultava em uma experiência inédita no que diz respeito aos responsáveis pelas ações desencadeadas durante a realização dos cinco módulos. Esses profissionais multiplicadores chamados facilitadores eram, geralmente, oriundos de cargos de docência ou administrativos, dentro do Sistema Público de Ensino; portanto, conhecedores dos problemas mas, igualmente dos sucessos alcançados pela Escola Pública Estadual. Os facilitadores trabalhavam os conteúdos próprios de cada módulo, com os gestores, recebendo, durante todo o processo, apoio constante de professores universitários, os consultores, propiciando lhes um aperfeiçoamento contínuo para o trabalho que realizaram. Percebia-se, aiim, pois, um processo de capacitação contínua não somente do público que freqüentou o programa, quanto por aqueles que estavam, diariamente à frente de todo o processo desenvolvendo as ações nas salas ambiente do referido programa. (Entrevista realizada com uma diretora de escola em dezembro de 2002). Os facilitadores, profissionais fundamentais para o bom andamento das diversas atividades, inicialmente, formavam um grupo de 13 profissionais, atingindo cerca de 40. Esses facilitadores construíram o caminho firmado pela competência e pela prática (habilidade) no cotidiano de suas atividades, em sala de aula, com os gestores. Seu dia-a-dia era dedicado a dar especial atenção aos grupos que, semanalmente, chegavam aos centros de capacitação. Cada nova turma provocava um clima de expectativa, de ansiedade. Lidar com o outro, sobretudo no campo 74 educacional exigiu de todos os envolvidos uma atenção especial e redobrada. Esta sempre foi à orientação transmitida aos facilitadores. Embora diferenciados, os grupos de cursistas revelavam muitos pontos em comum. A maioria dos participantes envolvia-se de modo adequado. Poucos foram os pessimistas e os resistentes às novas idéias, como também poucos foram os que demonstram compreensão e atualização da legislação. Na opinião dos facilitadores, cada grupo que deixava o Centro de Capacitação, saía fortalecido e muitos dos resistentes realizavam ao final do projeto, depoimentos emocionantes como o relatado: o grupo que sai não é, com certeza, o mesmo que chega . Vale ressaltar que os grupos diferenciados levavam o facilitador a buscar formas de ação também alternativas. Via de regra, os diretores discutiam muito, criaram polêmicas, preocupavam-se com o resultado dos trabalhos, envolviam-se nas oficinas, participando ativamente, saindo enriquecidos com a troca de experiências. Em situações de conflito, a propósito, muito salutares, a orientação que os facilitadores seguiam pela coordenação do programa, era a de não deixarem questões sem respostas, ilustrarem com informações e exemplos concretos as indagações dos cursistas. Nesse sentido, uma das preocupações dos facilitadores foi o de dominar cada vez mais a seqüência das atividades, proporcionando a segurança e o êxito da condução de seus trabalhos em sala. Estudavam, analisavam e discutiam, após a atividade das oficinas dos módulos com os gestores da escola pública estadual paulista, em grupos, as ações do dia. Uma outra preocupação foi o de relacionar as diversas atividades práticas aos fundamentos legais, aos conceitos pedagógicos e legislação pertinente à gestão escolar vigente na época. Principalmente no que dizia respeito à LDBEN 9394/96. Os facilitadores afirmavam que muitos dos diretores, procedentes das várias regiões do Estado de São Paulo, chegavam irritadiços com o deslocamento cansativo das suas cidades e unidades escolares. Alguns ficaram indignados por não terem sido consultados sobre essa forma estratégica de capacitação, das resoluções terem vindo, como sempre de cima para baixo, desconsiderando a vontade dos gestores escolares . Outros, no entanto, elogiavam a coragem da coordenação do projeto de retirarem os supervisores, diretores e coordenadores do seu habitat congestionado de 75 problemas diários e deslocarem-se para regiões que não conheciam. Alguns ficavam aliviados por poder conversar sobre os problemas da escola, com a própria Secretaria de Educação e com outros colegas gestores de outras regiões, trocando com isso experiências pedagógicas salutares. Havia nessas oficinas modulares, momentos de catarses, quando alguns participantes sentiam a necessidade de botar prá fora insatisfações diversas. Alguns gestores, a maioria, criavam expectativas de novas aprendizagens (solicitavam roteiros de ação em suas escolas), muitos chegavam aos pólos de formação quietos, desconfiados. Ouviam, criticavam, com uma participação inicial muito passiva. No entanto, com o passar dos dias e dos trabalhos realizados durante as oficinas, manifestavam sua aprovação através da Avaliação final. Alguns não entendiam o que está acontecendo com a Secretaria, porque estava muito diferente do que eles haviam vivenciado nos cursos anteriores, enquanto profissionais na ativa da Rede Estadual de Ensino. O trabalho de conquista e sedução foi muito significativo. Um facilitador escutou certo dia, comentários de alguns diretores no corredor que diziam: A Secretaria encontrou o seu caminho e nós vamos encontrar o nosso! Tanto gestores, quanto facilitadores viveram durante a realização de cada módulo, momentos de significativo crescimento. Não há como desconsiderar a troca permanente e enriquecedora entre os cursistas, os facilitadores e os consultores. O processo de construção e crescimento ocorreu de forma a perceber não somente os avanços, como também, as dificuldades que permearam o processo. Entre eles a de administrar o tempo para que os assuntos fossem discutidos pelos participantes. Uma facilitadora bem humorada escreveu em seu relatório: Ah! Participantes!!! Hih! Participantes!! Oh! Participantes! Participantes diferenciados! Cada grupo constrói sua própria identidade. Agindo com flexibilidade íamos nos adequando ou tentando nos adequar aos grupos. Discussões, contestações, polêmicas, tudo levava à reflexão e assim os temas abordados no Programa Circuito Gestão foram veiculados por todo o Estado de São Paulo LDBen, Gestão Pedagógica, Progressão Continuada interagindo com oficinas de sensibilização era a pauta do nosso dia-a-dia! 76 Os facilitadores reconheciam que às vezes era preciso pedir ajuda para os consultores, estudar mais, buscar novos caminhos. Temas como: problemas administrativos, recursos financeiros, H.T.P.C., profissionalismo docente, recuperação, Conselho de Escola, Conselho Tutelar, legislação educacional, progressão continuada, avaliação contínua, competências, habilidades e atitudes, indisciplina, protagonismo juvenil, drogas na escola, gravidez precoce, violência, papel da família na escola, diversidade e orientação sexual eram indagações freqüentes nos trabalhos dos grupos. O conhecimento e o comprometimento do facilitador faziam com que as diferenças individuais nos grupos tornassem-se geradoras de um trabalho mais amplo, mais rico e mais fidedigno. Essa diversidade de atitudes e reações era esperada em um mundo feito de diferenças. Diferenças essas que deviam e devem ser trabalhadas para o crescimento do próprio grupo como um todo: Gerenciar as diferenças com habilidade e conduzir os conflitos e opiniões direcionando para os temas propostos, enriquecia o grupo, na medida em que, os resultados positivos fossem socializados (Fala de um facilitador de Aprendizagem. Dez 2002). Pode-se afirma que o Circuito Gestão foi uma experiência marcante dentro dos programas de formação de professores, apesar de todas as críticas a ele apresentadas. Cabe ainda, que futuros pesquisadores se debrucem no material que restou do programa e dele faça uma pesquisa mais cuidadosa e séria sobre o seu papel na capacitação dos gestores da Rede Estadual Paulista de Educação. Para esse texto, o intuito foi apenas de visualizar uma panorâmica de um projeto polêmico e monumental para os moldes de uma Rede de Ensino que conta com uma população de supervisores, diretores, vice-diretores e coordenadores semelhantes à população da Dinamarca. A iniciativa com os Professores do Estado: O PEC-Formação Universitária e o Curso Especial de Licenciatura da Unesp PEC-Formação Universitária: PEDAGOGIA CIDADÃ. 77 Dentro deste quadro traçado envolvendo níveis diferentes de formação e capacitação de docentes em serviço, destaca-se ainda o PEC-Formação Universitária, programa de formação de professores da Rede Estadual de Ensino iniciado em 2001, com seu término previsto para o início de 2003. No momento da realização desse texto, está em andamento. Este programa, entre os outros já apresentados neste texto, um dos mais inovadores para a promoção da qualidade de ensino da rede pública, proporcionou a melhoria de formação a quase 7.000 docentes que já atuam nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, ao fornecer fundamentos para a formação profissional docente além da certificação de Curso Superior, em Pedagogia. Também, pelo seu ineditismo, por sua forma de procedimento metodológico, com aulas presenciais e orientação à distância, encontra-se crivado de críticas, de discussões polêmicas entre alguns docentes das Universidades Públicas. A consecução deste programa foi possível graças a parcerias firmadas entre três das principais Universidades do país: USP, UNESP e PUC-SP, órgãos públicos, instituições de ensino, empresas, profissionais e especialistas de vários setores. Estas instituições, em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação, foram responsáveis pelo detalhamento do projeto, o que envolveu aspectos pedagógicos e metodológicos, o conteúdo desenvolvido e a definição e a constituição das equipes de trabalho. A elas competia ainda à elaboração dos materiais didáticos de apoio, a coordenação das ações de docência, a avaliação e a expedição dos diplomas dos professores. Para atender ao grande contingente de 7.000 docentes (dados estimativos) foram montados 46 ambientes de aprendizagem, com características especiais e distribuídos em 34 locais na capital, Grande São Paulo e interior do Estado utilizandose, principalmente, das instalações dos Centros específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAMs). Todos os ambientes estiveram conectados com a Secretaria da Educação, com as Universidades e à PRODESP, por meio da intranet. Criou-se assim como o Circuito Gestão, um novo desenho curricular tomando como referência os marcos da política educacional contidos na LDBEN e nas Diretrizes Curriculares nacionais do Ensino Fundamental, seguindo as recomendações dos 78 Parâmetros Curriculares Nacionais e as orientações do Conselho Estadual de Educação expressas nas Deliberações 12 e 13/2001. O programa foi fundamentado nos seguintes princípios educacionais e pedagógicos: Ênfase na relação teria-prática; Exercício da docência escolar como referência de organização institucional e pedagógica; Construção de competências como eixo organizador do currículo; Coerência entre a formação do professor e a prática de atuação que dele se espera como base de todas as atividades que serão desenvolvidas durante o programa; Priorização do domínio dos objetos sociais do conhecimento e sua transposição didática; A dimensão da pesquisa na formação do professor como garantia do desenvolvimento de uma postura investigativa que leve à reflexão que leve à reflexão sobre sua ação cotidiana. Para o desenvolvimento das ações nos ambientes de aprendizagem os professores-alunos contaram com a presença constante de um tutor e com o acompanhamento a distância e presencialmente de um professor-orientador. Caracterizava-se o PEC, pois, por uma ousada organização e diversidade de ações entre elas a de fazer uso de um a metodologia apoiada em midias interativas - como teleconferências, videoconferências, Internet e Intranet. Os professores-alunos tiveram à sua disposição em todo o Estado, um aparato tecnológico integrado de informação e comunicação tecnológica. Desta forma, pretendeu-se prepará-los para vencer os desafios educacionais e sociais deste novo milênio. O PEC-Formação Universitária foi um Programa especialmente desenvolvido para oferecer graduação em nível superior aos docentes efetivos do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, da rede pública do Estado de São Paulo, com habilitação inicial, em nível médio. Esta iniciativa possibilitou aos professores cumprirem, antecipadamente, as exigências da LDBEN 9394/96, que determina a necessidade da formação em nível superior para o exercício do magistério nas primeiras séries do Ensino Fundamental a partir de 2006. 79 - Pedagogia Cidadã: Dando continuidade à implantação desses programas, iniciou-se em outubro de 2002, um novo e ainda mais inovador, destinado à formação de professores, denominado « Pedadogia Cidadã » pela UNESP (Universidade Estadual Paulista), destinado às Redes Municipais de Ensino, e em convênio com as prefeituras. O programa se destinava, ousadamente, à formação dos 40.000 professores de educacão infantil e do ensino fundamental, que não possuíam o curso superior e eram, naquele momento, a maioria dos professores da rede municipal de ensino paulista interiorana. A ênfase era preparar os docentes já em serviço, no sentido de melhor atenderem as crianças em situação escolar, dentro de um novo olhar educativo, fundamentado na valorização da Cidadania. O curso encontra-se em andamento, nesse momento. - Considerações Finais : É sabido que a formação continuada dos profissionais da educação é o melhor caminho para uma educação que se pretende de qualidade, dentro de uma escola que busque atingir um grau de excelência voltado para a construção da cidadania, alicerçada pelos princípios da ética. Desencadear programas que visem atender tais demandas, certamente, determinará uma nova postura da Secretaria da Educação, das Instituições Superiores de Ensino, dos profissionais da educação e da sociedade de forma mais ampla. Cabe a nós, educadores comprometidos com a teoria e a prática, para o momento, não deixarmos que estes programas pereçam com o cal da crítica simples e descomprometida. É necessário a manutenção das luzes da esperança, do sonho e da civilidade em busca de uma educação consciente. Erros existirão, mas com certeza, toda crítica virá em torno de um projeto transposto para a realidade. 80 Referências Bibliográficas BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 1977. BLAU, P.M. & SCOTT, N.R. Organizações Formais. São Paulo: Atlas, 1970. BOOG, Gustavo G (Org.). Manual de Treinamento e Desenvolvimento. Brasília: ABTD, 1996. ETZIONI, Amitai. Organizações modernas. São Paulo: Pioneira, 1984. FAZENDA, Ivani. Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1997. (Biblioteca da Educação, série 1, Escola, v.11) FERNANDES, Florestan. A condição de sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978. GAMBOA, Silvio Sánches. Quantidade-qualidade: para além de um dualismo técnico e de uma dicotomia epistemológica. In: SANTOS FILHO, José Camilo dos; GAMBOA Silvio Sánches (Org.). Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. 2ª ed. 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