Eletricidade e Sonorização - Parte 1 - Cálculo de estimativa de
consumo
Autor: Fernando A. B. Pinheiro
Introdução
Compra-se uma fantástica mesa de som, um monte de periféricos, amplificadores e caixas de som
potentíssimas. Tudo do bom e do melhor. Mas tudo isso precisa de eletricidade para funcionar. E na
maioria das vezes, acredita-se que basta conectar os aparelhos na primeira tomada de parede que se
encontrar. Completo engano: quase sempre as instalações elétricas que vão atender os equipamentos de
sonorização não são adequadas ou não recebem os cuidados devidos.
Recentemente participei de um Workshop sobre mesas digitais da Yamaha. O Aldo Linares, especialista
de produtos da Yamaha, passou quase uma hora enfatizando que as pessoas precisam ter muito cuidado
com a eletricidade que disponibilizam para as mesas digitais, e contou inúmeros casos em que o usuário
danificou a mesa digital (algumas de R$ 50.000,00) por problemas de energia! O que ele não contou,
mas todas as empresas fazem assim, é que a garantia não cobre danos causados por problemas
elétricos e erros de operação.
Também participei de um curso do IATEC, Operação de Sistemas de Sonorização, onde o instrutor Fred
Júnior passou uma manhã inteira falando somente sobre Eletricidade, dizendo os cuidados básicos e
contando casos “bárbaros” de shows que ele fez (ou não fez) devido a problemas elétricos. Aliás, os
peazeiros que estavam lá também contaram muitas histórias (sempre tristes). Em todas as histórias, os
prejuízos eram de alguns milhares a até dezenas de milhares de reais (imagine um show para 30.000
pessoas que é cancelado por problemas elétricos).
Problemas elétricos não poupam ninguém, nem os “grandes”. Uma artista de renome nacional, fazendo
um mega-show em um estádio de futebol, teve o show paralisado por 20 minutos por causa justamente
disso.
E este próprio autor já vivenciou problemas seríssimos devido a isso. Oito mil pessoas reunidas e o som
“acabou” porque alguém ligou um equipamento indevido na rede elétrica.
Todos que lidam com a área de sonorização sabem que sem som não tem evento – seja um culto ou um
mega-show. Qualquer operador responsável leva o material necessário e inclusive equipamento de
backup, para o caso de alguma eventualidade. Mas sem energia, não há som!
Ter energia elétrica disponível é até mesmo questão de segurança. Imaginem um ginásio lotado quando
falta energia. É necessário haver suprimento elétrico de emergência – e sonorização e iluminação - para
manter as pessoas calmas, orientar a saída, etc. Sem isso, pode haver pânico, e a responsabilidade é
toda dos responsáveis pelo evento.
Não podemos esquecer que, quando acontecem problemas em um evento, é o nome do organizador que
estará sendo prejudicado. Ninguém quer saber se foi a empresa X ou Y a responsável pela parte elétrica
ou de sonorização. Todos imaginam que a responsabilidade é do promotor do evento. O mesmo se aplica
à igrejas. As igrejas são as responsáveis pelos eventos que promovem. Uma pessoa que visita um evento
da igreja pela primeira vez e vivencia uma situação ruim provavelmente terá grandes ressalvas em repetir
novamente a visita.
Assim, o assunto Eletricidade é dos mais importantes. Mas também é dos mais ignorados pelos
operadores de som. Talvez pela simplicidade aparente - muita gente acha que é só ligar tudo na primeira
tomada que aparecer na frente. Entretanto, o assunto é extremamente complexo (um engenheiro não fica
5 anos na faculdade à toa). Um simples fio é muito mais que sua bitola. Um disjuntor, desses que todos
temos em casa, na verdade pode ser de 4 tipos, de acordo com a velocidade de disparo – e isso pode
fazer muita diferença em um sistema de sonorização.
Apesar da complexidade, o técnico de som tem obrigação de entender algumas coisas, sob pena de ver
seu trabalho comprometido por causa de problemas elétricos. Podem acontecer danos aos
equipamentos, insuficiência de desempenho ou mesmo paralisação dos trabalhos de sonorização.
Qualquer que sejam as conseqüências, “vai sobrar” para o operador de áudio, e podem ter certeza que
não será nem um pouco bom!
Assim, tentaremos nesta série de artigos apresentar conceitos básicos e noções gerais, que são
necessárias para se evitar problemas que podem atingir o ser humano nas suas partes mais sensíveis: os
ouvidos (e o bolso).
Para a turma dos medrosos (como este autor), saiba que o operador de som só precisa ter noções, não
precisa saber fazer instalações (eu falo sempre: “não sei”, “não mexo”, “não encosto”, “tenho medo”, “não
chego nem perto”). Mas o operador precisa saber passar, na linguagem do engenheiro / eletrotécnico o
que ele precisa para que tudo funcione bem. É isso que vamos tentar ensinar.
Mas ficam dois alertas. O primeiro é o seguinte: para projetar um sistema de energia adequado, é
necessário um engenheiro eletricista ou pelo menos um eletrotécnico. O assunto é extremamente
complexo, há vários livros sobre isso. Então, o que faremos aqui são apenas dicas básicas, simplificadas
ao máximo – o suficiente para que o operador de som possa conversar com o responsável pela parte
elétrica de forma satisfatória. E quem quiser se aprofundar, sugerimos muito procurar um livro
especializado.
O segundo é quanto ao perigo. NÃO MEXA COM ELETRICIDADE se você não tem formação específica
para isso. Existe risco de MORTE. Aquelas caveiras pintadas na frente de quadros de energia não estão
lá à toa!
Estimando o consumo elétrico dos equipamentos
A primeira coisa que qualquer operador de som tem que saber é calcular o quanto de energia elétrica
seus equipamentos consomem. A tarefa é extremamente simples. Pegue os manuais e procure, nas
páginas de especificações técnicas de cada aparelho, a seguinte especificação:
Consumo máximo: XXX Watts
Ou o equivalente em inglês ou outras línguas. Mesmo que esteja em língua estrangeira será fácil, pois
estará sempre expresso em Watts (padrão internacional de potência). Esse valor corresponde em geral
ao ao consumo elétrico máximo do aparelho*. A partir daí, some todos os consumos (de todos os
equipamentos) e você terá o consumo elétrico máximo total do seu sistema de sonorização.
*Não confundir, em amplificadores, o consumo elétrico (também chamado de potência elétrica) com a
potência útil do amplificador. O consumo elétrico é sempre maior que a potência especificada do
equipamento. A potência dos amplificadores também é estimada em Watts, mas em geral vem
acompanhada dos valores 2 Ohms, 4 Ohms, 8 Ohms. Para mais informações sobre isso, consulte:
http://www.somaovivo.mus.br/artigos.php?id=145
Para tanto, vamos dar como exemplo o sistema de sonorização de um Anfiteatro. Esse sistema tem os
seguintes equipamentos:
Mesa de Som Ciclotron VEGA 48MF – consumo máximo de 335Watts
4 amplificadores Ciclotron PWP 6000 – consumo máximo de 1.800 Watts cada
2 amplificadores Ciclotron PWP 4000 – consumo máximo de 1.320 Watts cada
1 Equalizador Ciclotron CGE 2313 – consumo máximo de 30Watts
1 Compressor Alesis RA3630 – consumo máximo de 25 Watts
4 microfones sem fio Shure modelo T4N – consumo máximo de 12Watts cada
Temos então:
Mesa de som = 335W
Periféricos / microfones sem fio = 103W
Amplificadores = (1800 x 4) + (1320 x 2) = 9.840 Watts.
Total: 10.278 Watts (arredondando, 10.300 Watts)
Note que as mesas de som e os periféricos têm consumo consideravelmente menor que os
amplificadores. Os grandes consumidores de energia em um sistema de sonorização são sempre os
amplificadores.
Os valores acima foram obtidos através dos manuais dos equipamentos ou consulta ao site do fabricante.
Mas nem sempre isso é possível, pois em alguns casos o fabricante não mais existe ou não temos
manuais. A solução é simples, bastando consultar o próprio equipamento. Muitos trazem escrito o
consumo máximo no painel traseiro e, se não existir esse dado, é possível calculá-lo através do valor do
fusível, aplicando a Lei de Ohm (um cientista que estudou a eletricidade).
Potência (Watts) = Amperagem x Voltagem
Por exemplo, um equipamento com fusível de 4A em 110V* consome então
Potência = 4A x 110V = 440Watts
* Alguns aparelhos trazem escrito 110V, outros 115V, outros 120V, 125V ou até 127V, assim como 220V,
230V, 234V ou 240V.
Só que precisamos fazer esse cálculo em relação à nossa voltagem real, aquela que encontramos na
tomada. Na minha cidade, a voltagem é de 127V/220V, mas existem cidades onde a voltagem é
120V/208V, outras onde é 115V/230V. Mais adiante falaremos sobre isso. Assim, no exemplo acima, para
uso na minha cidade, teremos 4A em 127V, então:
Potência = 4A x 127V = 508Watts
O engenheiro que revisou esta série comentou que um aparelho de 4A em 110V quase nunca alcançará
esse valor de 508 Watts de consumo elétrico, que só raras condições isso poderá acontecer. Segundo
ele, o consumo na maioria das vezes é inferior até mesmo que o consumo de 440 Watts (4A x 110Volts),
devido a algo chamado “Fator de potência”. Quando o fabricante explicita o consumo máximo no
manual, ele leva em consideração esse parâmetro também. Mas neste caso, onde aplicamos a Lei de
Ohm por não ter informação do fabricante, precisamos pensar na pior das hipóteses que possam
acontecer, e o consumo de 508 Watts é essa pior hipótese, e é o valor que deve ser considerado.
Alguns equipamentos, em geral de pequeno consumo (mas que precisam ser levado em consideração),
vem com fontes externas. A informação do consumo elétrico costuma vir escrito na própria fonte. Esse é o
valor que entrará no cálculo do consumo total.
Voltando ao nosso exemplo, já calculamos que nosso sistema de sonorização tem 10.300 Watts de
consumo elétrico máximo, considerando-se apenas os equipamentos de sonorização. Mas muitas
instalações elétricas de sonorização são compartilhadas também com os instrumentos musicais e seus
acessórios. Teclados, pedaleiras de guitarra/violão e cubos de instrumentos. Todos eles apresentam
consumo elétrico e têm que ser levado em consideração no cálculo. Aliás, cubos de instrumentos são
amplificadores, e alguns tem consumos elétricos bastante elevados. Vamos então colocar que o nosso
consumo total seja de 11.000 Watts (ou 11 KW, sendo K = 1000).
Além disso, é preciso incluir no cálculo uma folga para o sistema. Só que não é possível precisar se a
folga será de 10% ou de 30% ou outro valor qualquer. Cada caso é um caso. No sistema do Anfiteatro
que estamos usando de exemplo, se considerarmos que o mesmo é pobre em periféricos e bem servido
de amplificadores (neste caso), podemos considerar uma folga pequena de 1.000 Watts, suficientes para
a adição de um computador (200 a 300W) quando houver gravação, e novos periféricos – módulos de
efeitos, equalizadores, compressores (50 a 150W cada um). Já em um sistema de menor porte, mas onde
novos amplificadores poderão ser necessários, é melhor calcular logo uma folga bem grande.
Assim, podemos estimar o consumo máximo do sistema de exemplo em 12 KWatts. Esse valor inclui os
equipamentos utilizados comumente, e uma folga útil para adição de novos equipamentos, ainda que de
uso esporádicos.
Este é o valor que vamos informar ao engenheiro eletricista ou eletrotécnico, e é o parâmetro que ele
usará para dimensionar o sistema elétrico do local (no-breaks/geradores, bitola de cabos, disjuntores,
etc). No próximo artigo, aprenderemos noções básicas de como fazer esse dimensionamento.
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