1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ILDO RODRIGUES OLIVEIRA INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA Salvador 2012 2 ILDO RODRIGUES OLIVEIRA INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Brito. Salvador 2012 3 O48 Oliveira, Ildo Rodrigues Indústria de calçados e implicações socioespaciais: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão - BA. / Ildo Rodrigues Oliveira. – Salvador, 2012. 150f. : il. Orientador: Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito. Dissertação (mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Geografia Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 2012. 1. Geografia econômica – Santo Estevão (BA). 2.Indústria – Aspectos sociais. 3. Investimentos – Indústria de calçados. 4. Desenvolvimento regional. I. Brito, Cristóvão de Cássio da Trindade. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título. CDU 911.3:33(813.8) __________________________________________________________________________ Ficha elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA 4 ILDO RODRIGUES OLIVEIRA A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E AS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Geografia. Banca Examinadora: Orientador: Prof. Dr. Critóvão de Cássio da Trindade Brito Universidade Federal da Bahia (UFBA). Prof. Dr. Noélio Dantaslé Spinola (UNIFACS). Prof. Dr. Onildo Araujo da Silva Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Salvador-Ba, _____/______/_____. 5 Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam na possibilidade da construção de um espaço geográfico em que a justiça social e a dignidade humana sejam os objetivos centrais. 6 AGRADECIMENTOS Ao orientador desta pesquisa, o professor Dr. Cristóvão Brito, por ter me atendido tão prontamente nos momentos cruciais do processo de investigação e por ter possibilitado o desenvolvimento de um diálogo extremamente agradável. Ao Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Bahia, pela acolhida. À CAPES que, por meio de bolsa de pesquisa, possibilitou o financiamento deste trabalho. Aos amigos e colegas do Mestrado em Geografia, por terem me proporcionado o amadurecimento acadêmico durante as aulas; suas idéias e suas compreensões de mundo me marcaram muito. À minha esposa, meu filho, minha mãe e minha irmã por terem tolerado os longos dias e horas que tive que subtrair do convívio com eles, pois precisava me dedicar às leituras, escrita e trabalho de campo. Aos meus amigos da cidade de Santo Estevão-BA que, com suas reflexões poéticas e filosóficas, fizeram com que meu pensamento pudesse se expandir: José Agnaldo Barreto de Almeida (Kiko), Ricardo Leal, Edson Oliveira, Tasciano Santa Isabel, Xan Falcão. Em especial ao amigo, eterno patrão, Mestre em Políticas Públicas, José Agnaldo de Almeida, por ter lido os originais deste trabalho e sugerido correções. Aos trabalhadores, chefes e gerentes da fábrica de calçados Dass Clássico em Santo Estevão-BA, por me atenderem com presteza quando da realização de entrevistas e aplicação de questionários. Aos diretores e ex-diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados (SINTRACAL) por terem aceitado abrir as portas do sindicato e responder os questionários e entrevistas. Aos dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão, principalmente a Senhora Jacirene e ao Senhor Otávio. Aos integrantes da Secretaria de Obras (SEOBS) e da Secretaria de Finanças (SEFIN), por fornecerem as informações solicitadas. Aos professores da rede estadual e municipal de ensino da cidade de Santo Estevão. Aos trabalhadores em educação das Escolas: Professora Maria Irene Santiago (em Santo Estevão) e da Escola Estadual Ieda Barradas Carneiro (em Ipecaetá). 7 O desenvolvimento econômico, [...], é uma ilusão. A riqueza do Ocidente é análoga à riqueza oligárquica de Harrod. Não pode ser generalizada porque se baseia em processos relacionais de exploração e de exclusão que pressupõem a privação relativa continuamente reproduzida da maioria da população mundial (ARRIGHI, 1998, p. 282). 8 RESUMO O processo de instalação de fábricas de calçados na Bahia, a partir da década de 1990, tem sua origem na reestruturação produtiva, no acirramento da competitividade mundial e na “guerra fiscal”. O município de Santo Estevão-BA se insere nesta lógica de instalação de novas fábricas a partir do ano 2001, com o funcionamento da fábrica de calçados do grupo empresarial Dass Clássico. A proposta do presente trabalho de pesquisa foi analisar o processo que resultou na instalação da fábrica de calçados Dass Clássico na cidade de Santo Estevão – BA, enfocando as características da produção de calçados e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e suas principais implicações socioespaciais. Como resultado foi possível compreender e identificar os principais motivos da instalação da fábrica de calçados em Santo Estevão - BA, as práticas espaciais desenvolvidos pela empresa para manter a localização geográfica da unidade produtiva, caracterizar e analisar as principais implicações socioespaciais da instalação da fábrica de calçados no município. Palavras-chave: Santo Estevão; Fábrica de calçados; Implicações socioespaciais. 9 ABSTRACT The installation process of manufactures footwear in Bahia, starting from decade in 1990, has its origin in the restructuring process, the intensification of global competition and “fiscal war". The municipality of Santo Estevão-BA inserts in this logic of installation of new factories starting in 2001, with operation of manufacture footwear business group Dass Clássico. The propose of this research was to analyze the process that resulted in the installation of manufactures footwear Dass Clássico in Santo Estevão-BA, focusing on the features of shoes production and the spatial practices developed by the company and its main implications sociospatial. As result was possible understand and identify the main reasons for the installation of the manufactures footwear in Santo Estevão-BA, the spatial practices developed by company to keep the geographic location of the plant, characterize and analyze the main implications sociospatial of the installation manufactures of footwear in the municipality. Keywords: Santo Estevão-BA; manufactures footwear; sociospatial implications. 10 MAPAS E CROQUIS Mapas – 1 Município de Santo Estevão..................................................................... Mapas – 2 Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por estado – 2007..................................................................................... Mapas – 3 20 63 Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado – 2009............................................................................................... 65 Mapas – 4 Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010).............. 66 Mapas – 5 Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do Grupo Dass Clássico – 2011............................................................... Mapas – 6 Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a produção de calçados na Bahia – 2010................................................ Mapas – 7 83 108 Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira Livre de Santo Estevão – BA, 2011................................................................. 134 Croqui – 1 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001.................................. 117 Croqui – 2 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010................................... 127 11 LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS Tabela 1 – Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004.............................. Tabela 2 – Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de 36 pares por ano (2004/2010)......................................................................... 46 Tabela 3 – População absoluta e produção de calçados por país em 2011................. 47 Tabela 4 – Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados........................................................... 51 Tabela 5 – Importação brasileira de calçados – 2008............................................... 52 Tabela 6 – Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados 2006................................................................................................... 53 Tabela 7 – Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011................ 82 Tabela 8 – Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008.......................................... 104 Tabela 9 – Relação de empresas, investimentos e mão de obra – 2006....................... 102 Tabela 10 – Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006....................................... 113 Tabela 11 – Santo Estevão-BA: PIB Municipal – 1999 a 2007..................................... 114 Tabela 12 – Unidades indústrias existentes em Santo Estevão-BA – 1996................... 115 Tabela 13 – Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009......... 119 Tabela 14 – Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006.................. 120 Tabela 15 – Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de bens – 2010.................................................................................................... Tabela 16 – Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas comerciais (2002 - 2010).......................................................................... Tabela 17 – 121 123 Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório pendular – 2010.......................................................................................... 124 Tabela 18 – Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010....................... 125 Tabela 19 – Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor de atividade (R$ mil) – 2003 a 2008......................................................... Tabela 20 – Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes 1996 a 2010......................................................................................... Tabela 21 – Tabela 22 – 126 126 Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que possuem casa própria – 2010............................................................................................ 126 Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de calçados – 2010....... 129 12 Tabela 23 – Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água encanada, 1985 – 2011............................................................................... Tabela 24 – 129 Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e sociais entre os municípios da Bahia – 2002 a 2006................................ 130 Tabela 25 – Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010.... 133 Tabela 26 – Santo Estevão-BA: local de residência dos feirantes entrevistados, 2011... 135 Tabela 27 – Santo Estevão-BA: desigualdade de renda - índice de Gini, 1970 a 2006... 136 Tabela 28 – Município de Santo Estevão-BA: intensidade da pobreza, 1991 – 2003..... 137 Gráfico 1 – Brasil -exportações de calçados - 1970 a 2008.......................................... 35 Gráfico 2 – Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por ano – 1970 a 1990..................................................................................... 58 Gráfico 3 – Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação – 2002 a 2010...... 75 Gráfico 4 – Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a 2007............................................................................................................ 132 13 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Quadro 2 – Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e resíduos-2010....................................................................................... 87 Relação de fábricas pertencentes ao Grupo FCC...................................... 101 14 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Industriais Calçadistas APAEB – Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira APL – Arranjo Produtivo Local BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CME – Conselho Municipal de Educação CDL – Câmara de Dirigentes Lojista DEM – Partido Democrata DESENVOLVE – Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola FCC– Grupo Empresarial Fornecedora IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano IR – Imposto de Renda ISS – Imposto Sobre Serviços NPIs – Novos Países Industrializados PFL – Partido da Frente Liberal PIB – Produto Interno Bruto OCPE – Orsa Celulose, Papel e Embalagens PALNDEB – Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia PROBAHIA – Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro RMS – Região Metropolitana de Salvador SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEFIN – Secretaria de Finanças 15 SEOBS – Secretaria de Obras de Santo Estevão SINE – Sistema Nacional de Emprego SINTRACAL – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados SUDIC – Superintendência da Indústria e Comércio SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste 16 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................... 18 1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA:................................................... 25 1.1 A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO..................... 25 1.2 A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO................. 27 1.3 A GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO................................................................................................. 34 1.4 AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS.................................................... 39 2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA..................... 44 2.1 A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS...................................................................... 2.2 BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS 45 DE CALÇADOS À RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS....................... 55 2.3 A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM DESTAQUE........................................................................................................ 2.4 59 A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREEDIMENTOS INDUSTRIAIS NA BAHIA.............................................................................................................. 68 2.4.1 Os programas de atração empreendimentos industriais................................ 72 3 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS ESPACIAIS........................................................................................................ 3.1 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÃO CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS................................................ 3.2 78 AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL 80 DASS CLÁSSICO......................................................................................................... 84 3.2.1 Seletividade espacial......................................................................................... 84 3.2.2 Expansão espacial....................................................................................... 88 3.2.3 Marginalidade espacial...................................................................................... 90 3.2.4 Reprodução da região produtora...................................................................... 94 17 3.3 EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E ASSESSÓRIOS................................................................................................. 100 3.3.1 A empresa Fortik e o grupo FCC..................................................................... 100 3.3.2 Brisa: indústria de tecidos tecnológicos........................................................... 102 3.3.3 Grupo ORSA...................................................................................................... 103 3.4 SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA EMPRESA DASS CLÁSSICO NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA....................................................... 4 O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS........................................................................... 4.1 105 111 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÂO DA FÁBRICA DE CALÇADOS....................................................................................................... 111 4.2 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA URBANA............................. 114 4.3 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL............................. 133 4.4 ALGUNS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS......................................... 136 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 138 REFERÊNCIAS................................................................................................ 143 18 INTRODUÇÃO Desde a década de 1990, o estado da Bahia, bem como outros estados do Nordeste brasileiro, a exemplo do Ceará, tem sido o destino para a instalação de inúmeras unidades de produção de várias empresas, dentre elas fábricas de calçados oriundas do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Ao construírem suas redes de filiais industriais, de fornecimento de insumos e componentes, essas empresas convergem no sentido de moldar a organização do espaço geográfico, por meio de práticas espaciais que resultam em modificar algumas características socioespaciais locais. Esse processo de instalação de fábricas obedece aos ditames da reestruturação produtiva que ocorre globalmente, sobretudo com a inserção da China e da Índia na produção industrial de baixo custo, e de uma nova lógica de divisão territorial do trabalho nas distintas escalas espaciais: desde o local até o mundial. As transformações ocorridas na economia capitalista mundial, notadamente no que se refere aos novos padrões de concorrência e de competitividade entre os países, implicam modificações na organização do espaço nacional, regional e local. O estado da Bahia, apesar de historicamente não possuir tradição na produção calçadista, vem adquirindo posição de destaque nesse segmento produtivo por causa das ações dos sucessivos governos estaduais, desde 1990 quando implantou-se programas de atração de empresas via utilização dos mecanismos de incentivos fiscais que dão origem à “guerra fiscal” e também pela ação das próprias empresas em busca da redução de custos de operação. Ao longo da década de 1990, os programas de atração de investimento, fortemente influenciados pela ideias de competitividade divulgadas pela “onda” neoliberal que atinge o Brasil, bem como outros países da América Latina, tiveram um êxito significativo em atrair e instalar novas fábricas do setor calçadista em diversos municípios do interior baiano. As vantagens econômicas adquiridas pelas empresas desse setor produtivo vão desde a diminuição dos custos de produção até os benefícios advindos dos incentivos fiscais e infraestrutura cedida pelos governos nas três escalas governamentais – federal, estadual e municipal. Todavia, as vantagens da localização geográfica para as empresas calçadistas não estão separadas de um conjunto complexo de outras variáveis. Existe uma gama de fatores que torna certas localidades do interior baiano muito atrativas para a expansão das atividades 19 fabris: a possibilidade de utilização de uma numerosa força de trabalho dócil1 e de baixa remuneração; a fragilidade da organização classista em sindicatos; a oferta de infraestrutura de transporte e energia elétrica, etc. Pode-se dizer que a expansão de parte da produção calçadista para alguns estados do Nordeste brasileiro trata-se, com efeito, de mais um processo de expansão do capital, renovado e específico, cujo motivo principal é o esgotamento das condições objetivas de reprodução ampliada em outras localidades, tais como na região Sul do Brasil e também em alguns países europeus. Neste contexto de instalação da indústria calçadista na Bahia, o município de Santo Estevão-BA, onde se encontra em atividade uma grande fábrica de calçados pertencente ao grupo empresarial DASS CLÁSSICO (ex Dilly Nordeste), desde 2002, vem passando por rápidas e significativas redefinições na organização socioespacial. Essas transformações que passaram a envolver o município estão associadas, sobretudo, à forte dinâmica econômica imposta pelo aumento da circulação de dinheiro com o aumento da massa de trabalhadores formais que recebem salários e pela consequente desenvolvimento de novas redes geográficas que tornam os fluxos comerciais e empresariais mais complexos. A grande corporação empresarial não só pode tornar os espaços mais complexos nos locais onde são instaladas as unidades fabris (atraindo também novas empresas comerciais) como também cria um conjunto de práticas e relações corporativas que atravessa diversas escalas espaciais. Conexões entre a grande fábrica de calçados, as lojas de varejo e demais firmas fornecedoras de insumos e componentes contribuem para a efetivação e manutenção da fabricação de mercadorias, originando assim verdadeiras redes empresariais que, em conjunto, mantém as condições de lucratividade das empresas e a gestão da organização do espaço geográfico. Nesse processo, o município de Santo Estevão-BA, com 47.880 habitantes em 2010, dos quais 27.690 residentes na área urbana, localizado na região Econômica do Paraguaçu, redefinida e denominada, em 2007, pelo Governo do estado como “Território de Identidade Portal do Sertão”, constitui a área de influência urbana da cidade de Feira de Santana-BA, passou a fazer parte da rede coorporativa do Grupo Empresarial Dass Clássico. Esse município passou a fazer parte, no ano de 2002, dos locais nos quais foram instaladas grandes fábricas de calçados. Uma complexa rede corporativa calçadista que envolve fluxos de insumos, acessórios, componentes, design, patentes, pontos de vendas etc. passou a ter, na cidade de Santo Estevão-BA, um dos nós da conexão. As características produtivas e 1 O termo aqui está empregado no sentido de que a organização sindical dos trabalhadores ainda é muito insipiente, o que os faz, à curto prazo, aceitar as regras estabelecidas pelos dirigentes da fábrica. 20 econômicas que até então vigoravam no município, tais como as atividades agropecuárias, comerciais e de prestação de serviços, passaram a ter novas densidades e relações provocadas pela instalação da fábrica de calçados Dass Clássico. Mapa 1 – Município de Santo Estevão-BA, 2010 21 As novas atividades econômicas atraídas pelo crescimento do mercado consumidor na cidade de Santo Estevão-BA e o fluxo migratório proveniente de municípios vizinhos e da zona rural do próprio município desencadearam a instalação de lojas de redes comerciais (vestuário, eletrodomésticos, motocicletas, calçados, utilidades etc.) e supermercados. O crescimento do mercado imobiliário (bem como a especulação imobiliária) e o valor dos alugueis criaram dificuldades para a população com renda baixa na medida em que comprar ou alugar uma residência se tornou mais caro; o crescimento horizontal da cidade e o maior número de carros e motocicletas contribuíram para a expansão do uso comercial da cidade; além disso, houve a migração de parte da população do campo para a cidade. A divisão do trabalho entre os municípios circunvizinhos, como também no interior do município, adquiriu uma dimensão mais evidente, sendo que a cidade de Santo Estevão-BA se afirmou como um centro comercial e de fornecimento de serviços. Com base nesse contexto, compreende-se que, diante das transformações na economia nacional e mundial nas últimas décadas (a reestruturação produtiva, desconcentração industrial, divisão territorial do trabalho e redefinição no papel do Estado na economia) e levando-se em conta as relações entre processo que se desenvolvem entre escalas de análise que vão desde o global até o local (reproduzindo as relações sociais e de produção capitalistas e a divisão territorial do trabalho) com a configuração de novos fluxos e redes geográficas, busca-se entender e explicar nesta pesquisa os motivos da instalação da fábrica de calçados do grupo empresarial DASS CLÁSSICO no município de Santo Estevão-BA e suas principais implicações socioespaciais. Outros objetivos são: analisar e compreender as práticas espaciais desencadeadas pelo Grupo Empresarial Dass Clássico tendo como referência a unidade fabril localizada no município de Santo Estevão-BA, caracterizar e explicar as principais implicações socioespaciais no município de Santo Estevão a partir da instalação da fábrica de calçados. Entende-se que esta pesquisa justifica-se pelo fato de ainda serem poucos os estudos sobre a geografia da indústria de calçados na Bahia, sobretudo por ser uma atividade inteiramente nova e robusta, no interior do estado, com muitas características do fordismo periférico2, intensiva em mão-de-obra e que paga salários baixos a seus funcionários, mas lança uma grande soma de dinheiro mensalmente na economia local a título de pagamento de salários e atrai outros negócios, funções urbanas, populações externas e também jovens da 2 O fordimo periférico é caracterizado por Lipietz (1989) como um modelo de industrialização dos países periféricos, com a adoção parcial e frequentemente ilusória do modelo de produção e de consumo dos países centrais da economia capitalista. O modelo fordista periférico não possui e não desenvolveu as relações sociais que correspondessem ou fossem similares às características do fordismo central. 22 área rural do próprio município. Nesse sentido, foram elaboradas as seguintes questões de pesquisa: 1- No contexto da reestruturação produtiva mundial e diante das características inerentes a produção de calçados, quais os motivos da instalação de uma grande fábrica calçadista no município de Santo Estevão-BA? 2- Que práticas espaciais são desenvolvidas pela empresa de calçados em Santo Estevão-BA e como tais práticas contribuem para a manutenção da localização da fábrica? 3- Quais as principais implicações socioespaciais ocasionadas pela instalação da grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA? Por ser uma pesquisa que tem como um dos objetivos analisar a dimensão socioespacial da instalação de um grande empreendimento fabril sobre uma determinada escala geográfica, os procedimentos metodológicos pautaram-se por um caminho que permitisse articular as diferentes variáveis do processo de localização industrial (econômico, político e institucional) e as principais dimensões das transformações socioespaciais (mudanças nas características econômicas e sociais, adensamento e desenvolvimento de novas redes e fluxos). Por isso, a pesquisa não se limita à fábrica em si, mas considera também todo o entorno geográfico que se transforma com a instalação da unidade fabril. Compõe o campo desta pesquisa: o processo de localização da grande fábrica de calçados esportivos, as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e os efeitos do funcionamento da fábrica sobre o espaço geográfico. A pesquisa envolveu dados quantitativos e o uso de técnicas qualitativas. Os primeiros foram utilizados para dimensionar as mudanças pelas quais passaram a indústria calçadista no Brasil e na Bahia, traçar o perfil de alguns trabalhadores empregados na fábrica calçadista no município de Santo Estevão-BA e caracterizar algumas mudanças econômicas nos espaços rural e urbano do município. Alguns dados quantitativos foram adquiridos no site eletrônico da empresa DASS CLÁSSICO, em informativos publicados pela empresa e no site da ABICALÇADOS, na internet, e de empresas fornecedoras de componentes, pois a gerência da fábrica em Santo Estevão-BA rechaçou qualquer possibilidade de prestar maiores informações alegando que as empresas internacionais (sobretudo a norte-americana Nike) exigem completo sigilo quanto às informações mais precisas sobre as fábricas que produzem os calçados que levam sua marca. De posse das informações quantitativas disponíveis no site eletrônico, foi possível a elaboração de um mapa com a rede corporativa do grupo empresarial Dass Clássico, bem como a confecção de tabelas e quadros com número de trabalhadores e função de cada unidade produtiva distribuída pelo Brasil e no exterior. Outros dados quantitativos foram 23 adquiridos com a aplicação de questionário a trabalhadores que estudam em escolas da rede pública estadual durante o turno noturno. Também foram adquiridos dados junto ao site eletrônico da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), na Agência da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Secretaria de Finanças do município de Santo Estevão-BA (SEFIN). Foram realizadas diversas entrevistas semi estruturadas3 junto a representantes e exrepresentantes de instituições sindicais, representantes de órgãos governamentais municipais, ex-prefeitos, gerentes da fábrica e chefes de setor de produção. Cada entrevista possuía objetivos preliminares, quais sejam: a entrevista junto a sindicalistas e ex-sindicalistas associados a trabalhadores na produção de calçados visava conhecer a organização daqueles que reivindicam melhores condições de trabalho, bem como buscar conhecer suas relações com os representantes da empresa e do Governo do estado. As entrevistas junto aos exprefeitos objetivavam elucidar o processo político de tomada de decisão quanto à instalação da fábrica no município bem como as relações institucionais e políticas que a prefeitura tinha/tem com a administração da empresa. As entrevistas com alguns chefes e gerentes da fábrica objetivaram levantar informações quanto à rede de empresas fornecedoras de materiais, componentes e acessórios para a fabricação dos calçados; no entanto, vale destacar preliminarmente que não foi possível identificar todas as empresas que fornecem componentes para a fábrica de calçados em Santo Estevão-BA. As entrevistas junto aos líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA buscaram revelar algumas mudanças ocorridas no espaço rural que sejam relacionadas à presença da fábrica de calçados na cidade4. Para conhecer melhor as características e funcionamento da fábrica, tentou-se por três vezes, via ofício, solicitar a marcação de uma visita ao interior da mesma, porém não se obteve respostas. Os dois únicos documentos produzidos pela empresa Dass Clássico, analisados nesta pesquisa, foram um “Manual de Integração” que é fornecido aos trabalhadores recém-ingressos na fábrica (que os informa quanto à organização interna da empresa e da fábrica) e uma publicação intitulada “fala! Dass” em comemoração aos 9 anos da empresa. 3 A escolha por este tipo de entrevista se deu em função da necessidade de combinar questões fechadas (ou estruturadas) com questões abertas, possibilitando aos entrevistados mais liberdade para tratar algumas questões e suscitar outras. 4 Haja vista que a produção de calçados precisa de uma grande quantidade de trabalhadores em decorrência da elevada taxa de rotatividade. 24 O trabalho de campo foi utilizado para observar e mapear a expansão física da cidade de Santo Estevão-BA, como também para observar e anotar os nomes das empresas contidos nos veículos que transportavam materiais para o interior da fábrica. A partir do nome das empresas foi possível constatar que a rede corporativa entre a fábrica de calçados e os seus fornecedores ultrapassa as fronteiras do estado da Bahia e da região Nordeste. Foram feitas várias anotações e observações de acontecimentos na cidade de Santo Estevão-BA que estavam associados a alguma “prática espacial” exercida pela empresa Dass Clássico. Por fim, a dissertação está dividida em quatro capítulos: No capítulo 1, destaca-se a concepção de espaço geográfico que permeia todo o trabalho de pesquisa, colocando-o à luz do processo de industrialização que ocorre nos NPIs (Novos Países Industrializados), sobretudo após a crise do fordismo, a formulação de um novo modelo de acumulação e a reestruturação produtiva. Nesse capítulo, também se evidencia a importância das redes e das escalas geográficas como mecanismos teórico-conceituais relevantes para entender as novas configurações do espaço geográfico. O capítulo 2 situa o debate a respeito do processo de relocalização de unidades produtoras de calçados nas escalas mundial e nacional, fazendo-se um breve resumo do surgimento das primeiras fábricas de calçados no Brasil até o processo de relocalização das unidades fabris, mencionando o papel da região Nordeste brasileira e do estado da Bahia em particular. O capítulo 3, intitulado “O grupo empresarial Dass Clássico e as práticas espaciais”, versa sobre a história do Grupo Empresarial Dass Clássico, seu crescimento, a distribuição de suas unidades produtivas, a rede funcional entre as unidades fabris (bem como a lógica da divisão territorial do trabalho) e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa tendo como referência a unidade produtiva localizada na cidade de Santo Estevão-BA. O capítulo 4 tem como objetivo caracterizar e analisar as principais implicações socioespaciais ocorridos no município de Santo Estevão-BA após a instalação e funcionamento da fábrica de calçados DASS CLÁSSICO. Expõe-se algumas características econômicas e sociais do município antes do efetivo funcionamento da fábrica de calçados, comparando com as características socioeconômicas presentes até o ano de 2010. 25 1. ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA A localização das atividades industriais e suas implicações na transformação do espaço geográfico têm sido um tema frequentemente discutido na geografia e nas demais ciências que estudam o desenvolvimento local e regional (economia, sociologia, administração etc.). Autores importantes para os estudos geográficos como Harvey (2005), Santos, M., (2003, 2006, 2008), Smith (1988), Lipietz (1988), entre outros, contribuem diretamente para a interpretação dos fatos, processos e para o enriquecimento dos debates sobre a produção do espaço. Subjacente ao fenômeno da produção, esses autores fazem referência à importância que possui o grande capital representado pelas grandes corporações e suas implicações na produção do espaço geográfico. Os estudos disponíveis sobre o tema “indústria e espaço geográfico” são diversos. Centraremos as análises e investigações contidas neste trabalho nas referências produzidas por autores que estão mais próximos das discussões teóricas e metodológicas da geografia em razão da importância ímpar dessa ciência no entendimento da produção do espaço social: vide, por exemplo, a localização dos agrupamentos humanos, das lavouras, das jazidas de minério, das atividades produtivas em geral e a organização do espaço subjacente a elas. No âmbito da geografia é, prioritariamente, a produção e organização do espaço, como mediação entre a sociedade e a natureza por meio do trabalho, que se constitui o centro da investigação, sobretudo porque as atividades econômicas, entre as quais as industriais, fomentam, de maneira acelerada, transformações substanciais no espaço geográfico, a partir dos locais onde estão instaladas. 1.1. A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO Com relação ao conceito de espaço geográfico, vários autores formularam contribuições teóricas e metodológicas que possibilitaram, cada vez mais, novos avanços no entendimento dos processos de produção e organização do espaço e suas respectivas formas espaciais. Durante a década de 1970, com base nos pressupostos da dialética e da geografia crítica marxista, Santos, M., (1978) defendia a ideia de que o espaço geográfico se constituía como 26 uma linguagem do modo como a sociedade se reproduz. O autor ressaltou que o espaço geográfico não é apenas o reflexo da sociedade de uma determinada época, como se fosse um espelho. Como em uma relação dialética, o espaço geográfico seria uma instância que ao mesmo tempo em que é condicionada pela sociedade, também a condiciona. Desta forma, abordando o espaço geográfico como uma totalidade social, Santos, M., (1978, p. 145) destaca que “[...] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada-subordinante. E como as outras instâncias, o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia [...]”. Em obras posteriores e com uma abordagem mais complexa no que se refere à totalidade dos processos sociais, Milton Santos concebe o espaço geográfico como sendo formado por “[...] um sistema indissociável, solidário e também contraditório, de sistema de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, M.,1996, p. 51). Nessa perspectiva, entende-se que o espaço geográfico é produzido pela sociedade, por meio de relações sociais em seus mais diversos aspectos (econômicos, políticos e culturais), sendo que o espaço é também uma instância que influencia a forma como a própria sociedade se reproduz. Assim, escreve Milton Santos: “A organização do espaço é também uma forma, um resultado objetivo de uma multiplicidade de variáveis atuando através da história” (SANTOS, M., 2008, p. 45). Na sociedade capitalista, diferenciada internamente por uma complexa organização de classes e desigual desenvolvimento das forças produtivas, a organização espacial resultante é necessariamente desigual, em qualquer parte do mundo, por causa da dinâmica própria do sistema capitalista que se baseia essencialmente no lucro dos diversos empreendimentos econômicos, nas diferenças entre as próprias classes e frações de classes sociais, na divisão social e territorial do trabalho e no desenvolvimento geograficamente desigual. A instalação intencional de objetos no espaço geográfico, segundo Santos, M., (1996), faz com que a natureza artificializada funcione como máquina. É por meio da existência de hidroelétricas, fábricas, portos, estradas, cidade etc. que o espaço é marcado por conteúdos técnicos. Assim, “[...] o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e aos seus habitantes” (SANTOS, M., 1996, p. 51). No contexto das transformações sociais proporcionadas pela indústria, desde a Revolução Industrial, na Inglaterra, a expansão do modo de produção capitalista, tendo por base a atividade industrial, ganhou força a ponto de influenciar grandemente a organização do 27 espaço geográfico segundo a lógica da produção e reprodução ampliada do capital (grandes corporações empresariais nacionais e transnacionais). Em termos gerais, como a história tem evidenciado, grande parte da população tende a migrar das áreas rurais para pequenas, médias e grandes cidades, sobretudo como resultado da expropriação dos meios de produção e das condições de sobrevivência; as trocas comerciais são ampliadas; as atividades agropecuárias e extrativistas no campo passam a ter como mercado consumidor preferencial os médios e grandes centros urbanos, transformando sua lógica de produção e, consequentemente, organizando o espaço geográfico segundo as necessidades de reprodução das mercadorias e sua troca. Desta forma, a acumulação capitalista está assentada na ampliação da taxa de lucro, na internacionalização das trocas comerciais e na produção industrial como mecanismos para a reprodução ampliada do sistema social. A expansão para “novos” espaços, muitas vezes classificados como “áreas reserva”, onde o custo da força de trabalho é mais baixo e onde as matérias primas são mais abundantes e baratas, possibilita o aumento da taxa de mais-valia, levando à expansão crescente e de maneira seletiva da atividade industrial em países (e regiões) periféricos, que são assim, mais efetivamente integrados em um amplo e complexo sistema econômico mundial por meio das redes corporativas (CORRÊA, 2001). 1.2. A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO A costumeira relação de equivalência entre industrialização, crescimento e desenvolvimento atravessou as escolas de pensamento da “Dependência” e da “Modernização”. Para ambas as escolas, desenvolver-se era equivalente a crescimento da produção industrial. A rápida industrialização de países classificados como pobres foi, em geral, considerada como equivalente ao “desenvolvimento” nos moldes ocidentais. Os defensores desta idéia de desenvolvimento (muitas vezes sinônimo de crescimento econômico) viam na industrialização o único meio de buscar a produção de riqueza, ou de poder, ou de bem estar, ou da combinação disso (ARRIGHI, 1997). Porém os questionamentos elaborados por Arrighi (1997), com base nas idéias de Emmanuel Wallerstein, colocam um ponto de interrogação na possibilidade de os países periféricos e semiperiféricos da economia capitalista mundial conseguirem adquirir riquezas, poder e bemestar, alicerçando-se nos pressupostos e premissas de equivalência entre industrialização e 28 crescimento produtivo difundidos até então. Nesses termos, é importante esclarecer que a ideia de “desenvolvimento”, veiculada pelos organismos internacionais durante o século XX (OMC, BID, FMI etc.), foi construída tomando como modelo as características econômicas e industriais que predominavam em alguns países europeus (França, Alemanha, Inglaterra) e nos Estados Unidos da América. Esse modelo de “desenvolvimento” que foi propagado com fórmulas pensadas e arquitetadas nos países do “Norte”, desconsiderava as características culturais, históricas e ambientais das diferentes localidades dos países do “Sul”. Mais uma vez as regiões do mundo que não se enquadravam no modo capitalista ocidental de vida foram atingidas por ideias “colonialistas” que visavam subjugá-las. Com relação à produção desse modelo, Esteva (2000) afirma que: O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminância natural de potenciais já existenetes no homem neolítico e como sua evolução lógica. Assim, a história foi reformulada nos termos Ocidentais (ESTEVA, 2000, p. 63). Presumir que o modelo de crescimento econômico, criado por países capitalistas europeus e pelos Estados Unidos, seja o melhor exemplo a ser seguido pela humanidade rumo a um suposto desenvolvimento faz pensar também que todas as localidades ou regiões do planeta onde vivem comunidades indígenas, ribeirinhos, comunidades rurais cooperativas etc, que não se enquadram nas metas de industrialização e produções crescentes, sejam classificadas com termos pejorativos como: atrasados, pobres, subdesenvolvidos etc. Tal visão capitalista e ocidental deixa de levar em conta todas as mazelas criadas pela expansão do modelo capitalista. Como afirma Esteva, “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” (ESTEVA, 2000, p. 63). A compreensão a respeito da concentração de riquezas e capital nos países centrais do capitalismo mundial, e consequentemente das desigualdades regionais e nacionais, não pode estar desvinculada de um entendimento a respeito da colonização e subjugação de vários povos africanos, asiáticos e americanos que tiveram seu habitat destruído pela força do crescimento econômico. Neste caso, pode-se afirmar que o “subdesenvolvimento” é consequência do “desenvolvimento”. Segundo Esteva (2000): Ninguém parece compreender que “subdesenvolvimento” é um adjetivo comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo. Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento 29 da totalidade de processos interligados que compõem a realidade mundial e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento, isolamento dos demais, como ponto de referencia geral (ESTEVA, 2000, p. 66) O dito crescimento capitalista ocidental (em muitos casos, restrito à vertente econômica), por meio da industrialização, não seria possível de ser alcançado nos países considerados “pobres” pelo fato de que as trocas comerciais, entre os países, na economia de mercado, são desiguais por natureza, existindo também diferenças de nível salarial entre os trabalhadores, diferenças de produtividade e de taxas de lucros, além da transferência de capital a título de remessa de lucros dos países pobres para os países ricos. Por conta da dinâmica própria da economia capitalista, que promove reconcentrações de capital em diferentes locais e épocas, a idéia de desenvolvimento econômico permanente, considerando apenas determinados recortes espaciais, não seria possível (ARRIGHI, 1997). Para dois terços da população mundial, o modelo de crescimento econômico difundido por países ocidentais capitalistas significou completamente o contrário daquilo que geralmente se prometia. Profundamente enraizado, após dois séculos de sua construção social, esse modelo faz com que muitos povos se lembrem de uma condição indesejável e indigna, efetivada a partir da escravização às experiências e sonhos alheios (ESTEVA, 2000). De acordo com a teoria da análise do “sistema mundo” (ARRIGHI, 1997; WALLERSTEIN, 2009), a capacidade de um país em se apropriar dos benefícios da divisão mundial do trabalho está relacionada à hierarquia de riquezas entre os próprios países. Essa capacidade é determinada principalmente por sua posição, não apenas numa rede de trocas, mas numa hierarquia de riqueza. As oportunidades de avanço econômico não constituem oportunidades equivalentes de avanço na riqueza para todos. A riqueza e o suposto “desenvolvimento” apregoados pelos governos dos países que ocupam o núcleo orgânico do capitalismo mundial “[...] não podem se generalizar porque se baseiam em processos relacionais de exploração e processos relacionais de exclusão que pressupõem a reprodução continua da pobreza da maior parte da população mundial” (ARRIGHI, 1997, p. 217). Mesmo centrando sua análise na vertente econômica, Arrighi (1997) traz contribuições substanciais para o entendimento das relações entre países ricos e pobres. Na análise contida na obra “A ilusão do desenvolvimento”, fica claro que o modelo calcado na industrialização não pode ser generalizado e não conduz à distribuição da renda e da riqueza produzida mundialmente, tampouco promove o bem estar para a maioria da população. Isso, pois, segundo Arrighi (1997): 30 Os processos de exclusão são tão importantes quanto os processos de exploração. [...], esses últimos se referem ao fato de a pobreza absoluta ou relativa dos Estados periféricos ou semiperiféricos induzir continuamente seus dirigentes e cidadãos a participar da divisão mundial do trabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos benefícios para os dirigentes e cidadãos dos Estados do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 217). Seguindo essa análise, compreende-se que os processos de exclusão e concentração de riqueza são complementares no modo de produção sociometabólico do capital (MÉSZÁROS, 2011). Os processos de exploração fornecem aos países do núcleo orgânico do capital e a seus agentes os meios para iniciar e sustentar os processos de exclusão. Os processos de exclusão, por sua vez, geram a pobreza necessária para induzir os dirigentes e cidadãos dos países periféricos e semiperiféricos a buscar continuamente a reentrada na divisão mundial do trabalho em condições desfavoráveis a eles próprios. Arrighi (1997) compreende que a industrialização da periferia e da semiperiferia foi, em último caso, um canal, não de subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial. Ao trazer para dentro de suas fronteiras algumas das características dos países mais ricos, como a industrialização e a urbanização, os governos dos países periféricos e semiperiféricos esperavam (e de certa forma ainda esperam) desvendar o segredo do sucesso e, dessa maneira, atingir o nível de riqueza e poder dos países mais ricos. A célebre metáfora do “bolo” (“é preciso primeiro esperar o bolo crescer, para só então distribuí-lo”), proferida pelo ex-ministro da fazenda do Brasil, Delfin Neto, nos anos 1970, talvez seja fruto desta “ilusão” em acreditar que a industrialização promoveria o crescimento e, logo após, a distribuição da riqueza. Os países ricos, com isso, conseguiram manter o padrão de renda e riqueza relativamente na mesma proporção de distância com relação aos países pobres e, em alguns casos, a diferença de renda entre as populações dos países ricos e a população dos países pobres chegou a aumentar significativamente na década de 1980 (ARRIGHI, 1997). A busca desenfreada pela industrialização, como sinônimo de crescimento econômico generalizado, que pudesse ser permanentemente sustentado e levasse os países pobres a condições econômicas e sociais similares aos países ricos, constituiu-se numa verdadeira ilusão. De acordo com Arrighi (1997), Quanto mais os Estados nacionais competem entre si no fornecimento de espaços produtivos seguros, rentáveis e de suprimento de mão-de-obra barata e disciplinada, piores eram os termos que cada um deles obtinha pelo desempenho dessas funções subordinadas na acumulação global do capital (ARRIGHI, 1997, p. 236). As condições de trabalho para as quais são submetidos milhões de trabalhadores em diferentes regiões dos países pobres e em países considerados ricos indicam que a 31 industrialização não apenas deixou de promover o tão sonhado “desenvolvimento”, mas, pelo contrário, promoveu a mutilação, a carga horária de trabalho excessiva e, em muitos casos, a ausência de direitos trabalhistas que pudessem promover a integridade e a dignidade dos trabalhadores. Basta ressaltar que os índices de mutilação e de doenças laborais que acometem os trabalhadores da indústria calçadista espalhados por vários países do mundo são bastante altos, sobretudo em países como Vietnã, China, Índia e Brasil (SANTOS, L., 2008). A análise crítica feita por Arrighi (1997) traz uma contribuição muito peculiar quanto à compreensão do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico. Porém, de acordo com Souza (1997), a ideia de desenvolvimento, sobretudo a de desenvolvimento socioespacial, deve ser encarada numa vertente multiescalar (global, nacional, regional e local) que possa abrir margem à autonomia dos agentes posicionados nessa escala para a decisão a respeito das estratégias e políticas de desenvolvimento. Segundo Souza (1997), urge, nos dias atuais, a formulação de uma “teoria aberta do desenvolvimento sócio-espacial”, onde o caráter multidimensional, multifacetado e multiescalar possam não apenas levar em conta a escala mundial, mas também as escalas nacional, regional e local. Para Souza (1997; 2003), o conceito de desenvolvimento não se esgota na dimensão puramente econômica. Refletindo a respeito da importância do espaço geográfico para a “teoria do desenvolvimento”, o autor busca fomentar a dimensão socioespacial do mesmo, de modo que os aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais possam ser expostos e levados em conta na formulação de novas abordagens a respeito da temática. Ratificando a crítica, àqueles que limitam a ideia de desenvolvimento apenas ao viés econômico, Souza (1997) destaca que as tentativas de quantificação de elementos que pudessem “medir” o grau de desenvolvimento de determinado país, inclusive por meio da noção de renda per capita, podem representar uma ficção estatística, uma vez que nada revelam a respeito da distribuição da riqueza socialmente produzida. Os milhares de empregos, gerados com a industrialização, em inúmeros países e regiões pobres em todo o mundo, não produziram verdadeiros saldos positivos na distribuição da riqueza. Pelo contrário, a industrialização desses países ocorreu em virtude dos baixos salários pagos à força de trabalho e da possibilidade das grandes empresas transnacionais conseguirem concentrar mais riqueza e ampliar a exploração sobre a força de trabalho. A obsessão pelos números, pela posição no ranking industrial, a euforia por vencer a concorrência na atração de novos investimentos, o crescimento do PIB, tudo isso parece suplantar qualquer ideia de desenvolvimento mais amplo do ponto de vista de possibilitar a maior autonomia da população dos municípios onde, por exemplo, as grandes fábricas de 32 calçados estão instaladas. Autonomia essa que deve ser respeitada até mesmo quando determinados grupos humanos resolvem rejeitar os padrões de sociabilidade e consumo difundidos pelo mundo moderno. Apesar da multiplicidade de visões e críticas a respeito da ideia de desenvolvimento capitalista, o crescimento econômico continua a se constituir como o grande objetivo dos governos nas diferentes escalas de análise. A oportunidade de uma interação local e até mesmo regional efetiva que possa fazer emergir os distritos industriais “marshallianos” ou os arranjos produtivos locais com possibilidades para incluir amplos setores de diversos seguimentos produtivos/criativos/educacionais e culturais (e, por que não, autonomia política classista), não entram na pauta da discussão quando da decisão da instalação de grandes empreendimentos industriais, sem mencionar que as populações locais podem ter sua base produtiva completamente alterada e criar um vínculo de dependência com uma única empresa5. O espaço das grandes empresas é tratado pelo Estado como um espaço diferenciado do espaço “banal” e é favorecido pelas ações de planejamento e aplicações orçamentárias estatais. O resultado desse favorecimento para as grandes empresas e discriminação para com os outros espaços é o quase abandono das populações (SANTOS, M., 2003). É sabido que a supervalorização da abordagem econômica e industrial não pode ser encarada como a única vertente do desenvolvimento em geral e, até mesmo, deve ser criticada pelo fato de que, segundo Souza (1997), o modo de produção vigente não pode abdicar do imperativo do crescimento, da espiral da degradação ambiental e da exclusão socioespacial. Tais características do capitalismo parecem ser um fato bastante sério e não podem ser corrigidas mediante ajustes econométricos. Dessa forma, a abordagem escalar é importante no sentido de entender o processo, não só de industrialização, mas também das estratégias de desenvolvimento. Evocando a particularidade dos recortes espaciais e temporais, Souza (1997) entende que o “desenvolvimento” (enquanto meta aceita e acordada entre os membros de uma sociedade) deve ser atrelado a cada um destes recortes, levando-se em conta o universo cultural e social particular, sendo logo, em um nível de detalhe que se preste à operacionalização, variável, plural. O termo “autonomia” é evocado por Souza (2003) para questionar a imposição de uma 5 Às vezes, nem mesmo essa grande fábrica interage com o local, agindo como um enclave; é como se não existisse e somente sugam do lugar suas forças – a juventude e a energia dos trabalhadores, os recursos ambientais etc. 33 determinada concepção e “estratégia de desenvolvimento” (acrescentaríamos: de industrialização) de cima para baixo. A autonomia se constitui, para Souza (2003), na base do desenvolvimento, o processo de auto-instituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos desigualdade. A repartição do poder de decisão entre as populações de determinado recorte espacial, não raro doloroso (pois encontra a resistência de determinados agentes privilegiados), mas muito fértil, não está presente nos planos governamentais, sobretudo nos planos de alocação de grandes fábricas. O autor esboça uma concepção de desenvolvimento onde a territorialidade assume importância capital. Segundo o autor: [...] sem que se aborde preliminarmente essa questão, que é a questão do exercício do poder de decidir em uma sociedade (e não apenas no âmbito amesquinhado de um “projeto de desenvolvimento”), o discurso da emancipação cultural, da tecnologia adaptada etc. cairá no vazio (SOUZA, 2003, p. 103). Levando-se em conta esta abordagem a respeito do poder decisório, pode-se afirmar que o fenômeno da expansão das indústrias em direção aos países “pobres” deve ser analisado não como uma garantia de desenvolvimento socioespacial, mas apenas de crescimento econômico e produtivo. Dessa forma, os ganhos de eficiência e produtividade econômica dos países e regiões onde essas indústrias são instaladas promovem uma aceleração da circulação de bens e pessoas, porém a objetividade dessa eficiência embutida no próprio espaço é o pré-requisito da acumulação de capital, e não a melhoria das condições de vida. Assim, afirma Souza (1997): [...] a organização espacial precisa estar em consonância com as relações de produção e necessidade tecnológica, com as relações de poder e com as representações sociais – enfim, com o imaginário instituído – de uma dada sociedade, e precisará ser modificado para adaptar-se a cada transformação social (SOUZA, 1997, p. 29). O espaço geográfico, em suas múltiplas dimensões e escalas, tem um papel importante na concepção e formulação de estratégias de desenvolvimento, sobretudo no que se refere à efetivação da autonomia das populações de determinadas regiões e países periféricos. A forma como o espaço se apresenta está estreitamente ligada à forma como se dão os processos sociais. Os processos desencadeados pela dinâmica do sistema econômico capitalista, nesse sentido, imprimiram uma suposta homogeneização econômica e funcional do espaço para atender os objetivos de acumulação e exclusão. Conforme Brandão (2007): O processo homogeneizador é atinente à imposição do capital, em qualquer espaço, de seus pressupostos imanentes; à capacidade do capital em incorporar massas 34 humanas à sua dinâmica; à atração de todos os entes à órbita de seu mercado; à subordinação a si de todas as unidades societárias; busca de construção de um espaço uno de acumulação à destruição de quaisquer barreiras espaciais e temporais que possam gerar atrito e fricções a seu movimento geral (BRANDÃO, 2007, p.73). Deixando de considerar as características e fatores sociais próprios nas diferentes regiões e localidades, os governos dos estados nacionais (principalmente em países sulamericanos e asiáticos) aceitam a suposta homogeneização imposta pelas forças econômicas industriais e formulam estratégias para a alocação de grandes empreendimentos produtivos. As populações de diferentes países, estados e regiões do mundo, principalmente as populações dos países de industrialização tardia (Brasil, México, Chile etc), não são incluídas nos diálogos a respeito dos projetos de desenvolvimento e de instalação de fábricas em suas localidades, tendo, muitas vezes, modificada fortemente a dinâmica de suas vidas e ampliadas as péssimas condições de sobrevivência a que são submetidas. 1.3. GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO Para facilitar a fluidez do capital e proporcionar às empresas uma maior lucratividade, os Governos dos países têm negociado protocolos bilaterais, o que leva, preponderantemente, a desobrigações dos Estados para com os serviços públicos e ao favorecimento das atividades privadas (SANTOS, 2001). As ideias neoliberais6 tornam-se hegemônicas, e o estímulo à concorrência provoca disputas entre Governos estaduais e municipais por investimentos privados. No Brasil, a partir da década de 1990, a concorrência entre municípios e estados no sentido de atrair investimentos econômicos, sobretudo unidades fabris que pudessem dar origem a um número significativo de empregos, passou a ser chamada de “guerra fiscal” ou “guerra dos lugares”. Esse processo de competição entre os países e unidades subnacionais pode ser interpretado como o resultado de uma busca mais voraz e constate das grandes corporações empresariais no sentido de manter favoráveis as taxas de lucros. Isso reflete as transformações no modelo de acumulação pós-fordista. Após a Segunda Guerra Mundial, o fordismo, regime de acumulação intensiva, pôde ser aplicado em alguns países considerados subdesenvolvidos. Isso porque a produção havia 6 Apesar de em alguns países da América Latina ter ocorrido a chegada ao poder de governantes que se intitulam contrários às ideias neoliberais, o livre comércio continua a ser apregoado por muitos integrantes desses governos (vide o caso Brasil) como a única via necessária para se alcançar o crescimento econômico. 35 incorporado o consumo de massa no mercado interno, em países centrais da economia capitalista, sobretudo nos Estados Unidos da América, em proporção aos ganhos de produtividade. Em outras palavras, a produtividade e a lucratividade estavam proporcionalmente associadas à incorporação do consumo. Com o crescimento dos salários nos países centrais sob modelo fordista de acumulação (Estados Unidos, Inglaterra etc.), o objetivo principal era um novo modo de regulação que permitisse o pleno crescimento econômico, pelo acréscimo de uma vertente na qual a adaptação contínua do consumo de massa fizesse crescer os ganhos de produtividade (LIPIETZ, 1988). Para Lipietz (1988), a crise do modelo fordista de acumulação tornou-se mais clara entre os anos 1967 – 1974. Segundo ele, o fato mais claro da crise do regime de acumulação consiste na desaceleração geral dos ganhos de produtividade nos países centrais, que começou no fim da década 1960 e afetou até os ramos mais tipicamente fordistas, como, por exemplo, a indústria automobilística. Justamente durante a década de 1970, o Brasil e outros países de industrialização tardia começaram a obter ganhos significativos na produção e exportação de calçados. Conforme se pode observar nos dados a respeito das exportações de calçados contidos no Gráfico 1, houve um crescimento significativo nos últimos 40 anos. Gráfico 1: Brasil - exportações de calçados - 1970 a 2008 1970 1980 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2008 Ano FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 Entre 1994 a 2004, a produção mundial de calçados deslocou seu eixo de produção em direção aos países asiáticos, tanto por um aumento do consumo interno em algumas partes do mundo como por uma verdadeira revolução em termos de terceirização, exportação e 36 afirmação de marcas. Os números contidos na Tabela 1 podem evidenciar o grande avanço do continente asiático e, em particular, da Ásia oriental; passaram de um percentual total de 67,7% de produção mundial de calçados, em 1994, para 83,3%, em 2004 (SANTOS, F; DIAS, A. M., 2007). Tabela 1 Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004 Países Milhões de pares Milhões de pares em Variação % em 1994 2004 China 3.750 8.800 135 Índia 540 850 57 Brasil 590 750 27 Indonésia 436 564 29 Itália 471 281 -40 Vietnã 135 445 230 Tailândia 350 260 -26 Paquistão 175 250 43 França 155 53 -66 Portugal 110 86 -22 Espanha 190 147 -23 Reino Unido 106 16 -85 E.U.A 234 35 -85 Japão 245 102 -58 Demais países 2.269 1.751 -23 Produção Mundial 9.756 14.390 47 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007. É evidente o declínio dos países tradicionalmente produtores de calçados, principalmente no período de 1994/2004. A Itália, que se constituía em uma referência mundial em produção e exportação de calçados na década de 1970, passou de 471 milhões de pares produzidos em 1994 para 281 milhões de pares em 2004; a Espanha caiu de 190 milhões para 147 milhões de pares; Portugal passou de 110 milhões de pares para 86 milhões; França caiu de 155 milhões para 53 milhões; Reino Unido teve queda de 106 milhões para 16 milhões (SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007). Com a crise do modelo fordista de produção, desenvolvem-se novos mecanismos para manter os ganhos de produtividade das empresas calçadistas. Além de muitas empresas instalarem suas unidades fabris em países considerados subdesenvolvidos (como o Brasil e a China), o toyotismo tornou-se, no Japão, uma resposta à crise do modelo fordista. No modelo toyotista de gestão da produção, contrariamente ao fordismo, o operário torna-se polivalente; no lugar da linha de montagem individualizada, os operários são 37 integrados em uma equipe; em vez da produção em massa, a empresa produz sob demanda para evitar custos com perdas e estoques. Com o toyotismo, a produção é variada, diversificada e pronta para suprir as encomendas dos consumidores. É o consumo que influencia a decisão a respeito do que será produzido e não o contrário como se procedia na produção em série e de massa do fordismo (ANTUNES, 2010). Considerando a crise do fordismo no final da década de 1960, com a dificuldade em manter a regularidade do crescimento dos ganhos de capital e manter também a regularidade do crescimento do consumo, o grande capital, representado por empresas transnacionais, vê no exterior (sobretudo na China, Índia e Brasil) um reservatório onde existe aquilo que não poderia, naquele momento, estar disponível nos países centrais da economia capitalista: força de trabalho barata e matéria prima em abundância, bem como a ampliação do mercado de consumo. Dados divulgados pelo Banco Mundial, em 1995, apontam que a força de trabalho global dobrou de tamanho entre 1966 e 1995, sendo que a maior parte dessa força de trabalho assalariada vivia nas mais lamentáveis condições (HARVEY, 2006). Nesse contexto de precarização das condições de vida em diversos países, começam a surgir os Novos Países Industrializados (NPIs), onde uma espécie de fordismo periférico é colocada em prática com o objetivo de aumentar os ganhos de produtividade e de lucratividade das grandes empresas monopolistas, através da utilização intensa de força de trabalho e da grande demanda encabeçada pelas pessoas do grupo de renda classes média e alta dos países periféricos. Segundo Harvey (1992), Foi também perto dessa época [1966 - 1967] que as políticas de substituição de importação em muitos países do Terceiro Mundo (da América Latina em particular), associada ao primeiro grande movimento das multinacionais na direção da manufatura no estrangeiro (no Sudeste Asiático em espacial), gerando uma onda de industrialização fordista competitiva em ambientes inteiramente novos, nos quais o contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente (HARVEY, 1992, p. 135, acréscimo nosso). Corroborando com os argumentos de Harvey (1992), Wallerstein (2009) destaca que no bojo das mudanças geopolíticas no sistema-mundo a década de 1970 foi intitulada pelas Nações Unidas como a década do desenvolvimento. Conforme Wallerstein (2009), o que se presenciou nessa década do desenvolvimento foi justamente o contrário do que se poderia vislumbrar: Os anos 1970 se tornaram a década da morte do desenvolvimento como idéia e como política. O que aconteceu foi que a expansão da economia-mundo tinha 38 alcançado os limites de muitos produtores na indústria de ponta (resultado da reconstrução da Europa Ocidental e da Ásia Oriental) e, por conseguinte, um agudo declínio dos níveis de lucros nos setores mais lucrativos da produção mundial. Esse é um problema recorrente na operação da economia-mundo capitalista, e levou a resultados padrões: remanejamento de muitas dessas indústrias para países semiperiféricos, onde os níveis salariais eram mais baixos (com esses países considerando esse remanejamento como sendo “desenvolvimento”); crescimento do desemprego no mundo (mais notadamente nos países mais ricos), levando ao declínio dos salários reais e dos níveis de tributação nesses países; concorrência na “tríade” dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão com a Ásia Oriental para exportar reciprocamente o desemprego; transferência do capital de investimento das empresas produtivas para a especulação financeira; e aguda crise da divida pública (WALLERSTEIN, 2009, p. 61). Com o crescimento da atividade industrial nos países periféricos, disseminou-se o que Lipietz (1988) chamou de “fordismo periférico” que seria um “fordismo incompleto” em suas características essenciais, se comparadas às características do fordismo nos países centrais do capitalismo. Segundo esse mesmo autor: Esse modelo de industrialização das periferias, por adoção parcial e frequentemente ilusória do modelo central de produção e de consumo, porém sem a adoção das relações sociais correspondentes, fracassou efetivamente na sua inserção no “círculo virtuoso” do fordismo central (LIPIETZ, 1988, p.77). Lipietz (1988) aponta os motivos do fracasso do fordismo periférico adotado nos países pobres como possibilidade de crescimento econômico similar aos países centrais da economia capitalista. Os principais argumentos do autor têm como base as seguintes ideias: não se pode importar tecnologias e máquinas nos países pobres sem construir relações sociais de trabalho que sejam compatíveis com o potencial produtivo; os operários dos países periféricos não apresentavam a qualificação e experiência que os operários dos países centrais haviam acumulado durante seu percurso histórico. Lipietz (1988) ainda considera que, nos países periféricos, não houve uma ampliação significativa do poder aquisitivo dos operários e do campesinato, como ocorreu na maioria dos países centrais do fordismo. Com isso, o consumo de massa, ou a inserção das classes populares no mundo do consumo, não ocorreu. Nesse caso, os mercados continuavam limitados à população dos grupos de renda elevada e média (LIPIETZ, 1988). Dessa forma, o fordismo, enquanto modelo, possui características que não foram sistematicamente adotadas em todos os países periféricos. De certa forma, as características sociais, culturais e epoliticas influenciaram decisivamente na forma como o modelo foi sendo executado. A forma como a organização da produção em massa e padronizada foi implantada em diversos locais guardam características singulares em todos os países periféricos em que o modelo foi sendo colocado em prática. 39 1.4. AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS Buscando compreender os processos socioespaciais e as formas resultantes desencadeadas com a instalação de uma importante atividade econômica, como a indústria calçadista, em uma localidade sem tradição industrial e ligada a atividades comerciais de baixa complexidade e agropastoril, julga-se necessário utilizar os conceitos de rede e de escala geográfica como recurso de análise, no intuito de decifrar algumas interações espaciais que envolvem tal fenômeno no contexto de expansão do setor calçadista brasileiro cuja competitividade das empresas baseia-se no menor custo de produção, que para tanto explora os mecanismos de “guerra fiscal”, incorporando localidades periféricas e os integrando produtivamente nas redes corporativas. Levando em conta o conceito de escala geográfica, Castro (2003) avalia que a investigação geográfica enfrenta o problema básico do “tamanho”, que pode variar da escala espacial local ao global. Destaca ainda que, na relação entre fenômeno e tamanho, não se transfere leis de um tamanho a outro sem que surjam alguns problemas. Pensando dessa maneira, entende-se que a escala geográfica não deve ser vista como relação de proporção, isso se aplica à cartografia para ampliar ou reduzir determinado recorte espacial representado em carta/figura. A escala geográfica deve ser entendida como uma dimensão espacial descontínua de pertinência dos fenômenos/ fatos. Assim, concorda-se com Harvey (2006) quando o mesmo afirma que: O exame do mundo em qualquer escala particular revela de imediato uma série de efeitos e processos que produzem diferenças geográficas nos modos de vida, nos padrões de vida, no uso dos recursos, na relação com o ambiente e nas formas políticas e culturais. A longa geografia histórica da ocupação humana da superfície da Terra e da evolução das distintas formas sociais (línguas, instituições políticas e valores e crenças religiosas) inseridas integralmente em lugares com qualidades todas suas tem produzido um extraordinário mosaico geográficos de ambientes e de modos de vida socioecológicos. [...] Mas as diferenças geográficas são bem mais do que legados histórico-geográficos. Elas estão sendo perpetuamente reproduzidas, sustentadas, solapadas e reconfiguradas por meio de processos político-econômicos e socioecológicos que ocorrem no presente (HARVEY, 2006, p. 110 – 111). Entende-se, assim, que a questão da escala deve ser decifrada mediante a capacidade analítica de superação das aparências. A análise transescalar é, então, o mecanismo fundamental do reconhecimento e caracterização dos processos e fenômenos socioespaciais. A questão primordial é, então, entender o fenômeno, indo de uma escala a outra, mas sem hierarquizá-la para dar visibilidade ao mesmo. Conforme Castro (2003): “A escala é, na 40 realidade, à medida que confere visibilidade ao fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de análise, nem pode ser confundida com ele, estas são noções independente conceitual e empiricamente” (CASTRO, 2003, p. 123). O estudo das transformações socioespaciais está diretamente associado à coerência da escolha deste ou daquele fenômeno e à objetivação dos espaços na escala em que o pesquisador julgue que o fenômeno pode ser apreendido. Assim, o fenômeno objeto de estudo, mesmo em sua particularidade, deve ser encarado como articulado a um conjunto maior de localizações. Mesmo contido em determinado recorte de análise, o fenômeno constitui-se um elo entre as escalas da realidade por meio de redes geográficas a fim de evitar o isolamento e não perder a ideia de totalidade. Castro (2003), pautada nas concepções de Merleau-Ponty (1964), destaca que a aparente fragmentação do real que ocorre quando nos aproximamos da realidade é apenas perspectiva, uma vez que cada objeto percebido possui o mesmo valor, já que cada um participa conjuntamente de uma realidade tal que este ou aquele fenômeno se destaca apenas como uma projeção particular. A formulação de Castro (2003) sugere que não há hierarquias entre as escalas, pois elas não constituem projeções mais ou menos aumentadas de um real em si, já que o real está contido e/ou projetado em cada uma delas. Por outro lado, também significa dizer que o importante é a percepção resultante, em que o real está presente, assim “[...] a escala é, portanto o artifício analítico que dá visibilidade ao real” (CASTRO, 203, p. 133). A referida autora estabelece três pressupostos para o entendimento da escala como conceito de análise: 1) não há escala mais ou menos válida, a realidade está contida em todas elas; 2) a escala da percepção é sempre ao nível do fenômeno percebido. Para a filosofia este seria o macrofenômeno, aquele que dispensa instrumentos; 3) a escala não fragmenta o real, apenas permite a sua apreensão (CASTRO, 2003, p. 132). Smith (1988), por sua vez, sugere uma perspectiva importante sobre a análise das escalas sob a égide do sistema econômico capitalista. Segundo ele, a análise escalar de alguns fenômenos socioespaciais, sobretudo o processo de reprodução ampliada do capital, deve ser entendida no contexto das diferentes formas como o capital aparece fixado, ou materializado no espaço – daí sua relevância na compreensão da produção dos padrões de desenvolvimento desigual. Podemos inferir que a produção das diferentes escalas geográficas corresponde a um conjunto de determinações políticas, ideológicas, econômicas, culturais e espaciais, que mediam os padrões de produção, estruturação e reestruturação do espaço. As regiões e locais do mundo são imersos em tal lógica e, segundo Silveira (2004), é a 41 “[...] funcionalização dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho do acontecer. Mas, no instante seguinte, outra função cria outra forma e, por conseguinte, outros limites” (SILVEIRA, 2004, p. 90). O acontecer dos processos desencadeados nas escalas global, nacional, regional e local pressupõe a existência de redes geográficas que conectam as ações e eventos no espaço geográfico. Para tanto, as empresas normalmente constroem novas redes técnicas nos locais onde se instalam, associando-as a redes criadas em escala regional, nacional e mundial, dando condição para determinadas modificações das relações entre determinados recortes de escalas geográficas. Quando uma empresa age introduzindo novas redes geográficas, recria as condições de organização do espaço geográfico, seguindo a lógica da divisão internacional e nacional do trabalho. Os diferentes agentes sociais têm acesso às redes de maneira diferenciada, de acordo com o seu poder econômico. “No dia-a-dia é costume pensar nas redes, na sua constituição, sua forma, sua fisionomia e sua estrutura. As pessoas apenas usam as redes, e usando, as constroem e as reconstroem” (SANTANA, 2006, p. 33). Segundo Corrêa (2001), Por rede geográfica entendemos um conjunto de localização geográfica inter conectadas entre si por um certo número de ligações. Este conjunto pode ser constituído também por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas a elas associada; como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de uma empresa, seu centro de pesquisa e filiais de venda. Pode ser ainda constituído pela agência de um banco e o fluxo de informações que circulam entre elas; pela sede da igreja católica, as dioceses e paróquias; ou ainda pela rede ferroviária de uma dada região. Há, em realidade, inúmeras e variadas redes que recobrem, de modo visível ou não, a superfície terrestre (CORRÊA, 2001, p. 107). Está claro que as redes são constituídas enquanto ligações entre pontos-localidades e entre espaços visando determinados fins. No entanto, as redes geográficas possuem propriedades fundamentais que não devem ser negligenciadas nas análises socioespaciais: a conectividade, a seletividade e, em alguns casos, a instantaneidade. A conectividade está associada à capacidade das redes em ligar localidades e fenômenos. A seletividade é a escolha das conexões e localidades a serem incorporadas ao objetivo de existência da rede. A instantaneidade é o compartilhamento dos processos sociais inerentes à rede geográfica. Estudando as redes técnicas, Dias (2003, p. 141) afirma que “[...] a história das redes é a história das inovações que, uma após a outra, surgem em resposta a uma demanda social antes localizada que uniformemente distribuída”. Todavia, em sentido mais amplo, o conceito de rede ultrapassa a concepção material e pode ser abordado do ponto de vista imaterial no 42 sentido de conectar, por meio da internet, pessoas e empresas em diversas regiões e lugares da Terra. Com relação às redes técnicas a serviço da produção do espaço capitalista, as redes geográficas constituem um mecanismo essencial para a manutenção e ampliação do capital, pois são criadas e modificam os espaços nacionais, regionais e locais, doravante sulcados por linhas técnicas que permitem maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de informações (DIAS, 2003). A organização espacial da sociedade é significativamente influenciada pela presença das redes. De acordo com Santana (2006), A rede por ser vista como técnica que se impõe na organização espaço-temporal, uma vez que pode criar elementos espaciais sobre o território, elementos que darão temporalidades diferenciadas aos fluxos ou poderão suprir ou ampliar temporalidades relativas às distâncias nestes territórios e que dependerão de sua matriz técnica, [...] (SANTANA, 2006, p.43). As redes parecem se constituir, na maioria das vezes, como a infraestrutura básica visível e invisível da sociedade em seu viés econômico e produtivo. As redes são tecidas por diversos agentes, porém, no atual estágio de organização da globalização capitalista e neoliberal, as empresas transnacionais, em parceria com o Estado, traçam as principais redes econômicas e políticas de conexão entre vários lugares. A partir da distribuição de unidades fabris e escritórios de administração, pontos de vendas etc. sobre determinados pontos da superfície terrestre, as localizações são articuladas aos mais variados fluxos e vias. Portanto, deve-se ter em mente que as redes são resultado do trabalho de numerosos agentes que, em diferentes lugares e momentos, e com capacidades distintas de ação, exercem seu papel como sujeitos históricos e geográficos. As conexões entre as redes são instrumentos de determinados agentes sobre o espaço. O propósito das redes é manter a circulação dos fluxos. Conforme Santana (2006), A circulação, motivo principal da existência das redes se fará, então, de forma desigual de acordo com o desenho, quantidade, qualidade, e capacidade de cada um dos pontos e linhas em transmitir os fluxos com o mínimo de retenção possível, além da própria qualidade do elemento em transporte, dado por sua viscosidade e atrito dentro da rede (SANTANA, 2006, p. 46). Quanto à adaptação dos espaços regionais às demandas externas, Silveira (2003) destaca que os vetores da transformação não encontram espaços totalmente submissos às determinações. Segundo a autora: 43 Existe uma totalidade prévia, um mundo construído. É um arranjo de objetos e normas que, ao mesmo tempo que é transformado, obriga os vetores a uma adaptação. [...] um verdadeiro limite normativo, porque material e organizacional, ao processo de totalização (SILVEIRA, 2003, p. 92). Ante o “mundo construído” encontrado pelos vetores das grandes corporações empresariais nos locais onde as mesmas almejam aumentar o faturamento, torna-se regra comum a disseminação do pensamento neoliberal hegemônico e a ação estatal em favorecimento aos empreendimentos capitalistas. Percebe-se isso, por exemplo, no contexto da reestruturação produtiva, observando principalmente o recorte temporal do início dos anos 1990, quando houve uma crescente concorrência entre os produtos da indústria brasileira de calçados e os produtos chineses (mais baratos). 44 2. A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA Neste capítulo, são analisadas as principais características da produção mundial de calçados, destacando sua distribuição mundial, as características e evolução da distribuição espacial da produção calçadista no Brasil e o papel do estado da Bahia no processo de relocalização de fábricas. Este exercício de análise busca colocar a ciência geográfica em evidência, sobretudo porque essa ciência tem, no âmago de suas reflexões, a análise da produção do espaço e o estudo da localização geográfica dos fenômenos. Porém, não se podem desconsiderar as contribuições de outras ciências para o estudo da localização industrial, haja vista serem contribuições imprescindíveis os estudos desenvolvidos por economistas, sociólogos e administradores que colocam a localização industrial e o desenvolvimento regional como questões principais em suas pesquisas. Tal investigação está diretamente vinculada à tentativa de desdobrar uma reflexão sobre as transformações socioespaciais provocadas pela grande fábrica de calçados nos locais onde esse segmento industrial instala suas unidades fabris. No âmbito da geografia, é prioritária a análise da distribuição espacial das atividades produtivas e suas implicações sobre a produção, organização e/ou reestruturação do espaço, como mediação entre a sociedade e a natureza, que se constitui o centro da investigação. Assim, pode-se inicialmente afirmar que existem diversas variáveis – econômicas, políticas, institucionais, culturais etc. – que interferem na produção do espaço e na localização das atividades industriais. A decisão da localização industrial dependerá do tipo de empreendimento, tipo de produto fabricado, matéria prima utilizada, ambiente institucional e político do país ou localidade de interesse dos empresários. Neste ínterim, o espaço geográfico, transformado e produzido pela sociedade capitalista, constitui o que hoje se caracteriza como conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações, sendo que: “Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico (SANTOS, 1997, p. 51)”. A respeito dessa funcionalidade do espaço, Santos (1997) afirma ainda que: Em realidade, não há apenas objetos, novos padrões, mas igualmente, novas formas de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúne feixes de relações, 45 o novo padrão espacial pode dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de lugar. É que cada padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também, funcional. Em outras palavras, quando há mudança morfológica, junto aos novos objetos, criados para atender a novas funções, velhos objetos permanecem e mudam de função (SANTOS, 1997, p. 77). Comentando a respeito da expansão das relações capitalistas pós-Revolução Industrial e suas implicações sobre a hierarquia entre as cidades, Corrêa (2001) destaca que: Com o capitalismo verifica-se a ampliação em escala até então nunca vista da divisão social e territorial do trabalho, a perda dos meios de produção de parcela considerável dos que ainda detinham estes meios, e o aumento do trabalho assalariado, levando àquilo que Lenin se refere como a criação de um mercado interior para a crescente produção capitalista, onde tanto os meios de produção como os de subsistência, bem como a própria força de trabalho, se constituem em mercadorias a serem vendidas e compradas. Com o capitalismo a atividade comercial ganha novo significado social (CORRÊA, 2001, p. 18). A respeito da emergência de um mercado mundial criado pelas forças capitalistas de produção e o processo de modernização, Berman (2001) cita as características do que para ele seriam centrais na modernidade, ensejadas pelo capital em escala mundial: Em primeiro lugar, dá-se a emergência de um mercado mundial. Enquanto se dissemina, esse mercado absorve e destrói todos os mercados locais e regionais em que toca. A produção e consumo – e as necessidades humanas – tornam-se cada vez mais internacionais e cosmopolitas. O escopo das exigências e dos desejos humanos se amplia muito além da capacidade das indústrias locais, que consequentemente quebram. A escala das comunicações torna-se mundial, e surgem meios de comunicação de massa tecnologicamente sofisticados (BERMAN, 2001, p. 119). As tendências de expansão das relações capitalistas industriais se mostraram claras nas últimas quatro décadas (1970 – 2010). A procura por espaço onde as condições de produção propiciassem maior lucratividade provocou a instalação da atividade industrial em países ditos “subdesenvolvidos”. A atividade industrial que estava concentrada majoritariamente em países centrais da economia capitalista passa a se instalar também em países periféricos. 2.1. A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS O Brasil figura, atualmente, entre os países de maior produção de calçados do mundo (terceiro maior produtor), concorrendo internacionalmente, neste segmento industrial, com a 46 China e a Índia. Comecemos, portanto, a discutir as características da indústria calçadista mundial, utilizando um recorte geográfico global, relacionando as reflexões gerais obtidas a partir da economia mundial e entendendo as tendências e alguns pressupostos da localização de unidades fabris calçadistas. Cabe, no entanto, ressaltar que a divisão analítica em recortes espaciais, desenvolvida nestas páginas, não tem como objetivo hierarquizar a relação entre as escalas geográficas, mas buscar um entendimento dinâmico dos processos que favorecem ou influenciam a instalação de fábricas de calçados em determinadas localidades. Entre os países de maior produção de calçados na atualidade, destacam-se a China, Índia e Brasil, conforme se pode observar na Tabela 2. Preponderantemente, esses países possuem os operários com as mais baixas remunerações no setor couro-calçadista e de confecções. A utilização intensiva de força de trabalho na produção dos calçados, a “necessidade” de as empresas disporem de um número grande de indivíduos como força de trabalho “livre”, vendendo seu labor em troca de uma remuneração que apenas provê suas necessidades mínimas de existência, é de suma importância para a cadeia produtiva courocalçadista. Tabela 2 Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de pares por ano (2004/2010) País Ano 2004 2007 2010 China 8.800 10.209 10.682 Índia 850 980 1.117 Brasil 750 796 835 Vietnã 445 665 825 Indonésia 564 565 559 Tailândia 260 268 273 Itália 281 242 228 Paquistão 250 246 242 México 244 172 155 Turquia 224 170 142 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.couromoda.com (acesso em 02/03/2012) A associação entre a produção de calçados e a disponibilidade de força de trabalho abundante e barata vem sendo apontada nas duas últimas décadas, por alguns pesquisadores, como Garcia (2010), Costa (2002), Brito (2010), Santos, L.(2008), como um fator de grande relevância na competitividade e nos lucros das grandes companhias internacionais produtoras de calçados, sobretudo por conta da reestruturação produtiva que diversos segmentos industriais tiveram que programar e executar. Conforme se pode observar na tabela 3, os 47 principais produtores de calçados estão entre os países que possuem grandes contingentes demográficos. Tabela 3 População absoluta e produção de calçados por país em 2011 País População absoluta Posição quanto a % Produção mundial de população calçados China 1.354.146.443 1ª 64 Índia 1.214.464.312 2ª 6 Indonésia 232.516.799 3ª 4 Brasil 190.755.799 5ª 5 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2011. Seguindo os argumentos supracitados, observa-se que os quatro maiores produtores de calçados do mundo, na atualidade, estão entre os cinco países que possuem os maiores contingentes populacionais absolutos. Apenas o Vietnã, que é o quarto maior produtor de calçados, não figura entre os dez países que possuem os maiores contingentes de população. Mesmo assim, pode-se considerar que o Vietnã, com uma população absoluta de 89.028.741 habitantes em 2010 (IBGE, 2011), figura entre aqueles países que possuem um número grande de força de trabalho disponível e com baixo custo de remuneração para trabalhar conforme as exigências de lucratividade do setor calçadista mundial. Em âmbito mundial, a indústria de calçados empregava, até o ano de 1995, cinco milhões de trabalhadores e produzia mais de 10 bilhões de pares anuais, sendo que dois terços dessa produção foram realizados em países asiáticos (TECNOCOURO, 1995 apud COSTA, 2002). A remuneração da força de trabalho, diretamente associada à produção de calçados, é um fator que interfere diretamente no preço do produto. O grande acirramento na concorrência mundial para a produção e comercialização de calçados, fortemente crescente a partir da abertura comercial durante a década de 1990 com o crescimento econômico de alguns países asiáticos, especialmente da China, obrigou muitas empresas produtoras de calçados a adotar estratégias de reestruturação produtiva, com forte implicação sobre as tendências de instalação de unidades fabris. “Em geral, esse processo guiou-se pela busca de novas fontes de suprimentos que apresentassem custos mais baixos, especialmente aqueles associados com a força de trabalho” (GARCIA, 2010, p. 98). Ainda, segundo Garcia (2010), O crescimento dos países asiáticos esteve fortemente vinculado com a organização da cadeia global dessas indústrias, em que os compradores globais buscam incessantemente fontes de suprimentos diversos, que apresentem as melhores condições em termos dos atributos do produto, com destaque para o preço (GARCIA, 2010, p. 98). 48 Assim, quanto menor for a remuneração oferecida aos trabalhadores do setor industrial calçadista, maior será a possibilidade das empresas que utilizam esta força de trabalho vencerem a concorrência para a venda dos produtos no mercado internacional7, haja vista ser o preço do calçado o requisito principal na concorrência internacional. O trabalho intensivo exigido pelas cadeias têxtil e couro calçadista em diversas partes do mundo, o crescimento do consumo e o processo de abertura econômica em muitos países fizeram a distribuição geográfica das fábricas de calçados ganhar uma nova dinâmica. Segundo Harvey (2006), vem crescendo em todo o mundo a produção de mercadorias que exigem uma grande quantidade de trabalhadores na linha de produção (a indústria de confecções e a calçadista têm destaque neste segmento). Harvey (2006) cita o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para evidenciar o processo de expansão da produção de “manufaturas trabalho intenso”: A parcela de manufaturas trabalho intensivo com relação ao total de exportações passou de 36% em 1975 a 74% em 1990. Entre 1985 e 1993, a taxa de emprego na indústria têxtil passou por um incremento de 20%, a de produtos de vestuário e de fibras por um incremento de 43%, e produtos derivados do plástico por um incremento de 51%. A China é agora um importante exportador de produtos trabalho intensivo para muitos países industrializados [...] (UNIDAS, 1996 apud HARVEY, 2006, p.64). Como a China e a Índia, em grande medida, não possuem leis trabalhistas que possibilitem aos trabalhadores direitos similares aos direitos adquiridos por trabalhares de países capitalistas ocidentais, o saldo total das despesas para a manutenção da produção, em muitas empresas que atuam nestes países, é significativamente reduzido. Assim, a mais valia adquirida neste processo ganha proporções enormes. Por exemplo: direitos como décimo terceiro salário, seguro desemprego, férias remuneradas, limite de horas de trabalho por dia etc. não são assegurados, em muitos países asiáticos. Nesse sentido, as maiores companhias que produzem calçados esportivos, tais como a norteamericana Nike e a alemã Adidas, mantêm grande quantidade da produção em países periféricos. Fazendo um paralelo entre as condições de vida dos trabalhadores, descritas por Karl Marx em O Capital, Harvey (2006), tomando como referência a pesquisa desenvolvida por Herbert (1997), cita um trecho que descreve as condições de trabalho dos operários, nas fábricas de calçados e vestuários no Vietnã. 7 Tendo por base a concorrência pelo preço, o que predomina na competitividade entre as empresas calçadistas nos países periféricos. Pois, nas fábricas ainda existentes nos países ricos, a concorrência é pela qualidade do produto. 49 [...] o tratamento dos trabalhadores pelo gerente da fábrica no Vietnã (de modo geral coreanos e taiwaneses) é uma “fonte constate de humilhação”, que ocorrem maus-tratos verbais e assédio sexual com freqüência e que é “comum o uso de punições corporais”. [...]. “É uma ocorrência comum”, escreve o senhor Nguyen em seu relatório, “o desmaio de vários trabalhadores por exaustão, por causa do calor e da má nutrição, durante a troca de turnos. Disseram-nos que vários trabalhadores chegaram a vomitar sangue antes de desmaiar” (HERBERT, 1997 apud HARVEY, 2006, p.67). Vale ressaltar que o exemplo citado por Harvey (2006) diz respeito a operários que produzem, em uma fábrica subcontratada pela empresa norte-americana Nike, uma das maiores marcas de calçados esportivos do mundo. As condições a que são submetidos os trabalhadores da indústria calçadista, nos países periféricos, parecem ter características bastante similares, apesar de algumas diferenças. Vejase, então, a caracterização feita por Brito (2010), tomando como referência entrevistas feitas com um representante sindical dos trabalhadores calçadistas a respeito da forma como os operários de uma grande fábrica de calçados, na cidade de Ipirá-BA, eram tratados no dia a dia de trabalho, antes de terem fundado o seu sindicato: Imposição de horas extras não remuneradas, computadas como banco de horas, sobre o que os trabalhadores não tinham a menor condição de discussão, e jornadas de trabalho excessivas – das 05h até 19h ou 20h, quando o horário oficial era até 14:48h. Gravidade e conseqüência dos acidentes de trabalho sofridos pelos operários, causados pelas condições do processo fabril (queimaduras, luxações e até casos de mutilação) [...]. Cárcere privado, ocorrido quando os trabalhadores decidiram reunir-se em assembléia para a fundação do sindicato [...]. [...] maus tratos ou a prática do assédio moral, que ocorriam abertamente, com proibição ou fiscalização de idas dos funcionários ao banheiro, escárnio público dos funcionários que não conseguiam atender às metas de produção, cada vez mais inatingíveis e distinções pejorativas para com os operários baianos, chamados de preguiçosos, burros e famintos (BRITO, 2010, p. 172 – 173). Com uma organização sindical mais acentuada nas regiões tradicionais de produção de calçados no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste, dificilmente as humilhações descritas acima seriam toleradas sem uma postura de embate em que os trabalhadores exigissem respeito aos seus direitos. Assim, corroborando com este pensamento, pode-se afirmar que a falta de uma organização sindical mais efetiva, que defenda os direitos dos trabalhadores, favorece a instalação de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste brasileiro, em especial nos estados da Bahia e no Ceará. Em muitos casos, a baixa escolaridade e a falta de alternativa para os trabalhadores das localidades onde se instalam esses grandes empreendimentos fabris favorecem a subserviência aos ditames dos gerentes das fábricas. A falta de outras oportunidades de emprego e a pouca exigência na qualificação para o 50 trabalho na indústria calçadista contribuem, assim, diretamente para que a relocalização da produção se torne um processo exequível. O nível de escolaridade necessário para que os trabalhadores lidem com as máquinas e com todo o processo produtivo na fabricação dos calçados é praticamente inexistente. Não é necessária a escolaridade completa em nível de ensino básico (ensino médio), pois a produção dos calçados se dá por meio da utilização de máquinas que, em muitos casos, exigem apenas a execução de movimentos sequenciais e repetitivos na linha de produção. Essa característica da produção de calçados torna maior a disponibilidade de força de trabalho nos países populosos como a China, a Índia e o Brasil. Sobre o aspecto da necessidade de qualificação da força de trabalho para a produção de calçados, um dos gerentes responsáveis pela linha de produção da marca Nike, na maior unidade produtiva do grupo empresarial Dass Clássico, localizada no município de Santo Estevão-BA, afirmou que: A qualificação se dá dentro do próprio processo de trabalho assim que o funcionário adentra o espaço da fábrica. Para a produção de calçados não há exigências muito grandes; as pessoas passam um mês conhecendo e se adaptando às exigências de manuseio das máquinas e acabam se acostumando ao trabalho repetitivo (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 16/02/2011). Analisando as palavras do gerente de produção dos calçados de marca Nike, pode-se constatar que, na execução do trabalho repetitivo na linha de produção de calçados, não há exigência de formação e preparo técnico; segundo ele, basta se “acostumar” com a repetição dos movimentos das máquinas e desenvolver os movimentos repetitivos necessários para confeccionar os produtos. Nesse sentido, tem-se um modelo de produção que se assemelha ao fordismo e à produção de mercadorias em massa. Estudos disponíveis sobre as implicações desse modelo de produção sobre a saúde dos trabalhadores das fábricas de calçados comprovam que as graves lesões provocadas por movimentos repetitivos assolam uma quantidade significativa dos operários (SANTOS, L., 2008). Classificados pela empresa como “trabalhadores polivalentes da indústria de calçados”, esses trabalhadores, após passarem alguns anos desenvolvendo uma atividade mecânica e repetitiva, embora possam vir a desempenhar outras funções dentro da fábrica, podem alcançar um alto grau de cansaço físico e adquirirem doenças relacionadas às funções que desenvolvem e serem demitidos quando não atenderem mais às metas de produção exigidas diariamente. Essa condição de trabalho associada à confecção dos calçados, contribui para promover a mais alta taxa de rotatividade de trabalhadores neste segmento da indústria de transformação, conforme índice de desligamentos do trabalho na tabela 4: 51 Tabela 4 Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados. Setores e subsetores da indústria Taxa do Taxa do Taxa do Taxa do Taxa do de transformação subsetor subsetor subsetor subsetor subsetor (%) (%) (%) (%) (%) 2001 2004 2007 2008 2009 Mineração não-metálica 43.8 39.8 44.9 52.6 48.5 Metalúrgica 37.3 35.6 40.8 48.8 43.5 Mecânica 39.0 36.5 45.0 53.9 44.3 Material elétrico e comunicação 44.8 32.9 40.7 44.0 39.2 Material de transporte 25.5 20.6 22.9 32.2 25.7 Madeira e mobiliário 52.0 53.3 53.5 57.1 52.5 Papel e gráfica 35.9 32.2 35.8 40.3 38.3 Borracha, fumo e couro 47.3 48.3 52.8 56.9 51.0 Química. 37.0 31.9 37.2 43.8 39.4 Têxtil 47.6 42.4 48.9 54.0 50.7 Calçados 64.5 57.3 65.3 73.8 58.8 Alimentos e bebidas 54.2 54.6 62.2 67.2 62.7 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em DIESSE, 2011 É frequente a necessidade da disponibilidade de pessoas para ocupar os postos de trabalho na produção de calçados deixados pelos trabalhadores acometidos pelas doenças ocupacionais, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e as Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) (SANTOS, L,.2008)8. Têm-se, nesse caso, mais um dos fatores que explicam a estratégia, empreendida pelas grandes empresas de calçados, de instalarem suas unidades produtivas ou subcontratarem empresas, durante as últimas décadas, em países ou regiões que possuam um grande contingente populacional. A procura por locais com disponibilidade de uma numerosa população com baixo custo de remuneração tem como objetivo repor a grande quantidade de desligamentos mensais de trabalhadores nas linhas de produção de calçados, o que confirma a elevada rotatividade da força de trabalho no setor. De acordo com o exposto até agora sobre as variáveis para a localização de empreendimentos produtivos, em particular das fábricas de calçados, pode-se inferir que cada empresa ou corporação pode utilizar ou organizar o espaço geográfico em função de suas próprias demandas ou interesses, e, exclusivamente, em função desses interesses. Assim, os trabalhadores empregados nas unidades produtivas dessas empresas, distribuídas por todo o mundo, em especial nos países periféricos da economia capitalista e nos países “emergentes”, são tratados como objetos, como mercadorias que, após serem utilizadas e “gastas”, são “jogadas fora”. Os trabalhadores, na visão funcional que lhe é atribuída pelas empresas, são como uma espécie de “bateria” que vão ceder energia para manter a produção das 8 O trabalho na produção de calçados é enfadonho e como o setor emprega a maioria de jovens, eles não permanecem por muito tempo no emprego. 52 mercadorias (produtos) e, uma vez que estiverem “descarregadas”, serão descartadas e novas “baterias” serão incorporadas, repetindo o círculo de dispensa e contratação até a última turma ser esgotada e a empresa mudar a fábrica de lugar, se o sindicato operário não intervier antes; se isso acontece, a fábrica vai embora mais cedo. Para Santos (2001): As empresas apenas têm olhos para os seus objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras serão respeitosas do entrono econômico, social, político, cultural, moral e geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de perturbação e mesmo de desordem (SANTOS, M., 2001, p. 85). Para além de as empresas calçadistas se deslocarem, nas últimas décadas, para países com grande contingente populacional, pode-se constatar, como um dos fatores preponderante no deslocamento da produção, a existência de mercados consumidores potenciais para os calçados produzidos. Há uma associação entre a absorção de um grande contingente de trabalhadores para a produção de “mercadorias trabalho intensiva” e um crescimento do mercado consumidor nos países emergentes, sendo o consumo, o mecanismo que garantirá o ciclo de manutenção das relações de produção em seu objetivo maior que é o lucro Percebendo a dinâmica do consumo e da produção de mercadorias, favorável à maior competitividade nestes países “emergentes”, empresas brasileiras do setor têxtil e courocalçadista, como o Grupo Empresarial Dass Clássico, começam a montar unidades administrativas na China para subcontratar força de trabalho para a produção de calçados e confecções, haja vista as vantagens competitivas que existem nesse país, somando-se ao fato de ser a China o maior exportador de pares de calçados para o Brasil (85% dos calçados importados pelo Brasil em 2008 vieram deste país), conforme se pode visualizar na Tabela 5. País China Vietnã Indonésia Itália Tailândia Argentina Taiwan Espanha Hong Kong Reino Unido Tabela 5 Importação brasileira de calçados – 2008. US$ % Número de pares 218.715.996 47.098.722 15.459.810 8.566.597 3.919.715 3.049.593 2.611.360 1.107.236 730.827 725.932 71.1 15.5 5.0 2.8 1.3 1.0 0.8 0.4 0.2 0.2 33.572.118 3.213.898 1.026.922 74.678 223.638 191.780 261.646 47.279 171.574 31.331 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009. % 85,4 8,2 2,6 0,2 0,6 0,5 0,7 0,1 0,4 0,1 53 Outras empresas, entre elas as do segmento têxtil, a exemplo da experiência internacional, desativaram unidades produtivas no Brasil e também em outros países, e passaram a subcontratar parte da produção em países asiáticos, sobretudo na China. Os segmentos têxteis e calçadistas têm destaque significativo entre os produtos mais consumidos no mercado de países emergentes e nos países considerados de economia capitalista desenvolvida. Nos últimos anos (1990 a 2010), os países denominados “emergentes” vêm alcançando índices de crescimento econômico que favorecem a expansão do consumo interno, a exemplo da China, Índia e Brasil9. Com uma política econômica que visa atrair investidores externos, esses países assumem a liderança no processo de expansão industrial em alguns segmentos, sobretudo o têxtil e calçadista. Conforme se pode observar na tabela 6, esses países ganham destaque entre as maiores economias do mundo, com uma dinâmica muito forte de importação e exportação de calçados. Países EUA China Japão Alemanha França Reino Unido Brasil Itália Canadá Índia Tabela 6 Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados - 2006 PIB (US$ Exportação Importação Importação (US$ Importação Trilhões) (US$ Milhões) (%) Milhões) (%) 14,7 822,6 1,1 20.091,4 26,1 5,9 27.784,7 39,3 5.862 7,6 5,5 X X 3.771,1 4,9 3,3 2.823,9 3,9 5.888,9 7,6 2,6 1.572,7 2,2 4.876,8 6,3 2,2 942,5 1,3 5.025,1 6,5 2,1 1.966,5 2,7 149 0,1 2,1 9.407,9 13,3 4.939,7 6,4 1,6 X X 1.520,2 1,9 1,5 1.215,3 1,7 140 0,1 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 e 2011; FIESP, 2007 NOTA: X dado não encontrado Para além dos fatores de custo de remuneração de força de trabalho, baixa escolaridade da população, disponibilidade de população numerosa e um potencial de demanda interna para os calçados, existem também fatores institucionais que tornam determinados países ou regiões do mundo suscetíveis à instalação das fábricas de calçados. Entre os fatores históricos que fizeram algumas regiões se tornarem o destino para a 9 Nos últimos anos, o Brasil vem obtendo números crescentes e significativos nos índices de consumo interno devido, entre outras coisas, ao surgimento do que alguns especialistas chamam de “nova classe média”. Ao mesmo tempo em que contribui para o crescimento do consumo interno, a “nova classe média” brasileira também contrai significativos índices de endividamento de seus rendimentos, o que pode comprometer futuramente a continuidade do ciclo do consumo e a sustentação dos índices de crescimento. 54 migração de inúmeras atividades industriais, inclusive a produção de calçados, pode-se destacar algumas em particular. A intensificação da concorrência entre empresas e os salários cada vez mais altos, que o capital empresarial de alguns países desenvolvidos tinha que pagar à força de trabalho (da metade para o final da década de 1960), não formam um fenômeno isolado em determinadas localidades. O conjunto da economia mundial passou por mudanças importantes, principalmente a partir da década de 1960, conforme explica Arrighi (1997): [...] entre 1968 e 1973 – isto é, antes do primeiro “choque do petróleo” do final de 1973 – essa intensificação geral das pressões competitivas e dos custos crescentes de mão-de-obra em localidades do núcleo orgânico se combinou a uma súbita aceleração da expansão transnacional de empresas capitalistas do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77). Desse modo, com o acirramento da concorrência intercapitalista e do crescimento do valor pago pela remuneração da força de trabalho, nos países do núcleo orgânico do capitalismo, o fluxo anual de investimentos estrangeiros diretos, saído de muitos países desenvolvidos, que haviam aumentado em menos de 50% entre 1963 e 1968, mais do que dobrou entre 1968 e 1973 (ARRIGHI, 1997); investir na produção em países periféricos ao núcleo orgânico do capitalismo tornou-se a alternativa para manter os índices de lucratividades. Conforme Arrighi: Muita, se não a maior parte, dessa aceleração, remonta a uma tentativa generalizada, por parte de empresas capitalistas do núcleo orgânico, de escapar, através de uma diversificação espacial de sua atividade, da diminuição das margens de lucro que resultou da competição cada vez mais intensa e dos salários cada vez mais altos nas localidades do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77 - 78). Concomitante a esse processo de expansão da atividade industrial em diversos países, ocorre também a inserção do setor industrial calçadista brasileiro na concorrência internacional, principalmente a partir da década de 1960 com uma significativa mudança em sua trajetória de crescimento. Conforme Costa (2002), A abertura do setor ao mercado externo em fins da década de 1960 introduz uma inflexão em sua trajetória de crescimento. A manufatura do calçado do Vale dos Sinos sofre um impacto de modernização. Aumenta a parte mecânica se seu processo de fabricação, a qualidade do produto recebe maior atenção, assim como passam a ser observados prazos de entrega e outros atributos de eficiência (COSTA, 2002, p. 56). Dessa forma, a indústria brasileira de calçados, para criar vantagens competitivas a ponto de concorrer internacionalmente com os países que se destacam na produção e 55 comercialização de calçados, tem um ambiente propício para a relocalização ou instalação de fábricas calçadistas. Concorreram diretamente para a configuração deste “ambiente propício”: a abertura econômica, concorrência internacional, reestruturação produtiva, disponibilidade de mão de obra com baixa remuneração (sobretudo no Nordeste brasileiro), mercado consumidor e os instrumentos de flexibilização tributária que deram origem à chamada “guerra fiscal”. 2.2. BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE CALÇADOS À RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS Durante as últimas três décadas (de 1980 a 2010), o Brasil vem se destacando no cenário internacional da produção, exportação e importação de calçados. Figurando entre os principais países emergentes no cenário econômico mundial, o Brasil vem se consolidando como a sexta mais importante economia capitalista do mundo, no ano de 2011. Nesse processo de crescimento econômico, a produção calçadista brasileira foi reestruturada para concorrer com a produção de calçados da China, Índia, Indonésia e Vietnã. O processo de desenvolvimento da produção de calçados, no Brasil teve início em 1824, com a chegada de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Instalados no Vale do Rio dos Sinos, mais especificamente no município de São Leopoldo, os imigrantes alemães trabalhavam na agricultura e na pecuária. Entre esses imigrantes já havia aqueles que possuíam habilidades na produção artesanal, sobretudo artigos de couro, o que facilitou a sua inserção na produção direta de calçados de couro (ABICALÇADOS, 2009; COSTA, 2002). Após o ano de 1870, a produção de calçados, no Rio Grande do Sul, começou a crescer e ganhar importância com a expansão também da atividade agropecuária e da produção de charque, conforme relatório estatístico da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados: A produção que inicialmente era caseira e caracterizada pela confecção de arreios de montaria, ganhou mais força com a Guerra do Paraguai, que ocorreu nos anos 1864 – 1870. Após o episódio, surgiu a necessidade de ampliar o mercado comprador. Assim, surgiram alguns curtumes e a fabricação de algumas máquinas, que tornavam a produção mais industrializada (ABICALÇADOS, 2009, p. 3). No Brasil, a primeira fábrica de calçados com características de indústria, com a utilização de máquinas, surgiu em 1888, no Vale do Rio dos Sinos. Chefiada por descendentes 56 de alemães, as primeiras unidades fabris criaram um “Arranjo Produtivo Local” (APL) que ligava a criação de gado em fazendas, de onde se retirava o couro, às demandas de matériaprima para a fabricação de calçados. Assim, muitos descendentes de alemães que possuíam fábrica de calçados e que também eram donos de curtumes, ocupavam-se com a criação de animais, utilizando couro como matéria-prima para a confecção dos calçados. Nota-se que, subjacente a esta ligação entre produção de calçados e a pecuária, existia uma “prática espacial” que visava sustentar a produção de calçados; a necessidade de expansão da pecuária por parte dos produtores de calçados, visando obter matéria-prima (couro), é evidente. O estado gaúcho fomentava a demanda por calçados, fazendo com que a produção se expandisse a cada ano, formando, ao longo do tempo, um dos maiores clusters calçadista do mundo, associado a uma grande cadeia de APLs distribuídas por toda a região do Vale do Rio dos Sinos. Os principais municípios gaúchos tradicionalmente ligados à produção de calçados, especializados em calçados femininos, são: Novo Hamburgo, São Leopoldo, Estância Velha, Campo Bom, Sarapiranga, Taquara, Três Coroas, Rolante e Igrejinha. Necessitando ampliar a comercialização de calçados para também ampliar os lucros das empresas do ramo calçadista, sobretudo com a intenção de exportar calçados, iniciaram-se, na década de 1960, às primeiras exportações de calçados brasileiros. Precisamente em 1968 ocorreu a primeira exportação de calçados brasileiros em larga escala para os EUA. Não obstante, atualmente, os EUA continuam sendo o principal destino das exportações brasileiras de calçados, com 25,7% do valor da exportação (ABICALÇADOS, 2010). O ano de 1968 não só é importante para o início das exportações brasileiras de calçados, mas também simboliza um período de mudanças substanciais na produção industrial em diversos setores produtivos em todo o mundo. É sintomático que estudiosos como David Harvey e Lipietz classifiquem o final da década de 1960 e o início da década de 1970 como o período em que o modelo de acumulação fordista começou a apresentar os primeiros sinais de crise, e algumas atividades produtivas começaram a crescer em países considerados ou classificados como “subdesenvolvidos”, com a ativação da chamada política de substituição de importações. A partir desse período, passou a haver um deslocamento de grande parte da produção de calçados dos países economicamente mais poderosos em direção a regiões periféricas que apresentavam condições mais favoráveis de competitividade. Soma-se a isso a ideia que o final dos anos de 1960 constitui-se na “[...] fase derradeira dos chamados ‘anos dourados’, período de acelerado crescimento econômico que se iniciou ao término da Segunda Guerra Mundial” (COSTA, 2002, p. 58). Segundo Harvey (1992), o modelo de acumulação fordista em seu núcleo essencial 57 manteve-se forte até pelo menos o ano de 1973, baseado numa produção e consumo em massa. Segundo esse autor, os padrões de vida da população trabalhadora dos países capitalistas centrais mantiveram relativa estabilidade, e os lucros monopolistas também eram estáveis. Porém, depois da aguda recessão instalada a partir de 1973, teve início um processo de transformação no interior do processo de acumulação de capital e expansão da atividade industrial. Países com grande contingente de população formam um mercado consumidor potencial para os calçados e confecções produzidos pelas empresas que decidiram pela relocalização de fábricas ou pela expansão da produção com a instalação de novas unidades de produção. Como exemplos, pode-se citar o Brasil, a Índia e a China, países que atualmente figuram entre as dez maiores economias do mundo, sendo classificados como países emergentes, com um grande potencial de consumo interno. Na década de 1960, a produção média brasileira de calçados por ano somava 80 milhões de pares, no final da década de 1980, a produção de pares de calçados ultrapassava os 140 milhões. Com o transcorrer dos anos, novos mercados no exterior começaram a surgir e as exportações aumentaram significativamente, aumentando também o faturamento das empresas e favorecendo a expansão das unidades produtivas. Nesse período, começou a ganhar forma a organização produtiva das empresas calçadistas em redes transnacionais, articulando os fluxos de mercadoria e capital que estimularam a modificação de alguns aspectos competitivos do setor calçadista brasileiro. Segundo Costa (2002), Esse é um período marcado por um acúmulo de pedidos dos importadores de calçados, gerando um intenso crescimento externo do setor com incorporação de recursos e mão-de-obra, bem como a ampliação da escala das firmas. Esse caminho foi facilitado pelas encomendas dos importadores de alto volume de calçados – pedidos de 100 a 150 mil pares – padronizados e de preços baixos (menos do que cinco dólares o par) permitindo uma maior mecanização da produção e a difusão de técnicas tayloristas-fordistas de organizar o processo de trabalho (COSTA, 2002, p. 56). As empresas brasileiras de calçados começavam a fazer os contatos com as empresas internacionais compradoras de calçados (em sua maioria compradores norteamericanos) e começaram também a trabalhar diretamente com os responsáveis pela criação das “linhas” de calçados, haja vista serem as empresas brasileiras, naquela época, pouco desenvolvidas em termos de criação de design. Até o início dos anos 2000, o setor de design das empresas fabricantes de calçados no Brasil era considerado pouco competitivo se comparado com países como França e Itália, países estes que têm uma tradição na produção de calçados de alta qualidade e o desenvolvimento frequente de novos materiais para a produção. 58 No Brasil, houve um crescimento da produção e exportação de calçados de baixo custo gradativamente a partir do final da década de 1970. Essa tendência de crescimento da produção e de exportação de calçados foi acompanhada também pelo crescimento da produção na China e na Índia. Conforme se pode visualizar no Gráfico 2, em uma linha ascendente, as exportações atingiram um significativo saldo entre as décadas de 1980 e 1990 (ABICALÇADOS, 2009). Gráfico 2 - Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por ano 1970/1990 Milhões de pares Ano FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em MDIC/ SECEX in ABICALÇADOS, 2009. Desde a década de 1970 até a presente data, o Brasil se consolidou como o maior produtor de calçados da América Latina. Apesar de ter surgido na região Sul do Brasil, onde concentra a maior parcela de fábricas e pessoas empregadas na atividade de produção de calçados, nos últimos anos, a produção brasileira de calçados está sendo deslocada para outras regiões do país que, tradicionalmente, não eram ocupados com a confecção de tal produto. Na Bahia, em particular, a atividade industrial calçadista foi ampliada consideravelmente com a instalação de fábricas de calçados de grande porte, ou seja, unidades fabris com mais de 1000 trabalhadores. No geral, as grandes fábricas são responsáveis por 58% da produção brasileira de calçados. Considerando a produção brasileira de calçados de modo geral, pode-se constatar que conjuntamente a região Sul e a região Nordeste, são responsáveis por 78% da produção nacional, sendo o Nordeste responsável por 44% e o Sul 59 por 34% da produção calçadista. Pelo volume de produção geral, a região Nordeste foi a que mais cresceu em percentual produtivo. O Sudeste aparece com 21% da produção total de calçados (ABICALÇADOS, 2009). 2.3. A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM DESTAQUE No contexto de expansão do modelo de acumulação fordista para os países periféricos e semi-periféricos, os Estados se inserem no mundo produtivo frequentemente para estimular e garantir a necessária fluidez e lucratividade do grande capital representado pelas grandes empresas. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor, ele apenas se omite quanto aos interesses dos cidadãos e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, a serviço da economia dominante (SANTOS, M., 2001). Em nome da ordem econômica, implantam-se infraestruturas que barateiam o valor final do produto e organizam o fluxo de capital na escala planetária. Nessa relação, as corporações acumulam o capital e o Estado, liderado pelos Governos (federal, estadual e municipal), banca com recursos públicos o papel estruturante, formando uma alavanca que distribui a indústria e elimina a velha divisão do mundo em países industriais e países agrários. Para Santos, M., (2001), as empresas são os grandes agentes que têm como objetivo a produção e a reprodução do capital em grande escala, ao qual o Estado está subordinado, provocando mudanças no espaço. A postura tomada por muitos Governos de países centrais e periféricos da economia capitalista em estimular a produção e maior eficiência competitiva de grandes empresas no mercado global é uma marca recorrente, sobretudo atualmente, com as transformações nos meios de transporte e das telecomunicações, que favorecem a localização geográfica das unidades de gerenciamento e administrativas em áreas específicas do mundo, enquanto as unidades produtivas estão localizadas onde os fatores que levam a uma maior competitividade são mais favoráveis. A competitividade acirrada entre as nações e regiões estimulou a criação de mecanismos fiscais e creditícios cujo objetivo é estimular a produção industrial, sobretudo a produção industrial que demanda uma grande quantidade de força de trabalho. Porém, segundo Porter (1999), a competitividade entre as nações se dá através de um conjunto muito grande de variáveis. Esse autor defende a ideia que as determinações das vantagens nacionais 60 podem ser divididas, de modo geral, em: estratégia, estrutura e rivalidade das empresas; condições de fatores; condições de demanda; indústrias correlatas e de apoio. Para ele, as condições de fatores para a competitividade podem ser discriminadas da seguinte forma: 1. Condições de fatores. A posição dos países nos fatores de produção, como trabalho especializado ou infra-estrutura, necessária à competição em determinadas indústria. 2. Condições de demanda. A natureza da demanda interna para os produtos ou serviços da indústria. 3. Indústrias correlatas e de apoio. A presença ou ausência, no país, de indústrias abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas. 4. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condições que, no país, governam a maneira pela qual as empresas são criadas, organizadas e dirigidas, mais a natureza da rivalidade (PORTER, 1999, p. 87). De modo geral, existem elementos que favorecem ou não a ação das empresas e sua localização de acordo com os elementos de competitividade disponíveis no mercado. Tais elementos da competitividade encontram variações de acordo com as características do país, região, estado e setor da produção industrial. Segundo Porter (1999), a indústria italiana de calçados de couro, que tem uma qualidade em termos de acabamento e desenhos mais sofisticados e de alto custo, tem um poder de competitividade internacional muito grande, pois contribuiu com o surgimento e aprimoramento das indústrias fornecedoras. Segundo Porter (1999): Particularmente valiosa num país é a presença de grandes segmentos que exigem formas mais sofisticadas de vantagens competitivas. Sua presença proporciona um caminho visível para as firmas locais aperfeiçoarem sua vantagem competitiva com o tempo e as posições nesses segmentos são mais sustentáveis (PORTER, 1999, p. 106) Existe, na Itália10, um conjunto de empresas que desenvolvem novas tecnologias de materiais e insumos para atender a demanda da indústria de calçados. Conforme se pode visualizar no organograma contido na Figura 1, várias empresas contribuem para formar os Arranjos Produtivos Locais (APLs) da indústria de calçados. Na indústria de sapatos de couro, por exemplo, os produtores se comunicam regularmente com os fabricantes de couro sobre novos estilos e técnicas de manufatura. Segundo Porter (1999): Os fabricantes de calçados informam-se sobre novos materiais e cores de couro na prancheta de desenho. Os fabricantes de couro, por sua vez, têm conhecimento 10 A Itália é um tradicional produtor de calçados em escala mundial. Utilizando materiais primas “top de linha”, a indústria de calçados italiana segue promovendo o desenvolvimento de novos materiais e tecnologia para a confecção desse produto. 61 prévio das tendências da moda, o que os ajuda a planejar novos produtos (PORTER, 1999, p. 122) Porte (1999) atribui à existência de indústrias de abastecimento ou indústrias correlatas a terceira posição na ordem de fatores que favorecem a competitividade internacional. Figura 1 – Indústrias italianas de êxito internacional ligadas à indústria de calçados. FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PORTER, 1999. As vantagens competitivas de algumas indústrias fornecedoras podem conferir vantagens potenciais às indústrias de calçados de um país, pois produzem insumos amplamente utilizados e importantes para qualidade do produto. Um dos principais fatores de fortalecimento de vantagens competitivas é o acesso eficiente, precoce, rápido e, por vezes, preferencial à maioria dos insumos economicamente rentáveis. No entanto, no Nordeste brasileiro, onde se encontram instaladas diversas fábricas de calçados, não existia uma tradição na fabricação de calçados; a infraestrutura geralmente é precária, como praticamente também não existiam indústrias de apoio ou correlatas que pudessem fornecer matérias primas ou produtos acessórios para a fabricação de calçados. Isso 62 ocorre, pois as empresas escolhem verticalizar a produção, incorporando outros locais à rede produtiva. Para Costa (2002), a competitividade da indústria de calçados no Brasil não se dá apenas pela formação de APL (Arranjos Produtivos Locais) ou pela formação de distritos industriais, como ocorre no Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul. O padrão de competição da indústria de calçados está centrado no valor de remuneração da força de trabalho e na existência de incentivos fiscais e financeiros a esta atividade, elementos importantes para explicar a localização de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste, principalmente na Bahia e no Ceará. Nessa dinâmica por uma localização onde a força de trabalho seja abundante e barata, bem como os incentivos fiscais e creditícios se constituem como política de Estado, as grandes corporações não só disputam diferentes fatias de mercado, mas também contribuem para dinamizar, embora em níveis baixos, as economias locais, podendo até transformar a vida das pessoas e das instituições. Refletindo a respeito das modificações provocadas pelas grandes empresas sobre as localidades onde as mesmas atuam, Milton Santos (2001) afirma que: É assim que também se alteram as relações sociais dentro de cada comunidade. Muda a estrutura do emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais, culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o orçamento público, tanto da rubrica da receita como no capítulo da despesa. Um pequeno número de empresas que se instala acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo de desequilíbrio (SANTOS, 2001, p. 68). Atrelado a esta capacidade dos empreendimentos em dinamizar a economia local, tornou-se recorrente, durante a década de 1990, o discurso do “desenvolvimento local”. Tomando como base uma concepção puramente econômica de desenvolvimento, muitos municípios, no Brasil, empreenderam uma verdadeira política de atração de empresas. Argumentando criticamente a respeito da “guerra” travada entre lugares que disputam a instalação de empreendimentos econômicos produtivos como forma de favorecer o “desenvolvimento local”, Brandão (2009) afirma que: Essa luta dos lugares para realizar a melhor “venda da região ou da cidade”, com a busca desenfreada de atratividades a novos investimentos, melhorando o “clima local dos negócios”, subsidiando os custos tributários, logísticos, fundiários e salariais dos empreendimentos, tem conduzido a um preocupante comprometimento, a longo prazo, das finanças locais e embotado o debate das verdadeiras questões estruturais do desenvolvimento (BRANDÃO, 2009, p. 39). 63 Neste contexto, no Brasil durante a década de 1990, seguindo as orientações das ideias neoliberais, inicia-se uma maior abertura ao mercado externo e à competitividade internacional entre empresas e entre países, uma significativa reestruturação produtiva, um movimento de caráter estrutural que emergiu como consequência da maior concorrência internacional, visando reduzir custos de produção e aumentar a competitividade dos produtos, que vai estimular a desconcentração da indústria calçadista do Rio Grande do Sul e de São Paulo em direção ao Nordeste (NAVARRO, 2006). Estados como a Bahia e o Ceará, que em anos anteriores à década de 1990 tinham uma tímida participação na produção de calçados, passaram a figurar com percentuais significativos de absorção de força de trabalho neste segmento, conforme se pode constatar no Mapa 2. Mapa 2: Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por estado - 2007 Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 64 Os grandes pólos produtores de calçados no Brasil (Vale dos Sinos - RS e Franca - SP) tiveram que reorganizar e dinamizar sua produção, diversificando os modelos de calçados, para conseguir competir principalmente com a China, a Índia, Vietnã e Indonésia, onde os custos de produção são muito baixos, devido, sobretudo, aos baixos salários pagos e a ausência de leis trabalhista que sejam orientadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quanto ao processo de reestruturação e suas consequências no setor calçadista, destaca-se que: Nesta década [1990], mudaram as condições de produção e concorrência na cadeia produtiva de calçados. O aumento da concorrência externa, sobretudo, no mercado interno, que adotou os padrões internacionais, fez com que as empresas buscassem a redução de custos de produção e o aumento de participação no mercado externo (SANTOS, A., et al., 2002, p. 65, acréscimo nosso). Em sintonia com a necessidade de as empresas aumentarem seu grau de competitividade, os Governos de alguns estados do Nordeste brasileiro adotaram mecanismos fiscais e creditícios para atrair fábricas de calçados para a região. Esse tipo de estratégia ganhou fôlego durante a década de 1990 e se transformou em “política de Estado” devido às mudanças na legislação tributária e político-administrativas previstas e não previstas na Constituição Federal de 1988. Segundo Dulci (2002): É inegável o sentido democrático da descentralização estabelecido na carta de 1988; porém, ela estimulou uma espécie de anomia no que diz respeito ao quadro tributário no âmbito da federação, ao atribuir a cada estado o poder de fixar autonomamente as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - imposto que constitui a base da receita estadual (DULCI, 2002, p. 96). Com isso a região Nordeste, na década de 1990, começa a se projetar nacionalmente como uma região de destaque neste ramo produtivo. As fábricas de empresas de calçados foram sendo instaladas em um grande número de municípios, participando diretamente do crescimento da produção nacional. No Nordeste brasileiro, em 2007, apenas os estados do Ceará, Bahia, Paraíba e Sergipe possuíam fábricas de calçados. No Ceará, existiam 236 unidades produtivas que geravam 52.746 postos de trabalho diretos; na Bahia, existiam 106 unidades que geravam 28.134 postos de trabalho; na Paraíba, existiam 111 unidades com geração de 12.070 postos de trabalho e, em Sergipe, 15 unidades que geravam 3.000 (ABICALÇADOS, 2009). De modo geral, as empresas de médio e grande porte que são originárias do Rio Grande do Sul e de São Paulo mantêm poucas fábricas no local de origem. Por outro lado, as sedes administrativas dessas empresas permanecem nestes estados, erigindo, assim, uma divisão territorial do trabalho em escala nacional. 65 Mapa 3: Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado - 2009 Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 Com a atração de diversas unidades fabris de calçados, via programas de incentivos fiscais e creditícios aplicados pelo Governo do estado, a Bahia é um dos grandes destaques da produção nacional de calçados. No primeiro semestre de 2011, a Bahia já abrigava 48 fábricas ligadas diretamente à produção de calçados. Até então, outras 13 unidades fabris estavam em processo de licitação para ampliação ou solicitação de áreas. O reflexo da expansão da produção de calçados na Bahia é evidente: Antes, a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1 bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná. Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar no ranking (BAHIA, 2011, p. 7). Diversos municípios no interior do estado da Bahia receberam as instalações de fábricas de 66 calçados, conforme se pode constatar no Mapa 4; em sua maioria, fábricas de grande porte que produzem calçados esportivos de baixo custo. Os empregos gerados alcançam um número de 33,5 mil em todo o estado, segundo a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Estado da Bahia (SICM). Mapa 4 – Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010). 67 Os reflexos econômicos sobre o espaço geográfico no interior do estado são marcantes, sobretudo porque os incentivos oferecidos pela política de atração de novos investimentos são tanto maiores quanto maior a interiorização dos empreendimentos. Há a isenção de 99% do Imposto sobre Circulação e Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas que se dirigem para áreas fora da capital e da Região Metropolitana de Salvador (RMS), onde o desconto é de 75%. Para além da atração de unidades fabris, o estado da Bahia tem acompanhado o crescimento do número de fábricas que fornecem acessórios e componentes para a produção de calçados. O número de postos de trabalho se multiplica, pois, além de a indústria calçadista ter um grande potencial de absorção de força de trabalho, demanda também um conjunto de outras indústrias para fornecer os acessórios e componentes necessários para a fabricação dos calçados, principalmente se a produção for majoritariamente de calçados esportivos, pois estes demandam um grande número de componentes e acessórios sintéticos. As transformações importantes por que passou a cadeia global de produção de calçados, com impactos substanciais sobre a dinâmica de competição por maiores mercados e menor custo dos produtos finais, liderados principalmente por países asiáticos, fez o cenário brasileiro, neste segmento industrial, se reorganizar ou se reestruturar nos últimos 30 anos. De acordo com Garcia: Um dos elementos desse movimento de reestruturação foram as estratégias de desverticalização produtiva, pois diversas empresas passaram a focalizar as suas atividades principais. Foram intensificadas as práticas de subcontratação produtiva, muitas vezes com utilização de formas de evasão de impostos e encargos sociais com o intuito de rebaixamento de custos (GARCIA, 2010, p. 99). As modificações na distribuição geográfica das unidades produtivas de calçados no Brasil, além de estarem intrinsecamente associadas à reestruturação produtiva, pela qual passa diversos setores da atividade industrial em geral, estão relacionadas também a um conjunto de fatores, tais como: incentivos ao investimento, benefícios fiscais relacionados com a devolução de parte dos impostos indiretos pelos Governos estaduais e custos mais baixos com a remuneração da força de trabalho11 (GARCIA, 2010). No caso da tributação indireta, a exemplo do ICMS, muitos governos de estados nordestinos, a exemplo da Bahia, reduzem as alíquotas para as empresas que se enquadram nos projetos de atração de investimentos. Com relação à redução do Imposto de Renda (IR), a 11 Havia outra razão que motivava empresas a instalarem unidades fabris na região Nordeste, que era a prática de formas de evasão de encargos sociais por meio da criação de “cooperativas” de trabalho, em que os trabalhadores não obtinham algumas garantias trabalhistas. A remuneração dos mesmos se dava por peça fabricada, o que dava à empresa maior flexibilidade e redução de custos. Diversas ações do Ministério Público reduziram bastante a adoção dessas práticas (GARCIA, 2010). 68 Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) também tem um papel de destaque na atração de grandes empresas calçadistas para a região. 2.4. A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS NA BAHIA Muitos estados brasileiros (a exemplo da Bahia e do Ceará) iniciaram o século XXI influenciados fortemente por uma política de crescimento econômico calcada no fiscalismo12 como meio de promover a atração de novos empreendimentos cujo objetivo mais apregoado era gerar emprego e renda. Para muitos governos estaduais e municipais que empreendem tais ações, o mercado é interpretado como o grande agente norteador e estruturador das bases produtivas. Esse processo culmina com a prática da política fiscalista, sobretudo os programas de isenções e incentivos fiscais, sendo gestado desde o final do século XX, quando o pensamento neoliberal começou a ditar as metas para a efetivação e distribuição geográfica dos empreendimentos econômicos e a formulação da reestruturação produtiva como mecanismo para que os espaços ditos “subdesenvolvidos” alcançassem as tão sonhadas vantagens competitivas e a falsa ideia de “desenvolvimento”. As ideias colocadas em prática pelos sucessivos governos da Bahia, desde 1990, quando da consolidação de seus programas de atração de empreendimentos industriais por meio de incentivos e isenções fiscais, apontaram para um Estado cada vez mais atuante no que se refere à efetivação dos interesses do mercado. É a deificação do mercado como motor da diversificação e alicerce da ideia de “desenvolvimento” veiculado pelos órgãos que compõem o aparelho estatal. Os programas de atração de empresas para a Bahia têm entre seus objetivos a interiorização de vários segmentos produtivos, acompanhados por um “jogo” de relações político-eleitorais, cuja meta é viabilizar e consolidar as bases eleitorais de políticos vinculados aos governantes estaduais e municipais até então em vigência (SANTOS, L., 2008). O aumento do número de firmas atraídas pelos programas de industrialização do estado da Bahia, que vem ocorrendo nos últimos 20 anos, em grande parte, está vinculado ao 12 Ação de governo para a atração de investimentos industriais pautada na isenção e nos incentivos fiscais. 69 contexto da “guerra fiscal”. Desde o início dos anos 1990, a Bahia vem ganhando destaque na atração e instalação de novos empreendimentos produtivos, sobretudo de fábricas de calçados esportivos. Em sucessivos governos, o Estado foi munido de prerrogativas que favorecem a criação de programas de atração de segmentos empresariais variados. De acordo com Andrade (2011): Essa política de atração de investimentos industriais adotada pelo Governo do estado da Bahia, com o objetivo de incentivar a vinda de empresas dos mais variados segmentos, vem ao longo dos anos contribuindo de forma positiva para o desenvolvimento econômico e social do estado, com a diversificação do parque e a mudança, mesmo que gradativa, do perfil da sua matriz, com a instalação de empreendimentos dos mais variados segmentos (ANDRADE, 2011, p. 56). Essa decisão de atrair empresas ou investimentos por meio de incentivos fiscais e creditícios, sobretudo com a diminuição do ICMS, coloca a Bahia no rol dos estados brasileiros que mais disputam investimentos produtivos por meio da concorrência na “guerra fiscal”. Essa concorrência entre estados, na disputa pela atração de empresas de diversos segmentos produtivos, é consequência da dificuldade de o governo federal equilibrar interesses regionais em face da histórica concentração econômico-industrial, no eixo Rio/São Paulo. Porém, a concentração não se revela apenas no âmbito nacional (SANTOS, 2008). Na Bahia, a despeito de muitos Governos colocarem como meta e objetivo do planejamento estatal a tentativa de modificar esse quadro, há uma grande concentração de investimentos produtivos industriais na RMS que evidencia um significativo hiato entre essa região e outras regiões do estado. Um dos pontos mais discutidos entre os objetivos e metas dos programas do Governo da Bahia, nos últimos 30 anos, no tocante à industrialização é, sem dúvida, a intenção de promover a interiorização de atividades industriais como mecanismo de levar o crescimento econômico às áreas onde esse tipo de atividades praticamente não existe. O segmento industrial calçadista, com o grande potencial que tem de geração de empregos, ganha destaque por ter instalado um significativo número de unidades fabris em áreas afastadas da RMS. Esse setor industrial cria inúmeros empregos diretos e emprego “fator renda” em cidades interioranas, promovendo, assim, mudanças importantes na economia local. A princípio, as tentativas dos Governos estaduais baianos de promover a desconcentração dos empreendimentos industriais da RMS anteveem uma preocupação com relação à distribuição geográfica das firmas que trariam repercussões sobre a melhoria dos indicadores sociais da população local onde estão instaladas. Apesar das ponderações com relação aos programas de atração de empresas, criados 70 pelo Governo baiano, e da mudança no comando do Governo estadual, no ano de 2006, a industrialização, calcada na atração de novos investimentos por meio de concessão de incentivos fiscais e creditícios, não foi alterada, devido, sobretudo, à vigência de leis tributárias que mantêm as disputas entre os estados da federação brasileira. A obsessão pela competitividade, uma consequência do medo de ficar fora da corrida em busca do aumento das taxas de crescimento econômico, obriga muitos Governos estaduais a aceitarem o jogo da “guerra fiscal” e se inserirem em planos transnacionais condizentes com as demandas do mercado mundial e a legitimação da divisão internacional do trabalho. Nessa linha de pensamento e considerando a insustentabilidade socioeconômica de tal concorrência por investimentos industriais, Brandão (2004) propõe, como um dos meios de organizar e coordenar o “sistema socioeconômico e decisório regional”, a “Repactuação Federativa Cooperativa, assumindo que somos um Estado Federativo e não Unitário”. Caso essa nova repactuação não seja viabilizada, os governos estaduais não poderão fugir das premissas até então seguidas por muitos de seus predecessores. A vitória eleitoral obtida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na Bahia, consolidada na esfera federal na Presidência da República, e a derrota do Partido da Frente Liberal (PFL) 13, não levaram ao esboço de grandes rupturas nos rumos da política industrial baiana. A efetivação dos programas industriais do novo Governo indica a permanência dos mecanismos de atração de investimentos, calcados nas mesmas premissas até então criticadas pelos arautos do PT, que assumiu o mando no Governo estadual em 2006. As previsões para os próximos anos apontam a continuidade dos programas que promovam o investimento industrial, conforme destaca Andrade (2011): “Os investimentos industriais para o estado da Bahia devem chegar a R$ 33,3 bilhões; espera-se que sejam implantadas e/ou ampliadas 664 empresas de diversos setores, que deverão gerar cerca de 113.093 mil empregos diretos até 2013” (ANDRADE, 2011, p. 56). Segundo estudos feitos por Pessoti e Sampaio (2009), a economia da Bahia nos últimos 17 anos tem revelado o caráter industrialista com medidas fomentadas pelo governo estadual no sentido de promover transformações nas bases estruturais produtivas. Os caminhos adotados pelo governo do estado não são novos, trata-se da já bastante utilizada política de isenções ficais, “[...] usada desde os tempos remotos como mecanismos de atração de agentes econômicos e dinamizadores da economia” (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 36). Nessa 13 Partido que comandou o governo baiano durante vários anos e que foi a organização partidária responsável por colocar em prática programas de atração de investimentos produtivos alicerçados numa política fiscalista agressiva. O PFL trocou de nome e atualmente é denomina DEM (Partido Democratas). 71 perspectiva, o crescimento do número de fábricas calçadistas na Bahia é uma evidência deste processo, conforme consta em documentos oficiais. A fase de expansão da economia baiana se consolidou, em 2010, com o investimento do Governo de cerca R$ 42 milhões. Em 2009, graças também ao apoio estadual, o setor fechou a balança com mais de 35 milhões de pares de calçados produzidos na Bahia, num valor global de R$ 850 milhões (BAHIA, 2011, p. 7). As medidas adotadas pelos governos estaduais (de 1990 a 2012) ao elaborar programas de investimento com base em incentivos fiscais para atração de novos investimentos empresariais se enquadram na falta de um projeto nacional e integrado de desenvolvimento, o que estimula a concorrência desenfreada de estados e Governos na atração de atividades que possam gerar emprego e renda. Há muito abandonados pelo Governo federal, os programas de desenvolvimento que incluem todo o espaço nacional são considerados arcaicos e anacrônicos pelos defensores das ideias neoliberais. Segundo Pessoti; Sampaio (2009), esta falta de um projeto nacional que enquadre todos os estados é consequência das [...] mudanças ocorridas no cenário econômico mundial, no decurso das últimas décadas do século XX, mostrando um novo panorama, em que o processo de internacionalização do capital se intensificara e as fronteiras econômicas entre as nações tornaram-se mais tênues (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 38). Nesse processo, há uma presença maior das iniciativas provenientes do mercado, quase que completamente livres para implantar unidades industriais14 em diferentes locais. Vários estados da federação brasileira, a exemplo da Bahia, recorrem à utilização das já conhecidas isenções fiscais. Assim, os Governos implantam e ampliam os programas de incentivo a empreendimentos econômicos, sobretudo e principalmente de grande porte industrial. Esse olhar “especial” para os grandes empreendimentos parece reforçar as palavras de Magdoff (1978) ao afirmar que “[...] qualquer sucesso das políticas do governo resulta da manutenção ou restauração da saúde da economia por meio da promoção do poder de empresas gigantes, pois sem a prosperidade dessas empresas a economia só pode ir ladeira abaixo” (MAGDOFF, 1978 apud MÉSZAROS, 2011, p. 230). Segundo Pessoti; Sampaio (2009), a política de incentivos fiscais do governo da Bahia conseguiu atrair empreendimentos dos mais variados segmentos industriais, dentre esses podem ser citados os setores têxtil, de calçados, eletrônicos, químico, automobilístico e de 14 Apesar da oferta de crédito e isenções fiscais em diversos estados brasileiros, a economia nacional vem passando por um processo de desindustrialização em diversos segmentos produtivos. A participação da indústria manufatureira na economia brasileira, que chegou a ser de 19,2% em 2004, caiu para 15,8% em 2010 (http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2011/09/12/siderurgicas-apontam-desindustrializac). 72 papel e celulose. Assim, esclarecem os autores: No período entre 1999 e 2005 foram investidos aproximadamente R$ 30,7 bilhões no setor industrial resultando em cerca 135 mil empregos diretos. Do montante das inversões realizadas no período, 80% foram direcionadas para a implantação de novos empreendimentos e os 20% restante foram destinados à reativação de indústrias já existentes (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 39). Pensando retrospectivamente, pode-se afirmar que a política de atração de novos empreendimentos industriais na Bahia teve, no ano de 1990, com o então governador Antônio Carlos Magalhães, instituídas as diretrizes de um plano de crescimento econômico que se originou com o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLADEB). Desde 1959 com o PLANDEB, no governo de Antônio Balbino de Carvalho Filho (1954/1958), existe um conjunto de estudos que aponta para a efetivação de práticas diversas, tais como: diversificação da matriz industrial da Bahia e a interiorização dos empreendimentos. Sucessivos programas de industrialização foram colocados em prática, dando primazia a uma política de crescimento produtivo pautada nas isenções fiscais e creditícios, inserida na lógica da “guerra fiscal”. Por falta de uma política nacional de desenvolvimento regional, o Estado da Bahia vem utilizando essa política fiscal para atrair empreendimentos econômicos, propagando a ideia de que tais empreendimentos promoverão o “desenvolvimento” das áreas “subdesenvolvidas”. 2.4.1. OS PROGRAMAS DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS A Bahia foi um dos primeiros estados brasileiros a colocar em prática a atividade de planejamento e pesquisa aplicados ao desenvolvimento econômico. Desde 1959, com o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLANDEB), no governo de Antônio Balbino de Carvalho Filho (1954/1958), existiam propostas precedidas por um conjunto de estudo sob o título “Situação e Problemas da Bahia-1955: Recomendações de medidas de governo”. Em 1961, no governo de Juracy Magalhães (1958/1962), foi criado o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), cujos objetivos eram estudar a conjuntura econômica da Bahia e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria (SPINOLA, 2009). Apesar de não ter sido aprovado de imediato, por causa da resistência dos grupos que dominavam a política estadual – fortemente alicerçados em uma oligarquia atrasada e 73 coronelista – as indicações do PLANDEB foram sendo implantadas com o passar dos anos. De acordo com Spinola (2009): [...], muitas das indicações do PLANDEB foram sendo gradativamente implantadas na Bahia até o final da década de 1980, à medida que a sociedade local se modernizava e sempre que existia o respaldo coincidente de programas e projetos do governo federal e/ ou correspondência com os interesses do capitalismo nacional e internacional (SPINOLA, 2009, p. 17) No início da década 1990, o “carro chefe” da política de “desenvolvimento” do estado da Bahia era o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia, o PROBAHIA (Lei Nº 6.335 de 31 de outubro de 1991), que estabelecia objetivos calcados nas seguintes premissas: I – promover a diversificação de indústrias, complementando a matriz industrial do Estado; II – estimular a transformação, no próprio Estado, dos seus recursos naturais, interiorizando o processo industrial; III – incentivar o aumento da capacidade tecnológica, da qualidade e produtividade dos bens do parque industrial baiano, visando a sua maior competitividade (BAHIA, 1991, p. 9). Esse programa buscava diversificar o setor industrial na Bahia e dinamizar a economia em várias regiões do estado. Outros programas foram sendo criados com base nas diretrizes estabelecidas pelo PLANDEB e o PROBAHIA. Como exemplo dos programas associados pode-se citar: Programa Estadual de Desenvolvimento da Indústria de Transformação de Plástico na Bahia (Bahiaplast), o qual visa fomentar a indústria de transformação plástica por meio da concessão de créditos; o Programa de Incentivo ao Comércio Exterior (Procomex), voltado ao setor produtivo exportador, principalmente o ramo calçadista e seus derivados; o Programa Especial de Incentivo ao Setor Automobilístico da Bahia (Proauto), destinado à concessão de incentivos fiscais para montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças e acessórios (PESSOTI; SAMPAIO, 2009). O programa PROBAHIA teve uma abrangência que incluía não só as atividades produtivas industriais, mas também incluía os segmentos da agroindústria, a mineração, turismo, geração de energia elétrica e outros empreendimentos “considerados relevantes para o desenvolvimento do estado”. Os projetos que estivessem com suas atividades paralisadas também poderiam requerer isenções e incentivos desde que dessem garantias de implantação de modernos padrões de competitividade. O programa PROBAHIA propunha também a utilização de recursos financeiros de órgãos oficiais de crédito do estado da Bahia. Os empreendimentos industriais, que produziam bens ainda não fabricados na Bahia, 74 foram beneficiados com incentivos diretos. Considerando-se o fato de que a Bahia não possuía tradição na fabricação de calçados, o setor produtivo calçadista apareceu como um dos maiores beneficiários dos programas de atração de empresas, tendo em vista as condições até então presentes para a competitividade do setor no Brasil: preço “maior” dos salários nas regiões produtoras pioneiras, bem como, obviamente, os impostos, sobretudo o ICMS – no Estado da Bahia as empresas de calçados obtêm redução de 99% deste imposto, se instaladas fora da RMS, no Estado do Rio Grande do Sul há uma alíquota de 12% de cobrança do ICMS, enquanto que o Estado de São Paulo cobra alíquota de 18%. Os projetos industriais localizados em diferentes regiões do estado da Bahia, destinados à fabricação de bens que ainda não estivessem sendo produzidos, seriam beneficiados com as reduções decrescentes na alíquota do ICMS. De acordo com o programa, as alíquotas de isenção do ICMS iniciariam com desconto de 75% nos primeiros dois anos, 65% no terceiro e quarto, 55% no quinto e sexto, 40% no sétimo e oitavo e 25% no nono e décimo ano de vigência do projeto. O Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da Bahia (DESENVOLVE) substituiu os programas anteriores sem deixar de lado a lógica fiscalista e a “guerra fiscal”. A partir de 2003, o então recém eleito e empossado governador do estado, Paulo Ganem Souto15, autorizou a instalação de várias fábricas calçadistas nos municípios, preferencialmente naqueles governados por seus aliados políticos. Mais uma vez a ideia principal era levar o “desenvolvimento” aos espaços econômica e socialmente atrasados. O próprio nome do programa traz, em si, uma tentativa de transmitir ou propagar a ideia do suposto “desenvolvimento”. Com a implantação do programa DESENVOLVE, o estado da Bahia conseguiu disputar em escala nacional, e até mesmo internacional, a atração de empreendimentos industriais em diferentes segmentos produtivos. A montadora de automóveis norteamericana Ford foi um dos grandes empreendimentos a serem instalados na Bahia via concessão de incentivo e isenções fiscais alicerçados nas promessas e propostas de geração de milhares de empregos diretos e indiretos que ajudariam a “desenvolver” o estado e “retirar a pessoas da pobreza”. Tendo em vista os dados disponíveis a respeito do crescimento econômico da Bahia, no quesito de indústria de transformação, o estado teve um crescimento substancial, desde 2002 até 2010, no que se refere ao PIB, evidenciando o poder de atração de novos investimentos. Conforme se pode constatar no Gráfico 3. 15 Paulo Souto sucedeu o Governador César Borges, ambos compunham os quadros dirigentes filiados ao Partido da Frente Liberal (PFL) e grandes aliados do ex-governador Antônio Carlos Magalhães. 75 Gráfico 3 - Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação – 2002-2010* Evolução do PIB FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010. *Considerando que o valor do PIB industrial em 2002 equivale a 100 A continuidade do modelo de atração de novos empreendimentos com a utilização de isenções fiscais é levada ao extremo no governo liderado por Paulo Ganem Souto, sendo caracterizada por Pessoti; Sampaio (2009) como uma verdadeira “renúncia fiscal”. No entanto, o novo programa, DESENVOLVE, tinha um perfil mais ambicioso que os anteriores no que se refere à ampliação dos objetivos propostos até aquele momento. Para além de manter uma das metas principais dos programas anteriores, que era a promoção da desconcentração dos investimentos industriais da RMS, o programa tem como meta dinamizar a economia de outras regiões e melhorar a integração econômica entre elas, conforme o Decreto da Lei que estabelece as diretrizes do programa: I – o fomento à instalação de novos empreendimentos industriais ou agro-industriais e à expansão, reativação ou modernização de empreendimentos industriais ou agroindustriais já instalados; II – a desconcentração espacial dos adensamentos industriais e formação de adensamentos industriais nas regiões com menor desenvolvimento econômico; III – a integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao desenvolvimento econômico e social e à geração de emprego no Estado; IV – o desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos e assimilação de novas tecnologias; V – a integração da empresa com as comunidades em que pretende atuar; VI – a geração de novos produtos ou processos de redução de custos de produtos ou processos já existentes; VII – prevenção dos impactos ambientais dos projetos e o relacionamento da 76 empresa com o ambiente (BAHIA, Decreto Lei nº 8.205 de 3 de Abril de 2002). Apesar de expor em suas diretrizes a necessidade da integração das empresas às comunidades onde as fábricas são instaladas, o programa não evidencia como isso seria possível. A instalação de fábricas em determinadas localidades tende a privilegiar as necessidades de escoamento da produção, acesso a matérias primas, disponibilidade de força de trabalho abundante e barata e disponibilidade de energia. Após o ano de 2006, com a mudança no comando do Governo do estado, liderado pelo PT, aparentemente a política de industrialização da Bahia ganharia novas abordagens, haja vista as críticas direcionadas ao modelo praticado pelos governantes anteriores feitas pelos arautos do novo Governo. A partir desse pressuposto, a política de desconcentração industrial, as tentativas de interiorização dos empreendimentos, a efetivação de arranjos produtivos locais e a valorização dos micro e pequenos empreendimentos, que pudessem incluir as potencialidades ambientais e sociais da geografia do semi-árido baiano e a efetivação do tão propalado desenvolvimento com geração de emprego, renda e com o respeito às diversidades, era o mote de alguns dos defensores e colaboradores que vieram a compor o novo governo reeleito para o segundo mandato, em 2010 16. Apesar do discurso crítico com relação ao modelo de fomento a novos empreendimentos fabris adotado pelos governantes anteriores, as forças que compõem o novo Governo estadual deram continuidade, em grande medida, ao modelo em vigência. O Governo comandado pelo PT não promoveu mudanças substanciais nos programas de atração de investimento. Uma das medidas a ser ressaltado como mecanismo de diferenciação do Governo do PT, na Bahia, foi a criação do Programa de Incentivo a Micro e Pequena Empresa (ACELERA BAHIA). Com a ação do Governo do estado da Bahia, comandado pelo PT, o número de protocolos de intenções para a instalação de empresa chegou a 259, englobando 59 municípios para a instalação de fábricas, com investimento de 63 bilhões de reais e uma expectativa de geração de 97 mil empregos. A resolução de incentivo fiscal, contida no programa DESENVOLVE, atraiu 257 empresas para o estado da Bahia, enquanto o programa PROBAHIA atraiu 60 empresas (SICM, 2011). 16 Alguns colaboradores do projeto da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidários da Região Sisaleira (APAEB), na cidade de Valente, cujo exemplo de associação entre pequenos agricultores rurais, conhecido nacional e internacionalmente pela formação de um grande Arranjo Produtivo que incluiu diversas pessoas, criticavam os governos baianos anteriores por tentarem desarticular o empreendimento da associação com a instalação de uma grande indústria de calçados no município de Valente. A APAEB não tinha apoio do governo por ser considerada uma entidade partidária, enquanto as grandes fábricas de calçados gozavam de prioridade. 77 O Programa ACELERA BAHIA concede crédito às empresas que adquirem mercadorias junto às micro e pequenas empresas industriais, em percentual que varia de acordo com o volume de compras e o tipo de produto comprado. O mecanismo é o seguinte: as empresas que realizarem até 40% de compras internas, junto às micro e pequenas empresas, terão direito a 10% de crédito presumido17. Já a empresa que comprar mais de 40% alcançará 12% de crédito presumido (SEBRAE, 2008, p.12). Tanto a região Nordeste, quanto o estado da Bahia, apresentam fortes indícios de que a presença da indústria não representa efetivamente a elevação dos níveis de condições de vida. Com salários pagos aos operários da indústria calçadista, no Nordeste brasileiro, bem mais baixos que os salários médios pagos por este mesmo setor industrial nas regiões Sul e Sudeste do país (em média 40% menos), a exploração do trabalho e a produção da mais-valia não só induzem a efetivação de um quadro de desigualdade econômica, social e regional, mas também consolida uma divisão territorial do trabalho. Essa, por sua vez, está estreitamente ligada à divisão internacional do trabalho que cria áreas econômicas de baixos salários. O discurso escrito nos documentos oficiais do Governo da Bahia indica o que, para o próprio Governo, parece ser mais importante: a busca pelos números e índices de crescimento econômico que, muitas vezes, não levam em conta as condições reais de vida da maioria da população. As palavras a seguir são reveladoras da obsessão pelos números do crescimento econômico: Antes a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1 bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná. Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar do ranking (BAHIA, 2011, p. 7). Apesar de o Programa ACELERA BAHIA beneficiar também as micro e pequenas empresas, o grande foco do Governo continua sendo os grandes investimentos. A ideia de desenvolvimento apregoada até então segue sem grandes sinais de modificação. Essa concepção de desenvolvimento, muitas vezes, é concebida como a legitimação das forças excludentes do livre mercado, da destruição dos ecossistemas, da insustentabilidade, do desrespeito à identidade e à cultura dos grupos humanos. 17 Crédito presumido é uma técnica de apuração do imposto devido que consiste em substituir todos os créditos, passíveis de serem apropriados em razão da entrada de mercadorias ou bem, por um determinado percentual relativo ao imposto debitado por ocasião das saídas de mercadorias ou prestações de serviço. 78 3. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS ESPACIAIS Desde 2001, acompanhado o movimento de reestruturação produtiva e relocalização de fábricas, a empresa Dass Clássico vem instalando fábricas de calçados no Nordeste brasileiro e, em particular, na Bahia. Ao longo deste processo de relocalização, o Nordeste brasileiro foi o destino da instalação de 3 fábricas de calçados e 1 fábrica de confecções pertencentes à empresa Dass Clássico. Imersa no contexto de relocalização de unidades produtivas de calçados, essa empresa desenvolve diversas práticas de manutenção das condições objetivas de produção e organização das condições geográficas que implicam a divisão territorial do trabalho, a produção desigual do espaço e as condições socioespaciais dos lugares onde começam a operar. Neste capítulo, coloca-se em destaque as características corporativas do grupo empresarial Dass Clássico: surgimento, crescimento, distribuição de unidades produtivas, a rede corporativa entre as unidades fabris, bem como a lógica da divisão territorial do trabalho e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa para manter as condições favoráveis à produção de calçados, inserindo no transcorrer a análise da unidade produtiva localizada no município de Santo Estevão-BA. A forma como a produção industrial se realiza, no espaço geográfico, implica diversas estratégias: seletividade espacial, fragmentação espacial, marginalidade espacial, reprodução da região produtora, e interações espaciais em fluxos de mercadorias e matérias-primas, além de informações e serviços, muitos dos quais se realizam por meio de redes geográficas. Associadas às ações das empresas, as práticas espaciais necessariamente contribuem para moldar e organizar o espaço geográfico, atendendo à lógica da geração de lucros, sobretudo para as grandes corporações nacionais e internacionais. Sem a possibilidade de expansão, incorporação de “novos espaços” e sua organização segundo a lógica do capital, promovendo o desenvolvimento geograficamente desigual, a ação das grandes empresas, alicerçadas no sistema capitalista, enfrenta sérios obstáculos para a reprodução ampliada do capital, haja vista ser característica inerente ao próprio sistema capitalista manter e criar condições constantes para o aumento dos lucros (HARVEY, 2006). As diversas corporações empresariais e suas respectivas unidades fabris distribuídas pelo globo, regidas pelas forças de ampliação de lucros e concentração do capital, submetem diversas frações do espaço geográfico a sua lógica e ações de manutenção de domínio econômico e político. As práticas de tais corporações, mesmo que não sejam visíveis de forma 79 imediata, somam-se ao contexto social para manter ou criar determinadas características sociais, econômicas e políticas favoráveis no que se refere à expansão de seus interesses e manutenção de um domínio relativo sobre o espaço geográfico. Corrêa (1992) analisa a relação entre a forma de gestão do espaço praticada pela grande corporação e a criação ou manutenção de uma organização espacial que favoreça as próprias empresas. Partindo do conceito de gestão do território18, Corrêa (1992) estuda a ação do grupo empresarial Souza Cruz e as diversas práticas espaciais deste grupo que repercutem na organização espacial, que estão intrinsecamente associadas a um modelo de gestão do território. Segundo o autor: Entendemos por gestão do território o conjunto de práticas que visa, no plano imediato, à criação e ao controle da organização espacial. Trata-se da criação e controle das formas espaciais, suas funções e distribuição espacial, assim como de determinados processos, como concentração e dispersão espacial, que conformam a organização do espaço em sua origem e dinâmica (CORRÊA, 1992, p. 115). Apesar de o autor citado ter estudado uma corporação produtora de cigarros, entende-se que a análise feita por ele pode servir de alicerce para investigar outras corporações empresariais e suas respectivas práticas espaciais. Assim, concebe-se as práticas espaciais como ações inseridas na lógica da organização do espaço geográfico como parte integrante do processo de “gestão do espaço geográfico” das grandes empresas que vem a se constituir em mecanismos de criação e um relativo controle da organização espacial. Desta forma, as diversas ações das empresas interferem, direta e indiretamente, na produção e organização do espaço em diferentes escalas. Estudando a gestão do território e as “práticas espaciais” do grupo Souza Cruz19, Corrêa (1992) caracterizou as ações dessa grande corporação empresarial na produção e comercialização de cigarros no Brasil, bem como sua dimensão espacial. As práticas espaciais identificadas pelo autor foram: seletividade espacial; fragmentação/remembramento espacial; antecipação espacial; marginalidade espacial e reprodução da região produtora. Utilizar-se-á, nas próximas seções deste trabalho, algumas ideias elaboradas por Corrêa (1992) para identificar e explicar as antigas e novas práticas espaciais desenvolvidas pelo grupo Dass Clássico, tomando como referência a fábrica de calçados instalada em Santo Estevão-BA. 18 O conceito de território utilizado por Corrêa (1992) se confunde muitas vezes com o conceito de espaço geográfico. O autor não estabelece uma diferenciação clara entre os conceitos de espaço geográfico e território, pois não evidencia as relações de poder subjacentes e fundamentais para a caracterização do conceito de território. Quanto ao conceito de território, Brito (2008) traz contribuições importantes. 19 O grupo Souza Cruz, controlado pelo conglomerado londrino Britsh American Tabaco (BAT), atua no Brasil no segmento de fumo, cigarro, celulose, papel, sucos, filmes de prolipopileno, biotecnologia e diversos serviços. 80 3.1. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÂO CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS O grupo empresarial DASS CLÁSSICO surgiu em 2003 com a fusão entre duas empresas, a Clássico e a Dilly. O nome DASS é a junção da letra “D” do nome Dilly e das letras “ASS” do nome Clássico. Na composição entre as empresas, o Grupo Clássico adquiriu 45% das cotas empresariais; o Grupo Dilly detém 27,5% e a American Fashion, 27,5%. Assim, o Grupo Clássico controla o Grupo DASS, detendo quantidade suficiente de ações da companhia que lhe permite determinar e controlar a gestão desse último. Formando uma holding, essa empresa se configura como a maior fabricante nacional de artigos para prática esportiva e de lazer, estando entre os três maiores grupos industriais do Brasil e entre os cinco maiores na America Latina, no setor de materiais esportivos (DASS, 2010). Segundo material informativo divulgado pela empresa: A fusão dos Grupos Dilly e Clássico cria uma nova força no segmento de marcas esportivas: o Grupo Dass. Ao somar a expertise de gestão do Grupo Clássico com a experiência na fabricação de artigos esportivos do Grupo Dilly, o Grupo Dass potencializa as forças das duas organizações e permite a construção de uma única cultura corporativa (DASS, 2010, p. 3). Além da produção direta de confecções e de calçados masculinos e femininos, as empresas que compõem o grupo Dass Clássico estão há mais de 45 anos desenvolvendo soluções industriais e mercadológicas para marcas esportivas, sendo responsável pela produção de artigos com marcas próprias ou marcas sob concessão, como Fila, Tryon, Dilly e Umbro, e de clientes estrangeiros, como Nike, Adidas, Oakley e Converse. A empresa American Fashion Confecções e Comércio Ltda compõe o grupo Dass Clássico com o atributo de especialidade em moda, vestuário e confecções, atuando principalmente no estado de São Paulo. As duas principais empresas que compõem o Grupo DASS, a Clássico e a Dilly, são oriundas, respectivamente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e possuem larga experiência na indústria de calçados e materiais esportivos. As duas empresas atuam na produção de calçados para atender a demanda, do mercado externo e interno, de materiais esportivos, com potencial para a produção de 10 milhões de peças anuais entre calçados esportivos, calçados femininos e peças de vestuário. A formação da holding propiciou um faturamento para a Dass Clássico em torno de R$ 527 milhões em 2008. 81 O grupo Clássico, fundado em 1979, na cidade de Saudade, oeste catarinense, dedica-se à produção de vestuário para a prática esportiva e de lazer, a exemplo de agasalhos e uniformes oficias de clubes de futebol. Nos últimos anos, o Grupo Clássico ganhou notoriedade quando firmou acordos para produzir uniformes para clubes de futebol, no Brasil e no exterior. Em Santa Catarina, o grupo produz confecções com diversas marcas e ainda detém todo o processo de gestão da produção e comercialização das marcas Kappa (japonesa), Umbro (inglesa) e Fila (italiana). No ano de 2007, a Clássico assinou contrato para produzir calçados e materiais esportivos para uma das maiores marcas esportivas mundiais, a norteamericana Nike. A empresa Clássico é fornecedora, basicamente, de artigos para lazer cujo modelo segue os padrões da empresa contratante. Nesse caso, a Nike, uma das marcas a contratar os serviços por meio da terceirização, tornou-se parceira da Dass Clássico no sentido de que a produção é desenvolvida pela empresa brasileira, ficando a Nike apenas com a logística de distribuição e controle de qualidade. No Rio Grande do Sul, na cidade de Venâncio Aires, o grupo empresarial Clássico possui uma unidade de produção de calçados esportivos, onde se produz principalmente artigos para futebol, com capacidade para produzir 1,4 milhão de pares anuais. São feitos produtos com as marcas Kappa (empresa japonesa), desde 1994, e Umbro (empresa inglesa), desde 1999, ambas sob compra de concessão de licença. O Grupo Dilly foi criado sob o comando dos empresários José Dacilo Dilly, Aloísio Dalson Dilly e Nilson Inácio Führ, em 1965, na cidade de Ivoti (colonizada por imigrantes alemães), a 55 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Segundo consta nos documentos oficiais da empresa, o maior mérito do grupo empresarial Dilly foi ter investido fortemente em tecnologia, o que fez o grupo empresarial se transformar em uma das organizações industriais calçadistas mais modernas da América Latina (DASS, 2010). Com fábricas instaladas em quatro estados brasileiros, o grupo Dass Clássico emprega aproximadamente 10.000 trabalhadores; é responsável pela produção anual de mais de 15 milhões de peças de artigos esportivos (calçados esportivos, uniforme para futebol, chuteiras, confecções) e teve um faturamento de R$ 15 milhões, em 2008. Conforme a Tabela 7, observa-se que, nos últimos 10 anos, o Grupo Dass criou 5 novas unidades de produção, 3 unidades para a produção de calçados na Bahia e 2 para a produção de confecções, uma na Bahia e outra em Santa Catarina. A instalação destas novas fábricas de calçados na Bahia vem acompanhando, desde a década de 1990, um movimento de expansão de unidades produtivas de diversos outros tipos de indústrias do Sudeste e Sul do Brasil em direção ao Nordeste. 82 Tabela 7 Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011 Estado Cidade BA CE BA BA BA RS SC RS SC SC SP Santo Estevão Itapipoca Vitória da Conquista Itaberaba Vitória da Conquista Ivoti Saudades Venâncio Aires São Carlos Pinhalzinho São Paulo RS Nova Hamburgo Atividade produtiva Calçados Calçados Calçados Calçados Confecções Confecções Confecções Calçados Confecções Confecções Sede administrativa Solado Ano de instalação 2001 1996 2004 2005 2005 1964 1980 1998 2004 X X Número de trabalhadores 2.596 2.186 1.130 1.011 900 680 542 202 142 120 104 X 16 Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em: http://www.grupodass.com.br (acesso em 05/06/2011) NOTA: x dados não encontrados. Entre as 5 maiores unidades produtivas de confecções e calçados do grupo empresarial Dass Clássico, 4 estão na Bahia e 1 no Ceará. Do total de 9.625 empregos gerados no Brasil pela empresa Dass Clássico, 7.823 estão em fábricas instaladas no Nordeste; isso representa 81,2% do total de empregos gerados. Todas as unidades administrativas e comerciais do Grupo estão localizadas no Sudeste e Sul do Brasil, entre elas pode-se citar: a unidade sede em São Paulo-SP, a unidade administrativa e sede do grupo em Saudade-SC e a unidade administrativa em Ivoti-RS. Essas localizaçãos geográficas das unidades produtivas da empresa Dass consolida a divisão regional e espacial do trabalho em âmbito nacional e internacional . Encontra-se também em São Paulo a sede Anvel que é a divisão de varejo do Grupo Dass Clássico e que administra a rede de lojas Dass Outlet. Ao todo, o grupo Dass Clássico possui sete lojas Dass Outlet que comercializam os produtos fabricados pela empresa, mais três lojas de marcas específicas que estão sob concessão ao grupo Dass Clássico e ainda possui o site de compras SportsOn.com.br. Observa-se que há um recorte claro de divisão do trabalho entre a região que produz as mercadorias a serem comercializadas (o Nordeste) e a região que administra as operações comerciais e financeiras do grupo DASS CLÁSSICO (Sul e Sudeste). Conforme o Mapa 5, pode-se identificar, em dimensão nacional, a divisão territorial e regional do trabalho erigida pela corporação empresarial Dass Clássico e ligações funcionais entre as unidades da empresa. 83 Mapa 5 – Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do Grupo Dass Clássico – 2011 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.dass.com.br As principais marcas de calçados produzidas pelo grupo Dass Clássico, na fábrica instalada no município de Santo Estevão-BA, são a Nike e Fila. A Nike é uma empresa norteamericana de artigos esportivos que figura entre as maiores produtoras do mundo e que tem como uma de suas características corporativas a terceirização da maior parte da produção, em países como China, Índia, Brasil, Indonésia e Vietnã. Ao todo, a Nike possui mais de 700 fornecedores em todo o mundo e frequentemente enfrenta críticas por explorar a força de trabalho de homens, mulheres, crianças e idosos em países considerados economicamente pobres. A Fila é uma marca de origem italiana (Milão) da qual a Dass Clássico comprou os direitos de fabricação e comercialização dos produtos no Brasil. Além dessas marcas, o Grupo Dass Clássico produz calçado também para as marcas: Kappa (Japão), Puma (Alemanha), Umbro (Inglaterra). 84 3.2. AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO As práticas espaciais, identificadas através da análise de documentos, informações disponíveis nos endereços eletrônicos da própria empresa e de instituições públicas e privadas associadas ao grupo empresarial Dass Clássico, e entrevistas feitas a trabalhadores e gerentes da unidade fabril, demonstram que essa corporação desenvolve diversas ações que podem ser enquadradas nas seguintes práticas espaciais: seletividade espacial, marginalização espacial, expansão espacial20 e reprodução da região produtora. Tais práticas estão imersas em um ambiente de reestruturação produtiva do mercado e da produção internacional e nacional da indústria calçadista, vinculada a um novo ciclo de expansão das relações produtivas iniciadas desde a crise do modelo fordista, na década de 1970, e a uma nova configuração da divisão territorial do trabalho nas escalas global e nacional nas quais o estado da Bahia e a cidade de Santo Estevão-BA estão inseridos. 3.2.1. SELETIVIDADE ESPACIAL As corporações empresariais no processo de organização de seus espaços de produção, que envolve várias localizações, agem seletivamente. A localização geográfica de unidades produtivas (fábricas), escritórios administrativos e escritórios comerciais, além de laboratórios para o aprimoramento de materiais, estão estreitamente ligados às necessidades das empresas capitalistas de manterem e ampliarem os lucros. A distribuição geográfica e a forma como se dá a articulação entre as localidades nas redes corporativas fazem parte de um conjunto de medidas que visam criar e gerir uma determinada organização do espaço geográfico. A distribuição geográfica de unidades corporativas e a articulação funcional fazem com que as empresas se constituam em um dos mais importantes agentes de produção e organização do espaço geográfico em diferentes escalas. Decidir sobre o lugar onde a corporação instala suas unidades leva em conta um conjunto de variáveis indissociáveis que está estreitamente ligada a funcionalidade das 20 Optou-se por esta denominação para o fenômeno de instalação de novas fábricas de calçados em outras regiões do Brasil e do mundo onde a empresa Dass Clássico não possui unidades fabris. Com a incorporação de novas áreas à rede produtiva da empresa, a Dass Clássico faz uma verdadeira espacial de sua área de atuação. 85 unidades no interior da rede corporativa das empresas, ao tipo de produto fabricado, às matérias- primas e insumos utilizados; relações institucionais com o Estado e com os diferentes Governos (vantagens fiscais e infraestrutura física) e outras empresas (fornecedores de matérias-primas, componentes, insumos e serviços), características da força de trabalho empregada; organização sindical dos trabalhadores; o acesso ao mercado consumidor; a proximidade de vias de circulação em boas condições de tráfego para o escoamento da produção e a escala da produção, entre outras. Esses fatores podem ser denominados de ambiente organizacional e estão ligados às características produtivas internas à empresa, bem como ao contexto econômico externo a ela. Os itens/fatores comumente citados para a explicação da localização de unidades fabris fazem parte de um conjunto de variáveis e elementos indissociáveis, modificados de lugar para lugar de acordo com os contextos econômico, social, político e histórico. Ao longo do tempo, com as transformações socioespaciais e as mudanças na conjuntura de competitividade nacional e internacional, as corporações puderam reavaliar os índices de lucratividade e as condições de manutenção dos ganhos reais de capital. Planejando suas ações de maneira articulada, as empresas criaram estratégias em médio e longo prazo para decidir sobre a permanência ou não de determinados segmentos produtivos em determinados locais. Neste contexto, vê-se que o processo de seleção de lugares para a produção de calçados esportivos dá-se desde o início das operações das empresas que vieram compor o grupo empresarial Dass Clássico. Nos últimos anos, mesmo antes da fusão entre as empresas Dilly e a Clássico (empresas que compõem o Grupo DASS), a produção de calçados, organizada pela corporação, tinha na localização das unidades produtivas uma variável muito importante para a manutenção dos lucros e gestão corporativa. Mais especificamente, na produção de calçados esportivos, a Dilly tem uma história peculiar com relação à seleção de espaços onde instala suas unidades produtivas, comerciais e administrativas. Para demonstrar esse processo de seletividade espacial, é necessário remontar, de forma sintética, à dinâmica espaço/temporal da empresa, desde suas origens até os dias atuais. Historicamente, a empresa Dilly Calçados tem sua origem na cidade de Ivoti-RS, em 1965, na região do Vale do Cai21, dedicando-se à produção de calçados femininos. Em 1990, a Dilly ingressou no segmento de calçados esportivos (masculino e feminino) compostos 21 O Vale do Cai é composto por vinte municípios do Rio Grande do Sul: Alto Feliz, Barão, Bom Princípio, Brochier, Capela de Santana, Feliz, Harmonia, Linha Nova, Maratá, Montenegro, Pareci Novo, Portão, Salvador do Sul, São José do Hortêncio, São José do Sul, São Pedro da Serra, São Sebastião do Caí, São Vendelino, Tupandi,Vale Real. 86 majoritariamente por materiais de origem sintética. A produção de calçados femininos era 100% exportada para o mercado norteamericano com marcas como: Cole Hann, Hugo Boss e Unisa. Os modelos fabricados pela Dilly possuem alto valor agregado, destinado a um público que procura produtos com alto padrão de qualidade e padrões exclusivos. Fabricando calçados esportivos, confeccionados com materiais sintéticos, a empresa negocia grandes volumes de componentes com empresas fornecedoras, isso favorece a barganha quanto ao preço dos componentes adquiridos. Esse fator se constitui como uma variável importante na seleção espacial dos lugares onde as unidades fabris serão instaladas. Mesmo após a fusão com o grupo empresarial Clássico, a Dilly continua (agora sob a denominação Dass) instalando suas unidades produtivas em locais distantes das empresas que produzem componentes. Há, nesse caso, uma diferença entre as empresas de calçados que utilizam intensamente o couro animal e as empresas que produzem calçados utilizando materiais sintéticos. A utilização do couro animal na produção de calçados estimula a formação de determinado Arranjo Produtivo Local (APL), ligando as fábricas aos curtumes e à pecuária, como ocorria no século XVIII quando do funcionamento das primeiras fábricas de calçados no Rio Grande do Sul, onde muitas empresas produtoras de calçados detinham o controle de curtumes e de grandes fazendas para a criação de gado. Uma das variáveis importantes que interferem na localização geográfica das unidades produtoras de calçados é a necessidade das empresas em utilizar uma grande quantidade de trabalhadores na produção. Esse fator obriga a empresa a selecionar espaços onde a disponibilidade de força de trabalho seja abundante. Geralmente, o valor do salário pago aos trabalhadores é baixo, haja vista ser o preço final do produto (calçados) um fator imprescindível para determinar a competitividade do mesmo no mercado. Aos trabalhadores não há a exigência de formação escolar para a operação das máquinas no processo produtivo, o que permite às empresas, deste setor produtivo industrial, certa flexibilidade na seletividade espacial, sobretudo no Nordeste brasileiro onde há uma significativa disponibilidade de mão de obra com baixa escolaridade. A partir de 1998, a Dilly Calçados passou a produzir calçados esportivos confeccionados com materiais sintéticos, para a empresa norteamericana Nike e, em 1999, passou a produzir também calçados esportivos para a empresa italiana Fila. Entre as cidades do Nordeste brasileiro, com fábricas de calçados que pertenciam exclusivamente à Dilly, estão: Vitória da Conquista e Santo Estevão (ambas na Bahia) e Itapipoca (no Ceará). Na fábrica instalada em Santo Estevão-BA, a empresa utiliza os produtos e insumos que constam no Quadro 1. 87 Quadro 1 Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e resíduos-2010 Produto Tênis Sintético Calçados para esporte Tênis: sola de borracha e cabedal tecido Sapato: sola sintética e cabedal couro Sapato: sintético e cabedal sintético Insumo Forro sintético PVC Solado de borracha EVA Nylon Contraforte Espuma Resíduos Papel Papelão Plástico Retalho de forro sintético Retalho de espuma Embalagens vazias FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo, 2011. Observando-se os dados disponíveis (RAIS/MTE), pode-se verificar o aumento do peso relativo da região Nordeste do Brasil na geração de emprego na atividade de fabricação de calçados, que passou de 7% do emprego total, em 1995, para 27%, em 2005, ano em que a região Nordeste foi a segunda maior empregadora de força de trabalho nessa atividade (GARCIA, 2010). A disponibilidade de mão de obra para atender a alta rotatividade de trabalhadores tem sido uma necessidade patente onde as fábricas de calçados passam a operar. Para além de atender a necessidade de disponibilidade de força de trabalho, a grande empresa busca também superar as dificuldades em colocar seus produtos no mercado externo, em particular no mercado argentino, submetido a controle de importações. Dessa forma, o grupo Dass Clássico anunciou, no ano de 2010, a ampliação de uma de suas unidades fabris na Argentina, na cidade de Eldorado, Misiones, com clara intenção de manter o fornecimento de seus produtos para o mercado consumidor argentino e, assim, manter o crescimento de lucros da empresa. A planta industrial localizada na Argentina tinha uma previsão de aumentar a produção de calçados em 60 mil pares por mês (das marcas Nike, Fila e Converse), utilizando uma força de trabalho de 1000 funcionários em 2011, 400 trabalhadores a mais que os contratados em 2010. Outras empresas brasileiras, como a Penalty, também começam a instalar plantas industriais nesse país. A empresa Penalty anunciou investimentos de R$ 10,6 milhões para produzir 400 mil pares de calçados por ano, em parceria com sócios argentinos. A instalação de algumas fábricas na Argentina acontece desde 2005, quando o país passou a proteger sua indústria de calçados por meio da administração de volumes de produtos que são importados, nisso infere-se uma ação para evitar o pagamento de tarifas alfandegárias crescentes. Especificamente no município de Santo Estevão-BA, os fatores ou variáveis para a seletividade espacial podem ser explicados ao se analisar vários itens, tais como: políticas estaduais de isenções e incentivos fiscais, o baixo valor de remuneração da força de trabalho, 88 a organização sindical incipiente e a existência de rodovias como a BR 116, que interliga as regiões Sul, Sudeste e Nordeste, facilitando o escoamento da produção. De acordo com um dos gerentes da fábrica em Santo Estevão: De modo geral, a Bahia oferece isenções e incentivos fiscais; em primeiro lugar estão estes itens. Depois o baixo valor da mão-de-obra. Durante o período em que nós discutimos a vinda para a Bahia, observamos que o Governo do estado fez um mapeamento das regiões onde mais interessava instalar indústrias que gerassem empregos. Portanto a maior preocupação do Governo da época era gerar emprego em determinadas regiões. Nós da empresa só exigimos que ficasse próximo a rodovias que facilitassem o escoamento da produção (Gerente da fábrica Dass Clássico - Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2010). Assim, a seletividade espacial praticada pelo grupo Dass Clássico está articulada a um conjunto de variáveis indissociáveis que tem, nas políticas de Estado (isenções e incentivos fiscais), na existência de força de trabalho em abundância que pode ser submetida à baixa remuneração, e na oferta de infraestrutura (rodovias, energia elétrica, água etc.), os critérios principais para a sua localização geográfica. Figura 2 – Propaganda de incentivos e benefícios fiscais da SUDENE – 2012 FONTE: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo, 2010. 3.2.2. EXPANSÃO ESPACIAL Na dinâmica de uma dada corporação, o espaço geográfico e sua funcionalidade na rede 89 corporativa podem ser submetidos à fragmentação e/ou remembramento espacial. Ao reorganizar a sua configuração e distribuição espacial, a corporação interfere na organização do espaço de um país, uma região ou de um município. A fragmentação representa-se consolidada com o processo de divisão “[...] em razão da intensificação da atuação da corporação, que leva à implantação de novas unidades vinculadas quer ao processo de produção, quer à distribuição atacadista ou varejista” (CORREA, 1992, p. 117). Considerando a dinâmica de criação e instalação de novas unidades produtivas de calçados e confecções, colocadas em prática pelas empresas que formaram o grupo Dass Clássico, pode-se perceber que as fábricas e o processo produtivo não foram fragmentados, no entanto houve uma tendência à criação de novas fábricas no Nordeste brasileiro e em países da América Latina, ou seja, houve uma tendência ao que será denominado de expansão espacial das unidades de produção. Um percentual significativo dos índices de produção de calçados está sendo deslocado para o Nordeste e para países da América Latina, o que não impossibilitou a existência das fábricas pertencentes à Dass Clássico já instaladas no Sul e Sudeste do Brasil. O grupo Dass Clássico ao expandir a distribuição espacial de suas unidades produtivas tem estabelecido fábricas maiores para os estados do Ceará e Bahia. Nas primeiras atividades industriais da empresa Dilly Calçados, desenvolvidas no Rio Grande do Sul, as fábricas eram também unidades administrativas da corporação. A necessidade de expansão da produção e o vínculo frequente à empresa Clássico fizeram com que as novas fábricas instaladas no Nordeste brasileiro tivessem apenas o caráter produtivo, sendo que o processo de gerência e administração da empresa se concentra no Sul e Sudeste do país, reafirmando assim uma divisão territorial do trabalho. Com o crescimento constante da produção calçadista chinesa, devido, sobretudo, ao baixo valor da força de trabalho e à falta de consolidação de leis trabalhistas nos moldes da maioria dos países ocidentais regidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o grupo Dass Clássico instalou uma unidade de outsourcing na China para aumentar a lucratividade. A unidade outsourcing contrata uma entidade exterior à empresa para executar serviços, em vez de produzi-los internamente. A grande vantagem econômica da unidade de outsourcing reside na redução de custos em diversos aspectos, sobretudo no valor pago pela força de trabalho. A expansão da produção de calçados, a criação de empresas e a instalação de novas fábricas pertencentes a Dass Clássico, em países da América Latina, têm ocorrido substancialmente desde o ano de sua criação (2007). Em 2011, a Dass instalou unidade 90 produtiva no México (Dass México), no Peru (Dass Peru), no Chile, e incorporou uma fábrica no Uruguai. Em 2012, está prevista a inauguração da Dass Paraguai. A evolução da distribuição geográfica das unidades produtivas e administrativas do grupo Dass Clássico divide espacialmente a corporação em unidades que produzem os calçados/confecções e unidades que gerenciam comercial e administrativamente a empresa, além de unidades que subcontratam empresas para a fabricação de calçados. Das 9 unidades do grupo Dass, que desenvolvem atividades eminentemente produtivas no Brasil, 7 foram criadas a partir da década de 1990, das quais 5 estão na região Nordeste brasileira. A distribuição espacial das unidades fabris e administrativas/gerenciais do grupo Dass Clássico aponta para a ampliação da unidade outsourcing na China e a ampliação da fábrica na Argentina e em outros países da América Latina no intuito de ampliar as margens de lucro e competitividade. No Brasil, a consolidação do Nordeste como área com disponibilidade de “vantagens competitivas” projeta a região como grande responsável pela produção de calçados esportivos do grupo Dass Clássico. As fábricas pertencentes ao grupo Dass Clássico na Bahia são, em determinados aspectos, desarticuladas entre si; são ilhas de produção. Existe uma tênue integração produtiva, pois as fábricas são quase que totalmente autossuficientes em termos de aquisição de insumos e matérias primas, limitando a possibilidade de integração horizontal. Quase todo insumo e matéria prima da fábrica de calçados Dass Clássico, no início de seu funcionamento, eram trazidos de fora do estado da Bahia. A cola, tecido sintético ou outros materiais, como um assemelhado à borracha sintética atualmente são adquiridos no Pólo Industrial de Camaçari, no município de Camaçari-BA. 3.2.3. MARGINALIDADE ESPACIAL Alterações nas condições competitivas e nas condições de produção podem provocar mudanças constates na dinâmica das corporações e levar a um processo de abertura de novas unidades e fechamento de outras. O preço das matérias primas, dos componentes, da remuneração da força de trabalho, dos insumos, e a alteração da carga tributária sobre os produtos fabricados pelas empresas são apenas alguns dos itens que podem provocar o fechamento ou a abertura de novas unidades produtivas. O processo de encerramento de atividades fabris corporativas em um determinado local 91 e a abertura de unidades em outros pode levar à seleção de lugares que no passado foram avaliados como sendo pouco atrativos para a implantação de unidades de uma corporação. Porém, o que pode causar problemas sociais e econômicos de grande vulto é o abandono de lugares que anteriormente foram considerados atrativos e que participavam efetivamente da rede de localidades da corporação. O processo de abandono de lugares pelas grandes corporações é classificado por Corrêa (1992) como marginalidade espacial. Segundo Corrêa (1992), são diversas as implicações socioespaciais advindas da marginalização espacial. Segundo esse autor: A marginalização espacial tem impactos diversos, afetando, por exemplo, o nível de emprego e de impostos via fechamento das unidades da corporação e daquelas diretas e indiretamente ligadas a elas. Afeta também as interações espaciais dos lugares marginalizados, situados fora da rede de ligações internas da corporação (CORRÊA, 1992, p. 119). Em diversos momentos, o grupo empresarial Dass Clássico, por meio das empresas Dilly e Clássico, praticou a marginalização espacial. Visando manter a taxa de lucro e os ganhos crescentes de capital, em dezembro de 2005, devido a fortes restrições tributárias criadas pelo governo argentino para a importação de calçados brasileiros e por causa da taxa de câmbio desfavorável, a empresa Dilly Calçados fechou uma fábrica que funcionava há 23, anos na cidade de Mato Leitão - RS, a 140 km de Porto Alegre-RS. Cerca de 300 funcionários foram demitidos, contingente que se somou, na mesma semana, a mais 800 trabalhadores demitidos por conta do fechamento de uma fábrica de calçados da Azaléia, localizada no município de São Sebastião do Cai - RS (ABICALÇADOS, 2011). Outras empresas calçadistas desativaram fábricas em municípios do Rio Grande do Sul e colocaram milhares de trabalhadores nas filas de desempregados. Em junho de 2007, uma das maiores empresas do setor calçadistas brasileiro, a empresa Reichert, fechou suas fábricas e 5.500 trabalhadores ficaram desempregados no município de Campo Bom - RS. Centenas de famílias que sobreviviam dos rendimentos adquiridos com o trabalho na empresa ficaram desempregadas (COLOMBO, 2007). Toda a experiência de trabalho e rendimento salarial de famílias inteiras do município de Campo Bom - RS se resumia à esteira de montagem da indústria de calçados. Além dos trabalhadores diretos, os trabalhadores dos ateliers de calçados também perderam o emprego. Tal quantidade de trabalhadores demitidos pela empresa Reichert provavelmente não será absorvida rapidamente pelo mercado de trabalho em outras empresas. Muitos deles deverão se qualificar em outras atividades profissionais para serem inseridos novamente no mercado de trabalho. Em outras palavras, a vida de 92 centenas e até mesmo milhares de pessoas ficam submetidas à dinâmica das empresas. As implicações da desativação de uma fábrica de calçados para a população dos municípios onde as mesmas funcionam podem ser de grande magnitude, a depender da quantidade de pessoas empregadas. Na cidade de Parobé - RS, por exemplo, o fechamento da fábrica da Vulcabras/Azaléia, em maio de 2011, além de demissão de 800 trabalhadores, provocou impactos sobre a economia municipal. Houve a diminuição da arrecadação de impostos, entre eles o ICMS cujo percentual de 22% provinham da unidade desativada (PAROBE, 2011). A competição desenfreada do capital industrial submete os trabalhadores a uma condição de apêndice do processo. Esses trabalhadores são “usados” e descartados como verdadeiros objetos no processo produtivo. Essa condição reforça as palavras de Galeano (2011) quando o mesmo afirma que “o sistema vomita homens, mas a indústria se dá ao luxo de sacrificar mão de obra numa proporção maior que na Europa” (GALEANO, 2011, p. 348). Quatro outros municípios do Rio Grande do Sul, com destaque para os municípios do Vale dos Sinos, também tiveram mudanças econômicas por conta do fechamento da empresa Doublexx Calçados. Os municípios de Estância Velha, Boa Vista do Buricá, Horizontina e Humaitá onde operavam unidades produtoras de calçados ligadas à Doublexx tiveram ao todo 700 pessoas demitidas. As maiores implicações são as reduções da arrecadação do ICMS. No município de Boa Vista do Buricá, a empresa Doublexx correspondia com 30% da arrecadação do ICMS, ISS e IPTU; em Humaitá – RS, a perda foi de 15% da arrecadação (UNISINOS, 2012). Essa situação toma ares diferenciados no Rio Grande do Sul, sobretudo no Vale do Rio dos Sinos, haja vista a formação de APLs (Arranjos Produtivos Locais) e cadeias produtivas que estão diretamente associados à produção de calçados de couro com o fornecimento de matérias-primas e componentes: Pode-se localizar o começo dessa cadeia produtiva na atividade pecuária, passando pelo abate dos animais, pelo descarne nos abatedouros, pelo tratamento das peles animais, pelo tratamento das peles animais nos frigoríficos ou nos curtumes, onde se realiza o processamento do couro, chegando, finalmente, na indústria calçadista, cujas empresas desenvolvem atividades de modelagem, corte da matéria-prima, costura, montagem, acabamento e embalagem do produto final (ABDI, 2009, p 1). Após as fábricas de calçados estarem instaladas e funcionando em municípios da Bahia, muitos deles distantes da Região Metropolitana de Salvador (a exemplo da fábrica de calçados no município de Santo Estevão), é comum a utilização de argumentos por parte de alguns governos e dos próprios empresários do setor calçadista de que, caso estas fábricas não estivessem nas localidades onde foram instaladas, as pessoas não teriam outra oportunidade 93 de emprego. Tal discurso busca impor a ideia de que não há alternativa à política de crescimento econômico via relocalização de fábricas. Esse discurso impõe um modelo econômico e social à população que limita as possibilidades da existência de empreendimentos coletivos que viabilizem a sobrevivência dos trabalhadores que não sejam subordinados aos grandes empreendimentos fabris. Pode-se afirmar, nesse contexto, que o modelo produtivo, apregoado e difundido pelas empresas calçadistas e pelos sucessivos governos do estado da Bahia, desde a década de 1990, tenta reafirmar um modo único de produção baseado na atração de empreendimentos de outros estados brasileiros e até mesmo de fora do país. Os discursos de subserviência e aceitação da implantação de grandes fábricas de calçados no interior da Bahia indicam uma reprise da obediência aos ditames das elites conservadoras. O coronelismo de outrora, que subjugava e segregava milhares de pessoas no sertão semi-árido, ganha nova roupagem com a ideia de que a única alternativa para a população é aceitar o trabalho precário e degradante nas fábricas. No município de Santo Estevão-BA em particular, onde a empresa Dass Clássico emprega mais de 2.500 pessoas, observa-se que o fenômeno do “emprego efeito-renda22” é marcante e frequentemente utilizado como um “fenômeno extremamente positivo”. Por outro lado, criou-se uma dependência evidente da economia local para com a única fábrica de calçados existente no município. Nessas condições, é comum se ouvir da população o argumento que reafirma a ideia da dependência com relação aos empregos que são gerados. É comum se ouvir dos dirigentes do governo municipal e dos gerentes da fábrica que, caso o grupo Dass Clássico resolva pela escolha de outra localidade para instalar sua fábrica, a marginalidade atingirá o município de Santo Estevão-BA e a população não terá outra possibilidade de sobrevivência. A retirada da fábrica de calçados do município de Santo Estevão-BA para outra localidade é verdadeiramente factível, considerando as mudanças nas condições de competição entre empresas e entre nações e estados. Torna-se preocupante para a maioria dos trabalhadores a possibilidade do crescimento do número de desempregados e a estagnação da economia local, juntamente com todas as implicações socioespaciais negativas. Na maioria das vezes, tal prognóstico não leva em conta que a permanência da fábrica no município pode dar origem a uma legião de mutilados e inválidos por conta do trabalho repetitivo, o que pode 22 O Emprego Efeito-Renda é obtido por meio da transformação da renda dos trabalhadores em consumo. Os trabalhadores gastam parte de sua renda adquirindo produtos e serviços diversos, segundo seu perfil de consumo, estimulando a produção de um conjunto de setores e realimentando o processo de geração de emprego (NAJBERG; PERREIRA, 2004). 94 causar também implicações negativas para o futuro da economia local e para população de modo geral. Apesar do discurso de dependência com relação aos empregos originados pela instalação da fábrica em Santo Estevão-BA, é importante salientar que a associação coletiva e comunitária dos trabalhadores da cidade e do campo pode criar alternativas de geração de emprego e renda que levem em conta as potencialidades e características ambientais e culturais das localidades e do município, o que pode dar origem a condições mais dignas de trabalho para a maioria das pessoas. Melhor seria que as localidades e regiões comportassem uma grande variedade de atividades econômicas, o que permitiria uma complementaridade entre elas. 3.2.4. REPRODUÇÃO DA REGIÃO PRODUTORA As corporações empresariais necessitam frequentemente reafirmar e manter uma determinada organização socioespacial no intuito de ampliar os lucros. Mesmo que as atividades produtivas sejam desenvolvidas com baixo ou alto grau de articulação e complexidade, há uma organização do espaço inerente a elas e que precisa ser mantida. A produção de calçados utiliza uma quantidade grande de trabalhadores, daí se afirmar que o calçado é um produto intensivo em força de trabalho. Geralmente, os salários pagos pelas grandes corporações que instalam unidades produtivas na região Nordeste do Brasil são baixos, em média 40% menores que os salários pagos às mesmas categorias de operários nas regiões de tradição calçadista (como Rio Grande do Sul e São Paulo). As práticas desenvolvidas pela administração da empresa, como a imposição de horas extras e o banco de horas, provocam um descontentamento entre os trabalhadores. Além disso, os frequentes casos de mutilações no manuseio das máquinas e os casos de Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT) são frequentes. Essas características associadas à produção calçadista, sobretudo a produção de calçados esportivos que utilizam material sintético, conduz os trabalhadores e a população dos municípios onde as fábricas são instaladas à construção de um imaginário negativo sobre o processo produtivo na indústria de calçados. A vigilância e a exigência de ritmo acelerado na produção de calçados provocam mazelas graves na saúde dos trabalhadores. Ante a visão negativa associada às fábricas de 95 calçados, as empresas buscam diminuir essa imagem negativa e reproduzir as condições para a manutenção de suas atividades. Essas ações das empresas são denominadas de “reprodução da região produtora” (CORRÊA, 1992). Uma dessas práticas se baseia em estratégias de relação com o “capital humano”. Segundo documento da própria empresa, o “Manual de Integração”, em seu item intitulado “Relação com a comunidade”, a empresa abre oportunidades para a promoção de eventos para o recebimento de visitas técnicas e de familiares de trabalhadores. Estas visitas são coordenadas pelo setor de Recursos Humanos e divididas em dois momentos: apresentação institucional do Grupo Dass e apresentação das dependências da unidade. A visita de familiares tem programação bimestral e divulgação antecipadas nos placares (DASS, 2010, p. 12). As visitas à unidade fabril do grupo Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, são feitas preponderantemente por alunos de escolas do ensino fundamental acompanhados de seus professores. O maior interesse dos gerentes e do setor de Recursos Humanos (RH) da fábrica é mostrar que a empresa tem preocupação com a saúde dos trabalhadores e que as pessoas que trabalham na Dass Clássico têm carteira assinada e um conjunto de direitos trabalhistas garantidos. Sem dúvida, “assinar a carteira” do trabalhador provoca uma euforia entre as pessoas, haja vista que, antes da instalação da fábrica, os trabalhadores que conseguirem um emprego cujo empregador garantisse o pagamento do salário mínimo e o respeito às leis trabalhistas não era uma coisa frequente, sobretudo se levarmos em consideração os trabalhadores mais jovens e com baixa escolaridade. Há indícios de que o intuito de tal ação seja tentar criar um discurso contrário à repercussão negativa dos casos de problemas de saúde que acometem os trabalhadores da fábrica de calçados. Os dados adquiridos por meio da aplicação de questionário com os operários da fábrica apontam que o trabalho na produção de calçados em Santo Estevão-BA compromete negativamente a saúde das pessoas, deixando-os adoentados com LER/DORT. Os números apontam que 90% dos funcionários não possuem plano de saúde; dores constantes são os principais tipos de queixas registradas por 47% dos empregados; 33% sentem dores na coluna; 30% sentem dores nas pernas; 24% sentem dores de cabeça e/ou tonturas; 13% sentem dores nos braços. Todos os trabalhadores que responderam ao questionário aplicado afirmaram que passaram a sentir esses desconfortos depois de terem começado a trabalhar na fábrica de calçados. As queixas não são somente de ordem física, há também as pressões psicológicas 96 com vários registros de assédio moral. De acordo com Ramos e Brito (2012), na fábrica de calçados em Santo Estevão-BA: “22% dos trabalhadores já sofreram algum tipo de mau trato, com adjetivações como “a batata podre do saco”, “burro”, “inútil”, entre outras distinções pejorativas, inclusive com um caso de “castigo” de uma funcionária colocada pela chefia da fábrica” (RAMOS; BRITO, 2012). Segundo informação do sindicato dos trabalhadores que representa os funcionários da fábrica (associado ao Sintracal23), têm ocorrido casos de acidentes graves durante o processo de produção, a exemplo de mutilações de membros superiores ou parte deles. O motivo principal apontado pelos dirigentes sindicais como causa dos acidentes é a exigência cada vez mais excessiva e rigorosa para que os trabalhadores cumpram as metas de produção, o que implica o aumento da velocidade e a exigência de destreza dos operadores das máquinas. Seguindo um modelo de produção similar ao fordismo, a produção de calçados na fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA possui um mecanismo de controle de produção em que a função de cronometrista exige que os trabalhadores cumpram as metas préestabelecidas. O trabalhador, nesse caso, é incessantemente pressionado a cumprir as metas, tendo, inclusive (segundo informações dos próprios trabalhadores) pré-estabelecido também o número de vezes que podem ir ao banheiro ou beber água. Os mecanismos de exigência de produtividade são uma das marcas principais da fabricação de calçados. Conforme informativo da empresa Dass Clássico: [...] as 12 operações se tornaram três grandes sistemas e foram colocadas em linha de fluxo contínuo. Assim, o caminho de produção está mais curto e controlado, com aumento significativo de eficiência. Além disso, os estoques foram reduzidos e as ferramentas para gerenciamento visual, com painéis e demarcação, colocadas em prática (DASS, 2012). O controle do tempo de produção e a exigência frequentes para que se atinja uma maior produtividade podem induzir os operários a intensamente repetir várias vezes durante o dia de trabalho os mesmos movimentos. Esses movimentos mecânicos e repetitivos exigem a utilização exaustiva dos membros superiores (braços e mãos), o que ocasiona as lesões e em muitos casos mutilações, conforme se pode observar, na Figura 3, a mão de um operário que teve seu dedo indicador amputado ao lidar com uma das máquinas no interior da fábrica (casos como estes são freqüentes na linha de produção de calçados não só do Brasil mas em todo o mundo). 23 Sindicato dos Trabalhadores Calçadistas 97 Figura 3 – Ex-trabalhador da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA com amputação do dedo indicador. FONTE: pesquisa de campo do autor. Esses funcionários lesionados são afastados e amparados pela previdência social pública e, ao retornar ao trabalho, geralmente são demitidos sem demais esclarecimentos. Esse é um dos motivos da alta rotatividade da força de trabalho nas empresas desse setor. Segundo o Sistema Nacional de Emprego (SINE) 24 , essa rotatividade de trabalhadores na fábrica, em Santo Estevão-BA, chega a 20 trabalhadores por semana a depender da época do ano; aliado a isso, há o desconhecimento dos direitos trabalhistas e a precariedade da formação política classista, o que se comprova pela quantidade de filiados ao sindicato (30 trabalhadores filiados). Segundo um dos ex-dirigentes do sindicato: Após a criação do sindicato conseguimos filiar até 403 trabalhadores. Destes filiados, 183 tinham a contribuição sindical descontada em folha e os outros pagavam em boleto bancário por medo dos gerentes da fábrica os perseguir e demitir. Durante determinado período chegou a existir 50 rescisões de contratos em 1 único dia (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 12/05/2010). As visitas oferecidas pelo setor de recursos humanos da fábrica Dass Clássico, em 24 O Sistema Nacional de Emprego é uma instituição ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego. 98 Santo Estevão-BA, visam convencer as crianças e adolescentes de que o trabalho na Dass não é ruim como algumas pessoas dizem; e que eles podem ser futuramente “colaboradores” 25 da empresa, trabalhando na produção de calçados. Para enfatizar tal “interesse” na condição social da população, o setor de RH (Recursos Humanos) da Dass Clássico também promove apoios a diversos projetos “sociais” com ênfase em educação, cultura e esportes. A necessidade de repor trabalhadores na linha de produção obriga a administração da fábrica a utilizar diversos mecanismos de propaganda e promoção de eventos para evitar ou minimizar uma suposta “imagem” negativa criada na população. Convencer os jovens a, futuramente, ter a possibilidade de trabalharem na produção industrial de calçados torna-se vital para a Dass Clássico na medida em que a rotatividade de trabalhadores neste segmento produtivo é muito grande. Entre as diversas atividades criadas pela administração de recursos humanos da fábrica Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, pode-se mencionar, além da promoção e incentivo às visitas de estudantes do ensino fundamental e de familiares de trabalhadores à fábrica, o oferecimento de 30% de desconto aos trabalhadores da Dass Clássico que comprarem na loja Dass Outlet (loja da fábrica) e 20% de desconto a funcionários públicos municipais e estaduais. As compras podem ser parceladas e descontadas diretamente na folha de pagamento dos trabalhadores; o valor das parcelas referentes às compras na loja não podem exceder o valor da remuneração mensal de cada trabalhador. Segundo alguns operários entrevistados, alguns dos calçados na loja Dass Outlet têm pequenos defeitos de fabricação. A rede de lojas Dass Outlets é administrada pela empresa Anvel (Comércio de Artigos Esportivos), pertencente à divisão de varejo do Grupo Dass Clássico. Além da rede de lojas, a Anvel também administra o endereço virtual na internet para comercialização de artigos esportivos Sportson.com.br (DASS, 2012). A oferta de patrocínio a eventos populares locais também é utilizada pela empresa como forma de divulgar sua marca. Diversas festas recebem o patrocínio da Dass, no entanto, as festas juninas são o marco maior de mobilização de patrocínio na empresa, pois mobiliza toda a cidade, atraindo também pessoas que residem em municípios vizinhos. O grupo Dass Clássico se referencia como um dos grandes agentes da iniciativa privada (se não o maior) a patrocinar a festa, conforme se pode observar nas figuras 4. 25 Em meio à metamorfose do mundo do trabalho nos últimos anos, com o advento da “produção flexível”, desregulamentação econômica, o neoliberalismo, crescente competitividade entre empresas e entre países, além das ideias localistas de desenvolvimento, os trabalhadores passam a ser chamados de colaboradores. Tal denominação visa inseri-los na dinâmica da gestão produtiva e do desenvolvimento local no sentido de colocados como co-responsáveis pelo desenvolvimento local e responsabilizá-los também pela manutenção de seus postos de trabalho (ANTUNES, 2010; BRANDÃO 2007). 99 Figura 4 – Propaganda Dass Clássico nas festas juninas em Santo Estevão-BA – 2011 Fonte: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo. Outros eventos, como passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos, também são promovidos pela empresa, a fim de minimizar as constantes críticas e reclamações dos operários e da população para com as condições de trabalho que são impostas no interior da fábrica. Um dos eventos internos da fábrica que mobiliza quase todos os operários é a “Semana Dass”, que em 2011, teve sua terceira edição, promovendo competições entre modalidades de talentos como “arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética, entretenimento, ornamentação”. Nesse evento a competitividade entre os trabalhadores é a característica principal. Os trabalhadores que mais destacam nesse evento ganham prêmios e se destacam perante aos outros. Sendo assim, pode-se constatar que, para reprodução da região produtora, ou seja, para a manutenção da disponibilidade de uma grande quantidade de pessoas para o trabalho na linha de produção de calçados, a empresa Dass Clássico utiliza intensamente diversos mecanismos, tentando dirimir assim a má impressão ou imagem negativa criada na população e nos operários que trabalham na própria fábrica de calçados. 100 3.3. EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E ASSESSÓRIOS. Constituindo variadas e diversificadas ligações em rede entre as suas unidades produtivas e as diversas empresas fornecedoras de componentes para a fabricação de calçados, o grupo Dass Clássico, direta e indiretamente, constrói determinadas características espaciais que são de suma importância para a manutenção da produção de mercadorias (calçados) em larga escala, nos locais onde possui unidades fabris. Haja vista ter instalado grande parte de suas unidades produtivas em locais onde a produção de calçados esportivos e de couro não se constituía em uma atividade tradicional, a necessidade do grupo Dass Clássico em manter contatos entre empresas de outras localidades que podem suprir a demanda por materiais, acessórios e componentes é premente. Com o crescimento do número de fábricas de calçados no estado da Bahia, muitas empresas de componentes e acessórios começaram a se instalar para atender a demanda existente, assim o grupo Dass Clássico, que no início de suas operações adquiriu grande parte de insumos e acessórios para a fabricação de calçados esportivos em outros estados e até fora do país, começa a adquirir insumos, acessórios e componentes nas novas empresas que se instala na Bahia. 3.3.1. A EMPRESA FORTIK E O GRUPO FCC A fábrica de calçados Dass Clássico, localizada no município de Santo Estevão-BA, adquire componentes e cola da empresa Fortik Nordeste, que iniciou suas operações em 1999, no município de Conceição do Jacuípe, onde ocupa uma área de 12 mil metros quadrados, produzindo calçados e sandálias de plástico, materiais de couro, compostos para saltos, solados, adesivos, auxiliares para colagens, selantes e produtos químicos para calçados. O investimento estatal destinado à implantação da unidade fabril da Fortik, no município de Conceição do Jacuipe, foi estimado pela SUDIC em R$ 12 milhões, enquanto o investimento privado foi estimado em R$ 4.236.616,11, ou seja, pouco mais de 1/3 de investimento privado. O grupo econômico que dá suporte à empresa Fortik Nordeste é eminentemente nacional, formado por duas fábricas do segmento de calçados (o nome das fábricas não é informado pela Fortik) e a empresa denominada Fornecedora (FCC), oriunda da cidade de 101 Campo Bom-RS. Inserida no maior complexo rodoviário do Nordeste, próximo às rodovias BR 116, BR 101 e BR 324, a empresa conta com uma posição estratégica sob o ponto de vista logístico, principalmente na distribuição dos produtos para o Nordeste e Sudeste do país. Os produtos desenvolvidos são: adesivos, injetados, elastômeros termoplásticos, palmilhas, solas e solado de couro e de borracha. Os adesivos Fortik contam com uma linha completa de produtos e sistemas de colagem para o setor coureiro-calçadista. O Grupo FCC Fornecedora, um dos parceiros e controladores da Fortik Nordeste, tornou-se, nos últimos anos, o principal fornecedor de elastômeros termoplásticos da América Latina. Além da fábrica da Fortik, em Conceição do Jacuípe-BA, o Grupo FCC controla também a empresa Norplast com unidade de produção no mesmo município e em outros estados brasileiros. Com uma característica forte de aquisição de empresas concorrentes, o conglomerado FCC comprou a empresa Plastine e formou a Norplast. Além das unidades fabris descritas, o Conglomerado FCC possui uma fábrica no Uruguai, conforme se pode observar no Quadro 2. Quadro 2 Relação de fábricas pertencentes ao grupo FCC. Cidade Tipo de atividade Bahia Conceição do Jacuípe Produção de adesivos, termoplásticos e componentes. Brasil Rio Grande do Sul Campo Bom Produção de adesivos, vedantes, termoplásticos e componentes. Brasil Ceará Morada Nova Adesivos Brasil São Paulo São Paulo Escritório comercial, depósito, centro de distribuição e laboratórios de testes. Uruguai Canelones* Canelones Termoplásticos e adesivos Pais Brasil Estado FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em http://www.fcc.com.br/ .Acessado em 21/05/2011. *O Uruguai é dividido em 19 departamentos. Como a maioria dos conglomerados industriais capitalistas, o Grupo FCC também desenvolve práticas espaciais para manter as condições socioespaciais de produção. A Norplast de Conceição do Jacuípe-BA desenvolveu, nos últimos anos, um trabalho de renovação e recuperação de prédios escolares no município. As escolas são indicadas pela prefeitura segundo critérios de necessidade da obra. Os 48 trabalhadores da empresa são convocados para ajudar na limpeza do pátio, pintar paredes e muros, recuperar a rede elétrica e hidráulica das escolas, além de construir espaços para despensa e refazer os banheiros. A ação de reforma de algumas escolas no município de Conceição do Jacuípe-BA, promovido pelo grupo empresarial FCC, completou três anos em 2010. Segundo documentos 102 divulgados pela empresa em seu endereço eletrônico (http://www.fcc.com.br), essas ações oportunizadas aos seus “colaboradores” se constituem como uma atividade de “responsabilidade social”. A empresa fornece todos os materiais necessários para a recuperação do prédio da escola (parte hidráulica, elétrica, cimento entre outros materiais de construção) e os colaboradores “doam” seu trabalho. Porém, vale salientar que tal prática de reforma de escolas, promovida pela empresa da FCC, pode render benefícios fiscais na medida em que alguns municípios do estado da Bahia, a exemplo do município de Santo Estevão, possuem leis que isentam as empresas do pagamento do ISS (Imposto Sobre Serviçoes) caso as mesmas façam reformas em prédios de escolas da rede pública de ensino municipal. Em consonância com os interesses de expansão de suas atividades na Bahia e aproveitando os benificios discais já existentes, a corporação FCC ampliou, em novembro de 2010, sua unidade fabril localizada no município de Conceição do Jacuípe-BA. O investimento de R$ 8 milhões em equipamentos favoreceu a expansão física da fábrica, que por sua vez triplicou a capacidade de produção e transforma a unidade baiana da FCC na maior fábrica de adesivos para a indústria de calçados da América Latina, acompanhando assim o atual momento de expansão da economia brasileira e em espacial da economia da Bahia. Entre as novas ações que a FCC está implementando em Conceição do Jacuípe-BA, está a instalação de laboratórios completos para o desenvolvimento de novos adesivos e testes de novos materiais, contribuindo para a desconcentração da produção da industrial neste setor. A unidade da Bahia responde pelo fornecimento de adesivos para as regiões Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil. O investimento em pesquisas permitiu à FCC o desenvolvimento de componentes e assessórios para a fabricação de calçados esportivos que atende a diversas fábricas no Nordeste do Brasil. 3.3.2. BRISA INDÚSTRIA DE TECIDOS TECNOLÓGICOS Nos últimos anos, a fabricação de calçados esportivos vem ganhando cada vez mais atenção quanto à utilização de novos materiais. A crescente necessidade de diversos grupos empresariais transformou a produção de calçados em um verdadeiro laboratório de descoberta e produção de novos materiais para o setor. Seguindo as necessidades do mercado, o grupo 103 Dass Clássico, entre outras empresas que produzem calçados no Nordeste e na Bahia, utiliza tecidos sintéticos desenvolvidos pela empresa Brisa Indústria de Tecidos Tecnológicos S/A. A Brisa, empresa que fornece componentes para produção de calçado, está instalada no município de Simões Filho, no Centro Industrial de Aratu (CIA) e é uma das grandes fornecedoras de componentes para a fabricação de calçados para a fábrica do grupo Dass, no município de Santo Estevão-BA. A Brisa fornece tecidos sintéticos, produtos de couro, forro sintético, tecidos impregnados, revestimentos, recobertos ou estratificados com poliuretano para várias fábricas de calçados na Bahia, entre elas estão: Azaléia, Via Uno, Bison, Malu, Arezzo e Paquetá. Para o início das operações de fabricação dos componentes citados, os investimentos privados estimados pela empresa chegaram a R$ 20 milhões, enquanto o investimento público estimado pela Superintendência de Desenvolvimento Industrial e Comercial (SUDIC) chegou a R$ 138.189,80. Com previsão de produção de 4 milhões de metros quadrados de tecido sintético por ano, a fábrica emprega cerca de 240 trabalhadores. 3.3.3. GRUPO ORSA O grupo Orsa trabalha há trinta anos na produção de celulose, papel e papelão. Produzindo mais de 1,1 milhão de toneladas anuais de produtos de origem vegetal, desde o plantio das árvores até a produção das embalagens. A empresa Orsa Celulose, Papel e Embalagens fornece embalagens e chapas de papelão ao grupo Dass Clássico. O faturamento da empresa Orsa, em 2006, foi de R$ 1,4 bilhão. O primeiro empreendimento que deu origem ao que hoje se constitui no grupo Orsa teve início em 1981,em uma pequena cartonagem na Vila Zelina, localizada na zona leste da cidade de São Paulo. O Grupo começou a se expandir em 1986, quando construiu uma planta para a produção de chapas e embalagens na cidade de Suzano-SP. Em 1994, a empresa criou a Fundação Orsa para organizar a atuação do grupo na área socioambiental, respondendo às críticas das organizações ambientalistas quanto à utilização de amplas áreas para plantio de eucalipto, haja vista ser esse tipo de plantio prejudicial à biodiversidade, muitas vezes sendo denominado de “floresta homogênea”. Em 2000, o conglomerado Orsa fez o maior movimento de expansão empresarial até então, quando adquiriu o controle acionário da empresa Jarí Celulose S/A. Instalado na Amazônia, no Vale do Rio Jarí, o projeto Jarí possui uma das maiores áreas de floresta nativa 104 do planeta (1,7 milhão de hectares). O comando acionário da Jarí Celulose, em conjunto com outras ações e estratégias do grupo Orsa, contribuiu para um crescimento significativo dos lucros entre os anos de 1994 e 2006, quando atingiu 275% enquanto o PIB brasileiro teve uma expansão de 41%. A origem da empresa que hoje é controlada pelo grupo Orsa, a Jarí Celulose, remonta ao ano de 1967, quando um bilionário empresário norteamericano chamado Daniel Keith Ludwig adquiriu uma grande extensão de terras às margens do Rio Jarí, no intuito de utilizá-la para produzir celulose. Com unidade de produção de celulose no Japão, onde empregava técnicas inovadoras de cultivos em plataformas flutuantes, Ludwig ambicionava expandir seus negócios por várias regiões do planeta, antevendo a crescente demanda por celulose que iria ocorrer na economia mundial. Formando a empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, o empresário norteamericano planejava instalar um projeto de reflorestamento com árvores de crescimento rápido, além de pretender a expansão das atividades no segmento da mineração, pecuária e agricultura. O projeto ocupa uma área extensa entre os estados do Amapá e Pará e abriga uma população de 139 mil habitantes em três municípios e dezenas de comunidades espalhadas pela floresta. Com a execução do grandioso Projeto Jarí em uma área de 16 mil quilômetros quadrados, foi necessária a construção de uma cidade. Uma espécie de “cidade-empresa” nos moldes das cidades analisadas por Piquet (1998). A cidade denominada Beiradão abrigou (além das instalações da empresa) os trabalhadores, hospitais e escolas. Em 1982, ano da venda da empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, a cidade de Beiradão tinha 30 mil habitantes. Conforme se pode constatar na Tabela 8, o grupo Orsa está organizado em quatro empresas que atuam de forma integrada: Empresa OCPE Jarí Celulose Orsa Florestal Fundação Orsa Tabela 8 Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008 Atividade Número de trabalhadores Produção de celulose, papel, embalagens, chapas para embalagens e papelão ondulado. Plantio de árvores e produção de celulose de eucalipto. Produção de madeira Programas e projetos sociais FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Orsa, 2008. NOTA: ... Dado não disponível 2.636 710 14.000 ... 105 A empresa que mais interessa para análise da produção e comercialização dos calçados esportivos, produzidos pelo grupo Dass Clássico, é a Orsa Celulose, Papel e Embalagens (OCPE), pois essa fornece as embalagens para os calçados produzidos pelo grupo empresarial Dass Clássico em todo o Brasil. Produzindo embalagens para diversas empresas nacionais e internacionais que funcionam no Brasil e no exterior, a OCPE é a segunda maior empresa integrada de papel para embalagens, chapas e papelão ondulado do Brasil. A empresa tem capacidade para produzir, por ano, 368 mil toneladas de papel para embalagens e 336 mil toneladas de chapas e embalagens de papelão ondulado (ORSA, 2008). Subjacentes à produção de papel e celulose, estão a degradação ambiental ocasionada pela monocultura do eucalipto, que provoca a diminuição da biodiversidade; a concentração de terras (formação de latifúndios); a penetração das raízes do eucalipto nos lençóis freáticos, prejudicando o abastecimento de água nas regiões, além de implicar na mudança do nível das águas fluviais. 3.4. SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA UNIDADE FABRIL DA EMPRESA DASS CLÁSSICO NO MUNÍCPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA Com a instalação de fábricas de calçados na Bahia, diversas empresas fornecedoras de componentes e acessórios para a produção calçadista e confecções, foram instaladas no estado, atraídas pelas ações de concessão de isenções fiscais, pelos investimentos públicos para a instalação das fábricas e pela possibilidade de ampliar sua produção e, consequentemente, seus lucros. Essas empresas de componentes, que no início dos anos de 1990 praticamente eram inexistentes na Bahia, passaram a se instalar e criaram uma complexa rede geográfica que dá suporte à manutenção das fábricas de calçados na Bahia. Até 2006, 23 empresas que fabricam acessórios e componentes para calçados estavam instaladas na Bahia, são elas: Artecola, localizada na cidade de Dias D’Avila, que fabrica cotraforme, couraças e forros; Baplastil, localizada em Feira de Santana e fabrica solado de poliuretano; Brasflex, instalada em Camaçari e fabrica artigos têxteis (alças, fitas, cadarços e fios) produzidos a partir de material sintético ou natural; Brisa S/A, localizada na cidade de Simões Filho e fabrica produtos de couro e forro sintéticos, a base de poliuretano; Cia das Etiquetas, localizada na cidade de Cruz das Almas e fabrica palmilhas para calçados; Colorgraf, localizada na cidade de Itapetinga e fabrica estampas e etiquetas transferência para 106 calçados; Curtume Mastrotto Reichert, localizada na cidade de Cachoeira, produzindo acabamento de couro para a indústria de artefatos de couro e de calçados e a fabricação de artefatos de couro; Diklatex Nordeste, localizada na cidade de Itapetinga, fabricando tecidos para calçados, tecidos para confecções, tecidos para móveis e tecidos dublados; Dubahia, localizada na cidade de Santo Antonio de Jesus e fabrica componentes para calçados, como dublagem industrial para calçados e adesivos em tecidos para calçados e confecções; Espra, localizada na cidade de Salvador e fabrica palmilhas para calçados; Fipan-tonet, localizada na cidade de Jequié e fabrica elásticos, fitas e cadarços para calçados e confecções; Fortik Nordeste, localizada na cidade de Conceição do Jacuípe, fabrica materiais de couro, partes, componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para calçados; Fortik Bahia, também localizada na cidade de Conceição do Jacuípe e fabrica compostos termoplásticos e elastômeros, adesivos, auxiliares para colagem e selantes; Killing, localizada na cidade de Simões Filho, produz adesivos para a indústria de calçados e móveis e de tintas industriais e prediais; Marfim Bahia, localizada na cidade de Cruz das Almas e produz cadarços e elásticos para calçados; Moschen Bahia, localizado na cidade de Cruz das Almas e produz palmilhas para calçados; Polibhela, localizada na cidade de Serrinha e produz solados de poliuretano para indústria de calçados em geral; Polytana, localizada na cidade de Simões Filho, produzindo solados e outros componentes para calçados; Empresa Rui Barbosa, localizada na cidade de Riachão do Jacuípe e produz fivelas, enfeites para calçados, navalhas, cintos, calçados, bolsas e afins; Sivam Bahia, localizada na cidade de Itapetinga, produzindo componentes para calçados; Solajit, localizada na cidade de Cruz das Almas produzindo solados e componentes plásticos para calçados; Una Química, localizada na cidade de Salvador e produz adesivos para calçados; Vinilex, localizada em Jequié e produz materiais de couro, partes, componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para calçados. Outras empresas de componentes assinaram protocolo de intenção no sentido de pleitear os benefícios concedidos pelo Governo da Bahia. Entre essas empresas estão: Beta Plástico, Emanual Colagens, Espugum Faberpeiper, ILP Têxtil, Kenda, Liko Bahia, Marcon Bahia, Projeto Moda, Texpal Tec Tecnológico. Ao todo, o investimento privado estimado para a implantação das empresas é de R$ 21.750.000,00. Os municípios indicados no protocolo de intenções para a implantação das fábricas de componentes foram: Milagres, Camaçari, Teixeira de Freitas, Jequié e Simões Filho. Além das empresas que fabricam calçados e acessórios para calçados, o estado da Bahia recebeu também outras empresas. Talvez o exemplo mais lembrado e discutido foi a 107 instalação da montadora nortemericana de automóveis Ford. A Ford foi instalada no município de Camaçari-BA. O BNDES financiou R$ 1,3 bilhão para a instalação da fábrica, com juros de 2% ao ano. Foram concedidas isenções de impostos de importação, de IPI, de imposto de renda sobre o lucro que a montadora tiver, e mais doação do terreno para instalação com toda a infra estrutura. As ações do Governo baiano para atração de fábricas de calçados envolvem também a atração de fábricas de componentes e acessórios. São várias as empresas nos últimos 10 anos (2000 a 2010), que receberam investimentos públicos para a instalação na Bahia, conforme se pode observar na Tabela 9. Tabela 9 Relação de empresas, investimentos e mão de obra - 2006 Empresa Investimento privado Investimento público Mão de obra (R$) – Protocolo (R$) - SUDIC empregada Artecola 4.970.000,00 5.000,00 26 Baplastil 1.240.000,00 .... 46 Brasflex 9.200.000,00 .... 38 Brisa S/A 20.000.000,00 138.189,80 143 Cia das Etiquetas 1.000.000,00 .... 45 Colorgraf 2.000.000,00 .... 46 Curtume Mastrotto 90.000.000,00 1.571.509,98 636 Diklatex Nordeste 4.000.000,00 .... 20 Dubahia 350.000,00 885.602,50 20 Espra 1.437.000,00 .... .... Fipan – tone 1.000000,00 130692,38 41 Fortik Nordeste 12.000.000,00 4.234.616,11 360 Fortik Bahia 0,0 .... .... Killing 5.000.000,00 .... 22 Marfim Bahia 1.500.000,00 .... 35 Moschen Bahia 2.000.000,00 .... 18 Polibhela 2.000.000,00 517.597,76 140 Polytana 7.500.000,00 797.899,36 59 Rui Barbosa 19.000.000,00 2.086.733,75 40 Sivam Bahia 500.000,00 .... 5 Solajit 800.000,00 79.319,79 42 Una Química 500.000,00 .... 13 Vinilex 12.000.000,00 1.080.000,00 129 TOTAL 197.997.000,00 11.527.161,43 1.924 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em dados da SUDIC, 2006 NOTA: .... Informações não disponíveis O grupo empresarial Dass Clássico consegue suprir a maior parte da necessidade desses componentes comprando materiais de fornecedores que já estão instalados na Bahia, mais 108 especificamente em fábricas localizadas no Polo Industrial de Camaçari. Mapa 6 – Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a produção de calçados na Bahia - 2010 109 Na Bahia, a falta de um agrupamento de fábricas em municípios vizinhos vai de encontro à ideia veiculada por órgãos estatais que afirmam existir no estado um “pólo calçadista”. Tornou-se frequente a associação do conceito de “pólos industriais” às fábricas calçadistas que se localizam no interior do estado. No entanto, o conceito de “pólo industrial” pressupõe um agrupamento de uma série de atividades industriais e empresariais que podem vir a estar relacionado entre si, o que não é o caso da indústria de calçados na Bahia. A fábrica de calçados, localizada na cidade de Santo Estevão-BA, desde 2006, passou a não contratar muitos fornecedores de outros estados para adquirir componentes para os calçados fabricados na Bahia. De acordo com um dos gerentes da fábrica de calçados em Santo Estevão-BA: Segue-se um conjunto de exigências da Nike quanto ao padrão de qualidade dos materiais. Há alguns anos todo o material era adquirido no Sul e Sudeste do Brasil. Atualmente adquirimos 90% do material em indústrias e fábricas que já se instalam na Bahia para acompanhar as indústrias de calçados que se instalaram neste Estado. Por exemplo: espuma, cola e EVA adquirimos no atacado, no Pólo Petroquímico, CIA e CIS. Alguns materiais, em casos eventuais, são importados da China (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2012). O funcionamento e operacionalização da rede da fábrica da empresa Dass Clássico pode ser dividido em pelo menos quatro instâncias principais: 1- Relação entre as empresas que formam a holding; 2 - as marcas internacionais que contratam o serviço da Dass Clássico; 3 a relação com os fornecedores de componentes e acessórios; 4- as marcas sob o comando da própria empresa. Pode-se notar a organização da corporação na Figura 6. Figura 5 - Grupo empresarial Dass Clássico – 2011 FONTE: elaborada por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em trabalho de campo e entrevistas. 110 Produzindo diversas marcas de calçados internacionais, a Dass Clássico tem no mercado consumidor das regiões Sudeste e Sul do Brasil seu principal destino de vendas, conforme depoimento de gerentes da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: [...] a fábrica Dass Clássico em Santo Estevão sempre teve como alvo principal produzir para o mercado interno; em casos eventuais produzimos para suprir o mercado argentino. Nos últimos anos vem crescendo muito a demanda no mercado interno, principalmente para o Sudeste, devido aos índices de crescimento econômico do país. O mercado consumidor do Brasil se ampliou muito (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 02/05/2011). Desta forma, entre as empresas que compõem o grupo Dass Clássico existe uma relação administrativa e produtiva que funciona em rede e que evidencia uma divisão espacial do trabalho. As unidades fabris pertencentes à antiga empresa Clássico, na maioria dos casos, especializaram-se na gerência administrativa e na produção de confecções esportivas; as ordens de distribuição, local de produção e diálogo com os fornecedores são gerenciados por este segmento da rede corporativa. Por outro lado, as unidades que pertenciam à antiga Dilly incorporaram a produção quase que total de calçados, que em sua maioria são vendidos para a região Sudeste do Brasil. 111 4. O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS O espaço geográfico, assim como outras instâncias que compõem a sociedade (o tempo, a cultura, a política etc.), é influenciado e influencia diretamente a forma como a própria sociedade se reproduz. A organização do espaço é, ao mesmo tempo, uma condição fundamental para a efetivação da reprodução social ou do modo de produção em vigência. À medida que a sociedade muda em sua dinâmica econômica e social, o espaço geográfico também muda, concomitantemente, como forma de resposta e condicionamento aos novos processos e novas finalidades; isso ocorre em virtude de os processos sociais e o espaço geográfico estarem estritamente ligados de maneira indissociável. Evidenciando essa indissociabilidade entre sociedade e espaço geográfico, neste capítulo, destaca-se as principais implicações socioespaciais na cidade de Santo Estevão-BA, após a instalação da fábrica de calçados pertencente ao grupo empresarial Dass Clássico. Esse município foi inserido na lógica da rede de produção de calçados esportivos na escala nacional com instalação e operação da fábrica Dass Clássico, a partir de 2001. Características econômicas e sociais, que até 2001 vigoravam no município, passaram por redefinições, tanto na cidade como no campo, sobretudo na cidade. A tímida participação na economia do estado da Bahia, com destaque para a agricultura e pecuária, alterou-se com o incremento de uma maior quantidade de dinheiro em circulação, de trabalhadores que se inseriram no mercado de trabalho formal e proporcionou à economia local uma maior diversificação em termos de oferta de serviço, atração de novos empreendimentos comerciais e fluxo de pessoas. 4.1. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS Historicamente, a ocupação do espaço onde hoje se encontra os limites políticos do município de Santo Estevão-BA teve na pecuária e na agricultura as principais atividades econômicas. Majoritariamente praticada em pequenos e médios estabelecimentos rurais, é com a atividade agropecuária que o município se inseria na economia baiana, até 2002, produzindo principalmente feijão, milho, carne bovina e aves. A figura 7 esboça os principais 112 produtos comercializados por comerciantes e trabalhadores rurais, bem como as cidades que faziam parte do processo de trocas comerciais praticadas até 2002. Figura 6 – Produtos comercializados no município de Santo Estevão–BA, 2002 FONTE: Organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PDDU de Santo Estevão, 2001. Tendo parte de suas terras localizada no vale do Rio Paraguaçu, a zona rural de Santo Estevão-BA desenvolveu, ao longo dos anos, uma diversidade significativa de produção agrícola. De acordo com informações adquiridas junto aos dirigentes do sindicato dos trabalhadores rurais, a policultura, em pequenos e médios estabelecimentos rurais, constituíase em fonte de alimento e renda (via comercialização do excedente) para a maioria da população do campo. Com o passar dos anos, os estabelecimentos agrícolas foram sendo subdivididos ainda mais, pois, à medida que os chefes das famílias foram morrendo, deixaram as propriedades para serem subdivididas entre vários herdeiros. Conforme se pode observar na Tabela 10, a maior parcela dos estabelecimentos rurais no município possui dimensões 113 consideradas pequenas, levando-se em conta que o tamanho do módulo rural26, estabelecido pelo INCRA para o município de Santo Estevão-BA, é 50 hectares. A estrutura fundiária, no município, atualmente é caracterizada essencialmente por minifúndios que, devido às suas dimensões, pode dificultar a manutenção da população no campo, pois a produção agropecuária familiar se torna insuficiente. Tabela 10 Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006 Grupo de Área Mais de 0 a menos de 1 ha De 1 a menos de 2 ha De 2 a menos de 3 ha De 3 a menos de 4 ha De 4 a menos de 5 ha De 5 a menos de 10 ha De 10 a menos de 20 ha De 20 a menos de 50 ha De 50 a menos de 100 ha De 100 a menos de 200 ha De 200 a menos de 500 ha De 500 a menos de 1000 ha Estabelecimentos Área (ha) Estabelecimentos (%) Área (%) 2102 620 315 230 209 304 138 84 23 11 21 1 1082 895 754 793 922 2.108 1.910 2.605 1.534 1.564 6.296 X 45,38 13,38 6,80 4,96 4,51 6,56 2,98 1,81 0,50 0,24 0,45 0,02 5,14 4,26 3,58 3,77 4,38 10,02 9,08 12,39 7,30 7,44 29,94 X FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE.Censo Agropecuário 2006. X dado número omitido a fim de não individualizar a informação Essa caracterização da estrutura fundiária, efetivada ao longo do tempo, contribuiu para provocar, durante as décadas de 1980 e 1990, uma gradativa migração da população para os centros urbano-industriais mais “prósperos” (RMS, São Paulo, Rio de Janeiro etc.). A zona rural, após a instalação da fábrica de calçados na cidade de Santo Estevão, continuou com a tendência de perder população. A geração de empregos diretos e dos “empregos efeito renda”, estimulada pela presença da grande indústria de calçados, imprimiu uma nova dinâmica econômica e populacional. Devido à soma de dinheiro que é lançada na economia municipal, via pagamento de salários aos mais de 2.500 trabalhadores, a atividade terciária expandiu-se e se diversificou, absorvendo, assim, um contingente significativo de trabalhadores. A maior circulação de dinheiro na economia local pode ser evidenciada por meio do crescimento do PIB municipal 26 O módulo rural corresponde à área mínima necessária a um estabelecimento rural para que sua exploração seja economicamente viável. O cálculo para o estabelecimento do Módulo Rural para cada município é feito pelo INCRA e leva em conta os seguintes aspectos: tipo de exploração predominante; a renda média obtida com a exploração predominante; outras explorações que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda e da área utilizadas; conceito de propriedade familiar. 114 representado na Tabela 11. Tabela 11 Santo Estevão-BA: PIB Municipal – 1999 a 2007 Ano PIB (R$ Milhões) 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 49 54 60 85 102 116 141 151 180 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010. Como exemplo da geração de emprego, pode-se citar que, no mês de agosto de 2011, a economia do município de Santo Estevão-BA gerou 132 novos postos de trabalho, conforme os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). O índice colocou o município na sexta posição, no estado da Bahia, no ranking que mede a evolução do emprego formal em municípios com mais de 30 mil habitantes. Essa foi a melhor posição alcançada desde a criação do CAGED, em 1992. Durante o mês de agosto, foram admitidos 227 trabalhadores e demitidos 95. O crescimento do número de empregos formais e dos “empregos efeito renda” proporcionou também o crescimento do mercado consumidor local, passando por sua vez a exercer uma força de atração para novos empreendimentos comerciais, migração permanente e migração pendular proveniente de municípios vizinhos. 4.2. IMPLICAÇÕES SOCIESPACIAIS NA ZONA URBANA Na zona urbana de Santo Estevão-BA, durante a década de 1990, as atividades industriais que mais se destacavam eram as de confecções e a atividade de fabricação de tijolos e telhas nas olarias, correspondendo esses dois segmentos industriais a 64,14 % do 115 número de unidades produtivas, conforme se pode observar na tabela 12. Tabela 12 Unidades indústrias existentes em Santo Estevão/BA - 1996 Tipo de empresa Quantidade % Indústria de confecções 37 52,7 Olarias 07 11,4 Panificadoras 05 8,2 Serralherias 03 4,8 Serraria 03 4,8 Mobiliário 03 4,8 Refringerante 02 3,3 Moinho de milho 01 1,6 Beneficiadora de castanha de caju 01 1,6 Torrefação de café 01 1,6 Produtos de limpeza 01 1,6 Pré moldados de concreto 01 1,6 Móveis tubulares 01 1,6 TOTAL 61 100 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Prefeitura Municipal – 1996. A atividade comercial na cidade possui uma dimensão limitada no que se refere a diversidade e ao mercado consumidor atendido. A compra e venda de produtos e alimentos diversos eram feitas em pequenas mercearias ou na feira livre local que se realiza aos dias de sábado. Não existiam lojas ou supermercados que fossem filiais de outras empresas e que se articulassem a um conjunto de outras lojas espalhadas pelo país ou pelo estado da Bahia. Na maioria dos casos, as empresas existentes não possuíam outros pontos comerciais ou filiais, e sua área de influência comercial dificilmente ultrapassava os limites do município. Pode-se afirmar ainda que, nesse período, anterior à instalação da fábrica de calçados Dass Clássico, a circulação de mercadorias e a atividade econômica eram menos expressivas e os serviços menos diversificados. Para além das determinações escalares globais e nacionais que contribuem para a análise e explicação da instalação de uma atividade fabril em determinado país ou região (cujos principais fatores são a reestruturação produtiva, divisão internacional e territorial do trabalho, expansão das relações capitalistas), existem as determinações ligadas a alguns agentes sociais que possibilitam a efetiva instalação de unidades fabris em determinado local. Uma das instituições responsáveis pela atração da fábrica de calçados para o município de Santo Estevão-BA foi a Prefeitura Municipal, por meio do prefeito, entre os anos de 1997 e 2000. Segundo entrevista concedida pelo prefeito que governou o município na época das 116 negociações para a instalação da fábrica de calçados, foram diversas as reuniões realizadas na SUDIC, no sentido de entregar a pauta de solicitações da prefeitura ao Governo do estado. O então prefeito do município, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), solicitou reuniões com o então Governador do estado da Bahia (Paulo Ganem Souto), com o objetivo de encaminhar uma pauta do que seriam (segundo ele e sua equipe de governo) as necessidades mais urgentes para a “melhoria das condições de vida da população do município”. Entre as dez necessidades esboçadas pelo prefeito, o governador estabeleceu que devessem ser escolhidos os três pedidos considerados mais importantes. Assim, o prefeito de Santo Estevão escolheu a instalação de um posto de saúde, uma escola de ensino médio e a instalação de uma fábrica. As características da fábrica a ser instalada não foram discutidas. De acordo com o prefeito: Eu não sabia qual seria o tamanho da fábrica e nem queria estabelecer o tamanho. O que era mais importante e urgente na época era a geração de empregos. Os jovens estavam tendo que migrar para outras cidades, como Salvador ou São Paulo, para poderem trabalhar e sobreviver. Quando a fábrica começou a funcionar eu percebi que ela era muito mais grandiosa do que eu imaginava. Eu imaginava que gerasse uns 400 ou 500 empregos, mas para minha surpresa são mais de 2000 postos de trabalho. Até hoje sou muito grato ao Governador Paulo Souto e me sinto comprometido a votar nele em todas as eleições que ele participar (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 05/06/2012). Considerando os argumentos do ex-prefeito de Santo Estevão-BA, pode-se destacar que o Governo do estado da Bahia, nesse processo, deu mostras de que não existiam estudos prévios que pudessem avaliar, mesmo que a priori, as repercussões econômicas e as implicações socioespaciais da instalação de uma grande fábrica de calçados sobre a economia e a população local. No processo de instalação da fábrica, o Governo do estado cedeu provisoriamente a infraestrutura com a construção dos galpões, viabilizando assim o efetivo funcionamento do empreendimento industrial calçadista. Antes da instalação efetiva dos galpões, a prefeitura concedeu a isenção de impostos por 10 anos. O terreno onde a fábrica foi instalada, pertencente à família do então prefeito, foi considerado de utilidade pública pela prefeitura e pela SUDIC e foi desapropriado mediante indenização seguindo os trâmites legais. No ano de 1999, por meio do Decreto nº 7.583 de 26 de maio de 1999, o Governo do estado autorizou a SUDIC, com o apoio da Procuradoria Geral do Estado, a promover a desapropriação do terreno na sede do município, com o intuito de utilizá-lo para a implantação da fábrica de calçados. Mesmo com a existência de terrenos públicos municipais às margens da rodovia BR 117 116, que legalmente, via Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em 2002, foram considerados área para a instalação de empreendimentos industriais e atração de atividades correlatas, a fábrica de calçados foi instalada próxima ao centro urbano e comercial. Conforme se pode observar no Croqui 1, o “distrito industrial” do município de Santo Estevão-BA, que fica localizado à margem Sul da rodovia BR 116, deveria ser o local onde os empreendimentos econômicos atraídos para o município fossem instalados, no entanto a fábrica de calçados teve suas instalações erguidas próximo ao centro da cidade e em uma zona de expansão habitacional. Croqui 1 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001. FONTE: PDDU de Santo Estevão, 2001 (Adaptado pelo autor). 118 A circulação de centenas de operários pelas ruas da cidade, nas horas de entrada e saída da fábrica e no horário de almoço, contribui para que os moradores da cidade evitem trafegar de um extremo a outro da cidade nesses horários, devido à grande quantidade de trabalhadores que ocupam as ruas se deslocando a pé, utilizando bicicletas, motos e automóveis. A velocidade do deslocamento dos trabalhadores, nas ruas da cidade, costuma ser alta, pois os mesmos têm pouco tempo para o almoço (90 minutos) e tentam chegar o mais rápido possível às suas residências, que geralmente estão localizadas na periferia da cidade. Acidentes com vítimas fatais já foram registrados por conta desse deslocamento intenso. A decisão de instalar a fábrica de calçados próximo ao centro da cidade é uma ação da empresa no intuito de evitar o pagamento de auxílio transporte e concessão de alimentação aos trabalhadores. Figura 7 – Trabalhadores saindo da fábrica Dass Clássico (2012) FONTE: pesquisa de campo feita por Ildo Rodrigues Oliveira (2012) A necessidade de deslocamento mais rápido por parte dos trabalhadores contribuiu para que a venda de motocicletas aumentasse consideravelmente nos últimos 6 anos, conforme 119 Tabela 13. A partir do levantamento feito por meio de aplicação de questionário aos trabalhadores da Dass Clássico em Santo Estevão-BA, constatou-se que 65% dos trabalhadores possuem motocicletas, dos quais 52% informaram tê-las adquirido após estarem trabalhando na fábrica. Essa aquisição de meio de transportes se explica, entre outras coisas, em virtude de a empresa Dass Clássico não oferecer transporte a seus funcionários; a distância entre o local de moradia e o local de trabalho exige um meio mais rápido de deslocamento. Vale ressaltar que três redes de lojas revendedoras de motocicletas se instalaram na cidade de Santo Estevão-BA (a Motopel, Yamaha e a Shineray) atraídas pela crescente demanda de motocicletas. Tabela 13 Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009 Ano Automóvel Caminhão Camioneta Micro-ônibus Motos Ônibus Outros 2006 2007 2008 2009 2011 1.789 1.932 2.101 2.353 2.923 171 189 193 206 238 377 420 451 469 604 61 65 65 63 75 2.305 2.779 3.282 3.848 5.076 29 29 29 35 51 609 731 898 1.055 1.331 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base SIDE (Sistema de Dados Estatísticos), SEI, 2011 (www.sei.ba.gov.br) A área delimitada legalmente por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do município de Santo Estevão, elaborado no ano de 2001, para a implantação de empreendimentos industriais, ficou fora dos interesses do poder público quando da instalação da fábrica de calçados. O PDDU de Santo Estevão denomina a área destinada à instalação de empreendimentos industriais como sendo um “Distrito Industrial”, porém o mesmo não possui órgão público específico que gerencia sua estrutura. Apenas uma fábrica de embalagens plásticas (Paraguassú Embalagens) se encontra instalada nessa área; essa fábrica não fornece embalagens plásticas para a fábrica Dass Clássico e sim para os comerciantes locais que, devido ao crescimento do mercado consumidor local, demandam maior número de embalagens para a venda de mercadoria nas lojas, supermercados e mercearias. Com o descumprimento dos planos de uso e ocupação da terra urbana contidos no PDDU do município, houve implicações substanciais sobre a dinâmica socioespacial da cidade de Santo Estevão-BA. A instalação da fábrica próxima ao centro urbano contribui diretamente para a valorização de imóveis/edificações e terrenos; para a especulação imobiliária. A migração de população tanto de cidades vizinhas quanto da zona rural do próprio município – que se desloca a procura de emprego tanto na fábrica de calçados quanto 120 no comércio – contribui para o crescimento dos valores de terrenos e habitações na cidade. Atualmente, algumas propriedades têm alcançado uma valorização tão significativa que as habitações são vendidas /compradas levando-se em conta a valorização do terreno e não da habitação em si. O m² de terreno no centro comercial da cidade de Santo Estevão-BA pode chegar a custar R$ 5.000,00. Até 2002, o grande destaque na atividade industrial, na cidade de Santo Estevão, era a produção de confecções em micro e pequenas empresas. Devido à fábrica Dass Clássico produzir calçados esportivos com materiais sintéticos, os quais dispensam o manuseio do couro natural, as habilidades adquiridas por uma quantidade significativa de trabalhadoras na costura de confecções podem ter facilitado a adaptação ao corte e à costura de materiais sintéticos para a confecção dos calçados. Há destaque para a indústria de confecções que se desenvolvia em pequenas fábricas, correspondendo, entre as poucas atividades fabris existentes à época, a 52,73 % das unidades de produção, o que, em números absolutos, correspondia a 37 fábricas. O número de estabelecimentos industriais não se alterou significativamente após o efetivo funcionamento da fábrica de calçados, conforme Tabela 14. Tabela 14 Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006 Tipo de Atividade Número de Número de pessoas unidades ocupadas 2000 2006 2000 2006 Comércio 295 489 637 1.210 Indústria de transformação 33 36 97 2.764 Intermediação financeira 2 34 X 22 Transporte e armazenagem 10 27 17 66 Construção 16 32 24 84 Atividade imobiliária 20 29 29 51 Alojamento e alimentação 8 18 18 85 Total 384 665 822 4.282 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE – 2008. NOTA: X Dado numérico omitido a fim de não individualizar a informação. Com a absorção da força de trabalho dos 2.700 operários na linha de produção e lançamento de aproximadamente R$ 1.800.000,00 via pagamento de salários, a intensificação e o crescimento dos fluxos comerciais e o adensamento populacional urbano, a atividade econômica que mais cresceu em números absolutos foram as empresas comerciais. Novas lojas de rede de eletroeletrônicos, material de construção, supermercados, farmácias, provedor de internet etc. chegaram a cidade. As novas lojas se instalaram, segundo informações da Câmara de Dirigentes Lojistas 121 (CDL), devido ao aumento do potencial de consumo registrado nos últimos anos. Em questionário aplicado com cem trabalhadores da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA, notou-se que 34% deles declararam ter adquirido mais de um bem de consumo durável após estarem trabalhando na fábrica. Na Tabela 15, estão relacionados os bens mais citados pelos trabalhadores. Tabela 15 Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de bens - 2010 Tipo de bem de consumo adquirido Número de trabalhadores Celular 27 Aparelho de DVD 14 Rádio 13 Televisão 11 Fogão 9 Geladeira 8 Máquina fotográfica 4 Computador 2 Máquina de lavar 2 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo, 2010 e 2011. A atividade comercial alcançou uma representatividade mais forte na economia local, a população urbana superou em números absolutos a população rural e novas atividades econômicas começaram a se desenvolver, gerando mais renda e empregos. No entanto, os empregos gerados se limitam a pagar o mínimo de salário exigido por lei. A maior parte da renda fica concentrada nas mãos de uma parcela reduzida da população ou é drenada para outras localidades via bancos e lojas. A divisão do trabalho entre a cidade e o campo se tornou mais acentuada. As empresas que se instalaram em Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica, não têm vínculo direto com a rede produtiva de calçados; a maioria dessas empresas é eminentemente terciária (comerciais e prestadoras de serviços à população). Em Santo Estevão-BA, a fábrica Dass Clássico não utiliza insumos, produtos, matérias-primas ou componentes produzidos localmente, pois, no município, não existem empresas que possam fornecer tais produtos para a fabricação de calçados esportivos. A ausência de fábricas de componentes para calçados, bem como outras fábricas de calçados no município de Santo Estevão-BA, contribui para a não existência de uma APL, como ocorre nos moldes dos existentes em algumas localidades do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, onde 122 os curtumes, a pecuária, as fábricas de papel, papelão, cola, tinta, vernizes, plásticos e serviços, além dos ateliês de calçados, têm um vínculo permanente com a produção de calçados de couro. De acordo com os dados disponíveis no censo do IBGE (2010), o número de pessoas empregadas na atividade comercial em Santo Estevão-BA quase dobrou entre os anos de 2000 e 200627 (de 637 para 1.210), enquanto o número de pessoas empregadas nas indústrias de transformação multiplicou-se por 28 vezes28. A progressiva atração e o surgimento de novas empresas comerciais na cidade são potencializados com a geração de empregos diretos e “empregos efeito renda”. Algumas das atividades mais relevantes que surgiram na cidade foram as revendedoras de motocicletas Motopel (Honda), Yamaha e Shinerai, supermercado “Tododia”, lojas de eletrodomésticos “GBarbosa” e “Guaibim”, loja “Real Confecções”. A multiplicação de lojas e empresas que potencialmente atendem à demanda criada no município está ligada a empresas pequenas, médias e grandes, potencializando também a hierarquia urbana exercida pela cidade de Santo Estevão-BA sobre as cidades mais próximas (Ipecaetá, Rafael Jambeiro e Antonio Cardoso). Os dirigentes da CDL reconhecem um aumento substancial do comércio devido à presença da fábrica de calçados. Eu acredito que um percentual em torno de 30% a 40%. Minha opinião se baseia na quantidade de lojas que existem hoje em Santo Estevão e no movimento que você tem justamente em períodos que os funcionários [da fábrica de calçados] recebem seus salários. ............................................................................................................................. O percentual de crescimento do número de lojas é bem maior do que o percentual de crescimento do consumo. Eu observo que há 15 anos o número de lojas de confecções, que é o ramo que eu atuo, era bem menor. Eu acho que na ordem de uns 60% a 70%. Quando eu falo nestes números, eu falo de todas as lojas, não só as maiores, mas lojas menores, lojas de bairro que começaram a existir. O comércio de Santo Estevão era concentrado aqui no centro. Hoje você já chega a um bairro e vê lojas bem arrumadas (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira). Observa-se que a atividade comercial que ganha destaque na cidade está ligada também aos pequenos empreendimentos que se espalham pelos chamados “bairros”. A partir da análise dos dados adquiridos junto à secretaria de finanças do município (SEFIN), pode-se constatar que houve um crescimento substancial e constante de estabelecimentos comerciais, no intervalo de 8 anos que vai de 2002 a 2010, conforme a Tabela 16 pode evidenciar. 27 O número de pessoas empregadas no setor terciário do município de Santo Estevão-Ba, em 2000, era de 637. No ano de 2006, o número de trabalhadores empregados no setor terciário era 1.210. 28 Vale ressaltar que, segundo os dados do IBGE e da SEI, apenas uma fábrica classificada como integrante do setor da indústria de transformação se instalou no município de Santo Estevão-BA, entre os anos de 2000 a 2006; que nesse caso é a fábrica de calçados. 123 Tabela 16 Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas comerciais (2002 - 2010) Tipo de atividade comercial Lojas de variedades Mat. de construção Oficinas mecânicas Papelaria Lan house Emp. de alimentos Supermercados Mercearias e mercadinhos Fábricas de confecções Lojas de móveis e eletrodomésticos Lanchonetes e padarias Restaurantes Farmácias Salões de beleza e barbearias Emp. de transporte Construtoras Número de novas empresas por intervalo de tempo (anos) 2002 a 2004 2005 a 2007 2008 a 2010 30 06 18 02 03 03 02 29 02 02 09 02 06 06 00 01 97 03 13 01 03 03 03 11 03 02 02 03 03 02 03 04 134 07 13 02 04 07 04 22 05 05 07 03 03 02 09 06 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEFIN de Santo Estevão – 2011. Esses dados não podem ser compreendidos separados da dinâmica populacional que passou a prevalecer no município, entre os anos de 2000 e 2010. Devido ao crescimento populacional e econômico, a cidade de Santo Estevão-BA adquiriu uma nova dinâmica de circulação com o aumento do adensamento da população na cidade, com uma evidente expansão do comércio que ocupa os espaços mais antigos e valorizados e que tende a se prolongar nas vias principais, sobretudo por conta da maior circulação de consumidores. O comércio cresce e se expande por diversas ruas da cidade, concentrando casas comerciais na praça principal, a Praça 7 de Setembro, na Rua Benjamim Constant, Av. Castro Alves, Rua Marechal Floriano Peixoto, e a Praça Lineu Cerqueira da Silva. Os dados a respeito da migração pendular podem indicar um aumento na dinâmica espacial adquirida pelo município, sobretudo se considerado o número de cidades de destino e de origem das pessoas que saem ou chegam a Santo Estevão. Segundo a CAR (1996), em 1995 quatro municípios mantinham movimentos pendulares com o município de Santo Estevão, quais sejam: Amélia Rodrigues, Antonio Cardoso, Feira de Santana e Salvador. Tanto o número de municípios de destino quanto o número de municípios de origem do movimento pendular, em 2010, sinalizam uma ampliação espacial das relações funcionais do município de Santo Estevão-BA com os que participam dessas relações. 124 Tabela 17 Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório pendular - 2010 Só trabalha Só estuda Número de municípios de Número de municípios de destino origem Saída Entrada Saída Entrada 16 9 880 149 152 61 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010. Esse movimento populacional contribui para a fixação de novos moradores na cidade de Santo Estevão-BA. Segundo dados da Secretaria de Obras do Município (SEOBS), a média de construção de casas residenciais na cidade dobrou em comparação ao período anterior à instalação da fábrica de calçados (a média de construção de casas por ano era de 150 até 2001, enquanto a média de construções por ano após a instalação da fábrica é de 300 casas); os estabelecimentos comerciais passaram a ocupar as principais vias de circulação (principais ruas e avenidas da cidade). Nas últimas três décadas, o município em estudo passou por um processo relativamente rápido de crescimento da população urbana, com um percentual de 17,82% em 1970, 47,86% no ano de 2000 e 58% em 2010. Há evidência de que o processo de crescimento da população urbana estava ocorrendo mesmo antes da instalação da fábrica de calçados e que o mesmo processo foi acelerado pela atração que essa atividade econômica provoca sobre a população rural, sobretudo por conta da capacidade da fábrica de calçados em absorver um grande contingente de força de trabalho. A taxa de crescimento demográfico do município como um todo, que era de 1,9% entre as décadas de 1970 e 1980, declinou para 1,2 ao ano (1991 a 2000), manifestando saldo migratório ligeiramente negativo. No entanto, após a instalação da fábrica de calçados em 2001, segundo se pode deduzir dos dados divulgados pelo IBGE, entre os anos de 2000 e 2010, o município de Santo Estevão-BA teve o maior saldo de crescimento demográfico em comparação aos municípios vizinhos. Entre os anos de 1996 e 2000, o município de Santo Estevão-BA, obteve índice percentual de crescimento demográfico de 5%, sendo que o município de Feira de Santana, a maior e mais dinâmica economia do “Território de Identidade Portal do Sertão”, atingiu um índice de 6,5%. Os números evidenciam um maior crescimento demográfico do município em estudo. O destaque do crescimento populacional de Santo Estevão-BA em comparação aos municípios vizinhos é evidente, e pode-se considerar está evidência como um dos fatores que demonstram o crescimento econômico. Conforme se pode visualizar na Tabela 18, o crescimento demográfico do município de Santo Estevão-BA. 125 Tabela 18 Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010 Número de habitantes Municípios 2000 2010 % crescimento Antonio Cardoso 11.620 11.548 -0,62 Cabaceiras do Paraguaçu 15.547 17.327 11,45 Feira de Santana 480.949 556.756 15,76 Ipecaetá 18.383 15.334 -16,59 Rafael Jambeiro 22.600 25.555 13,08 Santo Estevão 41.145 47.880 16,42 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010. Entre os anos de 2000 e 2010, período em que a fábrica de calçados começou a funcionar no município de Santo Estevão-BA, o índice percentual de crescimento demográfico superou o índice do município Feira de Santana. O primeiro obteve um crescimento demográfico de 16,42%, enquanto Feira de Santana-BA obteve um crescimento de 15,76%. Esses dados demonstram que a dinâmica econômica adquirida pelo município atraiu uma quantidade significativa de população que migra em busca de emprego. Nesse processo, o município que perdeu o maior contingente de habitantes foi Ipecaetá cuja característica econômica é alicerçada na agropecuária tradicional e dista 12 km da cidade de Santo Estevão. A sede do município de Santo Estevão-BA durante o período de 1970 a 2000, manteve uma taxa de crescimento populacional de mais de 5% ao ano, em consequência do fluxo migratório rural. Em períodos anteriores à instalação da fábrica de calçados, o município já apresentava uma tendência de concentração da população na cidade, paralelamente à diminuição da população rural. Concomitante a este processo de migração, também cresceu a venda de alimentos, confecções, medicamentos, produtos de uso doméstico e bebidas, sendo que esses últimos representam a maioria e está sendo disseminados por todo o município, inclusive em vilas e pequenos povoados rurais que até então não possuíam tais atividades o que forçava os moradores a se deslocarem para a cidade a fim de adquirirem as mercadorias necessárias à sobrevivência. Com o processo de crescimento mais acelerado da cidade, por conta da instalação da grande fábrica de calçados Dass Clássico e da geração de empregos diretos e “empregos fator renda”, entre os anos 2001 e 2009 a principal vertente econômica que obteve maior acréscimo nos preços correntes foi o setor de serviços, conforme números apresentados na Tabela 19. 126 Tabela 19 Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor de atividade (R$ mil) – 2003-2008. Ano Tipo de adicional 2001 2009 Valor na agropecuária a preços correntes 3.954 14.890 Valor na indústria a preços correntes 7.655 58.953 Valor nos serviços a preços correntes 43.997 171.167 Impostos a preços correntes 4.653 19.917 PIB a preços de mercado correntes 60.259 264.767 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010. As localizações mais favoráveis ao uso terciário e à especulação com a terra urbana fizeram com que os terrenos aumentassem significativamente de preço. Com o crescimento populacional na cidade, o número de empresas que se ocupam da construção civil dobrou entre os anos de 2000 e 2006, somando, respectivamente, 16 e 32 unidades. De modo geral, os contingentes populacionais adicionados à cidade, muitos deles trabalhadores da fábrica de calçados, não possui condições econômicas favoráveis à aquisição de imóveis – terreno, habitação na cidade –, haja vista o crescimento do valor dos terrenos urbanos, sendo obrigado a construir suas residências ou adquirir terrenos em locais “periféricos29” afastados do centro da cidade. O número de domicílios, na cidade de Santo Estevão-BA, foi ampliado consideravelmente entre os anos de 2000 a 2010. Por outro lado, o número de domicílios rurais praticamente não foi alterado, apontando para um índice de crescimento muito pequeno. A demanda crescente por domicílios na cidade contribuiu para a ampliação considerável do número de casas, segundo se pode constatar por meio da Tabela 20. Tabela 20 Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes - 1996 a 2010 Ano Número de domicílios urbanos Número de domicílios rurais Número absoluto % Número absoluto % 1996 3.160 38,5 5.040 61,5 2000 5.095 44,6 5.212 55,4 2010 7.778 59,8 5.348 40,2 FONTE: organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.sidra.ibge.org.br 29 O termo periférico é utilizado aqui como periferia social e não simplesmente como periferia espacial. 127 Conforme se pode observar no Croqui 2, a expansão da zona urbana entre os anos de 2000 e 2010 é significativa. Croqui 2 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo e PDDU, 2001. Com o encarecimento dos terrenos e das moradias na cidade, principalmente nos locais próximos à fábrica de calçados e às áreas de uso terciário da terra urbana, muitos trabalhadores (sobretudo os da fábrica da Dass Clássico) alugam, coletivamente, casas nas áreas de expansão habitacional urbana como estratégia de diminuir o impacto dos custos com 128 moradia sobre o salário. Existem casas que são compartilhadas entre 10 e 12 pessoas, conforme relato de um dos integrantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão. Eu tenho um filho que divide o aluguel de uma casa entre várias pessoas. Chega a ter umas 10 a 12 pessoas morando na mesma casa, para não pagar aluguel caro. Na cidade de Santo Estevão, o valor do aluguel aumentou muito nos últimos tempos. Tem famílias inteiras dividindo o mesmo teto. ............................................................................................................. A cidade inchou muito nos últimos anos, cresceu demais. Os jovens que moram na zona rural querem vir para a cidade e trabalhar na fábrica ou no comércio, não querem mais lidar com a roça. As pessoas que ficam na zona rural geralmente são pessoas mais velhas, que já estão aposentadas. (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 10/12/2011). As falas registradas por meio das entrevistas supracitadas confirmam os dados adquiridos por meio de pesquisa de campo, na qual se constata que 52,7% dos trabalhadores da Dass Clássico não possuem casa própria, conforme se pode observar na Tabela 21. Tabela 21 Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que possuem casa própria - 2010 Possui casa própria Número absoluto % Sim 42 38,2 Não 58 52,7 Não responderam 10 9,1 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em pesquisa de campo, 2010 e 2011. A geração de emprego principalmente para os trabalhadores mais jovens (entre 18 e 30 anos), e o crescimento da atividade comercial motivado pela instalação da fábrica são apontados por autoridades do município como elementos capazes de proporcionar melhorias na qualidade de vida não só dos trabalhadores da fábrica e do comércio, mas também para população santoestevense de modo geral. No entanto essas autoridades se esquecem de mencionar o processo de exclusão de muitos trabalhadores do acesso à moradia e à infraestrutura disponível nos locais mais centrais da cidade. O grande número de jovens, que estão exercendo o primeiro emprego na fábrica de calçados, teria dificuldades de se inserir no mercado formal de trabalho, caso esse empreendimento que é a fábrica não fosse instalado na cidade de Santo Estevão-BA. As características e a dinâmica econômica do município, antes da chegada da fábrica, não 129 ofereciam condições de absorção dos trabalhadores no mercado formal de trabalho e não havia organizações comunitárias e associação estruturadas para desenvolver projetos para o desenvolvimento local que pudessem proporcionar alternativa de renda à população. Esses fatores poderiam influenciar parte dos jovens a migrar para os centros econômicos mais dinâmicos do estado da Bahia ou para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme questionário aplicado com os trabalhadores da fábrica Dass Clássico, pode-se observar na Tabela 22 que a maioria está exercendo o primeiro emprego formal. Tabela 22 Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de calçados - 2010 Primeiro emprego Número absoluto % Sim 79 72 Não 23 20,8 Não responderam 8 7,2 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues, com base em pesquisa de campo, 2010 e 2011 As implicações sociais não ficam restritas à oferta de empregos formais. A respeito da oferta de serviços públicos básicos (principalmente saúde e educação), pode ser mencionado que o crescimento do número de habitantes na cidade aumentou a demanda por vários serviços: infraestrutura, abastecimento de água, transporte, iluminação etc. Por exemplo, o número de consumidores residenciais de energia elétrica e água encanada cresceu nos últimos anos no município, conforme se pode constatar na Tabela 23. Tabela 23 Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água encanada, 1985 - 2011 Ano Número de residência Energia elétrica Água encanada 1985 2.119 1.995 1995 4.392 4.079 2011 13.667 10.077 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em CAR, 1996; SEI, 2011. De acordo com os dados disponíveis pela SEI, o índice que fez com que o município em estudo tivesse a maior perda de posicionamento, com relação aos outros municípios da Bahia, foi o de infraestrutura. O crescimento da demanda por conta da instalação e funcionamento de diversas empresas comerciais e o crescimento da população urbana contribuiram para tornar a infraestrutura existente obsoleta ante ao crescimento econômico 130 dos últimos 10 anos. Conforme se pode observar na Tabela 24, o índice de infraestrutura foi o que apresentou maior perda relativa. Tabela 24 Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e sociais entre os municípios da Bahia – 2002 a 2006. Índices Anos 2000 2002 2004 2006 Índice de Desenvolvimento Econômico 67ª 68ª 54ª 80ª Índice de Desenvolvimento Social 109ª 111ª 123ª 161ª Índice da Renda Média por Chefe de Família 72ª 117ª 117ª 117ª Índice de Produto Municipal 65ª 82ª 67ª 65ª Índice de Infraestrutura 65ª 59ª 56ª 163ª Índice de Qualificação da mão-de-obra 71ª 54ª 41ª 43ª Índice do Nível de Educação 207ª 90ª 204ª 173ª FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SEI – BAHIA, 2010. Disponível em http://www.sei.ba.gov.br (acesso em 01/02/2012 Essa perda relativa na posição, quanto ao índice de infraestrutura, ocorre em virtude da demanda de serviços públicos e privados que foi criada nos últimos anos. Em entrevista feita com o ex-prefeito do município, que teve sua administração exercida entre os anos de 2000 e 2008, ele discorreu sobre as implicações da instalação e funcionamento da fábrica de calçados sobre a cidade de Santo Estevão. De acordo com o ex-prefeito: Quando a fábrica chegou para aqui só se falava na geração de empregos, mas ninguém aprofundava a discussão sobre as consequências da fábrica, das demandas, na moradia, na saúde, quanto isso passava a exigir; da própria mobilidade urbana, com quatro mil motos para satisfazer hoje os empregados da fábrica; restaurantes. Isso impacta no município todo no que se refere aos serviços públicos (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 15/02/2012). O crescimento do número de trabalhadores formais acarretou a atração de população de municípios vizinhos para trabalhar na fábrica, produzindo uma maior demanda por serviços públicos. Um exemplo disso é que, com a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, sobretudo com a fábrica Dass Clássico absorvendo 1.300 trabalhadoras na produção de calçados (que representam aproximadamente 50% da força de trabalho empregada), muitas crianças, filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras, são deixadas em creches clandestinas, haja vista a diminuição do tempo das mães em seus lares devido à inserção no trabalho fabril durante 8,5 horas por dia. Devido à falta de um número suficiente de creches públicas ou particulares autorizadas a funcionar e capazes de atender a demanda crescente nos últimos anos, muitas famílias de trabalhadores da fábrica de calçados deixam seus filhos em “creches improvisadas”. Em muitos casos, as “creches” não possuem as mínimas condições de salubridade e estrutura 131 física necessárias para estarem em funcionamento. Essas creches clandestinas, obviamente, não atendem às exigências legais estabelecidas pelo ministério da educação (MEC), no que tange a infraestrutura, existência de profissionais com formação técnica necessária para cuidar das crianças. Segundo o Decreto Lei número 5.452 de 1º de Maio de 1943, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que versa sobre a obrigatoriedade da oferta de creches, toda empresa com pelo menos 30 mulheres com idade acima de 16 anos de idade é obrigada a manter local onde as mães possam deixar seus filhos até seis meses de idade. A Portaria 3.296 de 1986, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estabelece que a empresa poderá, em substituição à exigência da oferta de creche contida na CLT, adotar o sistema de “auxílio-creche”. No entanto, a empresa Dass Clássico não oferece esse auxílio às funcionárias de sua fábrica localizada na cidade de Santo Estevão-BA. Como consequência do processo de surgimento de creches clandestinas, no ano de 2009, o Conselho Municipal de Educação (CME) acatou denúncia contra a creche “Cantinho do Bebê” por essa não possuir autorização de funcionamento e condições adequadas para abrigar recém-nascidos e crianças. Por meio de relatório elaborado a partir da visita dos conselheiros municipais de educação ao local da creche, averiguou-se que a mesma não atendia os pré-requisitos para o funcionamento. Em reunião do CME, os conselheiros votaram pela interdição da creche. Nesse processo, foi verificado que a maioria dos bebês e crianças que frequentavam o local eram filhos de trabalhadores da fábrica de calçados. A demanda por creche, para abrigar essas crianças, tornou-se tão evidente que, em 2010, foi iniciada, ao lado da fábrica de calçados, a construção de uma instituição escolar pública especializada na educação infantil, para suprir parte dessa necessidade. As demandas em prestação de serviço cresceram paulatinamente com o crescimento também do Produto Interno Bruto per capita do município e com o crescimento do número de habitantes na cidade. Apesar de o cálculo do PIB per capita não ser um dado que represente a realidade concreta do acesso de toda a população aos recursos monetários existentes, pois se trata de uma média aritmética, os números demonstrados por esse índice podem indicar o crescimento da circulação de dinheiro na economia local. A partir do ano de efetivo funcionamento da fábrica de calçados Dass Clássico, no referido município, até o ano de 2007, o PIB municipal cresceu 112%. Esses índices representam uma média de crescimento de 20,4% para o PIB municipal entre os anos de 2002 e 2007. Pode-se considerar que a economia de Santo Estevão-BA criou um vínculo de dependência do crescimento econômico estimulado pelo funcionamento da fábrica de 132 calçados, haja vista que 95% da população empregada formalmente na indústria de transformação, a partir de 2002, estão trabalhando na Dass Clássico, bem como os empregos criados no comércio local, devido ao “efeito-renda” provocado pelo pagamento de salários aos trabalhadores da fábrica, que consequentemente estimula o consumo, aumentando a demanda por mercadorias e serviços. Conforme se pode visualizar no Gráfico 4, o PIB municipal cresceu significativamente a partir da instalação e funcionamento da fábrica de calçados. Gráfico 4 Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a 2007. Evolução do PIB Ano FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010. Esses dados não só podem comprovar a dependência da economia local com relação à fábrica de calçados, mas também oferecem margem para projeções socioespaciais futuras, sobretudo se levantar a hipótese de a empresa desativar30 a fábrica de calçados localizada em Santo Estevão-BA. A prática da marginalização espacial por parte da empresa Dass Clássico pode provocar efeitos socioespaciais de empobrecimento generalizado da população, com o grande número de desempregados. Por outro lado, caso a fábrica permaneça instalada nessa cidade, os casos de doenças como LER e DORT, além dos acidentes de trabalho e mutilações 30 Devido às condições de competitividade no mercado de produção e comercialização de calçados, as corporações podem desativar unidades produtivas localizadas em determinadas regiões e instalar em outras, sempre em busca de maior lucratividade. Existem exemplos contundentes de empresas instaladas no estado do Rio Grande do Sul que deixaram milhares de trabalhadores desempregados devido à prática da marginalização espacial. 133 podem atingir uma quantidade muito grande de trabalhadores. 4.3. IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL Com a tendência à migração da população rural em direção à cidade (principalmente a população mais jovem), como resultado do fracionamento dos estabelecimentos agropecuários e o não surgimento de novas atividades econômicas no campo, capazes de absorver a força de trabalho, a zona rural de Santo Estevão-BA apresenta uma tendência ao decréscimo do número de habitantes. Essa tendência de diminuição da população rural começou a ocorrer mesmo antes da instalação da fábrica de calçados na cidade. Esse prognóstico traz consequências importantes para a vida das pessoas na cidade, haja vista a necessidade de os comerciantes locais adquirirem, em outras localidades, os produtos alimentícios que antes eram adquiridos através da produção agrícola familiar do próprio município. Há, nesse caso, uma reconfiguração na divisão territorial do trabalho, no sentido de que a economia do município passou a desenvolver novas atividades econômicas, sobretudo com o crescimento da atividade terciária na cidade, com aquisição de produtos em outros locais. Conforme Tabela 25, pode-se observar que a tendência de aumento da população urbana e diminuição da população rural já ocorria, mesmo antes da instalação da grande fábrica de calçados. A absorção de trabalhadores na produção de calçados na cidade apenas fez acelerar o processo já existente de concentração da população na zona urbana. Tabela 25 Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010 População Área 1970 1980 1990 2000 2010 Urbana Rural TOTAL 4.530 20.880 25.410 7.404 23.465 30.869 12.654 24.353 37.007 19.693 21.452 41.145 27.690 20.190 47.880 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010 Alguns produtos alimentícios que antes eram cultivados na zona rural, passaram a ser adquiridos em localidades longínquas para atender a demanda criada pelo crescimento da população urbana. O crescimento do setor terciário e o aumento do consumo estimulam a 134 divisão territorial do trabalho no sentido de que uma quantidade maior de produtos que são vendidos no próprio município é adquirida em outros locais, conforme Mapa 7. Mapa 7 – Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira Livre de Santo Estevão – BA, 2011. 135 A produção municipal é responsável por apenas uma pequena parte do abastecimento de verduras, feijão, hortaliças e carnes, na feira livre. A maior parte das mercadorias comercializadas é oriunda de municípios da região e até de outros estados, como é o caso de Pernambuco, por exemplo, no fornecimento de confecções vendidas nas barracas na feira, fato que se torna interessante, pois as “fábricas” 31 de confecções tinham um destaque relevante na economia do município de Santo Estevão-BA, até o ano 2000. De acordo com informações concedidas pelos próprios feirantes, cerca de 80% dos produtos vendidos na feira são adquiridos fora do município. Os municípios que formam a rede de vendedores são: Feira de Santana, Cruz das Almas, Amargosa, Rafael Jambeiro, Ipecaetá e Antônio Cardoso. Na feira livre, os pequenos agricultores comercializam os seus produtos (cereais, grãos, frutas, verduras, pequenos animais) e, com o dinheiro acumulado das vendas, fazem as suas compras. Conforme questionário aplicado a 80 feirantes, observa-se que uma quantidade significativa deles reside na cidade de Santo Estevão-BA; são pessoas que compram as mercadorias nas mãos de agricultores ou comerciantes vindos de municípios vizinhos, geralmente denominados de atravessadores32. O número de feirantes de outros locais supera o número de feirantes que residem na zona rural de Santo Estevão-BA, conforme se pode observar na Tabela 26. Tabela 26 Santo Estevão-BA: local de residência dos feirantes entrevistados, 2011. Local de residência % Santo Estevão (zona urbana) 46 Santo Estevão (zona rural) 28 Ipecaetá 10 Feira de Santana 8 Antônio Cardoso 6 Itatim 2 FONTE: pesquisa de campo do autor. Entre os diversos produtos que são comercializados na feira livre de Santo EstevãoBa, pode-se destacar: farinha de mandioca e feijão; verduras, frutas, legumes; derivados de mandioca; peixes, aves; confecções; arreios de animais; bijuterias, perfumarias; cerâmicas, chapéus esteiras e sacolas de palha, entre outros. 31 No município de Santo Estevão-BA existem aproximadamente 32 pequenas fábricas de confecções. Muitas destas fábricas não têm registro formal; são, às vezes, classificadas pelos moradores locais como “fábricas de fundo de quintal”. 32 A presença do atravessador é comum nas feiras livres das cidades do interior da Bahia. Segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA, grande parte da produção agrícola municipal é comercializada na feira livre por atravessadores. 136 4.4. ALGUNS INDICADORES SOCIOECÔMICOS Alguns indicadores socioeconômicos podem evidenciar as implicações socioespaciais ocorridas no município de Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica de calçados. De modo geral, o crescimento econômico quantificado por meio do aumento do PIB municipal tanto pode ser uma evidência do dinamismo econômico, como também pode esconder o aumento das desigualdades socioeconômicas típicas das localidades onde os grandes empreendimentos capitalistas são instalados. Um conjunto de outros indicadores quantitativos pode servir de base para a investigação e evidenciar os impactos socioespaciais negativos. O incremento de dinheiro na economia local pode criar uma inserção maior da população economicamente ativa, no mercado de trabalho formal, no entanto as riquezas tendem a se concentrar nas mãos de uma menor parcela da população, bem como a maior parte da renda gerada localmente é drenada para outros lugares por meio de lojas e bancos. A concentração de renda pode ser demonstrada por meio da evolução do índice de Gini33 no município em estudo, conforme Tabela 27. Tabela 27 Santo Estevão-BA: desigualdade de renda - índice de Gini, 1970 a 2006. Ano 1970 1975 1980 1985 1996 2006 Índice de Gini 0,725 0,722 0,740 0,732 0,703 0,826 FONTE: Projeto Geografar, 2011. Disponível em: www.geografar.ufba.br Levando-se em conta o índice de Gini, observa-se que, entre os anos de 1996 e 2006, a desigualdade de renda obteve um crescimento considerável. Enquanto houve uma circulação maior de dinheiro na economia local, a maioria dos trabalhadores da fábrica de calçados recebe salário mínimo (R$ 622,00), o que os insere no emprego formal com remuneração 33 O índice de Gini é um cálculo usado para medir a desigualdade social e apresenta dados entre os números 0 e 1, sendo que o número 0 corresponde a uma completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per capta) e o 1 corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um indivíduo, ou uma pequena parcela de uma população, detêm toda a renda e os demais nada têm). 137 mensal, porém as poucas alternativas de exercício de outra atividade profissional no município podem limitar a ascensão social. Enquanto uma parcela dos comerciantes locais lucra e concentra riqueza através da venda de mercadorias e serviços, a renda mensal dos trabalhadores é limitada ao mínimo. Apesar do crescimento da desigualdade econômica demonstrado pelo índice de Gini, a intensidade da pobreza34, no município de Santo Estevão, obteve uma redução relevante, conforme Tabela 28. Tabela 28 Município de Santo Estevão-BA: intensidade da pobreza, 1991 - 2003 Ano 1991 2000 2003 % Intensidade da pobreza 48,50 54,57 38,58 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base no Atlas do Desenvolvimento Humano, 2000 e IBGE, 2003. Considera-se, nesse caso, que o fato de a população passar a ter acesso ao trabalho formal seja um fator positivo, haja vista que essa formalidade no emprego praticamente não existia na zona rural e apresentava dificuldade de absorver a população economicamente ativa, por conta do número reduzido de estabelecimentos industriais (que se resumiam a pequenas fábricas de confecções), atividade comercial pouco diversificada e da baixa capacidade de consumo da população local. Com o emprego de 2.750 trabalhadores na fábrica de calçados da empresa Dass Clássico e mais os empregos gerados pelo efeito-renda no comércio local, muitos trabalhadores passaram a receber uma remuneração mensal de um salário mínimo. Essa remuneração, contudo, é 40% mais baixa que a média salarial dos trabalhadores da indústria de calçados no Rio Grande do Sul. O emprego na fábrica de calçados, além de não propiciar uma renda que garanta o acesso a bens de consumo mais sofisticados e diversificados, submete o trabalhador a um modelo de produção calcado no fordismo periférico e um taylorismo extenuador, alta rotatividade da força de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho repetitivo. 34 Apesar das intensas discussões a respeito do conceito de pobreza contidas nos documentos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em que alguns estudiosos, como Amartya Sen, tentam incluir uma visão multidimensional que abrange todas as necessidades humanas, optou-se, neste trabalho, por utilizar índices que colocam as pessoas “pobre” como sendo o indivíduo que não possui renda suficiente para ter acesso a bens e serviços essenciais, de acordo com os padrões vigentes em uma sociedade. 138 CONSIDERAÇÕES FINAIS A reorganização ou os “ajustes espaciais” promovidos por empreendimentos industriais, alicerçados na competitividade e na reestruturação produtiva, vem instalando fábricas de calçados por diversas regiões e localidades onde essas atividades produtivas não existiam ou possuíam uma baixa representatividade. A instalação de fábricas de calçados na Bahia, em particular no município de Santo Estevão-BA acompanha esses “ajustes espaciais” da indústria mundial com um importante papel exercido por políticas de Estado e por políticas de Governo via programas de isenções e incentivos fiscais. A presença de fábricas de calçados em municípios do interior baiano causa significativas implicações sociespaciais, sobretudo no que se refere à dinâmica populacional e na dinâmica econômica local, com um destaque significativo para as atividades do setor terciário na cidade. Na Bahia, a lógica da localização geográfica da indústria de calçados leva em conta um conjunto de fatores, tais como: proximidade de rodovias, disponibilidade de um número grande de força de trabalho com baixa remuneração, disponibilidade de energia elétrica, incentivos fiscais, sindicatos pouco combativos e desorganizados, política eleitoreira entre os grupos políticos que estão no comando dos governos estadual e municipal. No entanto, constata-se que se deve atribuir um papel importante às “práticas espaciais” no que se refere a manutenção do funcionamento da fábrica de calçados do grupo Dass Clássico, no município de Santo Estevão-BA. As “práticas espaciais” desenvolvidas localmente pela empresa são um fator primordial para viabilizar e manter a localização, como também os índices de produtividade e taxas de lucros. As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa Dass Clássico, como forma de manter as condições socioespaciais favoráveis à própria empresa, são: seletividade espacial, expansão espacial, marginalidade espacial, reprodução da região produtora. No entanto, no município de Santo Estevão-BA, as práticas espaciais mais evidentes e importantes são a seletividade espacial, a expansão espacial e a reprodução da região produtora. Quanto à seletividade espacial, observou-se que há, no município de Santo Estevão-BA, uma unidade de fabricação de calçados esportivos e uma unidade de comercialização de confecções e calçados ligados à empresa Dass Clássico. No processo de seleção dessa localidade, vários aspectos foram levados em conta: disponibilidade de força de trabalho abundante e com baixa remuneração, concessão de 139 isenção de impostos, concessão de terreno para a instalação da fábrica, concessão de infraestrutura, proximidade da rodovia BR 116. A expansão das unidades fabris do grupo Dass Clássico para o Nordeste, e em particular para a Bahia, colocou Santo Estevão-BA no hall das cidades que foram inseridas na rede coorporativa de produção de calçados. A prática de “expansão espacial” da empresa Dass Clássico instala unidades fabris de grande porte que absorvem uma grande quantidade de força de trabalho na linha de produção. A unidade fabril instalada na cidade de Santo EstevãoBA insere-se no bojo desse processo de expansão espacial da produção de calçados que se deslocam da região Sul e Sudeste do Brasil em direção ao Nordeste. A prática espacial desenvolvida pela empresa Dass Clássico, que tem uma maior evidência na cidade pesquisada, é a “reprodução da região produtora”. Devido à imagem negativa associada à fábrica de calçados, por conta dos casos de doenças que acometem os trabalhadores e da jornada exaustiva de trabalho repetitivo na linha de produção, a Dass Clássico desenvolve diversas atividades e ações no município e no interior da própria fábrica, a fim de amenizar as críticas e garantir a existência de pessoas dispostas a trabalhar na empresa. Foram identificadas as seguintes atividades relacionadas à prática de “reprodução da região produtora”: “relação com a comunidade”, em que a empresa abre oportunidades para a promoção de eventos para o recebimento de visitas técnicas, de familiares de trabalhadores e estudantes; descontos que podem chagar a 30% para os trabalhadores da fábrica e funcionários públicos que comprarem na loja “Dass Outlet”; oferta de patrocínio para eventos privados e públicos em todo o município, principalmente o patrocínio para as festas típicas (Festas Juninas); realização de passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos. Um dos eventos realizados pela empresa é a “Semana Dass”, que promove competições entre modalidades de talentos como arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética, entretenimento, ornamentação. No contexto de manutenção de produção e taxas de lucro da empresa, há uma divisão territorial do trabalho com suas respectivas espacializações e complementações. A empresa Dass Clássico instala suas unidades administrativas e fábricas em diferentes locais. Ao instalar uma grande fábrica de calçados em Santo Estevão-Ba, a Dass Clássico contribui para concentrar a atividade econômica e a renda na sede do município. Essa concentração da atividade econômica, sobretudo no setor terciário, promove o surgimento de novos serviços e atividades comerciais com uma determinada especialização, bem como a ampliação de alguns 140 serviços já existentes. As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e o funcionamento efetivo da fábrica de calçados provocaram mudanças socioespaciais importantes no município de Santo Estevão-BA. Isso porque a utilização de uma quantidade significativa da população economicamente ativa na linha de produção de calçados, com uma elevada rotatividade de trabalhadores, pode vir a se tornar um grave problema social por conta dos casos frequentes de mutilações de membros superiores e lesões associadas ao trabalho repetitivo que geralmente afetam os trabalhadores do setor industrial calçadista. Os empregos diretos originados pela instalação da fábrica de calçados, bem como os empregos oriundos do fator “efeito renda” tornaram-se as justificativas principais para a permanência da mesma no município. Há um discurso alarmista de que, caso a empresa decida, após o término da isenção de impostos, retirar as suas instalações e se deslocar para outra localidade, milhares de trabalhadores da linha de produção de calçados perderão seus empregos e outros milhares de trabalhadores do comércio local também podem ficar desempregados, haja vista a consequente diminuição do potencial de consumo da população e a retração do comércio que cresceu significativamente, nos últimos dez anos, em virtude da massa de dinheiro lançada na economia local, via pagamento de salário aos trabalhadores da fábrica. O discurso que coloca a fábrica de calçados como única possibilidade de manter os empregos desconsidera qualquer alternativa de atividade econômica cooperativa e associativista entre os trabalhadores e a comunidade local. Esse discurso reafirma o modelo que coloca a atividade industrial como única capaz de promover o “crescimento” nos moldes dos locais economicamente mais dinâmicos. A presença da fábrica Dass Clássico na cidade pesquisada exerce uma espécie de “comando” sobre a economia local. Apesar da inexistência de fábricas de componentes e acessórios que possam fornecer produtos para a fabricação dos calçados em Santo EstevãoBA , a fábrica exerce uma influência importante na atividade econômica de toda a cidade. As atividades terciárias locais criaram uma dependência da massa salarial que é injetada na economia via pagamento dos salários aos trabalhadores. Em período de pagamento dos salários dos operários da fábrica de calçados, as lojas e supermercados preparam seus estoques para atender à demanda. Toda essa dinâmica econômica deve ser compreendida na própria dinâmica do capitalismo e inserida no contexto da “guerra fiscal” entre os estados da federação, a grande competitivadade que alcançou o setor calçadista e as “práticas espaciais” desenvolvidas pelas 141 empresas. O grupo Dass Clássico, caso venha a ocorrer a desativação da fábrica em Santo Estevão-BA, pode vir a provocar o surgimento de um verdadeiro espaço marginalizado. As consequências da desativação podem ser inúmeras, entre elas pode-se citar a queda no potencial de investimento da prefeitura municipal, pois alguns recursos financeiros provenientes da arrecadação de impostos estão ligados ao crescimento do comércio local proporcionado pelo funcionamento da fábrica. Parte da arrecadação de impostos é utilizada para investimentos na educação pública, na infraestrutura urbana e na saúde. Com a redução do potencial de investimento da prefeitura, os serviços públicos podem se tornar mais precários. Ao promover a industrialização da forma que está sendo posta em prática há várias décadas, o Estado promove também o processo corriqueiro e dialético de concentração de riqueza, típico das áreas de industrialização tardia. O crescimento da desigualdade de renda, que alcançou um índice alto no município, segundo o índice de Gini (0,826), pode ser apontado como uma tendência que se aplica a outras localidades no atual padrão de competitividade da indústria de calçados. Porém, a desigualdade de renda em Santo Estevão-BA é um dado entre vários outros que evidenciam as implicações socioespaciais promovidas pela instalação da fábrica de calçados Dass Clássico. O perfil das atividades econômicas locais evidencia modificações nos últimos 10 anos (2002 a 2012). A tendência a uma concentração da população na zona urbana, atraída pela oferta de emprego formal na fábrica e no comércio, provoca uma relativa diminuição da população rural. Com essas características passando a envolver o espaço geográfico do município, podese afirmar que a ideia de desenvolvimento contida nos programas de Governo do estado da Bahia, principalmente no Programa DESENVOLVE, não foi atingida no que se refere à integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao desenvolvimento econômico e social. Assim, não houve uma integração com a economia local no sentido de promover o surgimento e a manutenção de atividades econômicas que pudessem fornecer insumos e matérias-primas à fabricação de calçados. As potencialidades locais e as características socioeconômicas, culturais e ambientais do município pesquisado foram deixadas de lado. Nesse sentido de exclusão de alternativas de geração de emprego e renda que levem em conta as características locais, caso a lógica da “guerra fiscal” não seja revista, por meio de uma nova proposta de repactuação federativa entre os estados da federação brasileira (como propõe Brandão, 2004), a disputa desenfreada por maiores investimentos produtivos pode provocar maiores desigualdades socioespaciais. A população local continuará sendo 142 conduzida rumo a um modelo de crescimento econômico cujo único objetivo é a possibilidade de maiores taxas de lucratividade para as empresas e não a diminuição das desigualdades sociais e econômicas típicas das localidades que estão sendo integradas à rede corporativa das grandes empresas de calçados. Esse crescimento econômico constitui um processo desequilibrado em que sua expansão pode submeter grande parte dos trabalhadores e da população a péssimas condições de vida. 143 REFERÊNCIAS ABDI; UNICAMP. 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