sonhando com uma escola nova
foto: Adriana Lorete
Na Bolívar, mais
solidariedade e o fim
do preconceito estão
na pauta dos sonhos
Sonhar para melhorar
A reforma na quadra
e o aumento do tempo
do recreio foram alguns
dos sonhos realizados
na Epitácio Pessoa
Alunos, professores e responsáveis são estimulados a pensar
o que querem para aperfeiçoar o ensino da sua escola
por Diana Dantas
M
áquinas de chiclete,
piscinas de Coca-Cola,
FASES DE
TRANSFORMAÇÃO
aulas de Francês, mais
1- SENSIBILIZAÇÃO
passeios
escolares, continuar o
2- TOMADA DE DECISÃO
3- O SONHO
Ensino Médio no mesmo colégio,
4- SELEÇÃO DE PRIORIDADES
e até entrar na toca de um co5- PLANEJAMENTO
elho e encontrar do outro lado
o acampamento Meio-Sangue
– local de treinamento de semideuses na série de livros e de filmes Percy Jackson. Esses desejos de adolescentes apareceram
na chamada etapa do Sonho para implantar uma
Comunidade de Aprendizagem em três escolas
municipais do Rio de Janeiro. Durante essa fase,
estudantes, professores e pais foram convidados
a pensar, juntos, o que querem para um futuro
melhor de suas escolas. Qualquer sonho é permitido – até entrar em cenários de livro.
Se há alguns pedidos que não têm como se
tornar realidade, surgiram, por outro lado, várias
medidas concretas que podem se tornar viáveis
e contribuir para a melhoria do ensino. No Ginásio Experimental Carioca (GEC) Epitácio Pessoa,
no Andaraí, foram conquistados uma reforma na
quadra, o aumento do tempo de recreio e do
uso do laboratório de Ciências, além de ainda ter
sido realizado um show de talentos, em que os
alunos dançaram, cantaram e encenaram peças
de teatro para um júri composto de um grupo
de professores. “A gente costuma escutar pouco
os alunos e os responsáveis menos ainda. Essa
etapa foi legal para termos uma ideia do que eles
estavam precisando. Assim podemos trabalhar
para melhorar. Claro, dentro do possível”, diz o
professor de Inglês da escola, Daniel Coelho.
Incentivar a maior participação dos pais é
um dos principais conceitos da Comunidade de
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Aprendizagem. O projeto, nascido na Universidade de Barcelona, na Espanha, foi desenvolvido a
partir de resultados obtidos em 14 países europeus, após 30 anos de pesquisa com base científica. A ideia é vencer a desigualdade na educação
e a evasão escolar por meio de maior interação
da comunidade com o colégio e a partir da aplicação de atuações educativas de êxito. Entre elas,
os grupos interativos, a biblioteca tutorada – atividades com ajuda de voluntários que visam à
melhoria do desempenho escolar – e as tertúlias
literárias, em que as crianças interpretam textos
clássicos a partir de seu ponto de vista.
A convite do Instituto Natura, a Secretaria
Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME)
levou a Comunidade de Aprendizagem para três
GECs, escolas de horário integral do segundo
segmento do Ensino Fundamental. “A proposta
do ginásio é construir um modelo de escola que
possa agregar valor à medida que ele recria o espaço escolar, com a colaboração de todos ao redor. A Comunidade de Aprendizagem vem nesse
mesmo sentido, ao trazer agentes externos para
colaborar com os espaços educativos. Por isso é
que eles se completam”, explica Bárbara Portilho,
gerente dos GECs, na SME.
A fase do sonho é uma das mais importantes
para mobilizar a escola e a comunidade em torno.
O GEC Bolívar, em Engenho de Dentro, precisou
de diversas reuniões envolvendo alunos, representantes de turma, professores e, por último,
os pais, que lotaram as escadas do colégio, em
novembro de 2013. Depois, os sonhos de cada
um foram separados em três categorias: os de
infraestrutura, os pedagógicos e os de convivência. “Como independe de verba, já estamos trabalhando em sala com os estudantes as questões
de convivência. Eles pediram mais companheirismo, mais solidariedade e o fim do preconceito e
do bullying, para o que sempre ficamos atentos”,
conta a professora de Humanidades, Teresa Cristina Zavalis.
No bairro de Ricardo de Albuquerque, o GEC
Coelho Neto passou pela terceira etapa, no início de abril. Para promover uma integração ainda
maior dos pais com a escola, o ginásio realizou
um evento, em parceria com a equipe do Instituto Natura, para falar do projeto e mostrar que
é possível sonhar. Os estudantes leram poemas
de Adélia Prado, Olavo Bilac e Clarice Lispector
sobre o tema e ainda foi tocada a música Mais
Uma Vez, de Renato Russo, para simbolizar o momento. Um dos trechos da letra diz:“Nunca deixe
que lhe digam que não vale a pena/Acreditar no
sonho que se tem/Ou que seus planos nunca vão
dar certo”.
Apesar de a escola ainda não ter passado pela
etapa do planejamento, em que os sonhos são
analisados para ser colocados em prática, a estudante Maria Luiza Silva, de 12 anos, 7º ano, já
sabe o que quer. “Gostaria de uma reforma no
auditório.Trocar as janelas que estão velhas e colocar ar-condicionado.” Sua amiga, Lívia Catharine
dos Santos, já pensa em um refeitório diferente.
“Queria que fosse self service, mas precisava
também consertar os bancos, que estão soltos, e
mudar as mesas velhas. Seria bom ainda ter mais
ventiladores, por conta do calor.”
Bárbara conta que a grande maioria dos desejos que chegaram à SME são como os de Maria
Luiza e Lívia. “Como o Rio de Janeiro é muito
quente, os sonhos, tanto dos meninos quanto dos
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Ao lado, Maria Luíza
e Lívia, da Coelho Neto.
A professora Verônica
e o ex-aluno Rogério
Ignácio da Bolívar
desenvolvem projetos
O pontapé inicial
Sonhar é o início de uma grande transformação. Por Carolina Briso
professores, têm pedidos de ar-condicionado e
piscinas. Alguns deles já estão sendo encaminhados. Como a questão da climatização das salas de
aulas, as piscinas nem sempre são possíveis, porque falta espaço físico. Esse é o papel do sonho,
não deixar a ideia parar naquele momento.”
A comunidade e o sonho
O que os pais verdadeiramente querem, entretanto, não passa apenas pela infraestrutura. “Meu
sonho é ver aqueles meninos e meninas que estão aqui se descobrirem, com a sensação no coração de que ‘eu posso fazer aquela determinada
coisa e posso fazer benfeita’. Queria que a escola
canalizasse isso, pois alguns costumam sair daqui
perdidos”, diz a decoradora Andréa Proença, mãe
de Ana Belle Proença, de 13 anos, do 8º ano da
Coelho Neto.
Andréa está constantemente envolvida nas
atividades da escola, desde a época em que sua
filha mais velha estudou no local. “Para mim, uma
das maiores dificuldades que a gente tem é a ausência dos pais. Acredito que as crianças se sentem valorizadas quando os pais estão presentes.
Vejo isso nos meus filhos”.
A diretora-adjunta do GEC Epitácio Pessoa,
Carla Aída, compartilha dessa percepção e por
isso explica o seu entusiasmo com a ideia da
Comunidade de Aprendizagem. “A gente sempre
quis fazer algo diferente que envolvesse mais os
responsáveis. Quando conhecemos o projeto,
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pensamos que era o que buscávamos para conseguir realizar esse trabalho melhor.” A diretora
da mesma unidade, Marly Cardoso, conta que
as mudanças geradas a partir de maior interação com os pais vão além das notas nas provas.
“A convivência costuma ser de professores de
classe média com alunos de classes mais pobres
e até miseráveis. Quando o pai está dentro da
escola, ele pode mostrar a realidade para aquele
professor. Ele traz o olhar, o ouvido e a fala da
comunidade para quem está ensinando.”
E não só os pais são bem-vindos a participar do cotidiano escolar e ser voluntários.Todos
são. Como Carlos Jorge dos Santos, de 15 anos,
estudante do 1º ano do Ensino Médio, na rede
estadual, e ex-aluno da Coelho Neto. “Voltei
porque gosto da escola. Como não tenho nada
para fazer em casa, venho para cá. Sinto muita
falta dos meus amigos. Cada um foi estudar em
um lugar diferente.”
Diferente de Carlos, Rogério Ignácio, de
17 anos, do 3º ano do Colégio Pedro II, tem uma
vida bem corrida. Estuda de manhã e faz ensino
técnico à tarde. Mesmo assim, ele consegue um
tempinho nas sextas-feiras para ser voluntário no
GEC Bolívar, que o preparou para passar em uma
das escolas de Ensino Médio mais concorridas e
renomadas da cidade. Detalhe: em 1º lugar entre
os alunos da rede municipal. “O colégio mudou a
minha vida. Então, se na minha vida eu puder ajudar o colégio, é uma questão de troca, de gratidão.”
Uma vez que a escola decidiu
implementar a proposta de Comunidade
de Aprendizagem, inicia-se a fase
do sonho. Esta é uma fase muito
importante para o projeto, o pontapé
inicial para o início de uma grande
transformação que se dará na escola.
Tal como afirmava Paulo Freire,
a educação precisa tanto de
educação técnica, científica e
profissional, como de sonhos
e utopias (1997).
E é assim que acontece numa
Comunidade de Aprendizagem. Primeiro
os professores passam por um processo
intenso de formação nas bases
teóricas e depois, toda a comunidade
escolar, professores, familiares e alunos
elaboram os sonhos que vão orientar
o caminho e as decisões da escola em
direção a uma educação de qualidade
para todos os alunos.
A etapa do sonho, além de ser
extremamente mobilizadora, ajuda a
superar as resistências e os obstáculos
entre professores e famílias que pela
primeira vez se juntam em busca do
mesmo objetivo: melhores resultados
para todos os meninos e meninas.
COMO ACONTECE?
Para organizar a fase do sonho,
uma comissão mista formada por
professores, familiares e alunos planeja
uma forma para recolher e juntar os
sonhos de toda a comunidade escolar.
Após o planejamento a ideia é
compartilhada e os preparativos para
o dia do sonho começam. Nesta fase,
vale tudo! Podem acontecer grandes
assembleias de sonho ou reuniões
mais pontuais, o importante é usar a
criatividade e mobilizar o maior número
possível de pessoas.
Por isso, é importante diversificar os
canais de comunicação e criar condições
para que todos se sintam convidados a
sonhar a escola que querem para seus
filhos e filhas. O sonho não precisa ficar
associado unicamente à participação em
uma reunião ou assembleia, essa etapa
do sonho pode durar meses, até garantir
que todas as pessoas, alunos, professores,
funcionários e familiares respondam à
pergunta: Que escola queremos?
Aparecem os mais diversos sonhos,
cada um pode sonhar à vontade,
embora ao longo do tempo todos se
percebam um sonho comum, mesmo
que expresso de maneira diferente:
querem uma educação melhor!
Depois de passar por uma fase plena de
desejos e utopias a comissão organizada
para o planejamento dessa etapa ainda
tem duas grandes ações pela frente:
A primeira é fazer com que os sonhos
fiquem à vista para todos aqueles
que frequentam a escola, sendo
uma importante ferramenta para a
manutenção das altas expectativas em
relação à aprendizagem dos alunos.
Em um segundo momento, a comissão
se reunirá para organizar os sonhos,
estabelecer as prioridades e planejar
os próximos passos em direção à
realização dos sonhos de todos.
Numa comunidade de aprendizagem,
a gestão dos sonhos acontece
por meio da formação de outras
comissões mistas de trabalho, que
se responsabilizam por resolver os
problemas de forma democrática e
alcançar os sonhos de forma solidária.
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Fazer - Comunidade de Aprendizagem