Revista Litteris – ISSN 19837429 Março 2011. N. 7 DOSSIÊ ESTUDOS ÁRABES & ISLÂMICOS Neoarabismo ou Novo Oriente Médio Gilberto Abrão1 Desde a queda dos últimos califados árabes e a subsequente ascensão do Império Otomano que os povos árabes sonham com uma união que vá desde o Golfo Pérsico até o Oceano Atlântico. Ou seja, uma potência populacional e geográfica unindo os árabes da Ásia aos árabes do Norte da África. Quando houve a Primeira Guerra Mundial, depois de mais de cinco séculos os árabes tiveram seu sonho renovado. Os ingleses e franceses prometeram aos árabes que dariam a eles a liberdade de fundarem o seu grande califado, caso ajudassem os aliados a combaterem os otomanos. Os árabes, que padeciam sob o jugo dos turcos otomanos durante cinco séculos, estagnados na idade média, sem escolas, sem direitos, empobrecidos, distanciando-se cada vez mais de uma Europa que passava por transformações rápidas, acalentavam o sonho de reconquistar as glórias passadas, toparam a parada. Ajudaram os aliados a derrotar os otomanos. Mas na hora de cumprir com o prometido, as nações ocidentais mandaram seus aliados árabes às favas. Exilaram o xeique de Meca que comandou dezenas de milhares de beduínos à reconquista de Damasco e 1 De origem árabe, Gilberto Abrão – autor do livro Mohamed, o latoeiro, lançado pela Primavera Editorial em 2009 – foi educado em um bairro simples de Curitiba, habitado por imigrantes poloneses, ucranianos, italianos, alemães e alguns sírio-libaneses. Aos 10 anos foi enviado pelo pai ao Líbano com a missão de aprender o idioma árabe, a cultura e a religião muçulmana. Aos 14 anos voltou ao Brasil e anos depois, em 1962, alistou-se como voluntário das Forças de Emergência das Nações Unidas para guarnecer as fileiras de soldados que atuavam na fronteira entre o Egito e Israel. Por ser fluente em árabe e inglês, permaneceu por 14 meses na Faixa de Gaza. Apaixonado por uma gaúcha, retornou ao Brasil em janeiro de 1965 para lecionar inglês em uma escola de idiomas. No ano seguinte, após obter o licenciamento para abrir uma franquia dessa escola de inglês, migrou para a cidade de Novo Hamburgo (RS). Na década de 1970 colaborou com o jornal Zero Hora, no qual publicava crônicas e contos na coluna Sol e Chuva. Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983 – 7429 - Edição Março 2011 Revista Litteris – ISSN 19837429 Março 2011. N. 7 DOSSIÊ ESTUDOS ÁRABES & ISLÂMICOS dividiram entre si os territórios conquistados. Coube aos ingleses a parte do leão. Por que houve essa traição? A resposta é simples. Já se sabia que o petróleo recém descoberto na região seria o sangue que haveria de correr nas veias da civilização ocidental. Não se admitiria que, um dia, os árabes voltassem a ser a potência que tinham sido na Idade Média, tendo sob seu controle aquele precioso e vital bem, presenteado a eles por Alá. Assim sendo, ingleses e franceses decidiram dividir os territórios conquistados em países dominados por clãs ou tribos e colocaram nos governos príncipes e reis de acordo com suas conveniências. Formaram-se, então, ascorruptocracias e cleptocracias espalhadas por todo o Oriente Médio e apoiadas pelos países ocidentais, agora com um membro mais forte e mais guloso, que eram os Estados Unidos. Aqui e acolá, entretanto, surgiam revoltas lideradas por intelectuais. Isso preocupava as potências ocidentais que temiam que, a qualquer momento, surgisse um líder suficientemente forte para catalisar toda a raiva e todas as frustrações dos povos árabes de forma a uni-los, política e geograficamente, e tornar realidade o velho sonho do califado do Golfo Pérsico ao oceano Atlântico. Nesse ínterim, surgia na Europa o movimento sionista que pregava um país para os judeus. Entre as várias opções, falava-se na Patagônia, na Amazônia, no Congo. Eis que então a fome uniu-se com a vontade de comer. Ou seja, as potências ocidentais adotaram o sionismo como sua causa e viram no movimento uma forma de separar os árabes da Ásia dos árabes da África, além de se livrarem do que eles consideravam “o problema judeu”. A Palestina caiu como uma luva. Separava a África da Ásia, tinha alguma conotação histórica e, logicamente, tinha ligações bíblicas com os judeus. Estava resolvido o problema. Tirava-se a população autóctone, os palestinos, e davam-se as terras aos judeus europeus. Desde então, os árabes têm sofrido mais humilhações e frustrações. A Palestina, como entidade, desaparecendo abocanhada aos pedaços grandes por Israel e os povos árabes sentindo-se impotentes, sob as mãos de ferro de seus governantes, que para agradar os Estados Unidos, alguns assinaram Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983 – 7429 - Edição Março 2011 Revista Litteris – ISSN 19837429 Março 2011. N. 7 DOSSIÊ ESTUDOS ÁRABES & ISLÂMICOS aviltantes acordos de paz com Israel (Egito e Jordânia) e outros simplesmente largaram de mão a causa palestina, a causa maior de todos os árabes. Os povos árabes jamais engoliram essas desonras. Acrescente-se a isso os crescentes índices de pobreza, as altas taxas de desemprego e a falta de perspectiva das centenas de milhares de jovens que se formam nas universidades árabes e está pronta a combinação perfeita para uma bomba relógio. Um desses jovens, Mohamed Ben Azizeh, formado em uma universidade da Tunísia, não encontrando trabalho para exercer a sua profissão, decidiu vender verduras em um carrinho para obter o sustento de sua família. Como ele não tinha licença para fazer esse tipo de trabalho um policial destruiu seu carrinho. Desesperado, Mohamed Ben Azizeh não achou outra alternativa a não ser imolar-se ateando fogo no seu próprio corpo. O que Ben Azizeh não sabia é que ele seria o mártir que poria fogo no estopim que haveria de explodir em muitos países árabes, tanto do Norte da África quanto da Ásia. O interessante é que esses levantes todos foram e estão sendo organizados através das redes sociais da Internet, especialmente do Facebook.Os jovens revoltosos árabes estão sabendo usar a tecnologia moderna a seu favor, para combater seus ditadores e seus cleptocratas. No futuro, essas revoltas serão estudadas como as revoluções do Facebook, da Internet ou qualquer outro nome pertinente. Mas que nome daremos ao componente filosófico-ideológico desses movimentos? Seria um panarabismo? Não; isso já foi tentado por Gamal Abdel Nasser na década de 60 e não deu certo. Talvez possamos chamá-lo de “Neoarabismo”, que seria um sentimento de orgulho por ser árabe, despertado depois de décadas de profunda letargia, ou, plagiando uma das inimigas dos árabes, a senhora Condoleezza Rice, secretária de estado no governo Bush, um “Novo Oriente Médio”. Só que esse Novo Oriente Médio seria de ideário diametralmente oposto ao que pregavam a senhora Rice e seu patrão. Portanto, o Ocidente – em especial os Estados Unidos e Israel – devem repensar suas táticas de lidar com os árabes para o futuro. Se todas essas revoltas tiverem sucesso, os árabes haverão de sentar-se às mesas de Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983 – 7429 - Edição Março 2011 Revista Litteris – ISSN 19837429 Março 2011. N. 7 DOSSIÊ ESTUDOS ÁRABES & ISLÂMICOS negociação de cabeça erguida, com orgulho restaurado e não com submissão. Terão coragem e força suficientes para fazer demandas justas e longamente esperadas dos americanos e israelenses. Bom para os palestinos. Finalmente. Revista Litteris – www.revistaliteris.com.br ISSN: 1983 – 7429 - Edição Março 2011