Agatha Christie
O cão da morte
Tradução de Alessandro Zir
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Sumário
O cão da morte............................................................. 7
O sinal vermelho......................................................... 29
O quarto homem........................................................ 54
A cigana...................................................................... 76
A lâmpada................................................................... 89
O receptor de rádio................................................... 100
A testemunha do promotor ...................................... 118
O mistério da jarra azul............................................. 145
O estranho caso de sir Arthur Carmichael................. 169
O chamado das asas................................................... 195
A última sessão.......................................................... 213
S.O.S........................................................................ 231
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O cão da morte
I
Quem primeiro me falou sobre o caso foi o correspondente americano William P. Ryan. Jantávamos em
Londres, na véspera do seu retorno a Nova York, e acabei
por mencionar minha ida a Folbridge no dia seguinte.
Ele levantou o rosto e perguntou espantado:
– Folbridge, em Cornwall?
Só uma em cada mil pessoas sabe que há uma
cidadezinha chamada Folbridge em Cornwall. O normal é associarem o nome à Folbridge de Hampshire. A
pergunta de Ryan me deixou curioso.
– Sim. Você conhece?
Ele deu de ombros e perguntou se eu conhecia uma
propriedade de lá chamada Trearne.
Fiquei mais interessado e disse:
– Pois bem. Na verdade, é para lá que estou indo.
É a residência da minha irmã.
– Mas que ironia do destino! – exclamou William.
Sugeri que ele parasse de fazer suspense e explicasse
de uma vez que história era aquela.
– Bem – disse ele. – Para fazer isso, tenho de lhe
contar uma experiência por que passei logo no início
da guerra.
Suspirei. Estávamos em 1921, e a última coisa que
eu queria era que me lembrassem da guerra. Graças a
Deus, estava começando a esquecê-la. Além disso, eu
suspeitava que aquilo que William P. Ryan tinha para
contar era uma dessas histórias intermináveis.
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Mas eu já não podia detê-lo.
– Como você deve saber, no início da guerra eu
estava na Bélgica, trabalhando como correspondente.
Numa cidadezinha... não importa o nome. Um verdadeiro fim de mundo. Mas havia lá um enorme convento.
Freiras vestidas de branco... como é que são chamadas?
Não me lembro do nome da ordem. Bem, não importa.
Esse pequeno burgo estava bem no caminho das tropas
alemãs. Os boches chegavam...
Comecei a me mexer na cadeira, nervoso. William
P. Ryan ergueu a mão para que eu me acalmasse.
– Não se preocupe. Esta não é uma história das
atrocidades dos alemães. Até podia ter sido, mas não
foi. Para falar a verdade, foram eles que se deram mal.
Rumaram na direção do convento e, quando chegaram
lá, a coisa foi pelos ares.
– Oh! – disse eu, assustado.
– Estranho, não? No início, imaginei que os boches
estivessem celebrando alguma coisa e feito alguma macacada com os próprios explosivos. Mas parece que eles
não traziam consigo nada do tipo. Estavam longe de ser
os reis da dinamite. Mas, então, eu lhe pergunto: o que
é que um bando de freiras iria entender de explosivos
violentos?
– É mesmo estranho – concordei.
– Eu quis ouvir a opinião dos camponeses. Eles estavam por dentro de tudo. Tratava-se de um verdadeiro
milagre moderno, cem por cento genuíno e de eficácia
comprovada. Parece que as freiras eram conhecidas.
Havia entre elas uma aspirante a santa, que entrava em
transe e tinha visões. A façanha foi obra dela. Invocou
um raio para dar fim aos malditos boches e acabou com
eles bem direitinho, e também com tudo que estava ao
redor. Um milagre de grande eficácia!
William fez uma pausa e depois continuou:
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– Nunca descobri direito o que aconteceu. Não tive
tempo de investigar. Era a época dos milagres. Falava-se de anjos protegendo as tropas britânicas na Batalha
de Mons e não sei o que mais. Escrevi uma história de
arrancar lágrimas, carregando no lado religioso, e enviei
ao meu editor. O jornal vendeu como água. Nos Estados
Unidos, adoravam essas coisas.
William me olhou desconfiado, depois acrescentou:
– Não sei se você me entende... mas, ao escrever sobre o assunto, acabei me interessando. Eu queria saber o
que realmente aconteceu. No lugar, não havia nenhuma
pista. Só duas paredes ficaram de pé. Em uma delas, a
explosão deixara gravada a figura enorme de um cão.
“Os camponeses tinham horror daquela marca,
que chamavam de o cão da morte, e à noite jamais iam
naquela direção. Essas superstições são curiosas. Eu
fiquei com vontade de ver a tal santa que provocara
aquilo tudo. Corria o boato de que ela não morrera e
fora à Inglaterra com um bando de outros refugiados.
Ao investigar o seu paradeiro, descobri que estava em
Trearne, Folbridge, Cornwall.”
Assenti com a cabeça.
– No início da guerra, minha irmã recebeu muitos
refugiados belgas. Cerca de vinte – eu falei.
– Bem... sempre tive vontade de conhecer a santa.
Queria ouvir da boca dela a história do desastre. Mas
acabei me envolvendo com outros problemas e esquecendo do assunto. Quem é que vai a Cornwall, afinal?
Um lugar tão contramão... Para falar a verdade, nem
me lembrava mais de nada disso até você mencionar
Folbridge agora há pouco.
– Vou perguntar à minha irmã... Ela deve saber
algo a respeito. Mas já faz tempo que os belgas foram
repatriados, é claro.
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– Eu sei. Mesmo assim, caso sua irmã se lembre de
alguma coisa, qualquer informação me interessa.
– Não se preocupe. Repasso para você tudo que ela
souber – disse eu, cordial.
E essa foi a nossa conversa.
II
Só voltei a me lembrar da história dois dias depois
da minha chegada em Trearne. Eu e minha irmã tomávamos chá no terraço.
– Kitty, entre os seus refugiados belgas não havia
uma freira? – perguntei.
– Você se refere à irmã Marie Angelique?
– Acho que sim... Fale-me dela.
– Meu Deus! Que criatura mais estranha. Ela ainda
está por aqui, você não sabia?
– O quê? Na casa?
– Não, não. No vilarejo. Você se lembra do dr. Rose?
Assenti com a cabeça.
– Aquele senhor octogenário?
– Não! Esse era o dr. Laird, que já morreu. O dr.
Rose veio para cá só há alguns anos. É muito jovem e tem
a cabeça cheia de novas ideias. Ele ficou extremamente
interessado pela irmã Marie Angelique. Ela tem alucinações e coisas do gênero, que do ponto de vista médico
são fenômenos curiosíssimos. Coitada, não tinha para
onde ir. Completamente maluca, se você me entende...
Bem, como eu dizia, ela não tinha para onde ir, e o dr.
Rose arranjou para ela um lugarzinho no vilarejo. Parece
que ele está escrevendo um livro... não! Uma monografia
sobre o caso.
Ela fez uma pausa e depois perguntou:
– Mas o que você sabe sobre ela?
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