Vou votar na Marina. Ela não é evangélica? É sim. Evangélica e minha candidata. É curiosa a reação que vem depois que eu anuncio meu voto na Marina. “Mas você?” “Nunca imaginei que alguém cursando o doutorado em Ciências Sociais votaria no PV.” “Você não é ateia? Vai votar em crente?” Muitos já me ouviram pronunciar a frase: “Tem duas coisas que eu não tolero: preconceito e crente”. Soa como piada, mas é justamente para provocar onde começam os preconceitos de cada um. No ano da campanha “Quem é de axé diz que é”, vejo contraditoriamente uma vontade de inibir que a Marina se declare evangélica. E por ela insistir em ser evangélica, vem a vontade de negar a ela o direito de se candidatar, de se apresentar como alternativa contemporânea nessas eleições, por causa de suas crenças. Bem, nessas eleições estou dando uma chance ao meu lado menos preconceituoso. Preconceito que certamente foi construído por péssimos exemplos de pastores evangélicos que adentraram na vida parlamentar no DF e renderam casos e casos de corrupção. Não há dúvida sobre os maus exemplos. Mas é de uma intolerância extrema imaginar que se pode julgar por completo os fieis em função dos erros de algumas lideranças. Vale observar como se soube publicamente que Marina é evangélica. Sua conversão se deu em 1997. Enquanto ela esteve dentro do projeto petista de governar, essa informação circulava em poucos corredores de Brasília, e sempre em tom de surpresa, pois sua conduta não é de alguém que usa o espaço público para evangelizar. Imperfeições todos carregamos, mas a postura de Marina, de separar suas crenças pessoais de suas bandeiras políticas, ainda que imperfeitamente, é reconhecida. Sua postura incansável de defender a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol é um grande exemplo. Nunca vou esquecer de uma frase dita por ela no auge da polêmica: “Temos condições de cultivar arroz em diversos locais. Mas uma civilização como aquela, que acredita que o Monte Roraima é a fonte da vida, não se cria em outro lugar”. Nosso estereótipo vulgar não dá conta de imaginar um evangélico defendendo outra crença assim. É como se nossos evangélicos brasileiros fossem os fundamentalistas islâmicos para os americanos. Hoje, há em curso uma estratégia de deslegitimar a candidatura de Marina. Enquanto Marina não oferecia risco a outros projetos, era tida como a “reserva moral” do PT. Ao que se criticava o governo PT, se ponderava: “Mas veja só, temos gente como a Marina em nossos quadros”. Era um exemplo. Ao decidir corajosamente entregar o posto de ministra em maio de 2008 e de se desfiliar do PT em agosto de 2009, Marina disse em voz alta que seu apego a um novo projeto de desenvolvimento era maior do que o apego a cargos e estruturas partidárias – “Perco a cabeça, mas não perco o juízo”, disse. Para quem não dá conta de compreender tamanho desapego do poder burocrático, soa como insolência a candidatura de Marina. De repente, espalham-se rumores como: “Se aprovar o aborto no Congresso, a Marina vai vetar.” “Já imaginou, ter aulas sobre criacionismo nas escolas?”. Esse tipo de comentário me remete à campanha de 89. O Lula iria colocar famílias sem-teto para morar com socialites da Zona Sul, porque isso era a reforma urbana que ele iria fazer. Lembram? Difamação barata, mas que ganhava espaço, pois dialogava com medos e preconceitos de quem não conhecia nem Lula e nem o PT. Quanto mais eu observo esse tipo de difamação contra Marina, mais empatia eu crio com sua candidatura. É como se estrategicamente se esquecesse de seu desempenho como senadora pelo PT (sempre advogando em temas relacionados aos direitos humanos, meio ambiente e educação). Como se estrategicamente se esquecesse que ela foi a ministra que mais convocou processos participativos (além da Conferência Nacional pelo Meio Ambiente, inovou ao envolver milhões de jovens nas escolas nas 3 edições da Conferência Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente). Como se ela não fosse fundadora da CUT. Como se o início de sua militância política não tivesse ocorrido na clandestinidade. Tudo some diante da religião de Marina. Misteriosamente, a trajetória de Marina desaparece das análises pretensamente politizadas e de esquerda. Ela vira uma candidata retratada como rasa, evangélica, alinhada ao grande capital. Quem votou em José de Alencar como vice por duas vezes hoje olha Guilherme Leal e diz: veja como ela se vendeu. Esse tipo de crítica eu não compro. Há críticas sim que devem ser feitas, e duvido que alguém tenha tentado fazer essas críticas sem ter achado alguém do Movimento Marina Silva disposto a dialogar. É claro que me incomoda não ter um anúncio claro da Marina sobre união civil (amor independe de bens) de casais homo-afetivos. Gostaria que estivesse em seu programa de governo a possibilidade de adoção de crianças por casais homo-afetivos também. E vou trabalhar para isso. Lula demorou algumas eleições até chegar ao ponto de dizer que pessoalmente é contra o aborto, mas apoia a descriminalização por questão de saúde pública; não sei porque a preguiça de convencer Marina agora. E sei que, dos três candidatos eleitoralmente viáveis, Marina é a mais democrática. José Serra desmerece explicações, tanto pela explícita falta de instâncias de decisão colegiadas em seu modo de governar como pela sua forma de tratar/tratorar correligionários. Dilma não é petista, foi quadro técnico brizolista do PDT até pouco tempo atrás, não partilha da trajetória de conquista da participação do PT (o caso Belo Monte fala por si). A germinação da candidatura de Marina, inicialmente contra sua vontade, pelo coletivo do Movimento Marina Silva, reforça a diferença. Leonardo Boff (que nunca acompanhei muito por achar muito cristão) disse que Marina era o Lula melhorado. É a frase que resume Marina para mim. O melhor cenário seria Marina como candidata do PT. Vejo o melhor do PT representado em Marina. Marina é um quadro que o PT não devia ter perdido e Dilma um quadro que o PT não precisava ter ganho. E, sinceramente, acho que dar uma chance ao PT, em vez de votar em Dilma como muitos petistas inconformados com Dilma mas ainda seus eleitores afirmam que farão, é deixar o PT perder a eleição para lembrar o que se propôs a ser. Infelizmente, a candidata do PT (ou de Lula) é Dilma. Coligada com o que há de pior do PMDB. A visão soviética de desenvolvimento de Dilma ganhou o apetite do PMDB por obras e licitações. Em vez de “save the planet”, vamos “pave the planet” 1. Dilma me parece tão tecnocrata quanto Serra, com o brinde de contar com hábil operador fisiológico da política como vice, enquanto que Serra ganhou um boneco de posto na chapa. Não digo que não há diferença entre PSDB/DEM e PT/PMDB. Sem dúvida a política social de um governo demo-tucano é tímida e insuficiente para um país como o Brasil. Mas a visão de país, de política, de sociedade e sustentabilidade dos dois também me parece insuficiente e já domesticada pelo status quo nos seus pilares mais negativos (elitismo num caso e corrupção em outro). Votarei na Marina animada com as potencialidades que sua campanha traz para a política, em especial pela forma que sua candidatura foi germinada, pelo Movimento Marina Silva quando ela ainda estava no PT. As “Casas de Marina”, comitês domiciliares, sem dúvida ajudam a democratizar o “fazer político”, sem precisar de intermediações de lideranças ou capas. Há, claramente, limitações e desafios a serem superados. Um deles é a organização do PV. Torço para que nessa campanha conquistemos quadros políticos capazes de qualificar o partido. Não porque governar com o melhor do PT e o melhor do PSDB, como Marina deseja, seja um problema. O próprio PT fez isso no Acre por anos, antes da verticalização. Mas para que se conquistem prefeituras em 2012, para se disseminar experiências de participação e gestão autênticas e inovadoras, como o PT fez anos atrás. Quero que o PV tenha quadros para indicar em grandes capitais para as Secretarias de Obras, de Transportes, de Relações Institucionais e de Governo, para mostrar que é capaz de ir além e fazer diferente em sua refundação política. E mais do que isso, quero que, nas capitais que o PV ganhe a prefeitura, que convide quadros desfiliados de partidos políticos para mostrar que se faz política, se criam projetos, se governa com partidos políticos, mas não só com eles. Esse vai ser o grande legado do Movimento Marina Silva e dessa campanha eleitoral. Renata Florentino, socióloga - @tataflorentino 1 “salve o planeta” e “asfalte o planeta”