Hoje, durante a reunião da Comissão “Anísio Teixeira”, fiquei sabendo sobre a morte de
Maria Rosa, mãe de Honestino Guimarães. É muito triste, mas também causa
indignação saber que ela morreu sem saber onde e quando Honestino foi assassinado.
Quando o Teatro de Arena da UnB recebeu o nome de Honestino, eu estava na
graduação. Eu escrevi um texto para ser lido durante a cerimônia. Depois da leitura do
texto, me lembro que Maria Rosa disse ao microfone que fazia tempo que ela não se
emocionava tanto ao ouvir palavras sobre seu filho. O que mais a emocionou foi o fato
de que o texto dizia que Honestino não era um herói ou mártir, e sim um estudante
idealista. Então, ela me solicitou que meu texto fosse incluído no livro que ela
publicaria em 1998, O bom da amizade é a não cobrança. Claro que aceitei na hora.
Tenho um exemplar com a dedicatória de Maria Rosa, em que ela me diz que
"Honestino e eu ficamos felizes com sua colaboração". Isso tinha um sentido literal,
porque como ela diz no mesmo livro, ela só se sentiu resignada diante das brutalidades
sofridas por seu filho quando eles se encontraram no plano espiritual, anos depois do
seu assassinato (ou desaparecimento, não sei qual é o termo mais preciso). Então, neste
plano eles se comunicavam. Mesmo sendo cético, recebi emocionado essa dupla
dedicatória. Eu gostaria de acreditar nisso, num plano espiritual superior, para pensar
que os dois estão neste momento vivendo um belo reencontro. Minha única certeza,
hoje, é que o inferno é aqui mesmo, onde estamos os vivos – como disse Luís Humberto
hoje, na mesma reunião.
Tenho certeza de que Maria Rosa foi torturada psicologicamente. Não bastando a
violência absurda de ter um filho assassinado e tratado cinicamente como alguém que
apenas sumiu. No livro ela conta que, assim que Honestino desapareceu, ela iniciou a
busca por seu paradeiro. Foi atendida por um alto representante do Exército. Com essa
conversa, ela conseguiu uma autorização para visitar Honestino no PIC (Pelotão de
Investigações Criminais) e passar com ele o Natal. Também foi autorizado que ela
levasse familiares, comida e roupas. Então, ela e os familiares foram ao PIC no Natal.
Ficaram na sala de espera. Outros que estavam lá eram chamados, menos eles. Só
depois de muita demora o oficial disse que Honestino não estava lá. É impossível que
essa alta autoridade militar não soubesse que Honestino não estava no PIC – e mais, é
provável que a essa altura ele já estivesse morto.
Que isso é tortura, não há discussão. Minha interpretação é que o objetivo disso era
destruí-la psicologicamente, atingir sua alma mesmo, deixá-la prostrada e sem forças
para procurar pelo filho. Acho que Maria Rosa não sabia que foi torturada, e talvez seja
melhor assim. Não sei. O fato é que sempre vi nela um misto de força, resignação e dor
profunda. Não como alguém que carregasse uma ferida cicatrizada, mas como uma
pessoa apenas acostumada a carregar uma ferida aberta.
Tudo isso é mais do que lamentável. Não há como se descrever a tristeza de tudo isso.
No dia em que o Teatro de Arena virou Teatro Honestino Guimarães, Maria Rosa estava
lá e ficou super emocionada. A maior emoção dela, como ela disse depois, é que no
texto que a gente fez a gente dizia que Honestino não era herói ou mártir, era apenas um
estudante.
Somos capitães
Somos Albuquerques
Nós somos leões
Os lobos dos mares
E na verdade o que nos dói
É que não queremos ser heróis
Daniel Barbosa Andrade de Faria, professor do Departamento de História e
integrante da Comissão Memória e Verdade Anísio Teixeira da UnB
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