1 DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS Terezinha Schwenck Mestre em Direito Público pela UGF-RJ, doutoranda pela UMSA – Buenos Aires (Argentina), professora de Direito Ambiental e Direito Administrativo na FADIPA - Faculdade de Direito de Ipatinga - MG. 1. A indissociabilidade entre direitos humanos e meio ambiente equilibrado. A efetivação dos direitos humanos, do direito à vida em ambiente ecologicamente equilibrado e do direito ao desenvolvimento representa, hodiernamente, a maior busca da humanidade. Pode-se afirmar que a relação se centra em dois aspectos: em um primeiro momento, a proteção do meio ambiente como forma de se conseguir o cumprimento dos direitos humanos, vez que o entorno ambiental, se lesado, contribui diretamente para a infração de direitos reconhecidos internacionalmente, como o direito à vida, à saúde, ao bem-estar, ao desenvolvimento sustentado. E, em um segundo momento, os direitos ambientais dependem do exercício dos direitos humanos para se efetivarem. Através do direito à informação, à liberdade de expressão, à tutela judicial, à participação política no Estado em que vive, enfim, no exercício da cidadania, poder-se-á reivindicar direitos relativos ao meio ambiente. O reconhecimento desse “novo” direito humano, como ensina Márcia Rodrigues Bertoldi (2.000:1), poderá atuar como um remédio à delicada situação ambiental que tomou magnitudes tão sérias em nível mundial, que talvez sejam irreversíveis. A interligação existente entre esses direitos, formando o que se pode chamar de direitos humanos ambientais, é evidente e já foi declarada em normas positivadas de muitos países, ratificando ser direito da pessoa humana e das coletividades o de viver em ambiente sadio e equilibrado. Por outro lado, o desenvolvimento sócioeconômico e cultural dos povos deve ocorrer tendo em vista o paradigma da 2 utilização racional dos elementos naturais, sob pena de se estar privando as populações do direito humano a uma vida digna. A proteção do meio ambiente, assim, deve ser encarada como parte do processo econômico, pois realmente o é, vez que não há desenvolvimento sem utilização de elementos naturais. Em face desse entrelaçamento, o planejamento econômico de qualquer setor, seja privado ou estatal, deve ter como pano de fundo a meta do desenvolvimento sustentável, que implica não só em crescimento econômico, mas também o exercício de direitos, como o acesso à justiça e oportunidades para todos. A história nos lega registros de buscas desenfreadas de desenvolvimento econômico que deixaram como resultado a desertificação, a escassez, a miséria e a fome. Esses fatos comprovam que não cabe mais a apreciação desvinculada do meio ambiente e dos direitos humanos, devendo estes estarem interligados nas agendas internacionais, constituindo prioridades para as ações governamentais. A preocupação com o meio ambiente ocupa mais espaço desde o final do século XX, em razão do eminente perigo de destruição da biosfera; pela exploração descontrolada dos elementos naturais, pela crise que afeta principalmente os chamados “recursos renováveis”1. Um entendimento precioso desse tema é expresso por Derani (1997:18:19) “a questão ecológica é uma questão social, e a questão social só pode ser adequadamente trabalhada hoje quando se toma conjuntamente a questão econômica e ecológica. É nesse sentido que se reclama um redimensionamento da prática econômica, inserindo-a dentro de uma política mais abrangente, uma política social”. É importante, nesse contexto, a análise do papel do direito ambiental, vez que o “espírito” deste está na concretização de uma prática produtiva social compatível com a manutenção das bases naturais, enfim, uma atividade sustentável, como afirma Derani. 1 Em todo planeta, como pontua Bertoldi (2.000:1:2), no artigo ‘O direito humano a um ambiente sano”, as espécies marinhas, os bosques, as florestas tropicais e sua reserva genética, a camada superior do solo, a água potável, e outros elementos, estão em um movimento acelerado de diminuição, já que a exploração é maior que a renovação. Esta crise, acrescida da mudança climática e da destruição da atmosfera afetam a vida humana e de todos os seres vivos – de forma alarmante e talvez irreversível. 3 A necessidade de um tratamento sistematizado e associado aos temas da proteção ambiental e humana foi exposta por Cançado Trindade (1993:23), ao considerar que “Embora tenham os domínios da proteção do ser humano e da proteção ambiental sido tratados até o presente separadamente, é necessário buscar maior aproximação entre eles, porquanto correspondem aos principais desafios de nosso tempo, a afetarem em última análise os rumos e destinos do gênero humano”. Ressalta Cançado Trindade que os cidadãos não podem estar alheios à temática dos direitos humanos e do meio-ambiente, principalmente nos países, como o Brasil, que apresentam altos índices de disparidades sociais, com a injustiça social institucionalizada e perpetuada, necessitando de reflexão e ação sérias dos governos. Nesse sentido Derani (1997:82) afirma que a questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação ser humano-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna. Contudo, o reconhecimento do direito a um meio ambiente equilibrado como direito humano, ainda não está concluído. A doutrina especializada mais relevante assevera Bertoldi (2000:2), há algum tempo vem afirmando que é um direito humano e propõe seu reconhecimento formal ou positivação tanto no âmbito internacional ou nacional como forma de “fazer valer”. E ressalta que, entre os juristas, não parece minoritária a opinião de que nos encontramos diante de um verdadeiro direito humano, o que se presume que o caminho a uma reflexão teórica, assim como ao reconhecimento formal em convênios internacionais e ordenamentos internos tem um longo caminho pendente a ser percorrido. A realidade mostra que o planejamento econômico de muitos governos, especialmente os de terceiro mundo, como são classificados os mais pobres e subdesenvolvidos, na maioria das vezes, sequer tem condição de objetivar o desenvolvimento do país e propiciar a redução das disparidades sociais, haja vista que estão comprometidos com pagamento de custos financeiros de dívidas a organismos financiadores de capitais. Esse quadro imposto também por uma falta de planejamento econômico e social, resulta em uma inafastável realidade de plena 4 miséria da maioria das populações desses países, a despeito da existência de riquezas, concentradas em mãos de uma minoria. O desenvolvimento sustentável, em sua expressão ampla, terá por objetivo a proteção da vida humana e a promoção das pessoas, sendo a proteção ambiental um instrumento para promover o desenvolvimento humano. A realização de eventos de grande mobilização internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro; a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, em 1993, em Viena; a recente Conferência do Clima, em 2001, para assinatura do Protocolo de Kyoto2, são marcos da tomada de consciência mundial quanto à necessidade de proteção do meio-ambiente e do ser humano. A efetivação do direito a um ambiente sadio e do direito ao desenvolvimento como direito humano passa por soluções da melhoria das condições de vida de quase dois terços da população mundial, como a erradicação da pobreza3, a promoção da saúde, da educação e da nutrição, a redução do déficit de moradias ou o acesso a elas, a planificação da urbanização e do crescimento demográfico, a eliminação dos impactos e danos ambientais, o desarmamento, entre outros fatores, já reconhecidos em relatórios internacionais4. A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento5, em seu Artigo 1 (1) reconhece que 2 O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional que estabelece metas de controle dos gases causadores do efeito estufa. Os países desenvolvidos precisam reduzir em pelo menos 5,2%, em relação aos níveis registrados em 1990, as emissões dos gases no período de 2008 a 2012. Composto de um preâmbulo, 28 artigos e dois anexos, o protocolo foi aprovado e aberto a assinaturas na cidade de Kyoto, Japão, em 14 de dezembro de 1997, durante a realização da 3ª Conferência das Partes da Convenção. O protocolo complementa a convenção da ONU sobre mudança do clima no planeta, assinada na Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992, a Eco-92. Pelo acordo internacional, os países integrantes da União Européia (UE) têm meta conjunta de 8% em relação a 1990. Os Estados Unidos, que respondem por quase 25% das emissões, abandonaram o protocolo. O presidente norte-americano George W. Bush alegou que o acordo seria prejudicial à economia do país. Para que o protocolo entre em vigor, é preciso que ele seja ratificado por pelo menos 55 países, entre eles, os países desenvolvidos responsáveis por 55% das emissões. O Protocolo de Kyoto não prevê compromissos de redução de emissões de gases para países em desenvolvimento, como o Brasil. (Fonte: Folha On Line, 23/07/2002 - 13h14 ). Para entender melhor e atualizar-se sobre o Protocolo de Kyoto, sugere-se consultar o site http://www.mct.gov.br/clima/quioto/protocol.htm . 3 O emprego do termo pobreza relaciona-se aos estudos feitos por órgãos especializados, que levam em conta o poder aquisitivo da população. Não se pode esquecer, entretanto, de muitos países desenvolvidos, cuja população tem uma alta renda per capita e, do ponto de vista econômico e político esses países têm reduzido interesse com as questões ambientais de forma global e, em conseqüência, com o desenvolvimento sustentável em termos mundiais. 4 Entre outros: PNUMA (Genebra,1991 e Pequim, 1991) e Agenda 21 (1992). 5 Adotada pela Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986. 5 “ O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Lado outro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) defende que o conceito de desenvolvimento humano há de ser relacionado ao direito ao desenvolvimento como um direito humano e defende que especial atenção deve ser dada à consciência e educação ambientais, vez que o direito a um ambiente sadio é, ao mesmo tempo, um direito individual e coletivo. O diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA6 sobre o tema consciência e educação ambiental, em nota anexada ao relatório das reuniões de 10/09/91, escreveu: “ é necessário educar o público sobre questões ambientais para que seja consciente da gravidade dos problemas ambientais, com vistas a lograr sua participação efetiva e a aceitação de responsabilidade individual relativa ao meio-ambiente; [...] também é necessário facilitar a participação do público nas etapas apropriadas do processo decisório, tanto no tocante ao processo legislativo e administrativo quanto no que diz respeito à indenização”. Destaca ele, no mesmo texto, a necessidade de reconhecer às organizações não governamentais e aos particulares “capacidade para impetrar causas e ações ambientais ante tribunais nacionais”. Para se concretizar tais metas que objetivam o exercício do direito a um ambiente sadio, como expressou Cançado Trindade (1993:29), foram reconhecidos o direito à informação (ambiental), o direito de participação (inclusive no processo decisório) e o direito a recursos legais disponíveis e eficazes, que são corolários do direito a um meio-ambiente sadio (direito à conservação do meio ambiente). Entre nós, a Constituição brasileira reconhece a interligação e interdependência entre as questões ambientais, econômicas e de promoção do ser humano, ao inserir os princípios da dignidade da pessoa humana e da defesa do meio ambiente no artigo 170, como princípios gerais da atividade econômica, o que 6 Cançado Trindade (1993:28-29), cita o doc.UNEP/ENV.LAW/2/2 do PNUMA, de 10/09/91, pp. 9-10, item L, par. 44 e 46. 6 representa um avanço normativo na construção de uma sociedade democrática sustentável. Para Derani (1997:32), asseguradas a cidadania e a dignidade da pessoa humana, lançam-se as bases gerais para a igualdade entre os cidadãos, nas suas mais diversas atividades. Essa igualdade terá reflexos diretos na preservação do meio ambiente e na melhoria da qualidade de vida7, frutos de um desenvolvimento sustentável. O princípio da dignidade humana é a essência das normas da ordem econômica e do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. 2. A evolução da proteção internacional dos direitos humanos e do meio ambiente. Muitos avanços são registrados no sentido da implementação do direito ambiental internacional, visando buscar o maior desenvolvimento dos direitos e responsabilidades ambientais. Cabe observar que a formação de atitudes ambientais surge depois da Segunda Guerra Mundial, onde vários instrumentos de proteção de águas doces e do mar, foram ratificados. Na década de setenta, com a promoção, pela ONU da Conferência de Estocolmo, em 1972, composta por representantes de 27 Estados, torna-se esta a pedra angular em matéria de Direito Internacional Ambiental. A Declaração de Estocolmo, composta de um preâmbulo e 26 princípios, aborda-se as principais questões que assolavam o planeta, recomendando-se critérios de proteção. A existência de uma interligação entre desenvolvimento e meio ambiente, desenvolvimento e direitos humanos e meio ambiente e direitos humanos, já foi reconhecida em várias declarações internacionais. Depois de Estocolmo, mais de 250 tratados multilaterais e 1000 bilaterais foram firmados em relação ao meio ambiente e muitas Constituições dos países contemplaram aspectos ambientais. 7 O conceito de “qualidade de vida” é bem esclarecido por Derani (1997:79-80), que vê nele dois níveis: um básico e um particular. 0 aspecto básico do conceito consiste em seu ideal ético, assentado em valores de dignidade e bem-estar. O particular é o traduzido pela abordagem histórico-material do conceito, envolvendo o aspecto físico (condições mínimas do meio físico), a referência antropológica (acesso e disponibilidade de recursos naturais pelas sociedades) e a tutela do bem-estar (atendimento das necessidades básicas). 7 Esses instrumentos apontam como obrigação dos Estados a promoção de medidas negativas ou positivas, a fim de que se estabeleçam vínculos entre o direito à vida e à saúde; o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida. Na realidade, direitos sociais, culturais, civis, políticos e econômicos mais básicos encontram-se, regra geral, intimamente interligados. É possível estabelecer, ainda, um paralelo entre a evolução da proteção dos direitos humanos e a proteção do meio ambiente, tendo ambas passado por um processo de internacionalização e de globalização. A internacionalização observada resulta de investimentos públicos e privados e da elaboração de normas internas com objetivo de proteção do meio ambiente. No Brasil, a competência para legislar sobre meio ambiente é definida na Constituição, onde também se encontram as diretrizes ambientais para o país. A globalização é também marca da proteção ambiental, vez que os recursos ambientais são da humanidade, independente de soberania; vale nesse ponto a solidariedade, na expectativa de se garantir a sobrevivência das diversas gerações futuras de todas as nações. Aliás, pode-se afirmar que o principal elemento de progresso contido na Declaração do Rio/92 é a idéia de solidariedade mundial. Registra Cançado Trindade que “ocorre um processo de internacionalização tanto da proteção dos direitos humanos quanto da proteção ambiental”, a primeira a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a segunda a partir da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano de 1972. Nesse mesmo sentido a Assembléia Geral das Nações Unidas, em ato anterior à convocação da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, através da Resolução 44/228, de 22 de dezembro de 1989, reconheceu que o caráter global dos problemas ambientais necessitava de uma ação em todos os níveis (global, regional e nacional), envolvendo o compromisso e a participação de todos os países. A Resolução 44/228 afirmou que a proteção e o fortalecimento do meio ambiente eram questões de importância capital que afetavam o bem-estar dos povos, e singularizou, como uma das questões ambientais de maior interesse, a “proteção das condições da saúde humana e a melhoria da qualidade de vida”, como registra Cançado Trindade (1993:43). Urgia a necessidade de construção de uma nova ordem ecológica internacional e a implantação de um desenvolvimento sustentável. 8 A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, veio confirmar essa tendência progressiva de internacionalização rumo à globalização, da proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, podendo ser comprovada através da “emergência de obrigações erga omnes e os conseqüentes declínio e fim da reciprocidade”8. A reciprocidade existente no campo dos direitos humanos é substituída pela noção de garantia coletiva e ordem pública9. Os tratados de direitos humanos incorporam obrigações relativas aos direitos dos seres humanos e não dos Estados, tendo por fundamento um interesse público geral superior, o que dá aos tratados uma especificidade. Por outro lado, ao buscar a proteção do ser humano, a nível mais elevado possível, os tratados criam obrigações erga omnes para os Estados. Relativamente à proteção ambiental, a cada nova regra adotada, criam-se obrigações para os Estados, evidenciando-se o interesse público. A evolução da proteção ambiental, da internacionalização à globalização, pode ser notada também na dimensão espacial, na análise de Cançado Trindade. Inicialmente, a regulamentação ambiental internacional limitava-se às zonas sob a competência dos Estados, do tipo territorial, com ênfase aos problemas ambientais transfronteiriços. Pouco depois, tornou-se evidente a existência de problemas ambientais em escala maior, como a poluição marinha e a poluição atmosférica; assim, é necessário considerar também princípios aplicáveis “urbi et orbi”. Esses impactos globais serão solucionados pela aplicação de princípios de caráter global, com fundamento no interesse comum, pertinentes ao direito internacional do meio ambiente10, independente de qualquer limite geográfico, a ele se subsumindo todos os Estados causadores e/ou receptores dos danos ambientais. Pode-se reconhecer que a Declaração do Rio-92 constitui um documento fundamental para a internacionalização do direito ambiental, bem como de conscientização da necessidade do desenvolvimento sustentado em termos globais, 8 Para Cançado Trindade (1993:45 e 50), a globalização dos regimes da proteção dos direitos humanos e da proteção ambiental anuncia o ocaso da reciprocidade e a emergência das obrigações erga omnes. 9 No entanto, cabe destacar, como o faz Bertoldi (2000:6), que na Rio-92, 170 países representados e mais de 100 chefes de Estado consolidaram este tema ao mencionar em seu Princípio 1º “Todos os seres humanos têm o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. Entretanto, perderam a oportunidade e cometeram uma falha ao não equipará-lo a um direito humano. 10 Cançado Trindade (1993:47) considera que o direito internacional não é mais orientado exclusivamente aos Estados, pois aponta possivelmente rumo a um direito comum da humanidade, em busca da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício das gerações presentes e futuras. 9 o que depende, obviamente, da participação de todos os países, principalmente dos grandes poluidores mundiais. O PNUMA reconhece que a proteção ambiental encontra-se “decisivamente ligada” à “questão dos direitos humanos” 11, ao próprio cumprimento das obrigações relativas ao direito fundamental à vida em sua ampla dimensão. Assevera Bertoldi (2.000:6), que a intenção de um reconhecimento internacional explícito de um “direito humano ambiental”, está proclamada na Declaração de Viscaia, fruto do Seminário Internacional sobre Direito Ambiental, realizado em Bilbao-Espanha, de 10 a 13 de fevereiro de 1999, com a participação da Unesco e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Esta declaração propõe à comunidade internacional o reconhecimento do direito humano ao meio ambiente, em um instrumento de alcance universal. O artigo 1º., apartado 3 dispõe: “O direito ao meio ambiente deverá ser exercido de forma compatível com os demais direitos humanos, incluído o direito ao desenvolvimento”. 3. Direitos Humanos e Direito Ambiental no âmbito internacional O direito à vida é um direito fundamental reconhecido universalmente. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos12, em seu art. 6º (1), qualifica o direito à vida como o “direito inerente à pessoa humana” que deve ser protegido pela lei, vedandose a privação da vida de forma arbitrária. A proteção desse direito fundamental exige ações positivas e negativas do Estado, não devendo o direito à vida ser entendido de modo restritivo. A obrigação positiva consiste em que o Estado tome todas as providências apropriadas para proteger e preservar a vida humana. A obrigação negativa consiste em não privar a ninguém, arbitrariamente, de sua vida. As medidas efetivadas pelo Estado para assegurar o direito à vida, como a redução da miséria, da mortalidade infantil, a prevenção de acidentes, a proteção do meio ambiente, caracterizam obrigações 11 UNEP/Executive Director and Secretariat, p.14, par. 22, conforme registra Cançado Trindade (1993:49). 12 A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (1996:147-167) registra que esse Pacto foi adotado pela Resolução nº. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. 10 positivas, constituindo violação do Pacto a ocorrência de qualquer privação arbitrária da vida. O direito fundamental à vida expressa a inter-relação e indivisibilidade de todos os direitos humanos e não apenas um direito do indivíduo, mas de todos os povos. Este fato traz à tona, analisa Cançado Trindade (1993:75), que é essencial “[...] a salvaguarda do direito à vida de todas as pessoas, assim como das coletividades humanas, com especial atenção às exigências da sobrevivência dos grupos vulneráveis, como os pobres e desamparados, os deficientes, as crianças e os idosos, as minorias étnicas, as populações indígenas, os trabalhadores migrantes”. A Agenda 2113, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em junho de 1992 no Rio de Janeiro e hoje assumida por praticamente todos os países do planeta, refere-se expressamente, em vários capítulos (3,4,6,7), aos grupos vulneráveis, dando como exemplo os pobres urbanos e rurais, as populações indígenas, as crianças, as mulheres, os idosos, os desabrigados, os doentes terminais e os incapacitados, além de manifestar preocupação quanto à necessidade de atendimento das necessidades humanas básicas, como a alimentação, a moradia, a preservação da saúde, a instrução. O exercício do direito à vida desses grupos está intimamente ligado às condições ambientais e ao estilo de desenvolvimento adotado pelas nações que, de modo geral, têm desconsiderado os seres humanos e o ambiente. A Agenda 21 é categórica ao afirmar que “a pobreza e a degradação ambiental estão intimamente interligadas”, sendo essencial um reexame da política de desenvolvimento local e global, a fim de se estabelecer um progresso sustentável. Para que os indivíduos e povos exerçam com plenitude o direito a uma vida digna, indispensável se faz a existência de um meio ambiente sadio14, fonte de todos os recursos que garantirão a continuidade da vida no planeta. A exploração dos recursos naturais deve ser feita de forma economicamente planejada, tendo em vista 13 Martins, Soler e Soares (2001:159) destacam que a Agenda 21 tem o compromisso de estabelecer estratégias de desenvolvimento que assegurem o futuro das próximas gerações, de modo a garantir as necessidades básicas, gerando e distribuindo riqueza em harmonia com a natureza. [...] para que assim se possa construir uma sociedade sustentável, menos injusta e díspar que a verificada atualmente, tanto na relação entre países como no interior destes. 14 Cançado Trindade afirma: (1993:78), “juntamente com o direito a um meio ambiente sadio, o direito à paz também se configura com um corolário ou prolongamento necessário do direito à vida”. 11 a dimensão temporal da proteção ambiental, ou seja, o compromisso intergeneracional da humanidade. Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, porque é uma prerrogativa individual prevista constitucionalmente15, cuja realização envolve uma série de atividades públicas e privadas, produzindo não só a sua consolidação, como trazendo, em decorrência disto, uma melhora das condições de desenvolvimento das potencialidades individuais, bem como uma ordem social livre. Na opinião de Derani (1997:219-220), “ a contribuição para a construção da liberdade é um indício de que um direito conferido constitucionalmente seja um direito fundamental. Seja liberdade individual ou a realização de uma sociedade livre, justa e solidária”. E acrescenta a autora: “sucintamente, afirmo que direitos fundamentais representam condições necessárias à efetivação da liberdade real (em oposição à liberdade formal)”. O Projeto de Pacto sobre Conservação Ambiental e Uso Sustentável de Recursos Naturais, em 1992, expressou de forma clara a ligação entre direito à vida e meio ambiente, em seu art. 2 (1), “todas as pessoas têm o direito fundamental a um meio-ambiente adequado para sua dignidade, saúde e bem-estar” e acrescentou no art. 2 (2) que “todas as pessoas têm o dever de proteger e conservar o meio ambiente para o benefício das gerações presentes e futuras” 16. Por outro lado, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) tem alertado continuamente para a premente tarefa de atendimento das necessidades 15 Vale ressaltar algumas constituições: A Constituição Italiana de 1948, não contém nenhum artigo que se refira ao direito ao meio ambiente, tendo sido este reconhecido por via jurisprudencial ao ser relacionado aos artigos 9, 32 e 41 desta, que referem à proteção do patrimônio histórico e artístico da nação, a proteção da saúde como direito fundamental do individuo e interesse da coletividade e à iniciativa econômica dentro de um marco que só se contraponha com sua utilidade social sem que prejudique a seguridade, a liberdade e a dignidade humana. A Constituição do Chile de 1981, por sua vez, no artigo 19, inciso VIII, assegura a todas as pessoas “o direito a viver em um meio ambiente livre de contaminação”. O Parlamento da Catalunha, comunidade autônoma espanhola, em 19 de maio de 1999, aprovou por unanimidade a Declaração de Princípios sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente. Com esta ratificação o Parlamento da Catalunha é pioneiro em reconhecer o direito humano a um meio ambiente. Segundo a Constituição Espanhola, em seu artigo 45, “Todos têm direito de desfrutar de um meio ambiente adequado para o desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de conserválo”. 16 Projeto de Pacto, em sua 4ª. Revisão, de setembro de 1992, da Comissão de Direito Ambiental da IUNC – World Conservation Union, como registra Cançado Trindade (1993:88). 12 básicas da população, como alimentação, saúde e educação, vez que a cada ano aumenta o número de pessoas que se rebaixam nos estratos sociais, agravando a mobilidade negativa. Face aos inúmeros ajustes econômicos adotados pelos países, a UNICEF recomenda que se faça um “ajuste com dimensão humana”, a fim de proteger os segmentos mais pobres e vulneráveis da população, mesmo porque, é fato que o crescimento econômico per se não tem acarretado melhoras na qualidade de vida das pessoas, seja a nível nacional ou internacional. Os aspectos econômicos e sociais têm que estar interligados, para que seja possível a instrumentalização do conceito de “desenvolvimento humano”; isto, na opinião de Cançado Trindade, implicaria em situar as pessoas sempre em primeiro lugar e no centro do desenvolvimento, concentrando-se em suas necessidades, potencial e aspirações. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o desenvolvimento humano tem implicações diretas para a questão ambiental, sendo a pobreza uma das piores ameaças ao meio ambiente e à própria sustentabilidade da vida humana. Conforme registra Cançado Trindade (1993:110) o PNUD, no informe sobre “Desarrolo Humano”, que “a pobreza em que vivem três quartas partes da população mundial” causa consideráveis tensões aos sistemas ecológicos do mundo, o que leva a reforçar a idéia de que o direito ao meio ambiente é, basicamente, um direito de solidariedade. Existe um inafastável ponto de ligação nos instrumentos de proteção dos direitos humanos e do meio ambiente: os instrumentos internacionais de direitos humanos sempre ressaltam a necessidade de se proteger o meio ambiente para se garantir a continuidade da vida no planeta. Da mesma forma, a proteção dos direitos humanos também é objeto do Direito Ambiental Internacional, pois, à medida que os instrumentos de direito ambiental têm por objetivo proteger o meio ambiente, estão, simultaneamente, protegendo os seres humanos e a humanidade. Estabelece-se, assim, um contínuo movimento: da proteção do meio ambiente resulta a proteção dos direitos humanos e vice-versa. A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972, expressa essa íntima ligação entre direitos humanos e meio ambiente, quando proclama em seu preâmbulo que 13 “ el hombre es a la vez obra y artífice del medio ambiente que lo rodea, el cual le da el sustento material y le brinda la oportunidad de desarrollarse intelectual, moral, social y espiritualmente. ...” e quando, em seu Princípio 1, expressa a convicção comum de que “ el hombre tiene el derecho fundamental a la liberdad, la igualdad y el disfrute de condiciones de vida adecuadas en un medio ambiente de calidad tal que le permita llevar una vida digna y gozar de bienestar, y tiene la solemne obligación de proteger y mejorar el medio-ambiente para las generaciones presentes y futuras. ...” A advertência contida no relatório da Comissão sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina e do Caribe, de 1990, intitulado “Nossa Própria Agenda”, face à realidade regional, expressa, de forma clara, a interdependência entre direitos humanos e meio ambiente: “ Enfrentar a pobreza crítica que afeta a maioria da população constitui no presente a prioridade máxima para elevar a qualidade de vida. Não se poderá falar de melhoria da qualidade ambiental enquanto uma proporção elevada de nossa população continuar vivendo em condições de extrema pobreza”. A Declaração do Rio de Janeiro e a Agenda 21 elaboradas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, observa Cançado Trindade (1993:120), “encontram-se permeadas de elementos próprios ao universo conceitual dos direitos humanos e hoje comuns aos dois domínios de proteção (do ser humano e do meio ambiente)”. O princípio 1, da Declaração do Rio, sintetiza essa idéia, ao dispor que “ Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”. Outros princípios da Declaração do Rio traçam diretrizes que visam o desenvolvimento sustentável aliado à promoção do ser humano: a) o Princípio 3 dispõe que “ o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades das gerações presentes e futuras”; 14 b) o Princípio 5 determina que “ todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria da população do mundo”; c) o Princípio 10 orienta que “ a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. [...] Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. ...” ; d) o Princípio 25 enfatiza que “ a paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis”. A Agenda 21 também enfatiza as inter-relações entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental, propondo a mais ampla participação pública, o engajamento ativo de todas as organizações, objetivando uma verdadeira parceria social de apoio a esforços comuns em prol do desenvolvimento sustentável. Ainda incitam aos Estados promoverem a educação e a conscientização públicas e a evolução do direito internacional humanitário, pontos importantes no contexto da proteção dos direitos humanos e da proteção do meio ambiente. O direito a um meio ambiente sadio e o direito ao desenvolvimento, como direitos humanos, representam um desafio maior quando passam da esfera normativa para a implementação. Daí a validade desses instrumentos, por estarem renovando a necessidade do compromisso dos Estados, dos cidadãos, da coletividade com o desenvolvimento sustentável e com a erradicação da pobreza mundial. Para Cançado Trindade (1993:145), é importante que se considere “ para os desenvolvimentos futuros dos mecanismos de proteção internacional da pessoa humana e do meio ambiente a questão de sua proteção erga omnes. Os distintos instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos e do meio ambiente incorporam obrigações de conteúdo e alcance variáveis: algumas normas são suscetíveis de aplicabilidade direta, outras afiguram-se antes como programáticas. Há , pois, que prestar atenção à natureza jurídica das obrigações. A esse respeito surge precisamente a questão da proteção erga omnes de determinados direitos garantidos, que 15 levanta o ponto da aplicabilidade a terceiros – simples particulares ou grupos de particulares – de disposições convencionais (denominado “Drittwirkung” na bibliografia jurídica alemã)”. As legislações dos diversos Estados, na medida do possível, têm suprido essas lacunas, responsabilizando outros que não o próprio Estado, pela violação de direitos humanos ou de crimes contra o meio ambiente. 4. Meio ambiente e desenvolvimento sustentável O desenvolvimento sustentável certamente pode ser definido como a exploração equilibrada dos elementos naturais com vistas a atender o bem-estar e as necessidades dos seres humanos, desta e das futuras gerações. Nesse contexto, a abordagem do direito a um meio ambiente sadio há de ser feita concomitantemente com o direito ao desenvolvimento, seja na dimensão individual ou coletiva, vez que ambos representam direitos humanos. As asserções dessa inter-relação têm ecoado em todas as partes, tendo a Assembléia Geral das Nações Unidas, ao convocar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, afirmado e insistido na promoção do desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em todos os países. O desenvolvimento sustentável, afirma Juste Ruiz (1999:33) persegue três objetivos essenciais: a) um objetivo puramente econômico, a utilização dos recursos e o crescimento quantitativo; b) um objetivo social e cultural, a limitação da pobreza, a manutenção dos diversos sistemas sociais e culturais e a equidade social; e c) um objetivo ecológico, a preservação dos sistemas físicos e biológicos (recursos naturais latu sensu) que servem de suporte à vida dos seres humanos. Fica clara, ante os objetivos perseguidos pelo desenvolvimento sustentável, a evidente necessidade da participação estatal em seus limites, a fim de compatibilizar 16 as estratégias de desenvolvimento produtivo social com a proteção do meio ambiente, através de medidas de prevenção de danos e riscos ambientais17. A necessidade de integrar a proteção do meio ambiente com os imperativos de um desenvolvimento sustentável é uma questão de interesse comum da humanidade e princípio de direito internacional. A Declaração de Brasília sobre o Meio Ambiente, adotada na Reunião da Cúpula Latino-americana e Caribenha (VI Reunião Ministerial), de março de 1989, afirmou que a melhoria das condições econômicas e sociais de vida constituía “o elemento-chave para impedir a deterioração do meio ambiente” naqueles países. O relatório “Nossa Própria Agenda” 18, elaborado em 1990, afirma que falar de direitos humanos (inclusive do direito à alimentação, à habitação, à educação, à saúde e aos rendimentos), de meio ambiente, ou de apoio à democracia e à diversidade cultural, é infinitamente mais lógico a partir da perspectiva humana. Reconhece-se, ainda, em alguns pontos desse relatório19, a importância do processo de democratização experimentado pela América Latina e Caribe, para atingir um desenvolvimento sustentável, pois será “impossível ultrapassar as barreiras que se encontram no caminho do desenvolvimento econômico, social e ecologicamente viável” na ausência de uma “democracia que permita maior participação da sociedade”. Merece destaque na obra de Cançado Trindade (1993:171) a apreciação do relatório da Comissão Brundtland20, salientando estar aquele permeado de considerações de equidade – inter e intra-generacional, justiça social, acesso 17 Para Sérgio Coutinho (1999:6), se pode haver um Tribunal internacional para crimes contra a humanidade, o Tribunal de Haia, os crimes contra toda a vida na Terra também precisariam de um sistema internacional de proteção eficiente, que não cedesse a interesses financeiros, mas que se sustentasse com poder de polícia internacional e interagindo com programas de prevenção aos danos ambientais que obtivessem alcance internacional. Lembra ainda, que no Brasil, conforme artigo de Anselmo Góis, na Revista Veja, seção Radar, p. 31, de 9 de agosto de 1998, o presidente da República brasileira, após intensas pressões políticas efetuadas por grande número de empresários brasileiros, editou medida provisória suspendendo por até dez anos 11.000 (onze mil) multas contra quem poluiu o meio ambiente. 18 O relatório “Nossa Própria Agenda”, foi preparado pela Comissão Latino-americana e Caribenha sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em 1990, a fim de desenvolver uma visão regional da temática do meio-ambiente antes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento de 1992, conforme observa Cançado Trindade (1993:169). 19 O Relatório regional latino-americano e caribenho registra Cançado Trindade (1993:170) apontou formas de fortalecer o Estado Constitucional, a saber: o desenvolvimento de legislação ambiental adequada (com medidas corretivas e preventivas); a introdução de reformas que tornem o poder judiciário verdadeiramente autônomo e o estabelecimento da base de um sistema jurídico que proteja os cidadãos contra o abuso do poder. 20 O Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, presidida pela 1ª. Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, publicado em 1987, apontou para a incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e os padrões de consumo vigentes. 17 regulado aos recursos e ao desenvolvimento de recursos humanos, participação efetiva comunitária e do cidadão, cooperação internacional e ainda, diretrizes para que seja alcançado o desenvolvimento sustentável em seis áreas principais: população, recursos humanos, segurança alimentar, perda das espécies e recursos genéticos, energia, indústria e assentamentos urbanos. Desta forma, pode-se concluir que o desenvolvimento21 e a proteção ambiental caminham juntos, não sendo possível analisá-los isoladamente, ambos constituem direitos humanos, do interesse comum da humanidade. O reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio, como na Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, art. 24, e no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, art. 11, enriquece e reforça os direitos humanos existentes e traz à tona outros direitos em novas dimensões, como o tão necessário direito de participação dos cidadãos, que, a seu turno, requer a efetividade dos direitos à informação e à educação, também em questões ambientais. Reversamente, e do mesmo modo, pode-se buscar a proteção ambiental mediante a vindicação de direitos existentes (direito à privacidade, direito ao gozo pacífico das posses de cada um, como indica a jurisprudência recente, particularmente sob a Convenção Européia de Direitos Humanos). Isto dá testemunho da indivisibilidade dos direitos humanos ambientais: uma vez afirmado como um direito humano, o direito a um meio ambiente sadio, ao invés de acarretar restrições ao exercício de outros direitos, vem enriquecer o corpus dos direitos humanos consagrados, conforme opinião de Cançado Trindade (1993:194). 5. O direito comum da humanidade no novo século. Os direitos humanos e as questões ambientais têm sido hoje, na maioria das abordagens, enfocados de forma globalizante, o que contribui para “acelerar as 21 A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, proclamou esse direito como um direito humano inalienável, em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão capacitados a desfrutar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político. Essa Declaração foi adotada pela Resolução 41/128, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986. 18 grandes transformações e o processo de humanização por que vem passando o direito internacional contemporâneo”, como destaca Cançado Trindade (1993:197). Os sistemas de proteção internacional vêm agregando esforços no sentido de fortalecer e efetivar a proteção dos direitos humanos e da preservação do meio ambiente, o que requer um enriquecimento conceitual do universo jurídico internacional, a fim de ampliar e colocar sob esses novos conceitos todos os bens, situações, grupos e indivíduos objetos de proteção. Considerando esse novo contexto, Cançado Trindade (1993:198) assevera que “ A proteção do ser humano e a do meio-ambiente requerem um enriquecimento conceitual do universo jurídico-internacional, de início mediante a análise aprofundada e eventual consagração e desenvolvimento de novos grandes princípios emergentes, como, por exemplo, os de interesse comum da humanidade [...], jus cogens e obrigações erga omnes, atendimento das necessidades humanas básicas [...], responsabilidades comuns mas diferenciadas, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento humano, equidade intergeneracional e direitos das gerações futuras, entitlements (nos contextos do direito ao desenvolvimento como um direito humano, e dos direitos dos povos), parceria global eqüitativa”. O resultado dessa análise e da absorção dos novos princípios poderá contribuir para que os sistemas de proteção internacional venham programar mecanismos que efetivamente dêem maior eficácia à proteção da pessoa humana e do meio ambiente. A responsabilidade pela supervisão e implementação das novas bases normativo-conceituais será conjunta, contando com o concurso dos Estados, dos organismos internacionais e não governamentais, dos grupos e associações de profissionais, dos cidadãos e qualquer grupo compromissado com a construção de melhores condições de vida, no presente e no futuro, criando-se, assim, uma grande corrente de solidariedade internacional. Ao questionamento: quando se viola o direito ao meio ambiente, também se viola direitos humanos? Até o presente momento isto não é uma consciência global, apesar de existirem tendências e proposições nesse sentido. A resposta será afirmativa quando o atendimento às necessidades humanas básicas, a redução da pobreza, das enfermidades, da discriminação e exclusão social, passarem a ser, necessariamente, uma responsabilidade conjunta do Estado e da sociedade. 19 Ressalta-se aqui a importância da educação ambiental22, que precisa abranger a educação político-ambiental, como também reconhece Coutinho (1999:14), para que a interferência do cidadão possa dar-se sobre as relações de poder da sociedade da qual faz parte. Ressalta ele que: “ Os movimentos sociais ambientais, as Organizações NãoGovernamentais, como o GreenPeace e a Word Wild Found, o SOS Mata Atlântica, o Projeto Tamar, entre tantas outras, são associações coletivas que podem exercer pressões sobre os governos, fazendo com que as leis necessárias à efetiva preservação do meio ambiente possam ser promulgadas e efetivando por completo a emancipação político-ambiental do cidadão, contando com as organizações partidárias, como o Partido Verde, desde que estas também sejam reeducadas quanto à consciência político-ambiental [...]”. Para se alcançar esses propósitos, novos paradigmas deverão ser construídos com fundamentos na ética, na consciência e educação ambiental, nos processos democráticos e participativos, no acesso às informações, a fim de se propor novas formas de viabilizar a construção de um mundo saudável e justo, onde efetivamente serão exercidos os direitos humanos ambientais23. 22 A consciência do ser humano sobre seus direitos relativos ao meio ambiente consiste na sua reeducação, ou seja, na transformação de sua visão social do mundo. Sua visão há que ser ampliada, para não se ater em interesses e limites do cotidiano (que, aliás, podem ser modelados pelo próprio Estado e pela produção capitalista). A educação ambiental que sirva para ampliar a visão reducionista do ser humano deve ser compreendida como educação política, pois o cidadão teria pleno conhecimento do seu papel como membro de uma coletividade e como sujeito de direitos, lembrando que o termo cidadão há de ser visto não apenas no sentido político-jurídico, mas, essencialmente, no sentido político-social, ou seja, o ser humano exercendo cidadania. 23 Neste contexto é importante ressaltar o que a Rio +10, realizada em Johannesburg, na África do Sul, em 2002, conseguiu decidir. Na realidade pode-se concluir que há mais problemas que medidas concretas para deslanchar o desenvolvimento sustentável em escala global, mas não deixa de ser um importante marco e compromisso com a humanidade: Energia: a) Decisão: Ampliar acesso a formas modernas de energia, mas sem prazos nem metas específicas; derrotada proposta do Brasil e da União Européia para fixar meta global de 10%-15% de fontes renováveis de energia; anunciadas parcerias com países pobres no valor de US$ 769 milhões. b) Problema: Um terço da população, ou 2 bilhões de pessoas, não têm acesso a energia moderna, como eletricidade e combustíveis fósseis. Mudança climática: a) Decisão: Canadá, Rússia e China anunciaram que deverão ratificar o Protocolo de Kyoto (tratado para conter o efeito estufa). b) Problema: Temperatura média da atmosfera global deve subir até 5,8ºC até o ano 2100, se nada for feito para conter emissão de CO2. Água: a) Decisão: Cortar à metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso à água potável e esgotos; anunciados projetos e parcerias que somam US$ 1,5 bilhão para alcançar esses objetivos, desse total, US$ 970 milhões virão dos EUA, em três anos. b) Problema: Em 2025, se nada for feito, 4 bilhões de pessoas (metade da população mundial) estarão sem acesso a saneamento básico. Biodiversidade: a) Decisão: Reduzir perda de espécies até 2004, mas sem meta específica; reconhecimento de que países pobres precisarão de ajuda financeira para cumprir o objetivo; reconhecimento do princípio da repartição de benefícios obtidos com espécies de países pobres. 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACSELRAD, Henri (2001). Políticas ambientais e construção da democracia. In: VIANA, Gilney, SILVA, Marina, DINIZ, Nilo (orgs.). O desafio da sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. ANTUNES, Paulo de Bessa (2000). Direito ambiental. 4ª. ed. 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Agricultura: a) Decisão: Apoio à eliminação de subsídios agrícolas que afetam exportações de países pobres, mas sem metas nem prazos. b) Problema: Países ricos subsidiam seus agricultores com mais de US$ 300 bilhões por ano. Ajuda ao desenvolvimento: a) Decisão: Reafirmado compromisso da Eco-92 de destinar 0,7% do PIB de países ricos para ajuda ao desenvolvimento. Fundo Ambiental Global (GEF) recebe injeção de US$ 2,9 bilhões. b) Problema: Meta não só não foi cumprida como caiu para 0,22% desde 1992. Fontes: Folha de São Paulo e Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.mct.gov.br/clima/quioto/protocol.htm 21 LAMA, Dalai (2000). Uma ética para o novo milênio. Trad. Maria Luiza Newlands. Rio de Janeiro: Sextante. LEITE, José Rubens Morato (2000). Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais. MARTINS, Sérgio Roberto, SOLER, Antônio Carlos Porciúncula e SOARES, Alexandre Melo (2001). 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