EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO E À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO PARANÁ: ANALISANDO A SISTEMATIZAÇÃO DA PROPOSTA NAS ESCOLAS Marci Batistão 1 Maria das Graças Ferreira 2 Sandra Regina de Oliveira Garcia 3 Eliane Cleide da Silva Czernis 4 Resumo Neste trabalho apresentamos dados de projeto de pesquisa em andamento que vem analisando a integração da educação profissional ao ensino médio regular e na modalidade de educação de jovens e adultos no Estado do Paraná. Temos como ponto de partida a política educacional implementada no período de 2003 a 2010 buscando romper com a dualidade entre escola de ensino médio para formação geral e escola para formação profissional visando a profissionalização. O objetivo central é levantar as características e formas de implementação desse processo de integração. O projeto teve desde o início como foco a realização de grupos de estudos e análise de documentos que destacam as concepções que fundamentam o ensino médio, a educação profissional e a educação de jovens e adultos no processo em questão. Desta etapa participaram alunos e professores. Pretendemos com esta pesquisa possibilitar um processo de reflexão e análise dos pressupostos orientadores da integração da educação profissional ao ensino médio e à educação de jovens e adultos, bem como das ações realizadas por professores e membros da equipe pedagógica das escolas. Trata-se de um estudo relevante importante que poderá contribuir com o trabalho de professores e alunos da rede estadual atendidos no ensino médio e profissional e na formação dos graduandos desta Universidade. Palavras-chave: política educacional; ensino médio e profissional; currículo integrado Introdução Neste texto, nosso objetivo é apresentar dados de um Projeto de Pesquisa que vem sendo realizado e que discute a educação profissional integrada ao curso de ensino médio regular e na modalidade da educação de jovens e adultos. A intenção do Projeto é analisar a política educacional que propôs romper com a dualidade entre escola de ensino médio para formação geral e escola para formação profissional. Desde a Lei de Diretrizes e Bases da 1 Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina - PR. E-mail: [email protected] Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina – PR. E-mail: [email protected] 3 Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina – PR. E-mail: [email protected] 4 Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina – PR. E-mail: [email protected] 2 2 Educação Nacional – LDBEN – 9.394/96 e sua regulamentação pelo Decreto n. 2.208/97, temos observado, no cenário brasileiro, a dissociação entre a educação profissional e a escolarização média. Consideramos que, neste período histórico, concretizou-se um projeto privatista de educação pela dissociação entre ensino médio e profissional. Entendemos que, no caso do Estado do Paraná, a implementação de tais mudanças, de certa forma, obstaculizou a profissionalização dos filhos da classe trabalhadora, já que, pela ausência de oferta de cursos profissionalizantes em todas as escolas da rede estadual, os alunos teriam, em muitos casos, que pagar pela mesma. No cenário paranaense, essa etapa foi inaugurada no governo Lerner com o Projeto Melhoria e Inovação do Ensino Médio no Paraná – PROEM, que possibilitou novas formas de encaminhamento da organização do trabalho pedagógico com base em uma concepção diferenciada de educação profissional. A redução de cursos profissionalizantes, ofertados sob a responsabilidade do Estado, foi um acontecimento que ocorreu em todo o país. No Paraná, a oferta ficou restrita aos Centros Estaduais de Educação Profissional – CEEPs, localizados em regiões consideradas polos de desenvolvimento econômico do Estado. Tais mudanças foram amplamente discutidas e criticadas por educadores, representantes da sociedade civil organizada e representações educativas que, por meio de várias audiências públicas, conseguiram, com a aprovação do Decreto 5.154/2004, a revogação do Decreto 2.208/97. Na análise de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a revogação do Decreto 2.208/97 teria possibilitado aos alunos a base unitária do ensino médio, o estabelecimento de relação e sentido entre o conhecimento e o desenvolvimento do trabalho. No Paraná, o governo Requião antecipou o processo de integração mesmo antes da aprovação do Decreto 5.154/2004, possibilitando tanto a profissionalização como o ensino propedêutico, bem como a realização do ensino médio em quatro anos. Esta proposta de pesquisa foi desenvolvida com o intuito de analisar como foi realizada tal integração no currículo de algumas escolas paranaenses. Nós, os pesquisadores do presente projeto, entendemos que se faz necessário não repetir os equívocos cometidos com a profissionalização compulsória oriunda da Lei 5.692/71, cujo ideário de base era a formação de capital humano, atendendo a uma proposta que previa formar sob uma concepção de treinamento. De outro modo, consideramos que a formação profissional deve ter por base o trabalho como princípio educativo, possibilitando a formação humana. No primeiro ano de desenvolvimento do projeto, foram realizados estudos de documentos e legislação. Entre os documentos, destacamos, neste texto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1998) e as Diretrizes Curriculares 3 para a Educação Profissional (BRASIL, 1999), aprovadas no final do século XX; as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação – CNE – em maio de 2011. Complementamos a legislação com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9394 (BRASIL, 1996), bem como documentos orientadores das ações pedagógicas do Estado do Paraná, como Fundamentos Políticos e Pedagógicos da Educação Profissional (PARANÁ, 2005a) e Orientações Curriculares (PARANÁ, 2005b). As Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, aprovadas em 1998, são consideradas um importante instrumento para estudo de educadores e pesquisadores, pelo fato de considerar, em nossa opinião, o ensino médio voltado à formação de competências e preparo de capital humano para o mercado de trabalho e tais diretrizes são tomadas em contraponto com as novas diretrizes aprovadas. Consideramos este estudo importante aos educadores e alunos atendidos nessa etapa de escolarização, visto que, ao mesmo tempo em que se objetiva preparar para o trabalho, convivem com as contradições presentes na sociedade capitalista e que obstaculizam a realização de uma proposta educativa que visa à formação humana. No estudo dos documentos, destacamos as concepções que fundamentam o ensino médio e a sua articulação com as modalidades da educação profissional e a educação de jovens e adultos. Analisamos as concepções em relação ao contexto social, político e econômico, assim como aos interesses dos envolvidos na definição das proposições educativas que constam nos documentos. Os estudos do grupo de pesquisa são realizados mensalmente, envolvendo alunos e professores pesquisadores do tema. Apontamentos sobre Aspectos Legais do Ensino Médio e Profissional A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN n. 9.394 (BRASIL, 1996) é considerada, neste estudo, um marco para as mudanças educacionais que estavam em curso na década de 1990. Esta legislação, complementada pelo Decreto n. 2.208 possibilitou a dissociação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional de nível técnico ao defini-la como independente do ensino médio (BRASIL, 1997). A compreensão presente no cenário brasileiro, no momento da aprovação da Lei em questão, era de que não haveria como desenvolver a profissionalização no ensino médio de forma integrada. Estava, então, marcada uma dissociação que poderia prejudicar os filhos da classe trabalhadora, ou, como afirmou Kuenzer (2002), os que vivem do trabalho. Esta autora, na mesma obra, comenta que, historicamente, o ensino médio tem representado, a partir da forma 4 como se apresenta – ensino médio de um lado e profissional de outro –, a divisão de classe presente na sociedade capitalista. A categoria explicativa desse fenômeno, segundo a autora, é a dualidade estrutural, que possibilita esclarecer o encaminhamento de alunos a diferentes percursos educacionais, seja para o desenvolvimento de ações instrumentais via ensino técnico, ou para o desenvolvimento de funções intelectuais e dirigentes no caso da educação geral. A autora acrescenta que: [...] o Ensino Médio inclui os socialmente incluídos; para os excluídos, alguma modalidade de preparação para o trabalho, orgânica aos modos de produzir mercadoria que historicamente foram se constituindo. Em decorrência, não há como compreender o Ensino Médio no Brasil sem tomálo em sua relação com o ensino profissional, já que ambos compõem as duas faces indissociáveis da mesma proposta: a formação de quadros intermediários, que desempenharão, no contexto da divisão social e técnica do trabalho, as funções intelectuais e operativas em cada etapa de desenvolvimento das forças produtivas (KUENZER, 2002, p. 26). A demarcação de níveis diferenciados foi processada no ensino profissional, como podemos verificar a partir do Decreto n. 2.208/97. Dividido nos níveis básico, técnico e tecnológico, desde então, foram encaminhados cursos direcionados a diferentes atores dentro da profissionalização. Os cursos de nível básico, com menor duração; os cursos de nível técnico, podendo ter duração maior e sendo desenvolvidos por escolas especializadas ou escolas vinculadas à rede estadual; os cursos de nível tecnológico que formariam tecnólogos e que foram desenvolvidos, sobretudo, pelos Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFETS. O reforço à dissociação entre o ensino médio e profissional, ou, melhor dizendo, o reforço à dualidade estrutural pode ser visualizado pela elaboração em separado das Diretrizes Curriculares para o ensino médio e para a educação profissional. Em 1998, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – DCNEM (BRASIL, 1998) e, em 1999, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional – DCNEP (BRASIL, 1999). Como podemos constatar, o mesmo equívoco está ocorrendo na atualidade, uma vez que as DCNs do ensino médio já estão aprovadas desde 2011 e as da educação profissional acabaram de ser aprovadas pelo CNE. O contexto de realização de tais mudanças, consideradas importantes, aqui, como referência para o entendimento dos interesses que nortearam toda essa reforma educativa, é o capitalista, chamado por Harvey (1994) de flexível em sua forma de desenvolvimento, para o qual seria necessária a formação de pessoas preparadas para lidar com as incertezas do mundo 5 contemporâneo face às mudanças em curso pelo desenvolvimento econômico, tecnológico e produtivo, modificando tanto as estruturas do trabalho quanto as relações sociais. Como foi explicado por Kuenzer (2002, p. 32): À luz dos novos paradigmas, com base no modelo japonês de organização e gestão do trabalho, a linha de montagem vai sendo substituída pelas células de produção, o trabalho individual pelo trabalho em equipe, o supervisor desaparece e o engenheiro desce ao chão de fábrica, o antigo processo de qualidade dá lugar ao controle internalizado, feito pelo próprio trabalhador. Na nova organização, o universo passa a ser invadido pelos novos procedimentos de gerenciamento; as palavras de ordem são qualidade e competitividade. As Diretrizes Curriculares têm se constituído, desde sua aprovação, como um referencial que deve nortear os princípios, os fundamentos e os procedimentos que serão tomados para o desenvolvimento do ensino médio em cada escola e observado pelo projeto político-pedagógico. Para a Educação Profissional, as Diretrizes Curriculares destacam a formação de competências, um aspecto bastante discutido no momento de gestação, aprovação e encaminhamento tanto do ensino médio como do ensino profissional. No ensino médio, a formação de competências gerais possibilitarão o preparo de cidadãos aptos a lidar com as incertezas do mundo contemporâneo. A defesa da formação pautada em competências ressalta, particularmente, o desenvolvimento de qualidades subjetivas, que contribuem para as relações sociais na sociedade capitalista, traduzindo-se no saber ser. Na educação profissional, essa base é ampliada na articulação com o domínio do fazer, com a valorização da prática que, em nosso entendimento, repousa no saber fazer. As discussões em torno do encaminhamento do novo ensino médio e profissional foram bastante intensas. Emergiram daí análises bem coerentes, objetivando explicitar o conteúdo do amparo legal que fundamentava o ensino médio e profissional. As críticas desenvolvidas ao novo encaminhamento apontaram o reforço à dualidade estrutural presente na dissociação entre o ensino médio e o ensino técnico; a prioridade atribuída à formação de competências quando seria necessária a compreensão do trabalho enquanto fundamento e categoria orientadora da proposta pedagógica que poderia atribuir sentido e significado à formação de trabalhadores, possibilitando a compreensão da organização do mesmo na sociedade capitalista; uma massificação do termo formação profissional e da ação profissionalização, possibilitada pelos diferentes níveis de educação profissional e pelo desconhecimento dos fundamentos da proposta; a formação de quadros em grande quantidade para enfrentamento de uma sociedade cuja organização do trabalho complexo e competitivo 6 não os absorveria, levando, deste modo, os cursos a significar apenas dados, números de formados para compor as estatísticas de políticas educativas. Em face dos descontentamentos e denúncias originadas das reflexões de educadores brasileiros e manifestas em audiências públicas, ocorreu a revogação do Decreto n. 2.208 (BRASIL, 1997) e houve a aprovação do Decreto 5.154 (BRASIL, 2004). A partir de então, passaram a ser discutidas formas de superação da dicotomia que se explicitara no Decreto anterior como expressão da defesa de representantes da elite brasileira, como afirmaram Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005). Estes autores deixaram claro que se fazia necessário recuperar a base unitária para a formação média e profissional, que fora deixada de lado pela dissociação entre ensino médio e formação profissional. Em face dessas discussões, novas Diretrizes foram elaboradas e estiveram em amplo debate durante todo o ano de 2010 e início de 2011. Nas novas diretrizes, o ensino médio é apresentado como a formação para a cidadania num sentido amplo, possibilitando o desenvolvimento da autonomia intelectual, a apropriação dos conhecimentos que foram construídos e acumulados no decorrer da história, a participação na produção de novos conhecimentos. As novas Diretrizes do ensino médio são justificadas em razão de exigências educativas de um contexto amplo, em que ocorrem de forma acelerada, as inovações tecnológicas e dos meios de comunicação, assim como as transformações do mundo do trabalho. Justifica-se, ainda, pelas necessidades do grande número do alunado que chega à escola com interesses diversificados e que representam desafios à escola média. Acrescenta-se a estas exigências o fato de, por ser a última etapa da educação básica, é fundamental buscar uma articulação com a profissionalização ao mesmo tempo em que objetiva que os conhecimentos obtidos permitam a compreensão do mundo em bases científicas. Outra ênfase das diretrizes é de que a educação é um direito social e que o ensino médio deverá ser universalizado para a população de 15 a 17 anos até o ano de 2016, isto por conta da Emenda Constitucional n. 59 que tornou obrigatória a educação dos 4 aos 17 anos, reafirmadas nestas diretrizes. Conforme as mesmas, os “[...] sujeitos do ensino médio são jovens: aqueles que estão em transição para a idade adulta, sendo que, no ensino noturno, 75% já estão inseridos no mercado de trabalho”, compreendendo não apenas o acesso à escolarização, mas também a permanência e o sucesso escolar (BRASIL, 2011, p. 13). Nas Diretrizes, observamos que a linha norteadora é a educação como um direito humano, assegurado pela Constituição Brasileira, e conforme um trecho do Documento destacou: 7 Entre os princípios fundamentais do país, consagra o fundamento da dignidade da pessoa humana; os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária, de garantir o desenvolvimento nacional, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, etnia, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; além de consagrar o princípio da prevalência dos direitos humanos nas suas relações internacionais. A Constituição estabelece, ainda, os direitos e garantias fundamentais, afirmando, discriminadamente, os direitos e deveres individuais e coletivos (BRASIL, 2011, p. 23). Esta justificativa promove, segundo nosso entendimento, a abertura para a educação daqueles que não puderam ter acesso à escolarização em idade própria – os jovens e adultos. Conforme o documento: A aproximação entre a EJA – Ensino Médio – e a Educação Profissional materializa-se, sobretudo, no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), instituído pelo Decreto nº 5.840/2006. A proposta pedagógica do PROEJA alia direitos fundamentais de jovens e adultos, educação e trabalho. É também fundamentada no conceito de educação continuada, na valorização das experiências do indivíduo e na formação de qualidade pressuposta nos marcos da educação integral (BRASIL, 2011, p. 17). Resguardado o princípio constitucional, os pressupostos para realização do ensino médio consistem em sua organização por intermédio das dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia. Por trabalho, o Documento esclarece que parte da perspectiva ontológica, da possibilidade de transformação da natureza pelo homem e, pela sua mediação, produzir a própria existência. Tal concepção não seria apenas instrumental para preparar para o trabalho, mas permite pensar um princípio organizador da vida humana. A concepção de ciência, no Documento, traduz os conhecimentos historicamente acumulados e que subsidiam o homem na perpetuação de sua existência, mediante conceitos que possibilitam ao homem interpretar, de forma significativa, sua realidade e existência. Complementa esse conceito a noção de tecnologia, entendida, nas Diretrizes, como a transformação da ciência em força produtiva, objetivando satisfazer as necessidades da humanidade. Já a cultura pressupõe, como explicitado pelas Diretrizes, o esforço coletivo para “conservar a vida humana e consolidar uma organização produtiva da sociedade” (BRASIL, 2011, p. 20). Todo esse referencial subsidia no ensino médio uma organização específica de conhecimentos, que toma por base o trabalho como princípio educativo. Considerar o trabalho como princípio educativo equivale a dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, dela se apropria e pode 8 transformá-la. Equivale a dizer, ainda, que é sujeito de sua história e de sua realidade. Em síntese, o trabalho é a primeira mediação entre o homem e a realidade material e social (BRASIL, 2011, p. 21). Com relação à concretização do ensino médio, as orientações das Diretrizes estão pautadas no princípio da formação humana, pressupondo diferentes formas de organização curricular; fortalecimento do projeto político-pedagógico; condições para organizar o trabalho pedagógico. Para tanto, é necessário destacar do Documento a pesquisa como princípio pedagógico, que deverá estar presente na educação e profissionalização dos alunos do ensino médio, bem como na educação de jovens e adultos. Pretende-se a formação de um aluno que seja protagonista, que busque novos saberes. Constatamos ainda, embora de forma inicial, que as novas Diretrizes do Ensino Médio aproximam-se conceitualmente do acúmulo de discussões e estudos desenvolvidos em relação à Educação Profissional integrada ao Ensino Médio, visto trazer as dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia como estruturantes na formação de sujeitos emancipados. Resta-nos verificar se as Diretrizes específicas da Educação Profissional irão se orientar pelos mesmos princípios norteadores presentes nas DCNs do Ensino Médio, como indicado no parecer da mesma. Isto quer dizer que as Diretrizes da Educação Profissional técnica devem se pautar nas Diretrizes do Ensino Médio como forma de complementaridade. Apontamentos sobre a Educação de Jovens e Adultos e Profissionalização Os anos 1990 trouxeram profundas modificações para as políticas educacionais dos países de terceiro mundo, os ditos países em desenvolvimento. A reestruturação do capital, a flexibilização do trabalho, o desmonte dos estados, agravados por opções de ordem política por parte dos governantes, fizeram com que a educação se caracterizasse muito mais como mercadoria, estando, portanto, à disposição de quem por ela pudesse pagar. Nesse sentido, a escola, que sempre teve como marca visível a preferência pela educação da classe mais abastada, passa a acentuar essa preferência ao deixar de atender novamente aos filhos dos trabalhadores no que se refere ao ensino profissionalizante. Não obstante a legislação criada com o objetivo de garantir uma formação profissional aos jovens brasileiros, a Educação Profissional tem apresentado, historicamente, altos e baixos, ora sendo ofertada nas escolas públicas, ora sendo deixada de lado como modalidade de menor importância e, ainda em alguns momentos, sendo de responsabilidade da rede 9 privada de ensino, de modo que somente teria acesso a ela aqueles que pudessem arcar com os seus custos. A retomada do ensino profissionalizante a partir de 2004 foi organizada de forma integrada, reuniram-se em um único currículo as dimensões trabalho, ciência, tecnologia e cultura, que passaram a ser indissociáveis. Estabeleceu-se, portanto, uma formação que não substitui a formação básica, mas integra-se a ela, preparando os sujeitos não apenas para o mercado de trabalho, mas para o mundo do trabalho. Quanto à Educação de Jovens e Adultos, o cenário construído historicamente no Brasil tem mostrado a cada publicação de dados estatísticos que há cada vez mais jovens e adultos desescolarizados, analfabetos funcionais e, ainda, os analfabetos “totais”, ou seja, aqueles que sequer chegaram a frequentar a escola. A EJA, portanto, configura-se num fato para além dos discursos, dos programas criados em nível nacional, das promessas de extinção do analfabetismo e outras falas semelhantes dos governantes nas três esferas. Em 2008, o Estado passou a ofertar a Educação Profissional integrada ao Ensino Médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – como política pública, destinando, para isso, recursos próprios e passando a construir uma proposta de formação continuada dos professores, cujo objetivo proporcionar melhor qualidade ao ensino dos jovens e adultos do PROEJA. A Secretaria de Estado da Educação reconheceu ser necessário atender ao grande contingente de jovens e adultos que passaram pela EJA ou pelo Ensino Básico, mas que necessitavam ainda de uma formação mais completa para fazer frente às necessidades impostas pela sociedade. Dessa forma, considerando os aspectos fundamentais da política, quais sejam: a universalização da educação básica, aumento da escolarização e a formação profissional como oportunidade de profissionalização, a SEED passou a investir no PROEJA como instrumento de singular significado no enfrentamento que, objetivamente, os jovens e adultos desescolarizados fazem com o mundo do trabalho cotidianamente. Desde a sua implantação em 2005, o PROEJA, Programa de Educação Profissional Integrada à Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, teve como foco o universo dos jovens e adultos no sentido de promover o aumento da sua escolarização e, concomitantemente, proporcionar-lhes a oportunidade de uma profissionalização. Nesse sentido, o PROEJA traz em sua concepção o objetivo de oferecer aos jovens e adultos que não frequentaram a escola na infância e na adolescência, ou que, por inúmeros motivos, interromperam o seu processo de escolarização, a possibilidade do retorno à vida escolar e, de forma mais efetiva, no sentido da complementaridade da sua educação mediante a 10 profissionalização, além de valorizar as capacidades desses sujeitos demonstradas ao longo das suas vidas de acordo com as suas experiências vivenciadas. Assim, pode-se prever a sua contribuição para a superação dos números e estatísticas apresentados a cada censo, nos quais o analfabetismo funcional, provocado pela precária condição de escolarização ou a desescolarização, resultantes de longos anos fora da escola, contribuem, sobremaneira, para aumentar as dificuldades na vida desses sujeitos. Ao ser concebido com tais intenções, o PROEJA deveria apresentar o diferencial que superasse o que, até então, fora proposto em relação à Educação de Jovens e Adultos. Dessa forma, o currículo integrado foi pensado para que os cursos pudessem proporcionar uma formação mais condizente com as necessidades apresentadas pelos jovens e adultos e que pudesse ser trabalhado por uma escola única, onde o pensar e o fazer constituíssem um todo, superando a dualidade entre a formação para o trabalho manual e a formação para o trabalho intelectual. Com essa configuração, o PROEJA, no estado do Paraná, toma por base teórica o trabalho como princípio educativo, com o objetivo de articular ciência, cultura, tecnologia e sociedade, objetivando garantir uma formação geral sólida, cujo fundamento é o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo do seu desenvolvimento. Nesse sentido, a organização curricular dos cursos a serem ofertados pretendeu: [...] promover a universalização dos bens científicos, culturais e artísticos tomando o trabalho como eixo articulador dos conteúdos, respondendo às novas formas de articulação entre cultura, trabalho e ciência com uma formação que busque um novo equilíbrio entre o desenvolvimento de atuar praticamente e trabalhar intelectualmente (PARANÁ, 2005, p. 36 b). A opção pelo currículo integrado partiu do princípio de que, para os jovens e adultos da EJA, deve ser destinada a melhor educação. Dessa forma, houve preocupação em assegurar na proposta curricular princípios científicos gerais, os quais são o fundamento das relações sociais e produtivas e nas quais sujeitos da EJA estão inseridos desde o momento em que, precocemente, inserem-se no mercado de trabalho. Nesse sentido, pretendeu-se que a integração curricular, ao configurar um projeto pedagógico para os cursos do PROEJA, estabelecesse condições necessárias para tomar o processo de trabalho, bem como as relações sociais daí estabelecidas, como eixo definidor dos conteúdos a serem apreendidos pelos alunos. 11 Apontamentos sobre a Experiência Paranaense No estado do Paraná, antes mesmo da aprovação do atual Decreto n. 5.154/04, iniciouse o processo que culminaria na integração do Ensino Médio com a Educação Profissional. Em linhas gerais, a base que fundamenta a proposta paranaense está em sincronia com as políticas indicadas em âmbito nacional, cujo destaque a ser feito refere-se à confluência na compreensão do trabalho enquanto princípio educativo como elemento central, que associado à ideia da relação entre ciência, tecnologia e educação profissional, o entendimento sobre a necessidade de articulação com a Educação Básica e as novas demandas da educação profissional decorrentes das mudanças no mundo do trabalho permitem visualizar as categorias que fundamentam a proposta em tela. No ano de 2003, a Secretaria de Estado da Educação (SEED), com base em diagnósticos realizados por ela, iniciou discussões e consequente definição de ações para, no ano de 2004, dar início à implantação da integração do Ensino Médio à Educação Profissional. A política instituída, conforme aponta documento apresentado em 2005 pelo Departamento de Educação Profissional – DEP/SEED: [...] inicia não só o processo de retomada da oferta pública e gratuita da formação para o trabalho, mas assume uma concepção de ensino e currículo em que o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia constituem os princípios fundamentais a partir dos quais os conhecimentos escolares devem ser trabalhados, para assegurar a perspectiva da escola unitária e de uma educação politécnica. (PARANÁ, 2005a, p. 4, grifos nossos). Esta defesa implica considerar que a escola é um direito de todos, mas não qualquer escola, é preciso uma escola de qualidade que, de fato, cumpra com a sua função social, afastada da ideia – e prática materializada e testemunhada pela história da educação brasileira – que dualiza a educação, com escolas diferentes para grupos diferentes. O entendimento sobre a escola unitária pressupõe, como nos indicou Ramos (2008, p. 62), que, nessa educação, “[...] todos tenham acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social”. Correspondentemente, esta escola unitária necessita ser politécnica, que, segundo a autora supracitada, significa uma educação que propicie “[...] a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos da produção moderna, de modo a orientar os estudantes à realização de múltiplas escolhas” (p. 62). O que equivale inferir que se pauta na defesa da garantia de acesso a todos aos conhecimentos que foram histórica e socialmente produzidos e acervados pelo conjunto da humanidade, uma construção que tem marcas sociais, 12 econômicas, culturais e, por isto mesmo, carregada de elementos políticos que não podem ser desconsiderados ou mesmo ocultados. A implementação do ensino médio integrado à educação profissional estabeleceu-se, inicialmente, com base em um cenário específico, conforme já apontado anteriormente, o contexto produzido pelas políticas implementadas no período imediatamente anterior, tanto em âmbito nacional como estadual, que reduziu a oferta de ensino profissionalizante sob a responsabilidade do Estado, provocou uma drástica retração de vagas, que, no Paraná, resumiram-se às ofertadas pelos Centros Estaduais de Educação Profissional – CEEPs, localizados em regiões do estado consideradas polos de desenvolvimento econômico. Tal situação, inevitavelmente, acabou por obstaculizar a profissionalização dos sujeitos da classe trabalhadora, uma vez que o acesso a cursos profissionalizantes se daria via rede privada, ou seja, aqueles que não pudessem pagar pelos mesmos estariam, consequentemente, excluídos do processo. Este alheamento do Estado na oferta de ensino profissionalizante produziu um contexto bem característico, que, não obstante, constituiu-se em alvo de severas críticas sejam de educadores e profissionais ligados à educação como também de representantes da sociedade civil organizada, cujo engajamento acabou por fortalecer um processo que resultou na revogação do Decreto 2208/97 e na aprovação do Decreto 5154/2004. No caso do Paraná, o cenário herdado trouxe à tona problemas de diferentes natureza, que precisariam ser enfrentados para a implantação do processo de integração. Destes, merecem destaque a necessária reestruturação curricular, assim como sua expansão, uma vez que as “diretrizes” anteriores não correspondiam aos fundamentos de uma concepção de Ensino Médio integrado à Educação Profissional. Outro enfrentamento central seria a composição do quadro próprio de professores específicos para a modalidade em questão, visto que o mesmo foi drasticamente sucateado pelo modelo de gestão anterior. É importante ressalvar que estes dois grandes desafios citados guardam estreita relação e nos interessam especialmente em função do nosso objeto de investigação. Ora, se partirmos do entendimento da necessidade do trabalho coletivo para a construção de um projeto, então, temos que considerar que compor os quadros é vital para o processo de reestruturação curricular. Coerentemente, outros elementos se somam aos supracitados para a implementação da proposta, como a formação continuada do quadro docente e técnico, a melhoria da estrutura física e material dos estabelecimentos e a sua manutenção sem a cobrança de taxas de qualquer natureza (PARANÁ, 2005b). Em linhas gerais, estas são as questões a ser enfrentadas se consideramos o contexto coletivo, mas cabe destacar que cada região, cada escola e, consequentemente, cada projeto 13 político-pedagógico, uma vez que reúnem características peculiares, terão enfrentamentos também peculiares, que não podem ser desconsiderados ou minimizados, considerando que, para a configuração e consequente materialização do currículo, convergem diferentes agentes e instâncias. Como esclarece Sacristán (2000, p. 101): Os níveis nos quais se decide e configura o currículo não guardam dependências estritas uns com os outros. São instâncias que atuam convergentemente na definição da prática pedagógica com poder distinto e através de mecanismos peculiares em cada caso. Em geral, representam forças dispersas e até contraditórias que criam um campo de conflito natural [...]. E completa: [...] as decisões não se produzem linearmente concatenadas, obedecendo a uma suposta diretriz, nem são frutos de uma coerência ou expressão de uma mesma racionalidade. São importantes tais ressalvas, porque a desconsideração de qualquer uma delas poderia obstaculizar e quem sabe até impossibilitar a implementação da proposta em tela, não necessariamente apenas para a implementação do ponto de vista formal, mas, sobretudo, para a sua materialização real em cada escola, em cada projeto político-pedagógico. Ainda que nem todas as condições sejam garantidas a priori, é fundamental que haja um movimento efetivo por parte da mantenedora e das escolas para que tais condições sejam conquistadas, sob a pena de que esta proposta se resuma a mais um engodo, que tão tristemente tem sido protagonista na história e na legislação educacional brasileira. Apontamentos Finais Ao desenvolver a análise do percurso realizado pelo grupo que investiga o processo de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio e à Educação de Jovens e Adultos é possível destacar que as discussões que permeiam a defesa de uma educação realmente comprometida com a formação de filhos da classe trabalhadora é feita em terreno contraditório. A formação de alunos protagonistas é um desafio considerando-se a sociedade excludente que vivemos. Da mesma forma é preciso pensar o desafio na formação e profissionalização de jovens e adultos que são provenientes de um processo de escolarização complicado no cenário brasileiro se pensamos na formação humana enquanto síntese de ciência, de tecnologia e do humanismo. Consideramos que nesse processo a implementação da proposta é um dos eixos para análise dos problemas que destacamos nesse início de pesquisa que em nosso entendimento 14 são apontamentos bastante iniciais, mas, que já trazem elementos que teremos que analisar de forma mais aprofundada. REFERÊNCIAS BRASIL. Resolução CEB n. 03, de 26 de junho de 1998. Institui as diretrizes curriculares para o ensino médio. Brasília, DF: MEC, 1998. ______. Parecer CNE/CEB nº 5/2011, de 5 de maio de 2011. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. ______. Resolução CEB n. 04/99. Institui as diretrizes curriculares para a educação profissional. Brasília, DF: MEC, 1999. ______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: MEC, 1996. ______. Decreto n. 5.154, de 23 de julho de 2004. Brasília, DF: DOU 26-7-2004, 2004. ______. Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997. Brasília, DF: DOU18-04-97, 1997. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. A gênese do Decreto 5154/2004. Um debate no contexto controverso da democracia restrita. Trabalho necessário, n. 3, p. 1-26, 2005. Disponível em: <http://forumeja.org.br/pf/sites/forumeja.org.br.pf/files/ CIAVATTAFRIGOTTORAMOS.pdf>. Acesso em 18 mai. 2012. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994. KUENZER, Acácia Z. (Org.). Ensino médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São Paulo: Cortez, 2002. PARANÁ. Fundamentos políticos e pedagógicos da educação profissional do Paraná. Curitiba: SEED, 2005a. Documento mimeografado. ______. Orientações curriculares: Fundamentos políticos e pedagógicos da educação do Paraná. Curitiba: SEED, 2005b. RAMOS, Marise. Concepção do ensino médio integrado. In: PARANÀ. O ensino médio integrado à educação profissional: concepções e construções a partir da implantação na Rede Pública Estadual do Paraná. Curitiba: SEED, 2008. 15 SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo. Porto Alegre: Artmed, 2000.