Nino Cais – cabeças, colunas A colagem, que marca boa parte dos trabalhos que Nino Cais apresenta em sua nova mostra, não é de modo algum um expediente recente no trabalho do artista, bem como não o é a sua utilização de padrões de estamparias, de imagens derivadas dos universos da moda e da decoração, ou, ainda, a sua insistência em operações que consistem em substituir, tapar ou esconder o rosto de figuras humanas. A presente mostra, contudo, parece sinalizar que talvez esteja em curso, no trabalho do artista, uma articulação conjunta desses procedimentos que já vêm desde muito tempo aparecendo aqui e ali, em desenhos, colagens, vídeos, fotografias. Talvez o mais imediatamente reconhecível desses procedimentos seja a recorrente intromissão de objetos à frente da cabeça de figuras – estejam essas figuras presentes em páginas que Nino extrai de revistas e catálogos, sejam essas figuras fotografadas por ele em primeira mão (entre estas o próprio artista). Observando-se os tantos trabalhos em que Nino Cais apresenta figuras escondendo suas cabeças por detrás e debaixo de alguns objetos, ou então, figuras cuja cabeça fora substituída por outros objetos, não se poderia deixar de notar que a ideia de timidez esteve sempre no horizonte das experiências do artista. Somando-se a isto o fato de que os objetos com os quais essas operações se completavam fossem, no mais das vezes, objetos de uso cotidiano (louças, mobiliários, artigos de cama, mesa e banho), não seria inexato supor que o trabalho tenha sempre também buscado resguardar indícios de uma experiência privada. Seria, quem sabe, um trabalho que apontaria para uma dificuldade de se oferecer a uma dimensão pública, mas que o faria por um caminho invertido: assomando uma série de artifícios de exibição e exposição, entre eles a utilização de cores vibrantes, de enquadramentos que centralizam as figuras no campo, a exposição de partes de corpos descobertas, a ampliação das imagens a uma escala relativamente grande, mas, acima de tudo, a utilização de ampliações fotográficas como meio privilegiado para os trabalhos – não se trataria, afinal, de tematizar, apenas, uma dificuldade de exposição, mas de fazê-lo em tensão com um meio cuja natureza parece ser a sua capacidade de exibição, publicação, reprodução. Antes disso, porém, chamar-se-ia a atenção para o fato de que as figuras utilizadas e capturadas por Nino em seus trabalhos recentes estejam sempre em posição ereta, no mais das vezes em pé: o trabalho não busca o corpo em descanso, molenga, lasso, mas, sim, um corpo sempre escorado, que é dado a ver, além disso, inteiro e, ainda, centralizado, contra um “fundo infinito”. E mesmo nos casos em que figuras aparecem diante de algum outro pano de fundo, ou quando apenas parte de seus corpos aparece capturada, elas são de algum modo destacadas: são figuras – ou grupos de figuras – eretas, captadas diante de um nada, em condições perfeitas de isolamento (o que obviamente aparece no trabalho porque este fora resgatar parte delas em ensaios de coleções de moda, aprendendo o procedimento para as suas próprias construções). Uma vez tendo suas cabeças interditadas, porém, essas figuras passam a se comportar como estrutura de sustentação daqueles objetos (que não raro são desproporcionais ao seu tamanho), e deste modo o trabalho parece dispor de um corpo convertido em experiência de verticalização – assim como aquele fundo (bem como os motivos decorativos que ali por vezes ingressam) tende a se converter em força de expansão lateral das imagens, contrapondo-se a esse eixo vertical composto pelo empilhamento dos corpos e de seus acessórios. De alguma forma, essas obras de Nino Cais desinvestem os corpos humanos de suas singularidades e os apresentam como imagens mais gerais, caracterizadas por uma espécie de antropomorfismo, às vezes quase que reduzidas à figura de colunas de sustentação – coisa que se radicaliza nas composições tridimensionais do artista presentes na mostra. Se a ideia de sustentação remonta a experiências anteriores de Nino – experiências em que o artista empilhava ou equilibrava objetos, muitas vezes com o seu próprio corpo, para então fotografar isto que eram momentos de um equilíbrio repleto de pontos de tensão, ou então em que imagens recortadas de objetos eram coladas uma acima da outra, à frente de figuras humanas, como se empilhassem ali –, nesses novos trabalhos do artista não são os objetos que escoram ou reforçam propriamente os corpos; nas imagens que Nino Cais apresenta agora, em que se fundem pessoas e objetos, a ideia de escoramento ou de sustentação passa a coincidir com o próprio estatuto dos corpos. Interessa notar, em todo caso, no pequeno conjunto de trabalhos que Nino organiza em sua exposição, que embora possuam algo de “fantástico”, as misturas entre coisas e pessoas não parecem resultar em imagens monstruosas ou assustadoras. Antes, a operação dos trabalhos é uma que convida a supor não um corpo mutilado, mas imagens mais abstratas, decerto mesmo porque das figuras terá sido extraída sua singularidade, no momento exato em que suas cabeças foram substituídas; e decerto também porque essa singularidade é continuamente reposta na possibilidade de que o objeto que ocupa o lugar da cabeça para cada figura reintroduza algum tipo de vitalidade, de memória ou de significado àquele corpo ora tão inanimado. Seria curioso notar, não obstante, que a escolha das figuras que Nino submete a tais procedimentos talvez também contribua para que a relação entre corpo e objeto se estabeleça sem que se aponte para uma animosidade triste ou desencantada. Trata-se, boa parte delas, de figuras de jovens, de crianças, às quais os objetos se somam não sem ares de um jogo em que as próprias figuras pudessem assumir qualquer identidade, em que a substituição da feição por objetos estivesse contida, como uma possibilidade, no próprio estágio formativo dos modelos. Todavia, o que parece mais decisivo é o fato de que o próprio trabalho de Nino Cais se exponha tão claramente por meio de combinações e recombinações de alguns poucos elementos, algo que por certo o artista deriva de suas experiências com a colagem, mas que se espraia igualmente em suas fotografias, em seus objetos tridimensionais, em seus desenhos. Carlos Eduardo Riccioppo Abril de 2010