ANÁLISE COMPARATIVA DA ASSISTÊNCIA AO IDOSO EM CONDIÇÕES DE
SAÚDE DIFERENCIADA – REARRANJOS E SOLIDARIEDADE FAMILIAR
Aline Oliveira Guidis1
Karla Maria Damiano Teixeira2
Juliana Alexandrino Santos3
Maria das Dôres Saraiva de Loreto4
INTRODUÇÃO
O fenômeno do envelhecimento da população mundial não é assunto novo. China,
Japão e países da Europa e da América do Norte já convivem há muito tempo com um
grande contingente de idosos e com todos os problemas associados ao envelhecimento,
como aposentadorias e doenças próprias da terceira idade. Isto tem como conseqüência
altos custos para o Estado, e, portanto, requer políticas sérias e consistentes a respeito.
Países em desenvolvimento, como o Brasil e México, aonde o número de idosos também
vem aumentando, necessitam urgentemente de políticas racionais para lidar com as
conseqüências sociais, econômicas e de saúde do envelhecimento populacional.
Nos últimos anos, o número de idosos no Brasil vem aumentando devido, entre
outros fatores, às quedas nas taxas de mortalidade e à diminuição da fecundidade. De
acordo com Berzins (2003) estima-se que, em 2025, a população com mais de 60 anos
chegará à cerca de 33,4 milhões de velhos, fazendo do Brasil o 6º país mundial em
população idosa, superando em 2050 a população menor de 14 anos. Este aumento no
1
Economista Doméstico, Mestranda em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa – UFV.
Rua Dona Sinhá, nº 01, Bairro: Lourdes, Viçosa/MG. Tel. (31) 38992001. [email protected]
2
Economista Doméstico, Doutora em Economia Familiar; Prof. Adj. do DED/UFV.
3
Economista Doméstico pela UFV.
4
Economista Doméstico, Pós-Docto em Economia Familiar e Meio Ambiente; Prof. Adj. do DED/UFV
número de idosos tem provocado uma inversão da pirâmide etária populacional. Agora se
observa um estreitamento da base, ocupado pelas categorias etárias mais jovens e um
alargamento do ápice, ocupado pela população mais idosa.
Uma pessoa é considerada idosa, segundo a literatura geriátrica e gerontológica, a
partir dos 65 anos. De acordo com Paschoal (1996), “este é o corte etário adotado pela
Organização das Nações Unidas para os países desenvolvidos, enquanto para os países em
desenvolvimento, onde a expectativa média de vida é menor, considera-se que a idade de 60
anos seja de transição das pessoas para o segmento idoso da população”.
O aumento na expectativa de vida, segundo Veras (2003), deve ser reconhecido
como uma conquista social e está diretamente ligado à melhoria das condições de vida,
educação e de atenção à saúde. Todavia, como já foi relatado, este cenário é visto como
preocupação, pois requer demandas por políticas públicas, colocando desafios não só para o
Estado e a sociedade, mas também para a família. Na terceira idade, o corpo entra em
declínio e a força total de trabalho já não é a mesma, o que provoca um aumento na
incidência de problemas de saúde e maior consumo de medicamentos; podendo ocorrer
comprometimento da capacidade funcional a ponto de impedir o cuidado de si. A
prevalência das doenças crônico-degenerativas é bastante expressiva entre os idosos, e entre
as conseqüências da maior presença destas doenças, no grupo, destacam-se o maior tempo
de internação hospitalar, a recuperação mais lenta e uma maior freqüência de reinternações
e invalidez (VERAS, 2003).
Para Ferreira (2000), as alterações estruturais e funcionais que ocorrem nesse
período da vida, embora variem de indivíduo para indivíduo, são características do processo
normal de envelhecimento e exigem que algumas transformações sejam feitas no domicílio,
a fim de adequar os aposentos à necessidades dos membros. Assim, a referida autora
realizou uma pesquisa para investigar as barreiras arquitetônicas no local onde moravam e,
que porventura, pudessem interferir na vida do idoso. Várias barreiras foram citadas como:
pisos escorregadios ou com desníveis, escadas; altura inadequada dos vasos sanitários, falta
de espaço suficiente para facilitar a ajuda de outras pessoas no banheiro e a dificuldade no
manuseio das torneiras, dificuldade esta também citada na cozinha. No quarto, os
interruptores distantes da cabeceira da cama são outro problema. Na sala, as janela e
maçanetas de difícil manuseio, além de outras barreiras também na área externa à casa e a
falta de aposentos para todos os membros.
A autora concluiu que a maioria dos idosos e suas respectivas famílias não
pretendiam efetuar ajustes em suas casas, para satisfazer suas necessidades individuais. Um
dos motivos, além da falta de dinheiro, foi a falta de liberdade destes idosos para efetuar
determinados ajustes, pois a maioria morava com familiares, além de não haver
preocupação dos familiares com a eliminação de barreiras, já que se limitavam a efetuar
obras mais urgentes.
“O divórcio, viuvez, filhos que não saem nunca de casa são as várias razões que
explicam porque, no Brasil, as gerações mais velhas coabitam cada vez mais com as
gerações mais jovens. Muitos filhos divorciados e viúvos retornam à casa dos pais
solicitando um apoio financeiro ou moral, para educar seus filhos” (Santini, 2004).
Conjugado a estes elementos, a renda do idoso (pensão ou aposentadoria) é outro fator que
contribui para que a família o acolha em seu domicílio, pois as taxas de desemprego têm se
mantido elevadas e, pesquisas apontam que, muitas vezes, é essa renda que mantém o
núcleo familiar. Assim, a renda do idoso é apontada como outro fator importante para que
os mesmos coabitem junto a outros membros familiares. O idoso tem a necessidade de
assegurar não só a própria manutenção, em face de despesas crescentes com a saúde, e
ainda continua contribuindo para o orçamento familiar. O aposentado, muitas vezes, é
obrigado a sustentar a outros membros porque o cidadão perdeu o emprego; além do fato de
que o idoso pode contribuir com os afazeres domésticos e o cuidado das crianças pequenas.
Segundo Freitas (2000), em razão dos processos de mudanças que vêm ocorrendo na
família e na sociedade, o idoso, por não dispor de espaço no ambiente doméstico busca
como sua única alternativa as instituições asilares. Além disso, quando adoece, sua família
se depara com a realidade precária do sistema de saúde brasileiro, e acaba encaminhando o
idoso para as instituições asilares.
No entanto, em muitos casos, devido à falta de recursos para colocá-los em
instituições asilares ou por acreditar que as mesmas não oferecem serviços de qualidade, a
“carga” recai sobre a família que cuida do idoso em casa.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho foi identificar os motivos que levaram a família a acolher
um idoso, verificando os rearranjos necessários para abrigá-lo, uma vez que a inserção deste
novo membro na família provoca mudanças na composição familiar e na sua interação com
os outros sistemas do seu ambiente. Especificamente pretendeu-se: identificar as possíveis
contribuições do idoso na família; observar o relacionamento do idoso com os outros
membros familiares; analisar comparativamente famílias que possuem em sua estrutura um
membro idoso.
EMBASAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO
O embasamento teórico conceitual deste trabalho é a abordagem ecossistêmica
proposta por Deacon e Firebaugh que enfatiza as inter-relações entre os diversos sistemas e
seu ambiente. De acordo com Damiano-Teixeira (2003), “o modelo desenvolvido por
Deacon e Firebaugh (1988) considera a família como um sistema com dois subsistemas
principais: o pessoal e o administrativo. O subsistema pessoal recebe inputs do ambiente
externo (recursos externos); sendo responsável pela criação das capacidades individuais dos
membros da família. Através do subsistema administrativo, indivíduos e famílias se
esforçam para alcançar suas metas e para adquirir e usar seus recursos.
Os subsistemas pessoal e administrativo interagem através de processos de
comunicação para desenvolver dinâmicas de coesão entre os sistemas, adaptabilidade e
funcionalidade via processos de transformação (throughputs). A retroalimentação
(feedback) do processo de comunicação para os indivíduos é importante por mostrar como o
sistema continuará a funcionar.
METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada na cidade de Viçosa/MG e como unidade de análise, foram
escolhidas intencionalmente duas famílias com rendas diferentes, que possuem um membro
idoso (a mãe da esposa); sendo uma inválida e mais dependente (Família 2) do que a outra
(Família 1). É uma pesquisa qualitativa, onde as informações foram coletadas por meio de
entrevistas semi-estruturadas; fazendo-se uso do genograma e do ecomapa de cada família
que, de acordo com Anjo (1991), constituem-se como métodos de coleta de dados para
avaliação da estrutura familiar e da sua interação com o exterior.
Para se atender aos objetivos do estudo, as variáveis de análise referiram-se a:
estrutura familiar, motivos que levaram à inserção de um idoso em sua composição e quais
foram os rearranjos necessários após esta modificação. Investigou-se, ainda, quais são os
outros sistemas com os quais as famílias interagem e como se dá essa interação;
procurando-se analisar comparativamente as duas realidades de vida.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados mostraram que as duas famílias são do tipo nuclear, possuindo a
mesma estrutura, formada pelo pai, a mãe e três filhos (dois meninos e uma menina)
(FIGURAS 01 e 02) .
1921
JS
JJL
JS
AN
1932
MS
FE
RF
TM
EH
1934
JPV
MD
CM WM WM
1965
MC
CD
MF
PMS
MDTS
?
?
JJS
AAS
?
NAS
1960
C: 14/12/85
EMB
AAS
1954
JPV
1997
1938
S
EB
1980
1936
WM WM WM MS
AC
1960
MCP
TMS
1999
MCNS
1987
LSP
FIGURA 01: Genograma Família 01
1986
MSP
1992
ALSP
FIGURA 02: Genograma Família 02
Os motivos pelos quais as famílias abrigaram a idosa são divergentes. Na família 1,
este fato ocorreu porque a idosa sempre morou com a filha, ou próximo a ela, por terem
mais afinidade. Na família 2, a mãe foi viver com a filha devido a problemas de saúde e por
não ter outro lugar para morar, uma vez que os outros filhos sofrem com problemas mentais
ou como a própria entrevistada expressou:“problema de cabeça”. Um fato comum às duas
famílias foi que ambas tiveram que se organizar para receber o “novo membro”,
desocupando um quarto de um dos filhos para acomodá-lo; ou seja, não houve
investimentos no espaço residencial para adequá-lo às necessidades do idoso. Percebeu-se,
ainda, que as duas idosas recebiam renda (pensão ou aposentadoria) e que ajudavam a
algum membro familiar. No caso da família 1, a idosa, além de comprar medicamentos e
objetos pessoais, ajudava a uma outra filha, que mora em outra cidade; pelo fato dessa
unidade familiar contar com recursos suficientes para o atendimento de suas necessidades
(FIGURA 03). Quanto à família 2, a renda era destinada para a aquisição de remédios e
para as demais despesas previstas no orçamento doméstico. Outro dado constatado foi que a
idosa da família 1, eventualmente, ajudava, espontaneamente, nos afazeres domésticos e no
cuidado com os netos, pois sua saúde lhe permitia agir dessa forma; enquanto que no 2º
caso isso não ocorria, pois a idosa encontra-se debilitada, permanecendo todo o tempo na
cama.
Grupo Familiar
Meios de Comunicação
Meio-Ambiente
Sistema de Saúde
FIGURA 03: Ecomapa Família 01
Em relação ao cuidado com as idosas, percebeu-se que na família 1 a idosa, mesmo
não estando doente, não costuma ficar sozinha em casa, uma vez que havia sempre um
adulto para lhe fazer companhia (a filha ou a empregada) A presença da empregada
doméstica não estava vinculada à inserção da idosa na família, mas sim à existência de
crianças pequenas.. No caso da 2ª família, a idosa ficava parte do dia com os netos;
chegando, algumas vezes, a ficar sozinha; já que os adultos saíam para trabalhar fora todo o
dia e o rendimento familiar era insuficiente para a contratação de uma pessoa a tempo
integral, existindo apenas uma pessoa a tempo parcial, contratada exclusivamente para
ajudar a cuidar da idosa (dar o banho).
Com relação à interação da família com os demais sistemas, percebeu-se que na
família 1 a idosa não causa “desvios” à rotina familiar, uma vez que a mesma acompanha a
família a passeios, viagens, celebrações religiosas, mantém contato com a família extensa e
possui um bom relacionamento com os vizinhos.
Na outra família, percebeu-se que os sistemas com os quais a idosa interage são,
basicamente, a família com a qual vive, a pessoa que foi contratada para ajudar no cuidado
da mesma e o sistema de saúde público, onde são realizadas as consultas periódicas para o
controle dos medicamentos que a mesma usa (FIGURA 04).
Grupo Familiar
Meios de Comunicação
Meio-Ambiente
Sistema de Saúde
FIGURA 04: Ecomapa Família 02
Assim, na família 2, os componentes não costumam ter horas de lazer, em conjunto,
fora do âmbito doméstico, pois a idosa não pode acompanhá-los e a filha, nos fins de
semana, se dedica mais à mãe; além disso a idosa não tem contato com vizinhos, nem com
a família extensa.
Conclusões
Ressalta-se que este foi um estudo específico para duas famílias, não sendo
possível, dessa forma, generalizar os resultados encontrados. Pôde-se fazer inferências de
que os motivos que levaram as famílias estudadas a acolher um idoso foram,
principalmente, a questão da saúde, em um caso, e, no outro caso, o “costume” de ter o
idoso sempre por perto. Concluiu-se que para acolher o novo membro as famílias tiveram
que fazer adaptações no rearranjo familiar, principalmente no que se refere aos aposentos,
pois eram insuficientes para todos os membros. Pôde-se concluir, ainda, que a renda é um
fator determinante na qualidade de vida das famílias e que a solidariedade familiar, talvez,
seja o ponto marco mais importante no cuidado e acolhimento a um idoso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANJO, Lima. Avaliação da estrutura familiar: o genograma e o ecomapa. Escola
Superior de Enfermagem de Maria Fernanda Resende. 1991. Disponível em
http://www.google.com.br/search?q=&hl=pt-BR&lr=lang_pt&ie=UTF-8&start=20&sa=N
BERZINS, M. A. V. da S. Envelhecimento Populacional: uma conquista para ser celebrada.
In: Revista Serviço Social e Sociedade: Velhice e Envelhecimento. nº75, São Paulo:
Cortez. P. 19-34.
DAMIANO-TEIXEIRA, K. M. Toward an integrated family-employment management
theory: A qualitative analysis of female faculty members. 2003. 198 f. Tese (Ph.D. em
Ecologia Humana) Department of Family and Child Ecology, Michigan State University,
East Lansing, Estados Unidos, 2003.
FERREIRA, E. de F. Identificação de barreiras arquitetônicas na percepção de idosos.
Viçosa – MG: UFV, 2000. 84p.
FREITAS, M.V.N. de. Análise de instituições asilares: condição e qualidade de
atendimento ao idoso na região metropolitana de Belo Horizonte –MG. Viçosa: UFV,
2000. 74p.
PASCHOAL, S. M. P. Autonomia e independência. In: Netto, M. P. (org). Gerontologia.
São Paulo: Atheneu, 1996. P. 313-323.
SANTINI, R. E. O perfil do idoso na sua unidade doméstica – o caso de Viçosa.
Viçosa:UFV, 2000. 173p.
VERAS, R. A Longevidade da População. In: Revista Serviço Social e Sociedade:
Velhice e Envelhecimento. nº75, São Paulo: Cortez. P. 5-18.
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