Março – Biologia I – 2ª Série
Descobertas e sumiços
Mapeamento de mamíferos de grande e médio porte já encontrados no Nordeste revela novas espécies e mostra
que animais como a onça-pintada e o tatu-bola estão extintos em alguns estados.
Por: Camille Dornelles
Publicado em 20/01/2014 | Atualizado em 21/01/2014
Durante o levantamento, uma nova espécie de
porco-espinho, ‘Coendou baturitensis’ (na foto), foi
identificada. Anteriormente, ela era confundida com a
espécie ‘Coendou prehensilis’. (foto: Hugo FernandesFerreira)
Um recente estudo feito pela Universidade Federal
da Paraíba (UFPB) mapeou as espécies de mamíferos de
médio e grande porte que já foram registradas em parte do
Nordeste do país. A análise dos animais terrestres
encontrados na caatinga e na mata atlântica nordestina
revelou duas novas espécies.
Feito durante o mestrado em zoologia do biólogo
Anderson Feijó, o trabalho examinou 652 animais guardados e catalogados em museus de universidades.
“Contabilizei os mamíferos depositados nos museus da Universidade Federal da Paraíba, da Universidade Federal
de Pernambuco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo, por serem as maiores
coleções com representantes do Nordeste”, conta o pesquisador.
Foram identificadas 40 espécies diferentes de mamíferos de médio e grande porte naturais do Nordeste
O biólogo também olhou para a literatura científica relacionada aos estados de Alagoas, Ceará,
Pernambuco e Paraíba, em busca dos locais de ocorrência e dos nomes populares de cada animal já registrado. No
total, ele foi capaz de identificar 40 espécies diferentes de mamíferos de médio e grande porte naturais do
Nordeste.
O sagui, a raposinha e o guaxinim estão entre os animais mais abundantes na região. Já a onça-pintada, o
tatu-bola e o tamanduá-bandeira estão extintos em diversos locais desses quatro estados analisados e só podem
ser encontrados nos acervos dos museus. “O tatu-bola, uma espécie restrita ao Brasil, não é mais encontrado em
algumas regiões, como o estado da Paraíba e o Araripe cearense”, conta o pesquisador. “Como ele se enrola em
vez de correr dos caçadores, é facilmente capturado, o que aumenta seu risco de extinção.”
O estudo mostrou que o tatu-bola-da-caatinga
(‘Tolypeutes tricinctus’), espécie própria do Brasil, já não é
mais encontrado em alguns estados nordestinos. (foto:
Wikimedia Commons/ Ltshears – CC BY-SA 3.0)
Feijó ressalta, no entanto, que algumas espécies para as
quais não foram encontrados registros dentro dos estados
estudados foram observadas em regiões muito próximas.
“Há registros recentes de onça-pintada na Bahia e no Piauí,
então é possível que haja espécimes em Pernambuco e
Alagoas, mesmo que não tenham sido encontrados nas
coleções dos museus”, comenta.
O trabalho foi o primeiro a analisar a distribuição e
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taxonomia dos mamíferos de médio e grande porte nesses estados. O biólogo acredita que o estudo é um pontapé
inicial para organizar novas coletas. “Nossos resultados servirão de base para propor pesquisas em locais ainda não
explorados”, diz.
Novidades no pedaço
A surpresa da pesquisa foi a descrição da cutia-de-garupa-laranja da mata atlântica como uma espécie
independente e a identificação de uma nova espécie de porco-espinho. Até então, acreditava-se que só havia uma
espécie de porco-espinho no estado do Ceará, o Coendou prehensilis. Mas, durante a análise de crânios de porcosespinhos da coleção do museu da UFPB, Feijó percebeu um diferente dos demais. “Ele era um pouco mais
arredondado na região dos nasais”, conta. “Achei que se tratava de uma nova espécie, mas com um único crânio
não dava para ter certeza”.
A suspeita foi confirmada quando, no Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o pesquisador
encontrou outro crânio com as mesmas características, mas
classificado como outra espécie. O animal em questão tinha
sido coletado na Serra de Baturité, no Ceará. “Atualmente,
estamos à procura de novos locais onde esse porco-espinho
possa ocorrer para ampliar o nosso conhecimento sobre a
distribuição dessa nova espécie”, afirma o pesquisador.
Ilustração da cutia-de-garupa-laranja descrita pelos pesquisadores da UFPB. A nova espécie, batizada de
‘Dasyprocta iacki’ e presente na mata atlântica dos estados da Paraíba e de Pernambuco, foi nos últimos anos
confundida com a cutia ‘Dasyprocta leporina’, natural da Amazônia. (ilustração: Roy Baethe)
A descrição da cutia-de-garupa-laranja, também da coleção da UFPB, veio desfazer outra confusão. A
espécie já era conhecida e havia sido descrita e batizada de Dasyprocta aguti em um trabalho científico de 1766.
Mas sofreu o que os biólogos chamam de problemática taxonômica. “Outro estudo, feito em 2001, atribuiu
erroneamente o nome científico dessa cutia nordestina a uma segunda espécie de cutia existente na Amazônia por
causa da semelhança entre as duas”, diz Feijó. “Isso aconteceu porque o primeiro trabalho não especificava a
localização do animal, que vive na mata atlântica nordestina. Assim, acreditou-se que se tratava de uma única
espécie”, explica.
Depois que o pesquisador mostrou se tratarem de duas espécies diferentes, a cutia amazonense ficou com
o nome de Dasyprocta leoprina e a nordestina, que já é velha conhecida dos moradores da região, recebeu outro
nome científico: Dasyprocta iacki.
Dorneles, Camille (2014) "Descobertas e sumiços". Ciência Hoje. Consultado em 06 de fevereiro de 2014,
<http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/01/descobertas-e-sumicos>.
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