IDENTIFICAÇÃO DA MICROESTRUTURA DE PELOS DE Didelphis albiventris E
Didelphis aurita.
Fernanda C.Souza1, Paloma Silva Resende1, Olívia Carolina Tonussi Da Silva1, Carolina Cotta
Tibúrcio1e Fernando Cesar Cascelli de Azevedo2.
Introdução:
Os pelos são estruturas epidérmicas queratinizadas encontradas apenas em mamíferos, tem
como função principal permitir a termorregulação e proteção mecânica. Em relação às variações de
tipos, morfologias e coloração de pelos existentes entre as espécies, Teerink (1991) dividiu estes em
dois tipos; pelos guarda e subpelos. Os subpelos apresentam em maior quantidade e são mais curtos
e ondulados (Day, 1966), não sendo utilizados para identificação de espécies por apresentarem
semelhanças em espécies diferentes (Teerink, 1991). Os pelos - guarda possuem ao longo de seu
comprimento a haste que segue após o bulbo do pelo e o escudo que esta entre a haste e a
extremidade distal do pelo (Teerink, 1991).
A estrutura dos pelos é constituída por medula, córtex e cutícula, sendo que os padrões da
cutícula da haste e da medula do escudo são as características principais na identificação das
espécies (Gartern & Hiatti, 1999; Teerink, 1991).
A análise dos padrões encontrados na cutícula e medula com a utilização do microscópio
pode contribuir para identificação de espécies em várias áreas de estudo, como a paleontologia
(Meng &Wiss, 1997), ecologia (Hilton & Kutscha 1978, Cypher 1993), ciência forense (Houck
2002) e arqueologia.
Desde o século passado observa-se a importância da tricologia como método de
identificação de espécies através do empenho de muitos pesquisadores que buscavam descrever as
características encontradas na microestrutura dos pelos (Hausman,1920; Wildman,1954).
Destaca-se o pesquisador Hausman (1920), que trouxe primeiras contribuições através das
publicações que ofereciam nomenclaturas, classificações e técnicas, auxiliando muitos trabalhos
nesta área. Ele ofereceu nomenclaturas para oito padrões de cutícula e oito padrões de medula.
Para facilitar a aplicação dos diferentes termos utilizados para nomear as características
encontradas nas microestruturas dos pelos, QUADROS & MONTEIRO-FILHO, 2006 b, fez uma
revisão dos padrões microestruturais e propôs uma nomenclatura em português para estes padrões.
Assim, 15 padrões cuticulares foram descritos com base em características das bordas das
escamas cuticulares como; o imbricamento, a ornamentação, e a continuidade das bordas das
escamas, e características das escamas cuticulares como sua forma, dimensão e orientação. Para
definir os padrões medulares foram considerados seis caracteres da medula; presença da medula,
continuidade, presença de fileiras de células, disposição das células, ornamentação da margem e
forma das células medulares. Foram nomeados 17 padrões medulares de acordo com suas
características. As descrições detalhadas dos padrões cuticulares e medulares esta disponível em
QUADROS & MONTEIRO-FILHO, 2006 b.
Com base na nomenclatura dos padrões cuticulares e medulares proposta por QUADROS &
MONTEIRO-FILHO, 2006 b, o presente trabalho tem como objetivo descrever os padrões
microestruturais da cutícula e medulados pelos - guarda das espécies Didelphis albiventris e
Didelphis aurita, a fim de obter informações tricológicas que diferenciem os pelos dessas duas
espécies.
Este trabalho pode servir como subsídio para pesquisas que necessitam diferenciar os pelos
dessas espécies em diversas situações ecológicas.
Metodologia:
As técnicas utilizadas para melhor preparo das lâminas foram analisadas quanto sua eficácia
e praticidade, e o método que julgamos ser o mais conveniente foi o utilizado e exemplificado por
QUADROS & MONTEIRO-FILHO, 2006 a. Os pelos - guarda contendo bulbo e ápice foram
lavados em álcool etílico comercial e secos em papel absorvente. Em lâminas de vidro limpas foi
espalhada uma camada de esmalte incolor deixando-a secar por um intervalo de tempo entre 15 e 20
minutos. Então, os pelos colocados sobre a lâmina e prensados entre duas placas de madeira em
uma morsa, obtendo-se assim a impressão cuticular. A impressão ficou 30 minutos secando e após
este tempo os pelos já poderiam ser tirados cuidadosamente do esmalte através da sua extremidade
distal e acondicionados em caixas porta-lâminas.
Para preparação medular, utilizamos como substância diafanizadora, água oxigenada
comercial 30 volumes por 80 minutos. A água oxigenada permite o clareamento da medula, sendo
possível a sua visualização com clareza sob incidência da luz do microscópio, sem danificação de
sua microestrutura. Os pelos foram lavados para retirar o excesso de água oxigenada e assim, as
lâminas permanentes foram confeccionadas com auxílio do esmalte para fixação das lamínulas
sobre os pelos.
Após a preparação das lâminas, utilizamos o microscópio óptico para obter as características
da microestrutura da cutícula e medula de cada espécie. Observamos os padrões cuticulares e
medulares em três aumentos diferentes 100, 200 e 400 vezes e as imagens foram obtidas nos
respectivos aumentos com auxílio de um microscópio óptico equipado com sistema de captura de
imagens.
Resultados e Discussão:
Podemos observar através das imagens microscópicas obtidas, que as bordas das escamas
cuticulares de Didelphis albiventris são pavimentosas, ou seja, estas não apresentam bordas livres e
nem ocorre sobreposição entre as bordas de escamas adjacentes. Em relação a forma e a dimensão
das escamas cuticulares, notamos um padrão de escamas folidáceas com escamas largas.
As escamas cuticulares podem se orientar em vários sentidos; transversalmente, inclinadas
somente para um lado, na diagonal inclinada para os dois lados em direção às bordas do pelo ou
apresentarem irregularidade na orientação das escamas.
Em Didelphis albiventris as escamas cuticulares estão dispostas transversalmente em relação ao
eixo longitudinal do pelo.
A ornamentação das bordas das escamas é classificada em lisa ou ornamentada e a
continuidade das bordas em contínua e descontínua. Observando estes padrões nas bordas das
escamas cuticulares de Didelphis albiventris, nota-se que as bordas são lisas desprovidas de
qualquer ornamentação e descontínuas com interrupções nas linhas das bordas das escamas.
Figura1: Padrões cuticulares dos pelos - guarda de Didelphis albiventris
nos respectivos aumentos- 100, 200 e 400x.
Tabela 1: Padrões da cutícula encontrados em pelos - guarda da espécie Didelphis albiventris
relacionados com as seis características abaixo:
Imbricamento
das bordas das
escamas
Forma das
escamas
Pavimentosa
Folidácea
Dimensão das
escamas
Larga
Orientação das
escamas
Ornamentação
das bordas das
escamas
Transversal
Lisa
Continuidade
das bordas
Descontínua
Os padrões da medula da espécie Didelphis albiventris foram classificados em quatro
características principais: presença e continuidade da medula, número de fileiras de células e a
disposição destas.
Os pelos - guarda de Didelphis albiventris apresentam medula e suas células medulares são
dispostas de forma contínua ao longo de todo o comprimento do pelo. Considerando o número de
fileiras de células medulares, a estrutura da medula apresenta mais de duas fileiras de células em
sua largura, sendo classificada em multisseriada. As células medulares são anastomosadas, ou seja,
estão fundidas umas com as outras formando um arranjo de células com forma e tamanhos variados.
Não foi possível obter através do microscópio óptico características relacionadas as formas
das células medulares e a ornamentação da margem da medula, necessitando de outras técnicas
como cortes transversais e microscopia de varredura para visualizarmos estes padrões.
Tabela 2: Padrões medulares encontrados em pelos - guarda da espécie Didelphis albiventris
relacionados com as seis características abaixo:
Presença da
medula
Continuidade
das células
Presente
Contínua
Fileiras de
células
Multisseriada
Disposição das
margens da
medula
Anastomosadas
Forma das
células
-
Ornamentação
da margem da
medula
-
Figura 2: Padrões medulares dos pelos - guarda de Didelphis albiventris nos respectivos aumentos100, 200e 400x.
Na estrutura cuticular de Didelphis aurita foi reconhecido apenas um padrão que se
diferencia da cutícula dos pelos de Didelphis albiventris. Os demais padrões que caracterizam a
cutícula foram iguais nas duas espécies.
Encontramos o padrão ondeado na forma das escamas cuticulares de Didelphis aurita
diferente do padrão folidáceo visto em Didelphis albiventris, entretanto existem discussões sobre a
forma das escamas cuticulares em ambas as espécies, encontrando-se também o padrão folidáceo
em Didelphis aurita.
A dificuldade em distinguir a forma das escamas nestas duas espécies pode estar vinculada
aos diferentes modos de focalização ao longo de todo o pelo. Podemos observar na figura 3 no
aumento de 400x que a forma da cutícula tende a apresentar um padrão folidáceo na extremidade
direita do pelo e na extremidade oposta a forma das escamas tem um padrão ondeado.
Outra observação a ser destacada está relacionada ao aumento que foi utilizado nas
visualizações, em aumentos menores (100 e 200x) as escamas tendem a ficar mais próximas umas
das outras aparentando um padrão folidáceo em suas formas. Em aumentos maiores (400x) observase que as escamas cuticulares ficam mais distantes e aumentam em largura, tornando-se mais
próximas do padrão ondeado.
Tabela 3: Padrões da cutícula encontrados em pelos - guarda da espécie Didelphis aurita
relacionados com as seis características abaixo:
Imbricamento
das bordas das
escamas
Forma das
escamas
Pavimentosa
Ondeada
Dimensão das
escamas
Larga
Orientação das
escamas
Ornamentação
das bordas das
escamas
Transversal
Lisa
Continuidade
das bordas
Descontínua
Figura 3: Padrões cuticulares dos pelos - guarda de Didelphis aurita nos respectivos aumentos:
100 200 e 400x.
De acordo com as seis características medulares propostas por QUADROS & MONTEIROFILHO, 2006 b, encontramos em quatro delas os mesmos padrões de medula nas espécies
estudadas. As duas outras características não foram demonstradas devido a restrição da metodologia
utilizada para obter esses resultados.
ABREU, CHRISTOFF, & VIEIRA, (2011) encontraram padrões diferentes nas duas
características da medula que não foram detalhadas pelo microscópio óptico neste estudo, podendo
ser as únicas características que diferenciam os pelos de Didelphis albiventris e Didelphis aurita.
Tabela 4: Padrões medulares encontrados em pelos - guarda da espécie Didelphis aurita
relacionados com as seis características abaixo:
Presença da
medula
Continuidade
das células
Presente
Contínua
Fileiras de
células
Multisseriada
Disposição das
margens da
medula
Anastomosadas
Forma das
células
-
Ornamentação
da margem da
medula
-
Figura 4: Padrões medulares dos pelos - guarda de Didelphis aurita nos respectivos aumentos: 100
200 e 400x.
Conclusão:
Embora ainda existam incertezas quanto a forma das escamas cuticulares de Didelphis
albiventris e Didelphis aurita, neste trabalho obteve-se padrões diferentes entre as duas espécies.
Estes resultados podem estar corretos uma vez que alguns trabalhos apresentaram os mesmos
padrões encontrados neste estudo, porém se levar em consideração as variações nas formas das
escamas em aumentos diferentes ou no modo de focalizar o pelo, os resultados podem estar
completamente equivocados.
É válida a aplicação de metodologias que possibilitem obter informações de características
como a forma das células medulares e a ornamentação da margem da medula, podendo-se assim
diferenciar os pelos - guarda das espécies estudadas com maior precisão, já que provavelmente os
padrões medulares serão distintos para essas duas características.
Referências Bibliográficas:
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EditoraGuanabara Koogan S.A. 426p.
HILTON, H.J. & KUTSCHA, N.P. 1978. Distinguishing characteristics of the hairs of eastern
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QUADROS, J. & MONTEIRO-FILHO, 2006 a. Coleta e preparação de pêlos de mamíferos para
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TEERINK, B.J., 1991. Hair of west European mammals: atlas and identification. Cambridge:
Cambridge University Press. 224p.
WILDMAN, A.B.1954. The microscopy of animal textile fibres. Leeds, Wool Industries
Association, 209 p.
(1) Estudante; Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ)- www.ufsj.edu.br;
(2) Docente, orientador; Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).
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