A importância das aves na eco-epidemiologia dos agentes transmitidos por artrópodos vectores. Formosinho, P.1; Santos-Silva, M. 1; Santos, A. 1; Melo, P.2; Santos, N.2; Núncio, M. S. 1 1 Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas-Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Portugal 2 Instituto da Conservação da Natureza, Portugal Introdução Actualmente, algumas doenças transmitidas por artrópodos são infecções emergentes ou re-emergentes em vários pontos do mundo. Neste contexto, as aves como potenciais disseminadoras de vários agentes infecciosos transmitidos por vectores, actuam como hospedeiros reservatórios e/ou transportadores de ixodídeos infectados, sendo por isso importantes sentinelas em Saúde Pública (Hoogstraal, 1979; Hoogstral, & Aeschliman, 1982; Gubler, 2001; Gubler et al., 2001). Em Portugal, foram feitos poucos estudos para avaliar o papel das aves na eco-epidemiologia das doenças transmitidas por artrópodos vectores (Filipe, 1971;1979). Em 1999, foi estabelecido um projecto de colaboração entre o Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas–Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (CEVDI-INSA) e o Instituto da Conservação da Natureza (ICN), tendo como objectivos principais: (1) determinar quais as espécies ixodológicas parasitas de aves; (2) detectar a presença de Flavivirus, Borrelia e Ehrlichia nos ixodídeos recolhidos; e (3) determinar a prevalência de anticorpos no soro das aves para os agentes West Nile e Borrelia. Material e Métodos Entre 1999 e 2002, foram recolhidos aleatoriamente ixodídeos e amostras de sangue em diferentes espécies de aves, provenientes de diversas áreas de Norte a Sul do País. As aves foram capturadas no decurso de operações de anilhagem, de acordo com a metodologia do ICN (CEMPA/ICN, 1995), ou provieram de Centros de Recuperação de Aves. Os ixodídeos foram identificados com base nas características morfológicas externas (Cordas et al., 1993; Dias, 1994; Walker et al., 2000) e agrupados por espécie, sexo e estado evolutivo. Foi avaliada a prevalência e a intensidade média de infestação por cada ave. Para determinar a prevalência de cada agente infeccioso nas carraças foram usadas técnicas de PCR (Polimerase Chain Reaction) (Postic et al., 1994; Dawson et al., 1996; Kuno et al., 1998). A partir de amostras seleccionadas de macerados de artrópodos foram efectuados ensaios para tentativa de isolamento de vírus. A pesquisa de anticorpos contra o vírus West Nile e Borrelia foi feita pela técnica de inibição de hemaglutinação (Clarke & casals, 1958; Kit Lymag-Diagnostic Laboratories). Resultados Durante este estudo foram capturadas e examinadas para detecção de ixodídeos, 676 aves pertencentes a 12 espécies diferentes. Do total, 25 (3,7%) estavam infestadas, tendo sido possível recolher 103 ixodídeos, classificados em 8 espécies. Hyalomma marginatum foi a espécie ectoparasita mais comum (39 ninfas e 1 adulto). Bubo bubo, foi a ave mais parasitada com seis das oito espécies de ixodídeos descritas, sendo o hospedeiro mais infestado com um número médio de carraças de 6,2 (56/9). Dos 103 ectoparasitas recolhidos, 46 foram agrupados em 25 amostras e examinados para Flavivirus, Ehrlichia e Borrelia spp. Destes “pools”, 16 foram também testados para isolamento de arbovirus. Pela técnica de PCR com “primers” específicos do grupo Ehrlichia, foi possível amplificar fragmentos de ADN em cinco das amostras testadas. Estes resultados aguardam confirmação com a utilização de novos pares de “primers” para identificação específica. Com a utilização de “primers” para Flavivirus e Borrelia não foram obtidos resultados positivos no total das amostras testadas. Os resultados dos ensaios para isolamento de arbovirus foram negativos. Quanto ao estudo serológico, este foi feito em 135 aves pertencentes a 22 espécies diferentes. A prevalência de anticorpos para o vírus West Nile foi de 6,7% e para a Borrelia foi de 5,9%. Discussão/Conclusão Como resultado deste trabalho de colaboração foi possível revelar que em Portugal, as aves estão parasitadas por uma fauna abundante de ixodídeos, com 8 espécies descritas. Apesar destas espécies já se encontrarem na bibliografia como parasitas de outros hospedeiros no nosso País (Dias, 1994; Caeiro, 1999), são agora assinaladas pela primeira vez em aves (Silva et al., 2001; Formosinho et al., 2002). Este estudo aponta ainda para a existência de condições favoráveis para a circulação do vírus West Nile, Borrelia e Ehrlichia, não só devido à presença dos artrópodos vectores, como também pelo resultado dos estudos serológicos que evidenciam o contacto agente-hospedeiro. Conclui-se ser de máxima importância a continuação deste sistema de vigilância epidemiológica que permite monotorizar por um lado a introdução e/ou dispersão de ixodídeos vectores e agentes infecciosos por estes transmitidos em novas áreas e consequentemente o estabelecimento de novos focos de doença no País. Bibliografia Caeiro V. 1999. General review of tick species present in Portugal. Parasitologia, 41 (1): 11-15. CEMPA/ICN. 1995. A anilhagem de aves na investigação científica e na gestão ambiental. Centro de Estudos de Migração e Protecção das Aves (Cempa), Edição Portuguesa do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), Lisboa, 1-24. Clarke DH; Casals J. 1958. Techniques for hemagglutination and hemagglutinationinhibition with arthropod-borne viruses. Am J Trop Med and Hyg 7: 561-573. Cordas T; Aeschlimann A; Morel PC. 1993. Étude morphologique des ixodidae s. str. (Schulze, 1937) de Suisse au microscope électronique à balayage. Acaralogia, 34 (1), 21-46. Dawson JE; Biggie KL; Warner CK; Cookson K; Jenkins S; Levine JF; Olson, JG. 1996. Polymerase chain reaction evidence of Ehrlichia chaffeensis , an etiologic agent of human ehrlichiosis, in dogs from southeast Virginia. AJVR 57(8): 1175-1179. Dias JATS. 1994. As carraças (Acarina:Ixodoidea) da Península Ibérica. Algumas considerações sobre a sua biogeografia e relacionamento com a ixodofauna afropaleártica e afrotropical. Estudos, Ensaios e Documentos 158, pp163. Filipe AR. 1971. Antibodies against arboviruses in wild birds of Portugal. Arch. Ges. Virusforsch 35: 395-398 Filipe AR. 1979. Migration birds and their relationships to the movment of tick-borne viruses in Portugal. In M Labuda, Calisher Ed.Proceedings Int Symp New Aspects in the Ecology of Arboviruses. Inst Virol Slovak Acad Sciences. Bratislava. Formosinho P. 2002. Role of wild birds in transmission of vector-borne agents. Preliminary studies in National Health–Portugal. 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