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Fluxo gênico e coexistência de lavouras com espécies transgênicas e convencionais1
Ivan Schuster2
RESUMO - A necessidade de coexistência de lavouras convencionais e transgênicas torna importante
a discussão do impacto do fluxo gênico via pólen e do potencial de contaminação das lavouras
convencionais a partir do pólen das plantas transgênicas. Em geral, este impacto é superestimado. Em
soja as taxas de fluxo gênico são, em média, inferiores a 1% nas distâncias entre 0,5 e 1m, e chegam à
zero em poucos metros. Em milho, embora a taxa de fecundação cruzada seja elevada, mais de 85% do
pólen é depositado nos primeiros metros. As taxas de fluxo gênico acima de 100 m são desprezíveis. As
normas de produção de sementes adotadas para sementes convencionais são suficientes para a obtenção
de sementes com os níveis de pureza exigidos. Por outro lado, quando se trata da produção de sementes
ou de grãos com certificação de livres de OGM (Organismos Geneticamente Modificados), é preferível
utilizar isolamento de 200 m para milho e de 8 m para soja, entre lavouras convencionais e transgênicas.
Em soja, a principal causa de fluxo gênico é a mistura de sementes devido à limpeza inadequada de
equipamentos, e não o fluxo de pólen.
Termos para Indexação: Polinização cruzada, presença adventícia, pureza genética
Introdução
O fluxo gênico pode ser definido como a troca de
alelos entre indivíduos ou populações, e pode ocorrer tanto
pela dispersão de pólen, quanto pela mistura de sementes.
Denomina-se fluxo gênico vertical a troca de alelos entre
indivíduos dentro da mesma população ou entre indivíduos
de populações/cultivares diferentes da mesma espécie, e
fluxo gênico horizontal a troca de alelos entre indivíduos de
espécies diferentes.
Sob o ponto de vista evolutivo, o fluxo gênico é um processo
migratório, compondo juntamente com a mutação e a seleção,
os fatores essenciais para a evolução das espécies. Portanto,
o fluxo gênico é um fenômeno comum na natureza, desde a
origem das espécies. A migração de alelos entre populações
diferentes previne a diferenciação das populações, mantendoas unidas nas espécies. Desta forma, o fluxo gênico “diminui a
variabilidade entre as populações”, uma vez que os alelos destas
populações são compartilhados, mantendo unidas as populações.
Por outro lado, o fluxo gênico “aumenta a variabilidade dentro
das populações”, pela introdução de alelos novos, que podem
conferir novas características a estas populações. Uma vez que
a seleção natural atua juntamente com o fluxo gênico, estes
novos alelos somente permanecerão na população se conferirem
alguma vantagem adaptativa a mesma.
Considerando-se a escala evolutiva, o fluxo gênico é
responsável por unir as populações dentro das espécies,
introduzir variabilidade dentro das populações, e também
pela criação de novas espécies, tais como o trigo hexaplóide
cultivado (Triticum aestivum), que é resultante do cruzamento
natural entre três espécies silvestres diploides. Também o
algodão cultivado (Gossypium hirsutum) e o café arábica
(Coffe arabica) são resultantes do cruzamento natural entre
espécies ancestrais.
Embora a existência do fluxo gênico não tenha relação
com o surgimento das plantas geneticamente modificadas
(GM), este assunto ganhou importância após o surgimento
das plantas GM, em função das discussões sobre o risco de
escape gênico vertical e horizontal dos eventos transgênicos
para plantas não-GM, cultivadas ou silvestres.
O risco de fluxo gênico horizontal de plantas GM para
outras espécies, e o eventual impacto ambiental deste, é
avaliado durante a regulamentação dos eventos de plantas GM.
No Brasil, os resultados desta avaliação devem ser submetidos
à CTNBio, que é o órgão responsável pela avaliação de risco
e pela autorização de cultivo e comercialização de plantas
GM no país. Havendo risco de escape gênico horizontal,
os eventos de plantas GM não são aprovados para uso nas
regiões em que este risco existe. Um exemplo desta restrição
de uso é o algodão GM. Em algumas regiões do país existem
Submetido em 04/04/2013. Aceito para publicação em 08/04/2013.
1
Eng. Agr. D.Sc. Gerente da Divisão de Pesquisa. Coodetec - Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola. BR 467, km 98, Cascavel, PR. CEP 85.811-160.
E-mail: [email protected]
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espécies silvestres nativas de algodoeiro, e nestas regiões não
é permitido o cultivo de algodão GM (Barroso et al., 2005).
Quando consideramos a produção de sementes ou
a produção de grãos livres de OGM, o que precisa ser
considerado é o fluxo gênico vertical, aquele que ocorre
entre variedades da mesma espécie. O fluxo gênico vertical
implica na necessidade de normas de coexistência, para que
seja possível a produção de grãos ou sementes com padrões
de pureza dentro dos limites estabelecidos. É importante
observar que no caso da produção de sementes, mesmo não
se tratando de variedades GM, é necessário adotar medidas
de coexistência, a fim de se produzir sementes geneticamente
puras, sem contaminação com outras variedades.
O fluxo gênico vertical entre variedades da mesma espécie
pode ocorrer via fluxo de pólen ou de sementes. O fluxo gênico
via sementes pode ocorrer em qualquer etapa do processo de
produção, desde a semeadura, a colheita, o transporte, a secagem,
o beneficiamento, o tratamento e o armazenamento. A limpeza
inadequada dos equipamentos resulta na mistura de sementes/
grãos, que também se caracteriza em fluxo gênico. Além disso,
a presença de plantas voluntárias do cultivo anterior é uma das
principais causas de fluxo gênico via sementes. Ao se cultivar
uma variedade ou híbrido não-GM após ter sido cultivada
uma variedade ou híbrido GM na mesma área, as sementes
remanescentes da colheita que permanecem no solo podendo
germinar mesmo após longos períodos depoisda colheita,
sendo comum a observação de plantas voluntárias do cultivo
anterior no próximo cultivo. Estas plantas, popularmente
denominadas de “tigueras”, são importante fonte de
contaminação de grãos ou sementes.
O fluxo gênico via pólen depende de alguns fatores, como
por exemplo, a distância entre as plantas, a temperatura e a
umidade, que influenciam a viabilidade do pólen, a presença
de ventos e de insetos, o sincronismo no florescimento entre a
variedade doadora e receptora do pólen, a cor das flores, que
está relacionada à atratividade aos insetos, a quantidade de pólen
produzido e, principalmente, do modo de reprodução da espécie.
As espécies de plantas diferenciam-se no seu modo de
reprodução, sendo classificadas em autógamas, alógamas e
intermediárias (ou autógamas com frequente alogamia). Plantas
autógamas reproduzem-se preferencialmente por autofecundação,
sendo que pelo menos 95% das sementes são obtidas pela
autofecundação, diminuindo os riscos de contaminação. Plantas
alógamas, por outro lado, reproduzem-se preferencialmente por
fecundação cruzada, sendo que pelo menos 95% das sementes
são obtidas por polinização com pólen de outras plantas. Plantas
intermediárias são aquelas em que mais de 5% e menos de 95%
das sementes são obtidas por fecundação cruzada.
No Brasil, existem eventos de plantas GM aprovados
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para cultivo e comercialização em soja, milho, algodoeiro
e feijoeiro. A soja e o feijoeiro são espécies autógamas, o
milho é uma espécie alógama e o algodoeiro é uma espécie
intermediária.
Desenvolvimento
Fluxo Gênico em Soja
Além de ser uma espécie autógama, as flores de soja
apresentam cleistogamia, ou seja, a fecundação ocorre antes da
abertura das flores, o que reduz o fluxo gênico nesta espécie a
níveis próximos de zero. No momento da polinização as anteras
formam um anel em volta do estigma. O pólen é então depositado
diretamente no estigma, resultando em uma alta taxa de
autofecundação (Figura 1). A polinização geralmente ocorre no
dia anterior à abertura das flores (Carlson et al., 2004), de modo
que o estigma somente fica exposto após ter sido autopolinizado.
Figura 1. Cleistogamia. Em espécies cleistogâmicas a
autopolinização ocorre antes da abertura das flores.
Aprobabilidade de ocorrer fluxo gênico entre plantas é a mesma
para variedades transgênicas e para variedades convencionais. No
Brasil, o fluxo gênico em soja já vem sendo estudado a mais de
quatro décadas (Tabela 1). Sediyama et al. (1970), utilizando um
delineamento de fileiras adjacentes e alternadas, encontraram taxas
de fecundação cruzada de 0,09% em Viçosa-MG, e 0,90% em
Capinópolis-MG. Já quando foram semeadas plantas alternadas
na mesma fileira, obtiveram 1,30% de fecundação cruzada em
Viçosa-MG. Vernetti et al. (1972) relataram taxas de fecundação
cruzada em soja variando de 0,03% em Ponta Grossa-PR a 1,22%
em Pelotas-RS.
Nos EUA, também utilizando fileiras adjacentes, Ahrent
e Caviness (1994) encontraram taxas de fecundação cruzada
variando de 0% a 2,55%, ao avaliarem 12 cultivares. Ray
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et al. (2003) avaliaram a fecundação cruzada em soja a
diferentes distâncias, e encontraram taxas de fecundação
cruzada de 0,41% a 0,90 m e 0,03% a 5,4 m da fonte de pólen.
Ao avaliaram a taxa de fluxo gênico entre plantas na mesma
fileira, intercaladas e espaçadas de 15 cm, obtiveram taxa de
fecundação cruzada de 1,8%.
Tabela 1. Resumo dos estudos para determinação do Fluxo Gênico via pólen, em soja.
Referência
Localidade
Fluxo Gênico Máximo
Observado até 1m de
distância
Tecnologia
Distância Máxima
doFluxo Gênico
Sediyama et al., 1970
Viçosa, MG
0,09%
Convencional
Não determinado
Sediyama et al., 1970
Viçosa, MG
1,3%
Convencional
Não determinado
Sediyama et al., 1970
Capinópolis, MG
0,9%
Convencional
Não determinado
Verneti et al., 1972
Ponta Grossa, PR
0,03%
Convencional
Não determinado
Verneti et al., 1972
Pelotas, RS
1,22%
Convencional
Não determinado
Ahrent e Caviness, 1994
EUA
0% a 2,55%
Convencional
Não determinado
Ray et al., 2003
EUA
0,41%
Convencional
5,4 m
Ray et al., 2003
EUA
1,8%
Convencional
Não determinado
Abud et al., 2003
Abud et al., 2007
Pereira et al., 2007
Pereira et al., 2007
Schuster et al., 2007
Planaltina, DF
Planaltina, DF
Florestal, MG
Viçosa, MG
Cascavel, PR
0,04% a 0,14%
0,52%
1,27%
0,25%
0,61%
Transgênico
Transgênico
Transgênico
Transgênico
Transgênico
13 m
10 m
8m
2m
4m
Yoshimura et al., 2007
Japão
0,19%
Transgênico
7m
Silva e Maciel, 2010
Alfenas, MG
0,025%
Transgênico
Não determinado
Recentemente, com a adoção de variedades transgênicas,
novos avaliações de fluxo gênico foram realizadas no Brasil,
para avaliar a possibilidade de uma lavoura de soja não GM
ser contaminada por pólen de uma lavoura de soja GM. Em
Planaltina, DF, Abud et al. (2003) observaram taxas de fluxo
gênico de 0,44% a 0,45% a 0,5 m de distância, sendo que a 1 m
de distância as taxas de fluxo gênico foram reduzidas para 0,04
a 0,14%. Em outro estudo, Abud et al. (2007) relataram taxas de
fecundação cruzada de 0,52% entre plantas de soja GM e não
GM distantes 1,0 m, em Planaltina, DF. Os autores consideraram
que a distância de10mentre lavouras de soja GM e não-GM é
suficiente para evitar contaminação por fluxo de pólen.
Pereira et al. (2007) avaliaram a taxa de fecundação cruzada
entrevariedades transgênicas e não transgênicas de soja, e
obtiveram taxa de fecundação cruzada de 1,27% em FlorestalMG e 0,25% em Viçosa-MG, para as fileiras que estavam
distantes 0,5m da fonte de pólen. Em Viçosa-MG, fecundação
cruzada foi observada apenas até 2 m de distância da fonte de
pólen, e em Florestal-MG, foi observada fecundação cruzada
somente até 4 m de distância da fonte de pólen. Em outro
trabalho, Pereira et al. (2012) concluíram que é raro o fluxo
gênico entre variedades de soja a mais de 3,0 m de distância.
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Observação
Fileiras adjacentes
intercaladas
Plantas intercaladas na
mesma fileira
Fileiras adjacentes
intercaladas
Fileiras adjacentes
intercaladas
Fileiras adjacentes
intercaladas
Avaliação em 12
cultivares diferentes
Plantas intercaladas na
mesma fileira
Fluxo gênico
provocado por insetos
-
Schuster et al. (2007), em Cascavel, PR, obtiveram taxa
de fecundação cruzada entre variedades de soja transgênicas
e não transgênicas de 0,61% a distância de 1,0 m, sendo
que este percentual reduziu-se bastante a partir de 2 m. Os
autores concluíram que após 8 m não há mais fluxo gênico
entre plantas de soja, via pólen. Em Alfenas, MG, Silva
e Maciel (2010), também avaliando o fluxo de pólen entre
plantas transgênicas e convencionais de soja, obtiveram taxas
de fecundação cruzada de 0,025% entre plantas a 1,0 m de
distância, e 0,01% a 2,0 m de distância.
Yoshimura et al. (2007) relataram observações realizadas
durante quatro anos no Japão. A maior taxa de fecundação
cruzada observada entre variedades convencionais e
transgênicas de soja foi de 0,19% a distância de 0,7 m. Ao
longo dos quatro anos, a maior distância em que foi observado
fluxo de pólen foi de 7 m. Os autores concluíram que o pólen
da soja possui uma densidade muito elevada para ser levado
pelo vento, e que a principal causa de polinização cruzada em
soja é a presença de insetos, especialmente himenópteros.
Pelos diversos estudos realizados em relação ao fluxo
gênico em soja, observa-se que as taxas de contaminação de
grãos ou sementes pelo fluxo de pólen são extremamente baixas,
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em geral inferiores a 1%, e localizadas apenas nas bordaduras
das lavouras. Para o caso de produção de grãos para a indústria,
as baixas taxas de fluxo gênico e a diluição destes grãos colhidos
na bordadura das lavouras com grãos colhidos nas áreas mais
internas, resultam em percentuais de contaminação extremamente
baixos, e certamente bem abaixo do limite para rotulagem do
produto, que é de 1% de contaminação (Brasil, 2003).
No entanto, apesar de todas as evidências científicas e
experimentais de que o fluxo gênico via pólen é desprezível
em soja quando se utiliza o isolamento recomendado, é muito
comum observar-se contaminação de sementes convencionais
por sementes GM. Esta contaminação ocorre, em sua grande
maioria, por fluxo de sementes e não por fluxo de pólen.
Portanto, na produção de grãos ou sementes livres de OGM
deve-se atentar tanto para o isolamento da lavoura, quanto para a
limpeza criteriosa de todos os equipamentos, tanto de semeadura
quanto de colheita, transporte, beneficiamento e armazenamento.
No caso de produção de sementes, estes cuidados não são
exclusivos para evitar contaminação com grãos GM, mas para
evitar contaminação com grãos de outras cultivares, sejam
GM ou convencionais. No entanto, as exigências de pureza
genética são mais rigorosas em relação à presença de sementes
livres de OGM do que em relação à presença de sementes de
outras cultivares convencionais, além da presença de grãos
GM ser mais fácil de ser detectada. Por exemplo, o índice
permitido de sementes de outras cultivaresem sementes da
categoria C2 no estado do Paraná é de cinco sementes em uma
amostra de 500 g. Isso representa aproximadamente 0,15% de
contaminação. Para a categoria S1 são permitidas 10 sementes
de outras cultivares, o que equivale a aproximadamente 0,3%.
Brasil (2003) estabelece que alimentos ou ingredientes
destinados ao consumo humano ou animal, que contenham
mais de 1% de sua constituição com OGM, devem ser rotulados
com a informação de que contém ingrediente transgênico.
Produtos que contenham menos de 1% de ingredientes GM
não precisam ser rotulados como transgênicos. Mas no caso
de certificação de soja livre de OGM o limite geralmente é de
0,1%, e em alguns casos até menor. Isso significa que o rigor a
ser adotado na limpeza de equipamentos e no respeito a áreas de
isolamento/bordadura deve ser maior para a produção de grãos
ou sementes com certificação de livres de OGM, em relação
ao que normalmente é utilizado para a produção de sementes.
Para o caso de produção de sementes de soja, a norma
específica determina isolamento de 3 m entre lavouras com
cultivares diferentes. Esta distância é suficiente para evitar
contaminação por fluxo de pólen além dos limites tolerados.
No entanto, para produção de grãos ou sementes livres de
OGM, é recomendável utilizar um isolamento de no mínimo
5 m, e preferencialmente de 8 m, especialmente em regiões
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com histórico de insetos da classe dos himenópteros.
Fluxo Gênico em outras autógamas
Em feijão, que também apresenta cleistogamia, a maioria
dos estudos tem observado taxas de fecundação cruzada
menor do que 1%, sendo variável também em função da
distância, região e época, sendo próxima de zero a 3,5 m. Para
variedades transgênicas de feijão, a distância de isolamento
recomendada é de 5 m. Uma revisão sobre fluxo gênico em
feijoeiro pode ser encontrada em (Pinheiro e Faria, 2005).
Em arroz, Brunes et al (2007) observaram fluxo gênico
entre arroz vermelho e arroz branco a uma distância máxima
de 10 m, no entanto a frequência de fluxo gênico observado
não foi informada. Em trigo ainda não existem trabalhos de
avaliação do fluxo gênico realizados no Brasil. Nos EUA,
Canadá e Nova Zelândia,as taxas de fluxo gênico observadas
em trigo variaram de 0,1% a 10,1%, sendo variáveis de
acordo com a distância e com a cultivar (Griffin, 1987;
Martin, 1990; Hucl, 1996; Enjalbert et al., 1998). Cultivares
que produzem maior quantidade de pólen apresentam
também maior taxa de fluxo gênico. No Canadá, Hucl e
Matus-Cádiz (2001) avaliaram o fluxo gênico em trigo,
utilizando cultivares com baixo fluxo gênico e cultivares com
elevado fluxo gênico. A partir de 3 m de distância as taxas de
fecundação cruzada foram menores do que 0,5% para todas
as cultivares,e foi observado fluxo de pólen até a 27 m, com
frequências menores do que 0,1%, para as variedades com
maior taxa fecundação cruzada. Os autores recomendam
isolamento de 30 m entre variedades de trigo quando se
pretende evitar o fluxo gênico, especialmente em função de
variedades que produzem bastante pólen.
Fluxo Gênico em Milho
Diferentemente da soja, o milho é uma espécie alógama,
com uma elevada taxa de fecundação cruzada. Por apresentar
monoicia, ou seja, os órgãos masculino e femininos em locais
separados na mesma planta, e também por apresentarem
dicogamia, em que não há um sincronismo perfeito entre
o florescimento masculino e feminino na mesma planta, a
fecundação cruzada no milho é favorecida.
O fluxo gênico entre lavouras de milho próximas sempre
ocorre, e isso não causa nenhum tipo de impacto quando
ambas as lavouras são convencionais, uma vez que não se
trata de produção de sementes. O fluxo gênico entre lavouras
comerciais de milho somente passou a ser importante após o
início do cultivo de milho transgênico, devido a possibilidade
de contaminação de lavouras de milho convencional com
pólen de milho transgênico. Caso haja fluxo gênico via pólen
de plantas de milho GM para plantas de milho convencional,
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os grãos colhidos nas plantas convencionais de milho serão
grãos GM (os grãos obtidos da polinização com pólen GM
serão heterozigotos e, portanto, expressam a proteína GM).
Desta forma, os grãos de milho de uma lavoura de milho
convencional podem ser contaminados com grãos GM caso
haja fluxo gênico de milho GM via pólen para esta lavoura.
Para que ocorra fluxo gênico via pólen entre lavouras
de milho próximas, é necessário primeiramente que haja
coincidência de florescimento entre as plantas de ambas as
lavouras. Além disso, a intensidade do fluxo gênico via pólen
depende da quantidade de pólen produzido pelos híbridos, da
presença de uma bordadura de milho, da presença de barreiras
físicas, tais como matas, montanhas, edificações, etc., e
também da topografia do terreno.
A coincidência de florescimento é essencial para que
ocorra fluxo gênico. Se duas lavouras próximas não estiverem
florescendo na mesma época, nenhuma das outras causas do
fluxo gênico será importante, pois embora os grãos de pólen
possam ser levados até a lavoura próxima, se não houverem
estigmas receptivos não haverá fecundação. Os híbridos de
milho apresentam grande variação na quantidade de pólen que
produzem, e aqueles que produzem maior quantidade de pólen
também podem provocar maior quantidade de fluxo gênico.
O uso de bordadura de milho também reduz a quantidade de
fluxo gênico, uma vez que o grão de pólen de milho apresenta
elevada densidade. Segundo Eastham e Sweet (2002), 89%
do pólen de milho é depositado nos primeiros 5 m. No Brasil,
Nascimento et al (2012) avaliaram fluxo gênico de milho
transgênico em nove locais, e observaram que 82% de toda
fecundação cruzada ocorreu nos primeiros 30 m. A presença
de barreiras físicas pode impedir o fluxo de pólen de uma
lavoura para a outra. Em lavouras em que a topografia não é
plana, a taxa de fluxo gênico será maior e a maiores distâncias
se o híbrido transgênico estiver sendo cultivado na parte mais
alta do terreno, e o híbrido convencional na parte mais baixa.
No Canadá, Ma et al. (2004) observaram que na direção
do vento havia menos de 1% de fecundação cruzada em milho
a 28 m de distância, e na direção oposta havia menos de 1% de
fecundação cruzada a 10 m de distância. Mesmo assim, os autores
recomendaram que a distância mais apropriada para a separação
entre lavouras de milho transgênico e convencional no Canadá
deve ser de 200 m, pois foram observados traços de fluxo gênico
a distâncias maiores do que 100 m, especialmente quando os
híbridos transgênicos produzem grandes quantidades de pólen.
Na avaliação do fluxo gênico em milho em nove diferentes
localidades do Brasil, Nascimento et al. (2012) observaram
que na maioria dos casos, taxas de fluxo gênico superiores
a 1% ocorrem apenas até 20 m de distância, sendo que em
apenas um local foi observado mais de 10% de fluxo gênico a
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50 m, mas em todos os locais a taxa de fluxo gênico foi menor
do que 1% a 100 m de distância.
A Resolução Normativa número 4 de 2007, da CTNBio,
estabelece as normas de coexistência entre lavouras de milho
transgênico e milho convencional, para evitar a contaminação
por fluxo de pólen. Lavouras de milho transgênico devem
estar a uma distância de 100 m de lavouras de milho
convencional, ou alternativamente, a 20 m de distância, desde
que haja uma bordadura de 10 linhas de milho convencional
na área de milho transgênico. Esta Resolução Normativa não
se aplica a produção de sementes, que é normatizada pela
Resolução Normativa número 25 de 2005, do MAPA, que
prevê isolamento de 200 m para a produção de sementes de
milho, e de 400 m no caso de variedades e milhos especiais.
Além de lavouras de milho GM próximas das lavouras
de milho convencional, outra fonte de contaminação de
milho convencional com pólen GM é a presença de plantas
voluntárias (tiguera) de milho GM nas lavouras de milho
convencional ouem lavouras próximas. Ou seja, mesmo
que o milho convencional esteja plantado próximo a uma
lavoura de soja, se houver presença de plantas voluntárias
de milho GM nesta lavoura de soja, e houver coincidência
de florescimento destas plantas de milho com as plantas da
lavoura de milho convencional, poderá haver contaminação
do milho convencional com milho GM.
Fluxo Gênico em Algodão
O algodoeiro é uma planta intermediária, ou autógama
com frequente alogamia. Possui flores completas e não possui
cleistogamia. Segundo Freire (2002), taxas de fluxo gênico de
29% a 54% ocorrem em algodão, a uma distância de 1 m, mas
o fluxo gênico é nulo a 10 m de distância. Segundo o autor,
a utilização de uma bordadura de 20 m entre uma lavoura
de algodão GM e uma lavoura de algodão convencional é
suficiente para evitar o fluxo gênico entre estas plantas.
Diferentemente da soja e do milho, no Brasil existem
regiões com presença de algodão silvestre sexualmente
compatível com o algodão cultivado. Nestes casos, há uma
restrição de uso de algodão GM nestas regiões onde existem
variedades locais com elevada variabilidade genética, para
evitar a transferência de eventos transgênicos para as espécies
silvestres (Barroso et al., 2005).
Considerações Finais
O fluxo gênico em plantas transgênicas não difere do fluxo
gênico em plantas convencionais. No entanto, os métodos de
detecção da presença de contaminação com sementes GM são
capazes de detectar presença de contaminação em baixos níveis
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(abaixo de 0,1%), e desta forma o fluxo gênico de plantas GM
fica mais evidente. As normas de coexistência estabelecidas
pela CTNBio não tem por objetivo garantir a ausência de
contaminação das lavouras convencionais, mas permitir
que a eventual contaminação que possa ocorrer permaneça
dentro dos limites estabelecidos pela legislação. No Brasil, a
legislação estabelece que alimentos que contenham mais de 1%
de presença de OGM devem ser rotulados como transgênicos
(Brasil, 2003). As normas de coexistência para o milho são
suficientes para manter os níveis de contaminação abaixo deste
limite. Para soja não existe norma de coexistência. Por tratar-se
de espécie autógama e cleistogâmica, as taxas de fecundação
cruzada em soja são próximas à zero, e limitadas a pequenas
distâncias, de forma que não há necessidade de isolamento para
manter os níveis de contaminação abaixo do limite de 1%.
Para a produção de sementes, não existe norma específica
para tratar da presença adventícia de sementes GM. A utilização
do isolamento recomendado para a produção de sementes
de soja, milho e algodão é suficiente para a manutenção da
pureza das sementes dentro dos limites estabelecidos pelas
Normas de Produção de Sementes.
Por outro lado, quando se trata da produção de grãos ou
sementes com certificação de “livres de OGM”, os cuidados
precisam ser maiores, pois os limites aceitáveis nestes casos,
tanto para grãos como para sementes, são mais baixos do que
no caso de “commodities”. Geralmente os limites aceitáveis
são de 0,1% ou inferiores. Para a produção de sementes ou
grãos livres de OGM, é seguro utilizar o isolamento de 8 m
para a soja, e de 200 m para o milho.
Além da adoção do isolamento adequado, é muito
importante que se evite o fluxo gênico via semente. A maior
parte das contaminações de soja convencional com soja GM é
devida a misturas de sementes, e não devida ao fluxo de pólen.
Limpeza adequada de semeadoras, colhedoras, equipamentos
de transporte e de beneficiamento são fundamentais para
evitar a contaminação.
Referências
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Informativo
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Fluxo gênico e coexistência de lavouras com espécies