Construção da usina de Belo Monte mobiliza população da região de Altamira A reportagem do iG esteve no Oeste do Pará e visitou áreas indígenas para saber como vivem os que serão afetados por uma das mais importantes obras do PAC Mariana Castro - 05/01/2010 Os ânimos estão acirrados no Paquiçamba, área indígena que será afetada pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, Oeste do Pará. Uma das mais importantes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) está causando revolta entre os índios da aldeia, que não querem mais seu cacique. Ele não participa da mobilização contra a usina. “Estão com raiva de mim, querem que eu deixe de ser o cacique. Dizem que eu sou a favor da hidrelétrica. Eu cansei dessa história, não quero participar de reunião, de audiência. Só quero trabalhar na roça e garantir meu sustento”, diz Manuel Juruna. Em 1989, Juruna participava do encontro em Altamira, Oeste do Pará, que reuniu lideranças indígenas e ONGs em um protesto contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte – na época chamada de Kararaô. A discussão sobre a usina é antiga. Foi nessa ocasião que o músico americano Sting e o kaiapó Raoni se conheceram. Era o Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em que a índia Tuíra encostou seu facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes. Aos 66 anos, Manuel Juruna vive na aldeia com a mulher, Maria Feles, de 58. Planta mandioca, batata, melancia e cacau. Além de uso para consumo próprio, vende o que produz na roça para complementar a renda que recebe da aposentadoria, R$ 466 por mês. Ele tem sete filhos. A maioria trabalha na roça e vive na aldeia. Uma filha trabalha como agente de saúde. Nenhum fez faculdade, apesar de terem estudado em Altamira para completar os estudos que tiveram na aldeia, que vão apenas até a quarta série. A mulher ajuda no trabalho da roça. Se me dessem um dinheiro, ia investir na plantação, comprar uma casinha em Altamira para ter um lugar onde ficar na cidade e uma voadeira (pequeno barco), para ir da aldeia para lá, diz Juruna. Para Ozimar Juruna, de 41 anos, nascido em Paquiçamba, a área indígena precisa de um cacique que faça mais pelos índios. Vamos tirar o Manuel. O motivo principal é Belo Monte. Ele é a favor da construção da usina, e a maioria aqui é contra. Segundo sua mulher, Maria Vieira, de 37, Juruna é um cacique de cabeça dura. Os índios, inclusive, já escolheram um substituto para ser o cacique: Giliard, de 25 anos. Paquiçamba e Arara da Volta Grande A reportagem do iG esteve em duas áreas indígenas, Paquiçamba e Arara da Volta Grande, ou Maia, localizadas na chamada Volta Grande do Rio Xingu. Ambas serão impactadas pela usina, com a diminuição do volume de água do rio. Elas ficam abaixo da barragem que será construída quando a hidrelétrica sair do papel. A maioria dos índios é contra a usina. A barragem é a treva, diz a juruna Lidice de Souza Oliveira, de 22 anos. As maiores preocupações dos índios em relação à hidrelétrica são com o transporte, já que o acesso à aldeia é pelo Rio Xingu, com a pesca e com aumento do número de um mosquito chamado carapanã. Para o cacique de Arara da Volta Grande, José Carlos, de 30 anos, Belo Monte vai trazer problema e prejuízo para os índios. A vida vai mudar completamente, diz. Saindo de Altamira a bordo de uma voadeira, são cerca de duas horas até Paquiçamba, pelo rio Xingu, e mais uma até Arara da Volta Grande. Na maior parte do trajeto, o rio é calmo e perfeito para apreciar a paisagem. Mas há trechos que se tornam mais agitados por causa dos pedrais, grande incidência de pedras. Nada que o barqueiro Balão, ou José Balão Rodrigo, de 44 anos, não tire de letra, com seus 20 anos de experiência navegando pelo Xingu. Arara da Volta Grande tem 255 quilômetros quadrados. Lá vivem cerca de 100 índios de diferentes etnias como Xipaya, Juruna, Pataxó e Xavante. O grupo predominante é Arara. Paquiçamba tem área de 43,4 quilômetros quadrados e cerca de 80 índios. A maioria é Juruna. As casas são de madeira e palha e têm TV, DVD, aparelho de som e fogão. Há energia elétrica e água encanada, mas os moradores lavam louça, roupa e tomam banho no rio. A maior parte das casas tem um cômodo só, e os índios dormem em redes. À noite, normalmente, a energia é desligada depois da novela dos oito – ou mais tarde, quando há rodada de futebol. No Paquiçamba, a roça é importante fonte de renda. Lá se planta mandioca, cará, milho, batata. Além do consumo próprio, os índios comercializam o que produzem. Em Arara da Volta Grande, a pesca é importante atividade econômica, além de ser usada para consumo próprio. Nas duas áreas indígenas, em cada uma há um posto de saúde e uma escola, o dinheiro dos aposentados é fundamental para o sustento das famílias. O que não é produzido no local, os índios buscam na cidade. Fazem a chamada feira, a cada mês, para adquirir outros produtos como café, açúcar, sal e óleo. “Depois que o índio se acostumou com a cultura do branco, precisa de coisas que não produz e, pra isso, precisa de dinheiro”, diz Maria Vieira, do Paquiçamba. De olho em uma vida melhor, e em não depender do dinheiro dos mais velhos, a jovem juruna Lidice sonha em ser pedagoga. Ela perdeu o emprego de professora, cujo salário era de R$ 838, por não ter magistério. Fã de hip hop e de Beyonce, tem medo de que, apesar do aquecimento do mercado com a chegada da usina, faltem vagas para quem não é formado. Se houver oportunidade de emprego na cidade, vamos para a cidade. Enquanto isso, ela aproveita o tempo livre para terminar de ler seu livro, Troia. Ribeirinhos e agricultores A construção da hidrelétrica de Belo Monte também é assunto em Altamira, principal cidade da região. Com cerca de 100 mil habitantes, a estimativa do Rima (Relatório de Impacto Ambiental) é que 20 mil pessoas sejam afetadas pela usina – entre população urbana e rural. Cerca de 17 mil são ribeirinhos e vivem entre os igarapés (pequenos rios), Altamira, Ambé e Panelas. Durante o período de cheia, a população já é remanejada do local por conta do alagamento. Com a hidrelétrica, o alagamento ficará maior, e os ribeirinhos vão ser deslocados para outra região definitivamente. Várias das casas possuem esgoto a céu aberto, e os moradores vivem na pobreza. Maria Vieira Santos mora há dez anos em uma das palafitas. Tem quatro filhos. O marido trabalha em uma olaria. Ela é dona de casa. Durante quatro, às vezes cinco, meses por ano, toda a família vai morar em um abrigo por causa da cheia. Sua preocupação com a construção da usina é a garantia de que receberá uma casa quando for remanejada do local em que vive. “Só tenho medo que se esqueçam da gente, ou que levem para muito longe”, diz. Já o vendedor Raimundo Nonato, de 29 anos, está otimista com a construção da hidrelétrica: Estou querendo que a usina saia logo, para gerar emprego e fazer dinheiro correr na cidade. Segundo ele, tem vivido com apenas R$ 100 por mês, para sustentar a mulher e três filhos. Montado em uma bicicleta antiga, ele percorre as palafitas vendendo de frango a chocolate. O casal Hamilton Bastos, 68, e Ivanda Pereira Bastos, 63, mora em uma das palafitas há quatro anos. Colocaram o barraco à venda, por R$ 10 mil. “Mas, por esse preço, ninguém quer comprar”, diz ele. Para o aposentado, tanto faz sair ou ficar aqui. “Sei que a mudança vai acontecer e não sei ainda para onde vamos”, conta. A Elabore, empresa terceirizada contratada pela Eletrobras, é responsável pelo trabalho de comunicação social junto à população que será afetada pela hidrelétrica. O trabalho é realizado desde 2007 com ribeirinhos e agricultores. Vinte agentes da empresa fazem visitas aos moradores, para explicar o projeto de Belo Monte e falar dos impactos socioambientais. O coordenador da Elabore, Humberto Ortiz, conta que a primeira reação dos moradores é de descrença no projeto. Só a partir da segunda ou da terceira visita é que começa um processo de interação com os agentes. Segundo ele, os moradores que serão remanejados se preocupam principalmente com a indenização que vão receber e para onde serão removidos. Pode parecer difícil entender por que pessoas que vivem em situação tão precária têm medo de mudar de vida. Mas aquilo é o melhor que elas têm, apesar de ser muito pouco, diz. Mas todas serão remanejadas para áreas melhores e terão sua casa. Além dos ribeirinhos, agricultores da região também discutem a construção da usina. No município de Vitória do Xingu, algumas áreas serão alagadas. Gedeão Pereira Lobo, de 24 anos, mora com mais cinco parentes em uma terra de sete alqueires. Lá ele planta cacau, arroz, milho, feijão. Vendendo o que produz, tem uma renda de R$ 2 mil por mês. Minha família levou a vida trabalhando nessa terra, diz. Sair daqui significa começar do zero. Não é o que pensa o comerciante Adoniran Alves, de 59 anos. Morador da Ressaca, vilarejo que pertence ao município Senador José Porfírio e será impactado com a diminuição da vazão do Rio. Para ele, que tem um mercado no vilarejo e é pai de seis filhos, a usina vai trazer desenvolvimento para a região. Sou a favor da hidrelétrica. Acho que é a solução. Ela vai trazer dinheiro para a região e melhorar as condições de vida por aqui, aposta. Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/ (Acesso em 13/06/10)