Especial
Aná­po­lis, de 12 a 18 de agosto de 2011
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Avelar
O grito consciente que vem
das ruas da Cidade
Contestador, polêmico e crítico extremado, ele é um claro exemplo de amor e ódio. Figura marcante no cotidiano da
Cidade, fala o que muitos querem, mas não têm coragem de dizer
Nilton Pereira
N
ascido em Belo
Horizonte há 65
anos, ele, todavia,
é um “cidadão do mundo”. Já percorreu diversos estados, trabalhou em
inúmeras profissões, se
aventurou na política, foi
jogador e treinador de futebol e, hoje, ganha a vida
catando papel. Mas não se
considera um mero lixeiro. “Sou um trabalhador
honrado, colaboro para
melhorar a limpeza da Cidade, ajudo no processo
de reciclagem e vivo muito bem, graças a Deus”.
Assim se define Manoel Gomes de Avelar que,
praticamente, todo mundo conhece em Anápolis.
Diariamente ele percorre
as principais ruas da Cidade, empurrando um
carrinho, coletando papel,
papelão e outros produtos
recicláveis. “Não preciso
madrugar, pois tenho uma
clientela sólida, fiel e amiga. Afinal de contas, estou
há 20 anos nesse serviço, ao contrário de muita
gente que está entrando
agora. Cuido da minha
família, ganho o suficiente (não confessa o valor
exato, mas é em torno de
R$ 80 por dia), tenho casa
própria, estou terminando de pagar os estudos
da minha mulher que vai
se formar em Pedagogia”,
discorre Avelar com impressionante desenvoltura. O reciclador tem, até,
um automóvel usado com
o qual percorre as ruas da
cidade nos domingos e feriados.
Do elenco de profissões
que diz ter o domínio, ele
cita as de pedreiro; embalador internacional (embalagens para a aviação
comercial), operador de
usina (trabalhou na Itaipu
Bi-Nacional) e chegou a
jogar futebol em diversos
times. Proclama-se lançador de vários atletas que
fizeram algum sucesso no
futebol profissional em
Goiás. Hoje, entretanto,
Avelar se mostra meio que
decepcionado com alguns
fatos que marcaram sua
vida. Dentre eles, a morte prematura de um filho
(teve oito), envolvido com
o mundo das drogas. Mas
diz-se resignado e está
cuidando dos outros sete
e ajudando a criar os netos
que já chegaram. “Acontece que é somente por mais
algum tempo. Logo, logo
estou saindo desta vida”,
profetiza.
Politizado
Manoel Gomes de Avelar se mostra altamente
politizado e tem um bom
domínio sobre o contexto
sociopolítico de Anápolis nas últimas décadas.
Chegou a se candidatar a
vereador por duas ocasiões, sem, entretanto, obter
êxito. “As pessoas não valorizam quem tem ideias,
ou ideais. Elas preferem
quem tem dinheiro para
presenteá-las na época
das eleições. Gente ho-
nesta, dificilmente, ganha
uma”, diz sem rodeios.
Ao falar sobre os prefeitos
que passaram por Anápolis nos últimos anos,
ele se mostra cético e até,
descrente. “Todos, sem
exceção, mentiram mais
do que fizeram”, alfineta.
Avelar só não bate forte
em um nome: Jamel Cecílio (administrou Anápolis
como interventor durante
o regime militar, de 1976
a 1978) que afirma ter feito um bom trabalho.
O catador se mostra
desiludido com os políticos e enumera alguns
motivos. “O principal
deles é a falta de compromissos para com o povo.
Na campanha eles prometem tudo, encontram
facilidades para resolverem todos os problemas.
Depois, simplesmente se
esquecem das promessas
e fazem o que lhes vem
à cabeça, preferindo governar para as elites. São
todos iguais. Falo na frente de qualquer um”, diz
Avelar. Sobre a Câmara
Municipal ele, também,
não poupa críticas. Para
ele, muitos dos que estão
no exercício do mandato
de vereador nem sabem
o que significa isso. “Entram para lá objetivando, somente, resolverem
seus problemas pessoais
e, em alguns casos, problemas de grupos a que
pertencem”,
assegura.
Volta e meia ele estaciona seu carrinho em frente ao prédio da Câmara
e entra para assistir as
sessões. Se for preciso,
discute com os vereadores cobrando benefícios
para a Cidade. Avelar diz
mais ainda que as administrações que vêm se
sucedendo ultimamente,
não têm compromisso
para com os moradores
da periferia. “Eu mesmo,
se quis ter coleta de esgoto na minha casa, tive
de entrar na justiça. A região onde moro (Vila São
Joaquim) é uma das mais
complicadas da Cidade e
há décadas não vê qualquer benefício do poder
público. Mas, todo ano de
eleição não conseguimos
contar quantos comícios
são feitos, quantas visitas
e quantas promessas”, diz
Avelar. Ele adianta mais
que em todos os pleitos,
recebe promessas e mais
promessas, inclusive de
emprego para ajudar nas
campanhas e assim o faz.
Quando a campanha acaba, ninguém mais o procura e quando ele toma a
iniciativa, só recebe desculpas e negativas.
Cobranças
Ao falar sobre a falta
de compromisso das administrações para com os
moradores dos bairros,
principalmente os mais
afastados, Avelar diz que
é preciso que se façam
mais cobranças. “A própria mídia de Anápolis é
complacente, não ouve os
cidadãos, preferindo enaltecer o poder constituído
e divulgar, somente, o que
Foto Orlando Baiano
Manoel Avelar: tipo de rua muito popular em Anápolis, entende de política, economia e esportes
convém”, alfineta. Para
ele, Anápolis é uma cidade
que tem grande potencial
de desenvolvimento, mas
é preciso sepultar alguns
mitos, principalmente na
política. “Não venham me
dizer que a saúde pública
está boa, porque não está.
Muitos postos nos bairros
não têm sequer esparadrapo para tapar uma ferida.
Mas tem muita propaganda. A segurança não vai
bem. Basta ver o índice de
crimes,
principalmente
assassinatos e tráfico de
drogas. Perdi um filho de
23 anos, assassinado no
meio da rua. Por todo canto existem problemas nesse sentido. Faltam escolas
e creches em praticamente todos os bairros”, diz
ele, dentre muitas outras
ponderações.
Dizendo-se cansado de
tudo o que vem observando, Avelar assegura que
vai embora de Anápolis.
Mas, enquanto isso não
acontece, ele cumpre sua
rotina de andar pelas ruas
da Cidade, de porta em
porta, conversando com
as pessoas, fazendo suas
críticas, muitas delas com
fina ironia, outras mais no
escracho, beirando o deboche. Todavia, embora
seja considerado maluco
por uns, inconveniente
por outros e até, inconsequente por muitos outros,
Avelar é, sim, um cidadão,
cônscio de suas responsabilidades, com um elevado grau de politização e, o
que é melhor: destemido.
Empurrando seu carrinho pelas ruas de Anápolis ele cumpre sua jornada,
trabalhando honestamente, sob sol, sob chuva, frio
ou calor. Poderia ser mais
um rosto na multidão, mas
não o é. Avelar talvez seja
o protótipo do brasileiro
a quem não foram dadas
oportunidades concretas
de evolução socioeconômica e cultural. Mas em
sabedoria de vida ele dá
um verdadeiro show em
muita gente diplomada
que anda por aí. Avelar é
o retrato do cidadão brasileiro que, apesar de tudo,
insiste em ser honesto.
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AVELAR - Jornal Contexto