1 C A PA Após passar no reator, a vinhaça se transformará em um biofertilizante ainda melhor 48 Setembro · 2015 A vez da vinhaça! PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DO BIOMETANO ORIGINÁRIO DA VINHAÇA PODE SER A REDENÇÃO DESSE SUBPRODUTO DO ETANOL E MAIS UMA 49 TADEU FESSEL FONTE DE RENDA PARA O SETOR C A PA Luciana Paiva e Clivonei Roberto Q uando o Brasil colocou em prá- nho, SP. O aumento de produtividade foi tica o Programa Nacional do Ál- de espantar. Há registros de áreas que no cool (Proálcool), em 1975, o país final da década de 1960, a produção era assumiu não só o posto de maior produ- de 30 toneladas por hectare, e com o auxí- tor de álcool combustível do mundo, mas lio da fertirrigação passou para 100 tone- também o de maior produtor de vinhaça: ladas. É que este subproduto é constituí- resíduo do processamento industrial para do por uma suspensão de sólidos, rico em obtenção do álcool. Para cada litro de ál- substâncias orgânicas e minerais, e com cool, são produzidos cerca de dez a 13 li- predominância do potássio. tros de vinhaça. Ainda na década de 1970, surgiram Quanto mais se produzia álco- pesquisas para produzir biogás a partir da ol, maior o volume da vinhaça, o que se vinhaça, mas o custo desse gás não era transformou em um sério problema para economicamente viável, e como a aplica- as usinas: que destino dar ao famoso “ga- ção da vinhaça in natura, em substituição rapão?” Muitos desastres ambientais ocor- total ou parcial às adubações minerais, reram até que o empresário Maurilio Bia- passou a ser um bom negócio para o se- gi passasse a irrigar com vinhaça os solos tor, as pesquisas para reduzir o custo da fracos da Usina Santa Elisa, em Sertãozi- produção do biogás esfriaram. Canais de vinhaça levando fertilidade aos canaviais 50 Setembro · 2015 O Secretário João Carlos de Souza Meirelles assina Protocolo de Intensões durante a Fenasucro Mas com a tecnologia de motores mentos para o armazenamento, transpor- flex, lançada em 2003, e que impulsionou te e aplicação da vinhaça no solo agrícola, grande aumento no volume da produção pois a fertirrigação excessiva pode resul- de etanol, a vinhaça produzida passou a fi- tar em contaminação do solo e do lençol gurar como excesso. Para se ter uma ideia: freático. se neste ano, a produção brasileira de etadução de vinhaça será superior a 300 bi- A produção de biometano a partir da vinhaça lhões de litros. Porém, um novo cenário aponta que nol alcançar os 30 bilhões de litros, a pro- E a prática de lançar a vinhaça inte- o maior volume de vinhaça pode ser um gralmente nas lavouras, como fertilizan- ponto positivo e gerar lucro para a empre- te, tem seu limite. A CETESB (Companhia sa sucroenergética. A boa notícia aconte- Ambiental do Estado de São Paulo) regu- ceu na Fenasucro & Agrocana (Feira Inter- lamentou normas técnicas tendo como nacional de Tecnologia Sucroenergética), objetivo estabelecer os critérios e procedi- realizada no final de agosto de 2015 em 51 C A PA DIVULGAÇÃO GASBRASILIANO de distribuição de gás natural e cuja ênfase é o biometano produzido a partir de vinhaça. Com investimento de R$ 16 milhões, o projeto envolverá inicialmente a construção de uma planta de biodigestão na Malosso Bioenergia, localizada em Itápolis, SP. Além de disponibilizar a área de implantação, a usina também será responsável pelo fornecimento da matéria-prima (vinhaça). Luiz Roberto Zanardi, diretor da Malosso, diz que foi muito bem-vinda a proposta da GasBrasiliano e do Consórcio de Investidores CSO. “Estamos a apenas 10 quilômetros de distância do canal de gás da GasBrasiliano, o que facilitou essa par- “Vamos comprar todo o excedente”, afirma Walter Fernando Piazza Júnior ceria”, diz. A planta funcionará de maneira autônoma e será administrada por uma So- Sertãozinho, SP. Durante a Feira houve o ciedade de Propósito Específico (SPE) com lançamento de um projeto pioneiro que o Consórcio CSO, que é formado pela CR- prevê a produção e distribuição de biome- Xavier Consulting Bioenergia, Sagitta Con- tano no Noroeste do Estado de São Paulo. sultoria em Projetos de Energia Renovável O projeto foi formalizada por meio e Orion Biotecnologia. Toda produção e de um Protocolo de Intenções assinado purificação do biogás, de acordo com as por representantes das empresas GasBra- especificações da ANP (Agência Nacional siliano, Consórcio CSO e Malosso Bioener- do Petróleo, Gás Natural e Biocombustí- gia, na presença do Secretário de Ener- veis), serão de responsabilidade do grupo. gia do Estado de São Paulo, João Carlos “A SPE terá duração de 20 anos e, encer- de Souza Meirelles. A parceria está alinha- rado o prazo, ela poderá ser incorporada da ao Programa Paulista de Biogás do Es- à usina ou passar a fazer parte de outra tado de São Paulo (Decreto nº 58.659, de empresa”, afirma Carlos Alberto Xavier, da 04/12/2012), que prevê a obrigatorieda- CRXavier Consulting Bioenergia. de de comercialização de um percentual O projeto terá capacidade de produ- mínimo de biometano por meio das redes zir 5 milhões de m³ de biometano ao ano, 52 Setembro · 2015 volume que será comprado pela GasBrasi- o produto às normas de segurança. liano e injetado em sua rede de distribuição De acordo com levantamento reali- para atender consumidores das cidades de zado pela Secretaria de Energia do Esta- Itápolis e Catanduva. “Vamos comprar todo do de São Paulo, o potencial de geração o excedente e não há risco de atendimen- de biometano proveniente da vinhaça das to à demanda, pois caso ocorra qualquer usinas de todo o Noroeste de São Paulo é descontinuidade na produção do biogás, de 10 milhões de m³ por dia, volume que nós iremos complementar com o gás na- equivale a 25% da produção nacional de tural já presente em nossa rede”, esclarece gás atualmente. “Hoje, podemos afirmar o diretor-presidente da GasBrasiliano, Wal- que o biogás da vinhaça é considerado o ter Fernando Piazza Júnior. ‘pré-sal’ do Noroeste paulista. Ao substi- Para receber o biometano em sua tuir o gás fóssil pelo biometano, a GasBra- rede de distribuição, a GasBrasiliano deve- siliano reafirma seu compromisso com a rá construir a rede de interligação, além de sociedade, pois amplia a participação do uma estação de medição, um cromatógra- gás natural renovável na matriz energéti- fo para monitorar a qualidade do biome- ca de São Paulo, se alinhando totalmente tano dentro das especificações da ANP, e ao Programa Paulista de Energia”, comple- um sistema de odorização, que adequará ta o executivo. A primeira planta será instalada na Malosso Bioenergia 53 C A PA O que é o biometano Os diferenciais do projeto José Waldir Ferrari, diretor técnico De acordo com Carlos Alberto Xavier, comercial da GasBrasiliano, explica que o da CRXavier Consulting Bioenergia, o atu- biometano – que alguns chamam de bio- al projeto difere de outras pesquisas sobre gás – é um combustível quase que idênti- a produção de gás da vinhaça, principal- co ao gás natural convencional que circula mente porque é economicamente viável. na rede de distribuição. São basicamente “Quando idealizamos nosso projeto, pen- combustíveis à base de metano. “O com- samos em uma planta com altíssimo po- bustível com alta concentração de me- tencial energético. Também empregamos tano queima melhor, traz melhor rendi- o mais baixo custo de construção e ope- mento ao motor e baixíssima emissão. A ração para chegar ao menor valor possível queima é completa. Não há resíduo nenhum nessa queima. A combustão completa traz eficiência e baixa emissão. É combustível nobre, Premium, e está disponível nas usinas”, salienta. De acordo com Ferrari, a Malosso Bionergia deve começar, já no início, a produzir 10 mil metros cúbicos por dia, o que é bastante gás. A Luiz Roberto Zanardi: “proposta bem-vinda” Malosso é empresa relativamente pequena. A previsão de moa- ao produto final”, salienta. gem para a safra 2015/16 é de 800 mil to- Xavier observa que na Alemanha neladas de cana. Mas a estimativa é que as existem mais de sete mil plantas de bio- maiores unidades do Estado de São Paulo gás gerando energia, mas só que o incen- possam produzir até 50 mil metros cúbi- tivo para sua produção é superior a 110 cos de gás. “Se fizermos o aproveitamen- euros por megawatt/hora, fora o preço to disso, temos oferta de um combustível ganho pela comercialização de energia. novo, renovável, ambientalmente reco- Porém, essa não é a realidade do Brasil, mendado e em larga escala.” o que leva a trabalhar baseado na redu- 54 Setembro · 2015 ção de custo e aproveitamento total. “Outros projetos desenvolvidos na década de 1970 ou que estão em desenvolvimento em Pernambuco e Paraná, o custo é cinco vezes maior que o nosso custo, porque nossas instalações e as operações são baratas e sem o uso de insumos. Produzimos 5 mil metros³/hora de biogás e consumimos 4 metros³ de água, esse é o único insumo utilizado.” Além do menor custo de produção, outro importante fator que viabiliza o projeto, ressalta Xavier, é a diversidade de opções de o que fazer com o biogás. “O gás pode ir para o gasotudo; ou ser transportado comprimido em caminhões; ser transfor- Xavier: “Não é um milagre, mas um excelente negócio” mado em energia elétrica por meio de um motor ciclo-otto e ajudar a biomassa para Uma das primeiras ações da GasBra- maior ou produção de energia ou geração siliano neste projeto, segundo Ferrari, foi o ano todo; ou ainda substituir o diesel nas mapear, na sua área de concessão no es- frotas das usinas.” Para Xavier, tudo depen- tado de São Paulo, o número de unidades derá do que for mais rentável no momento. abrangidas, que são um total de 167 usinas de cana-de-açúcar. “Temos inclusive Biometano na rede a informação da distância entre cada uni- Ferrari salienta que as soluções estu- dade e a nossa rede de distribuição.” São dadas até hoje se baseavam na compres- distâncias variadas, como 10 km, 12 km, são desse gás para transporte até o centro 15 km, por exemplo, que, segundo Ferra- de consumo. A partir desse projeto, o gás ri, são extensões relativamente pequenas produzido na usina é transportado até a e que permitem viabilizar a instalação de rede por meio de um novo gasoduto, que um gasoduto até tais unidades. “Para vo- fica a cargo de ser construído pela Gas- lumes dessa ordem, de 8 mil, 10 mil me- Brasiliano – diferente das usinas que, para tros cúbicos, posso fazer uma rede de 10 venderem energia para o sistema elétrico, km para capturar esse gás. Essa captação é precisam investir na conexão até a subes- controlada: o gás fornecido é medido, au- tação mais próxima. torizado e levado até a rede principal da 55 DIVULGAÇÃO GASBRASILIANO C A PA Área de abrangência da GasBrasiliano empresa, por gasodutos feitos pela pró- na, feito a partir da vinhaça, entrará menos pria GasBrasiliano.” gás na rede, mas o nosso gás originário das Uma preocupação para a usina poderia ser: o que acontece quando não tenho reservas continuará sendo distribuído da mesma forma”, responde Ferrari. gás para fornecer? “Comercialmente nossa intenção é fazer contrato flexível, de forma Redução do custo do diesel que, se eventualmente deixar de produ- Para Xavier, a melhor opção de ga- zir ou não produzir na quantidade contra- nho com o biometano para o setor sucro- tada, não há nenhuma consequência co- energético é usá-lo para substituir o diesel mercial, porque a nossa rede vai continuar na frota das usinas. Segundo ele, 1 metro³ cheia, completa e vai continuar atenden- de biometano substitui 1 litro de diesel, e do nossos clientes. Esse gás é um gás novo apenas o setor paulista consome por ano que será introduzido na rede e se deixar de 1,3 bilhão de litros de diesel. “Temos como existir, não fará diferença. Na rede não se produzir 1,3 bilhão de metros³ de biogás estoca e não se armazena gás, se distribui e em teoria substituir todo o consumo de o gás disponível. Se não vier o gás da usi- diesel da frota canavieira paulista. Mas 56 Setembro · 2015 tecnicamente, isso será possível em torno gamento e transporte, mas as colhedoras de 50% a 60% da frota, porque será neces- e transbordos respondem por quase 3 li- sário converter caminhões, tratores e má- tros. Hoje, quase 20% do custo da cana na quinas em motor dual-feel (movido a die- esteira da usina vem do diesel. Xavier informa que, de acordo com conversão, ou poderão utilizar 100% gás.” a Bosh, cerca de 65% das colhedoras po- Essa prática já ocorre nos Estados derão trocar o diesel pelo gás. “Já temos Unidos desde 1990, e na Europa, onde os protótipos de caminhões para abastecer caminhões, como Volvo e Scania, já saem as colhedoras com gás na frente de corte”, da fábrica com essa conversão, conta Xa- diz. Nos caminhões, a conversão poderá vier, salientando que o dispositivo reduz ser de até 83%. “Se conseguirmos substi- o consumo em torno de 25% sem dimi- tuir 60% com gás os 1,3 bilhão de litros nuir a potência. O consultor informa que de diesel consumidos por ano pela frota são utilizados quatro litros de diesel para das usinas paulista, significará deixar de cada tonelada de cana processada, sendo usar 780 milhões de litros de diesel”, cal- que 80% deste custo vem do corte, carre- cula o consultor. A conversão dos motoDIVULGAÇÃO GASBRASILIANO sel e gás) e nem todos possibilitam essa O gás da vinhaça vai entrar no gasotudo que leva o gás natural 57 C A PA res e a operação de levar o gás até a fren- subproduto só irá fazer um pit-stop no re- te de colheita fica por conta do investidor, ator e sair, salienta Xavier. Assim, as usi- a usina não se preocupa com isso, salienta nas continuarão utilizando a vinhaça para Xavier. O que ela fará é adquirir o biome- a fertirrigação. Porém, no processo de rea- tano por um valor menor que o do diesel, ção, o nitrato e nitrito presentes na vinha- por exemplo: uma usina que mói três mi- ça serão transformados em amônia, que lhões de toneladas, consome por safra 12 terá o pH neutralizado e sua temperatura milhões de litros de diesel. Se hoje o litro será reduzida para abaixo de 40°. Esse bio- do combustível está R$ 2,50 e a usina pa- fertilizante, por ter uma concentração de gar pelo gás R$ 2,0 o metro³, vai deixar de potássio melhor, não satura o solo. “Após gastar R$ 6 milhões no ano. a produção do biogás, a vinhaça retornará à usina ainda mais concentrada e benefi- Biofertilizante enriquecido ciada, pronta para ser usada na fertirriga- A produção do biometano não irá ção”, explica Luiz Roberto Zanardi, diretor reduzir a quantidade da vinhaça, pois o da Malosso Bioenergia. Só as usinas de São Paulo consomem por ano 1,3 bilhão de litros de diesel 58 Setembro · 2015 Ferrari: “ a cana é uma planta milagrosa O empresário não precisa colocar a mão no bolso dução do biometano será para o segun- Xavier acredita que agora sim é a vez há quase 20 cartas de intensão de usinas da vinhaça, até porque, neste projeto, “se para adesão ao projeto. Mas primeiro eles o empresário quiser não tem de colocar a querem construir a planta na Malosso, co- mão no bolso”. São oferecidos vários mo- locá-la em funcionamento, injetar o gás na delos de negócio: apenas o fornecimento rede, para depois apresentar aos interes- da vinhaça; a usina ser a dona sozinha do sados o projeto na prática. do semestre de 2017. Xavier conta que já negócio; ou ter a participação de investi- Essa possibilidade de produzir um gás dores. No caso da Malosso, será uma par- renovável parece estar empolgando a Gas- ceria não onerosa para a usina. Neste pro- Brasiliano. Pelo menos o diretor técnico co- jeto de produção de biometano, salienta mercial, José Waldir Ferrari, se rendeu à cana. Ferrari, não há subsídio governamental, “Como se diz, a cana é uma planta milagro- não há participação de governo. O preço sa. É o único vegetal que consegue transfor- do gás dá sustentação econômica para a mar com maior eficiência possível a energia produção do biogás por meio da vinhaça. solar em outras fontes de energia”, declarou. A previsão do início da construção Agora é torcer para que esse projeto possi- da planta da Malosso é para 2016, logo bilite também à vinhaça fazer bonito e cair após o fim do período de chuvas, e a pro- na graça dos investidores e do setor. 59