Gerenciamento Energético na Coca-Cola em Várzea Grande/MT
Este artigo técnico foi publicado na edição de outubro/98 da Revista Eletricidade
Moderna.
É cada vez maior a automação nas indústrias brasileiras, e essa tendência vem sendo impulsionada
principalmente por três fatores: as empresas sentem cada vez mais a necessidade de redução de custos, os
preços dos equipamentos e sistemas vem caindo significativamente, e a capacidade destes mesmos sistemas vem
crescendo em progressão geométrica. Dentro deste quadro, surge com destaque a o gerenciamento e a
conservação de energia elétrica, por razões específicas: crescente rigidez nos critérios de faturamento e nas tarifas
de energia elétrica, e sua aplicação à quase que totalidade dos processos industriais.
Por que a Coca-Cola quer gerenciar a energia elétrica?
1. Para reduzir a conta de energia. Existe uma legislação de âmbito nacional que regula a cobrança da
eletricidade por todas as concessionárias, e ela tem peculiaridades importantes:
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nas tarifas horo-sazonais o consumidor contrata demanda(s) máxima(s) que não deverão ser ultrapassadas
nos quase 3000 intervalos de 15 minutos compreendidos em um mês.
as demandas contratadas não podem ser altas pois elas são pagas mesmo se não atingidas, e não podem
ser baixas pois as tarifas em caso de ultrapassagens são muito mais caras.
com a implantação da Portaria DNAEE 1569, o fator de potência também não deve ser inferior a 0,92 em
cada uma das cerca de 730 horas do mês.
a prática tem mostrado que é bastante comum a redução dos custos de energia em mais de 15% apenas
controlando-se a demanda e o fator de potência.
2. Para aumentar a produção. A importância do gerenciamento vem crescendo também dada a sua
potencialidade de facilitar a manutenção e a operação das plantas, trazendo ganhos de produtividade. Em termos
de manutenção e vida útil de equipamentos e sistemas, é sabido que:
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motores elétricos tem máxima vida útil quando o fator de potência fica entre 0,95 e 1.
transformadores tem máximo rendimento quanto maior for o fator de potência, e a eficiência dos
transformadores é um grande trunfo contra a obsolescência precoce de subestações.
proteções (fusíveis e disjuntores) podem atuar desnecessariamente se a qualidade da energia utilizada cair
abaixo de certos limites (uma combinação de fator de potência, distorções harmônicas e número de
interrupções e transientes).
o efeito "joule" causa aquecimento desnecessário em quaisquer equipamentos elétricos, incluindo fios e
cabos, à medida em que cai o fator de potência, comprometendo a vida útil de inúmeros componentes.
O conceito de Informatização Industrial na Coca-Cola
Em 1992, se iniciou no Brasil o processo de abertura do mercado que viria a mudar profundamente a forma de
trabalhar da empresa, introduzindo nova tecnologias em equipamentos e sistemas. Desde então, a meta da CocaCola passou a ser avançar no projeto de "informatização industrial em busca do domínio da informação". A idéia
era interligar toda a indústria através de rede entre os blocos, e estes a um sistema central que fará o tratamento
das informações industriais para a supervisão geral e a gestão da produção. Tratava-se de uma meta importante
no desafio de aprimorar a liderança da empresa no mercado, e ela certamente só poderia ser alcançada com a
contribuição da Automação Industrial.
Seguiu-se um projeto piloto de aplicação de software supervisório à área de Utilidades em uma das fábricas do
grupo. A experiência trouxe maior conhecimento e permitiu a orientação de fornecedores quanto à aplicação desta
tecnologia em suas atividades. Analisada a relação custo-benefício, esta cultura foi difundida junto aos fabricantes,
e permitiu o aproveitamento de oportunidades como a compra de novas linhas de engarrafamento, reformas em
sistemas de refrigeração e reconfigurações em sistemas de energia.
Na figura ao lado, vemos os sistemas típicos de
uma engarrafadora de bebidas, e a proposta de
automação dentro do novo conceito. Os
sistemas típicos de chão de fábrica continuam
funcionando isoladamente, atuando como "ilhas
de informatização", mas são configurados de
forma aberta e padronizada para uma
integração futura. Nesta nova unidade, foi
implementada a solução MES (Manufacturing Executance System), criada pela AMR (Advanced Manufacturing
Research), e que tem como finalidade descrever a nova classe de sistemas que promove a ligação entre o chão de
fábrica e o corporativo, através de um banco de dados, com o fluxo de informações aberto e direto nos dois
sentidos. O MES gerencia as informações relevantes para que uma ordem de produção seja executada conforme
planejada, com medidas de desempenho de equipamentos, dados da produção, consumo de insumos, utilização
de mão-de-obra e formas de trabalho.
O MES permite uma visão em tempo real de toda a operação, permitindo ao corpo gerencial agir pró-ativamente,
com menos desperdícios e aumentando a eficiência da produção. Esta solução está alinhada com o futuro, pois a
Coca-Cola, em todo o mundo, terá como ferramenta de gestão corporativa o sistema SAP R3 que no módulo PP-PI
tratará das informações da produção. Desta forma, os cuidados a serem tomados estarão restritos à interface do
banco de dados, com a eventual reconfiguração na forma de apresentação das informações.
Características do Sistema Implantado
Duas premissas tiveram que ser atendidas na especificação dos equipamentos e sistemas do setor de Energia:
permitir um gerenciamento eficaz, e permitir fácil conexão ao MES. Estas duas premissas desencadearam uma
série de pré-requisitos, donde destacamos as que seguem:
1. Controle de Demanda em tempo real. Dada a grande capacidade de se alcançar economias, foi estabelecido
que o sistema precisaria efetuar o controle de demanda em tempo real, e ininterruptamente. Para tanto, um
Controlador Lobo HX foi instalado na cabine de entrada de energia, e conectado à medição de energia da própria
concessionária. Em função do valor da demanda, o sistema atua em 15 cargas, sendo 3 delas por ramal
(transformador), e a programação de atuação do sistema é totalmente parametrizável pelo operador.
Simultaneamente, a demanda projetada é monitorada pelo(s) operador(es), que pode(m) estabalecer alarmes e
procedimentos específicos para cada situação.
2. Controle de Fator de Potência por transformador. A instalação é composta por 5 transformadores de
distribuição, e 4 subestações, sendo uma destas a cabine de entrada de energia. No secundário de cada um dos
transformadores de distribuição, foi instalado um banco de capacitores com 5 estágios automatizados. A potência
destes estágios varia de acordo com a potência de cada transformador e da carga instalada em cada um destes
ramais, mas este detalhamento não será apresentado aqui. Em termos de automação, determinou-se que dos 5
estágios de cada banco de capacitor, 4 serão utilizados para controlar o fator de potência local (naquele ramal da
instalação), e 1 estágio será usado para controlar o fator de potência geral, visto pela concessionária de energia.
Em função da legislação vigente, os 5 estágios usados para controlar o fator de potência geral (1 estágio junto a
cada transformador) são acionados conforme o comportamento da projeção do fator de potência para cada
intervalo de 1 hora. Para maior clareza, estes estágios são os identificados na figura como C1, e interligados pelas
linhas pontilhadas azuis ao sistema de supervisão e controle.
Os estágios usados para controle de fator de potência local, por outro lado, são acionados conforme a variação
instantânea do fator de potência em cada um dos ramais, respeitando-se um tempo mínimo de descarga para os
capacitores, e efetuando um rodízio entre os mesmos. Eles estão interligados ao sistema de controle pelas linhas
verdes, e identificados como C2 a C5. Todo o controle de fator de potência, geral e setorial, é executado pelo
mesmo Lobo HX, que acumula as funções de controlador de demanda e fator de potência. Existem unidades
remotas espalhadas pela planta, com a função de fazer a aquisição de dados, e o comando de cargas e
capacitores. Cada uma delas é composta por transdutor(es) digital(is), módulo(s) de entradas digitais (para
monitoração dos disjuntores e feed-back das saídas), e módulo(s) de saídas digitais a relé (para acionar contatores
de potência). A configuração de cada uma das remotas foi estabelecida em função das necessidades específicas
do projeto. No campo, todas as linhas de comunicação seguem o padrão RS-485, e o protocolo utilizado é sempre
o Modbus RTU.
3. Monitoração de todas as grandezas elétricas em todas as subestações. As 6 unidades remotas (5 junto aos
transformadores e 1 na cabine de entrada) estão interligadas ao Controlador Lobo HX. Este concentra as leituras
de todos os transdutores e de todas as entradas digitais, processa as informações e comanda as saídas, além de
enviar todas as informações para a estação de supervisão e controle.
Na estação de supervisão, o operador tem acesso, em tempo real, a todas as grandezas elétricas em todas as
subestações, a saber: correntes nas três fases, tensões nas três fases, frequência da rede, fator de potência
instantâneo, potência ativa, potência reativa, potência aparente, consumo ativo acumulado, e consumo reativo
acumulado. Além disto, o sistema armazena os dados históricos de demanda e fator de potência de cada
transformador a cada intervalo de integração, conforme legislação vigente. Com a solução MES, a administração
da fábrica terá todas as informações para fazer um perfeito custeio do produto acabado, seja por lotes ou turnos de
produção.
4. Monitoração dos Estados de Disjuntores, Cargas e Bancos de Capacitores. O sistema monitora a
energização de barramentos, que quando desligados piscam em vermelho na tela do operador, gerando alarmes
que são armazenados e devem ser reconhecidos.
Quando críticos, uma sequência de procedimentos é instantaneamente informada ao operador. Na figura acima,
vemos uma tela de monitoração onde é mostrado o diagrama unifilar da planta, com a disposição dos
transformadores, e os valores de demanda e fator de potência em cada um deles. Outras telas, mostram
sinoticamente os estados dos contatores (disjuntores, seccionadoras, etc.) que alimentam capacitores, cargas e
subestações.
5. Estação de Supervisão em plataforma Wizcon. Um aplicativo desenvolvido em plataforma Wizcon (software
supervisório de origem israelense utilizado mundialmente) permite que o operador navegue por toda a planta, e
visualize rapidamente tudo o que está se passando, em tempo real. Usando os recursos gráficos do Wizcon, as
telas foram construídas de modo a exibir os circuitos ao operador da forma como eles realmente estão ligados no
campo, o que facilita a visualização e facilita a operação. O supervisório fica 24 horas ligado, e durante este
período se mantém em comunicação permanente com o controlador, recebendo e armazenando dados que mais
tarde poderão ser utilizados para pesquisa ou análise. Quaisquer anormalidades são exibidas, e conforme o grau
de severidade, ações específicas são solicitadas ao operador. A especificação do MES fez com que todas os
demais sistemas da fábrica (Refrigeração, Tratamento de Água, Engarrafamento, etc.) utilizassem a mesma
plataforma Wizcon. As estações de supervisão e controle dos diversos sistemas são reunidas numa só sala de
controle, reduzindo o número de operadores, e interligadas em rede Ethernet. Esta rede local é quem garante o
fluxo de informações, de todos os setores e sistemas da fábrica, ao MES, e por consequência, ao sistema
corporativo.
6. Ferramentas de análise financeira, estatística e de processos. Totalmente integrado ao sistema
supervisório, o sistema possui ferramentas de análise, estatística e gerenciamento, habilitadas individualmente por
meio de senhas. Com elas, um operador ou gerente pode dimensionar expansão de bancos de capacitores,
estimar novos valores ideais para as demandas contratadas junto à concessionária, além de visualizar todas as
informações sob a forma de gráficos ou tabelas.
Especificações Técnicas
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Estação de Supervisão e Controle: Microcomputador Compaq Deskpro, Pentium MMX 200 MHz, DRAM
64 MBytes, adaptador Ethernet "on board", monitor SVGA Color 17" e sstema operacional Windows NT.
Sistema Supervisório: Plataforma Wizcon 5.22, com plug-ins em Visual Basic e WizScript, e lay-out
padronizado pela Atan Sistemas de Automação Ltda.
Controlador de Demanda e Fator de Potência: Lobo HX da Engecomp, com CPU industrial Advantech,
processador Intel 486 DX4-100 MHz, DRAM 4 MB, "flash-disk" de 1,44 MBytes, 4 saídas seriais, e display
LCD 2x20 com back-light.
Interfaces de Campo: Transdutores digitais Yokogawa (modelo 2480-D), Módulos de entradas e saídas
digitais Engecomp (modelos ER-08 e SR-08-485), todos micro-processados e com saída serial RS-485
protocolo Modbus RTU.
Benefícios Adicionais
Com a implantação do sistema de gerenciamento antes do start-up da própria planta, será possível, nos 90 dias de
experiência, estabelecer valores ideais para as demandas a serem contratadas com a concessionária de energia
(CEMAT). Isto representa uma grande economia uma vez que tais valores podem apenas serem renegociados
após meses, e ainda assim, com restrições que podem ser impostas em função da distribuição de carga na região.
Conclusão
Todas as premissas e pré-requisitos foram alcançados. A fábrica, instalada em Várzea Grande/MT, está operando
desde 10 de dezembro de 1997. As economias esperadas levam a um "pay-back" de todo o sistema em cerca de
12 meses. O sistema instalado torna praticamente impossível a ocorrência de ultrapassagens de demanda, ou de
valores de fator de potência fora dos limites desejáveis, além de oferecer ao(s) operador(es) todas as informações
necessárias para se supervisionar a qualidade da energia consumida, e assim aumentar a vida útil e o tempo entre
falhas dos equipamentos elétricos da planta de modo geral.
Bibliografia
Artigo "A hora e a vez da Informatização Industrial", escrito pelo Eng. Douglas Xavier, e publicado no Boletim
"tecniCoke" n. 26 de Outubro/1997.
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