CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
WAGNER VINICIUS AMORIM
A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO
ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA:
A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária
Londrina - PR
2008
WAGNER VINICIUS AMORIM
A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO
ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA:
A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária
Monografia
apresentada
ao
Curso
de
Bacharelado em Geografia da Universidade
Estadual de Londrina – UEL, como requisito
parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da
Cunha
Londrina - PR
2008
WAGNER VINICIUS AMORIM
A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO
URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA:
A DINÂMICA DO CAPITAL INCORPORADOR E DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA
Monografia apresentada ao Curso de Bacharel
em Geografia da Universidade Estadual de
Londrina – UEL, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da
Cunha
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha
(orientador)
Universidade Estadual de Londrina
Profa. Dra. Tânia Maria Fresca
Universidade Estadual de Londrina
Profa. Dra. Yoshiya Nakagawara Ferreira
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, ____ de ___________ de 2008.
Dedico este trabalho à minha família que muito
batalhou para que eu tivesse a oportunidade e
o privilégio de empreender esforços intelectuais
a procura de um mundo e de uma vida mais
justos.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus pelo dom da vida e da razão e a minha família por
todo apoio que me concederam e a educação com que me formaram.
Ao Professor e orientador Dr. Fábio César Alves da Cunha, quem me
acompanhou e me orientou durante toda a realização deste trabalho, sem o que não teríamos
chegados a este resultado. Pela dedicação e pelo apoio, sobretudo, nos momentos mais
cruciais da realização do mesmo.
A querida Professora Dra. Alice Yatiyo Asari, Tutora do Programa de
Educação Tutorial (PET) desta universidade, quem muito participou e contribuiu para grande
parte da minha formação acadêmica e cidadã, sempre nos orientando pelos princípios éticos e
solidários que regem seu trabalho digno de respeito e admiração.
Ás Professoras Ruth Youko Tsukamoto e Kumagae Kasukuo Stier, professoras
co-orientadoras das atividades desenvolvidas no âmbito do Programa de Educação Tutorial,
durante os meus anos de bolsista e estagiário do grupo.
Aos professores desse departamento que contribuíram para minha formação
acadêmica e profissional enquanto professor de Geografia, pelo conhecimento compartilhado
e transmitido, pela paciência despendida, pelas alegrias proporcionadas e pelas reflexões
inspiradas. Sobretudo, pela emoção singular da convivência.
Aos funcionários desse departamento pela prontidão em ajudar-nos
pacientemente em todo tipo de tarefa e de dificuldades que, sem eles, ficaríamos à deriva.
Aos companheiros de turma Alessandro Rotunno, por toda a sabedoria
compartilhada, pelas experiências e descobertas comuns ao longo de todos os anos da
graduação; e Leandro Henrique da Silva, pelas reuniões de estudos tão enriquecedoras e
“saborosas”, e pelo despertar de novas idéias a respeito do homem, a respeito do espaço.
Ao Programa de Educação Tutorial – Geografia (PET-MEC-SESu), pela
oportunidade de dedicação integral aos estudos e participação em eventos e congressos
científicos, e pelo ambiente interdisciplinar de estudo dentro dessa universidade.
Ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL) pela
concessão das cartas e dos mapas.
“Importam-se empresas e exportam-se lugares. Impõe-se de fora do país o que deve ser
a produção, a circulação e a distribuição dentro do país, anarquizando a divisão
interna do trabalho com o reforço de uma divisão internacional do trabalho que
determina como e o que produzir e exportar, de modo a manter desigualmente
repartidos, na escala planetária, a produção, o emprego, a mais-valia, o poder
econômico e político. Escolhem-se, também, pela mesma via, os lugares que devem ser
objeto de ocupação privilegiada e de valorização, isto é, de exportação.”
(MILTON SANTOS, Guerra dos lugares, 1999).
AMORIM, Wagner Vinicius. A (Re)valorização e a produção social do espaço urbano na
Zona Leste de Londrina: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária.
2008. 124 p. Monografia (Curso de Bacharel em Geografia) – Centro de Ciências Exatas Departamento de Geociências – Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
Esta pesquisa tem como recorte espacial a Zona Leste da Cidade de Londrina, onde
atualmente tem-se verificado um direcionamento de investimentos tanto por parte do setor
público e do privado, como da parceria entre eles. Trata-se de fluxos de investimentos,
levando a revalorização espacial às antigas áreas da cidade que há muito tempo não
conheciam uso urbano. Entretanto, porções de terras ainda permanecem sem uso,
demonstrando a existência de práticas especulativas, da reserva de valor e o interesse privado
de agentes produtores do espaço urbano. É objetivo desta pesquisa verificar a atuação pública
e privada nesta área da cidade. Para tanto, algumas iniciativas locacionais são tomadas como
pontos fundamentais: é o caso da instalação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná
(UTFPR); do Complexo Marco Zero, onde será construído o Teatro Municipal; dos
Supermercados Golfinho, da Faculdade Norte Paranaense – UNINORTE; dos condomínios
residenciais horizontais e verticais; dos loteamentos residenciais; dos conjuntos habitacionais;
além da centralidade exercida pelas principais avenidas da área, dentre outros investimentos
de menor porte. A Zona Leste da cidade de Londrina, refletindo as lógicas e práticas atinentes
à produção do espaço urbano, sob o capitalismo, também é instância de contrastes e
disparidades sociais, pois, ao mesmo tempo em que se prepara para receber investimentos
importantes, conhece a segregação de populações de baixíssima renda, espoliadas do direito à
cidade, simultaneamente à auto-segregação praticada por moradores de condomínios
residenciais existentes na área, consumidores de um espaço urbano inautêntico e fluído.
Palavras-chave: Produção do espaço urbano, especulação imobiliária, capital incorporador,
fragmentação e segregação sócio-espacial, uso e ocupação do solo urbano.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e
Jamil Scaff ................................................................................................................................ 71
Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero .................................................. 74
Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo .................................... 75
Figura 04 – Marco Zero de Londrina ....................................................................................... 76
Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero........................................................... 77
Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero .......................................... 80
Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica) .............. 92
Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da
maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves .... 92
Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro
Municipal.................................................................................................................................. 93
Figura 10 – Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro
Municipal.................................................................................................................................. 93
Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR..... 95
Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de
Londrina ................................................................................................................................... 96
Figura 13 – Localização da UTFPR ......................................................................................... 97
Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina........ 97
Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD Loteadora
& Protenge Urbanismo e Engenharia ....................................................................................... 99
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional ........................................................ 42
Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina................................................. 43
Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas......................................................... 57
Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município
de Londrina............................................................................................................................... 63
Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários)..................................................... 64
Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores
Censitários ................................................................................................................................ 65
Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco
Zero........................................................................................................................................... 85
Mapa 08 – Principais avenidas da Zona Leste ....................................................................... 110
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais .............. 55
Tabela 2 – Evolução demográfica do Município de Londrina................................................. 59
Tabela 3 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste ................... 91
Tabela 4 – Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina .......... 106
Tabela 5 – Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina ........... 108
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO................................................................12
2.1. O Método Científico..........................................................................................................12
2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da
Geografia...................................................................................................................................19
2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo.....................................29
3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO
DE LONDRINA.......................................................................................................................41
3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do
Paraná........................................................................................................................................43
3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da
Economia Cafeeira....................................................................................................................50
3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da
Revolução Verde e a Explosão Urbana.....................................................................................53
4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO
ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA.....................................................61
4.1. Introdução..........................................................................................................................61
4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do
espaço urbano burguês e a renda da terra urbana......................................................................67
4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do
Complexo
Marco
Zero
e
da
Universidade
Federal
Tecnológica
do
Paraná........................................................................................................................................72
4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná – Londrina..............................................................................94
4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto
catalisador do crescimento urbano............................................................................................99
4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana
na Zona Leste de Londrina......................................................................................................103
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................114
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................117
10
INTRODUÇÃO
O espaço urbano, corolário do desenvolvimento econômico do capital e do modo de
produção capitalista, não é inerte a este processo, muito menos seu produto final apenas, mas,
antes de qualquer coisa, constitui-se em condição, meio e produto do processo geral de
produção e reprodução capitalista da sociedade. Atualmente, tem ser tornado em “lugarcomum” entre geógrafos e cientistas sociais a afirmação da relação dialética existente entre
espaço e sociedade, dito de outro modo, instâncias interativas do processo geral de reprodução
social, que encerram por materializar as suas contradições no espaço geográfico.
Partindo deste pressuposto, encaramos o fato urbano, enquanto produto social, uma
amálgama de intencionalidades díspares, até mesmo conflitantes, pois, alvo de interesses
distintos, o espaço urbano é produzido contraditoriamente, não é um interesse ou um agente
apenas o responsável por sua reprodução, mas diferentes interesses e diferentes agentes que o
moldam a cada dia. Para ilustrarmos esta colocação basta pensar na presença do interesse
público e privado na cidade, quando, não raras vezes, a coexistência desses dois interesses em
uníssono, as chamadas parcerias público-privadas.
O espaço urbano não é somente o lócus dos interesses econômicos e políticos
propriamente ditos, também é o lugar da vida, da reprodução da vida, é o lugar da apropriação
social – ao menos deveria ser –, é o lugar do cotidiano e da vivência, lugar da inventividade,
entretanto, também é o lugar da segregação, da exclusão, dos favorecimentos, dos privilégios,
lugar dos investimentos e descompassos, lugar da valorização e desvalorização.
Esta pesquisa versa sobre tais processos mencionados, tendo como recorte espacial a
Zona Leste da Cidade de Londrina, onde, atualmente tem-se verificado um direcionamento de
investimentos tanto por parte do setor público e do privado, como da parceria entre ambos.
Tratam-se de fluxos de investimentos, levando a revalorização às antigas áreas da cidade que
há muito tempo não conheciam um uso. Entretanto, paradoxalmente, porções de terras ainda
permanecem sem uso, demonstrando a existência do capital especulador, da reserva de valor e
o interesse privado de agentes produtores do espaço urbano.
A produção social do espaço urbano tem se intensificado como uma base sólida da
reprodução capitalista, pois, a despeito de todas as crises enfrentadas pelo sistema capitalista,
o investimento no setor imobiliário sempre se mostra ascendente e financeiramente mais
seguro que investimentos em qualquer outro setor da economia. Apesar da crise imobiliária
pela qual passa a principal economia do planeta, o setor tem a capacidade de, caso se
desestruture, prejudicar toda uma cadeia produtiva, com repercussões internacionais. O que
11
justifica investimentos bilionários estatais no setor e o empenho político em torno do mesmo.
O cenário brasileiro é otimista e tem chamado a atenção de muitos investidores estrangeiros e
tem atraído o capital financeiro internacional a investir maciçamente no país através de megainvestimentos no setor e em toda a cadeia que a ele está ligada diretamente. É o caso do
capital incorporador, que não mais limitado apenas à produção do imobiliário, se alastra por
toda a cadeia produtiva ligada ao setor, ao promover a associação de empresas e ao ampliar o
potencial das parcerias público-privadas.
Desse modo, o Estado é cada vez mais “convidado” a “preparar o caminho” para o
capital incorporador, ao induzir investimentos ou se coadunar com este capital na produção do
ambiente construído, incumbindo-se pela dotação de equipamentos públicos e comunitários,
infra-estrutura viária, logística, e, principalmente, planejamento consorciado do espaço urbano
e regional, pelo favorecimento e respaldo jurídico/legal e pelas políticas viabilizadoras de tais
investimentos.
O caso londrinense é emblemático desse tipo prática, pois, o Estado, em suas
instâncias Municipal, Estadual e Federal tem concentrado esforços em torno de objetivos
comuns ao capital incorporador. É o caso dos investimentos direcionados para a Zona Leste
da cidade, especialmente o Complexo Marco Zero, objeto de análise desta pesquisa, onde o
poder público local, Governo Estadual e Federal tem se empenhado na mesma direção e
sentido do capital incorporador.
Inicialmente realizar-se-á uma breve ontologia do espaço geográfico e do espaço
urbano na ótica da Geografia. Na seqüência abordar-se-á sucintamente as páginas da história
de Londrina e seu processo de formação. Finalmente, analisar-se-á o caso da Zona Leste de
Londrina, especialmente da microrregião Leste 2 que corresponde exatamente à área mais
central dessa Zona da cidade. Todavia, nossos objetos de análise não podem ser
compreendidos apenas dentro dessa área, fazem parte de um contexto mais amplo, mas para
fins metodológicos tomou-se esta área como delimitação espacial de análise.
No último capítulo analisar-se-á o papel do discurso oficial e midiático e a lógica da
especulação imobiliária na produção capitalista do espaço urbano burguês. Num segundo
momento abordar-se-á o capital incorporador, o Estado capitalista enquanto um agente de
segregação e fragmentação espacial, a reestruturação produtiva e a renovação urbana, no
contexto do Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná
(UTFPR). Finalizaremos o trabalho com alguns levantamentos em campo a respeito da
produção social do espaço urbano e da valorização fundiária, analisando-se o comportamento
do setor imobiliário enquanto catalisador do crescimento urbano na Zona Leste de Londrina.
12
2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO
2.1. O Método Científico
Este trabalho se inicia procurando estabelecer as devidas distinções e definições
pertinentes à metodologia que o orienta. Do grego methos, o método traduz-se em meta,
caminho, ou seja, um conjunto de procedimentos racionais e analíticos, baseados em regras,
que visam atingir um objetivo determinado, um “[...] instrumento intelectual e racional que
possibilite a apreensão da realidade objetiva pelo investigador [...]” (SPÓSITO, 2004). Tal
como propõe Santos (1998, p. 166), “um método é um conjunto de proposições - coerentes
entre si – que um autor ou um conjunto de autores apresenta para o estudo de uma realidade,
ou de um aspecto da realidade”, pois, já que não podemos inventar o mundo, inventamos uma
forma de interpretação dele, pois o mundo existe independentemente de nós. Ou, como
propõe Japiassu e Marcondes (1990, p. 166), a respeito do método em Descartes, quem
marcou o renascimento com seu racionalismo lógico formal ao dizer que:
Por método, entendo as regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as
observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e
chegarão, sem se cansar com esforços inúteis, ao conhecimento verdadeiro
do que pretendem alcançar.
Acrescentemos às interpretações anteriores as próprias assertivas de Descartes (2001,
p. 6), para quem “achava quase como falso tudo quanto era aparente”. Assim, devia, pois o
método instigar o pesquisador a adentrar as “fissuras” das formas por ele analisadas,
apreender a essência das coisas. Descartes (2001, p. 8) em seu Discurso do Método propõe
quatro princípios, quatro preceitos, que compõem a lógica, parafraseando-os, concluímos que:
a) nunca deve-se aceitar algo como verdadeiro sem conhecê-lo antes como tal, evitando-se
assim, a pressa, a prevenção e o pré-conceito; b) repartir cada uma das dificuldades
analisando-as em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor
solucioná-las; c) iniciar-se pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, elevando-se,
pouco a pouco, até os conhecimentos mais complexos, evoluindo da ignorância ao
conhecimento; d) efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais
nas quais não se omita absolutamente nada. Apesar da presença do mecanicismo e da
disciplinaridade em seu discurso, não desprezaremos as notáveis e ricas contribuições deste
pensador, antes, nos apropriemos de seus feitos e avanços ao/no conhecimento científico.
13
A este propósito, o próprio Marx (1977, p. 218) escreveu que o melhor método é
começar pelo real e pelo concreto, pois, “[...] o concreto é concreto por ser a síntese de
múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento
um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida [...]”, apesar de ser o ponto
de partida da observação imediata e da representação. E conclui: “nesta medida, a evolução
do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, corresponderia ao
processo histórico real” (MARX, 1977, p. 220). Harvey (1980, p. 5), reconhece esse fato
quando escreve que a verificação da teoria é conseguida através da prática, da realidade, isto
é, do seu uso, o que a torna prática em um sentido decisivo. Não obstante, Santos (1988b, p.
11) coloca a questão de maneira exemplar quando escreve que “o correto é partir da própria
realidade [...]”, pois, “[...] a concretude da abstração está na base mesma da realização dos
nossos mínimos atos com ser social”.
Marx foi seguido em seu método ao considerar o real concreto como síntese de
múltiplas determinações, como unidade da diversidade. Fernandes (1991, p. 32), reconhece
este fato ao escrever que:
[...] quando pretendemos conhecer um determinado objeto, não trabalhamos
com os componentes do conhecimento separadamente, ou seja, não
separamos o método da teoria na prática. O processo de conhecimento
implica a interação de todos os componentes.
Da mesma forma, afirma Carlos (1993, p. 140), que “[...] só existe processo de
conhecimento na medida em que se divide, se aprofunda em cada uma das partes; mas tornase necessário a articulação dos momentos do todo numa totalidade estruturada”.
Neste sentido, Corrêa da Silva (2000, p. 12 e 13), escreveu que o método, em sua
dimensão ôntica, se põe “[...] como síntese da análise e análise da síntese, num movimento
intelectivo que vai do todo à parte e desta ao todo”. O método é para esse autor pura abstração
e manuseio da forma, num movimento autônomo que a consciência capta como certeza na
relação, sendo a verdade um instante que a história prolonga. É abstrato porque o pensamento
concreto também é, como sensação ou representação, apesar de ser o ponto de partida da
materialidade requerido pela práxis da ciência (CORRÊA DA SILVA, 2000, p. 14). E
continua, ao asseverar que “pensar o método é ter a razão como pressuposto e, com esta, a
abstração”, o ponto de partida do raciocínio, a idéia concreta, desse modo, ”[...] o ponto de
partida do método é, desde logo, a teoria implícita que, num primeiro momento, reconhece a
14
forma. Que ele próprio expressa-se como momento de constituição da forma” (CORRÊA DA
SILVA, 2000, p. 18 e 19).
Destarte, o método dirige o equacionamento dos problemas próprios do temário
invocado, pautando a ordenação de sua discussão e estabelecendo os instrumentos e o
ferramental a serem utilizados durante todo o processo. Nesse trabalho discorreremos sobre a
teoria que orienta esta pesquisa, sobre a prática (empiria), na tentativa de trabalhar o real
estudado a partir do olhar da teoria, pois, tal como propõe Moraes e Costa (1984, p. 10) “o
caminho para a elucidação da teoria é, podemos dizer, teórico. Sem pressupostos e
instrumentos bem precisados, caminharemos às cegas no trato do mundo empírico”. Assim,
realizar-se-á a investigação e interpretação da realidade conhecida, mas, sobretudo da teoria,
intentando reconhecê-la na realidade investigada.
Moraes e Costa (1984, p. 26 a 28), distinguem método de interpretação e método de
pesquisa. O primeiro diz respeito à “concepção de mundo” do pesquisador, “sua visão de
realidade, da ciência, do movimento”. É a sistematização das formas de ver o real, a
representação lógica e racional do entendimento que se tem do mundo, a teoria. Refere-se às
posturas filosóficas, quanto às questões da lógica, da ideologia e da postura política do
cientista. É o arcabouço estrutural sobre o qual repousa qualquer conhecimento científico. É o
elemento de relação entre os vários campos da ciência e destes com a filosofia. Já o método
de pesquisa, diz respeito ao conjunto de técnicas utilizadas na execução do trabalho científico,
refere-se à operacionalização da pesquisa, resultando das demandas do objeto tratado e dos
recursos técnicos disponíveis.
Nosso método de interpretação do real percorre os caminhos da Geografia Crítica,
tendo como apreensão intelectual do real o materialismo histórico e dialético, o qual apreende
o espaço como “[...] base da vida social, e sua organização como reflexo da atividade
econômica” (MORAES, 2005, p. 124), desempenhando uma função decisiva na estruturação
de uma totalidade, de uma lógica ou de um sistema, seja através do espaço vivido e social,
como do espaço da reprodução das relações sociais de produção, uma estrutura subordinada,
subordinante e, simultaneamente, autônoma, aos/dos ditames do modo capitalista de
produção, referimo-nos aqui, em especial, ao espaço urbano (CORRÊA, 1993 e 1995).
O método dialético compreende necessariamente a noção de movimento na história.
“Esse movimento ocorre quando, na confrontação de tese e antítese, a síntese contém aspectos
positivos da tensão anterior, e apresenta-se como estágio superior que, por sua vez, se coloca
também como uma nova tese” (SPÓSITO, 2004, p. 44). Este método, vigorosamente
aperfeiçoado por Marx e Engels, fundamentados no idealismo alemão, propriamente na
15
dialética hegeliana e no materialismo de Ludwing Feuerbach – elo entre a concepção marxista
e a filosofia hegeliana -, “[...] contém os princípios da interação universal, do movimento
universal, da unidade dos contraditórios, do desenvolvimento em espiral e da transformação
da quantidade em qualidade” (LENCIONE, 1999, p. 159). Para Konder (1985, p. 8), a
dialética “é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a
realidade como essencialmente contraditória e em permanente estado de transformação”.
É esse o método que a nosso ver se adapta à nossas necessidades, pois, de acordo
com Carlos (1993, p. 130 e 131) a realidade, enquanto fazer-se histórico, é totalidade concreta
aberta e dialética, bem como a Geografia, está em constante constituição, num movimento de
constante superação, não é homogênea, antes, contraditória e múltipla. Entretanto,
concordamos com Gomes (2003, p. 303), quando sinaliza que não existe hoje, na Geografia, a
crença numa “[...] via metodológica única, que será aquela da ‘verdadeira’ geografia, e se
reconhece a importância e a riqueza de outras condutas possíveis para a Geografia”. Assim,
também não pretendemos um ecletismo teórico, longe disso, apenas conscientizamo-nos sobre
o risco de se fundamentar em “verdades absolutas”, tomando por caminho certo o que pode
no devir não o ser.
De acordo com Spósito (2004, p. 55), o método compõe-se de cinco elementos, a
saber: doutrina, teorias, leis, conceitos e categorias. Destes, chamaremos atenção ao conceito
e à categoria, o primeiro funcionando como um balizador do pensamento geográfico em geral.
O espaço é um deles, o principal. Fonte de incansáveis discussões, debates, polêmicas, o
espaço sempre esteve, está e estará presente nos estudos geográficos. Isso já é por demais
sabido! Mas, por que devemos retomar aqui sua discussão? Não seria de mais interesse
discutir a própria Geografia? Várias questões ficarão sem respostas ao fim desse trabalho,
certamente mais dúvidas serão formuladas do que propriamente certezas. Além do mais,
nosso objeto de pesquisa gira em torno de presunções hipotéticas, virtuais, potencialidades do
vir-a-ser. O real, o aqui e o agora é o nosso ponto de partida, mas desconhecemos nosso ponto
de chegada: um virtual-possível lefebvriano? (LEFEBVRE, 1999, p. 28). Contudo, o conceito
espaço continua sendo o nosso balizador, assim como o é para a Geografia, e como deveria
ser para qualquer outra práxis que o diga respeito.
A fim de melhor esclarecer os elementos do método a serem utilizados no transcorrer
deste trabalho, identifiquemos o significado, para a ciência, do “conceito” em si mesmo. De
acordo com Japiassu e Marcondes (1990, p. 53), trata-se de “uma noção abstrata ou idéia
geral, designando seja um objeto suposto único, seja uma classe de objetos”, e do “ponto de
vista lógico, o conceito é caracterizado por sua extensão e compreensão”, sendo estas duas
16
características do conceito inversamente proporcionais. A esse respeito complementamos com
Spósito (2004, p. 60), para quem:
[...] todo conceito tem sua história e pode ser identificado com seu ator ou
atores [...], porque é elaborado com base em alguma referência inicial
(científica ou filosófica), com seus elementos internos devidamente
articulados que definem sua consistência a partir da sua própria constituição,
remetendo, sempre que evocado, a outros conceitos para efeitos de
comparação ou de superação.
O conceito, na acepção de Santos (1992a, p. 9), é uma formulação abstrata que
configura, no pensamento, as determinações de um objeto ou fenômeno. No contexto do
pensamento marxista, o conceito equivale a uma categoria explicativa, que ordena,
compreende e expressa uma realidade empírica concreta, como um "concreto pensado",
"síntese de múltiplas determinações". "O conceito só é real na medida em que é atual. Corrêa
da Silva (1986, p. 28), reconhece este fato quando escreve que “o conceito é uma
representação do objeto pelo pensamento [define a idéia ou conjunto de idéias a respeito de
alguma coisa ou fenômeno], por suas características gerais”.
Para fins metodológicos de desambiguação, saibamos distinguir conceito de
categoria, esta última tomada no sentido de verdade eterna, presente em todos os tempos, em
todos os lugares, e das quais se partem para a compreensão das coisas num dado momento,
desde que se tenha o cuidado de levar em conta as mudanças históricas (SANTOS, 1992a, p.
5). De acordo com Corrêa da Silva (1986, p. 25 – 28), consiste, verdadeiramente, em pontos
de apoio do conhecimento e da prática, universais abstratos, formas de generalização, modos
de ser, mediação do concreto, síntese fundamental do fenômeno em sua essência, pontos de
partida do raciocínio, entes ideais, ontológicos produzidos pela razão (entidades lógicas) ou
determinações da existência (modalidades ontológicas do ser). Ela sobrepõe-se ao conceito,
determina-lhe o conteúdo, que deve ser concreto, define os modos de ser.
Como observou Santos (2004a), é a partir do conceito que uma ciência se relaciona
com outra, o conceito, ao mesmo tempo em que é um constructo intelectual de um
determinado segmento da ciência, “esbarra” em outros domínios diferentes do seu domínio
original, isso porque, segundo Durkheim (apud SANTOS, 1986b, p. 116) “na realidade, cada
coisa na natureza encontra-se unida com as outras de tal maneira que aí não pode haver
solução de continuidade entre as diferentes ciências em fronteiras muito precisas”. Assim,
abre-se oportunidade à inter, multi e transdisciplinaridade no trabalho científico, tão
necessárias ao entendimento da diversidade do funcionamento da realidade.
17
Para o cientista social (o que inclui o geógrafo) lhe importa saber que “[...] o
conceito é elaborado pela descrição de um fenômeno, expressa esse fenômeno como
concepção que parte dos sentidos e que pode ser abordado empiricamente”, sendo também,
construído empiricamente (SPÓSITO, 2004, p. 61). A utilização dos conceitos sempre vem
acompanhada da utilização das categorias, seja qual for o trabalho que se pretenda. E existem
diferenciações entre estes dois instrumentais. A categoria diferencia-se do conceito,
justamente por ser mais constante, rígida, dotada de um significado estabelecido, de uma
definição. Como bem dizia Hegel (apud SPÓSITO, 2004, p. 62), “as categorias representam
essências ideais que exprimem os momentos correspondentes da idéia absoluta [...]”, posição
essa criticada por Marx e Engels, dada a sua carga idealista. Em Geografia predominam a
utilização de diferentes categorias, Santos (1992) as expõe em seu método: estrutura,
processo, função e forma, dentre outras, sendo espaço a “categoria-mor”. Faremos uso delas
no transcurso deste trabalho.
Dadas as devidas distinções entre conceito e categoria, continuaremos no trato do
espaço, ciente de que a Geografia enquanto ciência tem diferentes definições para o espaço, o
que varia em função da orientação filosófica e/ou metodológica do pesquisador, de acordo
com sua visão de mundo. Uma vez assumida a orientação metodológica e filosófica a que se
pretende esse trabalho, ter-se-á uma definição desse constructo social, que no dizer de Corrêa
da Silva (1986, p. 32), “primeira categoria do pensamento geográfico”, momento inicial, préideação, pré-condição da concreticidade das outras categorias.
Entretanto, como a realidade está em permanente mudança, as ferramentas de análise
também deverão estar de acordo com estas mudanças, em permanente atualização, se
renovando ao mesmo passo que a realidade estudada. Esta é a razão da constante atualização
dos conceitos e do risco que pode ocorrer caso os mesmos sejam “engessados”, pois, como
pontua Santos (1988b, p. 17) “a sociedade, pois, existe em uma situação de movimento
perpétuo, que é o próprio movimento da história”. Do mesmo modo, “[...] as formasconteúdo, cuja totalidade constitui o espaço humano, influenciam a evolução social. Assim, a
cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do espaço e de
sua organização [...]”, demandando modificações a níveis conceituais, se necessário,
paradigmáticos.
Já dizia La Blache, a referência da Geografia deve estar na superfície, no espaço
geográfico, este, de ordem estrutural, global, de nível macro das ações humanas (MOREIRA,
1981 e 2007), entretanto, alternativamente à La Blache, para quem a Geografia seria a ciência
dos lugares e não dos homens (MORAES, 2005, p. 79), preferimos, concordar com Santos
18
(2000, p. 58), ao considerar que “o fundamental são as pessoas, e suas necessidades e direitos
e não onde elas estão”. O que não exclui a necessidade de se pensar o espaço, pois, ninguém
vive sem ocupar espaço (MORAES, 2005, p. 34), nenhum indivíduo pode prescindir do solo,
suas benfeitorias e moradias, “[...] são mercadorias das quais nenhum indivíduo pode
dispensar”, já afirmava Harvey (1980, p. 135).
Escreveu Lefebvre (1975, p. 73 e 75), que “o devir da ciência é um devir social”, e
que “a história do conhecimento não pode ser relacionada à história abstrata do ‘ser social’,
mas à história concreta da prática social”. Daí as três características atribuídas por ele ao
conhecimento científico: prático, social e histórico, formando um todo indissolúvel. Essa
ligeira caracterização do conhecimento humano o compromete com a práxis social. Sendo
social, prática e histórica não há porque limitá-lo a apenas uma parcela da ciência, antes o
conhecimento perpassa um todo inter, multi e transdisciplinar que se vê efetivado na prática.
Assim também concebe a lógica dialética, também chamada por ele de lógica concreta
(LEFEBVRE, 1975, 84 a 85):
A lógica concreta não pode consistir num simples registro passivo dos
procedimentos empregados praticamente pelos cientistas. Ao constituir-se,
ela encontrará nas diferentes ciências, ou seja, nos diferentes conteúdos,
movimentos de pensamento e formas comparáveis ou mesmo idênticos.
Assim [...], essa lógica concreta produzirá uma metodologia única e
sistemática, uma teoria das relações entre as diferentes ciências. Portanto, ela
não pode se contentar com uma simples reflexão sobre os métodos tomados
isoladamente; a lógica concreta, sem se separar das ciências e dos seus
métodos, deverá ao contrário, elucidar esses métodos, inserí-los numa visão
de conjunto do trabalho do pensamento e da atividade humana. Deve trazer
alguma contribuição aos cientistas e às ciências, quebrar os compartimentos
estanques, penetrar nas ciências tanto de dentro (em nome do próprio
movimento e conteúdo específicos delas) quanto de fora (em nome da
necessidade de unidade, de conjunto, em nome das relações concretas entre a
ciência e a vida, entre a teoria e a prática).
A Geografia, inserida nessa postura crítica e compromissada com o “devir social”,
não pode ser neutra (OLIVEIRA, 1985), o que, conseqüentemente, colocaria em cheque seu
status de imparcialidade? Apesar de o estatuto científico dominante colocar como regra para
as ciências a neutralidade, a imparcialidade e a autonomia, apenas a imparcialidade resiste nos
dias atuais ao controle e à ideologia, permanecendo como um valor central de todas as
práticas de pesquisa conduzidas sob qualquer estratégia, garantindo, enfim, uma ciência livre
de valores (LACEY, 2000, p. 110). Entretanto, a práxis nos põe a repensar tais componentes
da ciência e a própria ideologia existente por trás de qualquer trabalho científico. Essa postura
19
torna-se ainda mais importante no que se refere às dimensões do urbano, onde ideologias e
técnicas a serviço de interesses pessoais, de classe, ou de frações de classe, ou seja, parciais,
entravam, ou até mesmo impossibilitam os postulados e a práxis do verdadeiro trabalho
científico. A esse respeito Ferreira (1988, p. 45), coloca que
[...] se a ciência não estiver voltada para o bem-estar do homem dentro da
sociedade, de nada adiantará a ciência pela ciência. Na verdade, ela não é
neutra, nunca será, pois, será fruto daquilo que somos, daquilo que
queremos, seja consciente ou inconsciente.
Concluímos com Oliveira (1985), ao descrever o método dialético empregado por
renomados pesquisadores marxistas, dentre eles cita Mao Tse Tung na China e Caio Prado
Junior no Brasil, ao afirmar que o método parte da prática social, a qual condiciona o
pensamento, este, por sua vez, sabe-se, elabora o conhecimento, a fim de que este possa
informar o pensamento de como dirigir a prática social. Assim, o critério último de verdade
reside na própria prática social, devendo ser, de acordo com Marx e Engels (2005, p. 50), livre
de qualquer especulação e mistificação.
2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da Geografia.
Pensar o espaço é pensar o objeto da Geografia, é pensar o futuro a partir do
presente, levando em consideração o passado. Pois, como já dizia Santos (1986a, p. 1), numa
frase que ficou muito conhecida: “o espaço é a acumulação desigual de tempos”, é a matéria
trabalhada por excelência, além de que acumula no decurso do tempo as marcas das práxis
acumuladas. É o componente fundamental da totalidade social, pois é ele quem condiciona e
comanda a prática social e as atividades dos homens, é o lugar das relações de produção e
reprodução, sendo assim uma mercadoria universal por excelência, um capital comum a toda
humanidade, mas, de utilização efetiva particular. Constitui-se numa gama de especulações de
ordem econômica, ideológica, política, isoladamente ou em conjunto. É o veículo do capital e
instrumento da desigualdade social, porém, tem capacidade para transformar os modos de
produção e, conseqüentemente, a realidade (SANTOS, 1979 e 1986a).
Há algumas páginas atrás nos perguntamos sobre o que seria mais importante:
discutir o conceito de espaço ou discutir a Geografia? Alguns grandes pensadores
contemporâneos desta ciência afirmaram ser de mais valia discutir a Geografia do que
20
propriamente a sua principal categoria (SANTOS, 2000 e 2004b; MOREIRA, 2007). Aliás, a
discussão da Geografia em si mesma, de qualquer maneira, não se dará sem a discussão e
aprimoramento dos seus conceitos e categorias. São estes que promovem os avanços daquela,
em função da realidade que também “avança”. Ademais, “ferramentas” tão caras à Geografia,
de tão longa data, não parecem em nada - mesmo nos dias atuais em que afloram
desmesuradamente tecnologias que demonstram quase vencer o tempo e o espaço, ou mesmo
a anulação do espaço pelo tempo, como defendem alguns - perder seus status e sua atualidade
no arcabouço teórico e intelectual da Geografia. Ao contrário, elas se afirmam cada vez mais.
Há mais de meio século, Demangeon afirmou que “a Geografia Humana é o estudo
dos grupamentos humanos em suas relações com o meio geográfico”. Sendo a expressão
“meio geográfico” mais compreensiva que a de meio físico, pois, “[...] ela engloba não
somente as influências naturais que podem-se exercer, mas ainda uma influência que contribui
para formar o meio geográfico, o ambiente total, a influência do próprio homem”. Haja vista,
“[...] as obras humanas oriundas de todo o passado da Humanidade contribu[ír]em para
constituir o meio, o ambiente, o meio geográfico que condiciona a vida dos homens”
(DEMANGEON, 1982, p. 52 e 53). Esse autor (1982, p. 54 – 57) ainda estabelece três
princípios básicos, vale ressaltar: a) em Geografia Humana deve-se evitar os determinismos
absolutos, as fatalidades, antes saber que tudo se trata de vontade humana; b) a Geografia
Humana deve trabalhar apoiando-se sobre uma base territorial, sendo o solo o fundamento de
qualquer sociedade, de qualquer homem; e c) para ser compreensiva e explicativa a Geografia
deve encarar a evolução dos fatos, remontando ao passado, recorrendo à História, e não
apenas ater-se à consideração do estado atual das coisas.
Esses princípios adquirem tamanha importância tendo em vista a Geografia Urbana,
sub-ramo da Geografia, no qual se situa nosso trabalho aqui desenvolvido. Postulam-se como
verdadeiras leis, o que, ao contrário, cairíamos num puro determinismo caso ignorássemos o
primeiro princípio. Ou, ficaríamos longe de se produzir um trabalho verdadeiramente de
Geografia, no caso da rejeição do segundo princípio, e faríamos o que outras áreas do saber o
fazem com maestria. E, ao desconsiderar a história da evolução dos fatos nossa análise ficaria
limitada, superficial e descritiva apenas.
Santos (1979, p. 17) coloca a questão de maneira muito clara, ao afirmar que “[...] a
história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é
social”. A história espacial, ela mesma, é seletiva, e com o espaço se relaciona de maneira
particular. Alhures (1988a, p. 57), Santos afirma que “a geografia deve preocupar-se com as
relações presididas pela história corrente. O geógrafo torna-se um empiricista, e está
21
condenado a errar em suas análises, se somente considera o lugar, como se ele tudo explicasse
por si mesmo [...]”, e não considerar a história das ações humanas, das ligações dialéticas
entre objetos e relações, em que os objetos acolhem as relações sociais, e estas impactam os
objetos. Pois, o espaço, na acepção de Santos (1986b), é um produto social e histórico, obra
do trabalho e morada do homem, um campo de forças, cuja energia é a dinâmica social, ou
mesmo, a incorporação de capital na superfície terrestre, que atua na história social por meio
das formas duráveis, denominadas pelo autor de rugosidades, ou prático-inerte sartreano,
através das quais influi significativamente no presente, no movimento da totalidade social
(MORAES, 2005, p. 128 e 129; SANTOS, 1986b p. 145 e 1998, p. 84; 1992a, p. 55; REIS,
2000, p. 68).
Analogamente à definição de Demangeon (1982) dada à Geografia, a qual entende o
meio geográfico como um produto de influências naturais e, sobretudo, culturais, Carlos
(1993, p. 134 e 1994a, p. 50), pondera que devemos entender o espaço geográfico como “[...]
produto de um processo de relações reais que a sociedade estabelece com a natureza (primeira
ou segunda)”. É nesse sentido que o espaço é humano, não porque o homem o habita, mas
porque o produz, “um produto igual e contraditório à imagem e semelhança da sociedade que
o produziu em seu processo de humanização/desumanização”. Em momento algum Marx
falou explicita ou diretamente de Geografia, mas, ao tratar da relação homem-natureza na
obra O Capital, preocupou-se em explicitar o que representa a natureza para os homens em
geral, em todos os tempos, presentes e futuros. Entendia-a como o suporte e o substrato
material da vida, e que entre ela e o homem, sempre existiu uma unidade, ou, em termos do
próprio Marx, sempre existiu um metabolismo, que se estabelece por meio do processo de
trabalho (ANTUNES, 2002, p. 20 a 21; BARREIRA, 1991, p. 27 a 29; GOMES, 1991, p. 16;
MORAES e COSTA, 1984, p. 72; SMITH, 1988, p. 17; SANTOS, 2004a, p. 29; SOARES
DE OLIVEIRA, 2002, p. 3; THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 3 e 4). Entretanto, com o advento
do capitalismo, pela primeira vez, a natureza torna-se um objeto puro para o homem, “pura
coisa de utilidade”, um objeto de uso e consumo, que, agora, entra no sistema de metabolismo
societal do capital (ANTUNES, 2002), tornando-se a “fonte” da qual se origina “[...] toda e
qualquer produção, mediada pelo trabalho humano [...]”, sendo, ao mesmo tempo e
fundamentalmente, condição de existência do homem (BARREIRA, 1991, p. 31).
Como já mencionado, a sociedade não pode prescindir do solo, da natureza, ou seja,
do espaço. Esta regra também é valida para o Estado. Ratzel já afirmava isso no século XIX, e
criticava a postura dos sociólogos porque eles pareciam estudar o homem “[...] como se ele
tivesse formado no ar, sem laços com a terra” (RATZEL, 1983, p. 93). E ia mais longe ao
22
dizer que “não se pode entender nada a respeito do que então ocorre se não for considerado o
solo” (1983, p. 94). De acordo com seu julgamento (1983, p. 98), “a sociedade é o
intermediário pelo qual o Estado se une ao solo. Segue-se que as relações da sociedade com o
solo afetam a natureza do Estado em qualquer fase de seu desenvolvimento que se considere”.
Tendo em vista as considerações de Marx a respeito da natureza e as de Ratzel a respeito do
solo, pode-se inferir quão geográficas foram suas assertivas, mesmo não tendo aquele esta
preocupação, enquanto este eminentemente era um geógrafo. Onde os autores escreveram
natureza e solo, poder-se-ia distintamente pensar em termos espaciais, é claro, de forma
diferente da noção que se atribui à categoria espaço geográfico hodiernamente.
O espaço por si só, afirma Carlos (1994b, p. 249), não é capaz de produzir nada, mas,
torna-se produtor em função da natureza, a qual na acepção de Smtih (1988, p. 21), é o
verdadeiro substractum material da vida diária que, tendo vista o progresso da acumulação
capitalista e seu conseqüente desenvolvimento técnico-científico, tem se tornado cada vez
mais produto da produção social, aparecendo agora como segunda natureza e não mais como
primeira natureza (GOMES, 1991, p. 16). Smith (1988, p. 25) é enfático neste ponto,
chegando a afirmar que “as sociedades humanas agora produzem a natureza de modo tão
completo que a cessação do trabalho produtivo provocaria alterações profundas na natureza,
incluindo a extinção da natureza humana”. Assim o homem por meio de seu trabalho tornouse o verdadeiro produtor de espaço geográfico, preso a ele por uma necessidade naturalizada
pelo capitalismo, a necessidade de produzir, que o leva necessariamente a produzir espaço
(CARLOS, 1944a, p. 50; GOMES, 1991, p. 16; MORAES e COSTA, 1984, p. 121;
SANTOS, 1986b, p. 119 e 1988b, p. 10; SMITH, 1988, p. 26).
Santos (apud REIS, 2000, p. 68 e 69), em seus estudos da década de 1970, considera
o espaço como ”[...] a matéria [natureza] trabalhada por excelência”, e prossegue dizendo:
Nenhum dos objetos sociais tem uma tamanha importância sobre o homem,
nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de
trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem esses pontos são
igualmente elementos passivos que condicionam a prática social. A práxis,
ingrediente fundamental da natureza humana, é um dado sócio-econômico,
mas é também tributária dos imperativos espaciais.
Rugosidades, ambiente construído, prático-inerte, inércia dinâmica, sistemas de
objetos, seja como for, o espaço geográfico comanda, influencia, proibi ou autoriza ações
humanas (SANTOS, 1986b, 2004a; GOMES e HAESBAERT, 1988, p. 51; MORAES e
COSTA, 1984, p. 122 e 125). De forma direta e incisiva está presente em todas as ações
23
humanas, em todas as relações sociais, por meio de suas próteses, o espaço geográfico
substitui a natureza, e potencializa suas funcionalidades, e desenvolve novas ao mesmo tempo
em que destrói as antigas, todavia, as configurações espaciais, a cada novo passo da marcha
da história, cada vez mais expressam relações sociais e constituem-se em condicionantes das
relações entre agentes de uma formação econômica e social. A cada mudança na configuração
espacial concreta, “[...] resulta da ação de elementos energéticos, sejam estes naturais [...] ou
agentes sociais que, através de suas práticas, estabelecem ou destroem cristalizações
localizadas, fluxos materiais, etc.” (CORAGGIO apud REIS, 2000, p. 65).
Uma vez detectada algumas características do objeto da ciência geográfica, se faz
necessário torná-lo compreensível e inteligível, compreender como se processa e como se nos
apresenta. O espaço geográfico, encarado pelo materialismo histórico e dialético como um
processo, um fenômeno em formação e definição, está, permanentemente, em construção, em
desnaturalização, humanização. Desse modo, “não pode haver espaço nem como categoria a
priori nem como dimensão física isolada e arbitrariamente pré-delimitada” (MORAES e
COSTA, 1984, p. 73). Embora seja um objeto concreto, por seu caráter social, o espaço limita
ou anula as possibilidades de uma descrição/observação imediata, fulcro do positivismo.
Não obstante, o espaço apresentar-se como sobreposição dos resultados dos
processos naturais e sociais, ele é, antes de tudo, eminentemente social, pois é sempre a
sociedade que o qualifica, criando valores socialmente úteis e seletivamente apropriados
(GOMES, 2003, p. 297; MORAES e COSTA, 1984, p. 133, SANTOS, 1988b, p. 10). Objeto,
veículo e produto do capital, o espaço, numa consideração muito usual e divulgada, consiste
em produto, condição e meio das relações sociais de produção sob o capitalismo (CARLOS,
1994b, p. 84), ou como diria Corrêa da Silva (1994, p. 420 - 424), o espaço produzido é o
resultado e o ponto de partida, é o próprio devir, num pensamento dialético/relacional,
também o próprio passado.
Santos (1988b, p. 15), assevera que o espaço não pode ser considerado um pano de
fundo neutro e passivo, não é apenas um reflexo da sociedade como diria o estruturalista
marxista-althusseriano Manuel Castells em A Questão Urbana (GOTTDIENER, 1997), nem
um fato social apenas, mas um condicionante condicionado (SANTOS, 1986b, p. 145), tal
como as demais estruturas sociais. Nossos esforços não devem se limitar apenas ao visível,
pois, “[...] freqüentemente é a força não material que é o dado verdadeiramente significativo
na geografia [...]”. Destarte, a explicação de fato reside nos fatores “invisíveis”, no que não é
imediatamente sensível, ou seja, nas “[...] formas modernas de acumulação do capital,
24
relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não
se podem perceber sem um esforço de abstração” (SANTOS, 1988b, p. 14).
Afirma o referido autor (1988b, p. 15 - 17) que o conteúdo corporificado do espaço é
a sociedade, já distribuída dentro das formas geográficas, estando assim espacializada.
Portanto, sabemos que a sociedade existe, pois, em uma situação de movimento perpétuo, o
próprio movimento da história. Mudanças na sociedade, necessariamente implicarão em
mudanças nas formas-conteúdo, estas, por sua vez, cuja totalidade constitui o espaço humano,
influenciam a evolução social (SANTOS, 1992a, p. 2). Deste modo, afirma Santos (1988b, p.
17), “a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do
espaço e de sua organização [...]”, tendo em vista que:
O espaço é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestido
de uma certa autonomia na medida em que sua evolução se faz segundo leis
que lhes são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é
responsável pela própria evolução do espaço (SANTOS, 1988b, p. 15).
Santos (2004a, p. 102 e 103), considera que a cada evento a forma se recria, assim, a
forma-conteúdo é condição da realização do evento, das funções de que é portadora. Por outro
lado, “desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma
outra significação, provinda desse encontro”. O evento não tem existência fora da formaconteúdo, não pode ser entendido fora dela, e acrescenta:
A idéia de forma-conteúdo que une o processo e o resultado, a função e a
forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa
idéia também supõe um tratamento analítico do espaço como um conjunto
inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 2004a, p.
103, grifo nosso).
A fim de não cair na indiscriminada utilização de conceitos, termos e definições
usados por Milton Santos a respeito do espaço geográfico, nos convém melhor elucidá-los
doravante. Concordamos com Silva Neto (2004, p. 12) de que a essência do trabalho de
Milton Santos está na categoria fundamental de espaço, que lapidou cuidadosamente ao longo
de sua vida, para adquirir sua expressão mais acabada em A Natureza do Espaço: Técnica e
Tempo; Razão e Emoção. Até então, muitos foram seus trabalhos teóricos a respeito da
natureza do espaço geográfico, alguns deles se “diferenciavam” da proposta mais
amadurecida em A natureza do Espaço. Milton Santos trabalhou com conceitos diferentes,
porém, não opostos, nem divergentes, mas que, se encaminhariam, se complementariam para
25
o mesmo entendimento do objeto de estudo. Em alguns de seus trabalhos do último quartel do
século XX (1979, 1986a, 1986b, 1988a, 1992a, 1998, 2003 e 2004a) o autor empregou
conceitos que ficaram muito conhecidos não somente no âmbito da Geografia, alguns deles
tomados emprestados de outras áreas do conhecimento.
Estrutura, processo, função e forma, foram as principais categorias empregadas pelo
autor para referendar sua teoria do espaço geográfico, estão inter-relacionadas, não podendo
ser entendidas separadamente, termos disjuntivos, mas associados. Santos (1992a, p. 2),
explica que a sociedade se exprime através de processos sociais, os quais dão vida a todos os
objetos geográficos, são processos resolvidos em funções [ações] e se realizam através de
formas-conteúdo, inseridos solidariamente numa estrutura maior.
A forma por si só não diz nada, é apenas o aspecto visível de uma coisa. Espera-se
que a forma realize tarefas, funções, porém, não somente formas realizam funções,
instituições e pessoas também o fazem. Embora as formas sejam governadas pelo presente, e
conquanto se costume ignorar seu passado, este continua a ser parte integrante das formas,
acumulando-se nelas. Divorciada da estrutura, a forma conduzirá a uma falsa análise, pois se
cairá no reino do empírico, do visível apenas. Todavia, a forma, um fator social, sempre
inserido em uma dada estrutura, cumpre/recebe uma função, pode vir a tornar-se, dado o seu
caráter duradouro e resistente numa determinada situação geográfica, uma rugosidade, um
prático-inerte. Pode ou não estabelecer limites à estrutura, podendo ou não comprometer o
futuro, por outro lado, mudanças estruturais podem implicar em mudanças de valor da forma.
Ampliando o entendimento das formas, Santos adverte que elas não são necessariamente
geográficas (materiais), mas estão obrigatoriamente territorializadas, porque forma implica
um conteúdo, uma fração do social que as anima, através de seus processos (SANTOS,
1992a, p. 50-55). Em tese, forma é a feição da estrutura da sociedade, saibamos, uma
estrutura que, variável, relativa e diacronicamente evolui no tempo, envolvendo processos,
reproduzindo a totalidade de uma formação econômica e social (SANTOS, 1979 e 1986a).
Para finalizar este debate, cabe mencionar a analogia proposta por Santos (1992a, p.
51-53), ao se referir ao processo enquanto tempo do verbo, o qual age e reage sobre o
conteúdo do espaço: a forma, sendo esta o objeto do verbo, enquanto estrutura seria
propriamente o sujeito, e função o verbo em si. Estrutura, processo, função e forma,
categorias analíticas primárias na compreensão da atual organização espacial em sua
totalidade, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tornaremos a falar da
categoria forma mais detidamente no decorrer do trabalho, especificamente no capítulo
terceiro.
26
Milton Santos verdadeiramente lapidou o conceito de espaço em suas obras, a ponto
de autores afirmarem que “[...] seu principal alvo não era a Geografia, mas, sim, compreender
o espaço humano1. É uma interpretação possível de sua obra. A Geografia lhe oferecia as
ferramentas analíticas adequadas para a empreitada” (SILVA NETO, 2004, p. 13). Destarte,
todas as obras de Milton Santos referenciadas nesse trabalho tratam do espaço, algumas mais
que outras, nas quais o autor percorreu um caminho teórico culminando na forma mais
acabada da categoria espaço em A Natureza do Espaço.
Em 1978 (ano da primeira edição de Por uma nova Geografia) o autor considerou
sua empreitada, o espaço humano, um projeto ambicioso (SANTOS, 1986b, 3), uma tarefa
árdua mais do que a de definir a Geografia (porque sua tendência é mudar com o processo
histórico), uma preocupação dos filósofos desde o tempo de Platão e Aristóteles (1986b, p.
119 e 120).
Por espaço geográfico, Santos (1986b, p. 119 e 122) entende a natureza modificada
pelo homem através de seu trabalho. Considera-o como um conjunto de relações realizadas
através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita
por processos do passado e do presente, estruturado em relações sociais que se manifestam
através de processos e funções. Encara-o com um campo de forças cuja aceleração é desigual
e relativa.
Santos (1986b, p. 144 e 145), considera o espaço, do ponto de vista funcional, pelo
viés estrutural como um reflexo dinâmico da sociedade global, mas, sob o enfoque sistêmico,
considera-o um condicionante condicionado, uma estrutura subordinada-subordinante, porque
de autonomia relativa, e até certo ponto uma forma determinante das outras estruturas sociais,
desempenhando uma dimensão ativa no devir das sociedades. Havendo, portanto um
movimento dialético entre sociedade e espaço, ao passo que se aquela evolui este também o
faz. Baruch Spinoza, pensador judeu holandês do século XVII (1632-1677), sendo sua
meditação considerada por Hegel como “o ponto alto da Filosofia Moderna”, e sua metafísica,
ao lado de Leibniz, como a mais acabada síntese filosófica do século XVII (VELEZ
RODRIGUEZ, 1995, p. 61), teria, no dizer de Santos (1986b, p. 171), talvez, expressado de
forma mais clara a idéia de um espaço dialético, em que definia as noções paralelas de “natura
naturans” e “natura naturata”, sendo aquela a natureza tal qual está agora, e esta a natureza
como se apresenta no tempo imediatamente posterior. Há, no dizer de Santos (1986b, p. 172):
1
Ver A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo, Razão e Emoção. Edusp (4ª ed.) São Paulo, 2004, p. 19.
27
[...] sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; uma
depende da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem as condições
da natureza primeira e a natureza primeira é sempre incompleta e não se
perfaz sem que a natureza segunda se realize.
É este o princípio da dialética do espaço. Sua força motriz é a totalidade social, a
ação humana, o trabalho humano, porque, “toda ação humana é trabalho e todo trabalho é
trabalho geográfico” (SANTOS 1988a, p.88). Na mesma obra, (1988a, p. 26), o autor
escreveu que “o espaço não é nem um coisa nem um sistema de coisas, senão uma realidade
relacional: coisas e relações juntas”, (aqui evidente sua influência leibniziana) devendo ser
considerado “[...] como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo
arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os
preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento”. Alhures (1998, p. 99), considerou
que “a soma de sistemas de objetos aos sistemas de ações nos dá o espaço total”. Esta noção
constitui o ponto de partida para a interpretação do espaço geográfico em A Natureza do
Espaço, em que o autor afirma habilmente que “o espaço é formado por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações,
não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (2004a, p.
63), também considerado como um conjunto de fixos e fluxos. Tais elementos fixos permitem
ações, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e sociais, modificando
e redefinido assim o próprio lugar. Ao passo que “os fluxos são um resultado direto ou
indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o
seu valor, ao mesmo tempo em que também se modifica” (2004a, p. 61 e 62). E acrescenta,
“sistema de objetos e sistema de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos
condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação
de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes” (2004a, p. 63).
Por objeto Santos entende um resultado, um produto do trabalho humano, formas
artificiais produzidas, assumidas e manipuladas pelo homem, podendo ser fixos ao solo, como
uma casa, uma ponte, um porto, uma usina hidrelétrica, um shopping center, uma cidade, uma
plantação, ou não, como, por exemplo, o automóvel, os utensílios de uma casa. Em suma,
objeto é tudo aquilo que o homem usa em sua vida cotidiana. Objetos têm essência e
existência. São criados à imagem e semelhança das condições sociais e técnicas presentes
num dado momento histórico. Objetos não funcionam separadamente, poucos, hoje, nos são
oferecidos a sós. “Trata-se de um todo, cujos elementos apenas são viáveis em conjunto”, que,
28
dispostos em sistema, nos permitem entender seu valor e seu significado que, sob o enfoque
geográfico, desempenham no processo social (2004a, p. 64 a 78).
Já em relação à ação, sabemos, ela é própria do homem! Agir é comportar-se, o que
implica projeto, porque dotada de propósito, objetivo, finalidade, de intencionalidade,
subordinada a normas, escritas ou não, formais ou informais. A esse respeito Santos (2004a,
p. 79) concorda com Giddens, ao afirmar que “a intenção é central na prática diária, enquanto
o propósito supõe ambições ou projetos de longo prazo”. Todavia, Santos adverte que, hoje,
depara-se com ações que são cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar
em que acontecem, tornando, desse modo, as escolhas do homem comum e suas ações cada
vez mais limitadas, tal qual reduzem-se apenas num veículo/instrumento de ações exógenas.
São ações cegas, no entanto precisas, porque obedientes a uma racionalidade alheia e
pragmática. Estas ações não são realizadas somente por homens, mas também por empresas e
instituições, mas seus propósitos, em todo caso, são estabelecidos por indivíduos, obedientes à
necessidades naturais ou criadas, materiais ou imateriais, econômicas, sociais, culturais,
morais, afetivas, éticas. As ações realizam-se levando determinadas funções à determinados
objetos, que, “realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso
de objetos, formas geográficas”. Ao se realizarem nos objetos, as ações os valorizam
diferentemente, definindo-os, dando-lhes um sentido. Dialeticamente, os objetos, hoje em dia,
“valorizam” diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico (2004a, p. 80 a 86).
Santos (2004a, p. 90), reconhece que entre objetos e ações situa-se a
intencionalidade, qual noção “[...] eficaz na compreensão do processo de produção e de
produção de coisas, considerados como resultado da relação entre o homem e o mundo, entre
o homem e seu entorno”. Uma espécie de corredor entre o sujeito e o objeto, a
intencionalidade, realizada nas ações, se convertem em trajetórias espaço-temporais da
matéria, diria o geógrafo sueco Hagerstrand, pois, parafraseando com Santos e Hagerstrand, é
o espaço que dá forma a ação. A partir disso, Santos avança no entendimento da
inseparabilidade entre ação e objeto, tema central da Geografia, diz ele, ao propor que “a ação
é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados”. Daí que, “à intencionalidade da
ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje, dependentes da respectiva
carga de ciência e de técnica presente no território” (2004a, p. 91 a 94).
Mudam-se os objetos, muda-se a geografia, escreveu um filósofo do século XIX. Por
outro lado, o mesmo objeto, ao longo do tempo, pode variar de significação e valor, isto
porque, a teia de relações na qual está inserido opera a sua metamorfose, fazendo com que
ações novas se dêem sobre objetos velhos mesmo que sua eficácia seja limitada, propondo
29
sempre uma nova geografia. Por teia de relações entenda-se o espaço considerado em seu
conjunto e todos os demais agentes, não obstante, os objetos não têm existência fora do todo
social, onde realizam uma função, da qual provém seu significado (SANTOS, 2004a, p. 96 a
99).
A lógica do objeto provém de sua unidade, afirma Santos (2004a, p. 100 a 102),
unidade entre forma e conteúdo, entre continente e conteúdo. Por si só, os objetos não tem
nem uma história e nem uma geografia, sendo sua significação sempre incompleta, se
entendido sem a ação, sem o evento que os anima, sem seu conteúdo social.
A síntese da relação biunívoca entre os inseparáveis sistemas de objetos e sistemas
de ações nos dá a síntese do espaço, nos dá a “[...] própria natureza do espaço, formado, de
um lado, pelo resultado material acumulado das ações humanas através do tempo, e, de outro
lado, animado pelas ações atuais que hoje lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade”.
Uma síntese sempre provisória e renovada em constante re-elaboração e contradição, própria
da relação dialética entre espaço e sociedade (SANTOS, 2004a, p. 106 a 110).
2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo.
O urbano, maior evento da modernidade (GOMES, 2003, p. 62 a 65), qual processo
consagrado pelo maior fenômeno da civilização ocidental: a cidade (MAX WEBER apud
GOMES, 2002, p. 15), obra e produto deliberadamente político, econômico, social, cultural e
histórico, a cidade consiste na “[...] expressão mais contundente de produção da humanidade,
sob o desenvolvimento das relações capitalistas” (CARLOS, 1994a, p. 182; 1994b, p. 254), de
outro modo, como diria Lefebvre (2001, p. 142), constitui-se no pano de fundo da sociedade
burguesa. Contém uma força produtiva, criador e criatura, sentido e fim em si mesma? Não!
A cidade não cria nada, ela apenas centraliza as criações, atrai para si tudo o que nasce da
natureza e do trabalho e, no entanto, cria tudo, porque nada existe sem situação, sem relações,
sem reuniões, sem encontros, sem concentração (LEFEBVRE, 1999, p. 37 e 111).
Obra coletiva, construção da humanidade do homem (CARLOS, 1994b, p. 249;
1999, p. 63 e 64; 2004, p. 29), produto e condição da história (SEABRA, 1996, p. 9), a cidade
se erigiu como “cimento das sociedades e das civilizações”, escreveu o sociólogo
russo/francês Georges Gurvitch (apud DAMIANI, 1999a, p. 50). A partir da cidade se
generalizam procedimentos, normas, legislações, enfim, formas de produzir e reproduzir a
totalidade aqui implicada (DAMIANI, 1999b, p. 124). Condição e meio para que se instituam
30
relações sociais diversas, bem como as de produção (CARLOS, 1994b, p. 84 e 86), a cidade é
o produto principal de um processo potencializado pelo sistema capitalista: o urbano.
O urbano, mais que um modo de produzir, também um modo de consumir, pensar,
sentir, enfim, um modo de vida, um meio e um produto do processo de reprodução da
sociedade em todas as suas instâncias, põe em jogo um modo determinado de apropriação que
se expressa através do uso do solo, através do ato de produzir o lugar (CARLOS, 1994b, p. 84
e 85), através do ato de produzir a vida no sentido material e imaterial. Enquanto um processo
em constante constituição (CARLOS, 2004, p. 26), a urbanização reúne interesses industriais,
estatais, estratégicos, lógicas sociais (DAMIANI, 1999a, p. 48), reproduzindo o espaço
urbano como uma mercadoria do e para o capitalismo. Foi precisamente no seio da Segunda
Revolução Industrial que a urbanização generalizou-se e mundializou-se enquanto lógica
homogênea de produção e de comportamento espacial das empresas, de expansão extensiva
das áreas residenciais, e de multiplicação do consumo gerando novas espacialidades,
compreendendo a dinâmica demográfica, econômica, formal-concreta e, sobretudo, social e
cultural. Concretamente se realizou e materializou através da diferenciação do espaço,
embebida das contradições sociais próprias do sistema capitalista (DAMIANI, 1999b, p. 129;
SPÓSITO, 1999, p. 84).
Lefebvre entende a urbanização como uma condensação de processos sociais e
espaciais que haviam permitido ao capitalismo se manter e reproduzir suas relações essenciais
de produção, permitindo-lhe sua própria sobrevivência, esta baseada na criação de um espaço
social crescentemente abrangente, instrumentalizado e mistificado (LIMONAD, 1999, p. 74).
A autora (1999, p. 75) ao situar a discussão epistemológica da categoria espaço no âmago da
discussão teórica sobre a urbanização, afirma seguramente que aquele, esquecido pela teoria
crítica, exceto pelos marxistas estudiosos do imperialismo no começo do século XX, foi
retomado de certa forma em parte pelas contribuições do existencialismo marxista de Sartre e
pelo estruturalismo de Louis Althusser e por seu discípulo Manuel Castells. Entretanto, em
Castells, o papel do espaço foi reduzido a mero suporte da circulação de capital, mercadorias
e informação, e a urbanização teve seu papel subsumido ao não ser encarada como um objeto
teórico específico. Temendo recair na ideologia ecologista/organicista da Escola de Chicago,
no lugar da urbanização, propôs um sistema cultural específico, ou ainda, a produção social de
formas espaciais. Nesse ponto, foi além das posturas epistemológicas do marxismo ortodoxo e
do estruturalismo economicista althusseriano, ao admitir o urbano como um estilo de vida, ao
admitir o papel da cultura e da superestrutura na conformação das relações sociais
(LIMONAD, 1999, p. 75 a 77).
31
Enfim, a análise de Castells, ao afirmar a determinação estrutural pode ser
interpretada como eliminação de toda especificidade histórica e geográfica, conduzindo a
supressão da cidade e dos processos espaciais, entre eles a urbanização. Foi, todavia, Harvey,
quem contribuiu grandemente para abrir uma nova fase na análise da interação entre o espaço,
o urbano e o processo de produção (LIMONAD, 1999, p. 76 e 77). Com Harvey, a cidade e o
espaço urbano passam a integrar a paisagem geográfica do capital
[...] enquanto parte necessária de um espaço social complexo e pleno de
contradições que simultaneamente estimula e obstaculariza o
desenvolvimento e reprodução das relações sociais de produção a nível
geral, num movimento de construção de novos espaços e
destruição/apropriação de espaços pretéritos. (LIMONAD, 1999, p. 78).
Diferentemente de Lefebvre, Harvey, assim como Castells, procurou priorizar as
relações sociais de produção (produção, circulação, reprodução) e do capital industrial,
submersas pelas relações sociais espaciais da produção e do capital financeiro. Harvey
identificou a organização espacial como uma estrutura separada com suas leis próprias de
transformação interna e construção, expressando um conjunto de relações numa estrutura
mais ampla, as relações de produção capitalistas (LIMONAD, 1999, p. 80). De todo modo,
viu no ambiente construído uma forma de capital fixo, uma pré-condição geral da produção,
diria Marx. Assim, o espaço entraria como um todo no mundo da mercadoria, no mundo da
produção, mundo no qual Estado e capital privado estariam mutuamente envolvidos
(DAMIANI, 2004, p. 88).
Harvey (1980, p. 210), numa obra que marcaria a sua carreira, afirma ser a tese
central de seu ensaio:
[...] a de que juntando as estruturas conceituais em torno (1) do conceito de
excedente, (2) do conceito de modo de integração econômica e (3) dos
conceitos de organização espacial, chegaremos a uma estrutura superior para
interpretar o urbanismo e sua expressão tangível, a cidade.
Em trabalhos anteriores apresentados na mesma obra, situados no âmbito de uma
visão sistêmica da realidade urbana, porém já eivados de princípios de justiça social, afirma o
autor (1980, p. 55) que devemos encarar a cidade “[...] como um gigantesco sistema de
recursos, sendo que a maior parte dos quais é de criação humana”. Estando tais recursos social
e geograficamente distribuídos desigualmente pela cidade. O autor considera “a cidade como
32
um sistema dinâmico e complexo no qual a forma espacial e o processo social estão em
contínua interação” (1980, p. 34).
Na segunda parte do livro A Justiça Social e a Cidade, denominada pelo autor de
“Formulações Socialistas” (1980, p. 111), considera que o marxismo e o positivismo têm em
comum a base materialista e o método analítico, o que os diferencia é que o positivismo
procura entender o mundo, enquanto o marxismo busca transformá-lo. Todavia, conceitos e
categorias clássicos de Marx são incorporados pelo autor na leitura da realidade e
interpretação urbana, dentre eles mais-valia, superprodução, queda da taxa de lucros, renda,
produção e reprodução, acumulação, excedente, valor de uso e valor de troca e apropriação
são os mais usuais na obra de Harvey, conceitos que, no ver de Thomas Kuhn, são produtos
dos verdadeiros fenômenos que eles se destinam a descrever (HARVEY, 1980, p. 107).
Harvey (1980, p. 261) encara a cidade com “uma série de objetos arranjados de
acordo com algum padrão no espaço”. Tal afirmação parece-nos, a primeira vista, por demais
óbvia, no entanto, o que nos interessa e nos instiga é saber com o autor quais são esse
padrões, quais as forças que modelam e estruturam a cidade. E Harvey (1980, p. 267),
pondera ao colocar que “o espaço criado na cidade moderna [...] reflete a ideologia
prevalecente dos grupos e instituições dominantes na sociedade. Em parte ela é moldada pela
dinâmica das forças do mercado [...]”, por outro lado, “[...] é parte de um intricado processo
indicativo que dá direção e significado à vida diária dentro da cultura urbana”. Em tese, na
definição de Harvey (1980, p. 268), “o espaço criado é moldado através do desenvolvimento
dos investimentos de capital fixo”, expressando relações sociais de produção e reprodução da
sociedade e reagindo de volta sobre elas, através da estrutura urbana.
Na interpretação proposta por Gottdiener (1997, p. 93) a respeito de Harvey, afirma
que o autor de A Justiça Social e a Cidade:
Define a cidade com um nó de intersecção na economia do espaço, como um
ambiente construído que surge da mobilização, extração e concentração
geográfica de quantidades significativas de mais-valia [...]. A cidade é
produzida pela padronização espacial desses processos, e o papel que a
forma urbana desempenha neles se deve a possibilidades sociais,
econômicas, tecnológicas e institucionais que regem a disposição da maisvalia concentrada dentro dela (GOTTDIENER, 1997, p. 94 e 95).
Adverte Gottdiener (1997, p. 96), que Harvey ao investigar a maneira pela qual
ocorre a acumulação capitalista no espaço identifica três frações de capital que atuam no
ambiente construído de acordo com as várias formas de realizar mais-valia. A primeira fração
33
de capital concentra-se na renda (aqui aparece a especulação imobiliária); a segunda busca ao
mesmo tempo juros e lucros através da construção e/ou do financiamento de obras; a terceira
refere-se ao “capital em geral”, esta última fração é intervencionista por natureza, atua por
meio da administração e do planejamento estatal visando garantir a sobrevivência da classe
capitalista. Harvey, ainda, identifica três frações separadas de capital das quais a classe
capitalista utiliza-se para atuar política e economicamente: interesse corporativo, financeiro e
fundiário.
Para Harvey, o Estado, agente do “capital em geral”, detentor de certa “autonomia
relativa”, perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas
por natureza, intervém politicamente no espaço, transformando o ambiente construído por
meio de mudanças infra-estruturais, no fito de favorecer a circulação de capital e a sua
realização no espaço (GOTTDIENER, 1997, p. 97 a 99).
Em tese, Gottdiener (1997, p. 93), discorda em alguns aspectos dos teóricos da
acumulação de capital, segundo a qual a própria acumulação de capital, a produção de maisvalia; a expansão da força de trabalho assalariada, das atividades de circulação e do controle
pela classe dirigente, são as forças que impulsionam a sociedade capitalista, consistindo os
processos de desenvolvimento da cidade ou urbanização em manifestação espacial do
processo de acumulação. De acordo com o autor, a produção social do espaço urbano
entende a organização sócio-espacial como uma conseqüência direta das relações entre
processos econômicos, políticos e culturais na medida em que se vinculam à geografia
regional de áreas metropolitanas. Essa perspectiva entende que “[...] a localização, a
manifestação espacial das relações de produção e o design ambiental estão todos envolvidos
essencialmente na valorização quanto na realização de mais-valia.” (GOTTDIENER, 1997, p.
196). Harvey por sua vez, reduziu o design espacial a meros meios de produção,
diferentemente de Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 127 e 128), para quem “[...] o
design espacial é, ele próprio, um aspecto das forças produtivas da sociedade – que,
juntamente com a tecnologia, o conhecimento humano e a força de trabalho, contribuem para
nosso ‘potencial de produção’”. Harvey negligenciou o design espacial ao não considerá-lo
como uma das forças de produção, conferindo certa posição na estrutura econômica a quem
detiver sua posse, possuindo, dessa maneira, o mesmo status ontológico que o capital ou o
trabalho (GOTTDIENER, 1997, p. 127 a 129).
De acordo com Gottdiener (1997, p. 198), as forças sociais interpostas no espaço
estão hierarquicamente estruturadas e articuladas em redes, possuem uma natureza
tridimensional, assim como a organização social do espaço, invocam o entrosamento inter-
34
relacionado de forças culturais, políticas e econômicas, não em termos de três práticas
distintas, mas, ligadas dialeticamente, com modos voluntarísticos de comportamento
(GOTTDIENER, 1997, p. 267). Assim, Gottdiener (1997, p. 198 e 199), estabelece as bases
da sua teoria estruturacionista da organização social, em que estruturas e ações desempenham
papéis na produção de fenômenos e de formas espaciais, sendo essas últimas produtos
contingentes da articulação dialética entre ação e estrutura, estando sempre em movimento,
não são manifestações puras de forças sociais profundas, constituem um mundo de aparências
em que a análise deve penetrar.
Gottdiener (1997, p. 200 e 201), identifica três forças que transformam sócioestruturalmente e que parecem criticamente importantes para entender a forma contemporânea
do espaço de assentamento. São elas: a) organização da produção e administração em
estruturas
complexas,
burocráticas
de
tomadas
de
decisões
em
âmbito
global/mundial/internacional, verdadeiro sistema de corporações globais; b) intervenção ativa
do Estado em todos os níveis da sociedade seja através do nível federal com projetos em
grande escala, seja em nível mais local, que, freqüentemente associa-se ao setor privado,
tornando difícil distinguir as ações deste e daqueles; c) emergência da tecnologia e da
indústria do conhecimento (desenvolvimento científico como força dominante da produção),
com efeitos diretos sobre os padrões de distribuição demográfica ao longo do espaço de
assentamento.
Ainda, segundo o julgamento de Gottdiener (1997, p. 206), as relações de produção
não se limitam apenas ao âmbito econômico, mas são, simultaneamente, relações sociais,
econômicas,
políticas
e
culturais,
estando
obrigatoriamente
espacializadas
e/ou
territorializadas. Entretanto, o autor afirma que as formas espaciais são produtos
epifenomenais mais diretos de forças profundas, contenciosas, pertinentes ao sistema de
organização sócio-espacial, produzidas pela articulação entre ação e estrutura. Assim, não há
nenhum determinismo espacial e/ou econômico, ademais, isso seria um reducionismo na
opinião do autor.
É justamente isso que o autor (GOTTDIENER, 1997) critica nas obras de Harvey,
um teórico da acumulação. Entretanto, mesmo em A Justiça Social e a Cidade, Harvey se
deparou com o risco do reducionismo economicista, ao citar Engels em carta a Joseph Bloch,
de 1890, quando este escreve que:
[...] o derradeiro elemento determinante na história é a produção e a
reprodução da vida real. Mais do que isto nem Marx nem eu jamais
35
afirmamos. Por essa razão, se alguém deturpa isso dizendo que o elemento
econômico é o único determinante, ele transforma a proposição em uma
frase insignificante, abstrata e sem sentido. A situação econômica é a base,
mas os vários elementos da superestrutura – formas políticas da luta de
classes e seus resultados, a saber: as constituições estabelecidas pela classe
vitoriosa depois de um combate bem sucedido, etc.; as formas jurídicas e
mesmo os reflexos de todas essas lutas nos cérebros de todos os
participantes; as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, pontos de vista
religiosos e seu posterior desenvolvimento em sistemas de dogmas –
também exercem influência sobre o curso das lutas históricas, e em muitos
casos preponderam na determinação de sua forma [...] (Engels, quase no fim
de sua vida em carta a Joseph Bloch, 1890, apud HARVEY, 1980, p. 169).
Talvez resida aí um posicionamento assumido por Harvey quanto ao perigo do
reducionismo econômico. Todavia, é claro que a crítica de Gottdiener a Harvey vai mais além
dessa análise superficial aqui exposta, fundamenta-se na análise dos trabalhos daquele autor
no curso de décadas, o que nos desautoriza a tomar partida de um ou de outro, antes, convémnos compartilhar de seus feitos e avanços teórico-metodológicos desde que um não
comprometa o do outro. Voltaremos à teoria estruturacionista de Gottdiener mais adiante.
Há mais de um século, Marx e Engels (2005, p. 132), ao contrário de Hegel, viram
que no curso da “[...] história moderna a vontade do Estado obedece, em geral às necessidades
variáveis da sociedade civil, à supremacia desta ou daquela classe e, ao desenvolvimento das
forças produtivas e das condições de trocas”. Não queremos, com isso, afirmar a anulação
total do Estado ante as relações capitalistas de produção, por outro lado, concordamos com
Ribeiro (2004, p. 109 e 128), ao reconhecer a subordinação do Estado, enquanto instrumento
do e para o capital, e a adoção de “valores” neoliberais defensores em prima facie dos
parâmetros da ordem do capital. De qualquer maneira, a realidade não escamoteia que a
ordem do dia não é mais a satisfação das necessidades mais urgentes das camadas sociais
mais desprovidas, não é o atendimento das demandas sociais mais prementes que ocupam os
gabinetes e as assembléias políticas em maior monta. No julgamento de Ribeiro (2004, p.
136), as leis capitalistas, quase onipresentes de satisfação do consumo, que tentam a todo
custo governar a percepção, a invenção e a manutenção dos seres sociais encontram respaldo
no aparato ideológico, institucional, técnico, informacional e legal, com dimensões infra e
superestrutural, já hoje, de difícil discernimento, porquanto um estar e se refazer no outro,
“[...] intrínseca e dialeticamente, como ação material subordinante e ou produto empírico redirecionado. E sempre tendo como guia primeiro o complexo movente do capital, que se
firma como motor/freio histórico ao espaço social” (RIBEIRO, 2004, p. 106).
36
Karl Marx já havia advertido nos Manuscritos de 1844, que “a política é em princípio
superior ao poder do dinheiro, mas na realidade tornou-se seu escravo” (2002, p. 41 e 42). O
dinheiro, essa essência alienada do trabalho e da existência do homem, o poder alienado da
humanidade, esse universal abstrato, que corrompe os planos e as diretrizes atentas às
demandas sociais, que faz o Estado voltar-se a favor do capital, a favor de sua acumulação,
este que é o poder de domínio sobre o trabalho e sobre os seus produtos (Marx, 2002, p. 80),
em tempos hodiernos, metamorfoseado em dinheiro global tornou-se um despótico ditador,
impondo caminho às nações. Hoje, ele é governado por governos globais: Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Cartilha de
Washington, etc., e impõe-se sobre todo o território de um país, o que inclui Estados e
municipalidades,
tornando
sua
regulação
interna
quase
impossível,
praticamente
ingovernável, em função da desorganização e desagregação que submete a esse território
através de empresas e corporações globais (SANTOS, 1999, p. 9 a 13).
Trazendo a discussão sobre a atuação estatal perante o capital, este enquanto relação
social de produção e reprodução, para o âmago de nossa temática, concordamos com Corrêa
(1989, p. 26), ao afirmar que atualmente a ação do Estado:
[...] é marcada pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da
sociedade de classes, bem como das alianças entre eles. Tende a privilegiar
os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a
cada momento, estão no poder.
Deste modo:
A atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando
criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é,
condições que viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das
classes sociais e suas frações (CORRÊA, 1989, p. 26).
A atuação estatal não pode ser entendida fora das coalizões público-privadas e das
redes de agentes produtores do espaço urbano, da qual o Estado faz parte enquanto um agente.
Configuram-se como linha de frente no processo de reestruturação espacial urbana, estando
suas ações estruturadas em torno da apropriação da terra urbana, podendo abranger parcerias
público-privadas que incluem também elementos das classes populares, que se mantém
através das burocracias locais comprometidas com o “desenvolvimento” e modernização
urbana, e até mesmo frações de classe não necessariamente capitalistas (TRINDADE JR,
1999, p. 154 a 156). Silveira (2002, p. 13), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar
37
que “o Estado também usa o território, mas, sobretudo, o prepara para o jogo dos agentes
sociais”. A autora chega a falar de “leilão de cidades” e “city marketing”, meios através dos
quais as municipalidades desenvolvem uma “narrativa” vinculada ao mercado e à
competitividade, isto é, estratégias de convencimento visando atrair investimentos e alianças
com grandes empresas. Conclui Silveira (2002, p. 16), que o Estado curvou-se perante a
lógica das empresas imobiliárias, sepultou os direitos dos cidadãos e a política, erigindo em
seus lugares o código do consumidor e a lógica do mercado.
Essa questão vista de outro ângulo, em face dos fatos, não nega, na opinião de Santos
(1985, p. 82), que o Estado cria a maior parte das infra-estruturas que servirão à produção
moderna, entretanto, ele mesmo é chamado igualmente a prover serviços públicos reclamados
pela população, que de outra forma não seria atendida. Mas, é inegável o fato de que o Estado
o faz a fim de “[...] garantir a reprodução das relações sociais constitutivas e fundamentais da
sociedade existente [...]” (MARTINS, 1996, p. 30). Seabra (2000, p. 75) reconhece este fato
ao afirmar que o Estado é o suporte de todos os fenômenos correlatos à industrialização e à
(re)funcionalização e (re-des)estruturação do espaço urbano: seja através das infra-estruturas
de habitação, transporte e comércio, especulação fundiária, zoneamentos, etc. Acrescente-se,
o Estado além de regularizar estes investimentos:
[...] também regulariza as relações capital-trabalho e, portanto, serve de
instrumento essencial ao desenvolvimento capitalista, e contribui para a
manutenção/aumento da exploração da força de trabalho. Com essa
exploração o Estado admite e reforça a exclusão de grande parte da
população do sistema de acesso à bens de consumo e a moradia, nos moldes
e a serviço do modo capitalista de produção. (RIBEIRO DA SILVA e
MELCHIOR, 2002, p. 10).
Qual deus Saturno, devorador de seus próprios filhos, Leviatã acorrentado, o Estado,
hodiernamente instrumentalizado pelo capitalismo, suporta e leva a cabo determinações que
lhe corrompe, mas, por vezes, “cego”, ou já domado, não mais se reconhece como outrora,
porque agora poliformático e reificado por forças que lhe são maiores, regula o espaço como
peça funcional, normatiza a vida do ser social, obediente aos ditames do grande capital.
Leviatã canibalesco ao ameaçar agredir a “verdadeira” subjetividade burguesa, por outro lado,
“provedor”, “[...] como instância à qual se recorre sempre que há fricções e sofrimentos
resultantes da socialização negativa” (KURTZ apud RIBEIRO DA SILVA e MELCHIOR,
2002, p. 10). Assim é o Estado, organismo responsável pela regulação do trabalho, pela
regulação das necessidades do capital, peça fundamental no “tripé” capital-trabalho-Estado
38
sobre o qual erigiu-se o colossal e onipotente sistema de metabolismo societal do capital
(ANTUNES, 2002, p. 22)
De acordo Marques e Bichir (2001, p. 2), estudos sociológicos dos anos 1970 e 1980
identificaram uma expressiva ausência dos investimentos estatais nas áreas mais desprovidas
das grandes cidades. Corolário de um “modelo metropolitano brasileiro” produzido no Rio de
Janeiro nos anos 1960, e de um padrão de produção do espaço proveniente da dinâmica
capital paulista, a negligência do Estado quanto aos espaços desfavorecidos e, por outro lado,
sua prontidão em atender aos interesses de setores mais dinâmicos e empreendedores do
capital nacional ou internacional, seria produto de mecanismos estruturais ligados à dinâmica
mais geral do sistema econômico, na opinião de alguns autores. Interpretações não
estruturalistas também mobilizaram mecanismos econômicos, entendendo que a lógica das
políticas públicas estaria ligada à associação entre poder econômico e poder político na
sociedade. Assim, a produção do ambiente construído seria fortemente influenciada pelos
diversos grupos econômicos da cidade. Em suma, todas as correntes convergiam num mesmo
ponto: mecanismos estruturais e/ou de natureza econômica para explicar a conformação das
grandes cidades. Todavia, também compartilharam um ponto cego em comum: o Estado e
suas políticas urbanas, tão necessário ao entendimento da realidade urbana, quase nunca
tratado na sua complexidade de conjunto heterogêneo de instituições (MARQUES e BICHIR,
2001, p. 3 e 4).
A esta altura pode o leitor indagar-se a respeito da fundamentação teórica que orienta
nosso trabalho, pois, já afirmamos sê-la a produção social do espaço urbano apresentada por
Gottdiener (1997), o qual, crítico da teoria da acumulação proposta por Harvey em alguns de
seus trabalhos do século passado, e de economicismos de alguma forma presos à a economia
política marxista, propõe a teoria estruturacionista, de natureza triádica: política-economiacultura, que, na opinião do autor, ao atualizar o marxismo frente a questões relativas ao
espaço urbano, acredita transcendê-lo (GOTTDIENER, 1997, p. 197). Pois bem, nosso
intento foi o de ampliar o debate acerca do espaço urbano e o que fora dito a respeito por
alguns teóricos e estudiosos do assunto, a fim de desenvolver uma leitura e uma possível
interpretação que dê conta da realidade qual nos deparamos.
Em breves palavras, Silva Neto (2004, p. 15 e 16), num estudo das obras de Milton
Santos, afirma que de acordo com o autor de A Natureza do Espaço, “o espaço é as pessoas e
suas coisas. É a sociedade se distribuindo. É a paisagem que vemos junto com a sociedade
que a anima, com suas histórias, culturas e modos de vida. É também economia, no sentido
amplo da palavra [...]”, vinculada à produção material e imaterial da sociedade em sua plena
39
atividade de existência política. Santos (1988c, p. 85), reconhece este fato quando escreve que
a urbanização é um problema multidimensional, isto é, um movimento uníssono da sociedade,
da cultura e da economia. Como se vê, o autor vai além da economia e da política, da luta de
classes e da hegemonia burguesa na sociedade capitalista. Alhures (1994, p. 118), afirma que
“a economia política da cidade [...] seria a forma como a cidade, ela própria, se organiza, em
face da produção e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada
momento, dentro da cidade”. Esses diversos atores têm suas relações definidas, em última
análise, como relações políticas, mas, saibamos que essas relações também se revestem de
formas econômicas, culturais e/ou políticas, num refazer-se no outro que, por vezes, fica
difícil distinguir uma forma da outra se a análise se limitar à forma apenas (SANTOS, 1994,
p. 127).
Num outro trabalho, Santos (1990, p.190 e 191) é bem rigoroso ao afirmar que nas
grandes cidades tecnoesfera e psicoesfera são dados constitutivos da ambiência e que sua
estrutura condiciona a vida urbana, não podendo o sistema urbano ser entendido sem a análise
desses componentes. A tecnoesfera ajuda a definir o tempo da produção, enquanto a
psicoesfera se vale da psicologização, isto é, da internalização na vida social, vida esta que se
realiza no mundo do trabalho, das crenças, da cultura, dos hábitos e costumes, nos lugares.
Em Carlos (1996, p. 24), observa-se que a história dos homens, a apropriação, a
utilização e ocupação, o habitar, o viver, o trabalho, o lazer, o comportamento, as práticas
banais e familiares, enfim, a cultura são fatores do cotidiano, fatores em função dos quais o
espaço urbano é produzido e reproduzido incessantemente, socialmente como e portadores de
valores de uso, que se desvelam e se realizam no lugar, onde, de modo mais implacável se
sente e se formulam os problemas da produção no sentido mais amplo, isto é, o modo como é
produzida a existência social dos seres humanos (CARLOS, 1996, p. 26). Todavia, uma
racionalidade intrínseca à lógica capitalista de produção e reprodução social busca
vorazmente se apropriar economicamente das particularidades de cada lugar, de cada
territorialidade do espaço urbano por meio da imperativa planificação (CARLOS, 1996, p.
22).
Ampliando o leque da discussão sobre a conjugação de economia, política,
sociedade, cultura e natureza na conformação do espaço geográfico total, Saquet (2007, p.
151), ao discorrer sobre o território, conceito geográfico também pertinente à temática por nós
aqui estudada, reconhece através de sua abordagem que neste estão superpostos, numa
unidade contraditória e complexa, economia, política, cultura e história, unidos com a
natureza exterior ao homem. Mesmo que nosso recorte espacial de análise seja limitado a uma
40
Zona da cidade de Londrina, a Zona Leste, não podemos desconsiderar as demais escalas de
abordagem e a amplitude obrigatória de qualquer tema geográfico, caso contrário, cairíamos
num empirismo cego, limitado, tópico e corológico. Saquet (2007, p. 153) é pontual ao
afirmar que no movimento mercantil de reprodução de valor, as ações econômicas têm,
necessariamente, uma ligação com o local, seu entorno e com o exterior, empregando
obrigatoriamente conhecimentos não só abstratos, traduzíveis em coeficientes tecnológicos e
em preços de mercado, mas também conhecimentos contextuais particulares, envolvendo a
subjetividade dos lugares (cultura, história), as instituições, a infra-estrutura, o trabalho, a
natureza, etc., sem perder de vista o movimento de mundialização da economia.
Qualquer que seja a intervenção a que se proponha no espaço urbano há que se
considerar sua totalidade se se pretende êxito. Souza (2000, p. 28 e 29), a nosso ver,
estabelece as premissas do que seria essa “totalidade”, ao apreciar alguns pontos essenciais no
entendimento do espaço urbano. Considera-o na sua dimensão econômica, um “produto
material da sociedade do âmbito do processo de trabalho, continente de recursos e realidade
relacional que comporta localizações diferencialmente valorizadas”. Na sua dimensão
política, constitui-se num território, numa arena de lutas. Na sua dimensão cultural e
(inter)subjetiva é o lugar; fisicamente é o ecossistema, o geosistema (enquanto pré-social). O
espaço é, antes de qualquer coisa, um produto e uma condição das relações sociais. Sua
organização e formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, todavia, tem a
propriedade, uma vez produzidas, de influenciar os processos sociais subseqüentes, seja por
meio de sua materialidade, quanto por meio dos valores e símbolos culturais que propõe
(SOUZA, 2003, p. 99).
Queremos acreditar com Scherer (2003, p. 194), que “a cidade é [a] solução e não [o]
problema”, queremos acreditar com Lefevbre nO Direito à Cidade, quem inclusive chegou a
falar da substituição da sociedade industrial pela sociedade urbana, admitindo que ser um
citadino é poder gozar plenamente o ambiente urbano em liberdade, um privilégio, um direito.
Não negamos o fato de ser a cidade, como disse John Friedman, grandes indicadores e fatores
do progresso (SOUZA, 1996, p. 20). Mas que não seja um progresso no sentido econômico
restrito a determinadas classes e frações de classe apenas. Antes, que seja um progresso
socialmente justo e humano no sentido mais estrito do termo, tal como a obra cidade, coletivo,
socializado, que seja, como diz Souza (2000 e 2003), desenvolvimento sócio-espacial, o
verdadeiro progresso das sociedades.
41
3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA
O Município de Londrina situado entre 23°08’47” e 23°55’46” de Latitude Sul e
entre 50°52’23” e 51°19’11” de Longitude Oeste, ocupa segundo o IBGE (2002) uma área de
1.650,809 Km2, o que corresponde a 1% da área total do Estado do Paraná (mapa 01). Conta
com aproximadamente 497.000 habitantes de acordo com a contagem de 2007 realizada pelo
IBGE, possui uma densidade demográfica que varia de 259,29 hab/Km2 a 291,26 hab/Km2
(IBGE – 2000, 2004). Possui um Produto Interno Bruto (PIB) Municipal de US$
1.031.968.955,47. A Zona Urbana2 de Londrina, definida pela Lei 7.484 de 20/07/1998,
possui 164,33 Km2, enquanto que a Zona de Expansão Urbana3, definida por mesma lei,
possui 80,68 Km2, totalizando 245,01 Km2.
A altitude média da área urbana central é de 608 metros. O melhor solo de Londrina,
um dos mais férteis do mundo, está na região setentrional do município, que se caracteriza por
uma topografia mais plana, onde predominam os solos Terra Roxa Estruturada Eutrófica,
Latossolo Roxo Eutrófico, dentre outros (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 20).
O clima de Londrina é o subtropical de altitude, com chuvas em todas as estações
podendo ocorrer períodos de secas no inverno. De acordo com o Instituto Agronômico do
Paraná (IAPAR), a temperatura medial anual de 2005 foi de 21,6ºC, com média máxima de
27,9ºc e média mínima de 16,4ºC. Localizada num espigão, apresenta verão quente e inverno
ameno, com índices de umidade relativa do ar em torno de 76% no verão e 72% no inverno, e
com a umidade relativa média do ano situada em torno de 69%. Londrina sempre foi
beneficiada por um regime pluviométrico bem distribuído durante todo o ano, sendo
raríssimos os períodos de grandes estiagens ou chuvas prolongadas. Segundo o IAPAR, em
2005, a precipitação pluviométrica anual foi de 1.426 mm, sendo janeiro, setembro e outubro,
os meses mais chuvosos e fevereiro, março, maio e agosto os meses mais secos (LONDRINA
PERFIL 2005-2006, p. 21).
O subsistema hidrográfico do município de Londrina corre no sentido predominante
de Oeste para Leste, uma vez que o relevo está genericamente inclinado da região de
Londrina para o Rio Tibagi, que tem sentido Sul-Norte, desaguando no Rio Paranapanema,
um dos tributários do Rio Paraná (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 21).
2
A Zona urbana compreende as áreas urbanizadas ou em vias de ocupação e as glebas com potencial de
urbanização que ainda não sofreram processo regular de parcelamento.
3
A Zona de Expansão Urbana é aquela externa à Zona Urbana onde se prevê ocupação ou implantação de
equipamentos e empreendimentos considerados especiais e necessários à estrutura urbana. A transformação de
Zona de Expansão em Zona Urbana fica vinculada ao processo de aceitação de loteamentos regularmente
aprovados e implantados ou ao visto de conclusão de obras regularmente aprovadas e construídas.
42
Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional4
A Região Metropolitana de Londrina5, primeira do interior do Brasil, foi instituída
pela Lei Complementar N.º 81, de 17 de junho de 1998, e alterada pelas Leis n.º 86, de
07/07/2000, e n.º 91, de 05/06/2002, sancionadas pelo governador Jaime Lerner. Fazem parte
de sua composição os Municípios de Londrina, Bela Vista do Paraíso, Cambé, Ibiporã,
4
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apud PREFEITURA MUNICIPAL DE
LONDRINA – LONDRINA PERFIL 2004. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/. Acesso em 14 de agosto de 2006.
5
A respeito do enquadramento da cidade de Londrina na categoria de centro metropolitano discorreremos mais
adiante, pois há um excelente debate sobre esse tema, o qual considera Londrina uma cidade média e não uma
metrópole como quer o discurso oficial político.
43
Jataizinho, Rolândia, Sertanópolis e Tamarana, abrangendo uma população de 678.032
habitantes (IBGE – Censo 2000 – Resultados do Universo) (LONDRINA PERFIL 20052006, p. 21). O município de Londrina é constituído pelo Distrito Sede e pelos Distritos de
Lerroville, Warta, Irerê, Paiquerê, Maravilha, São Luiz, Guaravera e Espírito Santo (mapa
02).
Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina. Fonte: LONDRINA
PERFIL 2005-2006.
3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do
Paraná.
Neste capítulo será abordado um pouco da história de Londrina, situando-a no
contexto internacional, nacional, regional e local, e suas implicações sobre os dias de hoje, em
especial no que importa ao nosso recorte espacial de estudo: a Zona Leste do município, aliás,
44
o berço da cidade, onde hoje se encontra o Marco Zero. Para tanto, levar-se-á em conta, a
atuação institucional, seja por parte do poder público local como pelo Estado em suas
instâncias maiores, e a atuação privada, bem como suas alianças e coalizões, a fim de
apreender o processo de produção social da cidade de Londrina em suas raízes históricas,
pois, de acordo com Nakagawara Ferreira (FOLHA DE LONDRINA, 1994, p. 71), para que
se possa entender a economia urbana de Londrina é preciso, antes de qualquer coisa,
[...] um exercício de compreensão da sua identidade local e regional dentro
de um território mais amplo que a própria cidade/região. É entender o
momento histórico da ocupação norte-paranaense, a evolução da
cafeicultura, a modernização da agropecuária, os grandes movimentos
demográficos [...].
Londrina encontra-se nos caminhos da marcha da moderna expansão territorial
brasileira e corolário da expansão cafeeira. Pierre Monbeig (1985, p. 55 e 56), descreve com
rigor a saga do café pelo Brasil na era moderna. Proveniente da Guiana Francesa, a marcha
cafeeira adentrou o país pelo Pará em fins do século XVIII, donde alcançou a região
montanhosa do Rio de Janeiro, para posteriormente atingir o Vale do Paraíba, ganhado assim
terras paulistas. A partir daí, por volta de 1880, o fenômeno ganharia proporções gigantescas e
não pararia de avançar tão logo, substituindo milhares de quilômetros quadrados da densa
floresta que encontrasse pelo caminho, até chegar ao Paraná. Ao longo de sua marcha cidades
nasciam, ferrovias eram construídas como símbolo da chegada do progresso, estradas de
rodagem se estendiam pelo território a fim de integrá-lo logisticamente. Uma nova sociedade
se organizava em torno da economia cafeeira e Londrina seria o mais vistoso fruto dessa
economia, o chamado “eldorado”.
O surto inicial da cultura cafeeira teve sua explicação em fatores externos e internos
ao país. Enquanto o consumo crescia vertiginosamente em países europeus e nos Estados
Unidos, capitais estrangeiros chegavam ao país em número crescente, pois, a garantia da
reprodução ampliada estava assegurada em função do apoio interno dado aos investidores
estrangeiros, e das excelentes condições climáticas favoráveis, da topografia lisa dos
planaltos, e da fertilidade excepcional dos solos, ainda virgens, propícios ao plantio do café. A
euforia se fazia sentir, começava a “era” do onipotente “ouro verde”, e o caminho para o
“eldorado” estava anunciado.
Para Mombeig (1985, p. 58), a estrutura institucional oligárquica, característica
principal da república velha, engessou o avanço técnico da produção, mantendo o potencial
produtivo em razão da boa qualidade dos solos, em vez de tornar-se uma técnica de
45
exploração racional e modernizada, além do fato de que muitos plantadores detiveram, por
muito tempo, além da propriedade rural a máquina econômica, administrativa e política.
A porta de entrada para o povoamento das terras do Norte do Paraná foi a cidade
paulista Ourinhos, de onde uma ambiciosa frente de colonização sem precedentes históricos
no mundo, abriu-se rumo ao Norte do Paraná. Entretanto, já havia ocupação oficial na área,
era a colônia militar de Jataí, primeira ocupação na região, fundada em 1855, à margem
direita do rio Tibagi, que elevada à categoria de vila em 1872, no entanto, apesar de sua
localização estratégica, porém isolada, não se desenvolveu satisfatoriamente. A nova frente de
povoamento estaria a caminho, a qual traria a marcha da civilização e da modernidade para a
região até então “inexplorada”, segundo nos conta a história oficial6 (WACHOWICZ, 1977,
p. 160 e 161).
Através do Acordo de Taubaté de 1906, governadores dos Estados de São Paulo,
Minas Gerais e do Rio de Janeiro estabeleceram as bases de uma política conjunta de
valorização do café, ratificada pelo então vice-presidente Afonso Pena. Essas medidas tinham
por objetivo solucionar a médio e longo prazo o problema do excesso de produção, mantendo
os preços do produto valorizados em momentos de crise, e, dentre outras medidas, a que mais
contribuiu para o avanço da lavoura cafeeira rumo ao Norte do Paraná, desencorajar a
expansão das lavouras nestes três estados. Desta data em diante o Norte do Paraná, a partir de
Jacarezinho e Cambará, conheceu uma profunda transformação em função da expansão da
cafeicultura, em função da marcha pioneira, destruidora da mata atlântica, destruidora da
terra, em que a mola propulsora residia tão somente no tenaz desejo do ganho (PIERRE
MOMBEIG apud LONDRINA PERFIL 2005-2006).
Para Pilati Balhana (1969, p. 213 e 214), A colonização do Norte do Paraná dividiuse em três etapas, necessariamente em três tipos distintos: a ocupação do Norte Pioneiro, do
Norte Novo e do Norte Novíssimo. A ocupação espontânea e não dirigida do Norte Pioneiro
deu-se por meio de fazendeiros paulistas isolados que empreendiam a ocupação com a ajuda
de familiares e empregados, espontaneamente, procurando terras roxas de alta fertilidade
descritas por mateiros que percorriam a região, para o plantio do café. A penetração em
território paranaense somente ganharia expressão no início do século XX, quando o
6
O historiador Valter Durães propõe uma revisão na história da fundação do que viria a ser Londrina, ao
polemizar dizendo que a versão oficial só ganhou corpo porque o primeiro dono do jornal da cidade recebeu
dinheiro para divulgá-la. Durães afirma que quando os membros da CTNP aqui chegaram depararam-se com
mais de 40 mil pés de café na fazenda Quati, de propriedade do ex-governador do estado Afonso Alves
Camargo. Bertoldo Durães, seu pai, era gerente da tal fazenda. E que o senhor Álvaro Godoy, proprietário da
Fazenda Santa Helena, também tinha chegado antes, em 1925, apesar de sua biografia registrar 1931. (PERFIL
LONDRINA – 2004).
46
povoamento e a expansão da estrada de ferro atingiriam as proximidades da margem direita
do rio Tibagi, por volta de 1920.
No ano de 1924 inicia-se a história da Companhia de Terras Norte do Paraná,
subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Company7, tal como a subsidiária Companhia
Ferroviária São Paulo-Paraná, adquirida em 1928. Atendendo a um convite do presidente da
república Arthur Bernardes (WACHOWICZ, 2001, p. 267), o técnico em agricultura e
reflorestamento, Lord Lovat, técnico em agricultura e reflorestamento e integrante da missão
Montagu, ficou impressionado com a exuberância do solo norte-paranaense e sua empresa
acabou adquirindo 515 mil alqueires paulistas das melhores terras roxas, situadas entre os rios
Paranapanema (Limite Norte), Tibagi (limite Leste) e Ivaí (limite Oeste), a fim de instalar
fazendas e máquinas de beneficiamento de algodão em parte dessas terras, com o apoio da
Brazil Plantations Syndicate Ltd, de Londres (MULLER, 2001, p. 100; PILATTI
BALHANA, 1969, p. 214). É claro que Lord Lovat viu naquelas terras um imenso potencial
econômico, não pelo fracassado plantio de algodão, mas, sobretudo, através de sua
comercialização, o que não tardaria em acontecer.
De acordo com o historiador José Joffily (1985), a história de Londrina está atrelada
aos interesses britânicos no Brasil dos anos 1920. Nesta época, a dívida brasileira com os
banqueiros ingleses somava milhões de libras e a necessidade de contrair novos empréstimos
obrigou o Governo a receber, de bom grado, uma missão que viria estudar a situação
financeira, econômica e comercial do país e a reformulação do sistema tributário brasileiro
(ASARI e TUMA, 1978, p. 29), a fim de estabelecer relações comerciais e de investir no
mesmo, fosse por meio de aquisições acionárias, como por meio da aquisição de terras. A
última modalidade resultou na aquisição de aproximadamente 13.165 Km2 de terras devolutas
de altíssima fertilidade cobertas por vegetação nativa no Norte do Paraná, pela Companhia de
Terras Norte do Paraná, por um preço muito aquém do valor real, as mais baratas terras do
Estado (WACHOWICZ, 1977, p. 162)8. Joffily (1985), um crítico da história de Londrina,
propõe uma revisão, que ainda está por se completar, da “história dos vencidos”, distinta da
7
Entre junho e agosto de 1925, na sede da Sudan Plantation, da qual Lord Lovat era presidente, realizou-se uma
série de reuniões envolvendo o representante brasileiro João Sampaio Antonio de Moraes Barros e outros
diretores e funcionários de alto escalão da empresa. Ficou decido que ao invés de aumentar o capital da Brazil
Plantation Syndicate Ltd seria ela oportunamente liquidada, fundando-se em seu lugar a Paraná Plantation
Company, a fim de levantar fundos de maior vulto para grandes empreendimentos que se projetassem, inciandose pela compra das terras e pela construção das estradas de ferro e de rodagem (ASARI e TUMA, 1978, p. 37).
8
Alguns pesquisadores, como Asari e Tuma (1978, p. 31), em estudos históricos sobre o município de Londrina,
subsidiado fundamentalmente pela publicação editada em comemoração ao cinqüentenário da Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná, em 1975, afirmam que a CTNP adquiriu títulos de concessões e posses de
terras do Governo pelos preços de lei, chegando, em alguns casos, a pagar duas ou três vezes pelas terras, a fim
de assegurá-las a si e aos seus sucessores o direito líquido e inquestionável sobre a terra negociada.
47
história oficial dos “vencedores” que saúda a cobiça do imperialismo inglês, e o escandaloso
patrocínio oficial, através do qual qualquer negociante ajuizado teria obtido resultados
equivalentes (LONDRINA - PERFIL 2004-2006, p. 7 e 8). No entanto, não negamos o fato da
falta de recursos por parte do empresariado nacional e governos federal e estadual e a
necessidade de se ocupar essas terras a fim de garantir o território.
Foi na tarde do dia 21 de agosto de 1929, quando os pioneiros chegaram às terras
adquiridas pela CTNP, atualmente Londrina. Partiram de Ourinhos no dia 20 de agosto
George Craig Smith, Alberto Loureiro, o agrimensor russo Alexandre Rusgulaeff, Ervin
Froelich, Kurt Kakowats e mais alguns peões contratados para trabalhar no campo. Fizeram
parada em Jataí, onde compraram mantimentos, burros de carga e até contrataram o serviço de
um índio-guia que falava mansamente com os animais, chamando cada um pelo nome. Na
chegada às terras da companhia, Rusgulaeff, orgulhosamente, fincou o primeiro marco,
exatamente na Zona Leste da cidade9. A primeira derrubada de 10 alqueires ocorreu
exatamente onde, hoje, será construído o Complexo Marco Zero, antiga Anderson Clayton
(LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 10).
A Companhia de Terras Norte do Paraná deixaria sua marca na história através do
sucesso alcançado com a comercialização das terras. Dividiu-as em lotes relativamente
pequenos, que poderiam ser adquiridos por meio de pagamentos parcelados em até quatro
anos. Foi considerada por isso por alguns pesquisadores como a implementadora de uma
verdadeira reforma agrária sem intervenção do Estado no Norte do Paraná. Esse sistema
estimulou muito a concentração de poder, a explosão demográfica, assistência técnica e
financeira, a expansão de núcleos urbanos e o aparecimento de classes médias rurais
(LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 13). Em 1932 Londrina já possuía mais de 150 casas,
conectados a Jatay, ponto final da estrada de ferro, por meio de uma estrada construída em
1930, a Estrada dos Pioneiros10. Em 1933 já havia 396 casas, e em 10 de dezembro de 1934
foi criado o Município de Londrina. Somente em 28 de julho de 1935 a estrada de ferro
transporia o rio Tibagi e chegaria a Londrina.
9
O marco zero está situado poucos metros ao norte do terreno em que será construído o Complexo Marco Zero,
as margens da Av. Theodoro Victorelli. Ainda se preserva a mata nativa em torno do marco, que de acordo com
os projetos imobiliários para o terreno do complexo, há de compor a paisagem natural do mesmo, simbolizando
uma relação “equilibrada” com o meio ambiente.
10
As margens desta estrada, que até os dias de hoje não foi asfaltada devido a seu uso eminentemente rural, se
encontra o campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, ainda em fase de construção. Marca o início
da Zona Leste da cidade, estando na Zona de Expansão Urbana do município, de acordo com o Plano Diretor de
1995.
48
Os lotes de terra comercializados pela companhia, com tamanho entre 10 e 15
alqueires, dentro do limite da pequena propriedade para os padrões da época, eram traçados
em forma de longos retângulos, tendo quase todos frente para uma estrada (a qual ficava no
espigão) e fundos para um rio ou córrego (WACHOWICZ, 1977, p. 163). Toda a área
colonizada pela companhia foi dotada de boas estradas, interligadas aos pequenos patrimônios
que surgiam por toda a região. Estes, via de regra, não distavam mais que 15 quilômetros um
do outro ou de uma cidade maior, a fim de melhor integrar meio rural e meio urbano
(PILATTI BALHANA, 1969, p. 215). Em relação as áreas urbanas, todas as cidades
obedeciam a um plano urbanístico previamente definido pela Companhia, divididas em datas,
“[...] destinadas à construção de prédios comerciais e residenciais, sendo que ao comprador da
data era exigido em contrato a construção no prazo máximo de um ano” (ASARI e TUMA,
1978, p. 39).
De acordo com Muller (2001, p. 102), o eixo de toda colonização é o espigão divisor
de águas entre as bacias do rio Ivaí e do Paranapanema, com seu topo largo e plano, onde
foram traçados a linha ferroviária e a estrada principal, e reservados como sítio dos principais
núcleos urbanos da região. Deles partiam estradas secundárias para núcleos urbanos inferiores
ligando toda a área colonizada. Tais núcleos urbanos de maior importância econômica foram
planejados de tal forma que não distassem mais que 100 km um do outro, a título de exemplo:
Londrina, Maringá e Cianorte11; enquanto os núcleos urbanos menores não distavam mais que
15 km um do outro, constituindo-se em centros comerciais e abastecedores intermediários
entre as cidades maiores, por exemplo: Ibiporã, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana,
Mandaguari, Marialva e Sarandi.
O grande leitmotiv do “sucesso” do empreendimento colonizador da Companhia de
Terras Norte do Paraná, por demais sabido, reside na cafeicultura, que não somente por
motivos políticos se expandiu para esta área, mas também por fatores físicos, que além da
fertilidade natural dos solos, encontrou clima favorável de transição entre o tipo subtropical,
que caracteriza a maior parte do Terceiro Planalto Paranaense, e o tropical de altitude do
Oeste paulista. Aliás, esta foi considerada a área limite para o plantio do café, em função das
geadas, fenômeno típico dessas regiões, inclusive um dos motivos da erradicação da
cafeicultura décadas mais tarde (MULLER, 2001, p. 90 a 91).
A Companhia de Terras Norte do Paraná, único empreendimento colonizador
privado do país, fundou além de Londrina, outras 63 cidades e patrimônios, dentre elas
11
Cianorte, a oeste do rio Ivaí, foi fundada mais tarde, já na época da Companhia Melhoramentos.
49
Cambé, Rolândia, Arapongas, Mandaguari, etc., vendeu lotes e chácaras para 41.741
compradores, de área variável entre 5 e 30 alqueires, e cerca de 70.000 lotes urbanos com
média de 500 m2. (ASARI e TUMA, 1978, p. 44; BATISTA et al, 2002).
A “ação civilizatória” e progressista da burguesia inglesa, de espírito público da
empresa privada empreendedora, e sua “missão histórica” de elevado interesse público em
promover a “verdadeira reforma agrária” no Norte do Paraná, que nem mesmo a crise de 1929
pôde sobrepujar, chegaria ao fim em 1944 quando foi vendida a um grupo de empresários
paulistas.
De acordo com Wachowicz (2001, p. 270 e 271), no ano de 1939 a Paraná
Plantation Company “perdeu” a estrada de ferro, encampada pelo Governo Federal. Quanto a
Companhia de Terras Norte do Paraná, devido aos pesados impostos sobre capitais
estrangeiros, e as dificuldades deflagradas com a Segunda Guerra Mundial, os ingleses
colocaram-na à venda. A Segunda Guerra Mundial mergulhou toda a Europa, incluindo a
Inglaterra, num quadro crítico e devastador, daí a necessidade da repatriação urgente dos
capitais no exterior. Nascia assim a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, a partir da
qual surgiriam outras novas cidades principalmente no Noroeste paranaense, o chamado Norte
Novíssimo.
Muitos foram os que comentaram e discutiram a respeito do papel da CTNP. Seu
modelo de ocupação criticado por alguns, elogiado por muitos, ora relativizado, não escapa
aos embasamentos da crítica, segundo a qual trata-se de uma empresa capitalista, é claro, na
tentativa de explorar os potenciais econômicos da região, empreendendo um modelo de
ocupação altamente lucrativo e predatório para com os recursos naturais. Por outro lado, há os
que enaltecem ao falar de um modelo privado de reforma agrária que trouxe sucesso e
desenvolvimento para o Norte do Paraná e à cidade de Londrina, a sede de suas atuações na
região. Entretanto, não podemos prescindir das condições materiais e sócio-econômicas da
época, como também da avaliação territorial em que ocorreu tal feito, e da conjuntura
nacional e estadual, que esboçava a necessidade - dado suas limitações financeiras - de
investimentos externos a fim de garantir o território e efetivamente ocupá-lo na região Norte
do Paraná (NAKAGAWARA, 1985, p. 4).
50
3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da
Economia Cafeeira.
De acordo com a antiga lenda indígena narrada aos colonizadores espanhóis, o
“Eldorado” falava de uma cidade cujas construções seriam todas feitas em ouro maciço, da
qual seu imperador tinha o hábito de se espojar em ouro em pó, a fim de ficar com a pele
dourada, cujos tesouros existiriam em quantidades inimagináveis. Muitos foram os que se
empreenderam em encontrá-lo, e até recentemente, na primeira metade do século XX, muitos
também foram os que “viram-no brilhar nas terras roxas do Norte do Estado do Paraná”
(LONDRINA, 2004).
De fato, até os anos de 1960 o Norte do Paraná, aí incluso Londrina, vivendo o auge
da economia cafeeira, atraiu milhares de imigrantes de todas as partes do país e até de outros
países, que em busca do “eldorado” não dispensavam esforços em “acreditá-lo” e aplicá-lo à
economia cafeeira. A produção cafeeira era tamanha que o município passou a demandar
firmas e escritórios de corretagem do café, assim firmas exportadoras como a Anderson
Clayton foram sediadas em Londrina, dentre outras. Muitos produtores enriqueciam e
adquiriam mais terras no próprio Estado ou em outros Estados do Brasil, por exemplo, Mato
Grosso e Rondônia, etc. Na safra de 1964/1965 o escritório regional do antigo Instituto
Brasileiro do Café, em Londrina, chegou a receber 24 milhões de sacas (FOLHA DE
LONRINA, 1994, p. 33 e 34).
O café, rei da produção no Norte do Paraná, em 1946 era o estado o sétimo produtor
nacional de grão, em 1950 o terceiro, e em 1960 era já o primeiro no Brasil e no mundo, com
uma produção média de 16.000.000 de sacas anualmente, aproximadamente 60% da produção
nacional (WACHOWICZ, 1977, p. 168). Londrina, a capital mundial do café, já em 1940
contava com mais de 30 mil habitantes, em 1960 eram mais de 134 mil habitantes, que
atraídos seja por motivos financeiros ou qualquer outro, em sua maior parte eram pessoas em
busca de novas oportunidades, e o café representava a maior e melhor delas durante essas
décadas.
A cidade foi planejada para abrigar até 20 mil habitantes, mas rapidamente
ultrapassou o plano inicial, quando a partir de 1944 sobrepujou os limites originais do
perímetro urbano dados pela planta urbana original. Durante a década de 1950, a cidade viveu
uma grande expansão econômica, populacional e físico-territorial, tendo por catalisador o
aumento da produção e exportação agrícola, quando então recebeu o título de “capital
mundial do café". Entretanto, o café, sensível às flutuações de preços no mercado nacional e
51
mundial devido às oscilações na produção, e sensível às intempéries climáticas, não poderia
ser o único alicerce do “eldorado”, mas é verdade que se destacou notoriamente dentre um
conjunto de produção propriamente dita, a qual garantiu a Londrina seus “anos dourados”
(FRESCA, 2002, p. 242-244).
O surto de urbanização vivenciado por Londrina deve-se a uma série de fatores,
dentre eles Nakagawara (1985, p. 3) cita o planejamento global executado pela CTNP, onde
tanto os assentamentos urbanos como os rurais foram concebidos juntamente com um
esquema maior de circulação de mercadorias e pessoas, pois se tratava de uma zona produtiva
embrionária que se relacionaria com toda a região adjacente e principalmente com a região
Sul do Estado de São Paulo e com sua capital. Assim, os resultados obtidos com a produção
regional atrairia o afluxo demográfico, o incremento da base produtiva, bem como da
interdependência das relações econômico-espaciais com outros lugares (NAKAGAWARA,
1984, p. 1).
Os anos áureos da economia cafeeira chegaram ao seu ápice na década de 1950,
quando Londrina ganhou destaque no cenário nacional, tornando-se a terceira cidade da
região Sul do Brasil, tendo o terceiro aeroporto mais movimentado do país, a capital mundial
do café recebeu uma verdadeira “avalanche humana”. Se agigantava e o caos se instalava
numa desordem que rompia com a imagem de crescimento harmônico até então sustentado
pelo “ouro verde”. Nessa década a cidade foi considerada a cidade do interior do país de
maior importância regional (NAKAGAWARA, 1975, p. 2), verdadeira capital do Norte do
Paraná, sendo o maior centro industrial, financeiro e comercial da região, perdendo no Estado
somente para Curitiba (MULLER, 2001, p. 112). Em 1950, o Norte do Paraná respondia por
18,9% da produção de café no Brasil. Assim conquistava, a passos largos e seguros, lugar de
proeminente importância no país, e Londrina se despontava a frente desse processo, tornandose um poderoso foco de atração social e decisão econômica do Norte do Paraná, sendo um
grande centro de comercialização e beneficiamento e distribuição dos produtos regionais
(NAKAGAWARA, 1973, p. 2).
O sucesso da atividade primária, representando pela cafeicultura, estimulou o
desenvolvimento e os investimentos constantes nessa atividade, por outro lado, trazia como
conseqüência a debilidade do setor secundário, que apoiado na transformação de produtos
primários apenas, não lograva um maior desenvolvimento (NAKAGAWARA, 1975, p. 2).
Todavia, Londrina e o norte paranaense, juntos concentravam dois terços da população total
do Estado do Paraná, a maior parte dela ainda vivia nas áreas rurais, portanto, suas relações
52
sociais e econômicas fundamentavam-se na dinâmica base agrária, que, por outro lado,
possibilitavam o crescimento de atividades terciárias.
O “Eldorado” tão esperado enriqueceu a poucos, mas trouxe desenvolvimento
econômico na forma de investimentos para essa região, entretanto, a capitalização proveniente
da lavoura cafeeira não fez, necessariamente, com que o fazendeiro criasse uma mentalidade
empresarial que decidisse pelo reivestimento na própria região, apesar de fixá-lo à terra.
Dessa maneira, grande parte dos lucros eram redirecionados e drenados, principalmente, para
São Paulo. Contudo, mesmo baseado na atividade primária, o dinamismo do Norte do Paraná
não encontrava paralelo no Brasil de 1960, constituia-se verdadeiramente numa das regiões
geoeconômicas mais importantes do país (NAKAGAWARA, 1975, p. 4 e 9).
Os anos áureos da cafeicultura prediziam seu fim, o Eldorado definhava, a economia
capitalista se modernizava e junto com ela sua base produtiva, a industrialização galopante a
passos largos, novas relações sociais de produção chegavam ao campo, as legislações
trabalhistas agora passariam a vigorar por todo o território, ao menos em tese. A “revolução
verde” trazia “novos eldorados” como, por exemplo, a soja, o trigo, o milho, etc., a produção
agrícola se diversificava, e as intempéries climáticas próprias da região limítrofe ao cultivo do
café assinalavam um risco constante à cafeicultura. Geadas intensas e consecutivas fez com
que a cafeicultura fosse perdendo status, dando lugar a outros produtos menos sensíveis a esse
tipo climático.
As geadas de 1963, 1964, 1966, e principalmente, a geada negra de 18 de julho de
1975, que se tornou um marco do fim da cafeicultura no Norte do Paraná. Os agricultores
preferiram não se expor mais às perdas intermitentes com o café, o que, somado a política
nacional de erradicação de cafeeiros, a fim de diminuir a produção nacional, fez com que a
cafeicultura fosse praticamente banida dessa região ao longo dos anos 1960. Neste sentido foi
criado o Grupo Executivo de Erradicação do Café – GEERCA, a fim reestruturar e
modernizar as atividades agropecuárias e suplantar a cafeicultura (WACHOWICZ, 2001, p.
275).
Todas essas mudanças estruturais na agricultura brasileira encerraram no afluxo de
milhares de trabalhadores para as áreas urbanas. Tem início um novo ímpeto na
industrialização, agora marcada pela explosão do êxodo rural e consequentemente das cidades
que acolhiam essas populações. Até 1970 a população rural correspondia a 60% da população
total do Estado do Paraná, quadro que começou a mudar profundamente a partir desse
período, quando mais de um milhão de paranaenses deixaram o campo rumo às cidades
médias e grandes. Nessa década, Londrina sofreu um aumento populacional de 17%, ou seja,
53
mais de 103 mil novos habitantes foram acrescidos à sua população em apenas 10 anos
(CUNHA, 1996, p. 50 e 51). Entre 1970 e 1990 o grau de urbanização no Paraná saltou de
36% para aproximadamente 80% como reflexo da reestruturação econômica e do êxodo rural.
Londrina, assim como Curitiba, Maringá e Ponta Grossa firmaram-se como os quatro
municípios com maior número de habitantes na área urbana. No ano de 2003, Londrina já
contava com mais de 81,4% de habitantes vivendo na área urbana, o que, conseqüentemente
sobrecarrega todos os serviços públicos e equipamentos e estruturas urbanos existentes
(MOURA, 2004, p. 34 a 36).
3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da
Revolução Verde e a Explosão Urbana.
O inchaço urbano promovido pelo demasiado êxodo rural fez com que Londrina
perdesse a imagem de Eldorado até então veiculada pela mídia local. Uma série de problemas
sócio-ambientais aflorava por toda a cidade. Os equipamentos públicos foram se tornando
poucos e ineficientes ao atendimento de uma demanda cada vez mais crescente. As ocupações
iniciaram um processo de expansão irregular e desordenada da cidade. É nessa época que
inscreve-se no espaço urbano londrinense o processo de segregação sócio-espacial, quando
novos bairros e loteamentos começam a se distinguir e a se distanciar de bairros tradicionais e
elitizados da cidade localizados na área central ou próximo a ela.
A década de 1970 data o início da construção dos conjuntos habitacionais na cidade,
que, em todas as direções expandia o tecido urbano, de forma desordenada e segregada,
distantes da área central, fazendo com que imensos vazios urbanos passassem a existir entre
eles e a área central e que em 2001 correspondiam a 14,36% da área construída total
(FRESCA, 2002, p. 253), Esses vazios como focos de valorização da especulação imobiliária,
haja vista que essa estratégia altera a produção interna da cidade na medida em que cria a área
de expansão urbana, afetando artificialmente os preços no mercado imobiliário, ao criar infraestruturas que valorizem indiretamente as áreas ainda não ocupadas (FRESCA, 2002, p. 255).
Até a década de 1950 a expansão da área urbana de Londrina foi pouco significativa,
tendo aumentado poucos quarteirões em relação à planta original da cidade. Todavia a
segregação sócio-espacial já se esboçava mesmo nessa época, é o caso da diferenciação entre
a área Norte e a área Centro-Sul, que se distinguiam sócio-economicamente por acomodarem
diferentes classes sociais. Em meados da década de 1950, a cidade apresentava certa expansão
54
urbana nos setores Norte, Noroeste e Sudeste, esse último em função da construção do
aeroporto. Já na década de 1960, Londrina conheceu um considerável crescimento urbano,
nas direções Oeste, Leste e Sul, onde proliferavam os loteamentos urbanos, que mais tarde, na
década de 1970 seriam palcos de intensa especulação imobiliária através da prática dos vazios
urbanos como forma de reserva de valores para um futuro mercado imobiliário mais
valorizado em função dos investimentos e dos usos praticados em suas adjacências, seja por
meio de conjuntos habitacionais como também de loteamentos irregulares. De acordo com
Cunha (1996, p. 58 a 61), de um modo geral, as ocupações e os usos do solo urbano
londrinense têm origem na intensa migração intra-urbana, que ocorrida de maneira
desordenada, projetou-se como “tentáculos” isolados dentro da área rural. O Estado
personificado no poder público local é o principal responsável pela atual conformação do
espaço urbano socialmente segregado da cidade de Londrina.
De acordo com Linardi (apud FRESCA, 2002, p. 246), a espantosa expansão da
periferia não correspondia às necessidades reais da cidade, “[...] refletia, evidentemente a
lógica dos interesses da especulação imobiliária, que tinham na venda dos lotes, grande fonte
de rendimentos”. Isso fez com que o número de lotes vazios se proliferasse em todas as zonas
da cidade, fazendo com que os custos dos serviços e dos equipamentos públicos aumentassem
ainda mais, além do fato, é claro, de segregar as populações, erigindo verdadeiras “ilhas”
dentro da cidade. Sob essa orientação tem-se início uma nova fase da produção do espaço
urbano em Londrina, seja através do Estado com os conjuntos habitacionais ou através de
agentes sociais privados de baixo ou alto poder aquisitivo, como é o caso das favelas e
assentamentos urbanos, e dos bairros elitizados, respectivamente.
A década de 1960 marca o início da atuação da Companhia de Habitação de
Londrina (COHAB-LD), criada em 1965 vinculada à política nacional de habitação e às
tendências em nível federal para as questões de moradia propostas pelo já extinto Banco
Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964. Todavia, a atuação mais efetiva da COHAB
ocorreu a partir da década de 1970. Até então, foi a Companhia de Habitação do Paraná
(COHAPAR) quem se empenhou na construção de três conjuntos habitacionais na cidade,
perfazendo 295 unidades habitacionais. Já em 1970, iniciada a atuação efetiva da COHABLD com recursos do BNH, a cidade conheceu uma nova fase na construção de moradias. Não
são mais as autoconstruções dos mutirões que predominam no cenário urbano municipal, mas
sim a construção dos conjuntos habitacionais a fim de atender a uma demanda cada vez mais
crescente. Entre 1970 e 1980 a COHAB-LD entregou 32 conjuntos habitacionais, um total de
9.055 unidades. A COHAB-LD também atuou em conjugação com a participação de recursos
55
oriundos de outros agentes financiadores, como foi o caso do Instituto de Orientação às
Cooperativas (INOCOOPs), que entre 1975 e 1979 construiu quatro conjuntos habitacionais,
um total de 1.219 unidades habitacionais (FRESCA, 2002, p. 246). (vide tabela 01)
Na década de 1980 o processo de urbanização se acelera em função da continuidade
do crescimento demográfico, época em que Londrina já contava com 301.749 habitantes. A
COHAB-LD continuou a ser a grande responsável pela construção de conjuntos habitacionais,
tendo implantado entre 1981 e 1986, 23 conjuntos, que correspondiam a 10.552 moradias. No
ano de 1982 os recursos que até então eram provenientes do BNH, passam a ser emitidos pela
Caixa Econômica Federal (CEF) e pela própria COHAB-LD, que também recebia
financiamento do Instituto de Previdência do Estado do Paraná, o qual produziu quatro
conjuntos verticais, num total de 702 apartamentos, enquanto o INOCOOPs produziu 573
unidades entre os anos de 1983 e 1986 (FRESCA, 2002, p. 246 e 247). Na tabela seguinte é
apresentando a atuação de órgãos públicos na construção de moradias populares:
Tabela 01: Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais
ANO
Antes
de 1969
19691972
19731976
19771980
19811984
19851988
19891992
19931996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
TOTAL
COHAB-LD
Conjuntos Unidades
-
COHABAN/INOCOOP
Conjuntos Unidades
-
ÓRGÃOS
COHAPAR
Conjuntos Unidades
1
228
IPE-PR
Conjuntos Unidades
-
TOTAL
Conjuntos Unidades
1
228
6
576
-
-
2
67
-
-
8
643
8
773
2
291
-
-
-
-
10
1064
18
10301
2
928
-
-
-
-
20
11229
14
7364
2
349
-
-
-
-
16
7713
21
2096
2
367
-
-
4
702
27
3165
36
1
4
666
-
-
-
-
40
7154
5
202
1
486
3
573
-
-
9
1261
1
1
1
2
113
10
185
360
548
28903
13
3087
1
1
6
2
1
17
94
441
160
99
80
1742
4
702
1
1
2
7
4
1
147
10
94
656
520
647
80
34434
6488
Fonte: Londrina Perfil – 2004, PML.
56
A atuação estatal na produção do espaço construído londrinense deu-se
principalmente através dos conjuntos habitacionais, atendendo a uma demanda latente que já
figurava no cenário municipal, manifestando-se nos loteamentos e nas ocupações irregulares
pelas camadas de baixo poder aquisitivo. Portanto, anterior a produção do espaço construído
pelo poder público local, foi a ocupação pelas populações recém chegadas do campo, que
vitimadas pelo êxodo rural se direcionavam para as cidades, sobretudo as médias, como
Londrina. Outros agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano foram os
grandes incorporadores que atuaram na área central e centro sul, principalmente através do
processo de verticalização, mais intenso a partir da década de 1980, fazendo com que
Londrina se destacasse no cenário nacional pela grande concentração de edifícios. A
conjugação de todas essas formas de atuação na produção do ambiente construído nos dá o
quadro que se figurava na Londrina do último quartel do século XX. A seguir abordar-se-á a
produção recente do espaço urbano londrinense nas três últimas décadas, objetivando
estabelecer parâmetros de análise bem como investigar a lógica propulsora dessa produção
social que é o espaço urbano.
O mapa a seguir (mapa 03) apresenta a evolução urbana da cidade de Londrina por
décadas. O núcleo na cor roxa corresponde ao perímetro inicial da cidade, estabelecido pela
CTNP, exatamente onde hoje está o centro histórico da cidade e a catedral. Da década de
1940 são, dentre outros locais, as adjacências da Viação Garcia e da Anderson Clayton, ao
longo da Avenida Celso Garcia Cid. Na década de 1940 tem início a expansão urbana além do
perímetro original estabelecido pela CTNP. A essa época a expansão ocorria de modo rápido
e desordenado, pois, não obedecia às linhas básicas do plano original. Tamanha foi a
intensidade da comercialização de novos lotes e a criação de novas vilas, a ponto do poder
público local proibir, no ano de 1948, “novos loteamentos nas adjacências da cidade”
(PRANDINI apud FRESCA, 2002, p. 243).
57
Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas. Fonte: Londrina IPPUL/PML, Plano
Diretor – 1998 (Figuras e Seções -Seção 5).
58
A expansão urbana da década de 1950 foi nitidamente superior a sua precedente.
Época em que Londrina ganhou o status de capital mundial do café, o crescimento urbano era
a expressão mais contundente da expansão econômica da cafeicultura londrinense. Os lucros
advindos da agricultura mudaram a face da cidade, tanto do ponto de vista econômico, quanto
social e paisagístico, é exemplo notório o fato de que na década de 1960 o número de casas de
alvenaria suplantou o número de casas de madeira, até então predominantes (FOLHA DE
LONDRINA, 1994, p. 51). Na década de 1960 a população da cidade quase dobra em relação
aos números de 1950. Agora com 134 mil habitantes, Londrina conhece uma série de grandes
transformações estruturais, dentre elas, Fresca (2002, p. 245) destaca as transformações
agrárias, sociais, econômicas e demográficas, que, em função da primazia da população
urbana sobre a rural, o que se deu em função do início da modernização e diversificação da
agricultura e com o fim da cafeicultura, inseriu a cidade num quadro caótico de crescimento
desordenado e de limitações infra-estruturais, o que se acentuava dia a dia com o aumento do
êxodo rural. Da década de 1960 data o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da
cidade, que em 1968, tinha por função disciplinar e racionalizar a expansão urbana, o uso do
solo, a circulação e os equipamentos básicos da cidade (FRESCA, 2002, p. 245 e 246). Ao
findar da década de 1960 a cidade estava abarrotada de populações empobrecidas e
desempregadas oriundas do campo, desprovida de recursos financeiros e de equipamentos
públicos, elas se instalavam nas áreas periféricas da cidade, inaugurando formas de
assentamentos urbanos segregados até então não tão comuns à realidade de outrora.
Representada na cor amarela, a expansão urbana da década de 1960 mais que duplicou a área
urbana do município de Londrina, foi inclusive proporcionalmente maior que o próprio
crescimento demográfico (vide tabela 02).
Em 1970, quando a cidade já possuía aproximadamente 228 mil habitantes, tem
início a construção dos conjuntos habitacionais nas áreas periféricas da cidade, aumentando
ainda mais a malha urbana. Esta forma de assentamento teve por objetivo atender à demanda
latente por moradias por parte das populações de baixa renda, o que, por conseguinte, atraía
mais habitantes para a cidade, aumentando a demanda incessantemente. Observe no mapa da
página anterior que essa expansão se caracterizou pela segregação espacial e pelo
distanciamento dos conjuntos habitacionais em relação ao centro da cidade, a fim de que
pudesse valorizar os lotes urbanos não ocupados existentes na faixa intermediária entre a
periferia e a área central. O padrão de ocupação da década de 1980 segue as mesmas linhas
gerais da década da anterior, mas foi inferior em termos absolutos, tanto em área ocupada
quanto em efetivos populacionais (vide tabela 02). Enquanto na década de 1970 foram
59
agregados 2.595 ha à cidade, na década de 1980 esse número caiu para 783 ha (FRESCA,
2002, p. 246 e 248).
Tabela 02 – Evolução demográfica do Município de Londrina
URBANA
ANO
Nº
RURAL
%
Nº
Taxa de
TOTAL
%
Nº
%
crescimento
geométrico
1940
11.175
36,90
19.103
63,09
30.278
100,00
-
1950
34.230
47,93
37.182
52,07
71.412
100,00
-
1960
77.382
57,40
57.439
42,60
134.821
100,00
6,60
1970
163.528
71,69
64.573
28,31
228.101
100,00
5,40
1980
266.940
88,48
34.771
11,52
301.711
100,00
2,82
1991
366.676
94,00
23.424
6,00
390.100
100,00
2,36
1996
396.121
96,02
16.432
3,98
412.553
100,00
-
2000
433.369
96,94
13.696
3,06
447.065
100,00
2,02
2003
-
-
-
-
467.334*
100,00
-
2007
-
-
-
-
497.000*
100,00
-
Fonte: Perfil de Londrina (2007, p. 14). Modificada - Censos Demográficos 1950, 1960, 1970, 1980, 1991;
Contagem da População 1996 e 2007; Censo Demográfico 2000 – IBGE.
* Estimativa da População IBGE – 2003 e 2007, respectivamente.
Na década de 1990 o crescimento absoluto não se estendeu em demasia sobre os
limites do perímetro urbano, com exceção de alguns locais onde a urbanização ultrapassou os
limites alcançados pela década anterior. Durante a década de 1990, grande parte dos lotes
vazios reservados nas décadas anteriores foram ocupados pelo poder público local e pela
iniciativa privada. A iniciativa privada se destacou com a venda de lotes residenciais e
comerciais, impulsionando a construção civil, que, todavia, teve seu “boom” nos anos 1980,
quando empregou mais de 12 mil trabalhadores, atingindo uma marca de aproximadamente
800 prédios com mais de 3 pavimentos, consagrando a cidade em nível nacional quanto a
verticalização. Na década de 1990 houve um decréscimo na construção civil em relação aos
indicadores da década anterior, mas, apesar disso, o setor continuaria sendo promissor de
acordo com os analistas daquela época. Atualmente Londrina é a 7ª do país em número
absoluto de prédios e a 12ª no mundo na relação entre edifícios e população, e como predito
pelos analistas dos anos 1990, a cidade continuou com um ritmo acelerado no setor
60
imobiliário, agora mais sólido e consistente que antes, é a opinião atual dos analistas e
empreendedores e dos grandes incorporadores urbanos (FOLHA DE LONDRINA, 2007).
No capítulo seguinte abordar-se-á a produção social recente do espaço urbano
londrinense a partir do enfoque de determinada área da cidade, especificamente da Zona Leste
e das incorporações e das mudanças em termos de uso e ocupação do solo que correspondem
a essa área, seja por meio da atuação do poder público local ou de investidores privados.
61
4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO
ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA.
4.1. Introdução
Nesse capítulo discorreremos acerca do processo recente de valorização e
revalorização espacial pelo qual tem passado a produção social do espaço urbano em parte da
Zona Leste de Londrina. Do início de nossa pesquisa até sua finalização, a área já sofreu
significativas mudanças e, tudo isso ainda é apenas uma fase inicial desse processo. Tais
mudanças têm contribuído para a alta no preço dos terrenos e para a “euforia imobiliária”
dentre a classe incorporadora que, no espaço urbano, em diferentes formas e intensidades,
induzem cada vez mais a valorização da área e vendem uma imagem de rentabilidade e de
retorno seguro entre a classe dos investidores de diferentes segmentos e de diferentes
potenciais. Nas últimas semanas iniciou-se a terraplanagem do terreno onde será construído o
Complexo Marco Zero, esta ponta do “iceberg” faz da área um ativo canteiro de obras,
potencialmente, uma das áreas mais promissoras e mais atrativas da cidade nos anos
vindouros, de acordo com a Imobiliária Raul Fulgêncio, tanto no que se refere à valorização
no e do espaço e quanto à renovação urbana. Semelhantemente, a construção da Universidade
Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), já em fase avançada, e com previsão de ser
entregue no início do ano de 2009, também tem alavancado a produção de novas moradias e a
incorporação de novas áreas por meio do lançamento de loteamentos e condomínios fechados
horizontais e verticais, públicos e privados. Tais fatores têm contribuído diretamente para o
aumento do valor dos lotes de terra da área e conseqüentemente para especulação imobiliária
que se realiza a passos galopantes.
Esse capítulo tem por objetivo analisar esse processo e investigar o papel da mídia
local e do discurso hegemônico - através dos principais jornais locais e do discurso oficial da
cidade, isto é, aquele veiculado pela mídia eletrônica oficial da Prefeitura Municipal de
Londrina (Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal) -, indutor de investimentos e de
interesses, enquanto um catalisador da valorização do espaço urbano e da atratividade de
investimentos para a área. Por discurso hegemônico compreendemos tanto o discurso oficialpolítico como o discurso burguês dos incorporadores e imobiliaristas de médio e grande porte,
transmitidos diariamente pela mass media, que de maneira direta ou indireta tem atuado na
área.
62
Nossa investigação será empiricamente subsidiada por levantamentos de uso do solo
nas principais avenidas da Zona Leste, por entrevistas junto aos comerciantes e
empreendedores locais, bem como pelo zoneamento urbano realizados pelo Instituto de
Pesquisas e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL). Espera-se assim poder compreender
o processo de produção do espaço na Zona Leste de Londrina por meio dos instrumentais e da
leitura geográfica da realidade. No mapa abaixo (mapa 04) estabelecemos a delimitação
espacial da pesquisa, a qual foi escolhida por se enquadrar na área receptora dessa nova onda
de investimentos tal qual identificada durante este trabalho. Esta área da Zona Leste se
caracteriza por certas semelhanças e articulações, sejam elas espaciais e econômicas, mas que
no nível do planejamento econômico público e privado parece, a nosso ver, ser alvo de intensa
especulação e interesses imobiliários.
Num primeiro momento discorreremos acerca da ordem do discurso no espaço
urbano burguês e da lógica da especulação imobiliária e da produção capitalista do espaço
urbano em tempos de globalização, reestruturação e renovação do espaço intra-urbano. Uma
ordem processual que tem como centro gravitacional o capital incorporador, a coalizão entre
diferentes forças que atuam no mesmo mercado, e dentre elas as forças políticas representadas
pelo poder público local, e como epicentro do fenômeno o ponto de extravaso potencialmente
representado, neste caso, pela nossa área de estudo na Zona Leste da cidade de Londrina.
No mapa 05 identificamos a regionalização do município proposta pelo IBGE. Esta
regionalização censitária reuniu diferentes bairros, conjuntos habitacionais, residenciais,
jardins, e condomínios residenciais da cidade sobre um mesmo contexto, denominando-os de
bairros (setores censitários), os quais podem ser verificados no mapa 03. A justificativa
seriam as semelhanças quanto às condições sócio-econômicas dos respectivos moradores. Em
muitos casos mais de um bairro, vila, conjunto habitacional, residencial ou jardim foi
agrupado e recebeu a mesma denominação, em outros casos, um mesmo bairro foi dividido,
situando-se parte num setor e parte em outro. Nossa delimitação corresponde aos seguintes
bairros da Zona Leste da cidade: Ernani, Lon Rita, Antares, HU, Brasília e partes do
Fraternidade e do Interlagos. Uma outra regionalização possível para a cidade é a proposta da
Secretaria de Planejamento que subdivide as Zonas Leste, Oeste, Norte, Sul e Centro em
microrregiões. A Zona Leste foi dividida em 4 microrregiões. Interessa-nos aqui a
microrregião Leste 2 formada pela totalidade dos setores Ernani, Londrina Rita, Antares, e
trechos do Brasília (também formador da microrregião Leste 1), Fraternidade e Interlagos
(formadores da microrregião Leste 3) (mapa 06).
63
Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município de
Londrina. Fonte: IPPUL (2007); IBGE (2000), organizado por SILVA, Leandro H. da. Espaço e
Trabalho: uma análise geográfica dos trabalhadores em Londrina. 2007. 86 p. Monografia de
Bacharel - UEL.
64
Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários). Delimitação espacial da pesquisa
em tracejado preto na área azul do mapa: Zona Leste. Fonte: IPPUL.
65
A Zona Leste da cidade está subdivida em 4 microrregiões. Nosso foco de análise
tem como referencial toda a microrregião Leste 2, e parcialmente Leste1 e Leste 3,
respectivamente nessa ordem de importância, em função da localização dos objetos aqui
abordados. Para fins metodológicos tomamos como referenciais de análise os principais
investimentos na Zona Leste, dentre eles os cinco condomínios residenciais horizontais, os
loteamentos, os conjuntos habitacionais e dois dos principais estabelecimentos comerciais e
prestador de serviços da área. Acreditamos assim, corroborar com as premissas deste trabalho.
Inicialmente a análise se concentrará sobre o caso do Complexo Marco Zero (setor
Fraternidade – Leste 3) e da UTFPR (setor Londrina Rita – Leste 2), enquanto os dois
principais fatores propulsores da atual revalorização espacial e pelo potencial latente da área,
realidade conhecida por analistas urbanos e imobiliárias, mas que agora se prepara para a
intensificação dos investimentos imobiliários e para os impactos da reestruturação e
renovação urbanas.
Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores
Censitários. Fonte: IPPUL – Plano Diretor de 1998.
A carta acima apresenta o zoneamento urbano na microrregião Leste 2 e em trechos
das microrregiões Leste 1 e Leste 3 da cidade de Londrina. Este Zoneamento é um produto do
66
Plano Diretor de 1998. E de acordo com a Lei 7.485 de 20 de Julho de 1998, que dispõe sobre
o Uso e Ocupação do Solo na Zona Urbana e de Expansão Urbana, identificaremos as
seguintes zonas do mapa acima. São elas:
• ZR 3 (creme, predominante no mapa) - Zona Residencial 3;
• ZR 4 – (amarelo) - Zona Residencial 4;
• ZC 3 – (azul claro) – Zona Comercial 3;
• ZC 4 (marrom) - Zona Comercial 4;
• ZC 6 (vermelho) – Zona Comercial 6;
• ZE 3 (verde claro) - Zona Especial de Fundo de Vale e de Preservação Ambiental
De acordo com a Lei 7.485, os lotes da ZR 3, destinam-se ao uso residencial de
média densidade. Deverão ter no mínimo 250 m2, não sendo permitida a habitação vertical
coletiva, exceto se forem construídas nas quadras com frente para vias arteriais (Avenida São
João) e estruturais, permitindo-se somente até quatro pavimentos. Já na ZR 4 os lotes,
destinados ao uso residencial de média densidade, deverão ter no mínimo 360 m2, tendo uma
taxa de ocupação média dos terrenos maior que a da ZR 3, o que se deve a maior escassez de
terrenos nesta área. A Zona Comercial 3 consiste numa Zona de apoio à Zona Central, com
atividades semelhantes às da área central, ao longo dos corredores viários e áreas centrais de
bairros, visa a estimular a concentração de atividades que exigem áreas mais amplas e que
apresentem características incômodas ou inadequadas à área central. A Zona Comercial 4,
consiste numa zona corredor ao longo do sistema viário e do centro de bairros, visa a
estimular a concentração de usos variados, fortalecendo a centralidade, devendo seus lotes
serem de no mínimo 360 m2, possuindo um maior coeficiente de aproveitamento dos terrenos
que em relação às demais zonas. A Zona Comercial 6 engloba a todos os lotes com testada
para determinadas ruas e avenidas, sendo uma delas a Avenida São João. Nesta Zona os lotes
deverão ter um tamanho mínimo de 250 m2, e uma taxa de ocupação menor que a das duas
Zonas anteriores. Há certa maleabilidade pelo dispositivo da política de uso e ocupação do
solo urbano, pois, nesta área, as edificações mistas deverão atender aos parâmetros da zona
comercial, e as edificações estritamente residenciais deverão adotar as normas para a zona que
as envolve. Assim, ela se constitui num espaço de exceção dentro da Zona maior em que se
situar. Também identificou-se a existência de Zona Especial 3 nas margens do Córrego
Cafezal e Barreiro, preservadas pelo poder público local como área de preservação ambiental
67
não-edificável. Por fim, com a área devidamente estabelecida e reconhecida de acordo com a
proposta do Plano Diretor de 1998, iniciamos a discussão de nosso objeto de estudo.
4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do
espaço urbano burguês e a renda da terra urbana
O pensador francês Pierre Bordieu (apud CARVALHO e CARVALHO, 1998, p. 39),
afirma que os símbolos são instrumentos por excelência da integração social, eles tornam
possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para
a reprodução e a continuidade da ordem social. Classe dominada e classe dominante chegam a
um consenso, todavia mudo e passivo para a primeira e ativo no caso da segunda, a qual
determina a posição das “cartas sobre a mesa” e induz os esquemas políticos em seu favor.
Toda uma lógica do saber competente impregna o planejamento e a gestão urbana da cidade,
estratégias de planejamento e ação são confiadas aos dirigentes políticos e apropriadas pelas
elites, conservadoras ou progressistas, dominantes inclusive da própria direção do processo de
produção do espaço urbano.
Esse tipo de planejamento, ainda nos dias de hoje, assume um tom funcionalista,
organicista, ao estilo lecorbusiano de se construir e de se arquitetar no urbano. Assim o saber
competente, como que se agisse num espaço neutro, sem rugosidades e desfragmentado, põe
em ação a lógica da acumulação do capital, fazendo da cidade uma aglomeração para a
produção e reprodução ampliada do capital em detrimento do provimento de equipamentos
coletivos destinados à população em geral (CARVALHO e CARVALHO, 1998). Esse parece
ser o tom da produção do espaço urbano hoje em Londrina, quando a população relativamente
despolitizada, inconsciente de seus deveres e direitos políticos e de seu papel enquanto um
agente ativo, aceita passivamente os termos do planejamento estratégico empresarial, e
ideologicamente orientada e desgastada reconhece o papel e a pseudonecessidade de um
planejamento de “cima para baixo”, internaliza essas condições como necessárias e as únicas
possíveis, pois já se apresenta descrente de atuações mais justas e socialmente engajadas e
compromissadas.
A mídia local e oficial, isto é, os jornais impressos e o núcleo de comunicação da
prefeitura municipal da cidade de Londrina veiculam diariamente toda uma matriz ideológica
que, gradativamente constroem um senso e um consenso, nos termos de Pierre Bordieau, bem
como uma “opinião formada” entre os sujeitos da mass media. A aceitação dos termos e das
68
propostas, bem como a internalização de toda a ideologia canalizada aos seus sujeitos-objetos,
fazem sucumbir a conscientização e a construção de um pensamento autônomo e legítimo
entre as classes sociais. Fazem do citadino um ser genérico, um consumidor “(in)consciente”,
um usuário inconsciente, cego frente à sua própria realidade, já perdida de vista pela venda da
ideologia reinante e onipresente da mass media. Seres sociais que inclusive parecem perder
sua situação de classe social, porque, homogeneamente orientados enquanto genéricos se
reconhecem na própria subsunção que, a despeito de toda contradição e oposição, lhes é
alheia uma vez que lhes fazem a cada dia, com cada bombardeio de informações, notícias,
propagandas, signos, seres cada vez mais genéricos e autômatos. Assim, um projeto burguês
recebe a roupagem de um sonho histórico do povo londrinense. Tal é o caso do Teatro
Municipal, que travestido nas palavras do atual Prefeito Nedson Michelleti (PT) e do
Deputado Federal André Vargas (PT), trata-se de um “sonho” de longa data e de toda a cidade
que agora se torna um “milagre” diante dos olhos do cidadão londrinense12.
À esta ordem discursiva vem justapor-se a lógica da especulação imobiliária. A
realização prática desse processo encontra fundamento no investimento na terra e, por
conseguinte, na agregação de valor ao espaço urbano, o que, segundo Oliveira (1978, p. 76),
obrigatoriamente ampliará o processo capital-dinheiro através da apropriação da renda
fundiária e o próprio valor de um pedaço de terra. Oliveira (1978), concorda com as apalavras
de Marx (apud OLIVEIRA, 1978, p. 79), para quem a renda dos terrenos para construção,
como a de todos os terrenos não-agrícolas, se baseia na renda dos terrenos agrícolas,
caracterizando-se: “(1) pela influência decisiva da localização sobre a renda diferencial” [...],
“(2) por evidenciar a passividade total do proprietário, que se limita [...] a explorar o
progresso do desenvolvimento social para o qual em nada contribui e no qual nada arrisca
[...]”, e “3) pelo predomínio do preço de monopólio em muitos casos, sobretudo na exploração
mais imprudente da miséria [...]”. (OLIVEIRA, 1978, p. 79)
Marx já reconhecera na exploração da terra um meio de reprodução e de extração e o
espaço como um “[...] elemento necessário a toda produção e a toda atividade humana”. Os
primeiros termos desse processo são reconhecidos no fato de que “a procura de terrenos para
12
Matérias veiculadas pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina: “É um privilégio
participar da história da cidade”. Arquivo de notícias, 27 de mar. de 2007. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16733. Acessado em:
13 de set. de 2008; “Arquiteto de SP vence concurso para o Teatro Municipal”. Arquivo de notícias, 23 de mar.
de 2007. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16699. Acessado em:
13 de set. de 2008; e pelo Jornal Folha de Londrina: “Teatro Municipal: recursos garantidos”, Arquivo da Folha:
“Especial - Londrina, 73 anos”, 10 de dezembro de 2007. Disponível em:
http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=38635LINKCHMdt=20071210. Acessado em: 13 de set. de 2008.
69
construir aumenta o valor do solo na função de espaço de base, e ao mesmo tempo faz crescer
a procura de elementos da terra que servem de material de construção” (MARX apud
OLIVEIRA, 1978, p. 80). Um processo contínuo e “sustentado” em si mesmo que, através da
propriedade da terra dissimula a realidade “[...] pela circunstância de a renda capitalizada, isto
é, esse tributo capitalizado, aparecer na forma de preço da terra e esta poder ser vendida como
qualquer outro artigo do comércio” (MARX apud OLIVEIRA, 1978, p. 80). Assim, a renda –
nada além da mais-valia apropriada - aparece como juro do capital com o qual se comprou a
terra e, por conseguinte, o direito à renda. Enfim, o preço da terra aparece sempre como renda
capitalizada (OLIVEIRA, 1978, p. 81).
A renda da terra, entenda-se renda diferencial no caso da terra urbana, surge a partir
da diferença entre um preço individual de um capital particular e o preço geral do capital total.
Esta regulação tem por base o valor mais alto e melhor uso futuro, em que pese toda a
expectativa e especulação no mercado de terras. Em casos excepcionais a renda absoluta
também pode ser auferida, quando em determinadas condições o detentor do monopólio pode
determinar o preço a revelia do preço geral da produção. Por isso, “no entender de Marx a
propriedade privada seria um obstáculo que quando confronta-se com o capital não permite
um novo investimento sem que haja uma taxa, sem demandar uma renda” (GIL FILHO, 1997,
p. 20). Num outro sentido, a propriedade privada, a localização e a escassez de locais
favoráveis em relação às infra-estruturas, “[...] permitem a recepção de benefícios na medida
em que os proprietários possam influenciar a ação do Estado ou da iniciativa privada para que
através da especulação possam adquirir maiores excedentes” (GIL FILHO, 1997, p. 20). Tal é
o caso das benfeitorias que sucederam a escolha do local para a construção da UTFPR,
quando o poder público local e o governo estadual garantiram o asfaltamento e a duplicação
de vias próximas a Universidade, tendo por finalidade atender as demandas futuras exigidas
pela mesma. O setor privado também tem atuado nesse sentido, é o caso da futura construção
de um loteamento fechado nas proximidades da UTFPR. Assunto que será tratado mais
adiante.
Gil Filho (1997, p. 21), distingue a ocorrência de rendas absolutas e de monopólios
das rendas diferencias em face do uso que dele é/ou será feito. Diz o autor que quando há
predomínio da renda absoluta na formulação do valor do solo urbano, é o valor do solo que
determina o uso. Isso ocorre, na opinião de Singer (1980, p. 82), quando a localização
privilegia o proprietário e lhe permite cobrar preços acima dos que a concorrência
normalmente forma no resto do mercado. Mas quando predominam as rendas diferenciais
70
então é o uso que vai determinar o valor, havendo, portanto, competição entre os proprietários
das glebas. E prossegue:
Em muitas situações a especulação proporciona um bloqueio no valor de uso
do solo em determinada área. Sendo assim, a necessidade de usos mais altos
proporciona um aumento no valor de uso de áreas adjacentes
antecipadamente, o que acarreta em um aumento do preço dos terrenos (GIL
FILHO, 1997, p. 21).
Desse modo, muitas decisões sobre alocação de terrenos são tomadas a partir da
possibilidade de aumentos iminentes do valor do solo, todavia, o “valor incerto” desencoraja a
renovação, deixando o proprietário sua propriedade reservada para um uso futuro melhor.
Mas, os construtores necessitando de solo para uso inferior são levados a utilizar o solo em
um outro local lançando assim o seu “valor incerto” sobre o seguinte uso inferior, resultando
na expansão da área urbana. Foi o caso de alguns loteamentos na Zona Leste de Londrina, que
de acordo com essa lógica foram compelidos a, num primeiro momento, lotear terrenos na
periferia da Zona Urbana para uma classe menos provida de recursos financeiros, portanto,
para um uso inferior, por exemplo, o Residencial Abussafe, lançado pela Construtora
Abussafe. Num segundo momento tem-se o lançamento do Residencial Portal dos Pioneiros
pela Construtora PROTENGE, numa área mais próxima da UTFPR e menos periférica,
destinada a uma classe relativamente mais abastada que a classe atendida pela Construtora
Abussafe, tendo em vista o valor dos terrenos. O que se verifica é que a segunda gleba de
terra ficou reservada aguardando o momento oportuno, isto é, o momento da construção da
UTFPR e, por conta disso, um uso imediatamente superior, pois cada utilização de terra altera
o preço da mesma e de todos os outros lotes de terra próximos a ela.
Tal como propôs Silva (1992, p. 55) o preço de um terreno a ser negociado envolve
dois componentes: o valor potencial e a expectativa de valorização futura. De acordo com
esse autor, “o valor potencial reflete certas condições histórico-institucionais inerentes ao
mercado de terra e que estabelecem um preço inicial abaixo do qual a mesma não é
negociada”, baseia-se, portanto, na capacidade dos proprietários fundiários de influenciarem o
uso que se dá a terra. Já em relação à expectativa de valorização futura de terrenos, tem-se que
esta pode variar a partir das vantagens proporcionais às modificações no ambiente construído
e às vantagens locacionais que possam surgir.
Oliveira (1978, p. 78), demonstra de maneira clara que a oferta de lotes deve ser,
sempre que possível, inferior à procura, colocando apenas parte da gleba à venda, e
justamente, o que ocorre com freqüência, as “piores” áreas em termos de localização dentro
71
da mesma. E lembra-nos que “[...] mesmo dentro das áreas vendidas são reservados lotes
estrategicamente localizados, que aguardarão a procura de pequenos ou médios comerciantes
[...]” ou de qualquer outro empreendedor disposto a pagar mais - o que se deve ao fator renda
diferencial - por um uso já consolidado e pela garantia de um mercado consumidor local. E
assim se vai até o fim das últimas áreas ou lotes, levando à evolução dos preços das áreas
melhor localizadas numa escalada vertiginosa.
Verificamos esse fato também na Zona Leste de Londrina, onde atualmente as
últimas glebas de terra ainda não loteadas situam-se nas melhores áreas tanto do ponto de
vista da localização quanto em relação às características topográficas. Trata-se da última área
ainda não loteada, situada entre as avenidas Jamil Scaf (nas proximidades da UTFPR) e São
João (traçadas em amarelo) e no topo do espigão divisor de águas da microbacia dos córregos
Cafezal e Barreiro (áreas em verde escuro) (figura 01).
Figura 01: Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e
Jamil Scaff (Fonte: Google Earth imagens).
72
4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do
Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná
Londrina, a despeito de toda insegurança com relação ao planejamento e a gestão
pública, vive um momento positivo e promissor no que concerne ao mercado imobiliário e à
reestruturação e renovação urbana, que em diferentes intensidades ocorrem estrategicamente
por toda a cidade atendendo à dinâmica lógica capitalista de produção e valorização do
espaço. Essa realidade tem seguido uma tendência maior e geral no sentido da formação
sócio-espacial e, posto que, de acordo com Gottdiener (1997, p. 66), ocorrem “[...] mudanças
importantes da padronização social e da reestruturação urbana porque são funções de
mudança do sistema social maior, e não porque sejam produtos internos aos próprios
lugares.”. Apesar da realidade particular estudada por esse autor, acreditamos ser essa a
tendência geral na qual encontra-se inserido não só o processo de produção do espaço urbano
na cidade de Londrina como também em outras cidades brasileiras.
De acordo com a matéria de capa da Revista Exame de junho de 2007, “o setor
imobiliário brasileiro vive a maior euforia das últimas décadas”, o que, de acordo com
analistas, pode mudar para melhor a economia brasileira. Na opinião do economista e exministro da fazenda Antonio Delfim Netto, “o setor imobiliário, afinal, decolou. E isso muda
tudo na economia de um país”. Na cidade de São Paulo, epicentro do “boom” imobiliário, é
lançado um prédio novo por dia, ritmo mais de duas vezes superior ao do ano de 2006
(EXAME, jun. 2007, p. 24). Essa realidade não se limita apenas às grandes incorporações e
aos grandes empreendimentos imobiliários, mas também tem sido uma constante entre os
programas de aquisição da casa própria por famílias de baixa renda. Esse mercado potencial
tem sido aventado pelas grandes incorporadoras, que sabem que “descer na pirâmide social
brasileira é crucial para o crescimento dos negócios”, o que as levou a intensificarem os
investimentos em moradias entre 50.000 e 120.000 reais (EXAME, jun. 2007, p. 26).
Correlato à dinâmica do setor imobiliário, vários outros setores da economia também são
movimentados, o que se deve em razão de suas ramificações, por exemplo, indústrias da
construção civil, de materiais de construção, de cozinhas planejadas, de móveis, de
eletrodomésticos, escritórios de engenharia e arquitetura, dentre outras. A opinião dos
analistas é de que se trata de um ciclo virtuoso e não apenas de um pico ocasional, muitos
brasileiros ainda estão fora do mercado e o déficit habitacional ainda atinge o patamar de mais
de 8 milhões de moradias, o que no entanto, por se tratarem de famílias de baixa renda
significam financiamentos por parte do governo (EXAME, jun. 2007, p. 24). De acordo com
73
estimativas da Fundação Getúlio Vargas – Projetos, o fluxo anual de crédito imobiliário irá
crescer dos 16 bilhões atuais (computados em 2006) para 40 bilhões em 2010. Na esteira do
crescimento esperado, as apostas são de uma profunda reestruturação no mercado imobiliário
brasileiro.
Este movimento lógico da valorização do capital no espaço urbano, a partir da
intervenção mediadora do Estado por meio das políticas urbanas, visa a reprodução dos
investimentos pela integração de circuitos e momentos do capital em um único processo. O
Estado, principalmente o poder público local, e setor privado conjugam esforços num mesmo
sentido, o que, no espaço urbano se coadunam nas mesmas propostas e num processo
sincrônico. No caso londrinense, direcionam a renovação de zonas que apresentavam
estruturas morfológicas obsoletas13 - é o caso do terreno do Complexo Marco Zero (figura
02), onde funcionava uma antiga refinaria de óleo se soja, a Anderson Clayton -, mas que
estrategicamente localizadas e, com vantagens locacionais e logísticas, permitem maior
fluidez aos capitais ou a determinada circulação (ROBIRA, 2005, p. 12). Para essa autora, as
renovações urbanísticas “relâmpagos”, ao mesmo tempo em que re-capitalizam um territórioreserva, produzem outros lugares ou, no imediato, novos territórios-reserva, mas que enquanto
aguardam a revalorização e em virtude da falta de investimentos públicos constituem-se em
espaços progressivamente deteriorados (ROBIRA, 2005, p. 18).
13
Os incorporadores responsáveis pela construção e gestão do Complexo Marco Zero encontraram como
alternativa mais viável a edificação do complexo no terreno da antiga refinaria Anderson Clayton, seja pela
viabilidade logística, pela proximidade com o centro da cidade, mas, também, não menos importante, a pouca
disponibilidade de terras com localização “privilegiada” em termos centrais na cidade e, somando-se ao fato da
deterioração da área e da dificuldade encontrada pelo Grupo Wall Mart em construir na cidade de Londrina um
empreendimento comercial de grande porte, dificuldade até mesmo potencializada pelos comerciantes e poder
público locais, este terreno foi uma das poucas alternativas ao grupo, mas que agora se mostra a mais viável,
pois, como é sabido, o capital possui a capacidade de fazer a localização “acontecer”.
74
Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero (local onde se situava a antiga
refinaria de óleo de soja Anderson Clayton) (arquivo pessoal).
O terreno onde será edificado o Complexo Marco Zero encontra-se privilegiado em
sua localização, pois está próximo a duas grandes avenidas que conectam a cidade de Norte a
Sul e de leste a Oeste (figura 03), respectivamente as avenidas Dez de Dezembro e LesteOeste, dois grandes corredores de tráfego que permitem uma facilidade em termos logísticos e
de deslocamento viário, interligados por uma rotatória que, em função do aumento
exponencial do fluxo previsto com a construção do Complexo receberá sinalização
semafórica. O terreno também está muito próximo do Terminal Rodoviário José Garcia Villar
(na imagem a seguir, com cobertura prateada no canto superior esquerdo), além, é claro, de
situar-se a 900 metros do centro comercial da cidade (calçadão). Todavia, compondo esse
quadro logístico e estrategicamente otimizado, vem conjugar-se contrastes que remete-nos à
fala de Robira (2005, p. 18), pois antes que se cogitassem os planos para a área em questão,
suas imediações nas direções Norte, Nordeste e Leste, eram tratadas como áreas
economicamente deterioradas e marginalizadas.
75
Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo. (Fonte: Google Earth –
imagens).
Observa-se na imagem acima as edificações da antiga refinaria Anderson Clayton,
que já demolidas (como se verifica na figura 02) para dar lugar ao futuro empreendimento
comercial, cultural e empresarial Complexo Marco Zero. Outro aspecto a se destacar é a
proximidade com o marco zero da cidade de Londrina, porção de mata nativa imediatamente
ao Norte do terreno, onde se localiza a pedra fundamental da cidade, exatamente onde o
topógrafo da Companhia de Terras, o russo Alexander Razgulaeff, fincou o primeiro marco de
madeira no ano de 1929. (figura 04).
76
Figura 04 – Marco Zero de Londrina, edificado em área de mata nativa com
aproximadamente 40.000 m2 (Fonte: CODEL – Companhia de Desenvolvimento de
Londrina).
O Complexo Marco Zero constitui-se num centro empresarial, cultural e comercial,
pois, abrigará o Teatro Municipal, um shopping center com mais de 300 lojas voltadas para as
classes A e B, 12 salas de cinema, sete lojas âncoras, um hipermercado, um centro de
convenções para três mil pessoas, sete torres comerciais e residenciais de 20 andares, sendo
que dois prédios comerciais e cinco residenciais, além de hospital e faculdade14 (figura 05).
As condições necessárias para sua viabilização foram criadas pela conjugação dos poderes
públicos e privados atuantes na cidade, poder público local e empresários da cidade e de
outros lugares, como por exemplo, o Grupo WalMart, que tendo adquirido o Grupo
português Sonae Sierra, o qual administrará o shopping center, atuará no local com um
hipermercado pela bandeira BIG. A Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários, o grande grupo
gestor de toda a obra, está desde o início das negociações na vanguarda das decisões, foi este
grupo quem, inclusive, adquiriu o terreno doando-o mais tarde à Prefeitura Municipal de
Londrina para a construção do Teatro Municipal.
14
Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos
dias”. Disponível em:
http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de
set. de 2008.
77
Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero – centro de convenções, edifícios
residenciais e empresariais, hipermercado e Centro Cultural aos fundos. (Fonte:
http://www.cohabld.com.br/noticias_ver.asp?id=52)
Carlos (2005, p. 29), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar que o
processo de reprodução do capital realiza-se, hoje, através do setor financeiro, do Estado, do
lazer e turismo. De acordo com a autora, “o setor financeiro se realiza através do setor
imobiliário, investindo na compra de terra urbana para a produção dos edifícios corporativos,
que serão destinados ao mercado de locação”, e o setor de lazer e turismo por meio da venda
dos lugares para a realização de seu consumo produtivo (CARLOS, 2005, p. 29). Assim,
tendo em vista nossa realidade empírica e as condições gerais de mundialização e reprodução
do capital, concordamos com Carlos (2005, p. 30), para quem ‘[...] a produção da cidade
aparece como necessidade da reprodução do capital financeiro e, nesta exigência, a produção
de um “novo espaço”’, revelando, na própria reprodução da vida suas profundas contradições.
Nessa fase do capitalismo, a exemplo da crise imobiliária norte-americana e as medidas que
vem sendo tomadas por aquele Estado, vislumbra-se uma nova relação Estado-espaço, ou
Estado-capital financeiro, em que políticas públicas de produção de infra-estruturas e de
requalificação de áreas exprimem-se por meio de “parcerias” entre poder público e setores
privados da economia.
O capital que aquece o setor financeiro, especialmente o de shopping centers, no
Brasil vem principalmente dos Estados Unidos e do Canadá, e eles não investem sozinhos,
buscam parceiros nacionais que já tem o know-how, explica Luciana Lana, gerente de
marketing da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce)5. É o caso do shopping
que será construído no Complexo Marco Zero, que tem como investidores o grupo norte-
78
americano Developers Diversified Realty (DDR) e o Sonae Sierra, de Portugal, adquirido no
ano passado pelo grupo WalMart. Em Londrina, um dos parceiros é o imobiliarista Raul
Fulgêncio, que afirma que, além da disponibilidade de capital, há demanda na cidade por
novos empreendimentos15.
Atualmente a cidade vem passando por momentos agradáveis e promissores para a
classe dos investidores e dos grandes incorporadores de acordo com a mídia local e com o
discurso oficial. Na Segunda Feira de Imóveis realizada em maio de 2007, o Prefeito Nedson
Micheleti e o Deputado Federal André Vargas, ambos do Partido dos Trabalhadores,
destacaram o mercado imobiliário de Londrina como um dos segmentos de maior movimento
na economia da cidade, gerando riquezas, empregos e contribuindo para o desenvolvimento
socioeconômico da cidade, e que os setores da construção civil e de negócios imobiliários
estão vivendo um bom momento, como reflexo do aquecimento da economia registrado em
todo o país16.
O discurso da mass media veicula diariamente um considerado número de signos que
fertilizam nas mentes dos usuários toda uma ideologia e uma “auréola” cidadã ao redor da
maior transação imobiliária da cidade de Londrina, tal é o caso do Complexo Marco Zero, que
de acordo com o grupo gestor Raul Fulgêncio, trata-se do maior empreendimento imobiliário
já conhecido pela cidade e, na visão da Imobiliária, “um exercício de cidadania que integra
passado e presente na mesma visão de futuro”17, por se situar no local da primeira derrubada
de floresta nativa e da primeira edificação da atual Londrina, onde até hoje, agora um glamour
da classe imobiliarista, é preservado os aproximados 39.000 m2 de mata nativa do Marco
Zero, grande símbolo histórico e “natural” do empreendimento.
Carlos (2005, p. 30 e 31), afirma que o processo de reprodução do espaço urbano no
contexto mais amplo da urbanização sinaliza um novo momento do processo produtivo em
que novos ramos da economia ganham importância, trata-se, particularmente, do que se
chama de “nova economia”, contemplando, inclusive, o setor de lazer e turismo, resultando
também na redefinição de outros setores, como é o caso do comércio e dos serviços para
15
Matéria veiculada pelo Jornal de Londrina 16/03/2008: “Número de lojas em shoppings vai saltar 127% em
Londrina”. Disponível em:
http://portal.rpc.com.br/jl/manchete/conteudo.phtml?tl=1&id=747127&tit=Numero-de-lojas-em-shoppings-vaisaltar-127-em-Londrina. Acessado em 15 de set. de 2008.
16
Ver matéria veiculada pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina em 18/05/2007:
“Prefeito Nedson destaca a força do mercado imobiliário”. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=17394. Acessado em:
15 de set. de 2008.
17
“Um exercício de cidadania na maior transação imobiliária da história de Londrina”. Disponível em:
http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/empresa.php. Acessado em 15 de set. de 2008.
79
atender ao crescimento dessas atividades. Essa realidade é marcada pela introdução de
profundas transformações na vida cotidiana como decorrência de modificações nas práticas
sócio-espaciais, reveladas nas transformações nos usos do espaço, bem como das funções dos
bairros. E vai mais longe, ao discorrer sobre as práticas do capital financeiro em relação com
o plano local e com o plano político, numa espécie de tríade, em que o Estado garante as
infra-estruturas necessárias à realização dessa “nova economia”, sob o pretexto de uma
“necessidade coletiva”. Vê a autora (CARLOS, 2005, p. 31 e 32), no momento atual, a
passagem da aplicação do dinheiro do setor produtivo industrial ao capital financeiro, neste
caso, o setor imobiliário.
Eis uma nova mercadoria, o espaço enquanto “produto imobiliário”, momento
significativo e preferencial da realização do capital financeiro, capaz de criar as condições de
sua própria realização a partir da produção de lugares. Desse modo, a cidade passa a permitir
a continuidade do processo como articulação dos momentos da circulação-produçãodistribuição-consumo das mercadorias. Como coloca Carlos (2005, p. 36), a produção da
cidade enquanto negócio reflete a lógica contraditória da fragmentação sócio-espacial, uma
nova forma espacial construída segundo a lógica da reprodução que alia Estado e frações do
capital, criando condições necessárias à realização da totalidade do capital enquanto tal. Esse
momento tem como constante a modernização/flexibilização, o desenvolvimento técnico e a
nova hierarquia dos lugares, justapostos pela lógica da integração e desintegração, renovação
e deterioração que, concomitantes e diacronicamente convivem no movimento geral do
processo atual substantivador da urbanização.
O caso da Zona Leste é profícuo em demonstrar essa diacronia, pois, num mesmo
espaço fragmentado e segregador convivem diferentes densidades sócio-econômicas, qual
diacronia tende a se acentuar aceleradamente nos próximos anos tendo em vista os processos
que apenas se iniciam no local. A despeito das obras no terreno do Complexo Marco Zero
estarem em sua fase inicial de terraplanagem (figura 06), a “euforia” já se instala entre os
investidores, de todos os níveis, e os incorporadores, conduzindo o momento a um futuro
promissor tão desejado e planejado pelas estratégias de poder dominantes inerentes a elite
imobiliária e empresarial londrinense.
80
Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero: vista da parte Leste e da
parte Oeste do terreno, respectivamente. (Arquivo pessoal)
Na imagem acima verifica-se o trabalho de terraplanagem do terreno do futuro
Complexo Marco Zero, que de acordo com as estimativas do Grupo Raul Fulgêncio, deve
ficar pronto até março de 2010. Já o Teatro Municipal construído com recursos federais deve
ficar pronto até 2011, conforme afirma o Grupo Marco Zero, formado por um consórcio que
reúne as principais empresas do setor imobiliário envolvidas com o Complexo, dentre elas, a
Imobiliária Raul Fulgêncio. O terreno possui mais de 260 mil metros quadrados, dos quais, 80
mil metros quadrados serão utilizados na área do shopping de três pisos com mais de 180
lojas satélites, 20 mil metros quadrados no Teatro Municipal, 39 mil continuarão preservados
como área de mata nativa do Marco Zero - esses dois últimos foram doados para a Prefeitura
Municipal pelo Grupo Raul Fulgêncio - e quase 90 mil para projetos que estão sendo
definidos, além da área destinada ao boulevard com 700 metros de extensão e 26 metros de
largura, ao estacionamento para aproximadamente 2600 veículos e a praça18. Raul Fulgêncio,
o gestor do grupo que leva seu nome, aponta que ''o Marco Zero será um divisor de águas na
história de Londrina'', e que o empreendimento já pode ser considerado o maior do gênero no
Sul do país, com investimentos estimados em R$ 600 milhões de reais19.
Nessa grande mobilização de recursos e forças assimétricas, verifica-se a
convergência do poder público e do setor privado num mesmo sentido. Forças internas e
18
Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Sonae vai administrar Shopping do Marco
Zero”. Disponível em:
http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=715&local=noticias. Acessado em 15 de
set. de 2008.
19
Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos
dias”. Disponível em:
http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de
set. de 2008.
81
externas que direcionam e encaminham o projeto, objetivando resultados comuns, ao ponto de
perder-se de vista a alçada pública nos interstícios dos agentes privados. Nesse ponto,
recorremos a Damiani (2005, p. 43), para quem “na produção do espaço, tem-se a
possibilidade de decifrar a relação existente entre o político e o econômico, determinando a
direção, o perfil e o projeto envolvendo os recursos disponíveis”, e vai mais além ao afirmar
que “o Estado prepara o terreno, por exemplo, para numerosos investimentos urbanos [...],
grandes operações urbanas, redefinindo centralidades e a direção dos investimentos, a partir
de legislações pertinentes e investimentos programados” (DAMIANI, 2005, p. 43 e 44). Em
nosso caso, poder público local e capital incorporador programam os investimentos e
planejam estratégias, mas, a questão é saber qual das duas esferas sobrepõe-se uma a outra.
Questão que, acreditamos, não será respondida por este trabalho, dada a complexidade e a
realidade e a virtualidade que não nos é conhecida em sua totalidade, além, é claro, das
“coalizões” e das parcerias público-privadas que dificultam a real compreensão do peso de
cada um desses agentes no processo em questão.
Questões como essa, a despeito de qualquer pretensão exagerada, objetivamos
inquirir ao longo de nosso trabalho e, sabemos, não é tarefa de um único pesquisador ou
mesmo de uma única ciência. Sua complexidade e interdisciplinaridade, requer respostas mais
completas em interfaces disciplinares e investigações mais profundas que a nossa proposta
inicial e restrita a determinados aspectos da realidade. Esta tarefa ainda está por ser realizada
e perseguida, embora, a complexidade da realidade se renove a cada visada que a submeta, a
cada pesquisador que lhe indague. A esse respeito acreditamos na versão de Lefebvre em
relação ao obscurantismo político e econômico que, como uma neblina de fumaça, encortina a
realidade urbana, e segue afirmando:
O fenômeno urbano se apresenta, desse modo, como realidade global (ou, se
se quer assim falar: total) implicando o conjunto da prática social. Essa
globalidade não pode ser apreendida imediatamente. Convém proceder por
níveis e patamares, avançando em direção ao global. Percurso metodológico
difícil. A cada passo é preciso arriscar-se, evitando obstáculos e ciladas.
Ainda mais a medida que a cada tateamento, a cada avanço, surge uma
interpretação ideológica que imediatamente se converte em prática redutora
e parcial. Um bom exemplo dessas ideologias totalizadoras, correspondendo
a práticas mutiladoras, encontra-se nas representações do espaço econômico
e do planejamento que, pura e simplesmente, fazem o espaço urbano
específico desaparecer, ao assimilar o desenvolvimento social ao
crescimento industrial, ao subordinar a realidade urbana à planificação geral.
A política do espaço apenas o concebe como meio homogêneo e vazio, no
qual se estabelecem objetos, pessoas, máquinas, locais industriais, redes e
fluxos. Tal representação fundamenta-se numa logística de uma
82
racionalidade limitada, e motiva uma estratégia que destrói, reduzindo-os, os
espaços diferenciais do urbano e do ‘habitat’ (LEFEBVRE, 1999, p. 53).
Estarrecedora é a afirmação do autor supracitado, mas que em sua compreensão
dialética da totalidade do urbano, esclarece-nos a difícil tarefa que está posta diante daqueles
que se submetem à análise do urbano em sua totalidade social, econômica e política. No caso
londrinense, assim como nas metrópoles e nas demais cidades médias, a produção do espaço
urbano vem sendo marcada, cada vez mais, pela presença do capital incorporador. Por capital
incorporador entende-se, de acordo com Silva (1992, p. 54), aquele conjunto de frações de
capitais, responsável pela realização da gestão do capital-dinheiro em mercadoria, isto é, em
imóvel; pela localização e qualidade do bem imóvel a ser construído, assim como pelas
decisões de quem vai construir, a propaganda e a venda dos imóveis, incumbido da “grande
responsabilidade” de controlar o processo de valorização fundiária e dar início ao seu papel
no processo de segregação social do espaço urbano. Ou seja, “é ele então o responsável pelo
início, meio e fim do processo de produção do imobiliário” (SILVA, 1992, p. 54).
A essa altura, o solo urbano, um bem não-reproduzível torna-se numa mercadoria
passível de monopolização por parte do seu proprietário. Levando em consideração que o
terreno está associado à mercadoria produzida - o imóvel -, em nosso caso o Complexo Marco
Zero, “[...] a renovação do estoque de imóvel dependerá da superação do obstáculo da
propriedade. Tal situação determinará o aparecimento de um agente do circuito imobiliário
que viabilize o acesso de construtoras ao suporte físico de seu processo produtivo” (SILVA,
1992, p. 56). É onde entra o capital incorporador.
Silva (1992, p. 56), fundamentado no economista Martin Smolka, afirma que o
capital incorporador é aquele que desenvolve o espaço urbano, organizando os investimentos
privados no ambiente construído, especialmente aqueles destinados à produção imobiliária.
Ele se faz presente desde a compra dos terrenos até a contratação de consultoria, planejadoras,
edificadoras, agentes financeiros, promotores de venda, etc., podendo ser definido como
resultado da articulação desses diversos serviços/momentos, a fim de assumir o controle
econômico do processo de produção do imóvel.
Tal como propõe Silva (1992, p. 56 e 57), o movimento do capital incorporador está
associado a três momentos de valorização imobiliária:
I – alteração no preço inicial em relação ao preço negociado ao incorporador,
momento no qual as instituições tendem a impedir a incorporação individual,
83
contribuindo, desse modo, para a criação de um monopsônico20 mercado de terras
para aqueles que podem mudar o valor de uso delas;
II – variações no preço do terreno decorrentes das modificações no ambiente
construído ao longo dos anos, momento do qual, o incorporador tira grande
vantagem sobre o comprador, ao garantir-lhe a futura valorização do terreno,
dando a impressão ao proprietário de que a liquidez de seu terreno está sendo-lhe
assegurada;
III – valorização do terreno pelo incorporador alterando seus atributos, seus usos e
sua acessibilidade.
É a partir do investimento realizado com a aquisição do terreno para a exploração
imobiliária que o capital incorporador articula-se com o Estado para que este realize as obras
de infra-estrutura e atenda às demandas por serviços públicos demandadas por tais
empreendimentos (SILVA, 1992, p. 58). É muito válida a colocação de Silva (1992, p. 59),
quando diz que “para o capital incorporador o padrão de segregação pré-existente não é
nenhum empecilho no seu movimento de valorização sobre o espaço urbano”, pois, com isso,
as possibilidades de os incorporadores se apropriarem de ganhos fundiários se ampliam, já
que o poder de previsão dos proprietários sobre a futura valorização dos terrenos se mantém
reduzido, todavia, o capital incorporador só se concentrará nas áreas onde as possibilidades de
valorização são maiores a curto e médio prazo, e suas investidas variarão de acordo com as
características peculiares das áreas onde decidirem investir. Mesmo assim, bairros tidos como
indesejáveis podem ser promovidos na escala econômica através de uma diligente
modificação e ajustes nos tipos de empreendimentos oferecidos. Desse modo, pode o capital
incorporador utilizar-se da própria estratificação do espaço urbano em seu favor e redefinir a
própria condição de reprodução e expansão do espaço urbano (SILVA, 1992, p. 60 a 61).
O exemplo do Complexo Marco Zero é insigne ao se situar numa área envolta por
bairros socialmente periféricos, é o caso dos bairros (provenientes da divisão proposta pelo
IBGE) Fraternidade e Interlagos. Na divisão de bairros adotada para a cidade de Londrina
para a realização do Censo 2000, o IBGE dividiu a área urbana em 399 setores censitários
(mapa 07).
Observa-se no mapa a seguir que muitos setores dividiram bairros da cidade e outros
ultrapassaram fronteiras, isto é, os setores criados pelo IBGE na regionalização censitária
20
Situação de mercado em que há um só comprador de determinada mercadoria ou serviço.
84
sobrepuseram-se aos bairros já existentes na cidade, em alguns casos sobrepuseram-se ao
perímetro de mais de um bairro, resultando na seguinte setorização, com alguns desses setores
apresentando-se parte em um bairro e parte em outro. O mapa proposto apresenta um
agrupamento dos setores censitários, respeitando sempre que possível, a estruturação
reconhecida e aceita pelos londrinenses. A agregação dos setores censitários redesenhou a
cidade em 57 bairros. Assim, acreditamos poder situar o caso dos diversos bairros que fazem
parte do setor Brasília (onde se situa o terreno do Complexo), Interlagos e Fraternidade num
patamar aproximado no que diga respeito às condições socioeconômicas dos respectivos
moradores de cada setor, a fim de apreender e estabelecer uma possível dinâmica a ser
enfrentada pelo capital incorporador responsável pelo Complexo Marco Zero, tendo em vista
a proximidade dos setores com o terreno do Complexo e as potenciais contradições,
disparidades, conflitos e apropriações que possam proceder a partir dessa proximidade.
Nosso recorte espacial compreende os setores Lon Rita, Ernani, Antares, HU,
Brasília e parte do Interlagos e do Fraternidade. A divisão proposta pelo IBGE leva em conta
as condições sócio-econômicas dos moradores, agrupando-os nos seguintes setores conforme
a proximidade entre as variáveis. A despeito de homogeneizar essas condições, assumimos
essa regionalização, a priori, a fim de identificar a espacialização das condições sócioeconômicas dos moradores dentro de um quadro o mais parecido possível.
De acordo com as expectativas e com as declarações da mass media, analistas
urbanos acreditam que a Zona Leste deve se beneficiar com uma intensa valorização
imobiliária, fenômeno que ocorreu na Gleba Palhano após a inauguração do Shopping Catuaí.
As evidências já confirmam essa tendência que dia após dia se acentuam no local, tal é o caso
dos pequenos quarteirões comerciais nas proximidades do terreno, por exemplo, as lojas da
Av. Celso Garcia Cid que, também, incluem três fábricas que atendem todo o país com seus
produtos, sendo ela: Veltrac (sistemas inteligentes de geoprocessamentos para frotas
veiculares), Ello (fabricação e distribuição de aros de bicicletas), e Castofar (estofamentos,
poltronas e cadeiras); uma unidade da Faculdade Pitágoras em fase de instalação; uma loja
dos Correios, dentre outros comércios e pequenas indústrias, que atestam a facilidade de
deslocamento e de acessibilidade, na opinião dos comerciantes locais, além do potencial
comercial ainda não totalmente explorado e da pouca concorrência que ainda predomina no
local. Outro investimento que atesta o vigor residencial da área é o Villa Bella Residence da
MRV Engenharia e Participações S.A., num terreno de 18.154 m2 de frente para o futuro
shopping Marco Zero, com 352 unidades de 2 e 3 quartos, e ampla área de lazer e de
convivência para os condôminos. A maior atratividade do condomínio, destaca seus
85
corretores, é a proximidade com o futuro Shopping Marco Zero e as possibilidades de ampla
valorização futura da área.
Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco
Zero (em vermelho) no setor Fraternidade. (Fonte: IPPUL).
86
As alterações serão profundas e não se limitarão somente ao local epicentro dos
investimentos, toda a relação desta área com as demais áreas da cidade estarão envolvidas,
tendo suas acessibilidades fortemente alteradas pelas mudanças decorridas da incorporação
em outras áreas. Assim, o capital incorporador tem a propriedade de definir a dinâmica de
estruturação intra e extra-urbana da cidade como um todo (SILVA, 1992, p. 60). E de acordo
com informações do grupo português Sonae Sierra Brasil21, associado com o grupo Sonae
Sierra com sede em Portugal e com o Developers Diversified Realty (DDR) dos Estados
Unidos, grupos majoritariamente investidores nas cotas do projeto Marco Zero (detendo 80%
conjuntamente), em associação com o grupo local Raul Fulgêncio (20%), espera-se que o
Centro Comercial atenda uma clientela de mais de 1 milhão de pessoas num raio de 200
Km22, alcançando consumidores para além de Londrina, pois, de acordo com as informações
do site português do grupo, “Londrina é um importante pólo de desenvolvimento regional,
que exerce grande influência sobre todo o Paraná e região sul", afirma João Pessoa Jorge,
diretor geral executivo do grupo Sonae Sierra Brasil, grupo administrador e maior investidor
no shopping do Complexo Marco Zero23.
A despeito de todo o sucesso já alcançado e garantido com o Complexo Marco Zero,
a construção do Teatro Municipal - com recursos federais, inclusive já garantidos -, além das
obras de adequação viárias a serem realizadas nos principais eixos viários da Zona Leste e da
valorização imobiliária, não se pode perder de vista que, como adverte Duarte (1998, p. 15),
“lidamos de fato com uma forma que está se livrando, em certo sentido, do conteúdo. Até
mesmo porque podem estar nascendo brechas que o mercado vai deixando fora da
valorização”. O conteúdo, sabe-se, se renova em função das mudanças que acometem as
formas, sejam formas sociais, geográficas, materiais, etc., os níveis alcançados pelas forças
produtivas, as novas formas de relações sociais, as necessidades e desejos dos grupos, os
eventos, as mudanças partidárias e/ou políticas, os atores sociais e econômicos, seus papéis,
etc., tudo isso é, na verdade, conteúdo sensível que deve-se resgatar e levar em consideração,
21
É válido destacar que a rede de supermercados que o grupo detinha no Brasil foi vendida ao Grupo
WalMart, um total 140 unidades atuantes sob as bandeiras Mercadorama, Nacional, Maxxi Atacado, dentro
outros quatro centros de distribuição, além de três postos de combustível, sete restaurantes e um frigorífico. A
Aquisição foi feita por U$ 763,7 milhões. Assim, o grupo WalMart se consolida como a terceira maior rede de
supermercados no país, logo atrás do Carrefour e do Grupo Pão de Açúcar. Fonte: Folha de Londrina –
Economia
(15/12/2005):
“Wal-Mart
compra
lojas
do
grupo
Sonae”.
Disponível
em:
http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=11847LINKCHMdt=20051215. Acessado em 15 de set. de 2008.
22
Ver: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Raul fulgêncio – Negócio Imobiliários – Mídia
Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008.
23
Ver: “Sonae Sierra anuncia um novo centro comercial no Brasil”, São Paulo, 6 de Março de 2008. Disponível
em:http://www.sonaesierra.com/Web/ptPT/pressroom/news/2008/649/Sonae_Sierra_anuncia_um_novo_centro_
comercial_no_Brasil.aspx. Acessado em 15 de set. de 2008.
87
a não ser que tomemos os simulacros financeiros e culturais pela realidade final. A realidade
formal apenas não dá conta de responder pela complexidade e multidimensionalidade do
objeto estudado, além é claro, do que já salientamos, a forma é a realidade em sua
superficialidade e por si só não permite chegar ao fundamento e a explicação dos fatos, da
realidade, da totalidade que diga respeito ao fenômeno analisado. Todavia, partimos da forma
e da sua interdependência para com o sistema de ações, e sistema de objetos dialeticamente
interligados. O pensamento de Santos (2004a, p. 13), é esclarecedor ao observar que:
No espaço - que é uno mas diferenciado - impõe-se com mais força a
unidade prático-inerte do múltiplo a que se refere. O espaço se dá ao
conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de
virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada
instante, em função da força de cada qual. Podemos comparar essa situação
àquela com que Sartre [...] define o fenômeno da escassez. No dizer de
Sartre, nessa situação "cada qual sabe que figura como objeto no campo
prático do outro" e "isso mesmo impede os dois movimentos de unificação
prática de constituir com o mesmo entorno (environnement) dois campos de
ação diferentes".
Dá-se no espaço uma conjugação desigual de forças, uma justaposição de sujeitos
desiguais disputando o mesmo “pedaço de chão”, no entanto, a força e unidade do práticoinerte é maior. A correlação de forças é totalmente desequilibrada no que tange ao espaço
urbano e aos seus agentes, duas forças díspares são impedidas de se unificarem na prática e de
se constituírem enquanto tais - cada qual perseguindo seus objetivos e de acordo com suas
intencionalidade e potencialidades - no mesmo entorno de dois campos de ação também
díspares. A segregação, a partir desse momento está posta à mesa e, tendo em vista a rejeição
de uma intencionalidade pela outra, de uma ação pela outra, é levada aos extremos,
“empurrando os atores mais fracos para fora do cenário”, para onde, possivelmente, poderá
um dia se repetir a mesma cena.
Umas das grandes interrogações que todo geógrafo se propõe a responder, da qual
também não poderíamos prescindir, é saber “por que neste lugar e não em outro?”. Nosso
objetivo consiste em verificar os fatores que levaram o capital incorporador e o Estado a
investirem na Zona Leste da cidade de Londrina, seja no Complexo Marco Zero como na
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e, no caso do capital privado, em outros
investimentos espalhados pela Zona Leste. De acordo com Rigol (2005, p. 107): “a
desvalorização do capital nos centros urbanos seria o fator que criaria a oportunidade para o
reinvestimento, e nesse processo a chave estaria na relação entre valor da terra e do imóvel”.
Entenda-se que o valor das construções influencia a renda da terra a ser solicitada pelos
88
proprietários, e que as estratégias de valorização e revalorização do espaço urbano entendem
que
o
desinvestimento
programado
significam
reivestimentos
futuros,
assim,
o
desinvestimento produz a possibilidade de reinvestimento do capital a longo prazo e, tendo
em vista que a capacidade de obtenção de lucro no processo de reabilitação de determinadas
áreas da cidade dependem dos agentes que formam a oferta no mercado imobiliário, o
processo de atração de investimentos e de revalorização da área fica à deriva do capital
imobiliário que, invariavelmente, deseja a valorização da área e fará tudo que estiver ao seu
alcance para isso.
Corrêa (1986, p. 73), afirma que a periferia urbana tem sido objeto de práticas
territoriais e de acumulação de capital das classes dominantes, seja por meio da incorporação
e produção imobiliária, como pela extração da renda fundiária e da especulação. O Estado
capitalista - sobretudo na esfera municipal e estadual - também participa, permeado de
interesses fundiários e imobiliários, principalmente quando há possibilidades efetivas de
ampliar o espaço residencial para as classes médias, e investe maciçamente na infra-estrutura
da periferia, iniciando o processo de valorização da área em favor da periferia espacial e em
detrimento da periferia social, preparando caminho para o capital incorporador (CORRÊA,
1986, p. 75).
Gottdiener (1996, p. 22), escreveu que o mercado livre de terra sempre conduz à
especulação, pois, o imobiliário é sempre uma mercadoria e parte de um estoque de capital
(com um valor futuro) e tem o potencial da valorização, além de se constituir numa fonte de
riqueza para determinados indivíduos. O autor vê no capital incorporador uma combinação de
estruturas e ações porque incluem além de agentes imobiliários e setores da propriedade, os
bancos, os investidores públicos e privados, os especuladores de todo tipo, os
empreendedores, consultorias de engenharia e de negócios imobiliários, as companhias de
construção, as agências de financiamento, etc. Todo esse complexo compõe um segundo
circuito do capital combinado com o primeiro circuito da acumulação localizado na indústria
e nos serviços, cumpre, pois, um papel basilar no capitalismo. Dentre os inúmeros males
sociais causados por esse circuito, Gottdiener (1996, p. 23), afirma que ele impossibilita o
planejamento urbano adequado porque permite que especuladores ajam como atores que
decidem o crescimento futuro, deixando ao governo somente a difícil função de “administrar”
adequadamente o que já fora planejado previamente pelo capital incorporador e especulador.
Todavia, o Estado não é “cego” perante o encaminhamento da situação, muito menos
indiferente ao domínio do capital, antes, é conivente e, na maioria dos casos, parceiro do
capital privado. É, na verdade, um agente financiador da valorização e da especulação, bem
89
como viabilizador da reestruturação produtiva e da reestruturação e renovação urbana. Sem
seu papel o mercado perderia o ponto de equilíbrio nessa dinâmica estruturacionista e
relacional. É preciso de leis e regulamentações para que o capital possa planejar e agir em
“terreno seguro”.
No caso da Zona Leste de Londrina é notável a presença do Estado, isto é, do poder
público local, estadual e federal, no sentido de viabilizar e, mais que isso, engendrar a
valorização e a expansão urbana, pois, além de sua presença no Complexo Marco Zero com a
construção do Teatro Municipal24 e com a adequação viária dos principais corredores de
tráfego da Zona Leste25, dentre outros investimentos e melhorias, o Estado tem participado
diretamente e profundamente na área em total integração com o capital privado ao edificar a
UTFPR nas proximidades do Complexo (3,3 Km) e, além disso, viabilizar toda a infraestrutura a fim de que possa integrar funcionalmente a Universidade com o Complexo, e
ambos com o centro comercial da cidade e também com a cidade vizinha Ibiporã. Esta última
proposta ainda em fase de projeto, uma vez que as verbas ainda não foram disponibilizadas
pelo governo do Estado.
Todas obras relacionadas ao Teatro Municipal de incumbência do poder público
prevêem gastos de mais de R$ 20 milhões, dinheiro disponível em caixa, afirma o Prefeito
Nedson Michelleti. Conforme se verifica no Plano Plurianual Orçamentário de Londrina, do
qual destacamos os orçamentos do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste
(Tabela 03). Apesar de ser um orçamento prévio, vale destacá-lo como meio de expressar a
condução do projeto que está sendo gerido pela Prefeitura Municipal de Londrina. A área do
Teatro Municipal (figura 07) corresponderá a 20.000 m2 da área total do terreno. O prédio do
Teatro de acordo com a tabela 03 terá 10.000 m2 e será construído na parte mais alta do
terreno e mais próxima das avenidas Celso Garcia Cid e Dez de Dezembro. O responsável
pelo projeto e vencedor do concurso do qual participaram 104 candidatos, realizado para
escolha do melhor projeto, é o arquiteto paulista Thiago Nieves e sua equipe formada por
mais quatro arquitetos. O projeto do grupo paulista prevê três salas de espetáculos (a maior
24
Ver: “Bancada garante emenda de R$ 25 milhões para Teatro. Deputados e senadores do Paraná garantem
recursos da União para construção do Teatro Municipal de Londrina; Prefeito Nedson agradece união da
bancada
federal”.
Núcleo
de
Comunicação
da
PML,
22/11/2006.
Disponível
em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=14869. Acessado em:
15 de set. de 2008; e “Empresa de call center abre 2 mil vagas”. Folha de Londrina 02/04/2008, em que o
Prefeito Nedson afirma deixar R$ 21 milhões em caixa para as obras do Teatro. Disponível em:
http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?oper=ultimas&id=2035&dt=20080402. Acessado em 15 de set. de
2008.
25
Ver: “Prefeitura fará expansão viária na zona leste”. Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center.
Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008.
90
delas para 1200 pessoas), edifício didático/administrativo e um espaço que foi denominado
bulevar cultural. Este, definido basicamente por uma grande cobertura, é o articulador dos
outros integrantes do conjunto.
A tabela a seguir apresenta os gastos já orçados para a instalação do Teatro e do
Centro Cultural, que reunidos num só local farão parte do Teatro Municipal de Londrina. A
tabela foi destacada do Plano Plurianual 2006-2009 Orçamentário da Prefeitura Municipal de
Londrina, especificamente de sua seção “Metas e Prioridades da Administração Municipal”,
exclusivamente vinculada à Secretaria Municipal de Cultura / Fundo Especial de Incentivo à
Projetos Culturais. Todo projeto faz parte do Programa de Incentivo à Cultura e de
Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural da Secretaria Municipal de Cultura.
Este programa tem por objetivo:
Estimular a produção artística e cultural no Município através da
administração dos espaços e dos instrumentos afetos ao desenvolvimento das
atividades culturais. Promover a difusão da cultura e do conhecimento
através da realização de exposições, palestras e cursos. Apoiar a cultura e o
saber decorrentes das funções informativas, culturais, educativas, sociais e
recreativas, reunindo, organizando, armazenando e divulgando materiais
bibliográficos, visando à otimização destes, necessários para o
desenvolvimento pessoal, cultural, social e intelectual do indivíduo e da
comunidade. Promover a defesa, a documentação, a preservação e a
ampliação do patrimônio histórico e artístico-cultural do Município,
estabelecendo instrumentos seguros que contribuam com a manutenção da
herança cultural londrinense26.
A despeito dos jargões utilizados pelo discurso oficial vale lembrar que a mesma
postura e a mesma fala é utilizada quando refere-se ao Teatro Municipal, como um meio onde
se possam reunir todas as propostas e aplicar todos os objetivos culturais e sociais do
Programa, valorizando a cidadania e o cidadão londrinense.
Observa-se que para o ano de 2009 não há informação alguma tendo em vista o
término do atual mandato em 2008, o que pode vir a acarretar adições ao projeto haja vista a
mudança da prefeitura e com ela novas propostas acrescentadas, mas, fundamentalmente, o
Teatro, financiado com recursos federais, e atrelado ao Complexo Marco Zero já está
garantido, ainda mais se levarmos em conta o peso dos interesses privados, e que legalmente o
projeto já está iniciado desde os trabalhos dos projetistas, o que inviabilizaria mudanças
extremas de plano no próximo mandato.
26
Fonte: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005 - Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina
para o período de 2006 a 2009 - Programa de Incentivo à Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico e
Artístico-Cultural. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/programas_governo_final.php.
acessado em 15 de set. de 2008.
91
Tabela 03 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste
PLANO PLURIANUAL 2006 - 2009
ANEXO IV - METAS E PRIORIDADES DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL
0031 - PROGRAMA DE INCENTIVO À CULTURA E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO-CULTURAL
ÓRGÃO / UNIDADE: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A PROJETOS CULTURAIS
REGIÃO
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Centro
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
Leste
AÇÃO
UNIDADE DE MEDIDA
Construção Teatro Municipal
Desapropriar terreno
Construir o Teatro Municipal
Adquirir mobiliário
Adquirir computadores
Adquirir impressora a laser
Adquirir poltrona
Adquirir equipamento de iluminação
Adquirir equipamento de som
Adquirir climatizador
Construir palco
Construir arquibancada de madeira
Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação
Construção do Centro Cultural da Região Leste
Construir Centro Cultural
Adquirir mobiliário
Adquirir computadores
Adquirir impressora a laser
Adquirir poltronas
Adquirir equipamento de iluminação
Adquirir equipamento de som
Adquirir climatizador
Construir palco
Construir arquibancada de madeira
Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação
m²
m²
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
m²
m²
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
unidade
m²
m²
unidade
QUANTIFICAÇÃO DA AÇÃO
2006
2007
2008
2009
TOTAL
Física
R$
Física
R$ Física
R$ Física R$ Física
R$
7.500.000
4.915.000
5.000
0
12.420.000
14.043 3.000.000
0
0
0
0
0 0 14.043 3.000.000
10.000 4.500.000 10.000 4.500.000
0
0
0 0 20.000 9.000.000
0
0
20 21.000
0
0
0 0 20
21.000
0
0
2
5.000
2
5.000
0 0 4
10.000
0
0
1
2.000
0
0
0 0 1
2.000
0
0 800 84.000
0
0
0 0 800
84.000
0
0
1 47.000
0
0
0 0 1
47.000
0
0
1 52.000
0
0
0 0 1
52.000
0
0
1 54.000
0
0
0 0 1
54.000
0
0 120 40.000
0
0
0 0 120
40.000
0
0 120 60.000
0
0
0 0 120
60.000
0
0
1 50.000
0
0
0 0 1
50.000
0
0
1.593.000
0
1.593.000
0
0
0
0
1 1.392.000
0 0 1
1.392.000
0
0
0
0
73 19.000
0 0 73
19.000
0
0
0
0
2
5.000
0 0 2
5.000
0
0
0
0
1
2.000
0 0 1
2.000
0
0
0
0 170 18.000
0 0 170
18.000
0
0
0
0
1 24.000
0 0 1
24.000
0
0
0
0
1 26.000
0 0 1
26.000
0
0
0
0
1 27.000
0 0 1
27.000
0
0
0
0
80 20.000
0 0 80
20.000
0
0
0
0
80 30.000
0 0 80
30.000
0
0
0
0
1 30.000
0 0 1
30.000
Organização: AMORIM, Wagner V. FONTE: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período
de 2006 a 2009. PODER EXECUTIVO ADMINISTRAÇÃO DIRETA. ÓRGÃO: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A
PROJETOS CULTURAIS. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_cultura.php. Acessado em: 15 de set. de 2008.
92
Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica). Projeto
do arquiteto paulista Thiago Nieves. Fonte:
http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp. Acessado em: 10 de nov. de 2007.
Nas imagens a seguir (figura 08) observa-se a visualização interna (bulevar cultural)
da maquete eletrônica e sua perspectiva oblíqua e vertical, de acordo com o projeto do grupo
de arquitetos:
Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da
maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves.
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp
93
Nas imagens seguintes (figura 09 e 10) observa-se a área do terreno do Complexo
Marco Zero destinada à construção do Teatro Municipal, com obras de terraplanagem já
iniciadas no segundo semestre de 2008, situam-se na porção sudoeste do terreno, nas
proximidades das avenidas Celso Garcia Cid e dez de Dezembro.
Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro
Municipal. (arquivo pessoal).
Figura 10 - Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro
Municipal. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp.
94
A previsão é de que a obra fique pronta até 2010 e juntamente com os demais
componentes do Complexo, constitua um marco referencial deste tipo de empreendimento no
país, já comum na Europa, pois, como avaliam analistas urbanos e imobiliários, este projeto é
o único deste tipo no sul do país e projeta Londrina tanto no cenário nacional como
internacional, levando a marca do dinamismo e do empreendedorismo da cidade para vários
outros países. Raul Fulgêncio, o principal gestor de todo o complexo, afirma: ''não somos um
grupo de empresários bonzinhos que resolveu fazer uma doação. O que a gente percebe é que
a construção do teatro municipal naquela região (Zona Leste) vai agregar valor ao mercado
imobiliário, além de que vai revitalizar toda a região''27, além dele, afirma o arquiteto José
Carlos Spagnuolo, ''estamos tentando definir um mix de ocupação, criando um plano de
zoneamento para integrar à cidade. Não há dúvida de que esses empreendimentos darão uma
alavancada em todo o entorno da região'', avalia. ''tudo que se imagina lá é com bastante
fluidez, conforto e urbanismo bem definido e acesso fácil''. Parece-nos, segundo o discurso
midiático, que as agruras dos agentes incorporadores não estão tão obscuras e que os
objetivos, mais claros que possam imaginar os moradores locais, são especificamente
descomprometidos com as reais necessidades sociais da área.
4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná – Londrina.
A UTFPR, outra “ponta do iceberg”, também responsável pela alta na valorização
dos terrenos na Zona Leste e pelo avanço da especulação imobiliária, está sendo construída
em terreno de 74 mil m2 doados à Prefeitura pela família do professor José Tavares Delfino.
Um empreendimento que possui quatro agentes principais: O primeiro é o Governo Federal,
responsável pela contratação de professores. O segundo agente é a Prefeitura Municipal de
Londrina; que entrou com a doação do terreno e o oferecimento de toda infra-estrutura básica
como energia, telefone, asfalto e saneamento básico para concretização da instalação. O
terceiro agente são os parlamentares que têm o objetivo de buscar recursos e investimentos
para o empreendimento. E por último, a própria Universidade, que é responsável pelo projeto
arquitetônico e pedagógico. A obra será entregue em fevereiro de 2009, entretanto a
Universidade já atende na cidade em outra área, onde oferece três cursos de pós-graduação,
27
Ver: “Teatro agrega valor, defende imobiliarista”. Raul Fulgêncio – Negócio Imobiliários, 28-08-2007. Mídia
Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008.
95
dois de graduação, um curso técnico-profissionalizante e três cursos de extensão. Segundo o
vice-prefeito e coordenador da implantação da UTFPR em Londrina, Luís Fernando Pinto
Dias, é possível que depois de cinco anos de funcionamento a universidade já tenha cinco
cursos. A Instituição foi transformada em Universidade Tecnológica Federal a partir do
Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR), na gestão do presidente Lula,
tendo nomes como o do Deputado Federal Alex Canziani (PTB) e do Ministro do
Planejamento, Orçamento e Gestão Paulo Bernardo (PT) junto à essa ampliação, e graças ao
empenho desses parlamentares e do Deputado Federal André Vargas (PT) e do Prefeito
Municipal Nedson Michelleti (PT), dentre outros, ao mobilizar mais de R$ 3,5 milhões junto
à União para a construção do campus.
A imagem a seguir (figura 11) é uma maquete digital do que será a Universidade nos
próximos anos quando os outros blocos didáticos forem construídos e a Universidade atender
com capacidade para mais de 6 cursos, conforme indicam as projeções iniciais. Ao longo dos
próximos quatro anos o campus deverá receber uma quantia de aproximadamente R$ 20
milhões para a ampliação e modernização de suas instalações28. O campus está localizado as
margens da Estrada dos Pioneiros, um prolongamento da Av. das Laranjeiras (continuação da
Av. Theodoro Victorelli, do Complexo Marco Zero), cujo asfaltamento já está garantido por
recursos estaduais e municipais29. Até o momento o prédio construído abrigará o bloco de
salas de aula e administração, uma guarita e centrais de transformadores, de gases especiais,
resíduos e de GLP e cisterna
Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR.
Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php. Acessado em 16 de set.
de 2008.
28
“PPA inclui R$ 20 mi para UTF de Londrina”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em:
http://www.alexcanziani.com.br/ver_noticia.asp?id_not=765. Acessado em 20 de set. de 2008.
29
Ver: “Nedson instala UTF e garante asfalto ao novo campus”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura de
Londrina. 26/02/2007. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16233. Acessado em
15 de set. de 2008.
96
Na imagem a seguir verifica-se o primeiro bloco já construído, que corresponderia ao
bloco logo atrás da portaria na imagem acima, este bloco estará concluído em fevereiro de
2009, e de acordo com o projeto e a maquete digital acima, o governo federal pretende
construir mais 11 blocos como o da imagem a seguir (figura 12).
Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de
Londrina (arquivo pessoal).
A figura a seguir (figura 13), extraído da home page da UTFPR - Londrina,
demonstra a localização do Campus e a acessibilidade ao Complexo Marco Zero pela Estrada
dos Pioneiros (em vermelho), pelas Avenidas Das Laranjeiras (no plano superior) e Carmela
Dutra (no plano inferior) (continuação da Av. Celso Garcia Cid). A Avenida Das Laranjeiras
é uma continuação da Avenida Theodoro Victorelli que passa entre o Complexo Marco Zero e
o Marco Zero da cidade. A localização da Universidade está funcionalmente interligada ao
Complexo Marco Zero, e a acessibilidade será ainda mais potencializada quando a
continuação da Avenida Celso Garcia Cid e Carmela Dutra forem duplicadas na altura do
97
Complexo Marco Zero até a Universidade, projeto este já em curso pela Prefeitura Municipal
de Londrina, com início das obras previsto para o próximo ano.
Figura 13 – Localização da UTFPR. Fonte:
http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php.
A seguinte seqüência de imagens (figura 14) retrata a etapa atual do primeiro bloco
didático, a partir da fachada da Estrada dos Pioneiros: nas duas primeiras imagens a vista Sul
da Universidade, e na terceira a vista Norte. Como se observa, a construção já em fase
adiantada, sendo a primeira fotografia de 14 de agosto, a segunda 4 de agosto e a terceira de
15 de julho, atestam o cumprimento do prazo prevista para o término da fase inicial da obra.
Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina.
Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina_obra.php?pag=1.
De acordo com as autoridades políticas, a Universidade corrobora com o
desenvolvimento tecnológico da cidade e com a valorização de sua Zona Leste, atraindo
novos investimentos privados, sobretudo no ramo industrial para a cidade. É o caso da fábrica
98
de macarrão Norte Massas, que será instalada em terreno de 20 mil metros quadrados doado
para a indústria, localizado ao lado da Universidade Tecnológica Federal, junto ao terreno que
também será destinado para a instalação da Moinhos Globo, na continuação da estrada dos
Pioneiros. A previsão de investimento para a instalação da indústria Norte Massas é de R$ 2
milhões, e o funcionamento total do empreendimento acontecerá na metade de 200930. Estes
investimentos, de acordo com a opinião dos respectivos dirigentes das duas fábricas, tem até
mesmo o mercado internacional por expectativa. Diante dessa situação vê-se a confirmação
das externalidades positivas provocadas pela UTFPR, a qual inaugurou suas atividades com o
curso de Tecnologia em Alimentos31, e que tem também em sua pauta o futuro curso de
Química Industrial, justamente para atender a futura vocação industrial esperada para a área e
ao Parque Tecnológico de Londrina, situado a 2,1 km a Norte da Universidade, nas
proximidades da BR 369, ainda dentro da Zona Leste da cidade.
A UTFPR nas palavras do Deputado Federal Alex Canziani (PTB), em texto
parlamentar pronunciado em presença do Presidente Lula e demais parlamentares, consiste
em:
Um dos indicativos para novo avanço no campo da tecnologia é a aguardada
vinda da Universidade Tecnológica, reforçando a esperança conforme
acredita o representante da Adetec [Tadeu Felismino] de que Londrina,
dentro de cinco anos, se situe entre os três principais pólos tecnológicos do
Brasil32.
NA seqüência abordar-se-á a produção social do espaço urbano e o papel dos agentes
privados e do Estado capitalista na produção do ambiente construído e a revalorização urbana
impulsionada pela vinda da UTFPR e do Complexo Marco Zero. Objetiva-se situar essa
realidade processual dentro de uma mesma linha de entendimento que leve em conta as forças
estruturantes do espaço urbano, sejam estatais, privadas ou a resultante da parceira entre
ambos, tendo no Estado um agente preparador de terreno, no sentido mais estrito do termo,
para a atuação das forças estruturantes representadas pelo capital especulador, incorporador e
imobiliário.
30
Ver: “Norte Massas vai investir R$ 2 milhões no município”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal
de Londrina, 04/01/2008. Disponível em:
http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=20582. Acessado em
16 de set. de 2008.
31
Vale aqui ressaltar que a indústria predominante em Londrina é a de produtos alimentares. Fonte:
http://www.paranacidade.org.br/municipios/municipios.php. Acessado em 15 de set. de 208.
32
“Londrina pólo de tecnologia”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em:
http://www.alexcanziani.com.br/pronunciamento/ver_pronunciamento.asp?id_not=36. Acessado em 20 de set.
de 2008.
99
4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto
catalisador do crescimento urbano.
Além de todo o potencial tecnológico e educacional esperado com a vinda da UTFPR
já é uma realidade entre alguns cidadãos londrinenses, os frutos que se podem colher a partir
da sua implantação em Londrina, especialmente na Zona Leste. Antes mesmo do início das
obras no Campus, a VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge Engenharia, a 200 metros Sul
do terreno da Universidade (setor Lon Rita) construiu o loteamento residencial Jardim Portal
dos Pioneiros (figura 15), com 528 lotes de aproximadamente 250 m2 cada. O lançamento
deu-se no início de 2007 e no primeiro semestre de 2008 todos os lotes já haviam sido
comercializados a um preço médio de R$ 30.000,00. Atualmente o loteamento está com 13%
dos terrenos já edificados, o que atesta o vigor residencial da área em função das amenidades
locais, da acessibilidade com as demais zonas da cidade e da proximidade com a UTFPR. A
VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge – Urbanismo e Engenharia, lançou no ano de
1999 o Jardim Belo Horizonte (setor Antares), loteamento com 206 lotes ao longo da Avenida
São João, cujos lotes já foram em grande parte edificados.
Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD
Loteadora & Protenge Urbanismo e Engenharia. Fonte:
http://www.protengeengenharia.com.br/condominio_detail.asp?id=21.
100
Um dos motivos da rapidez com que foram comercializado os lotes, sem dúvida foi a
instalação da UTFPR, dentre outros, como, por exemplo, a acessibilidade facilitada em
direção às demais Zonas de Londrina, as características do próprio local, a proximidade com o
Complexo Marco Zero, e o grande potencial de valorização da área nos próximos anos. Num
outro folder impresso há destaque principal para a localização da UTFPR. Mais a Leste, em
área de Expansão Urbana do município, atualmente já incorporada à Zona Urbana, a
Construtora Abussafe lançou dois loteamentos no setor Lon Rita, um no ano de 1998, o
Residencial Abussafe I em área de 290.400 m2, com 760 lotes de aproximadamente 200 m2
cada, e o Residencial Abussafe II, em 2002, em área de 121.000 m2, com 303 lotes de
aproximadamente 200 m2, o primeiro comercializado na época (1998) pelo preço médio de
R$ 6.000,000. A iniciativa visou oferecer terrenos à classe de baixa renda que por meio de
pagamentos parcelados impulsionou a rápida edificação dos lotes. Atualmente quase toda a
área está edificada, e o valor dos lotes aumentou 250% nos últimos 10 anos. No ano 2000 a
Construtora Abussafe lançou o Jardim Fujiwara (setor Antares) em área de 48.400 m2 na
margem Sul da Estrada dos Pioneiros, mais próximo da UTFPR, com 106 lotes que vão de
300 a 400 m2, comercializados no valor aproximado de R$ 45.000,00. Esse residencial possui
frente para a Avenida Jamil Scaff. Esta Avenida é uma continuação da Estrada dos Pioneiros
no sentido Leste em direção ao final da Zona Leste, de caráter comercial, os terrenos que
fazem frente pra avenida tem sido alvo de intensa especulação imobiliária, sobretudo para fins
comerciais, e a cada dia que se aproxima da inauguração da UTFPR mais estabelecimentos
vão surgindo ao longo da Avenida.
No sentido Sul, logo na seqüência do Residencial Fujiwara, está o Jardim Santa Alice
(setor Antares), lançado no ano de 2001 pela Santa Alice Loteadora S/C LTDA, possui 430
lotes e apresenta um padrão de construção mais elevado que todos os outros residenciais
anteriores, o valor médio dos terrenos de aproximadamente 300 m2 se situa entre os R$
40.000,00. Um fator que atesta a valorização é a proximidade com mais outros
empreendimentos que valorizaram alguns anos antes, são eles: o Residencial Santa Clara
(setor Antares), lançado no ano de 1995 pela Construtora Londricasa, com 164 terrenos de
aproximadamente 300 m2, na época comercializados ao preço médio de R$ 25.000,00, mas
atualmente os poucos terrenos sem edificação são comercializados por aproximadamente R$
40.000,00, variando com tamanho e localização. Mas o grande fator de valorização dessa área
foi a construção dos Condomínios Residenciais Horizontais Gralha Azul I, II e III, pelo Grupo
Gralha Azul – Habes Fuad Salle. Os três condomínios foram edificados no setor Antares, em
terreno de 15.000 m2, adquirido no ano de 1991 por R$ 80.000,00, quando ainda fazia parte
101
da Zona de Expansão Urbana. Regozija-se a proprietária da empresa Gralha Azul de ter sido a
primeira a acreditar no potencial da área e levar o desenvolvimento para esta parte da cidade,
que ainda não era alvo de outros investimentos, a não ser, conjuntos habitacionais mais a
Leste do local, porém, separados por trecho de aproximadamente 1000 metros ocupados por
sítios e algumas chácaras.
O caso dos Condomínios Gralha Azul I, II e III é emblemático na valorização da área
anterior a década de 2000. O primeiro condomínio foi entregue em 1995, com 16 casas de 140
m2 de área construída e comercializadas por R$ 55.000,00 na época. Atualmente, de acordo
Vera Lúcia Assunção Salle, proprietária do Grupo Gralha Azul, estas casas são vendidas por
seus atuais proprietários por aproximadamente R$ 170.000,00. No ano de 1996, ao lado do
Gralha Azul I, a construtora lançou o Gralha Azul II, com 17 casas de 200 m2 de área
construída, comercializadas atualmente por aproximadamente R$ 200.000,00. Em 1998 a
construtora lançou o Gralha Azul III, com 28 casas de 200 m2, comercializadas atualmente
por R$ 230.000,00. De acordo com a proprietária, o condomínio é voltado para a classe
média, destacou a procura de casas na época por médicos do Hospital Universitário, também
situado na Zona Leste, na Avenida Robert Kock. Os três condomínios, como ficou claro,
comercializavam a casa pronta e não apenas o terreno, além dos equipamentos de lazer
comunitário oferecidos dentro do condomínio, como, quadras poli-esportivas, playground e
piscinas, guarita e segurança 24 horas. Vale ressaltar que o Grupo Gralha Azul – Habes Fuad
Salle adquiriu recentemente um terreno nas proximidades da UTFPR, onde construirão mais
um condomínio residencial, todavia, não pode nos informar o local exato e nem a previsão de
início da obra. No contexto da valorização proposta pelos Condomínios Gralha Azul I, II e III,
situamos o lançamento dos Residenciais Santa Clara (1995) e Santa Alice (2001). Em área
próxima aos três empreendimentos analisados anteriormente, encontra-se o Jardim Tatiane
(setor Antares), lançado em 1979 pela Eldorado Empreendimentos Imobiliários e Agrícolas
LTDA com lotes de aproximadamente 350 e 420 m2, comercializados no início do plano real
por aproximadamente R$ 6.000,00, atualmente alcançando valores, os últimos terrenos
remanescentes, de R$ 40.000,00.
No setor Ernani e HU, identificou-se cinco empreendimentos que comprovam a
valorização imobiliária e fundiária da área, sendo três deles condomínios residenciais
horizontais fechados e os demais, loteamentos residenciais. No primeiro caso, o Condomínio
Residencial Horizontal Havana, situado na Avenida Robert Koch, lançado em 2002 pela NAJ
Empreendimentos Imobiliários LTDA, com 240 lotes de aproximadamente 250 a 300 m2, teve
seus lotes comercializados, na época, por aproximadamente R$ 55.000,00, o que variava com
102
o tamanho dos lotes. Atualmente alguns lotes ainda remanescentes são comercializados por
aproximadamente R$ 60.000,00.
Nesse mesmo contexto tem-se o caso do Condomínio Horizontal Golden Park
Residence & Resort, a 600 metros do Condomínio Residencial Havana no sentido oeste
(centro), também na Avenida Robert Koch, já no setor HU. O Condomínio foi lançado em
2002 pela Teixeira & Holzmann LTDA, em área de 100.000 m2, com 140 lotes de
aproximadamente 250 m2 cada, comercializados na época por R$ 47.000,00, atualmente esses
mesmos lotes tem sido comercializado por R$ 60.000,00, variando de acordo com o tamanho
de cada lote. Este condomínio conta com centro comercial (15 lotes destinados
exclusivamente a tais serviços), além de salão de festas, piscinas, churrasqueiras, quadra poliesportiva, quadra de tênis, bosque, segurança monitorada 24 horas motorizada dentro e fora
do condomínio, jardinagem no condomínio, e academia de ginástica. Vale ressaltar a
preservação da mata localizada no fundo de vale atrás do condomínio, um “marketing verde”
comercializado pelo condomínio ao ressaltar a preocupação com o Meio Ambiente e atenção
aos preceitos da Agenda 21.
Atrelado à valorização proposta pela construção desses dois condomínios tem-se o
caso dos residenciais Jardim Monte Sinai e Jardim Vale do Cedro. Os dois datam de 2001,
sendo o primeiro formado por 177 lotes de aproximadamente 330 m2, lançado pela
Construtora Norton Dequech, comercializados atualmente por um valor estimado de R$
30.000,00; e o segundo residencial com 375 lotes de aproximadamente 330 m2 cada, lançado
também pela Norton Dequech, comercializados atualmente por R$ 35.000,00.
Ainda na mesma conjuntura da valorização proposta pela construção de condomínios
horizontais fechados, localiza-se no setor HU, a 1.600 metros do Condomínio Golden Park,
no sentido oeste (centro), o Condomínio Horizontal Aspen Park Residence, construído em
1998 pela NAJ Empreendimentos Imobiliários, com 82 lotes. Esses lotes, de 250 m2 cada, na
época chegaram a ser comercializados por R$ 20.000,00, atualmente os terrenos
remanescentes tem sido comercializado por R$ 50.000,00.
Ao lado desse condomínio
encontra-se o Condomínio Horizontal Avenida do Café, situado no setor Aeroporto, possui 32
lotes com tamanhos a partir de 250 m2, construído no ano de 2005 pelo Grupo Protenge
Engenharia e Urbanismo. Esses dois condomínios, esperam uma maior valorização da área
com a construção do Fórum da Justiça do Trabalho nos antigos barracões do Instituto
Brasileiro do Café (IBC); com a acessibilidade facilitada com o centro da cidade, devido a
duplicação e ligação da Avenida Alziro Zarur (continuação da Avenida Santos Dumont) com
103
a Avenida Robert Koch, prevista no Plano Plurianual 2006-200933, que facilitará o
deslocamento viário local e acessibilidade dos moradores da Zona Leste, em especial aqueles
situados nas adjacências da Avenida Robert Kock, com a Avenida Santos Dumont e com a
área central da cidade.
4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana
na Zona Leste de Londrina.
Gottdiener (1997, p. 74) escreveu que Estado e setor imobiliário constituem a linha
de frente das transformações espaciais. Para este autor (1997, p. 97), o Estado, agente do
“capital em geral”, detém aquilo que Poulantzas denominou de “autonomia relativa”,
perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas por
natureza. Para Harvey o ambiente construído é transformado, essencialmente, pelo capital
intervencionista que age através do governo, e desse mesmo ambiente se apropria o trabalho
que o usa como uma forma de consumo e um modo para sua própria reprodução (HARVEY
apud GOTTDIENER, 1997, p. 97). Gottdiener (1997, p. 102) vê um Estado que coordena os
investimentos entre os circuitos de capital, que garante um mercado e uma rede financeira
estáveis que funcionem livremente, assim, reproduzindo a economia política burguesa da
cidade. E vai mais longe, ao dizer que “é exatamente a atuação de frações específicas de
classe no circuito secundário, o papel do Estado em todos os níveis na ajuda à atividade do
setor imobiliário e as conseqüências contraditórias dessas intervenções que explicam a forma
espacial.” (GOTTDIENER, 1997, p. 110).
Ainda nessa discussão, Gottdiener recorre a Lefebvre, para quem:
A paisagem metropolitana representa um arranjo espacial de estrutura e
localizações com graus variados de eficiência. O mercado da terra urbana
atua de modo imperfeito na superação dos obstáculos ao novo
desenvolvimento que surgem dos padrões desiguais de crescimento, e o
Estado é chamado a intervir a fim de liberar a terra para investimento mais
lucrativo. (LEFEBVRE apud GOTTDIENER, 1997, p. 137).
33
LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de
Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte:
http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php
104
O caso da construção do Teatro Municipal no Complexo Marco Zero é contundente
em afirmar a colocação de Lefebvre, ao concatenar interesses de classes em torno de objetivos
comuns, ao induzir o planejamento, todavia, numa via de mão dupla, pois, os investimentos
estatais não objetivam apenas a provisão das necessidades sociais, e muito menos somente
dotar o ambiente construído de equipamentos públicos e infra-estrutura.
A atuação estatal, a despeito de sua “autonomia relativa”, é correlata de interesses
classistas e capitalistas no ambiente construído e a eles se vincula sincronicamente no espaço
urbano. Neste sentido, diria Harvey (apud GOTTDIENER, 1997, p. 186), pode induzir a
mudança de fluxo nos investimentos, do setor secundário para o imobiliário, tendência, aliás,
incorporada pela ascensão do capital incorporador nos últimos anos, justamente em função da
maior estabilidade financeira proporcionada pelo setor imobiliário quando em relação ao setor
secundário apenas, pois, “[...] sempre se pode orientar a propriedade para outros usos e,
potencialmente, fazer parecer um investimento lucrativo” (GOTTDIENER, 1997, p. 184).
Para Gottdiener (1997, p. 184), “esse potencial é que é uma função do espaço social e
constitui um valor produzido socialmente: assim, o investimento na terra é atraente, mesmo
em tempos difíceis”. Ademais, o bem imóvel, uma mercadoria de fato, existe e persiste no
tempo como investimento lucrativo, capaz de atrair investimentos, independente das
oscilações nos ciclos de negócios; em função da baixa composição orgânica de capital que
demanda e da facilidade com que pode ser transformado em usos alternativos e depois
comercializado (GOTTDIENER, 1997, p. 188). Sob estas condições, a ação Estatal é quem
torna viável e abre caminho, assegurando “[...] a capacidade intrínseca e cada vez mais
constante do ramo imobiliário em extrair capital para aventuras lucrativas [...]”
(GOTTDIENER, 1997, p. 185 a 187). Tal é o caso da Zona Leste de Londrina, que
“desbravada” pelo Estado capitalista provedor de moradias durante as décadas de 1970 e
1980, agora é alvo das “aventuras” lucrativas do capital incorporador, o qual, na verdade,
trilha por caminhos bem seguros, uma vez que já foram abertos pela presença Estado
capitalista ao construir o ambiente e, recentemente, atrair os investimentos que,
invariavelmente, a procura de locais favoráveis ao investimento imobiliário, solidificaram o
investimento estatal, novamente, numa via de mão dupla.
Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 185), conceitua o mercado imobiliário
como um setor secundário de investimento no processo de acumulação de capital, ligado à
oferta, e paralelo à produção industrial. Constituindo-se, esse tipo de investimento, num setor
105
de formação de capital e, dentro de um contexto específico, de realização34 e circulação de
mais-valia, pois, os melhoramentos no ambiente construído tornam a produção mais
“produtiva” em períodos futuros e estimula o consumo a satisfazer as necessidades do espaço
social recém-desenhado, Harvey também partilha dessa idéia (GOTTDIENER, 1997, p. 185 e
186). Com isso, o re-investimento e a circulação de capital são mantidos, aumentando ainda
mais o capital, conseqüentemente, seus lucros em períodos subseqüentes de produção,
atuando assim, o setor secundário como fonte de formação de capital. Entretanto, de acordo
com Harvey, os capitalistas individuais têm dificuldade em mudar o fluxo de investimento da
produção industrial para o setor imobiliário, o que demanda a intervenção do Estado como
meio de induzir essa mudança de fluxo de modo mais seguro (GOTTDIENER, 1997, p. 186 e
187).
A Zona Leste da cidade, especialmente nas áreas limítrofes da Zona Urbana,
concentrou durante as décadas de 1970 e 1980 uma intensa recepção de conjuntos
habitacionais, chegando a ser considerada a Zona da cidade que mais recebeu este tipo de
investimento depois da Zona Norte (CODEL, 2004). De acordo com a informação do Caderno
Setorial – Construção Civil e Mercado Imobiliário da CODEL (Companhia de
Desenvolvimento de Londrina):
As regiões Leste e Norte, juntas, detém atualmente mais de 80% da
produção de novos lotes demarcados por tradicionais ou novas loteadoras
que atuam no mercado, parcelando o solo urbano londrinense. A área
delimitada pela extensão das avenidas São João e Roberto Kock, no sentido
do extremo leste do município, por exemplo, é a que registra o maior número
de novos empreendimentos residenciais. De padrão médio e popular,
concentra em sua maioria uma média entre 300 e 400 terrenos, com
metragens individuais que dificilmente superam 300 metros quadrados. Em
função da concentração de comércio, infra-estrutura e serviços já instalados
nas antigas glebas Lindóia e Simon Frazer, também ali começam a se
fortalecer os empreendimentos residenciais fechados. Menores em área total,
e no tamanho individual dos lotes, nem por isso deixam de manter as
características de lazer, conforto e segurança, planejadas nos grandes
empreendimentos do gênero. (CODEL, 2004, p. 5).
34
Pois, segundo Harvey, de alguma maneira ajuda a produção de bens primários, apesar de Gottdiener (1997, p.
191 a 194) discordar dessa colocação, ao demonstrar o comportamento contraditório do setor secundário no
processo de acumulação de capital, que, sujeito aos caprichos dos ciclos na disponibilidade geral de fundos de
investimentos e obras, ou canalizando investimentos de mais ou de menos, corrobora com a flutuação das ondas
de atividade de investimentos e da crise estrutural da acumulação de capital. Como conseqüência desse
momento, inflação, elevação da taxa de juros, deterioração ambiental, subutilização do espaço, etc., despontam
no cenário pré-crise, encerrando em períodos de profunda recessão. Daí a necessária intervenção estatal através
do regulamento e do planejamento como meio de se direcionar a economia num caminho distinto do caminho da
crise, o que muitas vezes não soluciona as oscilações nas atividades de investimento, haja vista o Estado agir de
acordo com as muitas frações de interesses.
106
A despeito de todo “marketing oficial” em torno da área, com vistas a promover o
seu potencial econômico junto à classe empresarial de investidores na cidade de Londrina,
verifica-se atenção dada a presença e fortalecimento do setor imobiliário na Zona Leste. É um
discurso oficial, mas que, apesar de todas as contradições daquele espaço urbano, não foge à
realidade do local para a classe de capitalistas investidores, empreendedores e incorporadores.
Atente-se, porém, como já fora dito, a área, inicialmente foi equipada pelo poder público
local, que ao levar infra-estrutura viária, equipamentos públicos e, sobretudo, moradia,
expandiu e induziu o crescimento urbano naquela direção. O Condomínio Gralha Azul é um
exemplo dessa indução, apesar de acreditarem terem “chegado primeiro na área” em 1991,
mas que, na realidade, já fazia parte da Zona Urbana da cidade desde a construção dos
conjuntos habitacionais nas décadas de 1970 e 1980 nos extremos da Zona Leste,
especificamente a 2 mil metros dos Condomínios Gralha Azul, separados por imensos vazios
urbanos como já destacados anteriormente, que ainda fazem parte do local, mas como
acreditamos, por pouco tempo.
A tabela a seguir (tabela 04) apresenta a seqüência cronológica da construção dos
conjuntos habitacionais, principalmente, da micro-região Leste 2 de Londrina:
Tabela 04: Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina.
Nome e
microregião
Vitória
Régia - L1
Tipo
Nº de
unidades
Inauguração
Pop.
Estimada
132
Tamanho
médio das
unidades
42,62 m²
Horizontal
São Pedro
L2
1970
396
BNH/ICOPAN
Horizontal
105
42,35 m²
1973
315
PML/COHAB/ Icofat
Antares L2
Ernani
Moura
Lima I -L2
Ernani
Moura
Lima II L2
Guilherme
Pires – L2
Horizontal
340
Horizontal
610
34,36 m2
1980
2430
INOCOOP/COHAB
AN
BNH/Simamura
Horizontal
200
34,36 m2
1981
2430
BNH/Simamura
Horizontal
210
34,45 m²
1983
630
CEF/Simamura
Seffer / Icopan
Pavilon
Residencial
Interlagos –
L3
Amazonas I
Vertical
96
X
1988
X
IPE
Horizontal
33
X
1989
X
CEF
1978
Empresa
Responsável
/
/
107
– L2
Amazonas
II – L2
Armindo
Guazzi –
L2
Giovani
Lunardelli
– L2
José
Bonifácio e
Silva – L2
José
Barroso –
L2
Alexandre
Urbanas –
L2
Horizontal
10
X
1989
X
CEF
Horizontal
304
X
1989
X
CEF
Horizontal
229
X
1989
X
CEF
Horizontal
188
X
1989
X
CEF
Horizontal
18
35,71 m²
1989
1407
CEF/ Construhab /
Coelho
Horizontal
500
22,73 m²
1992
1500
CEF/ Cauanã / FAM /
FEE / Fato / Rosa
Lima / Coelho
Santos
Vertical
486
X
1996
X
INOCOOP/COHAB
Dumont –
AN
L2
Residencial
Horizontal
X
2000
X
COHAB-LD
Ilha Bela –
L2
São Vicente Horizontal
X
2001
390
COHAB – LD
Palloti – L2
Residencial
Vertical
176
X
2005
X
CEF-PAR
dos
Pioneiros –
L2
Residencial
Vertical
174
X
2005
X
CEF-PAR
Lindóia –
L2
Organizado pelo autor. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/ e
http://www.cohabld.com.br/Conjuntos_Habitacionais.asp. Acessado em 20 de set. de 2008.
É evidente a maior concentração de construção de conjuntos habitacionais durante as
décadas de 1970 e 1980, quase inexistindo durante a década de 1990, realidade vivenciada por
toda a cidade, dada a conjuntura nacional e o declínio em obras públicas vivenciado por todo
o país, mas que foram retomadas a partir da primeira década do século XXI. Destacamos o
caso dos conjuntos habitacionais Ernani Moura Lima I e II construídos na área limite da atual
Zona Leste, a mais de 5,3 km do centro histórico da cidade, numa extensão, em grande parte,
ocupada por grandes vazios urbanos e inclusive por propriedades rurais, convivência esta que
durou até o final da década de 1990, quando as últimas chácaras e sítios foram desocupados e
loteados, atualmente apenas poucas áreas ainda não foram loteadas.
108
A seguinte tabela (05) apresenta a ordem cronológica de implantação dos principais
loteamentos da micro-região Leste 2 e, alguns poucos da micro-região Leste 3 e Leste 1 de
Londrina:
Tabela 05: Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina.
Nome do
loteamento e
micro-região
Tarumã - L2
Tipo
Gleba
Data
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Lindóia
17.05.94
147
J.R. LOT. E INCORP.
04.10.95
61
HABES FUAD SALLE
13.10.95
215
PENCIL - CONSTR.
21.09.95
2
12.07.95
164
LONDRICASA
15.12.95
85
J.R. OLIVEIR
10.07.96
234
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
27.09.96
154
SENA
CONSTRUÇÕES
N.A.J. EMPR. IMOB.
15.01.97
83
FAM - ENGENHARIA
27.06.97
225
04.03.98
843
23.09.98
82
PENCIL –
CONSTRUÇÕES
CONSTRUTORA
ABUSSAFE
NAJ - EMPR.
IMOBIL. LTDA
Jardim
Simon
Frazer
26.11.98
210
V.D.LOTEADORA
S/C LTDA
Residencial
05.03.98
47
26.11.98
49
CONSTRUT. INC. M2
LTDA
ALBERTO
PANSOLIN
ROYAL
LOTEADORA E
INCORPORADORA
LTDA
ROYAL
LOTEADORA E
INCORP. LTDA /
SENA
CONSTRUÇÕES
LTDA
CENTRAL
CHAMONIX
ADMINISTRADORA
DE BENS PRÓPRIOS
S/C LTDA
Residencial
Gralha Azul I,
II e III– L2
Jardim do
Leste – L1
Nações Unidas
– L1
Santa Clara –
L2
Veneza – L1
Chácara/condomínio
horizontal
Jardim
Oriente – L3
Jardim
Aruba – L2
Jardim
Bernardo
Trindade – L1
Jardim do
Leste – L1
Abussafe – L1
Residencial
Jardim/ Condomínio
vertical
Residencial
Residencial
Jardim
Residencial
Número
de lotes
Aspen Park
Residence –
L2
Belo
Horizonte –
L1
Catori – L1
Condomínio
residencial
Novo Oriente
– L2
Laranjeiras –
L3
Jardim
Simon
Frazer
Lindóia
Jardim
Lindóia
26.05.00
225
Pioneiros – L2
Jardim
Lindóia
08.03.00
131
Chamonix –
L1
Loteamento
Simon
Frazer
07.06.01
418
Loteador
WADJI IBRAHIM
109
Fujiwara – L3
Jardim
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
25.07.01
114
Monte Sinai –
L2
Santa Alice –
L2
Jardim
09.07.01
177
24.10.01
430
Vale do Cedro
– L2
Abussafe II –
L1
Golden Park
Residence –
L2
Havana – L2
Jardim
Simon
Frazer
Simon
Frazer
Simon
Frazer
09.07.01
375
22.11.02
304
02.12.02
140
Residencial
Simon
Frazer
28.06.02
240
Jardim da Luz
– L2
Jardim
Simon
Frazer
29.04.02
259
Pref. Milton
Neves – L2
Chamonix –
L2
Jardim
Simon
Frazer
Simon
Frazer
17.12.02
136
10.07.03
115
Jardim
Residencial
Residence
Loteamento
CONSTRUTORA
ABUSSAFE LTDA
NORTON DEQUECH
SANTA ALICE
LOTEADORA S/C
LTDA
NORTON DEQUECH
CONSTRUTORA
ABUSSAFE LTDA
TEIXEIRA &
HOLZMANN LTDA
NAJ
EMPREENDIMENTO
S IMOBILIÁRIOS
LTDA
SANTA ALICE
LOTEADORA S/C
LTDA
LOTEADORA
MENEZES S/C LTDA
CENTRAL
CHAMONIX
ADMINISTRADORA
DE BENS PRÓPRIOS
S/C LTDA
KIM LOTEADORA
S/C LTDA
PROTENGE
ENGENHARIA E
URBANIZAÇÃO
José Camilo S. Loteamento
Simon
20.07.04
50
Santos – L2
Frazer
Avenida do
Condomínio
Simon
Café
horizontal
2004
32
Frazer
Residence –
L2
Jardim Portal
Jardim
528
SETTE LOTEADORA
Simon
dos Pioneiros
19.05.05
S/C LTDA
Frazer
– L2
Organizado pelo autor. Fonte:
http://home.londrina.pr.gov.br/homenovo.php?opcao=diretorialoteamentos&item=relacaoaprovados
Seria desnecessário afirmar que a construção desses loteamentos iniciou-se após as
obras infra-estruturais e habitacionais realizadas pelo poder público local com recursos
federais, estaduais e municipais. A partir deste momento, o setor privado adquire segurança
para se “aventurar” e investir também na área. Ao contrário das oscilações ocorridas no setor
imobiliário estatal, não se verifica tal variabilidade tão intensa no mercado imobiliário privado
de terras, todavia, aquelas tenham afetado estas em função da conjuntura econômica pela qual
passava todo o país durante a década de 1990, principalmente. Assim identificamos um
equilíbrio ascendente no lançamento de loteamentos, desde o ano de 1994, até os dias atuais,
pelo setor privado. De acordo com informações cedidas pela Construtora Abussafe, não há
mais onde lotear na Zona Leste, pois, as últimas glebas de terra (identificadas na figura 01) já
110
possuem proprietários, o qual aguarda o momento mais propício para o lançamento do novo
loteamento. Em função do esgotamento de terras disponíveis para novas aquisições, as
construtoras aguardam a expansão de Zona Urbana para Zona de Expansão Urbana do
município, o que ampliarão as possibilidades de novos loteamentos. Esse processo já está
sendo impulsionado com a construção da UTFPR.
No mapa a seguir (mapa 08) observam-se as principais vias de tráfego da Zona Leste
(microrregião Leste 1, 2 e 3).
Mapa 08: Principais avenidas da Zona Leste (microrregião Leste 2 no centro). Organizado
pelo autor. Fonte: Plano Diretor – 1998.
Na carta acima identificam-se as principais avenidas e ruas da Zona Leste. No centro
da carta, entre as avenidas Robert Kock e Jamil Scaff, Carmela Dutra até a Celso Garcia temse a microrregião Leste 2, a qual compreende na principal delimitação de nosso trabalho, uma
vez que nosso recorte espacial engloba toda essa microrregião. O termo microrregião foi
criado pela Prefeitura Municipal de Londrina, sendo empregado pela Secretaria Municipal de
Planejamento para fins administrativos, de destinação orçamentária, planejamento e
direcionamento de recursos.
Atualmente, a Avenida São João centraliza a maior parte dos serviços e comércios da
Zona Leste da cidade, é o principal eixo viário que conecta a Zona Leste ao centro comercial
da cidade, sendo, portanto, a avenida mais estruturada com equipamentos públicos, e infra-
111
estrutura viária, imobiliária e comercial da Zona Leste. Inclusive é uma das vias de acesso ao
Hospital Universitário, junto com a Avenida Santos Dumont (Leste 1). Todavia, a disposição
das infra-estruturas e da destinação dos recursos públicos variam de acordo com a
proximidade em relação ao centro comercial e em função da concentração dos
estabelecimentos comerciais. É o caso do trecho da Avenida São João delimitado na imagem
acima pelas duas setas, entre o início da mesma (próximo ao pátio da Viação Garcia, na
Avenida Celso Garcia Cid) até o término do Residencial Santa Clara. De acordo com
comerciantes locais este trecho tem recebido nos últimos anos mais atenção do poder público
local se compararmos com a faixa mais periférica da Avenida em direção aos conjuntos
habitacionais no final da Zona Leste.
Este trecho da Avenida São João concentra grande parte dos serviços da Zona Leste,
que vão desde escolas particulares e escola municipal de primeiro grau, colégio estadual,
faculdade, supermercados, oficinas automotivas, lojas de produtos automotivos, consultórios
odontológicos, centro de distribuição de medicamentos, restaurantes, lanchonetes, pet-shops,
lotérica da caixa Econômica Federal, posto bancário de auto-atendimento, frigorífico, lojas de
informática, e uma diversidade de estabelecimentos comerciais do tipo bazar, lan house, além
de todo tipo de comércios de bairro. Destacamos o Supermercado Golfinho com duas
unidades na Zona Leste, uma na Rua Mangaba e outra na Avenida São João. A última, tratase de uma unidade estabelecida na área desde 2004, em local outrora utilizado pela
Schincariol – Distribuidora e mais tarde pela Dibeba – Distribuidora de Bebidas.
O caso do Supermercado Golfinho é emblemático ao situar-se num ponto estratégico
e acessível da Avenida São João, tendo em vista sua conexão com a microrregião Leste 1 e
Leste 2 (onde está situado) e Leste 3, e sua proximidade com o centro da cidade. A loja (sede
própria) possui 1800 m2 de área de venda, gerando 150 empregos diretos e 20 indiretos.
Exerce centralidade na Zona Leste ao locar parte da loja para estabelecimentos diversos,
dentre eles um restaurante e uma Lotérica da Caixa Econômica Federal, o que promove,
portanto, uma circulação diária de aproximadamente 4000 pessoas pela loja.
Defronte à loja do Supermercado Golfinho localiza-se a Faculdade Uninorte, a qual
oferece os cursos de graduação em Administração, Marketing, Direito, Pedagogia, além da
Escola Uninorte Junior, com Ensino Fundamental e Educação Infantil. Também é um fator de
centralidade na Avenida São João ao proporcionar um maior contingente de consumidores
para os comerciantes locais e concentrar um grande volume de tráfego de veículos nos
horários das aulas. A Faculdade Uninorte, se “vangloria” com sua “função social” ao (no
discurso da própria instituição):
112
[...] proporcionar aos cidadãos de Londrina e região Ensino Superior com
qualidade e custo acessível, além da correlata ação Extensionista e a
Iniciação Científica, formando profissionais competentes e aptos a buscarem
a merecida ascenção (sic) social, a partir da boa colocação no mercado de
trabalho fundada na excelência de sua formação e conseqüentemente dos
serviços que vierem a prestar, atentando às demandas regionais e gerais da
comunidade, respeitando as individualidades e as diferenças e valorizando os
princípios de responsabilidade social para com a região e da qualidade do
ensino em cada uma das ações institucionais35.
Neste sentido, a Faculdade se constitui numa externalidade positiva na área ao
proporcionar cursos de educação Fundamental e Superior para determinadas classes da Zona
Leste, a custos acessíveis, sendo ainda a única a oferecer cursos de formação Superior na
nesta zona da cidade, todavia, disputa com a Escola Pilares - Grupo Positivo, também
localizada na Avenida São João, a comercialização da educação infantil e ensino fundamental.
A Faculdade foi instalada em antigos barracões da ENAR (Empresa Nação de Armazéns
Gerais LTDA) de estocagem de café e outros cereais, conectados inclusive com a Refinaria
Anderson Clayton por meio de rede ferroviária. Esses barracões permaneceram sem uso por
vários anos, quando em 2001, a Faculdade adquiriu a área e a reestruturou, utilizando-se das
formas já existentes e beneficiando-se da centralidade e acessibilidade possibilitada pela
Avenida São João.
Paralelamente ao contexto da São João, encontra-se a Avenida Robert Kock, onde se
situa o Hospital Universitário, dentre outros serviços e estabelecimentos comerciais. No
trabalho já chamamos a atenção para a localização do Condomínio Residencial Havana e
Golden Park ao longo desta avenida, contudo, se trata de uma avenida, que na sua porção
mais periférica (setor Ernani), apresenta uma cobertura asfáltica bastante deteriorada e carente
em infra-estruturas viária e em equipamentos públicos, aliás, esta situação reflete a
especulação imobiliária praticada na área que ainda retém extensas concentrações de terrenos
não loteados e sem uso, portanto, não justificando qualquer intervenção do poder público
local em melhorias públicas. Desse modo, os condutores e os transeuntes, que trafegam
diariamente pela avenida, são os principais prejudicados pelo descaso com o local, que alia
falta de segurança com falta de sinalização viária e, em alguns trechos, falta de cobertura
asfáltica.
Outro fato perceptível na Zona Leste é a falta de ligação viária entre a vertente direita
e a vertente esquerda do Córrego Barreiro, pois como se observa no mapa 08, as únicas vias
35
Fonte: http://www.uninorte.edu.br/joomla/. Acessado em 22 de set. de 2008.
113
que conectam a microrregião Leste 2 e Leste 1, isto é, a Avenida Robert Kock e Avenida São
João e Jamil Scaff, são as ruas Vasco da Gama e Leontina da Conceição Gayon. Contudo, está
previsto no Plano Plurianual 2006-200936, instituído pela Lei Municipal Nº 9.857, de 16 de
dezembro de 2005, a construção de uma travessia sobre o Córrego Barreiro ligando o Jardim
Belo Horizonte (Avenida São João) ao Jardim Vale do Cedro (Avenida Robert Koch). Pode se
observar a avenida em amarelo, no mapa 08, identificando essa futura ligação, que efetivarse-á com a construção da ponte sobre o córrego, e que, coincidentemente, facilitará o acesso
da área dos condomínios Havana, Golden Park e adjacências da Robert Kock com a UTFPR.
Estes são apenas alguns dos referenciais da valorização e revalorização em curso na
Zona Leste da cidade de Londrina. Vale ressaltar mais uma vez que não abordou-se toda a
Zona Leste, mas direcionamos nossos esforços em direção à área que mais concentra serviços
e investimentos por parte do Estado e sobretudo, por parte do capital incorporador, tendência
que se intensifica nos últimos anos e que, de acordo com analistas urbanos e com o próprio
processo em curso, se intensificará e continuará reestruturando toda a Zona Leste, e situandoa como um novo referencial do desenvolvimento da cidade do capital em Londrina.
36
LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de
Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte:
http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade e seu solo se caracterizam por ser um ambiente socialmente construído,
frutos do trabalho social. O valor agregado à determinada localização deve-se ao trabalho
social, coletivo, dependendo sempre da localização, do seu entorno e da intervenção do
Estado, que através das obras urbanizadoras convencionais, e do conjunto de instrumentos
tributários e reguladores do uso e das formas de ocupação do solo urbano, normatiza a
ocupação e o processo de produção social do espaço urbano. No entanto, esse mesmo Estado,
como coloca Ferreira (2005, p. 6), é capaz de produzir recorrentemente a diferenciação
espacial desejada pelas elites, sendo sua atuação fortemente marcada pela disputa entre as
classes dominantes do ramo imobiliário pela apropriação dos importantes fundos públicos
destinados à urbanização.
Deste modo, afirma Ferreira (2005, p. 7), o Estado cumpre rigorosamente um papel
de controle sobre a produção do espaço urbano, garantindo assim a onipotência e a
onipresença das elites, deixando-as relativamente livres para atuar ao bel compasso do
mercado imobiliário. Alhures, Ferreira (2003, p. 2), afirma que as cidades brasileiras refletem
e reproduzem as dinâmicas sociais historicamente desiguais que pautaram a formação da
nação brasileira, expressando contundentemente a hegemonia capitalista de uma sociedade de
elite.
É neste sentido que entendemos o Estado capitalista, representado pelo poder público
local no caso londrinense, um Estado provedor de um planejamento urbano funcionalista
atrelado à dinâmica metamórfica do capital. Ferreira (2005, p. 18), reconhece que até agora as
Operações Urbanas submeteram o planejamento das cidades onde foram implantadas aos
interesses de mercado, e apesar de todos os compromissos sociais que possam desenvolver-se
a partir dos Planos Diretores Municipais, dos Orçamentos Participativos e das políticas
públicas, o planejamento tem sido um instrumento básico para orientar a política de
desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana da cidade, na maioria das vezes,
comprometido com os interesses classistas das elites dominantes.
A partir da análise levada a cabo por este trabalho, pode-se identificar essa postura e
esse comportamento dos diferentes agentes da produção e da organização do espaço urbano
no contexto dos aspectos estudados na Zona Leste da cidade, onde verifica-se a articulação
entre poder público local e capital incorporador numa otimista e promissora aliança, do ponto
de vista do capital privado.
115
São visíveis os esforços políticos em torno dos projetos que dizem respeito à área.
Referimo-nos aos investimentos por parte do Governo Federal e Estadual na Universidade
Tecnológica Federal do Paraná e no Teatro Municipal da cidade, junto ao Complexo Marco
Zero. Esses esforços se acentuaram tão logo os investimentos privados externos eram
“conquistados” para a área. Iniciado o processo ascendente de renovação da área, o poder
político local e a classe imobiliária, assumiram a tônica discursiva de revitalização e
desenvolvimento para a cidade, especialmente para a Zona Leste, que por muitos anos
permaneceu esquecida pelos agentes sociais produtores do espaço urbano.
Esta onda de investimentos que aguarda a área tem sido ideologicamente veiculada
como a efetivação do planejamento a longo prazo - no caso da UTFPR - e da preocupação
com a geração de empregos, e com o desenvolvimento da área, que, não significa,
necessariamente, desenvolvimento para os moradores do local. Além do mais, no caso do
Complexo Marco Zero, sua situação está muito mais voltada para o centro da cidade e para a
acessibilidade com todas as Zonas da cidade proporcionada pelas Avenidas Dez de Dezembro
– no sentido norte-sul - e Leste-Oeste. Estrategicamente ele será construído num nódulo viário
privilegiado, localizado numa das áreas mais centrais do ponto de vista espacial e logístico da
cidade.
Na verdade, este último investimento, ao que indicam os projetos iniciais, dará as
costas à Zona Leste, não necessariamente do ponto de vista espacial, e muito menos à toda
ela, mas será um objeto “alienígena” do ponto de vista social para algumas classes sociais da
área se levarmos em conta as características das adjacências composta, no caso do setor
Fraternidade e Interlagos, por segmentos de baixa renda espoliados do direito à cidade,
submetidos às contradições urbanas e à segregação sócio-espacial desde que se estabeleceram
no local. Esta hipótese parece ainda mais verídica quando os gestores do projeto afirmam
destiná-lo às classes A e B. Contudo, tal como a realidade urbana brasileira, a Zona Leste
segrega populações hierarquicamente distantes e fisicamente próximas em sua periferia
espacial. Já demonstramos isso ao longo do capítulo três com o caso dos condomínios
residenciais, verdadeiros enclaves fortificados ilhados num mar de disparidades sociais e
econômicas. Seria ingenuidade generalizar a realidade da Zona Leste para uma ou outra
condição urbana. Como toda a cidade, ela se desenvolve contraditoriamente, porque é cidade,
é espaço urbano e constitui-se de diferentes intencionalidades, de diferentes sujeitos
portadores de interesses também distintos, senão, opostos.
A vinda da UTFPR por si só não poderia impulsionar uma onda de investimentos
imobiliários, mas, junto às demais infra-estruturas que a acompanharão e, potencializada no
116
discurso imobiliarista, ela induz investimentos localizados e pequenas aquisições imobiliárias,
pois, lembramos, trata-se de uma produção social, engendrada por todos os segmentos sociais
que possam se “aventurar” pelo percurso da especulação imobiliária, não tão seguro para
aqueles que estão do lado de fora das grandes negociações.
As necessidades sociais da área parecem ser desprezadas, cedendo lugar aos
interesses capitalistas e políticos, este último não tão vinculado à condição social do citadino,
mas, atento aos desejos e interesses do usuário da cidade, um cidadão inautêntico, alienado,
consumidor de um espaço fugaz e fluído, um consumidor limitado que parece não sentir o
direito ao urbano, senão por meio de sua capacidade de pagar por ele, exatamente sua
capacidade de fragmentá-lo.
A Zona Leste ao constituir-se no receptáculo destas novas inversões de capital atesta
seu potencial econômico, mas convém levantar uma questão por demais inquietante: à qual
Zona Leste estamos nos referindo? Transpondo a mesma investigação para o nível espacial
pode-se indagar se os investimentos acometem a área em função dela mesma, ou em função
da proximidade com o centro, da viabilidade logística, ou em função da pouca disponibilidade
de terras encontrada pelo grupo responsável.
Todavia, acreditamos que um mercado potencial já foi avistado e que potencialidades
foram cogitadas - e inclusive garantidas pela parceria com o poder público local - e estudadas,
e por ser essa produção de caráter social - os urbanistas e empreendedores com certeza o
sabem - apenas o devir poderá corroborar as premissas aqui levantadas, mas é verídico, a
valorização já chegou à Zona Leste, com ela toda as suas contradições e problemáticas da
urbanização capitalista.
117
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