CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS WAGNER VINICIUS AMORIM A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária Londrina - PR 2008 WAGNER VINICIUS AMORIM A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha Londrina - PR 2008 WAGNER VINICIUS AMORIM A (RE)VALORIZAÇÃO E A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA: A DINÂMICA DO CAPITAL INCORPORADOR E DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA Monografia apresentada ao Curso de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual de Londrina – UEL, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Fábio César Alves da Cunha (orientador) Universidade Estadual de Londrina Profa. Dra. Tânia Maria Fresca Universidade Estadual de Londrina Profa. Dra. Yoshiya Nakagawara Ferreira Universidade Estadual de Londrina Londrina, ____ de ___________ de 2008. Dedico este trabalho à minha família que muito batalhou para que eu tivesse a oportunidade e o privilégio de empreender esforços intelectuais a procura de um mundo e de uma vida mais justos. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar a Deus pelo dom da vida e da razão e a minha família por todo apoio que me concederam e a educação com que me formaram. Ao Professor e orientador Dr. Fábio César Alves da Cunha, quem me acompanhou e me orientou durante toda a realização deste trabalho, sem o que não teríamos chegados a este resultado. Pela dedicação e pelo apoio, sobretudo, nos momentos mais cruciais da realização do mesmo. A querida Professora Dra. Alice Yatiyo Asari, Tutora do Programa de Educação Tutorial (PET) desta universidade, quem muito participou e contribuiu para grande parte da minha formação acadêmica e cidadã, sempre nos orientando pelos princípios éticos e solidários que regem seu trabalho digno de respeito e admiração. Ás Professoras Ruth Youko Tsukamoto e Kumagae Kasukuo Stier, professoras co-orientadoras das atividades desenvolvidas no âmbito do Programa de Educação Tutorial, durante os meus anos de bolsista e estagiário do grupo. Aos professores desse departamento que contribuíram para minha formação acadêmica e profissional enquanto professor de Geografia, pelo conhecimento compartilhado e transmitido, pela paciência despendida, pelas alegrias proporcionadas e pelas reflexões inspiradas. Sobretudo, pela emoção singular da convivência. Aos funcionários desse departamento pela prontidão em ajudar-nos pacientemente em todo tipo de tarefa e de dificuldades que, sem eles, ficaríamos à deriva. Aos companheiros de turma Alessandro Rotunno, por toda a sabedoria compartilhada, pelas experiências e descobertas comuns ao longo de todos os anos da graduação; e Leandro Henrique da Silva, pelas reuniões de estudos tão enriquecedoras e “saborosas”, e pelo despertar de novas idéias a respeito do homem, a respeito do espaço. Ao Programa de Educação Tutorial – Geografia (PET-MEC-SESu), pela oportunidade de dedicação integral aos estudos e participação em eventos e congressos científicos, e pelo ambiente interdisciplinar de estudo dentro dessa universidade. Ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL) pela concessão das cartas e dos mapas. “Importam-se empresas e exportam-se lugares. Impõe-se de fora do país o que deve ser a produção, a circulação e a distribuição dentro do país, anarquizando a divisão interna do trabalho com o reforço de uma divisão internacional do trabalho que determina como e o que produzir e exportar, de modo a manter desigualmente repartidos, na escala planetária, a produção, o emprego, a mais-valia, o poder econômico e político. Escolhem-se, também, pela mesma via, os lugares que devem ser objeto de ocupação privilegiada e de valorização, isto é, de exportação.” (MILTON SANTOS, Guerra dos lugares, 1999). AMORIM, Wagner Vinicius. A (Re)valorização e a produção social do espaço urbano na Zona Leste de Londrina: A dinâmica do capital incorporador e da especulação imobiliária. 2008. 124 p. Monografia (Curso de Bacharel em Geografia) – Centro de Ciências Exatas Departamento de Geociências – Universidade Estadual de Londrina. RESUMO Esta pesquisa tem como recorte espacial a Zona Leste da Cidade de Londrina, onde atualmente tem-se verificado um direcionamento de investimentos tanto por parte do setor público e do privado, como da parceria entre eles. Trata-se de fluxos de investimentos, levando a revalorização espacial às antigas áreas da cidade que há muito tempo não conheciam uso urbano. Entretanto, porções de terras ainda permanecem sem uso, demonstrando a existência de práticas especulativas, da reserva de valor e o interesse privado de agentes produtores do espaço urbano. É objetivo desta pesquisa verificar a atuação pública e privada nesta área da cidade. Para tanto, algumas iniciativas locacionais são tomadas como pontos fundamentais: é o caso da instalação da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); do Complexo Marco Zero, onde será construído o Teatro Municipal; dos Supermercados Golfinho, da Faculdade Norte Paranaense – UNINORTE; dos condomínios residenciais horizontais e verticais; dos loteamentos residenciais; dos conjuntos habitacionais; além da centralidade exercida pelas principais avenidas da área, dentre outros investimentos de menor porte. A Zona Leste da cidade de Londrina, refletindo as lógicas e práticas atinentes à produção do espaço urbano, sob o capitalismo, também é instância de contrastes e disparidades sociais, pois, ao mesmo tempo em que se prepara para receber investimentos importantes, conhece a segregação de populações de baixíssima renda, espoliadas do direito à cidade, simultaneamente à auto-segregação praticada por moradores de condomínios residenciais existentes na área, consumidores de um espaço urbano inautêntico e fluído. Palavras-chave: Produção do espaço urbano, especulação imobiliária, capital incorporador, fragmentação e segregação sócio-espacial, uso e ocupação do solo urbano. LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e Jamil Scaff ................................................................................................................................ 71 Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero .................................................. 74 Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo .................................... 75 Figura 04 – Marco Zero de Londrina ....................................................................................... 76 Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero........................................................... 77 Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero .......................................... 80 Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica) .............. 92 Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves .... 92 Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal.................................................................................................................................. 93 Figura 10 – Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal.................................................................................................................................. 93 Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR..... 95 Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de Londrina ................................................................................................................................... 96 Figura 13 – Localização da UTFPR ......................................................................................... 97 Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina........ 97 Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD Loteadora & Protenge Urbanismo e Engenharia ....................................................................................... 99 LISTA DE MAPAS Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional ........................................................ 42 Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina................................................. 43 Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas......................................................... 57 Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município de Londrina............................................................................................................................... 63 Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários)..................................................... 64 Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores Censitários ................................................................................................................................ 65 Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco Zero........................................................................................................................................... 85 Mapa 08 – Principais avenidas da Zona Leste ....................................................................... 110 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais .............. 55 Tabela 2 – Evolução demográfica do Município de Londrina................................................. 59 Tabela 3 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste ................... 91 Tabela 4 – Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina .......... 106 Tabela 5 – Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina ........... 108 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................10 2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO................................................................12 2.1. O Método Científico..........................................................................................................12 2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da Geografia...................................................................................................................................19 2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo.....................................29 3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA.......................................................................................................................41 3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do Paraná........................................................................................................................................43 3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da Economia Cafeeira....................................................................................................................50 3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da Revolução Verde e a Explosão Urbana.....................................................................................53 4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA.....................................................61 4.1. Introdução..........................................................................................................................61 4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do espaço urbano burguês e a renda da terra urbana......................................................................67 4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná........................................................................................................................................72 4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Londrina..............................................................................94 4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto catalisador do crescimento urbano............................................................................................99 4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana na Zona Leste de Londrina......................................................................................................103 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................114 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................117 10 INTRODUÇÃO O espaço urbano, corolário do desenvolvimento econômico do capital e do modo de produção capitalista, não é inerte a este processo, muito menos seu produto final apenas, mas, antes de qualquer coisa, constitui-se em condição, meio e produto do processo geral de produção e reprodução capitalista da sociedade. Atualmente, tem ser tornado em “lugarcomum” entre geógrafos e cientistas sociais a afirmação da relação dialética existente entre espaço e sociedade, dito de outro modo, instâncias interativas do processo geral de reprodução social, que encerram por materializar as suas contradições no espaço geográfico. Partindo deste pressuposto, encaramos o fato urbano, enquanto produto social, uma amálgama de intencionalidades díspares, até mesmo conflitantes, pois, alvo de interesses distintos, o espaço urbano é produzido contraditoriamente, não é um interesse ou um agente apenas o responsável por sua reprodução, mas diferentes interesses e diferentes agentes que o moldam a cada dia. Para ilustrarmos esta colocação basta pensar na presença do interesse público e privado na cidade, quando, não raras vezes, a coexistência desses dois interesses em uníssono, as chamadas parcerias público-privadas. O espaço urbano não é somente o lócus dos interesses econômicos e políticos propriamente ditos, também é o lugar da vida, da reprodução da vida, é o lugar da apropriação social – ao menos deveria ser –, é o lugar do cotidiano e da vivência, lugar da inventividade, entretanto, também é o lugar da segregação, da exclusão, dos favorecimentos, dos privilégios, lugar dos investimentos e descompassos, lugar da valorização e desvalorização. Esta pesquisa versa sobre tais processos mencionados, tendo como recorte espacial a Zona Leste da Cidade de Londrina, onde, atualmente tem-se verificado um direcionamento de investimentos tanto por parte do setor público e do privado, como da parceria entre ambos. Tratam-se de fluxos de investimentos, levando a revalorização às antigas áreas da cidade que há muito tempo não conheciam um uso. Entretanto, paradoxalmente, porções de terras ainda permanecem sem uso, demonstrando a existência do capital especulador, da reserva de valor e o interesse privado de agentes produtores do espaço urbano. A produção social do espaço urbano tem se intensificado como uma base sólida da reprodução capitalista, pois, a despeito de todas as crises enfrentadas pelo sistema capitalista, o investimento no setor imobiliário sempre se mostra ascendente e financeiramente mais seguro que investimentos em qualquer outro setor da economia. Apesar da crise imobiliária pela qual passa a principal economia do planeta, o setor tem a capacidade de, caso se desestruture, prejudicar toda uma cadeia produtiva, com repercussões internacionais. O que 11 justifica investimentos bilionários estatais no setor e o empenho político em torno do mesmo. O cenário brasileiro é otimista e tem chamado a atenção de muitos investidores estrangeiros e tem atraído o capital financeiro internacional a investir maciçamente no país através de megainvestimentos no setor e em toda a cadeia que a ele está ligada diretamente. É o caso do capital incorporador, que não mais limitado apenas à produção do imobiliário, se alastra por toda a cadeia produtiva ligada ao setor, ao promover a associação de empresas e ao ampliar o potencial das parcerias público-privadas. Desse modo, o Estado é cada vez mais “convidado” a “preparar o caminho” para o capital incorporador, ao induzir investimentos ou se coadunar com este capital na produção do ambiente construído, incumbindo-se pela dotação de equipamentos públicos e comunitários, infra-estrutura viária, logística, e, principalmente, planejamento consorciado do espaço urbano e regional, pelo favorecimento e respaldo jurídico/legal e pelas políticas viabilizadoras de tais investimentos. O caso londrinense é emblemático desse tipo prática, pois, o Estado, em suas instâncias Municipal, Estadual e Federal tem concentrado esforços em torno de objetivos comuns ao capital incorporador. É o caso dos investimentos direcionados para a Zona Leste da cidade, especialmente o Complexo Marco Zero, objeto de análise desta pesquisa, onde o poder público local, Governo Estadual e Federal tem se empenhado na mesma direção e sentido do capital incorporador. Inicialmente realizar-se-á uma breve ontologia do espaço geográfico e do espaço urbano na ótica da Geografia. Na seqüência abordar-se-á sucintamente as páginas da história de Londrina e seu processo de formação. Finalmente, analisar-se-á o caso da Zona Leste de Londrina, especialmente da microrregião Leste 2 que corresponde exatamente à área mais central dessa Zona da cidade. Todavia, nossos objetos de análise não podem ser compreendidos apenas dentro dessa área, fazem parte de um contexto mais amplo, mas para fins metodológicos tomou-se esta área como delimitação espacial de análise. No último capítulo analisar-se-á o papel do discurso oficial e midiático e a lógica da especulação imobiliária na produção capitalista do espaço urbano burguês. Num segundo momento abordar-se-á o capital incorporador, o Estado capitalista enquanto um agente de segregação e fragmentação espacial, a reestruturação produtiva e a renovação urbana, no contexto do Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR). Finalizaremos o trabalho com alguns levantamentos em campo a respeito da produção social do espaço urbano e da valorização fundiária, analisando-se o comportamento do setor imobiliário enquanto catalisador do crescimento urbano na Zona Leste de Londrina. 12 2. BREVE ONTOLOGIA DO ESPAÇO URBANO 2.1. O Método Científico Este trabalho se inicia procurando estabelecer as devidas distinções e definições pertinentes à metodologia que o orienta. Do grego methos, o método traduz-se em meta, caminho, ou seja, um conjunto de procedimentos racionais e analíticos, baseados em regras, que visam atingir um objetivo determinado, um “[...] instrumento intelectual e racional que possibilite a apreensão da realidade objetiva pelo investigador [...]” (SPÓSITO, 2004). Tal como propõe Santos (1998, p. 166), “um método é um conjunto de proposições - coerentes entre si – que um autor ou um conjunto de autores apresenta para o estudo de uma realidade, ou de um aspecto da realidade”, pois, já que não podemos inventar o mundo, inventamos uma forma de interpretação dele, pois o mundo existe independentemente de nós. Ou, como propõe Japiassu e Marcondes (1990, p. 166), a respeito do método em Descartes, quem marcou o renascimento com seu racionalismo lógico formal ao dizer que: Por método, entendo as regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e chegarão, sem se cansar com esforços inúteis, ao conhecimento verdadeiro do que pretendem alcançar. Acrescentemos às interpretações anteriores as próprias assertivas de Descartes (2001, p. 6), para quem “achava quase como falso tudo quanto era aparente”. Assim, devia, pois o método instigar o pesquisador a adentrar as “fissuras” das formas por ele analisadas, apreender a essência das coisas. Descartes (2001, p. 8) em seu Discurso do Método propõe quatro princípios, quatro preceitos, que compõem a lógica, parafraseando-os, concluímos que: a) nunca deve-se aceitar algo como verdadeiro sem conhecê-lo antes como tal, evitando-se assim, a pressa, a prevenção e o pré-conceito; b) repartir cada uma das dificuldades analisando-as em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las; c) iniciar-se pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, elevando-se, pouco a pouco, até os conhecimentos mais complexos, evoluindo da ignorância ao conhecimento; d) efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais não se omita absolutamente nada. Apesar da presença do mecanicismo e da disciplinaridade em seu discurso, não desprezaremos as notáveis e ricas contribuições deste pensador, antes, nos apropriemos de seus feitos e avanços ao/no conhecimento científico. 13 A este propósito, o próprio Marx (1977, p. 218) escreveu que o melhor método é começar pelo real e pelo concreto, pois, “[...] o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida [...]”, apesar de ser o ponto de partida da observação imediata e da representação. E conclui: “nesta medida, a evolução do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, corresponderia ao processo histórico real” (MARX, 1977, p. 220). Harvey (1980, p. 5), reconhece esse fato quando escreve que a verificação da teoria é conseguida através da prática, da realidade, isto é, do seu uso, o que a torna prática em um sentido decisivo. Não obstante, Santos (1988b, p. 11) coloca a questão de maneira exemplar quando escreve que “o correto é partir da própria realidade [...]”, pois, “[...] a concretude da abstração está na base mesma da realização dos nossos mínimos atos com ser social”. Marx foi seguido em seu método ao considerar o real concreto como síntese de múltiplas determinações, como unidade da diversidade. Fernandes (1991, p. 32), reconhece este fato ao escrever que: [...] quando pretendemos conhecer um determinado objeto, não trabalhamos com os componentes do conhecimento separadamente, ou seja, não separamos o método da teoria na prática. O processo de conhecimento implica a interação de todos os componentes. Da mesma forma, afirma Carlos (1993, p. 140), que “[...] só existe processo de conhecimento na medida em que se divide, se aprofunda em cada uma das partes; mas tornase necessário a articulação dos momentos do todo numa totalidade estruturada”. Neste sentido, Corrêa da Silva (2000, p. 12 e 13), escreveu que o método, em sua dimensão ôntica, se põe “[...] como síntese da análise e análise da síntese, num movimento intelectivo que vai do todo à parte e desta ao todo”. O método é para esse autor pura abstração e manuseio da forma, num movimento autônomo que a consciência capta como certeza na relação, sendo a verdade um instante que a história prolonga. É abstrato porque o pensamento concreto também é, como sensação ou representação, apesar de ser o ponto de partida da materialidade requerido pela práxis da ciência (CORRÊA DA SILVA, 2000, p. 14). E continua, ao asseverar que “pensar o método é ter a razão como pressuposto e, com esta, a abstração”, o ponto de partida do raciocínio, a idéia concreta, desse modo, ”[...] o ponto de partida do método é, desde logo, a teoria implícita que, num primeiro momento, reconhece a 14 forma. Que ele próprio expressa-se como momento de constituição da forma” (CORRÊA DA SILVA, 2000, p. 18 e 19). Destarte, o método dirige o equacionamento dos problemas próprios do temário invocado, pautando a ordenação de sua discussão e estabelecendo os instrumentos e o ferramental a serem utilizados durante todo o processo. Nesse trabalho discorreremos sobre a teoria que orienta esta pesquisa, sobre a prática (empiria), na tentativa de trabalhar o real estudado a partir do olhar da teoria, pois, tal como propõe Moraes e Costa (1984, p. 10) “o caminho para a elucidação da teoria é, podemos dizer, teórico. Sem pressupostos e instrumentos bem precisados, caminharemos às cegas no trato do mundo empírico”. Assim, realizar-se-á a investigação e interpretação da realidade conhecida, mas, sobretudo da teoria, intentando reconhecê-la na realidade investigada. Moraes e Costa (1984, p. 26 a 28), distinguem método de interpretação e método de pesquisa. O primeiro diz respeito à “concepção de mundo” do pesquisador, “sua visão de realidade, da ciência, do movimento”. É a sistematização das formas de ver o real, a representação lógica e racional do entendimento que se tem do mundo, a teoria. Refere-se às posturas filosóficas, quanto às questões da lógica, da ideologia e da postura política do cientista. É o arcabouço estrutural sobre o qual repousa qualquer conhecimento científico. É o elemento de relação entre os vários campos da ciência e destes com a filosofia. Já o método de pesquisa, diz respeito ao conjunto de técnicas utilizadas na execução do trabalho científico, refere-se à operacionalização da pesquisa, resultando das demandas do objeto tratado e dos recursos técnicos disponíveis. Nosso método de interpretação do real percorre os caminhos da Geografia Crítica, tendo como apreensão intelectual do real o materialismo histórico e dialético, o qual apreende o espaço como “[...] base da vida social, e sua organização como reflexo da atividade econômica” (MORAES, 2005, p. 124), desempenhando uma função decisiva na estruturação de uma totalidade, de uma lógica ou de um sistema, seja através do espaço vivido e social, como do espaço da reprodução das relações sociais de produção, uma estrutura subordinada, subordinante e, simultaneamente, autônoma, aos/dos ditames do modo capitalista de produção, referimo-nos aqui, em especial, ao espaço urbano (CORRÊA, 1993 e 1995). O método dialético compreende necessariamente a noção de movimento na história. “Esse movimento ocorre quando, na confrontação de tese e antítese, a síntese contém aspectos positivos da tensão anterior, e apresenta-se como estágio superior que, por sua vez, se coloca também como uma nova tese” (SPÓSITO, 2004, p. 44). Este método, vigorosamente aperfeiçoado por Marx e Engels, fundamentados no idealismo alemão, propriamente na 15 dialética hegeliana e no materialismo de Ludwing Feuerbach – elo entre a concepção marxista e a filosofia hegeliana -, “[...] contém os princípios da interação universal, do movimento universal, da unidade dos contraditórios, do desenvolvimento em espiral e da transformação da quantidade em qualidade” (LENCIONE, 1999, p. 159). Para Konder (1985, p. 8), a dialética “é o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente estado de transformação”. É esse o método que a nosso ver se adapta à nossas necessidades, pois, de acordo com Carlos (1993, p. 130 e 131) a realidade, enquanto fazer-se histórico, é totalidade concreta aberta e dialética, bem como a Geografia, está em constante constituição, num movimento de constante superação, não é homogênea, antes, contraditória e múltipla. Entretanto, concordamos com Gomes (2003, p. 303), quando sinaliza que não existe hoje, na Geografia, a crença numa “[...] via metodológica única, que será aquela da ‘verdadeira’ geografia, e se reconhece a importância e a riqueza de outras condutas possíveis para a Geografia”. Assim, também não pretendemos um ecletismo teórico, longe disso, apenas conscientizamo-nos sobre o risco de se fundamentar em “verdades absolutas”, tomando por caminho certo o que pode no devir não o ser. De acordo com Spósito (2004, p. 55), o método compõe-se de cinco elementos, a saber: doutrina, teorias, leis, conceitos e categorias. Destes, chamaremos atenção ao conceito e à categoria, o primeiro funcionando como um balizador do pensamento geográfico em geral. O espaço é um deles, o principal. Fonte de incansáveis discussões, debates, polêmicas, o espaço sempre esteve, está e estará presente nos estudos geográficos. Isso já é por demais sabido! Mas, por que devemos retomar aqui sua discussão? Não seria de mais interesse discutir a própria Geografia? Várias questões ficarão sem respostas ao fim desse trabalho, certamente mais dúvidas serão formuladas do que propriamente certezas. Além do mais, nosso objeto de pesquisa gira em torno de presunções hipotéticas, virtuais, potencialidades do vir-a-ser. O real, o aqui e o agora é o nosso ponto de partida, mas desconhecemos nosso ponto de chegada: um virtual-possível lefebvriano? (LEFEBVRE, 1999, p. 28). Contudo, o conceito espaço continua sendo o nosso balizador, assim como o é para a Geografia, e como deveria ser para qualquer outra práxis que o diga respeito. A fim de melhor esclarecer os elementos do método a serem utilizados no transcorrer deste trabalho, identifiquemos o significado, para a ciência, do “conceito” em si mesmo. De acordo com Japiassu e Marcondes (1990, p. 53), trata-se de “uma noção abstrata ou idéia geral, designando seja um objeto suposto único, seja uma classe de objetos”, e do “ponto de vista lógico, o conceito é caracterizado por sua extensão e compreensão”, sendo estas duas 16 características do conceito inversamente proporcionais. A esse respeito complementamos com Spósito (2004, p. 60), para quem: [...] todo conceito tem sua história e pode ser identificado com seu ator ou atores [...], porque é elaborado com base em alguma referência inicial (científica ou filosófica), com seus elementos internos devidamente articulados que definem sua consistência a partir da sua própria constituição, remetendo, sempre que evocado, a outros conceitos para efeitos de comparação ou de superação. O conceito, na acepção de Santos (1992a, p. 9), é uma formulação abstrata que configura, no pensamento, as determinações de um objeto ou fenômeno. No contexto do pensamento marxista, o conceito equivale a uma categoria explicativa, que ordena, compreende e expressa uma realidade empírica concreta, como um "concreto pensado", "síntese de múltiplas determinações". "O conceito só é real na medida em que é atual. Corrêa da Silva (1986, p. 28), reconhece este fato quando escreve que “o conceito é uma representação do objeto pelo pensamento [define a idéia ou conjunto de idéias a respeito de alguma coisa ou fenômeno], por suas características gerais”. Para fins metodológicos de desambiguação, saibamos distinguir conceito de categoria, esta última tomada no sentido de verdade eterna, presente em todos os tempos, em todos os lugares, e das quais se partem para a compreensão das coisas num dado momento, desde que se tenha o cuidado de levar em conta as mudanças históricas (SANTOS, 1992a, p. 5). De acordo com Corrêa da Silva (1986, p. 25 – 28), consiste, verdadeiramente, em pontos de apoio do conhecimento e da prática, universais abstratos, formas de generalização, modos de ser, mediação do concreto, síntese fundamental do fenômeno em sua essência, pontos de partida do raciocínio, entes ideais, ontológicos produzidos pela razão (entidades lógicas) ou determinações da existência (modalidades ontológicas do ser). Ela sobrepõe-se ao conceito, determina-lhe o conteúdo, que deve ser concreto, define os modos de ser. Como observou Santos (2004a), é a partir do conceito que uma ciência se relaciona com outra, o conceito, ao mesmo tempo em que é um constructo intelectual de um determinado segmento da ciência, “esbarra” em outros domínios diferentes do seu domínio original, isso porque, segundo Durkheim (apud SANTOS, 1986b, p. 116) “na realidade, cada coisa na natureza encontra-se unida com as outras de tal maneira que aí não pode haver solução de continuidade entre as diferentes ciências em fronteiras muito precisas”. Assim, abre-se oportunidade à inter, multi e transdisciplinaridade no trabalho científico, tão necessárias ao entendimento da diversidade do funcionamento da realidade. 17 Para o cientista social (o que inclui o geógrafo) lhe importa saber que “[...] o conceito é elaborado pela descrição de um fenômeno, expressa esse fenômeno como concepção que parte dos sentidos e que pode ser abordado empiricamente”, sendo também, construído empiricamente (SPÓSITO, 2004, p. 61). A utilização dos conceitos sempre vem acompanhada da utilização das categorias, seja qual for o trabalho que se pretenda. E existem diferenciações entre estes dois instrumentais. A categoria diferencia-se do conceito, justamente por ser mais constante, rígida, dotada de um significado estabelecido, de uma definição. Como bem dizia Hegel (apud SPÓSITO, 2004, p. 62), “as categorias representam essências ideais que exprimem os momentos correspondentes da idéia absoluta [...]”, posição essa criticada por Marx e Engels, dada a sua carga idealista. Em Geografia predominam a utilização de diferentes categorias, Santos (1992) as expõe em seu método: estrutura, processo, função e forma, dentre outras, sendo espaço a “categoria-mor”. Faremos uso delas no transcurso deste trabalho. Dadas as devidas distinções entre conceito e categoria, continuaremos no trato do espaço, ciente de que a Geografia enquanto ciência tem diferentes definições para o espaço, o que varia em função da orientação filosófica e/ou metodológica do pesquisador, de acordo com sua visão de mundo. Uma vez assumida a orientação metodológica e filosófica a que se pretende esse trabalho, ter-se-á uma definição desse constructo social, que no dizer de Corrêa da Silva (1986, p. 32), “primeira categoria do pensamento geográfico”, momento inicial, préideação, pré-condição da concreticidade das outras categorias. Entretanto, como a realidade está em permanente mudança, as ferramentas de análise também deverão estar de acordo com estas mudanças, em permanente atualização, se renovando ao mesmo passo que a realidade estudada. Esta é a razão da constante atualização dos conceitos e do risco que pode ocorrer caso os mesmos sejam “engessados”, pois, como pontua Santos (1988b, p. 17) “a sociedade, pois, existe em uma situação de movimento perpétuo, que é o próprio movimento da história”. Do mesmo modo, “[...] as formasconteúdo, cuja totalidade constitui o espaço humano, influenciam a evolução social. Assim, a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do espaço e de sua organização [...]”, demandando modificações a níveis conceituais, se necessário, paradigmáticos. Já dizia La Blache, a referência da Geografia deve estar na superfície, no espaço geográfico, este, de ordem estrutural, global, de nível macro das ações humanas (MOREIRA, 1981 e 2007), entretanto, alternativamente à La Blache, para quem a Geografia seria a ciência dos lugares e não dos homens (MORAES, 2005, p. 79), preferimos, concordar com Santos 18 (2000, p. 58), ao considerar que “o fundamental são as pessoas, e suas necessidades e direitos e não onde elas estão”. O que não exclui a necessidade de se pensar o espaço, pois, ninguém vive sem ocupar espaço (MORAES, 2005, p. 34), nenhum indivíduo pode prescindir do solo, suas benfeitorias e moradias, “[...] são mercadorias das quais nenhum indivíduo pode dispensar”, já afirmava Harvey (1980, p. 135). Escreveu Lefebvre (1975, p. 73 e 75), que “o devir da ciência é um devir social”, e que “a história do conhecimento não pode ser relacionada à história abstrata do ‘ser social’, mas à história concreta da prática social”. Daí as três características atribuídas por ele ao conhecimento científico: prático, social e histórico, formando um todo indissolúvel. Essa ligeira caracterização do conhecimento humano o compromete com a práxis social. Sendo social, prática e histórica não há porque limitá-lo a apenas uma parcela da ciência, antes o conhecimento perpassa um todo inter, multi e transdisciplinar que se vê efetivado na prática. Assim também concebe a lógica dialética, também chamada por ele de lógica concreta (LEFEBVRE, 1975, 84 a 85): A lógica concreta não pode consistir num simples registro passivo dos procedimentos empregados praticamente pelos cientistas. Ao constituir-se, ela encontrará nas diferentes ciências, ou seja, nos diferentes conteúdos, movimentos de pensamento e formas comparáveis ou mesmo idênticos. Assim [...], essa lógica concreta produzirá uma metodologia única e sistemática, uma teoria das relações entre as diferentes ciências. Portanto, ela não pode se contentar com uma simples reflexão sobre os métodos tomados isoladamente; a lógica concreta, sem se separar das ciências e dos seus métodos, deverá ao contrário, elucidar esses métodos, inserí-los numa visão de conjunto do trabalho do pensamento e da atividade humana. Deve trazer alguma contribuição aos cientistas e às ciências, quebrar os compartimentos estanques, penetrar nas ciências tanto de dentro (em nome do próprio movimento e conteúdo específicos delas) quanto de fora (em nome da necessidade de unidade, de conjunto, em nome das relações concretas entre a ciência e a vida, entre a teoria e a prática). A Geografia, inserida nessa postura crítica e compromissada com o “devir social”, não pode ser neutra (OLIVEIRA, 1985), o que, conseqüentemente, colocaria em cheque seu status de imparcialidade? Apesar de o estatuto científico dominante colocar como regra para as ciências a neutralidade, a imparcialidade e a autonomia, apenas a imparcialidade resiste nos dias atuais ao controle e à ideologia, permanecendo como um valor central de todas as práticas de pesquisa conduzidas sob qualquer estratégia, garantindo, enfim, uma ciência livre de valores (LACEY, 2000, p. 110). Entretanto, a práxis nos põe a repensar tais componentes da ciência e a própria ideologia existente por trás de qualquer trabalho científico. Essa postura 19 torna-se ainda mais importante no que se refere às dimensões do urbano, onde ideologias e técnicas a serviço de interesses pessoais, de classe, ou de frações de classe, ou seja, parciais, entravam, ou até mesmo impossibilitam os postulados e a práxis do verdadeiro trabalho científico. A esse respeito Ferreira (1988, p. 45), coloca que [...] se a ciência não estiver voltada para o bem-estar do homem dentro da sociedade, de nada adiantará a ciência pela ciência. Na verdade, ela não é neutra, nunca será, pois, será fruto daquilo que somos, daquilo que queremos, seja consciente ou inconsciente. Concluímos com Oliveira (1985), ao descrever o método dialético empregado por renomados pesquisadores marxistas, dentre eles cita Mao Tse Tung na China e Caio Prado Junior no Brasil, ao afirmar que o método parte da prática social, a qual condiciona o pensamento, este, por sua vez, sabe-se, elabora o conhecimento, a fim de que este possa informar o pensamento de como dirigir a prática social. Assim, o critério último de verdade reside na própria prática social, devendo ser, de acordo com Marx e Engels (2005, p. 50), livre de qualquer especulação e mistificação. 2.2. A Categoria-mor: Querelas e Indagações a respeito do Espaço, a respeito da Geografia. Pensar o espaço é pensar o objeto da Geografia, é pensar o futuro a partir do presente, levando em consideração o passado. Pois, como já dizia Santos (1986a, p. 1), numa frase que ficou muito conhecida: “o espaço é a acumulação desigual de tempos”, é a matéria trabalhada por excelência, além de que acumula no decurso do tempo as marcas das práxis acumuladas. É o componente fundamental da totalidade social, pois é ele quem condiciona e comanda a prática social e as atividades dos homens, é o lugar das relações de produção e reprodução, sendo assim uma mercadoria universal por excelência, um capital comum a toda humanidade, mas, de utilização efetiva particular. Constitui-se numa gama de especulações de ordem econômica, ideológica, política, isoladamente ou em conjunto. É o veículo do capital e instrumento da desigualdade social, porém, tem capacidade para transformar os modos de produção e, conseqüentemente, a realidade (SANTOS, 1979 e 1986a). Há algumas páginas atrás nos perguntamos sobre o que seria mais importante: discutir o conceito de espaço ou discutir a Geografia? Alguns grandes pensadores contemporâneos desta ciência afirmaram ser de mais valia discutir a Geografia do que 20 propriamente a sua principal categoria (SANTOS, 2000 e 2004b; MOREIRA, 2007). Aliás, a discussão da Geografia em si mesma, de qualquer maneira, não se dará sem a discussão e aprimoramento dos seus conceitos e categorias. São estes que promovem os avanços daquela, em função da realidade que também “avança”. Ademais, “ferramentas” tão caras à Geografia, de tão longa data, não parecem em nada - mesmo nos dias atuais em que afloram desmesuradamente tecnologias que demonstram quase vencer o tempo e o espaço, ou mesmo a anulação do espaço pelo tempo, como defendem alguns - perder seus status e sua atualidade no arcabouço teórico e intelectual da Geografia. Ao contrário, elas se afirmam cada vez mais. Há mais de meio século, Demangeon afirmou que “a Geografia Humana é o estudo dos grupamentos humanos em suas relações com o meio geográfico”. Sendo a expressão “meio geográfico” mais compreensiva que a de meio físico, pois, “[...] ela engloba não somente as influências naturais que podem-se exercer, mas ainda uma influência que contribui para formar o meio geográfico, o ambiente total, a influência do próprio homem”. Haja vista, “[...] as obras humanas oriundas de todo o passado da Humanidade contribu[ír]em para constituir o meio, o ambiente, o meio geográfico que condiciona a vida dos homens” (DEMANGEON, 1982, p. 52 e 53). Esse autor (1982, p. 54 – 57) ainda estabelece três princípios básicos, vale ressaltar: a) em Geografia Humana deve-se evitar os determinismos absolutos, as fatalidades, antes saber que tudo se trata de vontade humana; b) a Geografia Humana deve trabalhar apoiando-se sobre uma base territorial, sendo o solo o fundamento de qualquer sociedade, de qualquer homem; e c) para ser compreensiva e explicativa a Geografia deve encarar a evolução dos fatos, remontando ao passado, recorrendo à História, e não apenas ater-se à consideração do estado atual das coisas. Esses princípios adquirem tamanha importância tendo em vista a Geografia Urbana, sub-ramo da Geografia, no qual se situa nosso trabalho aqui desenvolvido. Postulam-se como verdadeiras leis, o que, ao contrário, cairíamos num puro determinismo caso ignorássemos o primeiro princípio. Ou, ficaríamos longe de se produzir um trabalho verdadeiramente de Geografia, no caso da rejeição do segundo princípio, e faríamos o que outras áreas do saber o fazem com maestria. E, ao desconsiderar a história da evolução dos fatos nossa análise ficaria limitada, superficial e descritiva apenas. Santos (1979, p. 17) coloca a questão de maneira muito clara, ao afirmar que “[...] a história não se escreve fora do espaço e não há sociedade a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social”. A história espacial, ela mesma, é seletiva, e com o espaço se relaciona de maneira particular. Alhures (1988a, p. 57), Santos afirma que “a geografia deve preocupar-se com as relações presididas pela história corrente. O geógrafo torna-se um empiricista, e está 21 condenado a errar em suas análises, se somente considera o lugar, como se ele tudo explicasse por si mesmo [...]”, e não considerar a história das ações humanas, das ligações dialéticas entre objetos e relações, em que os objetos acolhem as relações sociais, e estas impactam os objetos. Pois, o espaço, na acepção de Santos (1986b), é um produto social e histórico, obra do trabalho e morada do homem, um campo de forças, cuja energia é a dinâmica social, ou mesmo, a incorporação de capital na superfície terrestre, que atua na história social por meio das formas duráveis, denominadas pelo autor de rugosidades, ou prático-inerte sartreano, através das quais influi significativamente no presente, no movimento da totalidade social (MORAES, 2005, p. 128 e 129; SANTOS, 1986b p. 145 e 1998, p. 84; 1992a, p. 55; REIS, 2000, p. 68). Analogamente à definição de Demangeon (1982) dada à Geografia, a qual entende o meio geográfico como um produto de influências naturais e, sobretudo, culturais, Carlos (1993, p. 134 e 1994a, p. 50), pondera que devemos entender o espaço geográfico como “[...] produto de um processo de relações reais que a sociedade estabelece com a natureza (primeira ou segunda)”. É nesse sentido que o espaço é humano, não porque o homem o habita, mas porque o produz, “um produto igual e contraditório à imagem e semelhança da sociedade que o produziu em seu processo de humanização/desumanização”. Em momento algum Marx falou explicita ou diretamente de Geografia, mas, ao tratar da relação homem-natureza na obra O Capital, preocupou-se em explicitar o que representa a natureza para os homens em geral, em todos os tempos, presentes e futuros. Entendia-a como o suporte e o substrato material da vida, e que entre ela e o homem, sempre existiu uma unidade, ou, em termos do próprio Marx, sempre existiu um metabolismo, que se estabelece por meio do processo de trabalho (ANTUNES, 2002, p. 20 a 21; BARREIRA, 1991, p. 27 a 29; GOMES, 1991, p. 16; MORAES e COSTA, 1984, p. 72; SMITH, 1988, p. 17; SANTOS, 2004a, p. 29; SOARES DE OLIVEIRA, 2002, p. 3; THOMAZ JÚNIOR, 2002, p. 3 e 4). Entretanto, com o advento do capitalismo, pela primeira vez, a natureza torna-se um objeto puro para o homem, “pura coisa de utilidade”, um objeto de uso e consumo, que, agora, entra no sistema de metabolismo societal do capital (ANTUNES, 2002), tornando-se a “fonte” da qual se origina “[...] toda e qualquer produção, mediada pelo trabalho humano [...]”, sendo, ao mesmo tempo e fundamentalmente, condição de existência do homem (BARREIRA, 1991, p. 31). Como já mencionado, a sociedade não pode prescindir do solo, da natureza, ou seja, do espaço. Esta regra também é valida para o Estado. Ratzel já afirmava isso no século XIX, e criticava a postura dos sociólogos porque eles pareciam estudar o homem “[...] como se ele tivesse formado no ar, sem laços com a terra” (RATZEL, 1983, p. 93). E ia mais longe ao 22 dizer que “não se pode entender nada a respeito do que então ocorre se não for considerado o solo” (1983, p. 94). De acordo com seu julgamento (1983, p. 98), “a sociedade é o intermediário pelo qual o Estado se une ao solo. Segue-se que as relações da sociedade com o solo afetam a natureza do Estado em qualquer fase de seu desenvolvimento que se considere”. Tendo em vista as considerações de Marx a respeito da natureza e as de Ratzel a respeito do solo, pode-se inferir quão geográficas foram suas assertivas, mesmo não tendo aquele esta preocupação, enquanto este eminentemente era um geógrafo. Onde os autores escreveram natureza e solo, poder-se-ia distintamente pensar em termos espaciais, é claro, de forma diferente da noção que se atribui à categoria espaço geográfico hodiernamente. O espaço por si só, afirma Carlos (1994b, p. 249), não é capaz de produzir nada, mas, torna-se produtor em função da natureza, a qual na acepção de Smtih (1988, p. 21), é o verdadeiro substractum material da vida diária que, tendo vista o progresso da acumulação capitalista e seu conseqüente desenvolvimento técnico-científico, tem se tornado cada vez mais produto da produção social, aparecendo agora como segunda natureza e não mais como primeira natureza (GOMES, 1991, p. 16). Smith (1988, p. 25) é enfático neste ponto, chegando a afirmar que “as sociedades humanas agora produzem a natureza de modo tão completo que a cessação do trabalho produtivo provocaria alterações profundas na natureza, incluindo a extinção da natureza humana”. Assim o homem por meio de seu trabalho tornouse o verdadeiro produtor de espaço geográfico, preso a ele por uma necessidade naturalizada pelo capitalismo, a necessidade de produzir, que o leva necessariamente a produzir espaço (CARLOS, 1944a, p. 50; GOMES, 1991, p. 16; MORAES e COSTA, 1984, p. 121; SANTOS, 1986b, p. 119 e 1988b, p. 10; SMITH, 1988, p. 26). Santos (apud REIS, 2000, p. 68 e 69), em seus estudos da década de 1970, considera o espaço como ”[...] a matéria [natureza] trabalhada por excelência”, e prossegue dizendo: Nenhum dos objetos sociais tem uma tamanha importância sobre o homem, nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem esses pontos são igualmente elementos passivos que condicionam a prática social. A práxis, ingrediente fundamental da natureza humana, é um dado sócio-econômico, mas é também tributária dos imperativos espaciais. Rugosidades, ambiente construído, prático-inerte, inércia dinâmica, sistemas de objetos, seja como for, o espaço geográfico comanda, influencia, proibi ou autoriza ações humanas (SANTOS, 1986b, 2004a; GOMES e HAESBAERT, 1988, p. 51; MORAES e COSTA, 1984, p. 122 e 125). De forma direta e incisiva está presente em todas as ações 23 humanas, em todas as relações sociais, por meio de suas próteses, o espaço geográfico substitui a natureza, e potencializa suas funcionalidades, e desenvolve novas ao mesmo tempo em que destrói as antigas, todavia, as configurações espaciais, a cada novo passo da marcha da história, cada vez mais expressam relações sociais e constituem-se em condicionantes das relações entre agentes de uma formação econômica e social. A cada mudança na configuração espacial concreta, “[...] resulta da ação de elementos energéticos, sejam estes naturais [...] ou agentes sociais que, através de suas práticas, estabelecem ou destroem cristalizações localizadas, fluxos materiais, etc.” (CORAGGIO apud REIS, 2000, p. 65). Uma vez detectada algumas características do objeto da ciência geográfica, se faz necessário torná-lo compreensível e inteligível, compreender como se processa e como se nos apresenta. O espaço geográfico, encarado pelo materialismo histórico e dialético como um processo, um fenômeno em formação e definição, está, permanentemente, em construção, em desnaturalização, humanização. Desse modo, “não pode haver espaço nem como categoria a priori nem como dimensão física isolada e arbitrariamente pré-delimitada” (MORAES e COSTA, 1984, p. 73). Embora seja um objeto concreto, por seu caráter social, o espaço limita ou anula as possibilidades de uma descrição/observação imediata, fulcro do positivismo. Não obstante, o espaço apresentar-se como sobreposição dos resultados dos processos naturais e sociais, ele é, antes de tudo, eminentemente social, pois é sempre a sociedade que o qualifica, criando valores socialmente úteis e seletivamente apropriados (GOMES, 2003, p. 297; MORAES e COSTA, 1984, p. 133, SANTOS, 1988b, p. 10). Objeto, veículo e produto do capital, o espaço, numa consideração muito usual e divulgada, consiste em produto, condição e meio das relações sociais de produção sob o capitalismo (CARLOS, 1994b, p. 84), ou como diria Corrêa da Silva (1994, p. 420 - 424), o espaço produzido é o resultado e o ponto de partida, é o próprio devir, num pensamento dialético/relacional, também o próprio passado. Santos (1988b, p. 15), assevera que o espaço não pode ser considerado um pano de fundo neutro e passivo, não é apenas um reflexo da sociedade como diria o estruturalista marxista-althusseriano Manuel Castells em A Questão Urbana (GOTTDIENER, 1997), nem um fato social apenas, mas um condicionante condicionado (SANTOS, 1986b, p. 145), tal como as demais estruturas sociais. Nossos esforços não devem se limitar apenas ao visível, pois, “[...] freqüentemente é a força não material que é o dado verdadeiramente significativo na geografia [...]”. Destarte, a explicação de fato reside nos fatores “invisíveis”, no que não é imediatamente sensível, ou seja, nas “[...] formas modernas de acumulação do capital, 24 relações sociais cada vez mais complexas e mundializadas e tantas outras realidades que não se podem perceber sem um esforço de abstração” (SANTOS, 1988b, p. 14). Afirma o referido autor (1988b, p. 15 - 17) que o conteúdo corporificado do espaço é a sociedade, já distribuída dentro das formas geográficas, estando assim espacializada. Portanto, sabemos que a sociedade existe, pois, em uma situação de movimento perpétuo, o próprio movimento da história. Mudanças na sociedade, necessariamente implicarão em mudanças nas formas-conteúdo, estas, por sua vez, cuja totalidade constitui o espaço humano, influenciam a evolução social (SANTOS, 1992a, p. 2). Deste modo, afirma Santos (1988b, p. 17), “a cada nova evolução da totalidade social corresponde uma modificação paralela do espaço e de sua organização [...]”, tendo em vista que: O espaço é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestido de uma certa autonomia na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhes são próprias. Existe uma dialética entre forma e conteúdo, que é responsável pela própria evolução do espaço (SANTOS, 1988b, p. 15). Santos (2004a, p. 102 e 103), considera que a cada evento a forma se recria, assim, a forma-conteúdo é condição da realização do evento, das funções de que é portadora. Por outro lado, “desde o momento em que o evento se dá, a forma, o objeto que o acolhe ganha uma outra significação, provinda desse encontro”. O evento não tem existência fora da formaconteúdo, não pode ser entendido fora dela, e acrescenta: A idéia de forma-conteúdo que une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa idéia também supõe um tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 2004a, p. 103, grifo nosso). A fim de não cair na indiscriminada utilização de conceitos, termos e definições usados por Milton Santos a respeito do espaço geográfico, nos convém melhor elucidá-los doravante. Concordamos com Silva Neto (2004, p. 12) de que a essência do trabalho de Milton Santos está na categoria fundamental de espaço, que lapidou cuidadosamente ao longo de sua vida, para adquirir sua expressão mais acabada em A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo; Razão e Emoção. Até então, muitos foram seus trabalhos teóricos a respeito da natureza do espaço geográfico, alguns deles se “diferenciavam” da proposta mais amadurecida em A natureza do Espaço. Milton Santos trabalhou com conceitos diferentes, porém, não opostos, nem divergentes, mas que, se encaminhariam, se complementariam para 25 o mesmo entendimento do objeto de estudo. Em alguns de seus trabalhos do último quartel do século XX (1979, 1986a, 1986b, 1988a, 1992a, 1998, 2003 e 2004a) o autor empregou conceitos que ficaram muito conhecidos não somente no âmbito da Geografia, alguns deles tomados emprestados de outras áreas do conhecimento. Estrutura, processo, função e forma, foram as principais categorias empregadas pelo autor para referendar sua teoria do espaço geográfico, estão inter-relacionadas, não podendo ser entendidas separadamente, termos disjuntivos, mas associados. Santos (1992a, p. 2), explica que a sociedade se exprime através de processos sociais, os quais dão vida a todos os objetos geográficos, são processos resolvidos em funções [ações] e se realizam através de formas-conteúdo, inseridos solidariamente numa estrutura maior. A forma por si só não diz nada, é apenas o aspecto visível de uma coisa. Espera-se que a forma realize tarefas, funções, porém, não somente formas realizam funções, instituições e pessoas também o fazem. Embora as formas sejam governadas pelo presente, e conquanto se costume ignorar seu passado, este continua a ser parte integrante das formas, acumulando-se nelas. Divorciada da estrutura, a forma conduzirá a uma falsa análise, pois se cairá no reino do empírico, do visível apenas. Todavia, a forma, um fator social, sempre inserido em uma dada estrutura, cumpre/recebe uma função, pode vir a tornar-se, dado o seu caráter duradouro e resistente numa determinada situação geográfica, uma rugosidade, um prático-inerte. Pode ou não estabelecer limites à estrutura, podendo ou não comprometer o futuro, por outro lado, mudanças estruturais podem implicar em mudanças de valor da forma. Ampliando o entendimento das formas, Santos adverte que elas não são necessariamente geográficas (materiais), mas estão obrigatoriamente territorializadas, porque forma implica um conteúdo, uma fração do social que as anima, através de seus processos (SANTOS, 1992a, p. 50-55). Em tese, forma é a feição da estrutura da sociedade, saibamos, uma estrutura que, variável, relativa e diacronicamente evolui no tempo, envolvendo processos, reproduzindo a totalidade de uma formação econômica e social (SANTOS, 1979 e 1986a). Para finalizar este debate, cabe mencionar a analogia proposta por Santos (1992a, p. 51-53), ao se referir ao processo enquanto tempo do verbo, o qual age e reage sobre o conteúdo do espaço: a forma, sendo esta o objeto do verbo, enquanto estrutura seria propriamente o sujeito, e função o verbo em si. Estrutura, processo, função e forma, categorias analíticas primárias na compreensão da atual organização espacial em sua totalidade, a empregar segundo um contexto do mundo de todo dia. Tornaremos a falar da categoria forma mais detidamente no decorrer do trabalho, especificamente no capítulo terceiro. 26 Milton Santos verdadeiramente lapidou o conceito de espaço em suas obras, a ponto de autores afirmarem que “[...] seu principal alvo não era a Geografia, mas, sim, compreender o espaço humano1. É uma interpretação possível de sua obra. A Geografia lhe oferecia as ferramentas analíticas adequadas para a empreitada” (SILVA NETO, 2004, p. 13). Destarte, todas as obras de Milton Santos referenciadas nesse trabalho tratam do espaço, algumas mais que outras, nas quais o autor percorreu um caminho teórico culminando na forma mais acabada da categoria espaço em A Natureza do Espaço. Em 1978 (ano da primeira edição de Por uma nova Geografia) o autor considerou sua empreitada, o espaço humano, um projeto ambicioso (SANTOS, 1986b, 3), uma tarefa árdua mais do que a de definir a Geografia (porque sua tendência é mudar com o processo histórico), uma preocupação dos filósofos desde o tempo de Platão e Aristóteles (1986b, p. 119 e 120). Por espaço geográfico, Santos (1986b, p. 119 e 122) entende a natureza modificada pelo homem através de seu trabalho. Considera-o como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente, estruturado em relações sociais que se manifestam através de processos e funções. Encara-o com um campo de forças cuja aceleração é desigual e relativa. Santos (1986b, p. 144 e 145), considera o espaço, do ponto de vista funcional, pelo viés estrutural como um reflexo dinâmico da sociedade global, mas, sob o enfoque sistêmico, considera-o um condicionante condicionado, uma estrutura subordinada-subordinante, porque de autonomia relativa, e até certo ponto uma forma determinante das outras estruturas sociais, desempenhando uma dimensão ativa no devir das sociedades. Havendo, portanto um movimento dialético entre sociedade e espaço, ao passo que se aquela evolui este também o faz. Baruch Spinoza, pensador judeu holandês do século XVII (1632-1677), sendo sua meditação considerada por Hegel como “o ponto alto da Filosofia Moderna”, e sua metafísica, ao lado de Leibniz, como a mais acabada síntese filosófica do século XVII (VELEZ RODRIGUEZ, 1995, p. 61), teria, no dizer de Santos (1986b, p. 171), talvez, expressado de forma mais clara a idéia de um espaço dialético, em que definia as noções paralelas de “natura naturans” e “natura naturata”, sendo aquela a natureza tal qual está agora, e esta a natureza como se apresenta no tempo imediatamente posterior. Há, no dizer de Santos (1986b, p. 172): 1 Ver A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo, Razão e Emoção. Edusp (4ª ed.) São Paulo, 2004, p. 19. 27 [...] sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; uma depende da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem as condições da natureza primeira e a natureza primeira é sempre incompleta e não se perfaz sem que a natureza segunda se realize. É este o princípio da dialética do espaço. Sua força motriz é a totalidade social, a ação humana, o trabalho humano, porque, “toda ação humana é trabalho e todo trabalho é trabalho geográfico” (SANTOS 1988a, p.88). Na mesma obra, (1988a, p. 26), o autor escreveu que “o espaço não é nem um coisa nem um sistema de coisas, senão uma realidade relacional: coisas e relações juntas”, (aqui evidente sua influência leibniziana) devendo ser considerado “[...] como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento”. Alhures (1998, p. 99), considerou que “a soma de sistemas de objetos aos sistemas de ações nos dá o espaço total”. Esta noção constitui o ponto de partida para a interpretação do espaço geográfico em A Natureza do Espaço, em que o autor afirma habilmente que “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (2004a, p. 63), também considerado como um conjunto de fixos e fluxos. Tais elementos fixos permitem ações, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais e sociais, modificando e redefinido assim o próprio lugar. Ao passo que “os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que também se modifica” (2004a, p. 61 e 62). E acrescenta, “sistema de objetos e sistema de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes” (2004a, p. 63). Por objeto Santos entende um resultado, um produto do trabalho humano, formas artificiais produzidas, assumidas e manipuladas pelo homem, podendo ser fixos ao solo, como uma casa, uma ponte, um porto, uma usina hidrelétrica, um shopping center, uma cidade, uma plantação, ou não, como, por exemplo, o automóvel, os utensílios de uma casa. Em suma, objeto é tudo aquilo que o homem usa em sua vida cotidiana. Objetos têm essência e existência. São criados à imagem e semelhança das condições sociais e técnicas presentes num dado momento histórico. Objetos não funcionam separadamente, poucos, hoje, nos são oferecidos a sós. “Trata-se de um todo, cujos elementos apenas são viáveis em conjunto”, que, 28 dispostos em sistema, nos permitem entender seu valor e seu significado que, sob o enfoque geográfico, desempenham no processo social (2004a, p. 64 a 78). Já em relação à ação, sabemos, ela é própria do homem! Agir é comportar-se, o que implica projeto, porque dotada de propósito, objetivo, finalidade, de intencionalidade, subordinada a normas, escritas ou não, formais ou informais. A esse respeito Santos (2004a, p. 79) concorda com Giddens, ao afirmar que “a intenção é central na prática diária, enquanto o propósito supõe ambições ou projetos de longo prazo”. Todavia, Santos adverte que, hoje, depara-se com ações que são cada vez mais estranhas aos fins próprios do homem e do lugar em que acontecem, tornando, desse modo, as escolhas do homem comum e suas ações cada vez mais limitadas, tal qual reduzem-se apenas num veículo/instrumento de ações exógenas. São ações cegas, no entanto precisas, porque obedientes a uma racionalidade alheia e pragmática. Estas ações não são realizadas somente por homens, mas também por empresas e instituições, mas seus propósitos, em todo caso, são estabelecidos por indivíduos, obedientes à necessidades naturais ou criadas, materiais ou imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, éticas. As ações realizam-se levando determinadas funções à determinados objetos, que, “realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso de objetos, formas geográficas”. Ao se realizarem nos objetos, as ações os valorizam diferentemente, definindo-os, dando-lhes um sentido. Dialeticamente, os objetos, hoje em dia, “valorizam” diferentemente as ações em virtude de seu conteúdo técnico (2004a, p. 80 a 86). Santos (2004a, p. 90), reconhece que entre objetos e ações situa-se a intencionalidade, qual noção “[...] eficaz na compreensão do processo de produção e de produção de coisas, considerados como resultado da relação entre o homem e o mundo, entre o homem e seu entorno”. Uma espécie de corredor entre o sujeito e o objeto, a intencionalidade, realizada nas ações, se convertem em trajetórias espaço-temporais da matéria, diria o geógrafo sueco Hagerstrand, pois, parafraseando com Santos e Hagerstrand, é o espaço que dá forma a ação. A partir disso, Santos avança no entendimento da inseparabilidade entre ação e objeto, tema central da Geografia, diz ele, ao propor que “a ação é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados”. Daí que, “à intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje, dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território” (2004a, p. 91 a 94). Mudam-se os objetos, muda-se a geografia, escreveu um filósofo do século XIX. Por outro lado, o mesmo objeto, ao longo do tempo, pode variar de significação e valor, isto porque, a teia de relações na qual está inserido opera a sua metamorfose, fazendo com que ações novas se dêem sobre objetos velhos mesmo que sua eficácia seja limitada, propondo 29 sempre uma nova geografia. Por teia de relações entenda-se o espaço considerado em seu conjunto e todos os demais agentes, não obstante, os objetos não têm existência fora do todo social, onde realizam uma função, da qual provém seu significado (SANTOS, 2004a, p. 96 a 99). A lógica do objeto provém de sua unidade, afirma Santos (2004a, p. 100 a 102), unidade entre forma e conteúdo, entre continente e conteúdo. Por si só, os objetos não tem nem uma história e nem uma geografia, sendo sua significação sempre incompleta, se entendido sem a ação, sem o evento que os anima, sem seu conteúdo social. A síntese da relação biunívoca entre os inseparáveis sistemas de objetos e sistemas de ações nos dá a síntese do espaço, nos dá a “[...] própria natureza do espaço, formado, de um lado, pelo resultado material acumulado das ações humanas através do tempo, e, de outro lado, animado pelas ações atuais que hoje lhe atribuem um dinamismo e uma funcionalidade”. Uma síntese sempre provisória e renovada em constante re-elaboração e contradição, própria da relação dialética entre espaço e sociedade (SANTOS, 2004a, p. 106 a 110). 2.3. A propósito do Espaço Urbano: A Obra, O Produto e o Processo. O urbano, maior evento da modernidade (GOMES, 2003, p. 62 a 65), qual processo consagrado pelo maior fenômeno da civilização ocidental: a cidade (MAX WEBER apud GOMES, 2002, p. 15), obra e produto deliberadamente político, econômico, social, cultural e histórico, a cidade consiste na “[...] expressão mais contundente de produção da humanidade, sob o desenvolvimento das relações capitalistas” (CARLOS, 1994a, p. 182; 1994b, p. 254), de outro modo, como diria Lefebvre (2001, p. 142), constitui-se no pano de fundo da sociedade burguesa. Contém uma força produtiva, criador e criatura, sentido e fim em si mesma? Não! A cidade não cria nada, ela apenas centraliza as criações, atrai para si tudo o que nasce da natureza e do trabalho e, no entanto, cria tudo, porque nada existe sem situação, sem relações, sem reuniões, sem encontros, sem concentração (LEFEBVRE, 1999, p. 37 e 111). Obra coletiva, construção da humanidade do homem (CARLOS, 1994b, p. 249; 1999, p. 63 e 64; 2004, p. 29), produto e condição da história (SEABRA, 1996, p. 9), a cidade se erigiu como “cimento das sociedades e das civilizações”, escreveu o sociólogo russo/francês Georges Gurvitch (apud DAMIANI, 1999a, p. 50). A partir da cidade se generalizam procedimentos, normas, legislações, enfim, formas de produzir e reproduzir a totalidade aqui implicada (DAMIANI, 1999b, p. 124). Condição e meio para que se instituam 30 relações sociais diversas, bem como as de produção (CARLOS, 1994b, p. 84 e 86), a cidade é o produto principal de um processo potencializado pelo sistema capitalista: o urbano. O urbano, mais que um modo de produzir, também um modo de consumir, pensar, sentir, enfim, um modo de vida, um meio e um produto do processo de reprodução da sociedade em todas as suas instâncias, põe em jogo um modo determinado de apropriação que se expressa através do uso do solo, através do ato de produzir o lugar (CARLOS, 1994b, p. 84 e 85), através do ato de produzir a vida no sentido material e imaterial. Enquanto um processo em constante constituição (CARLOS, 2004, p. 26), a urbanização reúne interesses industriais, estatais, estratégicos, lógicas sociais (DAMIANI, 1999a, p. 48), reproduzindo o espaço urbano como uma mercadoria do e para o capitalismo. Foi precisamente no seio da Segunda Revolução Industrial que a urbanização generalizou-se e mundializou-se enquanto lógica homogênea de produção e de comportamento espacial das empresas, de expansão extensiva das áreas residenciais, e de multiplicação do consumo gerando novas espacialidades, compreendendo a dinâmica demográfica, econômica, formal-concreta e, sobretudo, social e cultural. Concretamente se realizou e materializou através da diferenciação do espaço, embebida das contradições sociais próprias do sistema capitalista (DAMIANI, 1999b, p. 129; SPÓSITO, 1999, p. 84). Lefebvre entende a urbanização como uma condensação de processos sociais e espaciais que haviam permitido ao capitalismo se manter e reproduzir suas relações essenciais de produção, permitindo-lhe sua própria sobrevivência, esta baseada na criação de um espaço social crescentemente abrangente, instrumentalizado e mistificado (LIMONAD, 1999, p. 74). A autora (1999, p. 75) ao situar a discussão epistemológica da categoria espaço no âmago da discussão teórica sobre a urbanização, afirma seguramente que aquele, esquecido pela teoria crítica, exceto pelos marxistas estudiosos do imperialismo no começo do século XX, foi retomado de certa forma em parte pelas contribuições do existencialismo marxista de Sartre e pelo estruturalismo de Louis Althusser e por seu discípulo Manuel Castells. Entretanto, em Castells, o papel do espaço foi reduzido a mero suporte da circulação de capital, mercadorias e informação, e a urbanização teve seu papel subsumido ao não ser encarada como um objeto teórico específico. Temendo recair na ideologia ecologista/organicista da Escola de Chicago, no lugar da urbanização, propôs um sistema cultural específico, ou ainda, a produção social de formas espaciais. Nesse ponto, foi além das posturas epistemológicas do marxismo ortodoxo e do estruturalismo economicista althusseriano, ao admitir o urbano como um estilo de vida, ao admitir o papel da cultura e da superestrutura na conformação das relações sociais (LIMONAD, 1999, p. 75 a 77). 31 Enfim, a análise de Castells, ao afirmar a determinação estrutural pode ser interpretada como eliminação de toda especificidade histórica e geográfica, conduzindo a supressão da cidade e dos processos espaciais, entre eles a urbanização. Foi, todavia, Harvey, quem contribuiu grandemente para abrir uma nova fase na análise da interação entre o espaço, o urbano e o processo de produção (LIMONAD, 1999, p. 76 e 77). Com Harvey, a cidade e o espaço urbano passam a integrar a paisagem geográfica do capital [...] enquanto parte necessária de um espaço social complexo e pleno de contradições que simultaneamente estimula e obstaculariza o desenvolvimento e reprodução das relações sociais de produção a nível geral, num movimento de construção de novos espaços e destruição/apropriação de espaços pretéritos. (LIMONAD, 1999, p. 78). Diferentemente de Lefebvre, Harvey, assim como Castells, procurou priorizar as relações sociais de produção (produção, circulação, reprodução) e do capital industrial, submersas pelas relações sociais espaciais da produção e do capital financeiro. Harvey identificou a organização espacial como uma estrutura separada com suas leis próprias de transformação interna e construção, expressando um conjunto de relações numa estrutura mais ampla, as relações de produção capitalistas (LIMONAD, 1999, p. 80). De todo modo, viu no ambiente construído uma forma de capital fixo, uma pré-condição geral da produção, diria Marx. Assim, o espaço entraria como um todo no mundo da mercadoria, no mundo da produção, mundo no qual Estado e capital privado estariam mutuamente envolvidos (DAMIANI, 2004, p. 88). Harvey (1980, p. 210), numa obra que marcaria a sua carreira, afirma ser a tese central de seu ensaio: [...] a de que juntando as estruturas conceituais em torno (1) do conceito de excedente, (2) do conceito de modo de integração econômica e (3) dos conceitos de organização espacial, chegaremos a uma estrutura superior para interpretar o urbanismo e sua expressão tangível, a cidade. Em trabalhos anteriores apresentados na mesma obra, situados no âmbito de uma visão sistêmica da realidade urbana, porém já eivados de princípios de justiça social, afirma o autor (1980, p. 55) que devemos encarar a cidade “[...] como um gigantesco sistema de recursos, sendo que a maior parte dos quais é de criação humana”. Estando tais recursos social e geograficamente distribuídos desigualmente pela cidade. O autor considera “a cidade como 32 um sistema dinâmico e complexo no qual a forma espacial e o processo social estão em contínua interação” (1980, p. 34). Na segunda parte do livro A Justiça Social e a Cidade, denominada pelo autor de “Formulações Socialistas” (1980, p. 111), considera que o marxismo e o positivismo têm em comum a base materialista e o método analítico, o que os diferencia é que o positivismo procura entender o mundo, enquanto o marxismo busca transformá-lo. Todavia, conceitos e categorias clássicos de Marx são incorporados pelo autor na leitura da realidade e interpretação urbana, dentre eles mais-valia, superprodução, queda da taxa de lucros, renda, produção e reprodução, acumulação, excedente, valor de uso e valor de troca e apropriação são os mais usuais na obra de Harvey, conceitos que, no ver de Thomas Kuhn, são produtos dos verdadeiros fenômenos que eles se destinam a descrever (HARVEY, 1980, p. 107). Harvey (1980, p. 261) encara a cidade com “uma série de objetos arranjados de acordo com algum padrão no espaço”. Tal afirmação parece-nos, a primeira vista, por demais óbvia, no entanto, o que nos interessa e nos instiga é saber com o autor quais são esse padrões, quais as forças que modelam e estruturam a cidade. E Harvey (1980, p. 267), pondera ao colocar que “o espaço criado na cidade moderna [...] reflete a ideologia prevalecente dos grupos e instituições dominantes na sociedade. Em parte ela é moldada pela dinâmica das forças do mercado [...]”, por outro lado, “[...] é parte de um intricado processo indicativo que dá direção e significado à vida diária dentro da cultura urbana”. Em tese, na definição de Harvey (1980, p. 268), “o espaço criado é moldado através do desenvolvimento dos investimentos de capital fixo”, expressando relações sociais de produção e reprodução da sociedade e reagindo de volta sobre elas, através da estrutura urbana. Na interpretação proposta por Gottdiener (1997, p. 93) a respeito de Harvey, afirma que o autor de A Justiça Social e a Cidade: Define a cidade com um nó de intersecção na economia do espaço, como um ambiente construído que surge da mobilização, extração e concentração geográfica de quantidades significativas de mais-valia [...]. A cidade é produzida pela padronização espacial desses processos, e o papel que a forma urbana desempenha neles se deve a possibilidades sociais, econômicas, tecnológicas e institucionais que regem a disposição da maisvalia concentrada dentro dela (GOTTDIENER, 1997, p. 94 e 95). Adverte Gottdiener (1997, p. 96), que Harvey ao investigar a maneira pela qual ocorre a acumulação capitalista no espaço identifica três frações de capital que atuam no ambiente construído de acordo com as várias formas de realizar mais-valia. A primeira fração 33 de capital concentra-se na renda (aqui aparece a especulação imobiliária); a segunda busca ao mesmo tempo juros e lucros através da construção e/ou do financiamento de obras; a terceira refere-se ao “capital em geral”, esta última fração é intervencionista por natureza, atua por meio da administração e do planejamento estatal visando garantir a sobrevivência da classe capitalista. Harvey, ainda, identifica três frações separadas de capital das quais a classe capitalista utiliza-se para atuar política e economicamente: interesse corporativo, financeiro e fundiário. Para Harvey, o Estado, agente do “capital em geral”, detentor de certa “autonomia relativa”, perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas por natureza, intervém politicamente no espaço, transformando o ambiente construído por meio de mudanças infra-estruturais, no fito de favorecer a circulação de capital e a sua realização no espaço (GOTTDIENER, 1997, p. 97 a 99). Em tese, Gottdiener (1997, p. 93), discorda em alguns aspectos dos teóricos da acumulação de capital, segundo a qual a própria acumulação de capital, a produção de maisvalia; a expansão da força de trabalho assalariada, das atividades de circulação e do controle pela classe dirigente, são as forças que impulsionam a sociedade capitalista, consistindo os processos de desenvolvimento da cidade ou urbanização em manifestação espacial do processo de acumulação. De acordo com o autor, a produção social do espaço urbano entende a organização sócio-espacial como uma conseqüência direta das relações entre processos econômicos, políticos e culturais na medida em que se vinculam à geografia regional de áreas metropolitanas. Essa perspectiva entende que “[...] a localização, a manifestação espacial das relações de produção e o design ambiental estão todos envolvidos essencialmente na valorização quanto na realização de mais-valia.” (GOTTDIENER, 1997, p. 196). Harvey por sua vez, reduziu o design espacial a meros meios de produção, diferentemente de Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 127 e 128), para quem “[...] o design espacial é, ele próprio, um aspecto das forças produtivas da sociedade – que, juntamente com a tecnologia, o conhecimento humano e a força de trabalho, contribuem para nosso ‘potencial de produção’”. Harvey negligenciou o design espacial ao não considerá-lo como uma das forças de produção, conferindo certa posição na estrutura econômica a quem detiver sua posse, possuindo, dessa maneira, o mesmo status ontológico que o capital ou o trabalho (GOTTDIENER, 1997, p. 127 a 129). De acordo com Gottdiener (1997, p. 198), as forças sociais interpostas no espaço estão hierarquicamente estruturadas e articuladas em redes, possuem uma natureza tridimensional, assim como a organização social do espaço, invocam o entrosamento inter- 34 relacionado de forças culturais, políticas e econômicas, não em termos de três práticas distintas, mas, ligadas dialeticamente, com modos voluntarísticos de comportamento (GOTTDIENER, 1997, p. 267). Assim, Gottdiener (1997, p. 198 e 199), estabelece as bases da sua teoria estruturacionista da organização social, em que estruturas e ações desempenham papéis na produção de fenômenos e de formas espaciais, sendo essas últimas produtos contingentes da articulação dialética entre ação e estrutura, estando sempre em movimento, não são manifestações puras de forças sociais profundas, constituem um mundo de aparências em que a análise deve penetrar. Gottdiener (1997, p. 200 e 201), identifica três forças que transformam sócioestruturalmente e que parecem criticamente importantes para entender a forma contemporânea do espaço de assentamento. São elas: a) organização da produção e administração em estruturas complexas, burocráticas de tomadas de decisões em âmbito global/mundial/internacional, verdadeiro sistema de corporações globais; b) intervenção ativa do Estado em todos os níveis da sociedade seja através do nível federal com projetos em grande escala, seja em nível mais local, que, freqüentemente associa-se ao setor privado, tornando difícil distinguir as ações deste e daqueles; c) emergência da tecnologia e da indústria do conhecimento (desenvolvimento científico como força dominante da produção), com efeitos diretos sobre os padrões de distribuição demográfica ao longo do espaço de assentamento. Ainda, segundo o julgamento de Gottdiener (1997, p. 206), as relações de produção não se limitam apenas ao âmbito econômico, mas são, simultaneamente, relações sociais, econômicas, políticas e culturais, estando obrigatoriamente espacializadas e/ou territorializadas. Entretanto, o autor afirma que as formas espaciais são produtos epifenomenais mais diretos de forças profundas, contenciosas, pertinentes ao sistema de organização sócio-espacial, produzidas pela articulação entre ação e estrutura. Assim, não há nenhum determinismo espacial e/ou econômico, ademais, isso seria um reducionismo na opinião do autor. É justamente isso que o autor (GOTTDIENER, 1997) critica nas obras de Harvey, um teórico da acumulação. Entretanto, mesmo em A Justiça Social e a Cidade, Harvey se deparou com o risco do reducionismo economicista, ao citar Engels em carta a Joseph Bloch, de 1890, quando este escreve que: [...] o derradeiro elemento determinante na história é a produção e a reprodução da vida real. Mais do que isto nem Marx nem eu jamais 35 afirmamos. Por essa razão, se alguém deturpa isso dizendo que o elemento econômico é o único determinante, ele transforma a proposição em uma frase insignificante, abstrata e sem sentido. A situação econômica é a base, mas os vários elementos da superestrutura – formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber: as constituições estabelecidas pela classe vitoriosa depois de um combate bem sucedido, etc.; as formas jurídicas e mesmo os reflexos de todas essas lutas nos cérebros de todos os participantes; as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, pontos de vista religiosos e seu posterior desenvolvimento em sistemas de dogmas – também exercem influência sobre o curso das lutas históricas, e em muitos casos preponderam na determinação de sua forma [...] (Engels, quase no fim de sua vida em carta a Joseph Bloch, 1890, apud HARVEY, 1980, p. 169). Talvez resida aí um posicionamento assumido por Harvey quanto ao perigo do reducionismo econômico. Todavia, é claro que a crítica de Gottdiener a Harvey vai mais além dessa análise superficial aqui exposta, fundamenta-se na análise dos trabalhos daquele autor no curso de décadas, o que nos desautoriza a tomar partida de um ou de outro, antes, convémnos compartilhar de seus feitos e avanços teórico-metodológicos desde que um não comprometa o do outro. Voltaremos à teoria estruturacionista de Gottdiener mais adiante. Há mais de um século, Marx e Engels (2005, p. 132), ao contrário de Hegel, viram que no curso da “[...] história moderna a vontade do Estado obedece, em geral às necessidades variáveis da sociedade civil, à supremacia desta ou daquela classe e, ao desenvolvimento das forças produtivas e das condições de trocas”. Não queremos, com isso, afirmar a anulação total do Estado ante as relações capitalistas de produção, por outro lado, concordamos com Ribeiro (2004, p. 109 e 128), ao reconhecer a subordinação do Estado, enquanto instrumento do e para o capital, e a adoção de “valores” neoliberais defensores em prima facie dos parâmetros da ordem do capital. De qualquer maneira, a realidade não escamoteia que a ordem do dia não é mais a satisfação das necessidades mais urgentes das camadas sociais mais desprovidas, não é o atendimento das demandas sociais mais prementes que ocupam os gabinetes e as assembléias políticas em maior monta. No julgamento de Ribeiro (2004, p. 136), as leis capitalistas, quase onipresentes de satisfação do consumo, que tentam a todo custo governar a percepção, a invenção e a manutenção dos seres sociais encontram respaldo no aparato ideológico, institucional, técnico, informacional e legal, com dimensões infra e superestrutural, já hoje, de difícil discernimento, porquanto um estar e se refazer no outro, “[...] intrínseca e dialeticamente, como ação material subordinante e ou produto empírico redirecionado. E sempre tendo como guia primeiro o complexo movente do capital, que se firma como motor/freio histórico ao espaço social” (RIBEIRO, 2004, p. 106). 36 Karl Marx já havia advertido nos Manuscritos de 1844, que “a política é em princípio superior ao poder do dinheiro, mas na realidade tornou-se seu escravo” (2002, p. 41 e 42). O dinheiro, essa essência alienada do trabalho e da existência do homem, o poder alienado da humanidade, esse universal abstrato, que corrompe os planos e as diretrizes atentas às demandas sociais, que faz o Estado voltar-se a favor do capital, a favor de sua acumulação, este que é o poder de domínio sobre o trabalho e sobre os seus produtos (Marx, 2002, p. 80), em tempos hodiernos, metamorfoseado em dinheiro global tornou-se um despótico ditador, impondo caminho às nações. Hoje, ele é governado por governos globais: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Cartilha de Washington, etc., e impõe-se sobre todo o território de um país, o que inclui Estados e municipalidades, tornando sua regulação interna quase impossível, praticamente ingovernável, em função da desorganização e desagregação que submete a esse território através de empresas e corporações globais (SANTOS, 1999, p. 9 a 13). Trazendo a discussão sobre a atuação estatal perante o capital, este enquanto relação social de produção e reprodução, para o âmago de nossa temática, concordamos com Corrêa (1989, p. 26), ao afirmar que atualmente a ação do Estado: [...] é marcada pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças entre eles. Tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no poder. Deste modo: A atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condições que viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas frações (CORRÊA, 1989, p. 26). A atuação estatal não pode ser entendida fora das coalizões público-privadas e das redes de agentes produtores do espaço urbano, da qual o Estado faz parte enquanto um agente. Configuram-se como linha de frente no processo de reestruturação espacial urbana, estando suas ações estruturadas em torno da apropriação da terra urbana, podendo abranger parcerias público-privadas que incluem também elementos das classes populares, que se mantém através das burocracias locais comprometidas com o “desenvolvimento” e modernização urbana, e até mesmo frações de classe não necessariamente capitalistas (TRINDADE JR, 1999, p. 154 a 156). Silveira (2002, p. 13), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar 37 que “o Estado também usa o território, mas, sobretudo, o prepara para o jogo dos agentes sociais”. A autora chega a falar de “leilão de cidades” e “city marketing”, meios através dos quais as municipalidades desenvolvem uma “narrativa” vinculada ao mercado e à competitividade, isto é, estratégias de convencimento visando atrair investimentos e alianças com grandes empresas. Conclui Silveira (2002, p. 16), que o Estado curvou-se perante a lógica das empresas imobiliárias, sepultou os direitos dos cidadãos e a política, erigindo em seus lugares o código do consumidor e a lógica do mercado. Essa questão vista de outro ângulo, em face dos fatos, não nega, na opinião de Santos (1985, p. 82), que o Estado cria a maior parte das infra-estruturas que servirão à produção moderna, entretanto, ele mesmo é chamado igualmente a prover serviços públicos reclamados pela população, que de outra forma não seria atendida. Mas, é inegável o fato de que o Estado o faz a fim de “[...] garantir a reprodução das relações sociais constitutivas e fundamentais da sociedade existente [...]” (MARTINS, 1996, p. 30). Seabra (2000, p. 75) reconhece este fato ao afirmar que o Estado é o suporte de todos os fenômenos correlatos à industrialização e à (re)funcionalização e (re-des)estruturação do espaço urbano: seja através das infra-estruturas de habitação, transporte e comércio, especulação fundiária, zoneamentos, etc. Acrescente-se, o Estado além de regularizar estes investimentos: [...] também regulariza as relações capital-trabalho e, portanto, serve de instrumento essencial ao desenvolvimento capitalista, e contribui para a manutenção/aumento da exploração da força de trabalho. Com essa exploração o Estado admite e reforça a exclusão de grande parte da população do sistema de acesso à bens de consumo e a moradia, nos moldes e a serviço do modo capitalista de produção. (RIBEIRO DA SILVA e MELCHIOR, 2002, p. 10). Qual deus Saturno, devorador de seus próprios filhos, Leviatã acorrentado, o Estado, hodiernamente instrumentalizado pelo capitalismo, suporta e leva a cabo determinações que lhe corrompe, mas, por vezes, “cego”, ou já domado, não mais se reconhece como outrora, porque agora poliformático e reificado por forças que lhe são maiores, regula o espaço como peça funcional, normatiza a vida do ser social, obediente aos ditames do grande capital. Leviatã canibalesco ao ameaçar agredir a “verdadeira” subjetividade burguesa, por outro lado, “provedor”, “[...] como instância à qual se recorre sempre que há fricções e sofrimentos resultantes da socialização negativa” (KURTZ apud RIBEIRO DA SILVA e MELCHIOR, 2002, p. 10). Assim é o Estado, organismo responsável pela regulação do trabalho, pela regulação das necessidades do capital, peça fundamental no “tripé” capital-trabalho-Estado 38 sobre o qual erigiu-se o colossal e onipotente sistema de metabolismo societal do capital (ANTUNES, 2002, p. 22) De acordo Marques e Bichir (2001, p. 2), estudos sociológicos dos anos 1970 e 1980 identificaram uma expressiva ausência dos investimentos estatais nas áreas mais desprovidas das grandes cidades. Corolário de um “modelo metropolitano brasileiro” produzido no Rio de Janeiro nos anos 1960, e de um padrão de produção do espaço proveniente da dinâmica capital paulista, a negligência do Estado quanto aos espaços desfavorecidos e, por outro lado, sua prontidão em atender aos interesses de setores mais dinâmicos e empreendedores do capital nacional ou internacional, seria produto de mecanismos estruturais ligados à dinâmica mais geral do sistema econômico, na opinião de alguns autores. Interpretações não estruturalistas também mobilizaram mecanismos econômicos, entendendo que a lógica das políticas públicas estaria ligada à associação entre poder econômico e poder político na sociedade. Assim, a produção do ambiente construído seria fortemente influenciada pelos diversos grupos econômicos da cidade. Em suma, todas as correntes convergiam num mesmo ponto: mecanismos estruturais e/ou de natureza econômica para explicar a conformação das grandes cidades. Todavia, também compartilharam um ponto cego em comum: o Estado e suas políticas urbanas, tão necessário ao entendimento da realidade urbana, quase nunca tratado na sua complexidade de conjunto heterogêneo de instituições (MARQUES e BICHIR, 2001, p. 3 e 4). A esta altura pode o leitor indagar-se a respeito da fundamentação teórica que orienta nosso trabalho, pois, já afirmamos sê-la a produção social do espaço urbano apresentada por Gottdiener (1997), o qual, crítico da teoria da acumulação proposta por Harvey em alguns de seus trabalhos do século passado, e de economicismos de alguma forma presos à a economia política marxista, propõe a teoria estruturacionista, de natureza triádica: política-economiacultura, que, na opinião do autor, ao atualizar o marxismo frente a questões relativas ao espaço urbano, acredita transcendê-lo (GOTTDIENER, 1997, p. 197). Pois bem, nosso intento foi o de ampliar o debate acerca do espaço urbano e o que fora dito a respeito por alguns teóricos e estudiosos do assunto, a fim de desenvolver uma leitura e uma possível interpretação que dê conta da realidade qual nos deparamos. Em breves palavras, Silva Neto (2004, p. 15 e 16), num estudo das obras de Milton Santos, afirma que de acordo com o autor de A Natureza do Espaço, “o espaço é as pessoas e suas coisas. É a sociedade se distribuindo. É a paisagem que vemos junto com a sociedade que a anima, com suas histórias, culturas e modos de vida. É também economia, no sentido amplo da palavra [...]”, vinculada à produção material e imaterial da sociedade em sua plena 39 atividade de existência política. Santos (1988c, p. 85), reconhece este fato quando escreve que a urbanização é um problema multidimensional, isto é, um movimento uníssono da sociedade, da cultura e da economia. Como se vê, o autor vai além da economia e da política, da luta de classes e da hegemonia burguesa na sociedade capitalista. Alhures (1994, p. 118), afirma que “a economia política da cidade [...] seria a forma como a cidade, ela própria, se organiza, em face da produção e como os diversos atores da vida urbana encontram seu lugar, em cada momento, dentro da cidade”. Esses diversos atores têm suas relações definidas, em última análise, como relações políticas, mas, saibamos que essas relações também se revestem de formas econômicas, culturais e/ou políticas, num refazer-se no outro que, por vezes, fica difícil distinguir uma forma da outra se a análise se limitar à forma apenas (SANTOS, 1994, p. 127). Num outro trabalho, Santos (1990, p.190 e 191) é bem rigoroso ao afirmar que nas grandes cidades tecnoesfera e psicoesfera são dados constitutivos da ambiência e que sua estrutura condiciona a vida urbana, não podendo o sistema urbano ser entendido sem a análise desses componentes. A tecnoesfera ajuda a definir o tempo da produção, enquanto a psicoesfera se vale da psicologização, isto é, da internalização na vida social, vida esta que se realiza no mundo do trabalho, das crenças, da cultura, dos hábitos e costumes, nos lugares. Em Carlos (1996, p. 24), observa-se que a história dos homens, a apropriação, a utilização e ocupação, o habitar, o viver, o trabalho, o lazer, o comportamento, as práticas banais e familiares, enfim, a cultura são fatores do cotidiano, fatores em função dos quais o espaço urbano é produzido e reproduzido incessantemente, socialmente como e portadores de valores de uso, que se desvelam e se realizam no lugar, onde, de modo mais implacável se sente e se formulam os problemas da produção no sentido mais amplo, isto é, o modo como é produzida a existência social dos seres humanos (CARLOS, 1996, p. 26). Todavia, uma racionalidade intrínseca à lógica capitalista de produção e reprodução social busca vorazmente se apropriar economicamente das particularidades de cada lugar, de cada territorialidade do espaço urbano por meio da imperativa planificação (CARLOS, 1996, p. 22). Ampliando o leque da discussão sobre a conjugação de economia, política, sociedade, cultura e natureza na conformação do espaço geográfico total, Saquet (2007, p. 151), ao discorrer sobre o território, conceito geográfico também pertinente à temática por nós aqui estudada, reconhece através de sua abordagem que neste estão superpostos, numa unidade contraditória e complexa, economia, política, cultura e história, unidos com a natureza exterior ao homem. Mesmo que nosso recorte espacial de análise seja limitado a uma 40 Zona da cidade de Londrina, a Zona Leste, não podemos desconsiderar as demais escalas de abordagem e a amplitude obrigatória de qualquer tema geográfico, caso contrário, cairíamos num empirismo cego, limitado, tópico e corológico. Saquet (2007, p. 153) é pontual ao afirmar que no movimento mercantil de reprodução de valor, as ações econômicas têm, necessariamente, uma ligação com o local, seu entorno e com o exterior, empregando obrigatoriamente conhecimentos não só abstratos, traduzíveis em coeficientes tecnológicos e em preços de mercado, mas também conhecimentos contextuais particulares, envolvendo a subjetividade dos lugares (cultura, história), as instituições, a infra-estrutura, o trabalho, a natureza, etc., sem perder de vista o movimento de mundialização da economia. Qualquer que seja a intervenção a que se proponha no espaço urbano há que se considerar sua totalidade se se pretende êxito. Souza (2000, p. 28 e 29), a nosso ver, estabelece as premissas do que seria essa “totalidade”, ao apreciar alguns pontos essenciais no entendimento do espaço urbano. Considera-o na sua dimensão econômica, um “produto material da sociedade do âmbito do processo de trabalho, continente de recursos e realidade relacional que comporta localizações diferencialmente valorizadas”. Na sua dimensão política, constitui-se num território, numa arena de lutas. Na sua dimensão cultural e (inter)subjetiva é o lugar; fisicamente é o ecossistema, o geosistema (enquanto pré-social). O espaço é, antes de qualquer coisa, um produto e uma condição das relações sociais. Sua organização e formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, todavia, tem a propriedade, uma vez produzidas, de influenciar os processos sociais subseqüentes, seja por meio de sua materialidade, quanto por meio dos valores e símbolos culturais que propõe (SOUZA, 2003, p. 99). Queremos acreditar com Scherer (2003, p. 194), que “a cidade é [a] solução e não [o] problema”, queremos acreditar com Lefevbre nO Direito à Cidade, quem inclusive chegou a falar da substituição da sociedade industrial pela sociedade urbana, admitindo que ser um citadino é poder gozar plenamente o ambiente urbano em liberdade, um privilégio, um direito. Não negamos o fato de ser a cidade, como disse John Friedman, grandes indicadores e fatores do progresso (SOUZA, 1996, p. 20). Mas que não seja um progresso no sentido econômico restrito a determinadas classes e frações de classe apenas. Antes, que seja um progresso socialmente justo e humano no sentido mais estrito do termo, tal como a obra cidade, coletivo, socializado, que seja, como diz Souza (2000 e 2003), desenvolvimento sócio-espacial, o verdadeiro progresso das sociedades. 41 3. CARACTERIZAÇÃO GERAL E FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO DE LONDRINA O Município de Londrina situado entre 23°08’47” e 23°55’46” de Latitude Sul e entre 50°52’23” e 51°19’11” de Longitude Oeste, ocupa segundo o IBGE (2002) uma área de 1.650,809 Km2, o que corresponde a 1% da área total do Estado do Paraná (mapa 01). Conta com aproximadamente 497.000 habitantes de acordo com a contagem de 2007 realizada pelo IBGE, possui uma densidade demográfica que varia de 259,29 hab/Km2 a 291,26 hab/Km2 (IBGE – 2000, 2004). Possui um Produto Interno Bruto (PIB) Municipal de US$ 1.031.968.955,47. A Zona Urbana2 de Londrina, definida pela Lei 7.484 de 20/07/1998, possui 164,33 Km2, enquanto que a Zona de Expansão Urbana3, definida por mesma lei, possui 80,68 Km2, totalizando 245,01 Km2. A altitude média da área urbana central é de 608 metros. O melhor solo de Londrina, um dos mais férteis do mundo, está na região setentrional do município, que se caracteriza por uma topografia mais plana, onde predominam os solos Terra Roxa Estruturada Eutrófica, Latossolo Roxo Eutrófico, dentre outros (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 20). O clima de Londrina é o subtropical de altitude, com chuvas em todas as estações podendo ocorrer períodos de secas no inverno. De acordo com o Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), a temperatura medial anual de 2005 foi de 21,6ºC, com média máxima de 27,9ºc e média mínima de 16,4ºC. Localizada num espigão, apresenta verão quente e inverno ameno, com índices de umidade relativa do ar em torno de 76% no verão e 72% no inverno, e com a umidade relativa média do ano situada em torno de 69%. Londrina sempre foi beneficiada por um regime pluviométrico bem distribuído durante todo o ano, sendo raríssimos os períodos de grandes estiagens ou chuvas prolongadas. Segundo o IAPAR, em 2005, a precipitação pluviométrica anual foi de 1.426 mm, sendo janeiro, setembro e outubro, os meses mais chuvosos e fevereiro, março, maio e agosto os meses mais secos (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 21). O subsistema hidrográfico do município de Londrina corre no sentido predominante de Oeste para Leste, uma vez que o relevo está genericamente inclinado da região de Londrina para o Rio Tibagi, que tem sentido Sul-Norte, desaguando no Rio Paranapanema, um dos tributários do Rio Paraná (LONDRINA PERFIL 2005-2006, p. 21). 2 A Zona urbana compreende as áreas urbanizadas ou em vias de ocupação e as glebas com potencial de urbanização que ainda não sofreram processo regular de parcelamento. 3 A Zona de Expansão Urbana é aquela externa à Zona Urbana onde se prevê ocupação ou implantação de equipamentos e empreendimentos considerados especiais e necessários à estrutura urbana. A transformação de Zona de Expansão em Zona Urbana fica vinculada ao processo de aceitação de loteamentos regularmente aprovados e implantados ou ao visto de conclusão de obras regularmente aprovadas e construídas. 42 Mapa 01 – Localização de Londrina no cenário nacional4 A Região Metropolitana de Londrina5, primeira do interior do Brasil, foi instituída pela Lei Complementar N.º 81, de 17 de junho de 1998, e alterada pelas Leis n.º 86, de 07/07/2000, e n.º 91, de 05/06/2002, sancionadas pelo governador Jaime Lerner. Fazem parte de sua composição os Municípios de Londrina, Bela Vista do Paraíso, Cambé, Ibiporã, 4 FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apud PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA – LONDRINA PERFIL 2004. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/. Acesso em 14 de agosto de 2006. 5 A respeito do enquadramento da cidade de Londrina na categoria de centro metropolitano discorreremos mais adiante, pois há um excelente debate sobre esse tema, o qual considera Londrina uma cidade média e não uma metrópole como quer o discurso oficial político. 43 Jataizinho, Rolândia, Sertanópolis e Tamarana, abrangendo uma população de 678.032 habitantes (IBGE – Censo 2000 – Resultados do Universo) (LONDRINA PERFIL 20052006, p. 21). O município de Londrina é constituído pelo Distrito Sede e pelos Distritos de Lerroville, Warta, Irerê, Paiquerê, Maravilha, São Luiz, Guaravera e Espírito Santo (mapa 02). Mapa 02 – Divisão administrativa do Município de Londrina. Fonte: LONDRINA PERFIL 2005-2006. 3.1. O caminho para o “Eldorado”: o Norte do Paraná e a Companhia de Terras Norte do Paraná. Neste capítulo será abordado um pouco da história de Londrina, situando-a no contexto internacional, nacional, regional e local, e suas implicações sobre os dias de hoje, em especial no que importa ao nosso recorte espacial de estudo: a Zona Leste do município, aliás, 44 o berço da cidade, onde hoje se encontra o Marco Zero. Para tanto, levar-se-á em conta, a atuação institucional, seja por parte do poder público local como pelo Estado em suas instâncias maiores, e a atuação privada, bem como suas alianças e coalizões, a fim de apreender o processo de produção social da cidade de Londrina em suas raízes históricas, pois, de acordo com Nakagawara Ferreira (FOLHA DE LONDRINA, 1994, p. 71), para que se possa entender a economia urbana de Londrina é preciso, antes de qualquer coisa, [...] um exercício de compreensão da sua identidade local e regional dentro de um território mais amplo que a própria cidade/região. É entender o momento histórico da ocupação norte-paranaense, a evolução da cafeicultura, a modernização da agropecuária, os grandes movimentos demográficos [...]. Londrina encontra-se nos caminhos da marcha da moderna expansão territorial brasileira e corolário da expansão cafeeira. Pierre Monbeig (1985, p. 55 e 56), descreve com rigor a saga do café pelo Brasil na era moderna. Proveniente da Guiana Francesa, a marcha cafeeira adentrou o país pelo Pará em fins do século XVIII, donde alcançou a região montanhosa do Rio de Janeiro, para posteriormente atingir o Vale do Paraíba, ganhado assim terras paulistas. A partir daí, por volta de 1880, o fenômeno ganharia proporções gigantescas e não pararia de avançar tão logo, substituindo milhares de quilômetros quadrados da densa floresta que encontrasse pelo caminho, até chegar ao Paraná. Ao longo de sua marcha cidades nasciam, ferrovias eram construídas como símbolo da chegada do progresso, estradas de rodagem se estendiam pelo território a fim de integrá-lo logisticamente. Uma nova sociedade se organizava em torno da economia cafeeira e Londrina seria o mais vistoso fruto dessa economia, o chamado “eldorado”. O surto inicial da cultura cafeeira teve sua explicação em fatores externos e internos ao país. Enquanto o consumo crescia vertiginosamente em países europeus e nos Estados Unidos, capitais estrangeiros chegavam ao país em número crescente, pois, a garantia da reprodução ampliada estava assegurada em função do apoio interno dado aos investidores estrangeiros, e das excelentes condições climáticas favoráveis, da topografia lisa dos planaltos, e da fertilidade excepcional dos solos, ainda virgens, propícios ao plantio do café. A euforia se fazia sentir, começava a “era” do onipotente “ouro verde”, e o caminho para o “eldorado” estava anunciado. Para Mombeig (1985, p. 58), a estrutura institucional oligárquica, característica principal da república velha, engessou o avanço técnico da produção, mantendo o potencial produtivo em razão da boa qualidade dos solos, em vez de tornar-se uma técnica de 45 exploração racional e modernizada, além do fato de que muitos plantadores detiveram, por muito tempo, além da propriedade rural a máquina econômica, administrativa e política. A porta de entrada para o povoamento das terras do Norte do Paraná foi a cidade paulista Ourinhos, de onde uma ambiciosa frente de colonização sem precedentes históricos no mundo, abriu-se rumo ao Norte do Paraná. Entretanto, já havia ocupação oficial na área, era a colônia militar de Jataí, primeira ocupação na região, fundada em 1855, à margem direita do rio Tibagi, que elevada à categoria de vila em 1872, no entanto, apesar de sua localização estratégica, porém isolada, não se desenvolveu satisfatoriamente. A nova frente de povoamento estaria a caminho, a qual traria a marcha da civilização e da modernidade para a região até então “inexplorada”, segundo nos conta a história oficial6 (WACHOWICZ, 1977, p. 160 e 161). Através do Acordo de Taubaté de 1906, governadores dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro estabeleceram as bases de uma política conjunta de valorização do café, ratificada pelo então vice-presidente Afonso Pena. Essas medidas tinham por objetivo solucionar a médio e longo prazo o problema do excesso de produção, mantendo os preços do produto valorizados em momentos de crise, e, dentre outras medidas, a que mais contribuiu para o avanço da lavoura cafeeira rumo ao Norte do Paraná, desencorajar a expansão das lavouras nestes três estados. Desta data em diante o Norte do Paraná, a partir de Jacarezinho e Cambará, conheceu uma profunda transformação em função da expansão da cafeicultura, em função da marcha pioneira, destruidora da mata atlântica, destruidora da terra, em que a mola propulsora residia tão somente no tenaz desejo do ganho (PIERRE MOMBEIG apud LONDRINA PERFIL 2005-2006). Para Pilati Balhana (1969, p. 213 e 214), A colonização do Norte do Paraná dividiuse em três etapas, necessariamente em três tipos distintos: a ocupação do Norte Pioneiro, do Norte Novo e do Norte Novíssimo. A ocupação espontânea e não dirigida do Norte Pioneiro deu-se por meio de fazendeiros paulistas isolados que empreendiam a ocupação com a ajuda de familiares e empregados, espontaneamente, procurando terras roxas de alta fertilidade descritas por mateiros que percorriam a região, para o plantio do café. A penetração em território paranaense somente ganharia expressão no início do século XX, quando o 6 O historiador Valter Durães propõe uma revisão na história da fundação do que viria a ser Londrina, ao polemizar dizendo que a versão oficial só ganhou corpo porque o primeiro dono do jornal da cidade recebeu dinheiro para divulgá-la. Durães afirma que quando os membros da CTNP aqui chegaram depararam-se com mais de 40 mil pés de café na fazenda Quati, de propriedade do ex-governador do estado Afonso Alves Camargo. Bertoldo Durães, seu pai, era gerente da tal fazenda. E que o senhor Álvaro Godoy, proprietário da Fazenda Santa Helena, também tinha chegado antes, em 1925, apesar de sua biografia registrar 1931. (PERFIL LONDRINA – 2004). 46 povoamento e a expansão da estrada de ferro atingiriam as proximidades da margem direita do rio Tibagi, por volta de 1920. No ano de 1924 inicia-se a história da Companhia de Terras Norte do Paraná, subsidiária da firma inglesa Paraná Plantations Company7, tal como a subsidiária Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná, adquirida em 1928. Atendendo a um convite do presidente da república Arthur Bernardes (WACHOWICZ, 2001, p. 267), o técnico em agricultura e reflorestamento, Lord Lovat, técnico em agricultura e reflorestamento e integrante da missão Montagu, ficou impressionado com a exuberância do solo norte-paranaense e sua empresa acabou adquirindo 515 mil alqueires paulistas das melhores terras roxas, situadas entre os rios Paranapanema (Limite Norte), Tibagi (limite Leste) e Ivaí (limite Oeste), a fim de instalar fazendas e máquinas de beneficiamento de algodão em parte dessas terras, com o apoio da Brazil Plantations Syndicate Ltd, de Londres (MULLER, 2001, p. 100; PILATTI BALHANA, 1969, p. 214). É claro que Lord Lovat viu naquelas terras um imenso potencial econômico, não pelo fracassado plantio de algodão, mas, sobretudo, através de sua comercialização, o que não tardaria em acontecer. De acordo com o historiador José Joffily (1985), a história de Londrina está atrelada aos interesses britânicos no Brasil dos anos 1920. Nesta época, a dívida brasileira com os banqueiros ingleses somava milhões de libras e a necessidade de contrair novos empréstimos obrigou o Governo a receber, de bom grado, uma missão que viria estudar a situação financeira, econômica e comercial do país e a reformulação do sistema tributário brasileiro (ASARI e TUMA, 1978, p. 29), a fim de estabelecer relações comerciais e de investir no mesmo, fosse por meio de aquisições acionárias, como por meio da aquisição de terras. A última modalidade resultou na aquisição de aproximadamente 13.165 Km2 de terras devolutas de altíssima fertilidade cobertas por vegetação nativa no Norte do Paraná, pela Companhia de Terras Norte do Paraná, por um preço muito aquém do valor real, as mais baratas terras do Estado (WACHOWICZ, 1977, p. 162)8. Joffily (1985), um crítico da história de Londrina, propõe uma revisão, que ainda está por se completar, da “história dos vencidos”, distinta da 7 Entre junho e agosto de 1925, na sede da Sudan Plantation, da qual Lord Lovat era presidente, realizou-se uma série de reuniões envolvendo o representante brasileiro João Sampaio Antonio de Moraes Barros e outros diretores e funcionários de alto escalão da empresa. Ficou decido que ao invés de aumentar o capital da Brazil Plantation Syndicate Ltd seria ela oportunamente liquidada, fundando-se em seu lugar a Paraná Plantation Company, a fim de levantar fundos de maior vulto para grandes empreendimentos que se projetassem, inciandose pela compra das terras e pela construção das estradas de ferro e de rodagem (ASARI e TUMA, 1978, p. 37). 8 Alguns pesquisadores, como Asari e Tuma (1978, p. 31), em estudos históricos sobre o município de Londrina, subsidiado fundamentalmente pela publicação editada em comemoração ao cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, em 1975, afirmam que a CTNP adquiriu títulos de concessões e posses de terras do Governo pelos preços de lei, chegando, em alguns casos, a pagar duas ou três vezes pelas terras, a fim de assegurá-las a si e aos seus sucessores o direito líquido e inquestionável sobre a terra negociada. 47 história oficial dos “vencedores” que saúda a cobiça do imperialismo inglês, e o escandaloso patrocínio oficial, através do qual qualquer negociante ajuizado teria obtido resultados equivalentes (LONDRINA - PERFIL 2004-2006, p. 7 e 8). No entanto, não negamos o fato da falta de recursos por parte do empresariado nacional e governos federal e estadual e a necessidade de se ocupar essas terras a fim de garantir o território. Foi na tarde do dia 21 de agosto de 1929, quando os pioneiros chegaram às terras adquiridas pela CTNP, atualmente Londrina. Partiram de Ourinhos no dia 20 de agosto George Craig Smith, Alberto Loureiro, o agrimensor russo Alexandre Rusgulaeff, Ervin Froelich, Kurt Kakowats e mais alguns peões contratados para trabalhar no campo. Fizeram parada em Jataí, onde compraram mantimentos, burros de carga e até contrataram o serviço de um índio-guia que falava mansamente com os animais, chamando cada um pelo nome. Na chegada às terras da companhia, Rusgulaeff, orgulhosamente, fincou o primeiro marco, exatamente na Zona Leste da cidade9. A primeira derrubada de 10 alqueires ocorreu exatamente onde, hoje, será construído o Complexo Marco Zero, antiga Anderson Clayton (LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 10). A Companhia de Terras Norte do Paraná deixaria sua marca na história através do sucesso alcançado com a comercialização das terras. Dividiu-as em lotes relativamente pequenos, que poderiam ser adquiridos por meio de pagamentos parcelados em até quatro anos. Foi considerada por isso por alguns pesquisadores como a implementadora de uma verdadeira reforma agrária sem intervenção do Estado no Norte do Paraná. Esse sistema estimulou muito a concentração de poder, a explosão demográfica, assistência técnica e financeira, a expansão de núcleos urbanos e o aparecimento de classes médias rurais (LONDRINA - PERFIL 2005-2006, p. 13). Em 1932 Londrina já possuía mais de 150 casas, conectados a Jatay, ponto final da estrada de ferro, por meio de uma estrada construída em 1930, a Estrada dos Pioneiros10. Em 1933 já havia 396 casas, e em 10 de dezembro de 1934 foi criado o Município de Londrina. Somente em 28 de julho de 1935 a estrada de ferro transporia o rio Tibagi e chegaria a Londrina. 9 O marco zero está situado poucos metros ao norte do terreno em que será construído o Complexo Marco Zero, as margens da Av. Theodoro Victorelli. Ainda se preserva a mata nativa em torno do marco, que de acordo com os projetos imobiliários para o terreno do complexo, há de compor a paisagem natural do mesmo, simbolizando uma relação “equilibrada” com o meio ambiente. 10 As margens desta estrada, que até os dias de hoje não foi asfaltada devido a seu uso eminentemente rural, se encontra o campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, ainda em fase de construção. Marca o início da Zona Leste da cidade, estando na Zona de Expansão Urbana do município, de acordo com o Plano Diretor de 1995. 48 Os lotes de terra comercializados pela companhia, com tamanho entre 10 e 15 alqueires, dentro do limite da pequena propriedade para os padrões da época, eram traçados em forma de longos retângulos, tendo quase todos frente para uma estrada (a qual ficava no espigão) e fundos para um rio ou córrego (WACHOWICZ, 1977, p. 163). Toda a área colonizada pela companhia foi dotada de boas estradas, interligadas aos pequenos patrimônios que surgiam por toda a região. Estes, via de regra, não distavam mais que 15 quilômetros um do outro ou de uma cidade maior, a fim de melhor integrar meio rural e meio urbano (PILATTI BALHANA, 1969, p. 215). Em relação as áreas urbanas, todas as cidades obedeciam a um plano urbanístico previamente definido pela Companhia, divididas em datas, “[...] destinadas à construção de prédios comerciais e residenciais, sendo que ao comprador da data era exigido em contrato a construção no prazo máximo de um ano” (ASARI e TUMA, 1978, p. 39). De acordo com Muller (2001, p. 102), o eixo de toda colonização é o espigão divisor de águas entre as bacias do rio Ivaí e do Paranapanema, com seu topo largo e plano, onde foram traçados a linha ferroviária e a estrada principal, e reservados como sítio dos principais núcleos urbanos da região. Deles partiam estradas secundárias para núcleos urbanos inferiores ligando toda a área colonizada. Tais núcleos urbanos de maior importância econômica foram planejados de tal forma que não distassem mais que 100 km um do outro, a título de exemplo: Londrina, Maringá e Cianorte11; enquanto os núcleos urbanos menores não distavam mais que 15 km um do outro, constituindo-se em centros comerciais e abastecedores intermediários entre as cidades maiores, por exemplo: Ibiporã, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, Mandaguari, Marialva e Sarandi. O grande leitmotiv do “sucesso” do empreendimento colonizador da Companhia de Terras Norte do Paraná, por demais sabido, reside na cafeicultura, que não somente por motivos políticos se expandiu para esta área, mas também por fatores físicos, que além da fertilidade natural dos solos, encontrou clima favorável de transição entre o tipo subtropical, que caracteriza a maior parte do Terceiro Planalto Paranaense, e o tropical de altitude do Oeste paulista. Aliás, esta foi considerada a área limite para o plantio do café, em função das geadas, fenômeno típico dessas regiões, inclusive um dos motivos da erradicação da cafeicultura décadas mais tarde (MULLER, 2001, p. 90 a 91). A Companhia de Terras Norte do Paraná, único empreendimento colonizador privado do país, fundou além de Londrina, outras 63 cidades e patrimônios, dentre elas 11 Cianorte, a oeste do rio Ivaí, foi fundada mais tarde, já na época da Companhia Melhoramentos. 49 Cambé, Rolândia, Arapongas, Mandaguari, etc., vendeu lotes e chácaras para 41.741 compradores, de área variável entre 5 e 30 alqueires, e cerca de 70.000 lotes urbanos com média de 500 m2. (ASARI e TUMA, 1978, p. 44; BATISTA et al, 2002). A “ação civilizatória” e progressista da burguesia inglesa, de espírito público da empresa privada empreendedora, e sua “missão histórica” de elevado interesse público em promover a “verdadeira reforma agrária” no Norte do Paraná, que nem mesmo a crise de 1929 pôde sobrepujar, chegaria ao fim em 1944 quando foi vendida a um grupo de empresários paulistas. De acordo com Wachowicz (2001, p. 270 e 271), no ano de 1939 a Paraná Plantation Company “perdeu” a estrada de ferro, encampada pelo Governo Federal. Quanto a Companhia de Terras Norte do Paraná, devido aos pesados impostos sobre capitais estrangeiros, e as dificuldades deflagradas com a Segunda Guerra Mundial, os ingleses colocaram-na à venda. A Segunda Guerra Mundial mergulhou toda a Europa, incluindo a Inglaterra, num quadro crítico e devastador, daí a necessidade da repatriação urgente dos capitais no exterior. Nascia assim a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, a partir da qual surgiriam outras novas cidades principalmente no Noroeste paranaense, o chamado Norte Novíssimo. Muitos foram os que comentaram e discutiram a respeito do papel da CTNP. Seu modelo de ocupação criticado por alguns, elogiado por muitos, ora relativizado, não escapa aos embasamentos da crítica, segundo a qual trata-se de uma empresa capitalista, é claro, na tentativa de explorar os potenciais econômicos da região, empreendendo um modelo de ocupação altamente lucrativo e predatório para com os recursos naturais. Por outro lado, há os que enaltecem ao falar de um modelo privado de reforma agrária que trouxe sucesso e desenvolvimento para o Norte do Paraná e à cidade de Londrina, a sede de suas atuações na região. Entretanto, não podemos prescindir das condições materiais e sócio-econômicas da época, como também da avaliação territorial em que ocorreu tal feito, e da conjuntura nacional e estadual, que esboçava a necessidade - dado suas limitações financeiras - de investimentos externos a fim de garantir o território e efetivamente ocupá-lo na região Norte do Paraná (NAKAGAWARA, 1985, p. 4). 50 3.2. O “Eldorado”: Encontro e Despedida. Os ‘anos “verdes”’ e os “anos negros” da Economia Cafeeira. De acordo com a antiga lenda indígena narrada aos colonizadores espanhóis, o “Eldorado” falava de uma cidade cujas construções seriam todas feitas em ouro maciço, da qual seu imperador tinha o hábito de se espojar em ouro em pó, a fim de ficar com a pele dourada, cujos tesouros existiriam em quantidades inimagináveis. Muitos foram os que se empreenderam em encontrá-lo, e até recentemente, na primeira metade do século XX, muitos também foram os que “viram-no brilhar nas terras roxas do Norte do Estado do Paraná” (LONDRINA, 2004). De fato, até os anos de 1960 o Norte do Paraná, aí incluso Londrina, vivendo o auge da economia cafeeira, atraiu milhares de imigrantes de todas as partes do país e até de outros países, que em busca do “eldorado” não dispensavam esforços em “acreditá-lo” e aplicá-lo à economia cafeeira. A produção cafeeira era tamanha que o município passou a demandar firmas e escritórios de corretagem do café, assim firmas exportadoras como a Anderson Clayton foram sediadas em Londrina, dentre outras. Muitos produtores enriqueciam e adquiriam mais terras no próprio Estado ou em outros Estados do Brasil, por exemplo, Mato Grosso e Rondônia, etc. Na safra de 1964/1965 o escritório regional do antigo Instituto Brasileiro do Café, em Londrina, chegou a receber 24 milhões de sacas (FOLHA DE LONRINA, 1994, p. 33 e 34). O café, rei da produção no Norte do Paraná, em 1946 era o estado o sétimo produtor nacional de grão, em 1950 o terceiro, e em 1960 era já o primeiro no Brasil e no mundo, com uma produção média de 16.000.000 de sacas anualmente, aproximadamente 60% da produção nacional (WACHOWICZ, 1977, p. 168). Londrina, a capital mundial do café, já em 1940 contava com mais de 30 mil habitantes, em 1960 eram mais de 134 mil habitantes, que atraídos seja por motivos financeiros ou qualquer outro, em sua maior parte eram pessoas em busca de novas oportunidades, e o café representava a maior e melhor delas durante essas décadas. A cidade foi planejada para abrigar até 20 mil habitantes, mas rapidamente ultrapassou o plano inicial, quando a partir de 1944 sobrepujou os limites originais do perímetro urbano dados pela planta urbana original. Durante a década de 1950, a cidade viveu uma grande expansão econômica, populacional e físico-territorial, tendo por catalisador o aumento da produção e exportação agrícola, quando então recebeu o título de “capital mundial do café". Entretanto, o café, sensível às flutuações de preços no mercado nacional e 51 mundial devido às oscilações na produção, e sensível às intempéries climáticas, não poderia ser o único alicerce do “eldorado”, mas é verdade que se destacou notoriamente dentre um conjunto de produção propriamente dita, a qual garantiu a Londrina seus “anos dourados” (FRESCA, 2002, p. 242-244). O surto de urbanização vivenciado por Londrina deve-se a uma série de fatores, dentre eles Nakagawara (1985, p. 3) cita o planejamento global executado pela CTNP, onde tanto os assentamentos urbanos como os rurais foram concebidos juntamente com um esquema maior de circulação de mercadorias e pessoas, pois se tratava de uma zona produtiva embrionária que se relacionaria com toda a região adjacente e principalmente com a região Sul do Estado de São Paulo e com sua capital. Assim, os resultados obtidos com a produção regional atrairia o afluxo demográfico, o incremento da base produtiva, bem como da interdependência das relações econômico-espaciais com outros lugares (NAKAGAWARA, 1984, p. 1). Os anos áureos da economia cafeeira chegaram ao seu ápice na década de 1950, quando Londrina ganhou destaque no cenário nacional, tornando-se a terceira cidade da região Sul do Brasil, tendo o terceiro aeroporto mais movimentado do país, a capital mundial do café recebeu uma verdadeira “avalanche humana”. Se agigantava e o caos se instalava numa desordem que rompia com a imagem de crescimento harmônico até então sustentado pelo “ouro verde”. Nessa década a cidade foi considerada a cidade do interior do país de maior importância regional (NAKAGAWARA, 1975, p. 2), verdadeira capital do Norte do Paraná, sendo o maior centro industrial, financeiro e comercial da região, perdendo no Estado somente para Curitiba (MULLER, 2001, p. 112). Em 1950, o Norte do Paraná respondia por 18,9% da produção de café no Brasil. Assim conquistava, a passos largos e seguros, lugar de proeminente importância no país, e Londrina se despontava a frente desse processo, tornandose um poderoso foco de atração social e decisão econômica do Norte do Paraná, sendo um grande centro de comercialização e beneficiamento e distribuição dos produtos regionais (NAKAGAWARA, 1973, p. 2). O sucesso da atividade primária, representando pela cafeicultura, estimulou o desenvolvimento e os investimentos constantes nessa atividade, por outro lado, trazia como conseqüência a debilidade do setor secundário, que apoiado na transformação de produtos primários apenas, não lograva um maior desenvolvimento (NAKAGAWARA, 1975, p. 2). Todavia, Londrina e o norte paranaense, juntos concentravam dois terços da população total do Estado do Paraná, a maior parte dela ainda vivia nas áreas rurais, portanto, suas relações 52 sociais e econômicas fundamentavam-se na dinâmica base agrária, que, por outro lado, possibilitavam o crescimento de atividades terciárias. O “Eldorado” tão esperado enriqueceu a poucos, mas trouxe desenvolvimento econômico na forma de investimentos para essa região, entretanto, a capitalização proveniente da lavoura cafeeira não fez, necessariamente, com que o fazendeiro criasse uma mentalidade empresarial que decidisse pelo reivestimento na própria região, apesar de fixá-lo à terra. Dessa maneira, grande parte dos lucros eram redirecionados e drenados, principalmente, para São Paulo. Contudo, mesmo baseado na atividade primária, o dinamismo do Norte do Paraná não encontrava paralelo no Brasil de 1960, constituia-se verdadeiramente numa das regiões geoeconômicas mais importantes do país (NAKAGAWARA, 1975, p. 4 e 9). Os anos áureos da cafeicultura prediziam seu fim, o Eldorado definhava, a economia capitalista se modernizava e junto com ela sua base produtiva, a industrialização galopante a passos largos, novas relações sociais de produção chegavam ao campo, as legislações trabalhistas agora passariam a vigorar por todo o território, ao menos em tese. A “revolução verde” trazia “novos eldorados” como, por exemplo, a soja, o trigo, o milho, etc., a produção agrícola se diversificava, e as intempéries climáticas próprias da região limítrofe ao cultivo do café assinalavam um risco constante à cafeicultura. Geadas intensas e consecutivas fez com que a cafeicultura fosse perdendo status, dando lugar a outros produtos menos sensíveis a esse tipo climático. As geadas de 1963, 1964, 1966, e principalmente, a geada negra de 18 de julho de 1975, que se tornou um marco do fim da cafeicultura no Norte do Paraná. Os agricultores preferiram não se expor mais às perdas intermitentes com o café, o que, somado a política nacional de erradicação de cafeeiros, a fim de diminuir a produção nacional, fez com que a cafeicultura fosse praticamente banida dessa região ao longo dos anos 1960. Neste sentido foi criado o Grupo Executivo de Erradicação do Café – GEERCA, a fim reestruturar e modernizar as atividades agropecuárias e suplantar a cafeicultura (WACHOWICZ, 2001, p. 275). Todas essas mudanças estruturais na agricultura brasileira encerraram no afluxo de milhares de trabalhadores para as áreas urbanas. Tem início um novo ímpeto na industrialização, agora marcada pela explosão do êxodo rural e consequentemente das cidades que acolhiam essas populações. Até 1970 a população rural correspondia a 60% da população total do Estado do Paraná, quadro que começou a mudar profundamente a partir desse período, quando mais de um milhão de paranaenses deixaram o campo rumo às cidades médias e grandes. Nessa década, Londrina sofreu um aumento populacional de 17%, ou seja, 53 mais de 103 mil novos habitantes foram acrescidos à sua população em apenas 10 anos (CUNHA, 1996, p. 50 e 51). Entre 1970 e 1990 o grau de urbanização no Paraná saltou de 36% para aproximadamente 80% como reflexo da reestruturação econômica e do êxodo rural. Londrina, assim como Curitiba, Maringá e Ponta Grossa firmaram-se como os quatro municípios com maior número de habitantes na área urbana. No ano de 2003, Londrina já contava com mais de 81,4% de habitantes vivendo na área urbana, o que, conseqüentemente sobrecarrega todos os serviços públicos e equipamentos e estruturas urbanos existentes (MOURA, 2004, p. 34 a 36). 3.3. A Produção do Espaço Urbano londrinense pós-“Ouro Verde”: Conseqüências da Revolução Verde e a Explosão Urbana. O inchaço urbano promovido pelo demasiado êxodo rural fez com que Londrina perdesse a imagem de Eldorado até então veiculada pela mídia local. Uma série de problemas sócio-ambientais aflorava por toda a cidade. Os equipamentos públicos foram se tornando poucos e ineficientes ao atendimento de uma demanda cada vez mais crescente. As ocupações iniciaram um processo de expansão irregular e desordenada da cidade. É nessa época que inscreve-se no espaço urbano londrinense o processo de segregação sócio-espacial, quando novos bairros e loteamentos começam a se distinguir e a se distanciar de bairros tradicionais e elitizados da cidade localizados na área central ou próximo a ela. A década de 1970 data o início da construção dos conjuntos habitacionais na cidade, que, em todas as direções expandia o tecido urbano, de forma desordenada e segregada, distantes da área central, fazendo com que imensos vazios urbanos passassem a existir entre eles e a área central e que em 2001 correspondiam a 14,36% da área construída total (FRESCA, 2002, p. 253), Esses vazios como focos de valorização da especulação imobiliária, haja vista que essa estratégia altera a produção interna da cidade na medida em que cria a área de expansão urbana, afetando artificialmente os preços no mercado imobiliário, ao criar infraestruturas que valorizem indiretamente as áreas ainda não ocupadas (FRESCA, 2002, p. 255). Até a década de 1950 a expansão da área urbana de Londrina foi pouco significativa, tendo aumentado poucos quarteirões em relação à planta original da cidade. Todavia a segregação sócio-espacial já se esboçava mesmo nessa época, é o caso da diferenciação entre a área Norte e a área Centro-Sul, que se distinguiam sócio-economicamente por acomodarem diferentes classes sociais. Em meados da década de 1950, a cidade apresentava certa expansão 54 urbana nos setores Norte, Noroeste e Sudeste, esse último em função da construção do aeroporto. Já na década de 1960, Londrina conheceu um considerável crescimento urbano, nas direções Oeste, Leste e Sul, onde proliferavam os loteamentos urbanos, que mais tarde, na década de 1970 seriam palcos de intensa especulação imobiliária através da prática dos vazios urbanos como forma de reserva de valores para um futuro mercado imobiliário mais valorizado em função dos investimentos e dos usos praticados em suas adjacências, seja por meio de conjuntos habitacionais como também de loteamentos irregulares. De acordo com Cunha (1996, p. 58 a 61), de um modo geral, as ocupações e os usos do solo urbano londrinense têm origem na intensa migração intra-urbana, que ocorrida de maneira desordenada, projetou-se como “tentáculos” isolados dentro da área rural. O Estado personificado no poder público local é o principal responsável pela atual conformação do espaço urbano socialmente segregado da cidade de Londrina. De acordo com Linardi (apud FRESCA, 2002, p. 246), a espantosa expansão da periferia não correspondia às necessidades reais da cidade, “[...] refletia, evidentemente a lógica dos interesses da especulação imobiliária, que tinham na venda dos lotes, grande fonte de rendimentos”. Isso fez com que o número de lotes vazios se proliferasse em todas as zonas da cidade, fazendo com que os custos dos serviços e dos equipamentos públicos aumentassem ainda mais, além do fato, é claro, de segregar as populações, erigindo verdadeiras “ilhas” dentro da cidade. Sob essa orientação tem-se início uma nova fase da produção do espaço urbano em Londrina, seja através do Estado com os conjuntos habitacionais ou através de agentes sociais privados de baixo ou alto poder aquisitivo, como é o caso das favelas e assentamentos urbanos, e dos bairros elitizados, respectivamente. A década de 1960 marca o início da atuação da Companhia de Habitação de Londrina (COHAB-LD), criada em 1965 vinculada à política nacional de habitação e às tendências em nível federal para as questões de moradia propostas pelo já extinto Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964. Todavia, a atuação mais efetiva da COHAB ocorreu a partir da década de 1970. Até então, foi a Companhia de Habitação do Paraná (COHAPAR) quem se empenhou na construção de três conjuntos habitacionais na cidade, perfazendo 295 unidades habitacionais. Já em 1970, iniciada a atuação efetiva da COHABLD com recursos do BNH, a cidade conheceu uma nova fase na construção de moradias. Não são mais as autoconstruções dos mutirões que predominam no cenário urbano municipal, mas sim a construção dos conjuntos habitacionais a fim de atender a uma demanda cada vez mais crescente. Entre 1970 e 1980 a COHAB-LD entregou 32 conjuntos habitacionais, um total de 9.055 unidades. A COHAB-LD também atuou em conjugação com a participação de recursos 55 oriundos de outros agentes financiadores, como foi o caso do Instituto de Orientação às Cooperativas (INOCOOPs), que entre 1975 e 1979 construiu quatro conjuntos habitacionais, um total de 1.219 unidades habitacionais (FRESCA, 2002, p. 246). (vide tabela 01) Na década de 1980 o processo de urbanização se acelera em função da continuidade do crescimento demográfico, época em que Londrina já contava com 301.749 habitantes. A COHAB-LD continuou a ser a grande responsável pela construção de conjuntos habitacionais, tendo implantado entre 1981 e 1986, 23 conjuntos, que correspondiam a 10.552 moradias. No ano de 1982 os recursos que até então eram provenientes do BNH, passam a ser emitidos pela Caixa Econômica Federal (CEF) e pela própria COHAB-LD, que também recebia financiamento do Instituto de Previdência do Estado do Paraná, o qual produziu quatro conjuntos verticais, num total de 702 apartamentos, enquanto o INOCOOPs produziu 573 unidades entre os anos de 1983 e 1986 (FRESCA, 2002, p. 246 e 247). Na tabela seguinte é apresentando a atuação de órgãos públicos na construção de moradias populares: Tabela 01: Habitação popular no município de Londrina – conjuntos habitacionais ANO Antes de 1969 19691972 19731976 19771980 19811984 19851988 19891992 19931996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 TOTAL COHAB-LD Conjuntos Unidades - COHABAN/INOCOOP Conjuntos Unidades - ÓRGÃOS COHAPAR Conjuntos Unidades 1 228 IPE-PR Conjuntos Unidades - TOTAL Conjuntos Unidades 1 228 6 576 - - 2 67 - - 8 643 8 773 2 291 - - - - 10 1064 18 10301 2 928 - - - - 20 11229 14 7364 2 349 - - - - 16 7713 21 2096 2 367 - - 4 702 27 3165 36 1 4 666 - - - - 40 7154 5 202 1 486 3 573 - - 9 1261 1 1 1 2 113 10 185 360 548 28903 13 3087 1 1 6 2 1 17 94 441 160 99 80 1742 4 702 1 1 2 7 4 1 147 10 94 656 520 647 80 34434 6488 Fonte: Londrina Perfil – 2004, PML. 56 A atuação estatal na produção do espaço construído londrinense deu-se principalmente através dos conjuntos habitacionais, atendendo a uma demanda latente que já figurava no cenário municipal, manifestando-se nos loteamentos e nas ocupações irregulares pelas camadas de baixo poder aquisitivo. Portanto, anterior a produção do espaço construído pelo poder público local, foi a ocupação pelas populações recém chegadas do campo, que vitimadas pelo êxodo rural se direcionavam para as cidades, sobretudo as médias, como Londrina. Outros agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano foram os grandes incorporadores que atuaram na área central e centro sul, principalmente através do processo de verticalização, mais intenso a partir da década de 1980, fazendo com que Londrina se destacasse no cenário nacional pela grande concentração de edifícios. A conjugação de todas essas formas de atuação na produção do ambiente construído nos dá o quadro que se figurava na Londrina do último quartel do século XX. A seguir abordar-se-á a produção recente do espaço urbano londrinense nas três últimas décadas, objetivando estabelecer parâmetros de análise bem como investigar a lógica propulsora dessa produção social que é o espaço urbano. O mapa a seguir (mapa 03) apresenta a evolução urbana da cidade de Londrina por décadas. O núcleo na cor roxa corresponde ao perímetro inicial da cidade, estabelecido pela CTNP, exatamente onde hoje está o centro histórico da cidade e a catedral. Da década de 1940 são, dentre outros locais, as adjacências da Viação Garcia e da Anderson Clayton, ao longo da Avenida Celso Garcia Cid. Na década de 1940 tem início a expansão urbana além do perímetro original estabelecido pela CTNP. A essa época a expansão ocorria de modo rápido e desordenado, pois, não obedecia às linhas básicas do plano original. Tamanha foi a intensidade da comercialização de novos lotes e a criação de novas vilas, a ponto do poder público local proibir, no ano de 1948, “novos loteamentos nas adjacências da cidade” (PRANDINI apud FRESCA, 2002, p. 243). 57 Mapa 03 – Evolução do uso do solo urbano por décadas. Fonte: Londrina IPPUL/PML, Plano Diretor – 1998 (Figuras e Seções -Seção 5). 58 A expansão urbana da década de 1950 foi nitidamente superior a sua precedente. Época em que Londrina ganhou o status de capital mundial do café, o crescimento urbano era a expressão mais contundente da expansão econômica da cafeicultura londrinense. Os lucros advindos da agricultura mudaram a face da cidade, tanto do ponto de vista econômico, quanto social e paisagístico, é exemplo notório o fato de que na década de 1960 o número de casas de alvenaria suplantou o número de casas de madeira, até então predominantes (FOLHA DE LONDRINA, 1994, p. 51). Na década de 1960 a população da cidade quase dobra em relação aos números de 1950. Agora com 134 mil habitantes, Londrina conhece uma série de grandes transformações estruturais, dentre elas, Fresca (2002, p. 245) destaca as transformações agrárias, sociais, econômicas e demográficas, que, em função da primazia da população urbana sobre a rural, o que se deu em função do início da modernização e diversificação da agricultura e com o fim da cafeicultura, inseriu a cidade num quadro caótico de crescimento desordenado e de limitações infra-estruturais, o que se acentuava dia a dia com o aumento do êxodo rural. Da década de 1960 data o primeiro Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano da cidade, que em 1968, tinha por função disciplinar e racionalizar a expansão urbana, o uso do solo, a circulação e os equipamentos básicos da cidade (FRESCA, 2002, p. 245 e 246). Ao findar da década de 1960 a cidade estava abarrotada de populações empobrecidas e desempregadas oriundas do campo, desprovida de recursos financeiros e de equipamentos públicos, elas se instalavam nas áreas periféricas da cidade, inaugurando formas de assentamentos urbanos segregados até então não tão comuns à realidade de outrora. Representada na cor amarela, a expansão urbana da década de 1960 mais que duplicou a área urbana do município de Londrina, foi inclusive proporcionalmente maior que o próprio crescimento demográfico (vide tabela 02). Em 1970, quando a cidade já possuía aproximadamente 228 mil habitantes, tem início a construção dos conjuntos habitacionais nas áreas periféricas da cidade, aumentando ainda mais a malha urbana. Esta forma de assentamento teve por objetivo atender à demanda latente por moradias por parte das populações de baixa renda, o que, por conseguinte, atraía mais habitantes para a cidade, aumentando a demanda incessantemente. Observe no mapa da página anterior que essa expansão se caracterizou pela segregação espacial e pelo distanciamento dos conjuntos habitacionais em relação ao centro da cidade, a fim de que pudesse valorizar os lotes urbanos não ocupados existentes na faixa intermediária entre a periferia e a área central. O padrão de ocupação da década de 1980 segue as mesmas linhas gerais da década da anterior, mas foi inferior em termos absolutos, tanto em área ocupada quanto em efetivos populacionais (vide tabela 02). Enquanto na década de 1970 foram 59 agregados 2.595 ha à cidade, na década de 1980 esse número caiu para 783 ha (FRESCA, 2002, p. 246 e 248). Tabela 02 – Evolução demográfica do Município de Londrina URBANA ANO Nº RURAL % Nº Taxa de TOTAL % Nº % crescimento geométrico 1940 11.175 36,90 19.103 63,09 30.278 100,00 - 1950 34.230 47,93 37.182 52,07 71.412 100,00 - 1960 77.382 57,40 57.439 42,60 134.821 100,00 6,60 1970 163.528 71,69 64.573 28,31 228.101 100,00 5,40 1980 266.940 88,48 34.771 11,52 301.711 100,00 2,82 1991 366.676 94,00 23.424 6,00 390.100 100,00 2,36 1996 396.121 96,02 16.432 3,98 412.553 100,00 - 2000 433.369 96,94 13.696 3,06 447.065 100,00 2,02 2003 - - - - 467.334* 100,00 - 2007 - - - - 497.000* 100,00 - Fonte: Perfil de Londrina (2007, p. 14). Modificada - Censos Demográficos 1950, 1960, 1970, 1980, 1991; Contagem da População 1996 e 2007; Censo Demográfico 2000 – IBGE. * Estimativa da População IBGE – 2003 e 2007, respectivamente. Na década de 1990 o crescimento absoluto não se estendeu em demasia sobre os limites do perímetro urbano, com exceção de alguns locais onde a urbanização ultrapassou os limites alcançados pela década anterior. Durante a década de 1990, grande parte dos lotes vazios reservados nas décadas anteriores foram ocupados pelo poder público local e pela iniciativa privada. A iniciativa privada se destacou com a venda de lotes residenciais e comerciais, impulsionando a construção civil, que, todavia, teve seu “boom” nos anos 1980, quando empregou mais de 12 mil trabalhadores, atingindo uma marca de aproximadamente 800 prédios com mais de 3 pavimentos, consagrando a cidade em nível nacional quanto a verticalização. Na década de 1990 houve um decréscimo na construção civil em relação aos indicadores da década anterior, mas, apesar disso, o setor continuaria sendo promissor de acordo com os analistas daquela época. Atualmente Londrina é a 7ª do país em número absoluto de prédios e a 12ª no mundo na relação entre edifícios e população, e como predito pelos analistas dos anos 1990, a cidade continuou com um ritmo acelerado no setor 60 imobiliário, agora mais sólido e consistente que antes, é a opinião atual dos analistas e empreendedores e dos grandes incorporadores urbanos (FOLHA DE LONDRINA, 2007). No capítulo seguinte abordar-se-á a produção social recente do espaço urbano londrinense a partir do enfoque de determinada área da cidade, especificamente da Zona Leste e das incorporações e das mudanças em termos de uso e ocupação do solo que correspondem a essa área, seja por meio da atuação do poder público local ou de investidores privados. 61 4. O PROCESSO DE (RE)VALORIZAÇÃO E DE (RE)PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO NA ZONA LESTE DE LONDRINA. 4.1. Introdução Nesse capítulo discorreremos acerca do processo recente de valorização e revalorização espacial pelo qual tem passado a produção social do espaço urbano em parte da Zona Leste de Londrina. Do início de nossa pesquisa até sua finalização, a área já sofreu significativas mudanças e, tudo isso ainda é apenas uma fase inicial desse processo. Tais mudanças têm contribuído para a alta no preço dos terrenos e para a “euforia imobiliária” dentre a classe incorporadora que, no espaço urbano, em diferentes formas e intensidades, induzem cada vez mais a valorização da área e vendem uma imagem de rentabilidade e de retorno seguro entre a classe dos investidores de diferentes segmentos e de diferentes potenciais. Nas últimas semanas iniciou-se a terraplanagem do terreno onde será construído o Complexo Marco Zero, esta ponta do “iceberg” faz da área um ativo canteiro de obras, potencialmente, uma das áreas mais promissoras e mais atrativas da cidade nos anos vindouros, de acordo com a Imobiliária Raul Fulgêncio, tanto no que se refere à valorização no e do espaço e quanto à renovação urbana. Semelhantemente, a construção da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), já em fase avançada, e com previsão de ser entregue no início do ano de 2009, também tem alavancado a produção de novas moradias e a incorporação de novas áreas por meio do lançamento de loteamentos e condomínios fechados horizontais e verticais, públicos e privados. Tais fatores têm contribuído diretamente para o aumento do valor dos lotes de terra da área e conseqüentemente para especulação imobiliária que se realiza a passos galopantes. Esse capítulo tem por objetivo analisar esse processo e investigar o papel da mídia local e do discurso hegemônico - através dos principais jornais locais e do discurso oficial da cidade, isto é, aquele veiculado pela mídia eletrônica oficial da Prefeitura Municipal de Londrina (Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal) -, indutor de investimentos e de interesses, enquanto um catalisador da valorização do espaço urbano e da atratividade de investimentos para a área. Por discurso hegemônico compreendemos tanto o discurso oficialpolítico como o discurso burguês dos incorporadores e imobiliaristas de médio e grande porte, transmitidos diariamente pela mass media, que de maneira direta ou indireta tem atuado na área. 62 Nossa investigação será empiricamente subsidiada por levantamentos de uso do solo nas principais avenidas da Zona Leste, por entrevistas junto aos comerciantes e empreendedores locais, bem como pelo zoneamento urbano realizados pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL). Espera-se assim poder compreender o processo de produção do espaço na Zona Leste de Londrina por meio dos instrumentais e da leitura geográfica da realidade. No mapa abaixo (mapa 04) estabelecemos a delimitação espacial da pesquisa, a qual foi escolhida por se enquadrar na área receptora dessa nova onda de investimentos tal qual identificada durante este trabalho. Esta área da Zona Leste se caracteriza por certas semelhanças e articulações, sejam elas espaciais e econômicas, mas que no nível do planejamento econômico público e privado parece, a nosso ver, ser alvo de intensa especulação e interesses imobiliários. Num primeiro momento discorreremos acerca da ordem do discurso no espaço urbano burguês e da lógica da especulação imobiliária e da produção capitalista do espaço urbano em tempos de globalização, reestruturação e renovação do espaço intra-urbano. Uma ordem processual que tem como centro gravitacional o capital incorporador, a coalizão entre diferentes forças que atuam no mesmo mercado, e dentre elas as forças políticas representadas pelo poder público local, e como epicentro do fenômeno o ponto de extravaso potencialmente representado, neste caso, pela nossa área de estudo na Zona Leste da cidade de Londrina. No mapa 05 identificamos a regionalização do município proposta pelo IBGE. Esta regionalização censitária reuniu diferentes bairros, conjuntos habitacionais, residenciais, jardins, e condomínios residenciais da cidade sobre um mesmo contexto, denominando-os de bairros (setores censitários), os quais podem ser verificados no mapa 03. A justificativa seriam as semelhanças quanto às condições sócio-econômicas dos respectivos moradores. Em muitos casos mais de um bairro, vila, conjunto habitacional, residencial ou jardim foi agrupado e recebeu a mesma denominação, em outros casos, um mesmo bairro foi dividido, situando-se parte num setor e parte em outro. Nossa delimitação corresponde aos seguintes bairros da Zona Leste da cidade: Ernani, Lon Rita, Antares, HU, Brasília e partes do Fraternidade e do Interlagos. Uma outra regionalização possível para a cidade é a proposta da Secretaria de Planejamento que subdivide as Zonas Leste, Oeste, Norte, Sul e Centro em microrregiões. A Zona Leste foi dividida em 4 microrregiões. Interessa-nos aqui a microrregião Leste 2 formada pela totalidade dos setores Ernani, Londrina Rita, Antares, e trechos do Brasília (também formador da microrregião Leste 1), Fraternidade e Interlagos (formadores da microrregião Leste 3) (mapa 06). 63 Mapa 04 – Mapa da delimitação do recorte espacial do trabalho na Zona Urbana do Município de Londrina. Fonte: IPPUL (2007); IBGE (2000), organizado por SILVA, Leandro H. da. Espaço e Trabalho: uma análise geográfica dos trabalhadores em Londrina. 2007. 86 p. Monografia de Bacharel - UEL. 64 Mapa 05 – Londrina Zonas e Bairros (Setores Censitários). Delimitação espacial da pesquisa em tracejado preto na área azul do mapa: Zona Leste. Fonte: IPPUL. 65 A Zona Leste da cidade está subdivida em 4 microrregiões. Nosso foco de análise tem como referencial toda a microrregião Leste 2, e parcialmente Leste1 e Leste 3, respectivamente nessa ordem de importância, em função da localização dos objetos aqui abordados. Para fins metodológicos tomamos como referenciais de análise os principais investimentos na Zona Leste, dentre eles os cinco condomínios residenciais horizontais, os loteamentos, os conjuntos habitacionais e dois dos principais estabelecimentos comerciais e prestador de serviços da área. Acreditamos assim, corroborar com as premissas deste trabalho. Inicialmente a análise se concentrará sobre o caso do Complexo Marco Zero (setor Fraternidade – Leste 3) e da UTFPR (setor Londrina Rita – Leste 2), enquanto os dois principais fatores propulsores da atual revalorização espacial e pelo potencial latente da área, realidade conhecida por analistas urbanos e imobiliárias, mas que agora se prepara para a intensificação dos investimentos imobiliários e para os impactos da reestruturação e renovação urbanas. Mapa 06 – Delimitação espacial da pesquisa: Zoneamento de área da Zona Leste em Setores Censitários. Fonte: IPPUL – Plano Diretor de 1998. A carta acima apresenta o zoneamento urbano na microrregião Leste 2 e em trechos das microrregiões Leste 1 e Leste 3 da cidade de Londrina. Este Zoneamento é um produto do 66 Plano Diretor de 1998. E de acordo com a Lei 7.485 de 20 de Julho de 1998, que dispõe sobre o Uso e Ocupação do Solo na Zona Urbana e de Expansão Urbana, identificaremos as seguintes zonas do mapa acima. São elas: • ZR 3 (creme, predominante no mapa) - Zona Residencial 3; • ZR 4 – (amarelo) - Zona Residencial 4; • ZC 3 – (azul claro) – Zona Comercial 3; • ZC 4 (marrom) - Zona Comercial 4; • ZC 6 (vermelho) – Zona Comercial 6; • ZE 3 (verde claro) - Zona Especial de Fundo de Vale e de Preservação Ambiental De acordo com a Lei 7.485, os lotes da ZR 3, destinam-se ao uso residencial de média densidade. Deverão ter no mínimo 250 m2, não sendo permitida a habitação vertical coletiva, exceto se forem construídas nas quadras com frente para vias arteriais (Avenida São João) e estruturais, permitindo-se somente até quatro pavimentos. Já na ZR 4 os lotes, destinados ao uso residencial de média densidade, deverão ter no mínimo 360 m2, tendo uma taxa de ocupação média dos terrenos maior que a da ZR 3, o que se deve a maior escassez de terrenos nesta área. A Zona Comercial 3 consiste numa Zona de apoio à Zona Central, com atividades semelhantes às da área central, ao longo dos corredores viários e áreas centrais de bairros, visa a estimular a concentração de atividades que exigem áreas mais amplas e que apresentem características incômodas ou inadequadas à área central. A Zona Comercial 4, consiste numa zona corredor ao longo do sistema viário e do centro de bairros, visa a estimular a concentração de usos variados, fortalecendo a centralidade, devendo seus lotes serem de no mínimo 360 m2, possuindo um maior coeficiente de aproveitamento dos terrenos que em relação às demais zonas. A Zona Comercial 6 engloba a todos os lotes com testada para determinadas ruas e avenidas, sendo uma delas a Avenida São João. Nesta Zona os lotes deverão ter um tamanho mínimo de 250 m2, e uma taxa de ocupação menor que a das duas Zonas anteriores. Há certa maleabilidade pelo dispositivo da política de uso e ocupação do solo urbano, pois, nesta área, as edificações mistas deverão atender aos parâmetros da zona comercial, e as edificações estritamente residenciais deverão adotar as normas para a zona que as envolve. Assim, ela se constitui num espaço de exceção dentro da Zona maior em que se situar. Também identificou-se a existência de Zona Especial 3 nas margens do Córrego Cafezal e Barreiro, preservadas pelo poder público local como área de preservação ambiental 67 não-edificável. Por fim, com a área devidamente estabelecida e reconhecida de acordo com a proposta do Plano Diretor de 1998, iniciamos a discussão de nosso objeto de estudo. 4.2. A ordem do discurso e a lógica da especulação imobiliária: a reprodução capitalista do espaço urbano burguês e a renda da terra urbana O pensador francês Pierre Bordieu (apud CARVALHO e CARVALHO, 1998, p. 39), afirma que os símbolos são instrumentos por excelência da integração social, eles tornam possível o consenso acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução e a continuidade da ordem social. Classe dominada e classe dominante chegam a um consenso, todavia mudo e passivo para a primeira e ativo no caso da segunda, a qual determina a posição das “cartas sobre a mesa” e induz os esquemas políticos em seu favor. Toda uma lógica do saber competente impregna o planejamento e a gestão urbana da cidade, estratégias de planejamento e ação são confiadas aos dirigentes políticos e apropriadas pelas elites, conservadoras ou progressistas, dominantes inclusive da própria direção do processo de produção do espaço urbano. Esse tipo de planejamento, ainda nos dias de hoje, assume um tom funcionalista, organicista, ao estilo lecorbusiano de se construir e de se arquitetar no urbano. Assim o saber competente, como que se agisse num espaço neutro, sem rugosidades e desfragmentado, põe em ação a lógica da acumulação do capital, fazendo da cidade uma aglomeração para a produção e reprodução ampliada do capital em detrimento do provimento de equipamentos coletivos destinados à população em geral (CARVALHO e CARVALHO, 1998). Esse parece ser o tom da produção do espaço urbano hoje em Londrina, quando a população relativamente despolitizada, inconsciente de seus deveres e direitos políticos e de seu papel enquanto um agente ativo, aceita passivamente os termos do planejamento estratégico empresarial, e ideologicamente orientada e desgastada reconhece o papel e a pseudonecessidade de um planejamento de “cima para baixo”, internaliza essas condições como necessárias e as únicas possíveis, pois já se apresenta descrente de atuações mais justas e socialmente engajadas e compromissadas. A mídia local e oficial, isto é, os jornais impressos e o núcleo de comunicação da prefeitura municipal da cidade de Londrina veiculam diariamente toda uma matriz ideológica que, gradativamente constroem um senso e um consenso, nos termos de Pierre Bordieau, bem como uma “opinião formada” entre os sujeitos da mass media. A aceitação dos termos e das 68 propostas, bem como a internalização de toda a ideologia canalizada aos seus sujeitos-objetos, fazem sucumbir a conscientização e a construção de um pensamento autônomo e legítimo entre as classes sociais. Fazem do citadino um ser genérico, um consumidor “(in)consciente”, um usuário inconsciente, cego frente à sua própria realidade, já perdida de vista pela venda da ideologia reinante e onipresente da mass media. Seres sociais que inclusive parecem perder sua situação de classe social, porque, homogeneamente orientados enquanto genéricos se reconhecem na própria subsunção que, a despeito de toda contradição e oposição, lhes é alheia uma vez que lhes fazem a cada dia, com cada bombardeio de informações, notícias, propagandas, signos, seres cada vez mais genéricos e autômatos. Assim, um projeto burguês recebe a roupagem de um sonho histórico do povo londrinense. Tal é o caso do Teatro Municipal, que travestido nas palavras do atual Prefeito Nedson Michelleti (PT) e do Deputado Federal André Vargas (PT), trata-se de um “sonho” de longa data e de toda a cidade que agora se torna um “milagre” diante dos olhos do cidadão londrinense12. À esta ordem discursiva vem justapor-se a lógica da especulação imobiliária. A realização prática desse processo encontra fundamento no investimento na terra e, por conseguinte, na agregação de valor ao espaço urbano, o que, segundo Oliveira (1978, p. 76), obrigatoriamente ampliará o processo capital-dinheiro através da apropriação da renda fundiária e o próprio valor de um pedaço de terra. Oliveira (1978), concorda com as apalavras de Marx (apud OLIVEIRA, 1978, p. 79), para quem a renda dos terrenos para construção, como a de todos os terrenos não-agrícolas, se baseia na renda dos terrenos agrícolas, caracterizando-se: “(1) pela influência decisiva da localização sobre a renda diferencial” [...], “(2) por evidenciar a passividade total do proprietário, que se limita [...] a explorar o progresso do desenvolvimento social para o qual em nada contribui e no qual nada arrisca [...]”, e “3) pelo predomínio do preço de monopólio em muitos casos, sobretudo na exploração mais imprudente da miséria [...]”. (OLIVEIRA, 1978, p. 79) Marx já reconhecera na exploração da terra um meio de reprodução e de extração e o espaço como um “[...] elemento necessário a toda produção e a toda atividade humana”. Os primeiros termos desse processo são reconhecidos no fato de que “a procura de terrenos para 12 Matérias veiculadas pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina: “É um privilégio participar da história da cidade”. Arquivo de notícias, 27 de mar. de 2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16733. Acessado em: 13 de set. de 2008; “Arquiteto de SP vence concurso para o Teatro Municipal”. Arquivo de notícias, 23 de mar. de 2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16699. Acessado em: 13 de set. de 2008; e pelo Jornal Folha de Londrina: “Teatro Municipal: recursos garantidos”, Arquivo da Folha: “Especial - Londrina, 73 anos”, 10 de dezembro de 2007. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=38635LINKCHMdt=20071210. Acessado em: 13 de set. de 2008. 69 construir aumenta o valor do solo na função de espaço de base, e ao mesmo tempo faz crescer a procura de elementos da terra que servem de material de construção” (MARX apud OLIVEIRA, 1978, p. 80). Um processo contínuo e “sustentado” em si mesmo que, através da propriedade da terra dissimula a realidade “[...] pela circunstância de a renda capitalizada, isto é, esse tributo capitalizado, aparecer na forma de preço da terra e esta poder ser vendida como qualquer outro artigo do comércio” (MARX apud OLIVEIRA, 1978, p. 80). Assim, a renda – nada além da mais-valia apropriada - aparece como juro do capital com o qual se comprou a terra e, por conseguinte, o direito à renda. Enfim, o preço da terra aparece sempre como renda capitalizada (OLIVEIRA, 1978, p. 81). A renda da terra, entenda-se renda diferencial no caso da terra urbana, surge a partir da diferença entre um preço individual de um capital particular e o preço geral do capital total. Esta regulação tem por base o valor mais alto e melhor uso futuro, em que pese toda a expectativa e especulação no mercado de terras. Em casos excepcionais a renda absoluta também pode ser auferida, quando em determinadas condições o detentor do monopólio pode determinar o preço a revelia do preço geral da produção. Por isso, “no entender de Marx a propriedade privada seria um obstáculo que quando confronta-se com o capital não permite um novo investimento sem que haja uma taxa, sem demandar uma renda” (GIL FILHO, 1997, p. 20). Num outro sentido, a propriedade privada, a localização e a escassez de locais favoráveis em relação às infra-estruturas, “[...] permitem a recepção de benefícios na medida em que os proprietários possam influenciar a ação do Estado ou da iniciativa privada para que através da especulação possam adquirir maiores excedentes” (GIL FILHO, 1997, p. 20). Tal é o caso das benfeitorias que sucederam a escolha do local para a construção da UTFPR, quando o poder público local e o governo estadual garantiram o asfaltamento e a duplicação de vias próximas a Universidade, tendo por finalidade atender as demandas futuras exigidas pela mesma. O setor privado também tem atuado nesse sentido, é o caso da futura construção de um loteamento fechado nas proximidades da UTFPR. Assunto que será tratado mais adiante. Gil Filho (1997, p. 21), distingue a ocorrência de rendas absolutas e de monopólios das rendas diferencias em face do uso que dele é/ou será feito. Diz o autor que quando há predomínio da renda absoluta na formulação do valor do solo urbano, é o valor do solo que determina o uso. Isso ocorre, na opinião de Singer (1980, p. 82), quando a localização privilegia o proprietário e lhe permite cobrar preços acima dos que a concorrência normalmente forma no resto do mercado. Mas quando predominam as rendas diferenciais 70 então é o uso que vai determinar o valor, havendo, portanto, competição entre os proprietários das glebas. E prossegue: Em muitas situações a especulação proporciona um bloqueio no valor de uso do solo em determinada área. Sendo assim, a necessidade de usos mais altos proporciona um aumento no valor de uso de áreas adjacentes antecipadamente, o que acarreta em um aumento do preço dos terrenos (GIL FILHO, 1997, p. 21). Desse modo, muitas decisões sobre alocação de terrenos são tomadas a partir da possibilidade de aumentos iminentes do valor do solo, todavia, o “valor incerto” desencoraja a renovação, deixando o proprietário sua propriedade reservada para um uso futuro melhor. Mas, os construtores necessitando de solo para uso inferior são levados a utilizar o solo em um outro local lançando assim o seu “valor incerto” sobre o seguinte uso inferior, resultando na expansão da área urbana. Foi o caso de alguns loteamentos na Zona Leste de Londrina, que de acordo com essa lógica foram compelidos a, num primeiro momento, lotear terrenos na periferia da Zona Urbana para uma classe menos provida de recursos financeiros, portanto, para um uso inferior, por exemplo, o Residencial Abussafe, lançado pela Construtora Abussafe. Num segundo momento tem-se o lançamento do Residencial Portal dos Pioneiros pela Construtora PROTENGE, numa área mais próxima da UTFPR e menos periférica, destinada a uma classe relativamente mais abastada que a classe atendida pela Construtora Abussafe, tendo em vista o valor dos terrenos. O que se verifica é que a segunda gleba de terra ficou reservada aguardando o momento oportuno, isto é, o momento da construção da UTFPR e, por conta disso, um uso imediatamente superior, pois cada utilização de terra altera o preço da mesma e de todos os outros lotes de terra próximos a ela. Tal como propôs Silva (1992, p. 55) o preço de um terreno a ser negociado envolve dois componentes: o valor potencial e a expectativa de valorização futura. De acordo com esse autor, “o valor potencial reflete certas condições histórico-institucionais inerentes ao mercado de terra e que estabelecem um preço inicial abaixo do qual a mesma não é negociada”, baseia-se, portanto, na capacidade dos proprietários fundiários de influenciarem o uso que se dá a terra. Já em relação à expectativa de valorização futura de terrenos, tem-se que esta pode variar a partir das vantagens proporcionais às modificações no ambiente construído e às vantagens locacionais que possam surgir. Oliveira (1978, p. 78), demonstra de maneira clara que a oferta de lotes deve ser, sempre que possível, inferior à procura, colocando apenas parte da gleba à venda, e justamente, o que ocorre com freqüência, as “piores” áreas em termos de localização dentro 71 da mesma. E lembra-nos que “[...] mesmo dentro das áreas vendidas são reservados lotes estrategicamente localizados, que aguardarão a procura de pequenos ou médios comerciantes [...]” ou de qualquer outro empreendedor disposto a pagar mais - o que se deve ao fator renda diferencial - por um uso já consolidado e pela garantia de um mercado consumidor local. E assim se vai até o fim das últimas áreas ou lotes, levando à evolução dos preços das áreas melhor localizadas numa escalada vertiginosa. Verificamos esse fato também na Zona Leste de Londrina, onde atualmente as últimas glebas de terra ainda não loteadas situam-se nas melhores áreas tanto do ponto de vista da localização quanto em relação às características topográficas. Trata-se da última área ainda não loteada, situada entre as avenidas Jamil Scaf (nas proximidades da UTFPR) e São João (traçadas em amarelo) e no topo do espigão divisor de águas da microbacia dos córregos Cafezal e Barreiro (áreas em verde escuro) (figura 01). Figura 01: Reservas de valor na Zona Leste de Londrina ao longo das avenidas São João e Jamil Scaff (Fonte: Google Earth imagens). 72 4.3. O capital incorporador, a reestruturação produtiva e a renovação urbana: O caso do Complexo Marco Zero e da Universidade Federal Tecnológica do Paraná Londrina, a despeito de toda insegurança com relação ao planejamento e a gestão pública, vive um momento positivo e promissor no que concerne ao mercado imobiliário e à reestruturação e renovação urbana, que em diferentes intensidades ocorrem estrategicamente por toda a cidade atendendo à dinâmica lógica capitalista de produção e valorização do espaço. Essa realidade tem seguido uma tendência maior e geral no sentido da formação sócio-espacial e, posto que, de acordo com Gottdiener (1997, p. 66), ocorrem “[...] mudanças importantes da padronização social e da reestruturação urbana porque são funções de mudança do sistema social maior, e não porque sejam produtos internos aos próprios lugares.”. Apesar da realidade particular estudada por esse autor, acreditamos ser essa a tendência geral na qual encontra-se inserido não só o processo de produção do espaço urbano na cidade de Londrina como também em outras cidades brasileiras. De acordo com a matéria de capa da Revista Exame de junho de 2007, “o setor imobiliário brasileiro vive a maior euforia das últimas décadas”, o que, de acordo com analistas, pode mudar para melhor a economia brasileira. Na opinião do economista e exministro da fazenda Antonio Delfim Netto, “o setor imobiliário, afinal, decolou. E isso muda tudo na economia de um país”. Na cidade de São Paulo, epicentro do “boom” imobiliário, é lançado um prédio novo por dia, ritmo mais de duas vezes superior ao do ano de 2006 (EXAME, jun. 2007, p. 24). Essa realidade não se limita apenas às grandes incorporações e aos grandes empreendimentos imobiliários, mas também tem sido uma constante entre os programas de aquisição da casa própria por famílias de baixa renda. Esse mercado potencial tem sido aventado pelas grandes incorporadoras, que sabem que “descer na pirâmide social brasileira é crucial para o crescimento dos negócios”, o que as levou a intensificarem os investimentos em moradias entre 50.000 e 120.000 reais (EXAME, jun. 2007, p. 26). Correlato à dinâmica do setor imobiliário, vários outros setores da economia também são movimentados, o que se deve em razão de suas ramificações, por exemplo, indústrias da construção civil, de materiais de construção, de cozinhas planejadas, de móveis, de eletrodomésticos, escritórios de engenharia e arquitetura, dentre outras. A opinião dos analistas é de que se trata de um ciclo virtuoso e não apenas de um pico ocasional, muitos brasileiros ainda estão fora do mercado e o déficit habitacional ainda atinge o patamar de mais de 8 milhões de moradias, o que no entanto, por se tratarem de famílias de baixa renda significam financiamentos por parte do governo (EXAME, jun. 2007, p. 24). De acordo com 73 estimativas da Fundação Getúlio Vargas – Projetos, o fluxo anual de crédito imobiliário irá crescer dos 16 bilhões atuais (computados em 2006) para 40 bilhões em 2010. Na esteira do crescimento esperado, as apostas são de uma profunda reestruturação no mercado imobiliário brasileiro. Este movimento lógico da valorização do capital no espaço urbano, a partir da intervenção mediadora do Estado por meio das políticas urbanas, visa a reprodução dos investimentos pela integração de circuitos e momentos do capital em um único processo. O Estado, principalmente o poder público local, e setor privado conjugam esforços num mesmo sentido, o que, no espaço urbano se coadunam nas mesmas propostas e num processo sincrônico. No caso londrinense, direcionam a renovação de zonas que apresentavam estruturas morfológicas obsoletas13 - é o caso do terreno do Complexo Marco Zero (figura 02), onde funcionava uma antiga refinaria de óleo se soja, a Anderson Clayton -, mas que estrategicamente localizadas e, com vantagens locacionais e logísticas, permitem maior fluidez aos capitais ou a determinada circulação (ROBIRA, 2005, p. 12). Para essa autora, as renovações urbanísticas “relâmpagos”, ao mesmo tempo em que re-capitalizam um territórioreserva, produzem outros lugares ou, no imediato, novos territórios-reserva, mas que enquanto aguardam a revalorização e em virtude da falta de investimentos públicos constituem-se em espaços progressivamente deteriorados (ROBIRA, 2005, p. 18). 13 Os incorporadores responsáveis pela construção e gestão do Complexo Marco Zero encontraram como alternativa mais viável a edificação do complexo no terreno da antiga refinaria Anderson Clayton, seja pela viabilidade logística, pela proximidade com o centro da cidade, mas, também, não menos importante, a pouca disponibilidade de terras com localização “privilegiada” em termos centrais na cidade e, somando-se ao fato da deterioração da área e da dificuldade encontrada pelo Grupo Wall Mart em construir na cidade de Londrina um empreendimento comercial de grande porte, dificuldade até mesmo potencializada pelos comerciantes e poder público locais, este terreno foi uma das poucas alternativas ao grupo, mas que agora se mostra a mais viável, pois, como é sabido, o capital possui a capacidade de fazer a localização “acontecer”. 74 Figura 02 – Fotografia do terreno do Complexo Marco Zero (local onde se situava a antiga refinaria de óleo de soja Anderson Clayton) (arquivo pessoal). O terreno onde será edificado o Complexo Marco Zero encontra-se privilegiado em sua localização, pois está próximo a duas grandes avenidas que conectam a cidade de Norte a Sul e de leste a Oeste (figura 03), respectivamente as avenidas Dez de Dezembro e LesteOeste, dois grandes corredores de tráfego que permitem uma facilidade em termos logísticos e de deslocamento viário, interligados por uma rotatória que, em função do aumento exponencial do fluxo previsto com a construção do Complexo receberá sinalização semafórica. O terreno também está muito próximo do Terminal Rodoviário José Garcia Villar (na imagem a seguir, com cobertura prateada no canto superior esquerdo), além, é claro, de situar-se a 900 metros do centro comercial da cidade (calçadão). Todavia, compondo esse quadro logístico e estrategicamente otimizado, vem conjugar-se contrastes que remete-nos à fala de Robira (2005, p. 18), pois antes que se cogitassem os planos para a área em questão, suas imediações nas direções Norte, Nordeste e Leste, eram tratadas como áreas economicamente deterioradas e marginalizadas. 75 Figura 03 – Terreno do Complexo Marco Zero tracejado em amarelo. (Fonte: Google Earth – imagens). Observa-se na imagem acima as edificações da antiga refinaria Anderson Clayton, que já demolidas (como se verifica na figura 02) para dar lugar ao futuro empreendimento comercial, cultural e empresarial Complexo Marco Zero. Outro aspecto a se destacar é a proximidade com o marco zero da cidade de Londrina, porção de mata nativa imediatamente ao Norte do terreno, onde se localiza a pedra fundamental da cidade, exatamente onde o topógrafo da Companhia de Terras, o russo Alexander Razgulaeff, fincou o primeiro marco de madeira no ano de 1929. (figura 04). 76 Figura 04 – Marco Zero de Londrina, edificado em área de mata nativa com aproximadamente 40.000 m2 (Fonte: CODEL – Companhia de Desenvolvimento de Londrina). O Complexo Marco Zero constitui-se num centro empresarial, cultural e comercial, pois, abrigará o Teatro Municipal, um shopping center com mais de 300 lojas voltadas para as classes A e B, 12 salas de cinema, sete lojas âncoras, um hipermercado, um centro de convenções para três mil pessoas, sete torres comerciais e residenciais de 20 andares, sendo que dois prédios comerciais e cinco residenciais, além de hospital e faculdade14 (figura 05). As condições necessárias para sua viabilização foram criadas pela conjugação dos poderes públicos e privados atuantes na cidade, poder público local e empresários da cidade e de outros lugares, como por exemplo, o Grupo WalMart, que tendo adquirido o Grupo português Sonae Sierra, o qual administrará o shopping center, atuará no local com um hipermercado pela bandeira BIG. A Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários, o grande grupo gestor de toda a obra, está desde o início das negociações na vanguarda das decisões, foi este grupo quem, inclusive, adquiriu o terreno doando-o mais tarde à Prefeitura Municipal de Londrina para a construção do Teatro Municipal. 14 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008. 77 Figura 05 – Maquete digital do Complexo Marco Zero – centro de convenções, edifícios residenciais e empresariais, hipermercado e Centro Cultural aos fundos. (Fonte: http://www.cohabld.com.br/noticias_ver.asp?id=52) Carlos (2005, p. 29), coloca a questão de maneira exemplar ao afirmar que o processo de reprodução do capital realiza-se, hoje, através do setor financeiro, do Estado, do lazer e turismo. De acordo com a autora, “o setor financeiro se realiza através do setor imobiliário, investindo na compra de terra urbana para a produção dos edifícios corporativos, que serão destinados ao mercado de locação”, e o setor de lazer e turismo por meio da venda dos lugares para a realização de seu consumo produtivo (CARLOS, 2005, p. 29). Assim, tendo em vista nossa realidade empírica e as condições gerais de mundialização e reprodução do capital, concordamos com Carlos (2005, p. 30), para quem ‘[...] a produção da cidade aparece como necessidade da reprodução do capital financeiro e, nesta exigência, a produção de um “novo espaço”’, revelando, na própria reprodução da vida suas profundas contradições. Nessa fase do capitalismo, a exemplo da crise imobiliária norte-americana e as medidas que vem sendo tomadas por aquele Estado, vislumbra-se uma nova relação Estado-espaço, ou Estado-capital financeiro, em que políticas públicas de produção de infra-estruturas e de requalificação de áreas exprimem-se por meio de “parcerias” entre poder público e setores privados da economia. O capital que aquece o setor financeiro, especialmente o de shopping centers, no Brasil vem principalmente dos Estados Unidos e do Canadá, e eles não investem sozinhos, buscam parceiros nacionais que já tem o know-how, explica Luciana Lana, gerente de marketing da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce)5. É o caso do shopping que será construído no Complexo Marco Zero, que tem como investidores o grupo norte- 78 americano Developers Diversified Realty (DDR) e o Sonae Sierra, de Portugal, adquirido no ano passado pelo grupo WalMart. Em Londrina, um dos parceiros é o imobiliarista Raul Fulgêncio, que afirma que, além da disponibilidade de capital, há demanda na cidade por novos empreendimentos15. Atualmente a cidade vem passando por momentos agradáveis e promissores para a classe dos investidores e dos grandes incorporadores de acordo com a mídia local e com o discurso oficial. Na Segunda Feira de Imóveis realizada em maio de 2007, o Prefeito Nedson Micheleti e o Deputado Federal André Vargas, ambos do Partido dos Trabalhadores, destacaram o mercado imobiliário de Londrina como um dos segmentos de maior movimento na economia da cidade, gerando riquezas, empregos e contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico da cidade, e que os setores da construção civil e de negócios imobiliários estão vivendo um bom momento, como reflexo do aquecimento da economia registrado em todo o país16. O discurso da mass media veicula diariamente um considerado número de signos que fertilizam nas mentes dos usuários toda uma ideologia e uma “auréola” cidadã ao redor da maior transação imobiliária da cidade de Londrina, tal é o caso do Complexo Marco Zero, que de acordo com o grupo gestor Raul Fulgêncio, trata-se do maior empreendimento imobiliário já conhecido pela cidade e, na visão da Imobiliária, “um exercício de cidadania que integra passado e presente na mesma visão de futuro”17, por se situar no local da primeira derrubada de floresta nativa e da primeira edificação da atual Londrina, onde até hoje, agora um glamour da classe imobiliarista, é preservado os aproximados 39.000 m2 de mata nativa do Marco Zero, grande símbolo histórico e “natural” do empreendimento. Carlos (2005, p. 30 e 31), afirma que o processo de reprodução do espaço urbano no contexto mais amplo da urbanização sinaliza um novo momento do processo produtivo em que novos ramos da economia ganham importância, trata-se, particularmente, do que se chama de “nova economia”, contemplando, inclusive, o setor de lazer e turismo, resultando também na redefinição de outros setores, como é o caso do comércio e dos serviços para 15 Matéria veiculada pelo Jornal de Londrina 16/03/2008: “Número de lojas em shoppings vai saltar 127% em Londrina”. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/jl/manchete/conteudo.phtml?tl=1&id=747127&tit=Numero-de-lojas-em-shoppings-vaisaltar-127-em-Londrina. Acessado em 15 de set. de 2008. 16 Ver matéria veiculada pelo Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina em 18/05/2007: “Prefeito Nedson destaca a força do mercado imobiliário”. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=17394. Acessado em: 15 de set. de 2008. 17 “Um exercício de cidadania na maior transação imobiliária da história de Londrina”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/empresa.php. Acessado em 15 de set. de 2008. 79 atender ao crescimento dessas atividades. Essa realidade é marcada pela introdução de profundas transformações na vida cotidiana como decorrência de modificações nas práticas sócio-espaciais, reveladas nas transformações nos usos do espaço, bem como das funções dos bairros. E vai mais longe, ao discorrer sobre as práticas do capital financeiro em relação com o plano local e com o plano político, numa espécie de tríade, em que o Estado garante as infra-estruturas necessárias à realização dessa “nova economia”, sob o pretexto de uma “necessidade coletiva”. Vê a autora (CARLOS, 2005, p. 31 e 32), no momento atual, a passagem da aplicação do dinheiro do setor produtivo industrial ao capital financeiro, neste caso, o setor imobiliário. Eis uma nova mercadoria, o espaço enquanto “produto imobiliário”, momento significativo e preferencial da realização do capital financeiro, capaz de criar as condições de sua própria realização a partir da produção de lugares. Desse modo, a cidade passa a permitir a continuidade do processo como articulação dos momentos da circulação-produçãodistribuição-consumo das mercadorias. Como coloca Carlos (2005, p. 36), a produção da cidade enquanto negócio reflete a lógica contraditória da fragmentação sócio-espacial, uma nova forma espacial construída segundo a lógica da reprodução que alia Estado e frações do capital, criando condições necessárias à realização da totalidade do capital enquanto tal. Esse momento tem como constante a modernização/flexibilização, o desenvolvimento técnico e a nova hierarquia dos lugares, justapostos pela lógica da integração e desintegração, renovação e deterioração que, concomitantes e diacronicamente convivem no movimento geral do processo atual substantivador da urbanização. O caso da Zona Leste é profícuo em demonstrar essa diacronia, pois, num mesmo espaço fragmentado e segregador convivem diferentes densidades sócio-econômicas, qual diacronia tende a se acentuar aceleradamente nos próximos anos tendo em vista os processos que apenas se iniciam no local. A despeito das obras no terreno do Complexo Marco Zero estarem em sua fase inicial de terraplanagem (figura 06), a “euforia” já se instala entre os investidores, de todos os níveis, e os incorporadores, conduzindo o momento a um futuro promissor tão desejado e planejado pelas estratégias de poder dominantes inerentes a elite imobiliária e empresarial londrinense. 80 Figura 06 – Terraplanagem do terreno do Complexo Marco Zero: vista da parte Leste e da parte Oeste do terreno, respectivamente. (Arquivo pessoal) Na imagem acima verifica-se o trabalho de terraplanagem do terreno do futuro Complexo Marco Zero, que de acordo com as estimativas do Grupo Raul Fulgêncio, deve ficar pronto até março de 2010. Já o Teatro Municipal construído com recursos federais deve ficar pronto até 2011, conforme afirma o Grupo Marco Zero, formado por um consórcio que reúne as principais empresas do setor imobiliário envolvidas com o Complexo, dentre elas, a Imobiliária Raul Fulgêncio. O terreno possui mais de 260 mil metros quadrados, dos quais, 80 mil metros quadrados serão utilizados na área do shopping de três pisos com mais de 180 lojas satélites, 20 mil metros quadrados no Teatro Municipal, 39 mil continuarão preservados como área de mata nativa do Marco Zero - esses dois últimos foram doados para a Prefeitura Municipal pelo Grupo Raul Fulgêncio - e quase 90 mil para projetos que estão sendo definidos, além da área destinada ao boulevard com 700 metros de extensão e 26 metros de largura, ao estacionamento para aproximadamente 2600 veículos e a praça18. Raul Fulgêncio, o gestor do grupo que leva seu nome, aponta que ''o Marco Zero será um divisor de águas na história de Londrina'', e que o empreendimento já pode ser considerado o maior do gênero no Sul do país, com investimentos estimados em R$ 600 milhões de reais19. Nessa grande mobilização de recursos e forças assimétricas, verifica-se a convergência do poder público e do setor privado num mesmo sentido. Forças internas e 18 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Sonae vai administrar Shopping do Marco Zero”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=715&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008. 19 Ver: Raul Fungêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Disponível em: http://www.sub100.com.br/empresas/imob/raulfulgencio/layout.php?id=934&local=noticias. Acessado em 15 de set. de 2008. 81 externas que direcionam e encaminham o projeto, objetivando resultados comuns, ao ponto de perder-se de vista a alçada pública nos interstícios dos agentes privados. Nesse ponto, recorremos a Damiani (2005, p. 43), para quem “na produção do espaço, tem-se a possibilidade de decifrar a relação existente entre o político e o econômico, determinando a direção, o perfil e o projeto envolvendo os recursos disponíveis”, e vai mais além ao afirmar que “o Estado prepara o terreno, por exemplo, para numerosos investimentos urbanos [...], grandes operações urbanas, redefinindo centralidades e a direção dos investimentos, a partir de legislações pertinentes e investimentos programados” (DAMIANI, 2005, p. 43 e 44). Em nosso caso, poder público local e capital incorporador programam os investimentos e planejam estratégias, mas, a questão é saber qual das duas esferas sobrepõe-se uma a outra. Questão que, acreditamos, não será respondida por este trabalho, dada a complexidade e a realidade e a virtualidade que não nos é conhecida em sua totalidade, além, é claro, das “coalizões” e das parcerias público-privadas que dificultam a real compreensão do peso de cada um desses agentes no processo em questão. Questões como essa, a despeito de qualquer pretensão exagerada, objetivamos inquirir ao longo de nosso trabalho e, sabemos, não é tarefa de um único pesquisador ou mesmo de uma única ciência. Sua complexidade e interdisciplinaridade, requer respostas mais completas em interfaces disciplinares e investigações mais profundas que a nossa proposta inicial e restrita a determinados aspectos da realidade. Esta tarefa ainda está por ser realizada e perseguida, embora, a complexidade da realidade se renove a cada visada que a submeta, a cada pesquisador que lhe indague. A esse respeito acreditamos na versão de Lefebvre em relação ao obscurantismo político e econômico que, como uma neblina de fumaça, encortina a realidade urbana, e segue afirmando: O fenômeno urbano se apresenta, desse modo, como realidade global (ou, se se quer assim falar: total) implicando o conjunto da prática social. Essa globalidade não pode ser apreendida imediatamente. Convém proceder por níveis e patamares, avançando em direção ao global. Percurso metodológico difícil. A cada passo é preciso arriscar-se, evitando obstáculos e ciladas. Ainda mais a medida que a cada tateamento, a cada avanço, surge uma interpretação ideológica que imediatamente se converte em prática redutora e parcial. Um bom exemplo dessas ideologias totalizadoras, correspondendo a práticas mutiladoras, encontra-se nas representações do espaço econômico e do planejamento que, pura e simplesmente, fazem o espaço urbano específico desaparecer, ao assimilar o desenvolvimento social ao crescimento industrial, ao subordinar a realidade urbana à planificação geral. A política do espaço apenas o concebe como meio homogêneo e vazio, no qual se estabelecem objetos, pessoas, máquinas, locais industriais, redes e fluxos. Tal representação fundamenta-se numa logística de uma 82 racionalidade limitada, e motiva uma estratégia que destrói, reduzindo-os, os espaços diferenciais do urbano e do ‘habitat’ (LEFEBVRE, 1999, p. 53). Estarrecedora é a afirmação do autor supracitado, mas que em sua compreensão dialética da totalidade do urbano, esclarece-nos a difícil tarefa que está posta diante daqueles que se submetem à análise do urbano em sua totalidade social, econômica e política. No caso londrinense, assim como nas metrópoles e nas demais cidades médias, a produção do espaço urbano vem sendo marcada, cada vez mais, pela presença do capital incorporador. Por capital incorporador entende-se, de acordo com Silva (1992, p. 54), aquele conjunto de frações de capitais, responsável pela realização da gestão do capital-dinheiro em mercadoria, isto é, em imóvel; pela localização e qualidade do bem imóvel a ser construído, assim como pelas decisões de quem vai construir, a propaganda e a venda dos imóveis, incumbido da “grande responsabilidade” de controlar o processo de valorização fundiária e dar início ao seu papel no processo de segregação social do espaço urbano. Ou seja, “é ele então o responsável pelo início, meio e fim do processo de produção do imobiliário” (SILVA, 1992, p. 54). A essa altura, o solo urbano, um bem não-reproduzível torna-se numa mercadoria passível de monopolização por parte do seu proprietário. Levando em consideração que o terreno está associado à mercadoria produzida - o imóvel -, em nosso caso o Complexo Marco Zero, “[...] a renovação do estoque de imóvel dependerá da superação do obstáculo da propriedade. Tal situação determinará o aparecimento de um agente do circuito imobiliário que viabilize o acesso de construtoras ao suporte físico de seu processo produtivo” (SILVA, 1992, p. 56). É onde entra o capital incorporador. Silva (1992, p. 56), fundamentado no economista Martin Smolka, afirma que o capital incorporador é aquele que desenvolve o espaço urbano, organizando os investimentos privados no ambiente construído, especialmente aqueles destinados à produção imobiliária. Ele se faz presente desde a compra dos terrenos até a contratação de consultoria, planejadoras, edificadoras, agentes financeiros, promotores de venda, etc., podendo ser definido como resultado da articulação desses diversos serviços/momentos, a fim de assumir o controle econômico do processo de produção do imóvel. Tal como propõe Silva (1992, p. 56 e 57), o movimento do capital incorporador está associado a três momentos de valorização imobiliária: I – alteração no preço inicial em relação ao preço negociado ao incorporador, momento no qual as instituições tendem a impedir a incorporação individual, 83 contribuindo, desse modo, para a criação de um monopsônico20 mercado de terras para aqueles que podem mudar o valor de uso delas; II – variações no preço do terreno decorrentes das modificações no ambiente construído ao longo dos anos, momento do qual, o incorporador tira grande vantagem sobre o comprador, ao garantir-lhe a futura valorização do terreno, dando a impressão ao proprietário de que a liquidez de seu terreno está sendo-lhe assegurada; III – valorização do terreno pelo incorporador alterando seus atributos, seus usos e sua acessibilidade. É a partir do investimento realizado com a aquisição do terreno para a exploração imobiliária que o capital incorporador articula-se com o Estado para que este realize as obras de infra-estrutura e atenda às demandas por serviços públicos demandadas por tais empreendimentos (SILVA, 1992, p. 58). É muito válida a colocação de Silva (1992, p. 59), quando diz que “para o capital incorporador o padrão de segregação pré-existente não é nenhum empecilho no seu movimento de valorização sobre o espaço urbano”, pois, com isso, as possibilidades de os incorporadores se apropriarem de ganhos fundiários se ampliam, já que o poder de previsão dos proprietários sobre a futura valorização dos terrenos se mantém reduzido, todavia, o capital incorporador só se concentrará nas áreas onde as possibilidades de valorização são maiores a curto e médio prazo, e suas investidas variarão de acordo com as características peculiares das áreas onde decidirem investir. Mesmo assim, bairros tidos como indesejáveis podem ser promovidos na escala econômica através de uma diligente modificação e ajustes nos tipos de empreendimentos oferecidos. Desse modo, pode o capital incorporador utilizar-se da própria estratificação do espaço urbano em seu favor e redefinir a própria condição de reprodução e expansão do espaço urbano (SILVA, 1992, p. 60 a 61). O exemplo do Complexo Marco Zero é insigne ao se situar numa área envolta por bairros socialmente periféricos, é o caso dos bairros (provenientes da divisão proposta pelo IBGE) Fraternidade e Interlagos. Na divisão de bairros adotada para a cidade de Londrina para a realização do Censo 2000, o IBGE dividiu a área urbana em 399 setores censitários (mapa 07). Observa-se no mapa a seguir que muitos setores dividiram bairros da cidade e outros ultrapassaram fronteiras, isto é, os setores criados pelo IBGE na regionalização censitária 20 Situação de mercado em que há um só comprador de determinada mercadoria ou serviço. 84 sobrepuseram-se aos bairros já existentes na cidade, em alguns casos sobrepuseram-se ao perímetro de mais de um bairro, resultando na seguinte setorização, com alguns desses setores apresentando-se parte em um bairro e parte em outro. O mapa proposto apresenta um agrupamento dos setores censitários, respeitando sempre que possível, a estruturação reconhecida e aceita pelos londrinenses. A agregação dos setores censitários redesenhou a cidade em 57 bairros. Assim, acreditamos poder situar o caso dos diversos bairros que fazem parte do setor Brasília (onde se situa o terreno do Complexo), Interlagos e Fraternidade num patamar aproximado no que diga respeito às condições socioeconômicas dos respectivos moradores de cada setor, a fim de apreender e estabelecer uma possível dinâmica a ser enfrentada pelo capital incorporador responsável pelo Complexo Marco Zero, tendo em vista a proximidade dos setores com o terreno do Complexo e as potenciais contradições, disparidades, conflitos e apropriações que possam proceder a partir dessa proximidade. Nosso recorte espacial compreende os setores Lon Rita, Ernani, Antares, HU, Brasília e parte do Interlagos e do Fraternidade. A divisão proposta pelo IBGE leva em conta as condições sócio-econômicas dos moradores, agrupando-os nos seguintes setores conforme a proximidade entre as variáveis. A despeito de homogeneizar essas condições, assumimos essa regionalização, a priori, a fim de identificar a espacialização das condições sócioeconômicas dos moradores dentro de um quadro o mais parecido possível. De acordo com as expectativas e com as declarações da mass media, analistas urbanos acreditam que a Zona Leste deve se beneficiar com uma intensa valorização imobiliária, fenômeno que ocorreu na Gleba Palhano após a inauguração do Shopping Catuaí. As evidências já confirmam essa tendência que dia após dia se acentuam no local, tal é o caso dos pequenos quarteirões comerciais nas proximidades do terreno, por exemplo, as lojas da Av. Celso Garcia Cid que, também, incluem três fábricas que atendem todo o país com seus produtos, sendo ela: Veltrac (sistemas inteligentes de geoprocessamentos para frotas veiculares), Ello (fabricação e distribuição de aros de bicicletas), e Castofar (estofamentos, poltronas e cadeiras); uma unidade da Faculdade Pitágoras em fase de instalação; uma loja dos Correios, dentre outros comércios e pequenas indústrias, que atestam a facilidade de deslocamento e de acessibilidade, na opinião dos comerciantes locais, além do potencial comercial ainda não totalmente explorado e da pouca concorrência que ainda predomina no local. Outro investimento que atesta o vigor residencial da área é o Villa Bella Residence da MRV Engenharia e Participações S.A., num terreno de 18.154 m2 de frente para o futuro shopping Marco Zero, com 352 unidades de 2 e 3 quartos, e ampla área de lazer e de convivência para os condôminos. A maior atratividade do condomínio, destaca seus 85 corretores, é a proximidade com o futuro Shopping Marco Zero e as possibilidades de ampla valorização futura da área. Mapa 07 – Cidade de Londrina – bairros censitários (IBGE): Terreno do Complexo Marco Zero (em vermelho) no setor Fraternidade. (Fonte: IPPUL). 86 As alterações serão profundas e não se limitarão somente ao local epicentro dos investimentos, toda a relação desta área com as demais áreas da cidade estarão envolvidas, tendo suas acessibilidades fortemente alteradas pelas mudanças decorridas da incorporação em outras áreas. Assim, o capital incorporador tem a propriedade de definir a dinâmica de estruturação intra e extra-urbana da cidade como um todo (SILVA, 1992, p. 60). E de acordo com informações do grupo português Sonae Sierra Brasil21, associado com o grupo Sonae Sierra com sede em Portugal e com o Developers Diversified Realty (DDR) dos Estados Unidos, grupos majoritariamente investidores nas cotas do projeto Marco Zero (detendo 80% conjuntamente), em associação com o grupo local Raul Fulgêncio (20%), espera-se que o Centro Comercial atenda uma clientela de mais de 1 milhão de pessoas num raio de 200 Km22, alcançando consumidores para além de Londrina, pois, de acordo com as informações do site português do grupo, “Londrina é um importante pólo de desenvolvimento regional, que exerce grande influência sobre todo o Paraná e região sul", afirma João Pessoa Jorge, diretor geral executivo do grupo Sonae Sierra Brasil, grupo administrador e maior investidor no shopping do Complexo Marco Zero23. A despeito de todo o sucesso já alcançado e garantido com o Complexo Marco Zero, a construção do Teatro Municipal - com recursos federais, inclusive já garantidos -, além das obras de adequação viárias a serem realizadas nos principais eixos viários da Zona Leste e da valorização imobiliária, não se pode perder de vista que, como adverte Duarte (1998, p. 15), “lidamos de fato com uma forma que está se livrando, em certo sentido, do conteúdo. Até mesmo porque podem estar nascendo brechas que o mercado vai deixando fora da valorização”. O conteúdo, sabe-se, se renova em função das mudanças que acometem as formas, sejam formas sociais, geográficas, materiais, etc., os níveis alcançados pelas forças produtivas, as novas formas de relações sociais, as necessidades e desejos dos grupos, os eventos, as mudanças partidárias e/ou políticas, os atores sociais e econômicos, seus papéis, etc., tudo isso é, na verdade, conteúdo sensível que deve-se resgatar e levar em consideração, 21 É válido destacar que a rede de supermercados que o grupo detinha no Brasil foi vendida ao Grupo WalMart, um total 140 unidades atuantes sob as bandeiras Mercadorama, Nacional, Maxxi Atacado, dentro outros quatro centros de distribuição, além de três postos de combustível, sete restaurantes e um frigorífico. A Aquisição foi feita por U$ 763,7 milhões. Assim, o grupo WalMart se consolida como a terceira maior rede de supermercados no país, logo atrás do Carrefour e do Grupo Pão de Açúcar. Fonte: Folha de Londrina – Economia (15/12/2005): “Wal-Mart compra lojas do grupo Sonae”. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?id=11847LINKCHMdt=20051215. Acessado em 15 de set. de 2008. 22 Ver: “Obras no Marco Zero começam nos próximos dias”. Raul fulgêncio – Negócio Imobiliários – Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008. 23 Ver: “Sonae Sierra anuncia um novo centro comercial no Brasil”, São Paulo, 6 de Março de 2008. Disponível em:http://www.sonaesierra.com/Web/ptPT/pressroom/news/2008/649/Sonae_Sierra_anuncia_um_novo_centro_ comercial_no_Brasil.aspx. Acessado em 15 de set. de 2008. 87 a não ser que tomemos os simulacros financeiros e culturais pela realidade final. A realidade formal apenas não dá conta de responder pela complexidade e multidimensionalidade do objeto estudado, além é claro, do que já salientamos, a forma é a realidade em sua superficialidade e por si só não permite chegar ao fundamento e a explicação dos fatos, da realidade, da totalidade que diga respeito ao fenômeno analisado. Todavia, partimos da forma e da sua interdependência para com o sistema de ações, e sistema de objetos dialeticamente interligados. O pensamento de Santos (2004a, p. 13), é esclarecedor ao observar que: No espaço - que é uno mas diferenciado - impõe-se com mais força a unidade prático-inerte do múltiplo a que se refere. O espaço se dá ao conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada instante, em função da força de cada qual. Podemos comparar essa situação àquela com que Sartre [...] define o fenômeno da escassez. No dizer de Sartre, nessa situação "cada qual sabe que figura como objeto no campo prático do outro" e "isso mesmo impede os dois movimentos de unificação prática de constituir com o mesmo entorno (environnement) dois campos de ação diferentes". Dá-se no espaço uma conjugação desigual de forças, uma justaposição de sujeitos desiguais disputando o mesmo “pedaço de chão”, no entanto, a força e unidade do práticoinerte é maior. A correlação de forças é totalmente desequilibrada no que tange ao espaço urbano e aos seus agentes, duas forças díspares são impedidas de se unificarem na prática e de se constituírem enquanto tais - cada qual perseguindo seus objetivos e de acordo com suas intencionalidade e potencialidades - no mesmo entorno de dois campos de ação também díspares. A segregação, a partir desse momento está posta à mesa e, tendo em vista a rejeição de uma intencionalidade pela outra, de uma ação pela outra, é levada aos extremos, “empurrando os atores mais fracos para fora do cenário”, para onde, possivelmente, poderá um dia se repetir a mesma cena. Umas das grandes interrogações que todo geógrafo se propõe a responder, da qual também não poderíamos prescindir, é saber “por que neste lugar e não em outro?”. Nosso objetivo consiste em verificar os fatores que levaram o capital incorporador e o Estado a investirem na Zona Leste da cidade de Londrina, seja no Complexo Marco Zero como na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, e, no caso do capital privado, em outros investimentos espalhados pela Zona Leste. De acordo com Rigol (2005, p. 107): “a desvalorização do capital nos centros urbanos seria o fator que criaria a oportunidade para o reinvestimento, e nesse processo a chave estaria na relação entre valor da terra e do imóvel”. Entenda-se que o valor das construções influencia a renda da terra a ser solicitada pelos 88 proprietários, e que as estratégias de valorização e revalorização do espaço urbano entendem que o desinvestimento programado significam reivestimentos futuros, assim, o desinvestimento produz a possibilidade de reinvestimento do capital a longo prazo e, tendo em vista que a capacidade de obtenção de lucro no processo de reabilitação de determinadas áreas da cidade dependem dos agentes que formam a oferta no mercado imobiliário, o processo de atração de investimentos e de revalorização da área fica à deriva do capital imobiliário que, invariavelmente, deseja a valorização da área e fará tudo que estiver ao seu alcance para isso. Corrêa (1986, p. 73), afirma que a periferia urbana tem sido objeto de práticas territoriais e de acumulação de capital das classes dominantes, seja por meio da incorporação e produção imobiliária, como pela extração da renda fundiária e da especulação. O Estado capitalista - sobretudo na esfera municipal e estadual - também participa, permeado de interesses fundiários e imobiliários, principalmente quando há possibilidades efetivas de ampliar o espaço residencial para as classes médias, e investe maciçamente na infra-estrutura da periferia, iniciando o processo de valorização da área em favor da periferia espacial e em detrimento da periferia social, preparando caminho para o capital incorporador (CORRÊA, 1986, p. 75). Gottdiener (1996, p. 22), escreveu que o mercado livre de terra sempre conduz à especulação, pois, o imobiliário é sempre uma mercadoria e parte de um estoque de capital (com um valor futuro) e tem o potencial da valorização, além de se constituir numa fonte de riqueza para determinados indivíduos. O autor vê no capital incorporador uma combinação de estruturas e ações porque incluem além de agentes imobiliários e setores da propriedade, os bancos, os investidores públicos e privados, os especuladores de todo tipo, os empreendedores, consultorias de engenharia e de negócios imobiliários, as companhias de construção, as agências de financiamento, etc. Todo esse complexo compõe um segundo circuito do capital combinado com o primeiro circuito da acumulação localizado na indústria e nos serviços, cumpre, pois, um papel basilar no capitalismo. Dentre os inúmeros males sociais causados por esse circuito, Gottdiener (1996, p. 23), afirma que ele impossibilita o planejamento urbano adequado porque permite que especuladores ajam como atores que decidem o crescimento futuro, deixando ao governo somente a difícil função de “administrar” adequadamente o que já fora planejado previamente pelo capital incorporador e especulador. Todavia, o Estado não é “cego” perante o encaminhamento da situação, muito menos indiferente ao domínio do capital, antes, é conivente e, na maioria dos casos, parceiro do capital privado. É, na verdade, um agente financiador da valorização e da especulação, bem 89 como viabilizador da reestruturação produtiva e da reestruturação e renovação urbana. Sem seu papel o mercado perderia o ponto de equilíbrio nessa dinâmica estruturacionista e relacional. É preciso de leis e regulamentações para que o capital possa planejar e agir em “terreno seguro”. No caso da Zona Leste de Londrina é notável a presença do Estado, isto é, do poder público local, estadual e federal, no sentido de viabilizar e, mais que isso, engendrar a valorização e a expansão urbana, pois, além de sua presença no Complexo Marco Zero com a construção do Teatro Municipal24 e com a adequação viária dos principais corredores de tráfego da Zona Leste25, dentre outros investimentos e melhorias, o Estado tem participado diretamente e profundamente na área em total integração com o capital privado ao edificar a UTFPR nas proximidades do Complexo (3,3 Km) e, além disso, viabilizar toda a infraestrutura a fim de que possa integrar funcionalmente a Universidade com o Complexo, e ambos com o centro comercial da cidade e também com a cidade vizinha Ibiporã. Esta última proposta ainda em fase de projeto, uma vez que as verbas ainda não foram disponibilizadas pelo governo do Estado. Todas obras relacionadas ao Teatro Municipal de incumbência do poder público prevêem gastos de mais de R$ 20 milhões, dinheiro disponível em caixa, afirma o Prefeito Nedson Michelleti. Conforme se verifica no Plano Plurianual Orçamentário de Londrina, do qual destacamos os orçamentos do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste (Tabela 03). Apesar de ser um orçamento prévio, vale destacá-lo como meio de expressar a condução do projeto que está sendo gerido pela Prefeitura Municipal de Londrina. A área do Teatro Municipal (figura 07) corresponderá a 20.000 m2 da área total do terreno. O prédio do Teatro de acordo com a tabela 03 terá 10.000 m2 e será construído na parte mais alta do terreno e mais próxima das avenidas Celso Garcia Cid e Dez de Dezembro. O responsável pelo projeto e vencedor do concurso do qual participaram 104 candidatos, realizado para escolha do melhor projeto, é o arquiteto paulista Thiago Nieves e sua equipe formada por mais quatro arquitetos. O projeto do grupo paulista prevê três salas de espetáculos (a maior 24 Ver: “Bancada garante emenda de R$ 25 milhões para Teatro. Deputados e senadores do Paraná garantem recursos da União para construção do Teatro Municipal de Londrina; Prefeito Nedson agradece união da bancada federal”. Núcleo de Comunicação da PML, 22/11/2006. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=14869. Acessado em: 15 de set. de 2008; e “Empresa de call center abre 2 mil vagas”. Folha de Londrina 02/04/2008, em que o Prefeito Nedson afirma deixar R$ 21 milhões em caixa para as obras do Teatro. Disponível em: http://www.bonde.com.br/folha/folhad.php?oper=ultimas&id=2035&dt=20080402. Acessado em 15 de set. de 2008. 25 Ver: “Prefeitura fará expansão viária na zona leste”. Raul Fulgêncio – Negócios Imobiliários – Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008. 90 delas para 1200 pessoas), edifício didático/administrativo e um espaço que foi denominado bulevar cultural. Este, definido basicamente por uma grande cobertura, é o articulador dos outros integrantes do conjunto. A tabela a seguir apresenta os gastos já orçados para a instalação do Teatro e do Centro Cultural, que reunidos num só local farão parte do Teatro Municipal de Londrina. A tabela foi destacada do Plano Plurianual 2006-2009 Orçamentário da Prefeitura Municipal de Londrina, especificamente de sua seção “Metas e Prioridades da Administração Municipal”, exclusivamente vinculada à Secretaria Municipal de Cultura / Fundo Especial de Incentivo à Projetos Culturais. Todo projeto faz parte do Programa de Incentivo à Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural da Secretaria Municipal de Cultura. Este programa tem por objetivo: Estimular a produção artística e cultural no Município através da administração dos espaços e dos instrumentos afetos ao desenvolvimento das atividades culturais. Promover a difusão da cultura e do conhecimento através da realização de exposições, palestras e cursos. Apoiar a cultura e o saber decorrentes das funções informativas, culturais, educativas, sociais e recreativas, reunindo, organizando, armazenando e divulgando materiais bibliográficos, visando à otimização destes, necessários para o desenvolvimento pessoal, cultural, social e intelectual do indivíduo e da comunidade. Promover a defesa, a documentação, a preservação e a ampliação do patrimônio histórico e artístico-cultural do Município, estabelecendo instrumentos seguros que contribuam com a manutenção da herança cultural londrinense26. A despeito dos jargões utilizados pelo discurso oficial vale lembrar que a mesma postura e a mesma fala é utilizada quando refere-se ao Teatro Municipal, como um meio onde se possam reunir todas as propostas e aplicar todos os objetivos culturais e sociais do Programa, valorizando a cidadania e o cidadão londrinense. Observa-se que para o ano de 2009 não há informação alguma tendo em vista o término do atual mandato em 2008, o que pode vir a acarretar adições ao projeto haja vista a mudança da prefeitura e com ela novas propostas acrescentadas, mas, fundamentalmente, o Teatro, financiado com recursos federais, e atrelado ao Complexo Marco Zero já está garantido, ainda mais se levarmos em conta o peso dos interesses privados, e que legalmente o projeto já está iniciado desde os trabalhos dos projetistas, o que inviabilizaria mudanças extremas de plano no próximo mandato. 26 Fonte: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005 - Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009 - Programa de Incentivo à Cultura e de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico-Cultural. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/programas_governo_final.php. acessado em 15 de set. de 2008. 91 Tabela 03 – Orçamento do Teatro Municipal e do Centro Cultural da Zona Leste PLANO PLURIANUAL 2006 - 2009 ANEXO IV - METAS E PRIORIDADES DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL 0031 - PROGRAMA DE INCENTIVO À CULTURA E DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARTÍSTICO-CULTURAL ÓRGÃO / UNIDADE: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A PROJETOS CULTURAIS REGIÃO Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Centro Leste Leste Leste Leste Leste Leste Leste Leste Leste Leste Leste AÇÃO UNIDADE DE MEDIDA Construção Teatro Municipal Desapropriar terreno Construir o Teatro Municipal Adquirir mobiliário Adquirir computadores Adquirir impressora a laser Adquirir poltrona Adquirir equipamento de iluminação Adquirir equipamento de som Adquirir climatizador Construir palco Construir arquibancada de madeira Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação Construção do Centro Cultural da Região Leste Construir Centro Cultural Adquirir mobiliário Adquirir computadores Adquirir impressora a laser Adquirir poltronas Adquirir equipamento de iluminação Adquirir equipamento de som Adquirir climatizador Construir palco Construir arquibancada de madeira Construir estrutura de metal para equipamento de iluminação m² m² unidade unidade unidade unidade unidade unidade unidade m² m² unidade unidade unidade unidade unidade unidade unidade unidade unidade m² m² unidade QUANTIFICAÇÃO DA AÇÃO 2006 2007 2008 2009 TOTAL Física R$ Física R$ Física R$ Física R$ Física R$ 7.500.000 4.915.000 5.000 0 12.420.000 14.043 3.000.000 0 0 0 0 0 0 14.043 3.000.000 10.000 4.500.000 10.000 4.500.000 0 0 0 0 20.000 9.000.000 0 0 20 21.000 0 0 0 0 20 21.000 0 0 2 5.000 2 5.000 0 0 4 10.000 0 0 1 2.000 0 0 0 0 1 2.000 0 0 800 84.000 0 0 0 0 800 84.000 0 0 1 47.000 0 0 0 0 1 47.000 0 0 1 52.000 0 0 0 0 1 52.000 0 0 1 54.000 0 0 0 0 1 54.000 0 0 120 40.000 0 0 0 0 120 40.000 0 0 120 60.000 0 0 0 0 120 60.000 0 0 1 50.000 0 0 0 0 1 50.000 0 0 1.593.000 0 1.593.000 0 0 0 0 1 1.392.000 0 0 1 1.392.000 0 0 0 0 73 19.000 0 0 73 19.000 0 0 0 0 2 5.000 0 0 2 5.000 0 0 0 0 1 2.000 0 0 1 2.000 0 0 0 0 170 18.000 0 0 170 18.000 0 0 0 0 1 24.000 0 0 1 24.000 0 0 0 0 1 26.000 0 0 1 26.000 0 0 0 0 1 27.000 0 0 1 27.000 0 0 0 0 80 20.000 0 0 80 20.000 0 0 0 0 80 30.000 0 0 80 30.000 0 0 0 0 1 30.000 0 0 1 30.000 Organização: AMORIM, Wagner V. FONTE: LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005, Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. PODER EXECUTIVO ADMINISTRAÇÃO DIRETA. ÓRGÃO: SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA / FUNDO ESPECIAL DE INCENTIVO A PROJETOS CULTURAIS. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_cultura.php. Acessado em: 15 de set. de 2008. 92 Figura 07 – Vista frontal Sul da fachada do Teatro Municipal (maquete eletrônica). Projeto do arquiteto paulista Thiago Nieves. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp. Acessado em: 10 de nov. de 2007. Nas imagens a seguir (figura 08) observa-se a visualização interna (bulevar cultural) da maquete eletrônica e sua perspectiva oblíqua e vertical, de acordo com o projeto do grupo de arquitetos: Figura 08 – Vista interna do bulevar cultural, vistas oblíquas em sua face sudeste e vertical da maquete eletrônica conforme projeto do grupo de arquitetos liderados por Thiago Nieves. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp 93 Nas imagens seguintes (figura 09 e 10) observa-se a área do terreno do Complexo Marco Zero destinada à construção do Teatro Municipal, com obras de terraplanagem já iniciadas no segundo semestre de 2008, situam-se na porção sudoeste do terreno, nas proximidades das avenidas Celso Garcia Cid e dez de Dezembro. Figura 09 – Vista parcial da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal. (arquivo pessoal). Figura 10 - Vista vertical da parte sudoeste do terreno onde será construído o Teatro Municipal. Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/arquitetura789.asp. 94 A previsão é de que a obra fique pronta até 2010 e juntamente com os demais componentes do Complexo, constitua um marco referencial deste tipo de empreendimento no país, já comum na Europa, pois, como avaliam analistas urbanos e imobiliários, este projeto é o único deste tipo no sul do país e projeta Londrina tanto no cenário nacional como internacional, levando a marca do dinamismo e do empreendedorismo da cidade para vários outros países. Raul Fulgêncio, o principal gestor de todo o complexo, afirma: ''não somos um grupo de empresários bonzinhos que resolveu fazer uma doação. O que a gente percebe é que a construção do teatro municipal naquela região (Zona Leste) vai agregar valor ao mercado imobiliário, além de que vai revitalizar toda a região''27, além dele, afirma o arquiteto José Carlos Spagnuolo, ''estamos tentando definir um mix de ocupação, criando um plano de zoneamento para integrar à cidade. Não há dúvida de que esses empreendimentos darão uma alavancada em todo o entorno da região'', avalia. ''tudo que se imagina lá é com bastante fluidez, conforto e urbanismo bem definido e acesso fácil''. Parece-nos, segundo o discurso midiático, que as agruras dos agentes incorporadores não estão tão obscuras e que os objetivos, mais claros que possam imaginar os moradores locais, são especificamente descomprometidos com as reais necessidades sociais da área. 4.4. O Estado na periferia. Segregação e fragmentação em marcha: o caso da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Londrina. A UTFPR, outra “ponta do iceberg”, também responsável pela alta na valorização dos terrenos na Zona Leste e pelo avanço da especulação imobiliária, está sendo construída em terreno de 74 mil m2 doados à Prefeitura pela família do professor José Tavares Delfino. Um empreendimento que possui quatro agentes principais: O primeiro é o Governo Federal, responsável pela contratação de professores. O segundo agente é a Prefeitura Municipal de Londrina; que entrou com a doação do terreno e o oferecimento de toda infra-estrutura básica como energia, telefone, asfalto e saneamento básico para concretização da instalação. O terceiro agente são os parlamentares que têm o objetivo de buscar recursos e investimentos para o empreendimento. E por último, a própria Universidade, que é responsável pelo projeto arquitetônico e pedagógico. A obra será entregue em fevereiro de 2009, entretanto a Universidade já atende na cidade em outra área, onde oferece três cursos de pós-graduação, 27 Ver: “Teatro agrega valor, defende imobiliarista”. Raul Fulgêncio – Negócio Imobiliários, 28-08-2007. Mídia Center. Disponível em: http://www.raulfulgencio.com.br/. Acessado em 15 de set. de 2008. 95 dois de graduação, um curso técnico-profissionalizante e três cursos de extensão. Segundo o vice-prefeito e coordenador da implantação da UTFPR em Londrina, Luís Fernando Pinto Dias, é possível que depois de cinco anos de funcionamento a universidade já tenha cinco cursos. A Instituição foi transformada em Universidade Tecnológica Federal a partir do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (Cefet-PR), na gestão do presidente Lula, tendo nomes como o do Deputado Federal Alex Canziani (PTB) e do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão Paulo Bernardo (PT) junto à essa ampliação, e graças ao empenho desses parlamentares e do Deputado Federal André Vargas (PT) e do Prefeito Municipal Nedson Michelleti (PT), dentre outros, ao mobilizar mais de R$ 3,5 milhões junto à União para a construção do campus. A imagem a seguir (figura 11) é uma maquete digital do que será a Universidade nos próximos anos quando os outros blocos didáticos forem construídos e a Universidade atender com capacidade para mais de 6 cursos, conforme indicam as projeções iniciais. Ao longo dos próximos quatro anos o campus deverá receber uma quantia de aproximadamente R$ 20 milhões para a ampliação e modernização de suas instalações28. O campus está localizado as margens da Estrada dos Pioneiros, um prolongamento da Av. das Laranjeiras (continuação da Av. Theodoro Victorelli, do Complexo Marco Zero), cujo asfaltamento já está garantido por recursos estaduais e municipais29. Até o momento o prédio construído abrigará o bloco de salas de aula e administração, uma guarita e centrais de transformadores, de gases especiais, resíduos e de GLP e cisterna Figura 11 – Maquete digital dos futuros blocos didáticos a serem construídos na UTFPR. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php. Acessado em 16 de set. de 2008. 28 “PPA inclui R$ 20 mi para UTF de Londrina”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em: http://www.alexcanziani.com.br/ver_noticia.asp?id_not=765. Acessado em 20 de set. de 2008. 29 Ver: “Nedson instala UTF e garante asfalto ao novo campus”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina. 26/02/2007. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=16233. Acessado em 15 de set. de 2008. 96 Na imagem a seguir verifica-se o primeiro bloco já construído, que corresponderia ao bloco logo atrás da portaria na imagem acima, este bloco estará concluído em fevereiro de 2009, e de acordo com o projeto e a maquete digital acima, o governo federal pretende construir mais 11 blocos como o da imagem a seguir (figura 12). Figura 12 – Primeiro bloco didático da UTFPR, aos fundos a Zona central da cidade de Londrina (arquivo pessoal). A figura a seguir (figura 13), extraído da home page da UTFPR - Londrina, demonstra a localização do Campus e a acessibilidade ao Complexo Marco Zero pela Estrada dos Pioneiros (em vermelho), pelas Avenidas Das Laranjeiras (no plano superior) e Carmela Dutra (no plano inferior) (continuação da Av. Celso Garcia Cid). A Avenida Das Laranjeiras é uma continuação da Avenida Theodoro Victorelli que passa entre o Complexo Marco Zero e o Marco Zero da cidade. A localização da Universidade está funcionalmente interligada ao Complexo Marco Zero, e a acessibilidade será ainda mais potencializada quando a continuação da Avenida Celso Garcia Cid e Carmela Dutra forem duplicadas na altura do 97 Complexo Marco Zero até a Universidade, projeto este já em curso pela Prefeitura Municipal de Londrina, com início das obras previsto para o próximo ano. Figura 13 – Localização da UTFPR. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina.php. A seguinte seqüência de imagens (figura 14) retrata a etapa atual do primeiro bloco didático, a partir da fachada da Estrada dos Pioneiros: nas duas primeiras imagens a vista Sul da Universidade, e na terceira a vista Norte. Como se observa, a construção já em fase adiantada, sendo a primeira fotografia de 14 de agosto, a segunda 4 de agosto e a terceira de 15 de julho, atestam o cumprimento do prazo prevista para o término da fase inicial da obra. Figura 14 – Aspectos da construção da Universidade Federal Tecnológica de Londrina. Fonte: http://www.ld.utfpr.edu.br/auniversidade_campuslondrina_obra.php?pag=1. De acordo com as autoridades políticas, a Universidade corrobora com o desenvolvimento tecnológico da cidade e com a valorização de sua Zona Leste, atraindo novos investimentos privados, sobretudo no ramo industrial para a cidade. É o caso da fábrica 98 de macarrão Norte Massas, que será instalada em terreno de 20 mil metros quadrados doado para a indústria, localizado ao lado da Universidade Tecnológica Federal, junto ao terreno que também será destinado para a instalação da Moinhos Globo, na continuação da estrada dos Pioneiros. A previsão de investimento para a instalação da indústria Norte Massas é de R$ 2 milhões, e o funcionamento total do empreendimento acontecerá na metade de 200930. Estes investimentos, de acordo com a opinião dos respectivos dirigentes das duas fábricas, tem até mesmo o mercado internacional por expectativa. Diante dessa situação vê-se a confirmação das externalidades positivas provocadas pela UTFPR, a qual inaugurou suas atividades com o curso de Tecnologia em Alimentos31, e que tem também em sua pauta o futuro curso de Química Industrial, justamente para atender a futura vocação industrial esperada para a área e ao Parque Tecnológico de Londrina, situado a 2,1 km a Norte da Universidade, nas proximidades da BR 369, ainda dentro da Zona Leste da cidade. A UTFPR nas palavras do Deputado Federal Alex Canziani (PTB), em texto parlamentar pronunciado em presença do Presidente Lula e demais parlamentares, consiste em: Um dos indicativos para novo avanço no campo da tecnologia é a aguardada vinda da Universidade Tecnológica, reforçando a esperança conforme acredita o representante da Adetec [Tadeu Felismino] de que Londrina, dentro de cinco anos, se situe entre os três principais pólos tecnológicos do Brasil32. NA seqüência abordar-se-á a produção social do espaço urbano e o papel dos agentes privados e do Estado capitalista na produção do ambiente construído e a revalorização urbana impulsionada pela vinda da UTFPR e do Complexo Marco Zero. Objetiva-se situar essa realidade processual dentro de uma mesma linha de entendimento que leve em conta as forças estruturantes do espaço urbano, sejam estatais, privadas ou a resultante da parceira entre ambos, tendo no Estado um agente preparador de terreno, no sentido mais estrito do termo, para a atuação das forças estruturantes representadas pelo capital especulador, incorporador e imobiliário. 30 Ver: “Norte Massas vai investir R$ 2 milhões no município”. Núcleo de Comunicação da Prefeitura Municipal de Londrina, 04/01/2008. Disponível em: http://home.londrina.pr.gov.br/noticias/indexnovo.php?acao=mostrar_noticia&id_noticia=20582. Acessado em 16 de set. de 2008. 31 Vale aqui ressaltar que a indústria predominante em Londrina é a de produtos alimentares. Fonte: http://www.paranacidade.org.br/municipios/municipios.php. Acessado em 15 de set. de 208. 32 “Londrina pólo de tecnologia”. Alex Canziani - Da Tribuna, 04/05/2006. Disponível em: http://www.alexcanziani.com.br/pronunciamento/ver_pronunciamento.asp?id_not=36. Acessado em 20 de set. de 2008. 99 4.5. A produção do espaço urbano e a valorização fundiária: O setor imobiliário enquanto catalisador do crescimento urbano. Além de todo o potencial tecnológico e educacional esperado com a vinda da UTFPR já é uma realidade entre alguns cidadãos londrinenses, os frutos que se podem colher a partir da sua implantação em Londrina, especialmente na Zona Leste. Antes mesmo do início das obras no Campus, a VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge Engenharia, a 200 metros Sul do terreno da Universidade (setor Lon Rita) construiu o loteamento residencial Jardim Portal dos Pioneiros (figura 15), com 528 lotes de aproximadamente 250 m2 cada. O lançamento deu-se no início de 2007 e no primeiro semestre de 2008 todos os lotes já haviam sido comercializados a um preço médio de R$ 30.000,00. Atualmente o loteamento está com 13% dos terrenos já edificados, o que atesta o vigor residencial da área em função das amenidades locais, da acessibilidade com as demais zonas da cidade e da proximidade com a UTFPR. A VD Loteadora, empresa do Grupo Protenge – Urbanismo e Engenharia, lançou no ano de 1999 o Jardim Belo Horizonte (setor Antares), loteamento com 206 lotes ao longo da Avenida São João, cujos lotes já foram em grande parte edificados. Figura 15 – Folder de lançamento do Residencial Jardim Portal dos Pioneiros – VD Loteadora & Protenge Urbanismo e Engenharia. Fonte: http://www.protengeengenharia.com.br/condominio_detail.asp?id=21. 100 Um dos motivos da rapidez com que foram comercializado os lotes, sem dúvida foi a instalação da UTFPR, dentre outros, como, por exemplo, a acessibilidade facilitada em direção às demais Zonas de Londrina, as características do próprio local, a proximidade com o Complexo Marco Zero, e o grande potencial de valorização da área nos próximos anos. Num outro folder impresso há destaque principal para a localização da UTFPR. Mais a Leste, em área de Expansão Urbana do município, atualmente já incorporada à Zona Urbana, a Construtora Abussafe lançou dois loteamentos no setor Lon Rita, um no ano de 1998, o Residencial Abussafe I em área de 290.400 m2, com 760 lotes de aproximadamente 200 m2 cada, e o Residencial Abussafe II, em 2002, em área de 121.000 m2, com 303 lotes de aproximadamente 200 m2, o primeiro comercializado na época (1998) pelo preço médio de R$ 6.000,000. A iniciativa visou oferecer terrenos à classe de baixa renda que por meio de pagamentos parcelados impulsionou a rápida edificação dos lotes. Atualmente quase toda a área está edificada, e o valor dos lotes aumentou 250% nos últimos 10 anos. No ano 2000 a Construtora Abussafe lançou o Jardim Fujiwara (setor Antares) em área de 48.400 m2 na margem Sul da Estrada dos Pioneiros, mais próximo da UTFPR, com 106 lotes que vão de 300 a 400 m2, comercializados no valor aproximado de R$ 45.000,00. Esse residencial possui frente para a Avenida Jamil Scaff. Esta Avenida é uma continuação da Estrada dos Pioneiros no sentido Leste em direção ao final da Zona Leste, de caráter comercial, os terrenos que fazem frente pra avenida tem sido alvo de intensa especulação imobiliária, sobretudo para fins comerciais, e a cada dia que se aproxima da inauguração da UTFPR mais estabelecimentos vão surgindo ao longo da Avenida. No sentido Sul, logo na seqüência do Residencial Fujiwara, está o Jardim Santa Alice (setor Antares), lançado no ano de 2001 pela Santa Alice Loteadora S/C LTDA, possui 430 lotes e apresenta um padrão de construção mais elevado que todos os outros residenciais anteriores, o valor médio dos terrenos de aproximadamente 300 m2 se situa entre os R$ 40.000,00. Um fator que atesta a valorização é a proximidade com mais outros empreendimentos que valorizaram alguns anos antes, são eles: o Residencial Santa Clara (setor Antares), lançado no ano de 1995 pela Construtora Londricasa, com 164 terrenos de aproximadamente 300 m2, na época comercializados ao preço médio de R$ 25.000,00, mas atualmente os poucos terrenos sem edificação são comercializados por aproximadamente R$ 40.000,00, variando com tamanho e localização. Mas o grande fator de valorização dessa área foi a construção dos Condomínios Residenciais Horizontais Gralha Azul I, II e III, pelo Grupo Gralha Azul – Habes Fuad Salle. Os três condomínios foram edificados no setor Antares, em terreno de 15.000 m2, adquirido no ano de 1991 por R$ 80.000,00, quando ainda fazia parte 101 da Zona de Expansão Urbana. Regozija-se a proprietária da empresa Gralha Azul de ter sido a primeira a acreditar no potencial da área e levar o desenvolvimento para esta parte da cidade, que ainda não era alvo de outros investimentos, a não ser, conjuntos habitacionais mais a Leste do local, porém, separados por trecho de aproximadamente 1000 metros ocupados por sítios e algumas chácaras. O caso dos Condomínios Gralha Azul I, II e III é emblemático na valorização da área anterior a década de 2000. O primeiro condomínio foi entregue em 1995, com 16 casas de 140 m2 de área construída e comercializadas por R$ 55.000,00 na época. Atualmente, de acordo Vera Lúcia Assunção Salle, proprietária do Grupo Gralha Azul, estas casas são vendidas por seus atuais proprietários por aproximadamente R$ 170.000,00. No ano de 1996, ao lado do Gralha Azul I, a construtora lançou o Gralha Azul II, com 17 casas de 200 m2 de área construída, comercializadas atualmente por aproximadamente R$ 200.000,00. Em 1998 a construtora lançou o Gralha Azul III, com 28 casas de 200 m2, comercializadas atualmente por R$ 230.000,00. De acordo com a proprietária, o condomínio é voltado para a classe média, destacou a procura de casas na época por médicos do Hospital Universitário, também situado na Zona Leste, na Avenida Robert Kock. Os três condomínios, como ficou claro, comercializavam a casa pronta e não apenas o terreno, além dos equipamentos de lazer comunitário oferecidos dentro do condomínio, como, quadras poli-esportivas, playground e piscinas, guarita e segurança 24 horas. Vale ressaltar que o Grupo Gralha Azul – Habes Fuad Salle adquiriu recentemente um terreno nas proximidades da UTFPR, onde construirão mais um condomínio residencial, todavia, não pode nos informar o local exato e nem a previsão de início da obra. No contexto da valorização proposta pelos Condomínios Gralha Azul I, II e III, situamos o lançamento dos Residenciais Santa Clara (1995) e Santa Alice (2001). Em área próxima aos três empreendimentos analisados anteriormente, encontra-se o Jardim Tatiane (setor Antares), lançado em 1979 pela Eldorado Empreendimentos Imobiliários e Agrícolas LTDA com lotes de aproximadamente 350 e 420 m2, comercializados no início do plano real por aproximadamente R$ 6.000,00, atualmente alcançando valores, os últimos terrenos remanescentes, de R$ 40.000,00. No setor Ernani e HU, identificou-se cinco empreendimentos que comprovam a valorização imobiliária e fundiária da área, sendo três deles condomínios residenciais horizontais fechados e os demais, loteamentos residenciais. No primeiro caso, o Condomínio Residencial Horizontal Havana, situado na Avenida Robert Koch, lançado em 2002 pela NAJ Empreendimentos Imobiliários LTDA, com 240 lotes de aproximadamente 250 a 300 m2, teve seus lotes comercializados, na época, por aproximadamente R$ 55.000,00, o que variava com 102 o tamanho dos lotes. Atualmente alguns lotes ainda remanescentes são comercializados por aproximadamente R$ 60.000,00. Nesse mesmo contexto tem-se o caso do Condomínio Horizontal Golden Park Residence & Resort, a 600 metros do Condomínio Residencial Havana no sentido oeste (centro), também na Avenida Robert Koch, já no setor HU. O Condomínio foi lançado em 2002 pela Teixeira & Holzmann LTDA, em área de 100.000 m2, com 140 lotes de aproximadamente 250 m2 cada, comercializados na época por R$ 47.000,00, atualmente esses mesmos lotes tem sido comercializado por R$ 60.000,00, variando de acordo com o tamanho de cada lote. Este condomínio conta com centro comercial (15 lotes destinados exclusivamente a tais serviços), além de salão de festas, piscinas, churrasqueiras, quadra poliesportiva, quadra de tênis, bosque, segurança monitorada 24 horas motorizada dentro e fora do condomínio, jardinagem no condomínio, e academia de ginástica. Vale ressaltar a preservação da mata localizada no fundo de vale atrás do condomínio, um “marketing verde” comercializado pelo condomínio ao ressaltar a preocupação com o Meio Ambiente e atenção aos preceitos da Agenda 21. Atrelado à valorização proposta pela construção desses dois condomínios tem-se o caso dos residenciais Jardim Monte Sinai e Jardim Vale do Cedro. Os dois datam de 2001, sendo o primeiro formado por 177 lotes de aproximadamente 330 m2, lançado pela Construtora Norton Dequech, comercializados atualmente por um valor estimado de R$ 30.000,00; e o segundo residencial com 375 lotes de aproximadamente 330 m2 cada, lançado também pela Norton Dequech, comercializados atualmente por R$ 35.000,00. Ainda na mesma conjuntura da valorização proposta pela construção de condomínios horizontais fechados, localiza-se no setor HU, a 1.600 metros do Condomínio Golden Park, no sentido oeste (centro), o Condomínio Horizontal Aspen Park Residence, construído em 1998 pela NAJ Empreendimentos Imobiliários, com 82 lotes. Esses lotes, de 250 m2 cada, na época chegaram a ser comercializados por R$ 20.000,00, atualmente os terrenos remanescentes tem sido comercializado por R$ 50.000,00. Ao lado desse condomínio encontra-se o Condomínio Horizontal Avenida do Café, situado no setor Aeroporto, possui 32 lotes com tamanhos a partir de 250 m2, construído no ano de 2005 pelo Grupo Protenge Engenharia e Urbanismo. Esses dois condomínios, esperam uma maior valorização da área com a construção do Fórum da Justiça do Trabalho nos antigos barracões do Instituto Brasileiro do Café (IBC); com a acessibilidade facilitada com o centro da cidade, devido a duplicação e ligação da Avenida Alziro Zarur (continuação da Avenida Santos Dumont) com 103 a Avenida Robert Koch, prevista no Plano Plurianual 2006-200933, que facilitará o deslocamento viário local e acessibilidade dos moradores da Zona Leste, em especial aqueles situados nas adjacências da Avenida Robert Kock, com a Avenida Santos Dumont e com a área central da cidade. 4.6. A produção social do espaço urbano e o Estado capitalista: segregação e expansão urbana na Zona Leste de Londrina. Gottdiener (1997, p. 74) escreveu que Estado e setor imobiliário constituem a linha de frente das transformações espaciais. Para este autor (1997, p. 97), o Estado, agente do “capital em geral”, detém aquilo que Poulantzas denominou de “autonomia relativa”, perseguindo tanto interesses políticos quanto econômicos nem sempre capitalistas por natureza. Para Harvey o ambiente construído é transformado, essencialmente, pelo capital intervencionista que age através do governo, e desse mesmo ambiente se apropria o trabalho que o usa como uma forma de consumo e um modo para sua própria reprodução (HARVEY apud GOTTDIENER, 1997, p. 97). Gottdiener (1997, p. 102) vê um Estado que coordena os investimentos entre os circuitos de capital, que garante um mercado e uma rede financeira estáveis que funcionem livremente, assim, reproduzindo a economia política burguesa da cidade. E vai mais longe, ao dizer que “é exatamente a atuação de frações específicas de classe no circuito secundário, o papel do Estado em todos os níveis na ajuda à atividade do setor imobiliário e as conseqüências contraditórias dessas intervenções que explicam a forma espacial.” (GOTTDIENER, 1997, p. 110). Ainda nessa discussão, Gottdiener recorre a Lefebvre, para quem: A paisagem metropolitana representa um arranjo espacial de estrutura e localizações com graus variados de eficiência. O mercado da terra urbana atua de modo imperfeito na superação dos obstáculos ao novo desenvolvimento que surgem dos padrões desiguais de crescimento, e o Estado é chamado a intervir a fim de liberar a terra para investimento mais lucrativo. (LEFEBVRE apud GOTTDIENER, 1997, p. 137). 33 LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php 104 O caso da construção do Teatro Municipal no Complexo Marco Zero é contundente em afirmar a colocação de Lefebvre, ao concatenar interesses de classes em torno de objetivos comuns, ao induzir o planejamento, todavia, numa via de mão dupla, pois, os investimentos estatais não objetivam apenas a provisão das necessidades sociais, e muito menos somente dotar o ambiente construído de equipamentos públicos e infra-estrutura. A atuação estatal, a despeito de sua “autonomia relativa”, é correlata de interesses classistas e capitalistas no ambiente construído e a eles se vincula sincronicamente no espaço urbano. Neste sentido, diria Harvey (apud GOTTDIENER, 1997, p. 186), pode induzir a mudança de fluxo nos investimentos, do setor secundário para o imobiliário, tendência, aliás, incorporada pela ascensão do capital incorporador nos últimos anos, justamente em função da maior estabilidade financeira proporcionada pelo setor imobiliário quando em relação ao setor secundário apenas, pois, “[...] sempre se pode orientar a propriedade para outros usos e, potencialmente, fazer parecer um investimento lucrativo” (GOTTDIENER, 1997, p. 184). Para Gottdiener (1997, p. 184), “esse potencial é que é uma função do espaço social e constitui um valor produzido socialmente: assim, o investimento na terra é atraente, mesmo em tempos difíceis”. Ademais, o bem imóvel, uma mercadoria de fato, existe e persiste no tempo como investimento lucrativo, capaz de atrair investimentos, independente das oscilações nos ciclos de negócios; em função da baixa composição orgânica de capital que demanda e da facilidade com que pode ser transformado em usos alternativos e depois comercializado (GOTTDIENER, 1997, p. 188). Sob estas condições, a ação Estatal é quem torna viável e abre caminho, assegurando “[...] a capacidade intrínseca e cada vez mais constante do ramo imobiliário em extrair capital para aventuras lucrativas [...]” (GOTTDIENER, 1997, p. 185 a 187). Tal é o caso da Zona Leste de Londrina, que “desbravada” pelo Estado capitalista provedor de moradias durante as décadas de 1970 e 1980, agora é alvo das “aventuras” lucrativas do capital incorporador, o qual, na verdade, trilha por caminhos bem seguros, uma vez que já foram abertos pela presença Estado capitalista ao construir o ambiente e, recentemente, atrair os investimentos que, invariavelmente, a procura de locais favoráveis ao investimento imobiliário, solidificaram o investimento estatal, novamente, numa via de mão dupla. Lefebvre (apud GOTTDIENER, 1997, p. 185), conceitua o mercado imobiliário como um setor secundário de investimento no processo de acumulação de capital, ligado à oferta, e paralelo à produção industrial. Constituindo-se, esse tipo de investimento, num setor 105 de formação de capital e, dentro de um contexto específico, de realização34 e circulação de mais-valia, pois, os melhoramentos no ambiente construído tornam a produção mais “produtiva” em períodos futuros e estimula o consumo a satisfazer as necessidades do espaço social recém-desenhado, Harvey também partilha dessa idéia (GOTTDIENER, 1997, p. 185 e 186). Com isso, o re-investimento e a circulação de capital são mantidos, aumentando ainda mais o capital, conseqüentemente, seus lucros em períodos subseqüentes de produção, atuando assim, o setor secundário como fonte de formação de capital. Entretanto, de acordo com Harvey, os capitalistas individuais têm dificuldade em mudar o fluxo de investimento da produção industrial para o setor imobiliário, o que demanda a intervenção do Estado como meio de induzir essa mudança de fluxo de modo mais seguro (GOTTDIENER, 1997, p. 186 e 187). A Zona Leste da cidade, especialmente nas áreas limítrofes da Zona Urbana, concentrou durante as décadas de 1970 e 1980 uma intensa recepção de conjuntos habitacionais, chegando a ser considerada a Zona da cidade que mais recebeu este tipo de investimento depois da Zona Norte (CODEL, 2004). De acordo com a informação do Caderno Setorial – Construção Civil e Mercado Imobiliário da CODEL (Companhia de Desenvolvimento de Londrina): As regiões Leste e Norte, juntas, detém atualmente mais de 80% da produção de novos lotes demarcados por tradicionais ou novas loteadoras que atuam no mercado, parcelando o solo urbano londrinense. A área delimitada pela extensão das avenidas São João e Roberto Kock, no sentido do extremo leste do município, por exemplo, é a que registra o maior número de novos empreendimentos residenciais. De padrão médio e popular, concentra em sua maioria uma média entre 300 e 400 terrenos, com metragens individuais que dificilmente superam 300 metros quadrados. Em função da concentração de comércio, infra-estrutura e serviços já instalados nas antigas glebas Lindóia e Simon Frazer, também ali começam a se fortalecer os empreendimentos residenciais fechados. Menores em área total, e no tamanho individual dos lotes, nem por isso deixam de manter as características de lazer, conforto e segurança, planejadas nos grandes empreendimentos do gênero. (CODEL, 2004, p. 5). 34 Pois, segundo Harvey, de alguma maneira ajuda a produção de bens primários, apesar de Gottdiener (1997, p. 191 a 194) discordar dessa colocação, ao demonstrar o comportamento contraditório do setor secundário no processo de acumulação de capital, que, sujeito aos caprichos dos ciclos na disponibilidade geral de fundos de investimentos e obras, ou canalizando investimentos de mais ou de menos, corrobora com a flutuação das ondas de atividade de investimentos e da crise estrutural da acumulação de capital. Como conseqüência desse momento, inflação, elevação da taxa de juros, deterioração ambiental, subutilização do espaço, etc., despontam no cenário pré-crise, encerrando em períodos de profunda recessão. Daí a necessária intervenção estatal através do regulamento e do planejamento como meio de se direcionar a economia num caminho distinto do caminho da crise, o que muitas vezes não soluciona as oscilações nas atividades de investimento, haja vista o Estado agir de acordo com as muitas frações de interesses. 106 A despeito de todo “marketing oficial” em torno da área, com vistas a promover o seu potencial econômico junto à classe empresarial de investidores na cidade de Londrina, verifica-se atenção dada a presença e fortalecimento do setor imobiliário na Zona Leste. É um discurso oficial, mas que, apesar de todas as contradições daquele espaço urbano, não foge à realidade do local para a classe de capitalistas investidores, empreendedores e incorporadores. Atente-se, porém, como já fora dito, a área, inicialmente foi equipada pelo poder público local, que ao levar infra-estrutura viária, equipamentos públicos e, sobretudo, moradia, expandiu e induziu o crescimento urbano naquela direção. O Condomínio Gralha Azul é um exemplo dessa indução, apesar de acreditarem terem “chegado primeiro na área” em 1991, mas que, na realidade, já fazia parte da Zona Urbana da cidade desde a construção dos conjuntos habitacionais nas décadas de 1970 e 1980 nos extremos da Zona Leste, especificamente a 2 mil metros dos Condomínios Gralha Azul, separados por imensos vazios urbanos como já destacados anteriormente, que ainda fazem parte do local, mas como acreditamos, por pouco tempo. A tabela a seguir (tabela 04) apresenta a seqüência cronológica da construção dos conjuntos habitacionais, principalmente, da micro-região Leste 2 de Londrina: Tabela 04: Relação dos conjuntos habitacionais em área da Zona Leste de Londrina. Nome e microregião Vitória Régia - L1 Tipo Nº de unidades Inauguração Pop. Estimada 132 Tamanho médio das unidades 42,62 m² Horizontal São Pedro L2 1970 396 BNH/ICOPAN Horizontal 105 42,35 m² 1973 315 PML/COHAB/ Icofat Antares L2 Ernani Moura Lima I -L2 Ernani Moura Lima II L2 Guilherme Pires – L2 Horizontal 340 Horizontal 610 34,36 m2 1980 2430 INOCOOP/COHAB AN BNH/Simamura Horizontal 200 34,36 m2 1981 2430 BNH/Simamura Horizontal 210 34,45 m² 1983 630 CEF/Simamura Seffer / Icopan Pavilon Residencial Interlagos – L3 Amazonas I Vertical 96 X 1988 X IPE Horizontal 33 X 1989 X CEF 1978 Empresa Responsável / / 107 – L2 Amazonas II – L2 Armindo Guazzi – L2 Giovani Lunardelli – L2 José Bonifácio e Silva – L2 José Barroso – L2 Alexandre Urbanas – L2 Horizontal 10 X 1989 X CEF Horizontal 304 X 1989 X CEF Horizontal 229 X 1989 X CEF Horizontal 188 X 1989 X CEF Horizontal 18 35,71 m² 1989 1407 CEF/ Construhab / Coelho Horizontal 500 22,73 m² 1992 1500 CEF/ Cauanã / FAM / FEE / Fato / Rosa Lima / Coelho Santos Vertical 486 X 1996 X INOCOOP/COHAB Dumont – AN L2 Residencial Horizontal X 2000 X COHAB-LD Ilha Bela – L2 São Vicente Horizontal X 2001 390 COHAB – LD Palloti – L2 Residencial Vertical 176 X 2005 X CEF-PAR dos Pioneiros – L2 Residencial Vertical 174 X 2005 X CEF-PAR Lindóia – L2 Organizado pelo autor. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil2004/ e http://www.cohabld.com.br/Conjuntos_Habitacionais.asp. Acessado em 20 de set. de 2008. É evidente a maior concentração de construção de conjuntos habitacionais durante as décadas de 1970 e 1980, quase inexistindo durante a década de 1990, realidade vivenciada por toda a cidade, dada a conjuntura nacional e o declínio em obras públicas vivenciado por todo o país, mas que foram retomadas a partir da primeira década do século XXI. Destacamos o caso dos conjuntos habitacionais Ernani Moura Lima I e II construídos na área limite da atual Zona Leste, a mais de 5,3 km do centro histórico da cidade, numa extensão, em grande parte, ocupada por grandes vazios urbanos e inclusive por propriedades rurais, convivência esta que durou até o final da década de 1990, quando as últimas chácaras e sítios foram desocupados e loteados, atualmente apenas poucas áreas ainda não foram loteadas. 108 A seguinte tabela (05) apresenta a ordem cronológica de implantação dos principais loteamentos da micro-região Leste 2 e, alguns poucos da micro-região Leste 3 e Leste 1 de Londrina: Tabela 05: Relação dos loteamentos aprovados em área da Zona Leste de Londrina. Nome do loteamento e micro-região Tarumã - L2 Tipo Gleba Data Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Lindóia 17.05.94 147 J.R. LOT. E INCORP. 04.10.95 61 HABES FUAD SALLE 13.10.95 215 PENCIL - CONSTR. 21.09.95 2 12.07.95 164 LONDRICASA 15.12.95 85 J.R. OLIVEIR 10.07.96 234 Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer 27.09.96 154 SENA CONSTRUÇÕES N.A.J. EMPR. IMOB. 15.01.97 83 FAM - ENGENHARIA 27.06.97 225 04.03.98 843 23.09.98 82 PENCIL – CONSTRUÇÕES CONSTRUTORA ABUSSAFE NAJ - EMPR. IMOBIL. LTDA Jardim Simon Frazer 26.11.98 210 V.D.LOTEADORA S/C LTDA Residencial 05.03.98 47 26.11.98 49 CONSTRUT. INC. M2 LTDA ALBERTO PANSOLIN ROYAL LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA ROYAL LOTEADORA E INCORP. LTDA / SENA CONSTRUÇÕES LTDA CENTRAL CHAMONIX ADMINISTRADORA DE BENS PRÓPRIOS S/C LTDA Residencial Gralha Azul I, II e III– L2 Jardim do Leste – L1 Nações Unidas – L1 Santa Clara – L2 Veneza – L1 Chácara/condomínio horizontal Jardim Oriente – L3 Jardim Aruba – L2 Jardim Bernardo Trindade – L1 Jardim do Leste – L1 Abussafe – L1 Residencial Jardim/ Condomínio vertical Residencial Residencial Jardim Residencial Número de lotes Aspen Park Residence – L2 Belo Horizonte – L1 Catori – L1 Condomínio residencial Novo Oriente – L2 Laranjeiras – L3 Jardim Simon Frazer Lindóia Jardim Lindóia 26.05.00 225 Pioneiros – L2 Jardim Lindóia 08.03.00 131 Chamonix – L1 Loteamento Simon Frazer 07.06.01 418 Loteador WADJI IBRAHIM 109 Fujiwara – L3 Jardim Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer 25.07.01 114 Monte Sinai – L2 Santa Alice – L2 Jardim 09.07.01 177 24.10.01 430 Vale do Cedro – L2 Abussafe II – L1 Golden Park Residence – L2 Havana – L2 Jardim Simon Frazer Simon Frazer Simon Frazer 09.07.01 375 22.11.02 304 02.12.02 140 Residencial Simon Frazer 28.06.02 240 Jardim da Luz – L2 Jardim Simon Frazer 29.04.02 259 Pref. Milton Neves – L2 Chamonix – L2 Jardim Simon Frazer Simon Frazer 17.12.02 136 10.07.03 115 Jardim Residencial Residence Loteamento CONSTRUTORA ABUSSAFE LTDA NORTON DEQUECH SANTA ALICE LOTEADORA S/C LTDA NORTON DEQUECH CONSTRUTORA ABUSSAFE LTDA TEIXEIRA & HOLZMANN LTDA NAJ EMPREENDIMENTO S IMOBILIÁRIOS LTDA SANTA ALICE LOTEADORA S/C LTDA LOTEADORA MENEZES S/C LTDA CENTRAL CHAMONIX ADMINISTRADORA DE BENS PRÓPRIOS S/C LTDA KIM LOTEADORA S/C LTDA PROTENGE ENGENHARIA E URBANIZAÇÃO José Camilo S. Loteamento Simon 20.07.04 50 Santos – L2 Frazer Avenida do Condomínio Simon Café horizontal 2004 32 Frazer Residence – L2 Jardim Portal Jardim 528 SETTE LOTEADORA Simon dos Pioneiros 19.05.05 S/C LTDA Frazer – L2 Organizado pelo autor. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/homenovo.php?opcao=diretorialoteamentos&item=relacaoaprovados Seria desnecessário afirmar que a construção desses loteamentos iniciou-se após as obras infra-estruturais e habitacionais realizadas pelo poder público local com recursos federais, estaduais e municipais. A partir deste momento, o setor privado adquire segurança para se “aventurar” e investir também na área. Ao contrário das oscilações ocorridas no setor imobiliário estatal, não se verifica tal variabilidade tão intensa no mercado imobiliário privado de terras, todavia, aquelas tenham afetado estas em função da conjuntura econômica pela qual passava todo o país durante a década de 1990, principalmente. Assim identificamos um equilíbrio ascendente no lançamento de loteamentos, desde o ano de 1994, até os dias atuais, pelo setor privado. De acordo com informações cedidas pela Construtora Abussafe, não há mais onde lotear na Zona Leste, pois, as últimas glebas de terra (identificadas na figura 01) já 110 possuem proprietários, o qual aguarda o momento mais propício para o lançamento do novo loteamento. Em função do esgotamento de terras disponíveis para novas aquisições, as construtoras aguardam a expansão de Zona Urbana para Zona de Expansão Urbana do município, o que ampliarão as possibilidades de novos loteamentos. Esse processo já está sendo impulsionado com a construção da UTFPR. No mapa a seguir (mapa 08) observam-se as principais vias de tráfego da Zona Leste (microrregião Leste 1, 2 e 3). Mapa 08: Principais avenidas da Zona Leste (microrregião Leste 2 no centro). Organizado pelo autor. Fonte: Plano Diretor – 1998. Na carta acima identificam-se as principais avenidas e ruas da Zona Leste. No centro da carta, entre as avenidas Robert Kock e Jamil Scaff, Carmela Dutra até a Celso Garcia temse a microrregião Leste 2, a qual compreende na principal delimitação de nosso trabalho, uma vez que nosso recorte espacial engloba toda essa microrregião. O termo microrregião foi criado pela Prefeitura Municipal de Londrina, sendo empregado pela Secretaria Municipal de Planejamento para fins administrativos, de destinação orçamentária, planejamento e direcionamento de recursos. Atualmente, a Avenida São João centraliza a maior parte dos serviços e comércios da Zona Leste da cidade, é o principal eixo viário que conecta a Zona Leste ao centro comercial da cidade, sendo, portanto, a avenida mais estruturada com equipamentos públicos, e infra- 111 estrutura viária, imobiliária e comercial da Zona Leste. Inclusive é uma das vias de acesso ao Hospital Universitário, junto com a Avenida Santos Dumont (Leste 1). Todavia, a disposição das infra-estruturas e da destinação dos recursos públicos variam de acordo com a proximidade em relação ao centro comercial e em função da concentração dos estabelecimentos comerciais. É o caso do trecho da Avenida São João delimitado na imagem acima pelas duas setas, entre o início da mesma (próximo ao pátio da Viação Garcia, na Avenida Celso Garcia Cid) até o término do Residencial Santa Clara. De acordo com comerciantes locais este trecho tem recebido nos últimos anos mais atenção do poder público local se compararmos com a faixa mais periférica da Avenida em direção aos conjuntos habitacionais no final da Zona Leste. Este trecho da Avenida São João concentra grande parte dos serviços da Zona Leste, que vão desde escolas particulares e escola municipal de primeiro grau, colégio estadual, faculdade, supermercados, oficinas automotivas, lojas de produtos automotivos, consultórios odontológicos, centro de distribuição de medicamentos, restaurantes, lanchonetes, pet-shops, lotérica da caixa Econômica Federal, posto bancário de auto-atendimento, frigorífico, lojas de informática, e uma diversidade de estabelecimentos comerciais do tipo bazar, lan house, além de todo tipo de comércios de bairro. Destacamos o Supermercado Golfinho com duas unidades na Zona Leste, uma na Rua Mangaba e outra na Avenida São João. A última, tratase de uma unidade estabelecida na área desde 2004, em local outrora utilizado pela Schincariol – Distribuidora e mais tarde pela Dibeba – Distribuidora de Bebidas. O caso do Supermercado Golfinho é emblemático ao situar-se num ponto estratégico e acessível da Avenida São João, tendo em vista sua conexão com a microrregião Leste 1 e Leste 2 (onde está situado) e Leste 3, e sua proximidade com o centro da cidade. A loja (sede própria) possui 1800 m2 de área de venda, gerando 150 empregos diretos e 20 indiretos. Exerce centralidade na Zona Leste ao locar parte da loja para estabelecimentos diversos, dentre eles um restaurante e uma Lotérica da Caixa Econômica Federal, o que promove, portanto, uma circulação diária de aproximadamente 4000 pessoas pela loja. Defronte à loja do Supermercado Golfinho localiza-se a Faculdade Uninorte, a qual oferece os cursos de graduação em Administração, Marketing, Direito, Pedagogia, além da Escola Uninorte Junior, com Ensino Fundamental e Educação Infantil. Também é um fator de centralidade na Avenida São João ao proporcionar um maior contingente de consumidores para os comerciantes locais e concentrar um grande volume de tráfego de veículos nos horários das aulas. A Faculdade Uninorte, se “vangloria” com sua “função social” ao (no discurso da própria instituição): 112 [...] proporcionar aos cidadãos de Londrina e região Ensino Superior com qualidade e custo acessível, além da correlata ação Extensionista e a Iniciação Científica, formando profissionais competentes e aptos a buscarem a merecida ascenção (sic) social, a partir da boa colocação no mercado de trabalho fundada na excelência de sua formação e conseqüentemente dos serviços que vierem a prestar, atentando às demandas regionais e gerais da comunidade, respeitando as individualidades e as diferenças e valorizando os princípios de responsabilidade social para com a região e da qualidade do ensino em cada uma das ações institucionais35. Neste sentido, a Faculdade se constitui numa externalidade positiva na área ao proporcionar cursos de educação Fundamental e Superior para determinadas classes da Zona Leste, a custos acessíveis, sendo ainda a única a oferecer cursos de formação Superior na nesta zona da cidade, todavia, disputa com a Escola Pilares - Grupo Positivo, também localizada na Avenida São João, a comercialização da educação infantil e ensino fundamental. A Faculdade foi instalada em antigos barracões da ENAR (Empresa Nação de Armazéns Gerais LTDA) de estocagem de café e outros cereais, conectados inclusive com a Refinaria Anderson Clayton por meio de rede ferroviária. Esses barracões permaneceram sem uso por vários anos, quando em 2001, a Faculdade adquiriu a área e a reestruturou, utilizando-se das formas já existentes e beneficiando-se da centralidade e acessibilidade possibilitada pela Avenida São João. Paralelamente ao contexto da São João, encontra-se a Avenida Robert Kock, onde se situa o Hospital Universitário, dentre outros serviços e estabelecimentos comerciais. No trabalho já chamamos a atenção para a localização do Condomínio Residencial Havana e Golden Park ao longo desta avenida, contudo, se trata de uma avenida, que na sua porção mais periférica (setor Ernani), apresenta uma cobertura asfáltica bastante deteriorada e carente em infra-estruturas viária e em equipamentos públicos, aliás, esta situação reflete a especulação imobiliária praticada na área que ainda retém extensas concentrações de terrenos não loteados e sem uso, portanto, não justificando qualquer intervenção do poder público local em melhorias públicas. Desse modo, os condutores e os transeuntes, que trafegam diariamente pela avenida, são os principais prejudicados pelo descaso com o local, que alia falta de segurança com falta de sinalização viária e, em alguns trechos, falta de cobertura asfáltica. Outro fato perceptível na Zona Leste é a falta de ligação viária entre a vertente direita e a vertente esquerda do Córrego Barreiro, pois como se observa no mapa 08, as únicas vias 35 Fonte: http://www.uninorte.edu.br/joomla/. Acessado em 22 de set. de 2008. 113 que conectam a microrregião Leste 2 e Leste 1, isto é, a Avenida Robert Kock e Avenida São João e Jamil Scaff, são as ruas Vasco da Gama e Leontina da Conceição Gayon. Contudo, está previsto no Plano Plurianual 2006-200936, instituído pela Lei Municipal Nº 9.857, de 16 de dezembro de 2005, a construção de uma travessia sobre o Córrego Barreiro ligando o Jardim Belo Horizonte (Avenida São João) ao Jardim Vale do Cedro (Avenida Robert Koch). Pode se observar a avenida em amarelo, no mapa 08, identificando essa futura ligação, que efetivarse-á com a construção da ponte sobre o córrego, e que, coincidentemente, facilitará o acesso da área dos condomínios Havana, Golden Park e adjacências da Robert Kock com a UTFPR. Estes são apenas alguns dos referenciais da valorização e revalorização em curso na Zona Leste da cidade de Londrina. Vale ressaltar mais uma vez que não abordou-se toda a Zona Leste, mas direcionamos nossos esforços em direção à área que mais concentra serviços e investimentos por parte do Estado e sobretudo, por parte do capital incorporador, tendência que se intensifica nos últimos anos e que, de acordo com analistas urbanos e com o próprio processo em curso, se intensificará e continuará reestruturando toda a Zona Leste, e situandoa como um novo referencial do desenvolvimento da cidade do capital em Londrina. 36 LEI Nº 9.857, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2005. Dispõe sobre o Plano Plurianual – PPA do Município de Londrina para o período de 2006 a 2009. Fonte: http://home.londrina.pr.gov.br/ppa_2005/secretaria_obras.php 114 CONSIDERAÇÕES FINAIS A cidade e seu solo se caracterizam por ser um ambiente socialmente construído, frutos do trabalho social. O valor agregado à determinada localização deve-se ao trabalho social, coletivo, dependendo sempre da localização, do seu entorno e da intervenção do Estado, que através das obras urbanizadoras convencionais, e do conjunto de instrumentos tributários e reguladores do uso e das formas de ocupação do solo urbano, normatiza a ocupação e o processo de produção social do espaço urbano. No entanto, esse mesmo Estado, como coloca Ferreira (2005, p. 6), é capaz de produzir recorrentemente a diferenciação espacial desejada pelas elites, sendo sua atuação fortemente marcada pela disputa entre as classes dominantes do ramo imobiliário pela apropriação dos importantes fundos públicos destinados à urbanização. Deste modo, afirma Ferreira (2005, p. 7), o Estado cumpre rigorosamente um papel de controle sobre a produção do espaço urbano, garantindo assim a onipotência e a onipresença das elites, deixando-as relativamente livres para atuar ao bel compasso do mercado imobiliário. Alhures, Ferreira (2003, p. 2), afirma que as cidades brasileiras refletem e reproduzem as dinâmicas sociais historicamente desiguais que pautaram a formação da nação brasileira, expressando contundentemente a hegemonia capitalista de uma sociedade de elite. É neste sentido que entendemos o Estado capitalista, representado pelo poder público local no caso londrinense, um Estado provedor de um planejamento urbano funcionalista atrelado à dinâmica metamórfica do capital. Ferreira (2005, p. 18), reconhece que até agora as Operações Urbanas submeteram o planejamento das cidades onde foram implantadas aos interesses de mercado, e apesar de todos os compromissos sociais que possam desenvolver-se a partir dos Planos Diretores Municipais, dos Orçamentos Participativos e das políticas públicas, o planejamento tem sido um instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento e de ordenamento da expansão urbana da cidade, na maioria das vezes, comprometido com os interesses classistas das elites dominantes. A partir da análise levada a cabo por este trabalho, pode-se identificar essa postura e esse comportamento dos diferentes agentes da produção e da organização do espaço urbano no contexto dos aspectos estudados na Zona Leste da cidade, onde verifica-se a articulação entre poder público local e capital incorporador numa otimista e promissora aliança, do ponto de vista do capital privado. 115 São visíveis os esforços políticos em torno dos projetos que dizem respeito à área. Referimo-nos aos investimentos por parte do Governo Federal e Estadual na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e no Teatro Municipal da cidade, junto ao Complexo Marco Zero. Esses esforços se acentuaram tão logo os investimentos privados externos eram “conquistados” para a área. Iniciado o processo ascendente de renovação da área, o poder político local e a classe imobiliária, assumiram a tônica discursiva de revitalização e desenvolvimento para a cidade, especialmente para a Zona Leste, que por muitos anos permaneceu esquecida pelos agentes sociais produtores do espaço urbano. Esta onda de investimentos que aguarda a área tem sido ideologicamente veiculada como a efetivação do planejamento a longo prazo - no caso da UTFPR - e da preocupação com a geração de empregos, e com o desenvolvimento da área, que, não significa, necessariamente, desenvolvimento para os moradores do local. Além do mais, no caso do Complexo Marco Zero, sua situação está muito mais voltada para o centro da cidade e para a acessibilidade com todas as Zonas da cidade proporcionada pelas Avenidas Dez de Dezembro – no sentido norte-sul - e Leste-Oeste. Estrategicamente ele será construído num nódulo viário privilegiado, localizado numa das áreas mais centrais do ponto de vista espacial e logístico da cidade. Na verdade, este último investimento, ao que indicam os projetos iniciais, dará as costas à Zona Leste, não necessariamente do ponto de vista espacial, e muito menos à toda ela, mas será um objeto “alienígena” do ponto de vista social para algumas classes sociais da área se levarmos em conta as características das adjacências composta, no caso do setor Fraternidade e Interlagos, por segmentos de baixa renda espoliados do direito à cidade, submetidos às contradições urbanas e à segregação sócio-espacial desde que se estabeleceram no local. Esta hipótese parece ainda mais verídica quando os gestores do projeto afirmam destiná-lo às classes A e B. Contudo, tal como a realidade urbana brasileira, a Zona Leste segrega populações hierarquicamente distantes e fisicamente próximas em sua periferia espacial. Já demonstramos isso ao longo do capítulo três com o caso dos condomínios residenciais, verdadeiros enclaves fortificados ilhados num mar de disparidades sociais e econômicas. Seria ingenuidade generalizar a realidade da Zona Leste para uma ou outra condição urbana. Como toda a cidade, ela se desenvolve contraditoriamente, porque é cidade, é espaço urbano e constitui-se de diferentes intencionalidades, de diferentes sujeitos portadores de interesses também distintos, senão, opostos. A vinda da UTFPR por si só não poderia impulsionar uma onda de investimentos imobiliários, mas, junto às demais infra-estruturas que a acompanharão e, potencializada no 116 discurso imobiliarista, ela induz investimentos localizados e pequenas aquisições imobiliárias, pois, lembramos, trata-se de uma produção social, engendrada por todos os segmentos sociais que possam se “aventurar” pelo percurso da especulação imobiliária, não tão seguro para aqueles que estão do lado de fora das grandes negociações. As necessidades sociais da área parecem ser desprezadas, cedendo lugar aos interesses capitalistas e políticos, este último não tão vinculado à condição social do citadino, mas, atento aos desejos e interesses do usuário da cidade, um cidadão inautêntico, alienado, consumidor de um espaço fugaz e fluído, um consumidor limitado que parece não sentir o direito ao urbano, senão por meio de sua capacidade de pagar por ele, exatamente sua capacidade de fragmentá-lo. A Zona Leste ao constituir-se no receptáculo destas novas inversões de capital atesta seu potencial econômico, mas convém levantar uma questão por demais inquietante: à qual Zona Leste estamos nos referindo? Transpondo a mesma investigação para o nível espacial pode-se indagar se os investimentos acometem a área em função dela mesma, ou em função da proximidade com o centro, da viabilidade logística, ou em função da pouca disponibilidade de terras encontrada pelo grupo responsável. Todavia, acreditamos que um mercado potencial já foi avistado e que potencialidades foram cogitadas - e inclusive garantidas pela parceria com o poder público local - e estudadas, e por ser essa produção de caráter social - os urbanistas e empreendedores com certeza o sabem - apenas o devir poderá corroborar as premissas aqui levantadas, mas é verídico, a valorização já chegou à Zona Leste, com ela toda as suas contradições e problemáticas da urbanização capitalista. 117 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Ed. Boitempo, 2002. ASARI, Alice Y. e TUMA, Magda M. Aspectos históricos, físicos, econômicos e institucionais do município de Londrina. Londrina - PR: Prefeitura Municipal de Londrina – Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Departamento de Educação – Acessoria de Integração Social. Documento Consulta, 1978. BARREIRA, Celene M. A. 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