RIO GRANDE DO NORTE 2006:
ELEIÇÕES ATÍPICAS?
José Antonio Spinelli
Professor do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais do CCHLA da UFRN
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é analisar o processo sociopolítico relativo à
campanha e às eleições para o Governo do Estado do Rio Grande do Norte em 2006.
Entende-se que esse processo envolve uma densa trama de eventos, que incluem
acordos, pactos e negociações nem sempre acessíveis ao público, além da decisão
dos eleitores compreendendo um amplo conjunto de variáveis. Nesse sentido,
atentando para a complexidade do processo, abordaremos sua parte visível,
sobretudo a campanha eleitoral, a propaganda, as alianças e coligações e os
resultados eleitorais. Do ponto de vista metodológico, recorremos sistematicamente à
cobertura da imprensa escrita, local e nacional, da televisão, às pesquisas de intenção
de voto e aos dados dos tribunais eleitorais. Atentamos, sobretudo, para o jogo
estratégico das forças políticas estaduais, articuladas às forças nacionais e às
implicações desse jogo para o desempenho do sistema democrático representativo.
ANTECEDENTES
As eleições de 2006 para o governo do estado marcam um ponto de inflexão
na história política recente do Rio Grande do Norte. A governadora Wilma de Faria, do
Partido Socialista Brasileiro (PSB), reeleita para exercer um novo mandato, faz uma
campanha em condições bem distintas das do pleito anterior (2002), enfrentando
diretamente as duas principais forças políticas do cenário estadual nas últimas
décadas. Aparentemente, ela consolida algo que tem sido objeto de especulação na
mídia local e nos meios acadêmicos: a “terceira força” política no panorama do estado.
Parece estranho que isso tenha acontecido através de um ator político gestado
nas entranhas do regime autoritário e que se serviu largamente dos recursos do
clientelismo e da patronagem, impondo um estilo de liderança pautado no
personalismo (Spinelli, 2006; Evangelista, 2006; Oliveira, 2005).
Recorde-se que a atual governadora inicia sua carreira política na gestão do
ex-marido, governador Lavoisier Maia Sobrinho (1979-1982), desenvolvendo
atividades assistenciais na condição de primeira dama do estado. Em seguida,
assume o cargo de Secretária Estadual de Ação Social no governo do primo, José
Agripino Maia (1983-1986). É nesse momento, precisamente em 1985, que concorre
pela primeira vez a um cargo eletivo, disputando a Prefeitura de Natal contra Garibaldi
Alves Filho, para quem perde.
Em 1986 é eleita para a Câmara Federal, na legenda do Partido Democrático
Social (PDS). Sua atuação na Constituinte surpreende, por revelar grande afinidade
com as posições defendidas por partidos de esquerda, recebendo avaliação positiva
do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP)1. Transfere-se para o
Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 1988 e concorre à prefeitura de Natal pela
segunda vez, derrotando o candidato do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), deputado federal Henrique Eduardo Alves.
Desde então consolida sua liderança política na capital do estado, elegendo
seu sucessor, Aldo Tinôco (PSB), em 1992, com o qual veio a romper logo depois.
Filiada ao PSB desde o final do seu primeiro mandato na prefeitura de Natal (19891992), consegue se eleger para o mesmo cargo em 1996 e em 2000, em disputa
contra o Partido dos Trabalhadores (PT). Sempre em aliança com um dos dois grupos
dominantes da política estadual, o Partido da Frente Liberal (PFL), do senador José
Agripino Maia, ou o PMDB, do senador Garibaldi Alves Filho. Em sua primeira
tentativa de vôo solo no plano estadual, em 1994, concorreu ao Governo do Estado,
obtendo votação pífia e saindo politicamente desgastada2.
A recuperação veio em 1996, quando concorreu à Prefeitura de Natal pela
terceira vez, travando uma disputa acirrada com a deputada estadual Fátima Bezerra,
do PT. Wilma de Faria venceu a eleição no segundo turno, beneficiada pela indecisão
dos petistas em aceitar o apoio oferecido pelo PMDB.
A partir de sua segunda gestão na prefeitura (1997-2000), Wilma de Faria
rompeu sua aliança tradicional com o PFL e fez uma parceria político-administrativa
com o governador Garibaldi Alves Filho, do PMDB. Essa parceria rendeu obras
conjuntas de grande impacto, como a construção do Viaduto do Quarto Centenário, a
urbanização da Praia de Ponta Negra e saneamento básico em vários bairros da
capital3.
Candidata à reeleição em 2000, ela indicou para vice em sua chapa o deputado
estadual Carlos Eduardo Alves (então no PMDB), primo do governador, de quem era
secretário de Interior, Justiça e Cidadania.
Dessa vez, Wilma de Faria venceu a eleição logo no primeiro turno, derrotando
novamente a deputada estadual Fátima Bezerra. Por outro lado, o governador
Garibaldi Alves Filho fazia um governo com índices muito altos de aprovação popular.
Lançando mão de recursos resultantes do processo de privatização da Companhia de
Serviços Elétricos do RN (COSERN), investe num vasto e inédito programa de
canalização de água potável nas regiões semi-áridas do interior do estado, o
Programa das Adutoras. Dinamiza o Programa do Leite, que atinge populações
1
Fundado em 19/12/1983, é constituído por sindicados, centrais, federações, confederações e
associações trabalhistas para atuar junto aos poderes constituídos, especialmente o Congresso Nacional,
em defesa dos interesses dos trabalhadores.
2
Wilma, que, segundo pesquisas, havia deixado a prefeitura com 92% de aprovação popular, fica em 4º e
último lugar na disputa, sufragada por 35.591 eleitores, correspondentes a 3,8% dos votos válidos.
Segundo Oliveira (2005, p. 154, nota 67), a derrota de Faria deveu-se à falta de “apoio financeiro do
grupo político que sempre lhe deu sustentação (PDS/PFL) e da „máquina do Estado‟”.
3
O acordo entre o PSB de Wilma de Faria e a Unidade Popular (PMDB, PPB e outros partidos menores)
do então governador Garibaldi Alves Filho, ocorre em 1999. A UP apoiaria a reeleição de Wilma e
indicaria o vice; em troca, Wilma apoiaria Henrique Alves para o governo do estado e Garibaldi Alves para
o Senado em 2002.
2
castigadas por carências nutricionais e estimula a pequena pecuária e atividades
industriais de beneficiamento do leite4.
O PMDB, cuja liderança sempre esteve firmemente nas mãos do clã Alves,
pretendia dar solidez a suas pretensões de continuar, pela terceira vez consecutiva, no
comando político do estado. O deputado federal Henrique Eduardo Alves, filho do
patriarca Aluísio Alves, é indicado para concorrer à sucessão do governador Garibaldi
Alves Filho. Com a popularidade do governador em alta, o apoio da prefeita da capital
e da maior parte das lideranças do interior, além de fortes bancadas na Assembléia
Estadual e no Congresso Nacional, o projeto parecia consistente.
Entretanto, fissuras no interior da coalizão dominante, ocasionadas pela
dificuldade em acomodar tantos interesses de lideranças em busca de um lugar ao sol,
e a inesperada implosão da candidatura governamental de Henrique Alves,
começavam a deitar por terra o sonho de continuidade (V. Lacerda e Oliveira, 2006).
Nessa conjuntura, Wilma de Faria rompe a aliança com o PMDB e lança sua
própria candidatura ao Governo do Estado. Vista inicialmente como outsider, ela
obtém votação para ir ao segundo turno contra o governador Fernando Freire5 (PPB),
deixando atrás de si o senador Fernando Bezerra, do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), que despontava como favorito no início da campanha.
Em vista da aliança nacional PT-PSB, em 2002, a candidata recebeu o apoio
do candidato Luís Inácio Lula da Silva no segundo turno, deixando o PT local em
posição desconfortável. Além disso, conquista o apoio dos senadores José Agripino
Maia (PFL) e Fernando Bezerra (PTB), elegendo-se com uma boa margem de votos.
Depois das eleições municipais de 2004, em que o prefeito Carlos Eduardo é reeleito
no segundo turno com o apoio do PT, a aliança desse partido com o PSB se
consolida. O médico Ruy Pereira, candidato petista ao governo, derrotado em 2002, é
indicado para a Secretaria de Saúde do estado, enquanto a economista Virgínia
Ferreira, vinculada ao DIEESE6, assume a Secretaria de Planejamento da prefeitura
da capital.
Nas eleições municipais de 2004 (Spinelli, 2005), a governadora, em mais um
lance arrojado, rompe novamente sua aliança com o senador José Agripino, que
pretendia indicar seu filho, Felipe Maia, como vice na chapa à reeleição do prefeito
Carlos Eduardo Alves. A governadora prefere indicar a empresária e jornalista Micarla
de Sousa, proprietária do SBT local, para companheira de chapa do prefeito. Carlos
Eduardo Alves, cuja candidatura é fortemente apadrinhada por Wilma de Faria,
enfrenta o deputado estadual Luís Almir (PSDB), apoiado pelos ex-governadores
Geraldo Melo (PSDB), José Agripino Maia (PFL), Garibaldi Alves e Aluísio Alves
(PMDB), e vence a eleição, confirmando a liderança da governadora.
AS ALIANÇAS E A (IN)DEFINIÇÃO DAS CANDIDATURAS
Todavia, durante o ano de 2005 a imprensa, mais especificamente o jornal
Tribuna do Norte, de propriedade da família Alves, divulga uma série de pesquisas que
4
Há um viés neoliberal embutido na privatização da COSERN, inspirada no programa de privatizações do
governo F. H. Cardoso. Para observadores da cena política estadual, os recursos da privatização foram
decisivos na reeleição do governador, em 1998. O Programa do Leite, tanto no governo Garibaldi como
no governo Wilma, é, de tempos em tempos, alvo de denúncias de irregularidades e de má utilização de
recursos e beneficiamento às grandes usinas de processamento do leite em detrimento dos pequenos
produtores. V. Diário de Natal, 01 maio 2008, Roda Viva, p. 2.
5
Vice que assumiu o lugar de Garibaldi, que havia renunciado para concorrer a uma vaga para o Senado.
6
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos.
3
demonstrariam a fragilidade das pretensões da governadora à reeleição. Em tais
pesquisas o senador Garibaldi Alves Filho despontaria na liderança, enquanto a
governadora geralmente figura na terceira posição, atrás do senador José Agripino
Maia7.
Nenhuma dessas pesquisas tem registro no TRE (não havia obrigatoriedade
legal). Em algumas não se aponta o instituto responsável. Tampouco é apresentada a
metodologia das mesmas. A divulgação de tais pesquisas pelo jornal oposicionista era
parte de uma estratégia eleitoral em favor da candidatura de Garibaldi Filho.
De uma forma ou de outra, é possível que essas pesquisas retratassem
tendências reais do eleitorado naquele momento. E o fato é que existiram indícios de
que Wilma de Faria considerou a possibilidade de desistir da tentativa de se reeleger,
candidatando-se ao Senado.
Ainda no curso do ano de 2005, o mesmo jornal divulga matérias e entrevistas
sugerindo que no campo governista se estaria cogitando uma candidatura alternativa
ao governo, provavelmente a do deputado estadual Robinson Faria, presidente da
Assembléia Legislativa. Nessa hipótese, a governadora renunciaria oito meses antes
do final do mandato para disputar a vaga do Senado, o vice-governador também
renunciaria, recebendo apoio para disputar a Câmara Federal e abrindo espaço para
que o presidente da Assembléia assumisse o governo e disputasse a reeleição em
condições favoráveis.
Porém, a recusa do vice-governador e a cautela do deputado Robinson Faria
inviabilizaram essa hipótese. Os setores fiéis à governadora rejeitaram tais
especulações e reiteraram a firme disposição do grupo em apoiar a candidatura de
Wilma de Faria à reeleição. O fato é que tais alternativas foram efetivamente
consideradas, mas abandonadas, seja pela dificuldade em acomodar interesses das
várias facções presentes na coalizão governamental, seja porque não se encontrou
um candidato disponível, ou porque se levasse em conta que o cenário eleitoral não
estava ainda definido8.
Além de tentar demonstrar que as pretensões da governadora à reeleição não
encontravam apoio no sentimento do eleitorado, a oposição abria uma frente crítica
respaldada na avaliação de fracasso administrativo da gestão wilmista, apesar do
suposto apoio do governo federal.
Nessa frente procurava-se demonstrar incapacidade gerencial e incompetência
na área da articulação política. A governadora não havia pensado em alternativas para
o caso da perda da refinaria. Fora incapaz de unir as classes política e empresarial em
torno dos interesses maiores do estado para exigir do presidente da República e da
Petrobrás compensações, como a projetada instalação de uma planta de querosene
de aviação.
Essas supostas deficiências estariam freando o desenvolvimento do estado,
colocando-o à margem dos investimentos bancados ou articulados pelo governo
federal.
Comparava-se Wilma e Garibaldi: enquanto este construiu as adutoras, a única
grande obra de Wilma em andamento, a ponte Forte-Redinha, na capital, sofria
7
Para um exemplo, vejam-se as edições da Tribuna do Norte dos dias 30/03/2005 e 21/07/2005.
Vide Tribuna do Norte, “Robinson é sondado para o governo”, 13/08/2005. “Estou preparado para o
governo” e “PSB quer a reeleição, diz Porpino”, 16/08/2005. “Betinho diz que reeleição de Wilma tem
„baixa aceitação‟”, 18/08/2005.
8
4
atrasos constantes e corria-se o risco de não vê-la concluída até o final do mandato.
Para completar, a perda da refinaria expunha a situação de um governo que carecia,
na linguagem dos políticos e da mídia local, de “obras estruturantes”, ou seja, de obras
que ampliassem a infra-estrutura econômica e social e fossem visíveis, físicas,
apontando os rumos do desenvolvimento. Isso, na perspectiva da oposição e de parte
da imprensa, desqualificava Wilma de Faria, demonstrava sua “incompetência”9.
Não é outro o significado da seguinte fala do candidato a vice-governador na
chapa do senador Garibaldi Alves Filho:
O candidato a vice-governador, Ney Lopes (PFL), lamentou as perdas
que o RN sofreu nos últimos anos, listando a refinaria de petróleo, o
terminal de pesca e a Transnordestina, destacando a ameaça sobre a
Termoaçu, já que o governo vem permitindo que o gás natural
produzido em território potiguar seja levado para estados vizinhos.
“Vou estar à disposição de Garibaldi para recuperarmos o tempo
perdido. Vamos ganhar a parada no primeiro turno”, disse. (Tribuna
do Norte, 27 jun 2006, “PMDB oficializa candidatura de Garibaldi”).
Deve-se entender o discurso oposicionista de que Wilma de Faria foi incapaz
de realizar “obras estruturantes”10 como uma tentativa de desconstruir a imagem
veiculada pela governadora, desde os seus tempos de prefeita, de mulher “que
trabalha”. Essa imagem foi edificada por uma cuidadosa operação de marketing, que
apontava Faria como uma mulher que tocava obras, e foi massivamente difundida,
sobretudo na televisão, através da linguagem visual, sob a forma de clipes inspirados
em performances de artistas multimidiáticos.
As especulações a respeito da possível desistência da governadora em se
candidatar à reeleição continuaram a freqüentar as colunas dos jornais durante todo
ano de 2005. Por sua vez, esse era um momento em que o senador Garibaldi Alves
Filho gozava de ampla visibilidade nacional na condição de relator da CPI dos Bingos,
apelidada pela mídia de “CPI do Fim do Mundo”. No âmbito da comissão havia a
disposição em explorar qualquer insinuação que representasse desgaste para o
governo Lula, mesmo fugindo ao texto da Constituição, que manda a CPI investigar
“fato determinado”.
Enquanto, na mídia local, o senador Garibaldi era apresentado como
“governador em férias”, Wilma de Faria enfrentava ameaças de deserções entre seus
aliados e se via alvo de forte campanha oposicionista na Assembléia Estadual e de
investigação do seu governo pelo Ministério Público Estadual, destacando-se o
chamado “escândalo do foliaduto”.
A governadora, não obstante, consegue realinhar suas forças, indica como vice
um deputado federal de seu partido, Iberê Ferreira de Souza, um parlamentar de
grande penetração eleitoral, que será o coordenador de sua campanha; e para o
Senado, o senador Fernando Bezerra, líder do governo Lula no Congresso e exministro da Integração Nacional. Também forma uma chapa forte para a Câmara
Federal e a Assembléia Legislativa,
9
Dizia-se que, embora o RN tivesse todas as condições técnicas para sediar a refinaria (era um dos
maiores produtores de petróleo do país e o maior produtor em terra), a decisão do Governo Federal e da
Petrobrás teria sido política, por ser Pernambuco o estado de origem do presidente Lula.
10
O editorial do órgão associado, no dia seguinte ao do segundo turno, afirma: “(...) é preciso neste
momento se ater, sim, aos grandes projetos como o aeroporto de cargas de São Gonçalo, a esperada
ampliação do Porto de Natal, a instalação de um pólo gás-químico em Guamaré, entre outros. O RN
precisa dar o salto que os vizinhos, na frente, já estão dando”. EDITORIAL. Diário de Natal, 30 out 2006,
p. 2.
5
À medida em que o calendário eleitoral avança, desponta uma inesperada
aliança entre os senadores Garibaldi Filho e José Agripino, que parecia sepultar
definitivamente o intento da governadora em se reeleger. Essa aliança, que enfrenta
dificuldades iniciais nas “bases” dos respectivos senadores, evolui para a formação de
um “chapão”, com o PMDB indicando Garibaldi para a cabeça e o PFL indicando o
candidato a vice, o deputado federal Ney Lopes de Souza11. Também do PFL é a
candidata ao Senado, a ex-prefeita de Mossoró (segundo maior colégio eleitoral do
estado), Rosalba Ciarlini Rosado, pertencente ao terceiro clã político mais poderoso
do Rio Grande do Norte, a família Rosado. A coligação formal reunia o PMDB, o PFL,
o PP e o PTN, entretanto o PDT e o PP, apesar de impedidos pela regra da
verticalização, deram seu aval e apoiaram informalmente a chapa oposicionista12.
Por sua vez, o senador Agripino, renunciando à sua intenção de se candidatar
ao governo estadual, empenha-se em viabilizar sua presença na chapa nacional do
PSDB como vice de Geraldo Alckmin, pretensão que ele disputa com o senador José
Jorge, do PFL de Pernambuco, que é, afinal, o escolhido.
Desaparecem assim a antiga Unidade Popular, de Garibaldi, e a Vontade do
Povo, de Agripino, para dar lugar à coligação Vontade Popular, que irá disputar com a
Vitória do Povo, de Wilma de Faria. Para tornar possível esse acordo, Garibaldi perde
um importante aliado, o ex-senador e ex-governador Geraldo Melo, candidato do
PSDB ao Senado.
COLIGAÇÕES QUE CONCORREM ÀS ELEIÇÕES DE 2006/RN13
NOME
COLIGAÇÃO
Vitória do Povo
DA CANDIDATO
GOVERNO
Wilma de Faria
AO
PARTIDOS
PSB/PT/PMN/PCdoB/PPS/PHS/PL/
PT do B/PTB
PMDB/PFL/PP/PTN
PSOL/PSTU
Vontade Popular
Garibaldi Alves
Frente de Esquerda Sandro Pimentel
Potiguar
CORRIDA DE CAVALOS: AS PESQUISAS DE INTENÇÕES DE VOTO
Especulava-se muito em todos os campos partidários e os estados-maiores
dos candidatos avaliavam cuidadosamente as possibilidades. As pesquisas sobre
intenções de voto para o governo do estado, realizadas no início do ano de 2006,
apontavam expressiva vantagem de Garibaldi Alves sobre a governadora.
Assim, o Instituto Certus, de Natal, em pesquisa realizada entre 10 e 15 de
janeiro, encontrava 53,5% de intenções de voto para Garibaldi Alves contra 34,4%
para Wilma de Faria. Na pesquisa de 25 a 28 de maio, o Certus revelava que Garibaldi
ampliava sua dianteira com 56,6% contra 32,9% de Wilma. Na pesquisa realizada nos
dias de 08 a 11 de julho, o Certus mostrava recuo de 7,4 pontos da liderança de
11
“PMDB oficializa candidatura Garibaldi”. Tribuna do Norte, 27 jun 2006. A convenção realizou-se no dia
25 de junho.
12
Cf. MARCELINO, Iranilton. Diário de Natal, Observatório DN, 24 jun 2006, p. 3.
13
Os outros candidatos são: José Geraldo Forte dos Santos Fernandes, do Partido Social Liberal (PSL),
Humberto Maurício da Silva, do Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Antonio José Bezerra, do Partido
Comunista Brasileiro (PCB). O Partido Liberal (PL), que participa da coligação Vitória do Povo, funde-se
com o PRONA em 26/10/2006, passando a chamar-se Partido da República (PR).
6
Garibaldi, que era indicado por 49,2% dos entrevistados contra 32,6% para a
governadora. Em pesquisa realizada às vésperas da eleição, entre 28 e 29 de
setembro, o Certus indica uma situação de empate técnico entre os dois candidatos,
bastante próxima do resultado real no primeiro turno: 49% para a governadora contra
48,4% para o senador.
Em pesquisa registrada no TRE no dia 11 de junho o Instituto Perfil, local,
atribuía 45,8% de intenções de voto a Garibaldi contra 32,3% atribuídos a Wilma. No
dia 11 de julho nova pesquisa do Perfil atribuía a Garibaldi o mesmo percentual de
intenções, 45,8%, enquanto o de Wilma caía para 31,8%. Apenas em agosto o Perfil
encontrava uma queda significativa na vantagem de Garibaldi, com 41,5% de
intenções contra 33,7% de sua adversária. Na pesquisa do dia 29 de agosto a
vantagem de Garibaldi oscilava um pouco para cima, dentro da margem de erro, com
42,6% de intenções de voto a seu favor e 34,2% para Wilma. Mas, na pesquisa do dia
12 de setembro o Perfil apontava empate técnico entre os dois candidatos, com ligeira
vantagem para Garibaldi, que pontuava 41,5% de intenções de voto contra 40,9% de
Wilma.
O Instituto Consult, de Natal, em sua primeira pesquisa, no mês de março,
registrou 46,6% de intenções de voto para o senador, contra 37,5% para a
governadora14. Por ocasião dessa pesquisa ainda não havia sido formalizada a
coligação PMDB/PFL. Na segunda pesquisa, de 10 a 13 de junho, já depois dessa
formalização, o Consult constata crescimento na vantagem de Garibaldi, que pontua
48% versus 35,1% de Wilma. Um mês depois, pesquisa de 14 a 17 de julho, o Consult
indicava redução na vantagem de Garibaldi, que recuava para 43,2% contra 32,1% de
Wilma. Ainda nos dias 28 a 31 de julho indicava que Wilma se aproximava do seu
adversário: o peemedebista tinha 43,1% das intenções contra 36,3% da pessebista.
De 11 a 14 de agosto nova pesquisa Consult encontrava 41,3% de intenções de voto
para Garibaldi contra 37,5% para Wilma. Em pesquisa de 25 a 27 de agosto, Wilma se
aproximava de Garibaldi que detinha 42,9% de intenções contra 39,1% da
governadora. Durante o mês de setembro o Consult realiza mais três pesquisas de
intenções de voto, que revelam uma trajetória de virtual empate técnico, culminando
com a viragem da governadora na pesquisa de 27 a 28 de setembro: Garibaldi tem
42,1% de intenções de voto contra 48% da governadora15.
O Instituto Databrain realiza sua primeira pesquisa de intenções de voto no Rio
Grande do Norte entre 27 e 29 de agosto apontando 40,5% para Garibaldi contra
41,6% de Wilma, portanto, empate técnico. Essa situação de empate técnico persiste
em todas as pesquisas realizadas pelo Databrain. Assim, entre 2 e 4 de setembro o
Databrain indica 42,2% para Garibaldi e 42,9% para Wilma. De 9 a 11 de setembro
Garibaldi tem 42,0% de intenções, enquanto Wilma tem 43,2%. E de 24 a 29 de
setembro Garibaldi atinge 44,0% contra 45,2% da concorrente.
O Instituto Vox Populi, em pesquisa realizada de 9 a 11 de setembro, encontra
41% de intenções de voto para Garibaldi e 42% para Wilma, situação de virtual
empate técnico.
O Instituto Sensus, em pesquisa dos dias 19 a 21 de setembro aponta 35,8%
para Garibaldi e 49,6% para Wilma. Na simulação para o segundo turno, o Sensus
aponta vitória de Wilma, com 50,8% das intenções de voto contra apenas 38,3% para
Garibaldi. A pesquisa Sensus foi realizada logo após a vinda de Lula a Natal para
14
Diário de Natal, 18 jun 2006, Vantagem do senador chega perto dos 13 pontos, mas crescimento foi
pequeno depois da aliança com PFL, p. 3.
15
Na pesquisa de 15 a 17 de setembro o Consult aponta 42,7% para Garibaldi e 43% para Wilma. Na de
25 a 26 de setembro, Garibaldi tem 41,7% e Wilma 43%.
7
participar de comício de apoio a Wilma. Essa pesquisa provocou reações indignadas
dos adversários. O assessor de imprensa do senador Garibaldi Alves disse: “Sem
comentários, porque não queremos legitimar a maior mentira já divulgada nesta
campanha”16. Pesquisas feitas por outros institutos divergiam da pesquisa Sensus, e
apontavam virtual empate técnico entre os candidatos. Desses, apenas o Instituto
Consult, local, apontaria vitória de Wilma no primeiro turno, com uma vantagem de 6
pontos percentuais, mesmo assim bem abaixo da vantagem de 14 pontos atribuída
pelo Sensus.
O Ibope realiza três pesquisas de intenções de voto no Rio Grande do Norte
durante o primeiro turno. Na primeira pesquisa, de 20 a 22 de agosto, a vantagem é
nitidamente de Garibaldi, que é indicado por 49% dos entrevistados contra 41% de
indicações para Wilma17. Na segunda pesquisa, de 12 a 14 de setembro, a vantagem
do candidato oposicionista cai de 8 para 4 pontos: enquanto Garibaldi pontua 46%,
Wilma tem 42%. O Diário de Natal comenta que esse resultado não permite “saber se
haverá segundo turno na eleição” e que, na disputa para o Senado, em vinte dias,
“Fernando Bezerra disparou na frente”.
Na terceira pesquisa, de 28 a 30 de setembro, às vésperas do pleito, Garibaldi
e Wilma ficam literalmente empatados: 45% de intenções de voto para ambos. Nessas
pesquisas o Ibope também faz simulações para o segundo turno, em que o candidato
oposicionista sai de uma vantagem de 9 pontos (51% a 42%), que diminui para 51% a
44% e perde por um ponto de diferença na última pesquisa: 47% a 48% (empate
técnico).
Essas pesquisas, acompanhadas atentamente pela mídia
coordenações de campanha dos candidatos, suscitam variadas reações.
e
pelas
O balanço das pesquisas de intenções de voto realizadas pelos vários
institutos, locais e nacionais, revelam que até o mês de junho o senador oposicionista
registra larga vantagem sobre a governadora. Só a partir de julho observa-se que a
governadora consegue deter o crescimento da candidatura do seu adversário,
reduzindo a diferença que os separa. Porém, ainda é grande o favoritismo do senador.
É assim que o Certus aponta uma queda na liderança do senador, que na
pesquisa de 8 a 11 de julho obtém vantagem de 16,6% sobre a governadora (na
pesquisa anterior havia sido de 23,7%). O Consult confirma a mesma tendência na
pesquisa de 28 a 31 de julho, registrando vantagem da ordem de 6,8% para Garibaldi
(na pesquisa anterior havia sido de 11,1%).
O Instituto Perfil vai captar essa tendência só na pesquisa de 3 de agosto, que
aponta 7,8% de vantagem para o senador (na pesquisa anterior, em 11 de julho, havia
sido de 14,0%). No final de agosto nova pesquisa Perfil mostra uma oscilação para
cima da vantagem do senador, dentro da margem de erro, 8,4%. Mas, na única
pesquisa de setembro, dia 12, o Perfil registra a virada da governadora, 0,6%, embora
configurando um empate técnico.
Nas duas pesquisas que faz no mês de agosto, o Consult continua a observar
uma aproximação entre as intenções de voto para os dois candidatos: a vantagem do
senador recua para 3,8% em ambas as pesquisas. Na primeira pesquisa de setembro
(9 a 11) essa vantagem, de 1,9%, já configura um empate técnico entre os dois
16
Diário de Natal, 26 set 2006, “Wilma festeja, Garibaldi reage: „mentira‟”, p. 3.
Nessa pesquisa se apura a rejeição aos candidatos, que é da ordem de 27% para Wilma e de 19%
para Garibaldi. Entre os eleitores com renda familiar de até um salário mínimo Garibaldi tem 14 pontos de
vantagem sobre a governadora.
17
8
candidatos, dada a margem de erro. Na pesquisa de 15 a 17 de setembro a
governadora, segundo o Consult, dá a virada, marcando uma vantagem sobre o
adversário de 0,3%, que chega a 5,9% na última pesquisa, de 27 a 28 de setembro,
praticamente nas vésperas da eleição.
O Databrain, que realiza três pesquisas de intenções de voto no Rio Grande do
Norte, no primeiro turno, iniciando em agosto, também aponta situação de virtual
empate técnico, com ligeira vantagem para a governadora. É o caso, também, do Vox
Populi, em sua única pesquisa, de setembro, revelando empate técnico entre os dois
candidatos, com vantagem de um ponto para a governadora. O Ibope aponta as
mesmas tendências: em sua primeira pesquisa, de agosto, a vantagem do senador é
de oito pontos; cai para quatro pontos em meados de setembro e chega ao empate
literal no final do mês, poucos dias antes da eleição.
No entanto, dois institutos apontam, no final de setembro, vantagem
significativa para a governadora: o Sensus, que aponta vantagem de 13,8% da
governadora sobre o senador na pesquisa de 19 a 21 de setembro; e o Consult, que
aponta vantagem de 5,9% da governadora, na pesquisa de 27 a 28 de setembro.
Dessa forma, praticamente todos os institutos revelam que o senador Garibaldi
Filho sai de uma confortável posição de liderança nas pesquisas do início de 2006
para chegar às vésperas da eleição em situação de virtual empate técnico, na maioria
dos levantamentos feitos pelos institutos, ou de desvantagem, no caso de alguns. É,
porém, um instituto local, o Certus, o que mais se aproxima, em sua última pesquisa,
do resultado da eleição no primeiro turno, apontando 49% de intenções de voto para a
governadora e 48,4% para o senador.
Como se soube logo em seguida, a decisão foi jogada para o segundo turno,
pois nenhum candidato alcançou o patamar de 50% mais um dos votos válidos.
Enquanto Wilma de Faria perfaz 49,57% dos votos válidos, Garibaldi Alves pontua
48,6%, conforme se vê no quadro abaixo.
Quadro I
Votação de candidatos ao governo do Rio Grande do Norte - Eleições 2006
1° Turno
N°/ Candidato
Partido/ Coligação Votos
% VV
Situação
40- WILMA MARIA DE PSB/ PC do B/ 764.016 49,57
2º turno
FARIA
PHS/ PL/ PMN/
PPS/ PT/ PT do B/
PTB
15- GARIBALDI ALVES PMDB/PFL/
PP/ 749.003 48,6
2º turno
FILHO
PTN
50SANDRO
DE PSOL/ PSTU
14.172
0,92
Não eleito
OLIVEIRA PIMENTEL
17- JOSÉ GERALDO PSL
5.907
0,38
Não eleito
FORTE DOS SANTOS
FERNANDES
36HUMBERTO PTC
5.582
0,36
Não eleito
MAURICIO DA SILVA
21-ANTONIO
JOSÉ PCB
2.470
0,16
Não eleito
BEZERRA
Fonte: TRE-RN/ 2007
9
Quadro II
Dados gerais do 1° turno- 2006
Total de eleitores aptos a votar
2.101.144
Votos válidos:
1.541.150
Votos em branco:
56.656
Votos nulos:
192.106
Seções totalizadas:
6.224
Comparecimento:
1.789.912
Abstenção:
311.232
Fonte: TRE-RN/ 2007
-----------(86,10%)
(3,17%)
(10,73%)
(100,00%)
(85,19%)
(14,81%)
OS CANDIDATOS E PRINCIPAIS LIDERANÇAS
Os três grandes protagonistas da eleição governamental de 2006 eram as
figuras dominantes do cenário político estadual desde o início dos anos 70. Todos os
três foram prefeitos da capital e governadores do estado. Todos os três eram
membros de tradicionais clãs políticos, com raízes que remontavam ao período da
Primeira República ou aos anos 3018.
Enquanto os senadores Agripino e Garibaldi lideram partidos políticos
conservadores, a governadora Wilma de Faria ocupa uma legenda que, no âmbito
nacional, se define formalmente como de esquerda. Nesse aspecto, o importante é ter
ao dispor uma máquina política19 de apelo popular, ou que possa agregar cabos
eleitorais pela oferta de recompensas, fugindo ao congestionamento das agremiações
tradicionais.
Para além de quaisquer outras diferenças, o que cimenta a identidade entre as
principais lideranças políticas do estado é a busca de mecanismos políticos para
dinamizar o setor empresarial, incentivar os investimentos, o crescimento econômico,
a geração de empregos e a adoção de políticas sociais para atender demandas do
setor popular. Isso não significa que haja um conjunto coerente de propostas nessa
direção acerca das quais todos concordem. Nem que haja identidade ideológica em
todos os pontos. Longe disso20.
Uns são mais conservadores e se situam mais à direita, outros menos rígidos
ideologicamente, ainda outros admitem um vago diálogo com o campo da esquerda.
Isso, contudo, é insuficiente para caracterizar o parentesco ideológico dos mesmos. É
18
O senhor Nezinho Alves, pai dos irmãos Alves (Aluízio, Garibaldi (pai), José Gobat, Agnelo, Expedito,
todos eles políticos militantes, ocupantes de cargos públicos) foi prefeito revolucionário no município de
Angicos, na região da seca, no início dos anos 30; os Maia são uma tradicional família do Rio Grande do
Norte e da Paraíba; João Agripino, irmão de Tarcísio Maia, governou esse último Estado; têm parentesco
com os Mariz, da região do Seridó e com os Rosado; Wilma de Faria tem parentesco com os exgovernadores Juvenal Lamartine de Faria (1928-30) e Dinarte Mariz (1955-60); etc., etc.
19
“(...) James Wilson define máquina política como a organização partidária que se baseia no poder de
atração das recompensas materiais” (Diniz, 1982, p. 27).
20
Turismo, fruticultura irrigada, criatório industrial de camarões, ao lado da produção de sal e petróleo,
são as atividades econômicas mais rentáveis do estado. Porém, o sal, o petróleo e os recursos minerais
que o estado possui não têm sido explorados de modo a gerar atividades cm densidade de capital e
capacidade de dinamizar outros setores, alavancando o crescimento e o emprego. Assim, projetos
longamente acalentados pela elite empresarial e a “classe política”, como a fábrica de barrilha (iniciada,
mas abortada), o pólo gás-sal e a refinaria de petróleo, têm sido frustrados. Atribui-se tal fracasso à
precária infra-estrutura, baixo dinamismo da acumulação interna de capital e fragilidade da classe política
local no âmbito do pacto federativo (Vide Fernandes, 2007).
10
preciso que se acrescente a identidade de práticas políticas das principais facções
dominantes ao longo das últimas décadas: suas ligações muito fortes com o setor
empresarial moderno do Rio Grande do Norte; a atitude patrimonialista no trato com a
coisa pública; a utilização da máquina pública como meio de favorecimento do grupo
familiar (nepotismo) e da facção mais próxima; a proximidade muito grande aos
setores tradicionais da sociedade e das cúpulas do Estado: lideranças políticas
tradicionais nos municípios; grandes fazendeiros e empresários; setores dirigentes da
magistratura, das forças armadas, do aparelho policial, do alto aparato burocrático.
As práticas políticas tradicionais terminam por identificar esses grupos políticos
também no terreno do trato com a coisa pública e na forma de conduzir a
administração pública. Nas campanhas políticas, quando estão em campos opostos, é
comum que façam acusações recíprocas, mas também aqui a identidade é muito
grande. Sem cair na nefasta atitude do denuncismo sistemático, é ilustrativo recorrer à
literatura, ao jornalismo e ao memorialismo para identificar comportamentos de nossas
elites políticas.
Assim, o senador Garibaldi Filho, ao ser eleito para a presidência do Senado
Federal, no final de 2007, foi brindado pelo jornal Folha de S. Paulo, de forma muito
precisa e contundente, com uma radiografia da trajetória política de sua família e de
suas duas gestões no Governo do Estado. O jornal paulista sublinha a marca do
nepotismo nas gestões Alves e faz referências às denúncias de corrupção e
abafamento de investigações que cercaram a administração do senador no executivo
estadual. Dessa forma, diz a Folha:
Os Alves hoje se ajudam principalmente quando o objetivo é abrir
espaço na mídia para um parente político. Eles detêm um dos dois
maiores jornais do estado, a Tribuna do Norte, entre quatro e 12
emissoras de rádio, ninguém sabe ao certo, e participação societária na
afiliada da Rede Globo em Natal. Embora poderosa politicamente, a
família não ostenta grandes propriedades rurais ou empresas. O pai do
senador diz não ter mais do que 400 cabeças de gado, um rebanho
médio para os caciques nordestinos. Garibaldi Filho costuma dizer que
não tem dinheiro nem para suas campanhas eleitorais.
E prossegue, mirando especificamente as duas administrações de Garibaldi
Filho:
Uma marca negativa de suas duas administrações no Rio Grande do
Norte (1995-2002) – além de ter enterrado duas CPIs e inúmeras
denúncias de irregularidades que envolvem secretários de Estado – é o
uso de cargos públicos para acomodar parentes e agregados.
Ao assumir o governo, em 1995, Garibaldi colocou o irmão, Paulo, na
secretaria de Trabalho e Ação Social (depois, na Casa Civil), o pai, na
presidência da Junta Comercial, o sobrinho, Sérgio, como oficial de
gabinete da Governadoria, a irmã, Maria Auxiliadora, na presidência de
uma fundação. A agência publicitária que venceu a licitação do governo,
a RAF, pertencia a um primo. Na segunda gestão, o governador
emplacou o irmão como conselheiro do Tribunal de Contas do estado.
Um conselheiro se aposentou "voluntariamente" e em troca foi
empossado secretário de Agricultura de Garibaldi. Hoje Paulo é o
presidente do TCE. Na quinta, o tribunal que tem a tarefa de julgar
contas dos administradores públicos concedeu moção de
congratulações a Garibaldi pela eleição no Senado. 21
21
VALENTE, Rubens. Nepotismo é marca da família de senador. Folha de S. Paulo, 16 dez 2007. Acesso
em 03 de abril de 2008. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1612200720.htm
11
Num dos subtítulos da matéria, o jornal ainda esclarece, aludindo aos epítetos
com os quais as duas famílias adversárias afagam uma à outra:
Apelidados de „bacurau‟ [Alves] por ocultarem nomeações de
apadrinhados, o clã se reveza com os „araras‟ [Maia] no governo do RN
desde os anos 6022.
O escritor François Silvestre de Alencar, em livro recentemente editado, no
qual narra os fatos da política estadual no último meio século, transcreve trecho de
carta do Procurador Francisco de Souza Nunes ao governador Garibaldi Alves Filho:
“Governador,
Ninguém melhor do que você sabe que em momento algum me fiz
parceiro das pretensões lobistas-financeiras do seu cunhado. Sabe
também, que todos os atos por mim praticados como procurador-geral
do Estado foram gisados e delimitados pela ordem política emanada de
você e do seu gabinete que tinha à frente o seu irmão. Não é difícil se
imaginar que o Governador tenha conhecimento da ascensão
patrimonial, desproporcional da realidade, de alguns dos seus auxiliares
mais imediatos” (In: Alencar, 2008, p. 117).
Alencar comenta que essa carta “é um libelo não respondido pelo Governador”.
E enumera outros escândalos que foram objeto de denúncia na época e explorados
pela imprensa e nas campanhas eleitorais: “Aí estão os casos Gusson, merenda
escolar, venda da Cosern” (Alencar, 2008, p. 136). Lembranças incômodas.
A governadora Wilma de Faria teve suas administrações à frente da Prefeitura
de Natal analisadas por Oliveira (2005) em sua tese de doutorado. Segundo a autora,
ao assumir a prefeitura, Faria
“deu continuidade ao estilo de governar praticado por José Agripino
Maia (...). Um estilo que se caracteriza até hoje por práticas autoritárias
e um discurso em defesa da participação popular e da cidadania,
sustentado por meio da relação com as lideranças e organizações
comunitárias, e com o povo em geral, baseada no vínculo pessoal com
o governante, no assistencialismo, através do atendimento às
demandas mais imediatas e na troca de favores com lideranças
comunitárias e com o legislativo”. (Oliveira, 2005, p. 154).
O governo Wilma de Faria foi, igualmente, alvo de inúmeras denúncias da
imprensa e do Ministério Público. Um dos mais célebres foi o escândalo conhecido
como “foliaduto”. O jornal Diário de Natal assim se manifesta a respeito desse caso:
“O escândalo do Foliaduto estourou em março de 2006, após o
Ministério Público descobrir que a Fundação José Augusto (FJA)
contratou e pagou bandas de axé e frevo para animar o carnaval do
mesmo ano, em municípios do interior com shows que na verdade
nunca foram realizados. (...) Os valores, segundo os promotores de
justiça, ultrapassam os R$ 2 milhões”. [Entre os denunciados constam o
irmão e chefe do Gabinete Civil da governadora, empresários, diretores
e funcionários da FJA]: “Em setembro do ano passado (...) os
promotores de justiça concluíram que o ex-chefe do Gabinete Civil se
utilizou do cargo para comandar o esquema de liberação de crédito
22
Idem, ibidem.
12
suplementar para a contratação fictícia de bandas e artistas para shows
que não ocorreram”23.
O senador José Agripino Maia era o líder do PFL24 no Senado da República,
em 2005, no momento em que os meios políticos e a mídia estadual intensificavam as
especulações em torno das candidaturas ao governo do Rio Grande do Norte nas
eleições que se realizariam em outubro de 2006. Com grande visibilidade nacional, a
ponto de ter seu nome cogitado para ser o vice de Geraldo Alckmin na eleição
presidencial, Agripino Maia era abandonado pelas “bases” em seu estado. A imprensa
o chamava “general sem tropa”.
Tendo iniciado sua vida política em 1978, como prefeito biônico de Natal,
Agripino elegeu-se governador em 1982, nas primeiras eleições diretas para o governo
estadual após a extinção dos partidos políticos oriundos do regime da Constituição de
1946. Elegeu-se senador em 1986, voltou ao governo do estado em 1990 e ao senado
em 1994 e 2002. Em 1998 concorreu ao governo do estado, sendo derrotado, pela
primeira vez em uma eleição, por Garibaldi Alves Filho, reeleito naquele ano.
Sua entrada na vida política, como prefeito nomeado, obedecia a uma
orientação das lideranças que promoviam a “descompressão” da ditadura militar com o
objetivo de renovar a elite política, particularmente no Nordeste, incorporando quadros
técnicos, sem histórico pessoal de militância político-partidária. Os novos tempos que
se aproximavam contemplavam eleições diretas para cargos executivos (exceção feita
da presidência da República, cujo titular seria ainda eleito indiretamente em 1985). Os
candidatos do partido criado pelos militares deveriam saber lidar com os movimentos
sociais urbanos que haviam florescido durante os anos 70, apesar da repressão
governamental.
Daí, o discurso da participação respaldado em políticas públicas para o meio
urbano, particularmente as regiões metropolitanas das capitais, que elegiam a
habitação popular como o principal problema a enfrentar. José Agripino,
“... um jovem engenheiro de 33 anos, era diretor de uma das grandes
empreiteiras do estado, o que lhe assegurava a simpatia e o apoio dos
novos grupos econômicos locais, ligados, sobretudo, à agroindústria
(fruticultura de exportação) e à indústria da construção civil” (Andrade,
1996, p. 126).
Apesar de ser um técnico ligado ao setor moderno da economia estadual,
Agripino pertencia a uma tradicional família política do interior do Nordeste, com
ramificações na Paraíba e Rio Grande do Norte. Seu pai, ex-governador Tarcísio Maia,
indicado pelos militares (1975-1979), fora secretário de educação no governo Dinarte
Mariz/UDN (1955-1960), deputado federal e ocupara cargos de confiança na
administração federal. Os vínculos com o coronelismo vinham de longe. Além do mais,
o patrocínio do próprio pai e do primo, governador Lavoisier Maia, foi decisivo para sua
estréia na política, recebendo o cargo de prefeito de mão beijada. Segundo Andrade
(ib.), era a marca do nepotismo desnudando o caráter conservador da proposta de
renovação política que o regime autoritário propunha.
23
Diário de Natal, 29 fev 2008, Caderno Cidades, p. 3. No momento da publicação dessa matéria a ação
penal estava travada por uma liminar concedida pelo STJ. Vide também Tribuna do Norte, “Foliaduto:
investigação está na fase conclusiva”, 24 jun 2006, entre outras matérias publicadas pela imprensa local.
24
O PFL troca de nome, passando a chamar-se de Democratas (DEM) a partir de 28 de março de 2007
(autorizado pelo TSE em 12 de junho de 2007). Trata-se de evidente apelo de marketing com o objetivo
de ressignificar a imagem conservadora do partido, uma autêntica esperteza marqueteira.
13
A revista Caros Amigos, em sua edição de abril de 2008, trás matéria de capa
em que faz o “retrato sem retoques” do senador José Agripino. Entre outras denúncias
aborda o chamado “escândalo do rabo-de-palha”, acontecido na campanha eleitoral
para a prefeitura de Natal, em 1985, quando José Agripino era governador. O relato
diz respeito a uma reunião com lideranças políticas do então PFL, em que o próprio
mandatário teria dito: “Não podemos deixar rabo-de-palha”.
“Caros Amigos reproduz aqui parte da conversa. Laudo do Instituto
Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, diz que a voz é do
governador.
José Agripino – Os pobres estão indecisos. É em cima desse povo que
vocês têm que atuar. Com uma feirazinha, com um enxoval, com umas
coisinhas.
Iberê Ferreira de Souza (secretário) – O povo mais pobre que não se
compromete, troca o voto por qualquer coisa. Botar o milho no bolso,
porque sem milho não funciona.
Álvaro Alberto (financiador) – O meu jogo é aberto. Se é preciso
comprar os títulos, vamos comprar. Tem que gastar dinheiro, tem que
chegar com o dinheiro.
..........................................................
[José Agripino] – Vamos indicar uma área para vocês trabalharem e
inclusive nas áreas modestas, de eleitores indecisos que são sensíveis
a uma conversa e a uma negociação, que será feita por nós ou por eles.
Democracia é isto!”25
O “rabo-de-palha” também é relatado pelo escritor François Silvestre
Alencar (anterior à matéria da revista):
“O Governador José Agripino reúne um grupo grande de prefeitos
interior do Estado e promove a mais escandalosa reunião política
história eleitoral do Rio Grande do Norte. Pôs todas as brejeiras
chinelo” (Alencar, 2008, p. 134-135).
de
do
da
no
Alencar continua:
“O certo é que o Governador conclamou os aliados a „fazerem
um fuzuê em Natal‟. Até aí, nada demais. Só o arranhão na compostura.
O grave foi a orientação. O Governador pediu para os prefeitos
„investirem‟ na eleição de Natal. Comprando votos. Isso mesmo. Um
enxovalzinho aqui, uma ajudazinha ali, um dinheirinho acolá. Com essa
linguagem. E a recomendação para que se fizesse de forma sutil e
inteligente para não „deixar rabo de palha‟. [sic] Foi escândalo nacional”
(Alencar, 2008, p. 135).
A CAMPANHA ELEITORAL E OS RESULTADOS PARA O SENADO E CARGOS
PROPORCIONAIS
Apesar de relativo desgaste nas chamadas “bases” partidárias (leia-se: os
chefes locais) e do rompimento com um aliado tradicional (Geraldo Melo), que muitos
vão qualificar como “traição”, a candidatura do senador Garibaldi parecia em marcha
batida para uma eleição tranqüila. O senador tinha grande carisma popular, fora
prefeito da capital, senador e governador por dois mandatos e nunca perdera uma
25
ARCOVERDE, Léo, Os rabos-de-palha de um filhote da ditadura. Caros Amigos, São Paulo, Ano XII, Nº
133, Abril 2008, p. 28-32.
14
eleição. Saiu do governo em 2002 com altos índices de aprovação e elegeu-se para o
Senado com grande votação. Nem as constantes denúncias que cercaram, sobretudo,
seu segundo governo, pareciam abalar essa popularidade. A imprensa o chamava
“governador das águas”, em alusão à construção de adutoras no interior do estado26,
ou “governador em férias”, como se sua eleição fossem favas contadas.
Enquanto isso, do lado da governadora, havia turbulências que pareciam
prenunciar uma derrota. A indicação do candidato ao Senado no interior da chapa
governista era alvo de controvérsias. Embora o nome mais cotado fosse o do senador
Fernando Bezerra (PTB), que almejava a reeleição, havia quem preferisse o exsenador Geraldo Melo, do PSDB, adversário do governo Lula.
Bezerra era um importante líder empresarial, dirigente da Federação das
Indústrias do estado por muitos anos e ex-presidente da Confederação Nacional da
Indústria. Ingressou na carreira política em 1998, na chapa da Unidade Popular,
disputando a única vaga para o Senado e saiu vitorioso. Foi ministro da Integração
Nacional e líder do governo Lula no Congresso Nacional. Mas, em 2002, não obtendo
o apoio do PMDB para concorrer ao Governo do Estado, rompeu sua aliança com os
Alves e lançou-se ao pleito, sendo derrotado no primeiro turno, por uma pequena
diferença para o segundo colocado (o governador Fernando Freire). Apoiou Wilma de
Faria na campanha do segundo turno.
Melo, nos anos 60, foi um integrante da equipe de jovens técnicos que
trabalharam na área de planejamento do governador Aluízio Alves. Posteriormente,
trabalhou na SUDENE e, em seguida, ingressou na atividade empresarial, adquirindo
uma usina de açúcar em Ceará-Mirim, que havia pertencido aos clãs familiares dos
Varela e Ribeiro Coutinho. Na vigência do Acordo da Paz Pública, que uniu os Maia e
os Alves na eleição de 1978, foi indicado para o cargo de vice-governador (biônico) na
gestão Lavoisier Maia (1979-1982). Em 1982 rompeu com os Maia e apoiou a
candidatura de Aluízio Alves ao governo do estado. Em 1986 elegeu-se governador
pelo PMDB e ao deixar o governo foi eleito para o Senado. Em seguida aderiu ao
PSDB, rompeu com os Alves, mas reconciliou-se depois e apoiou a reeleição de
Garibaldi Alves em 1998.
As bases da governadora aparentavam rebelião. O deputado Robinson Faria,
presidente da Assembléia Estadual, um importante aliado, apoderou-se do Partido da
Mobilização Nacional (PMN) e conseguiu adesões de deputados estaduais e
lideranças municipais. Faria revelou insuspeitada capacidade de aglutinar aliados, o
que talvez fosse resultado das incertezas que cercavam o futuro pleito e da luta por
espaço na coalizão governista. Um indício das pretensões do deputado eram as
especulações a respeito de sua possível candidatura a cargos diversos: Governo do
Estado, Câmara Federal, Senado27.
O vice-governador Antônio Jácome rompeu com Wilma de Faria e engajou-se
na campanha do seu adversário28. Em Mossoró a situação era muito adversa em
virtude da força da oposição liderada por Rosalba Ciarlini Rosado e de problemas para
acomodar os interesses da facção governista.
26
“(...) o „governador das águas‟ significava muito no imaginário da população do sertão” (Andrade, 2001,
p. 243).
27
Diz-se que o deputado controla mais dois outros partidos.
28
Antonio Jácome saiu do PSB e aderiu ao PMN, elegendo-se deputado estadual com 40.774 votos, na
9ª posição. Continuou formalmente na base governista, mas sob a liderança do deputado estadual
Robinson Faria.
15
As dificuldades da coalizão governista eram muito evidentes. Na disputa para a
Câmara Federal havia três candidatos muito ligados à governadora: seu ex-marido,
deputado federal Lavoisier Maia (PSB); seu ex-secretário, o empresário João Maia
(PL) e o presidente da Câmara de Vereadores de Natal, Rogério Marinho (PSB). Além
disso, havia especulações de que sua filha, a deputada estadual Márcia Maia (PSB),
também concorreria à Câmara.
Apesar disso, discretamente, a governadora vai superando as adversidades da
campanha. Um lance importante foi o da indicação do deputado federal Iberê Ferreira
de Souza para o lugar de vice em sua chapa. Dono de uma significativa clientela de
votos no interior do estado, que administrava com muito empenho, houve surpresa
com o seu nome, pois se sabia que teria reeleição garantida para a Câmara Federal.
Quanto ao Senado, a governadora afirma seu apoio ao nome de Fernando Bezerra
(PTB), mas não evita que elementos de sua coligação façam campanha para Geraldo
Melo (PSDB). Tal fato acabou favorecendo a eleição de Rosalba Ciarlini Rosado (PFL)
por pequena margem, apenas 11.131 votos a mais do que o seu adversário, num
universo de 1.461.772 votos válidos, de acordo com a apuração final do TSE, ou
44,1% contra 43,4% de Bezerra [645.869 X 634.738]. O terceiro colocado, Geraldo
Melo, pontuou 155.608 votos, correspondentes a 10,6% dos votos válidos.
Dentro do seu próprio grupo familiar, Wilma de Faria faz acomodações que
tranqüilizam os aliados: seu ex-marido, Lavoisier Maia, desiste de tentar um retorno à
Câmara Federal (até por estar com a saúde debilitada) e concorre ao cargo de
deputado estadual, enquanto sua filha, Márcia Maia, que poderia tentar a Câmara,
busca a reeleição para a Assembléia Legislativa.
Essas acomodações no grupo familiar da governadora, mas, principalmente, o
deslocamento do deputado federal Iberê Ferreira de Souza para o lugar de vice na
chapa governamental, abre espaço para que o deputado Robinson Faria lance o nome
do seu filho, Fábio Faria, à Câmara Federal e ele próprio pleiteie a recondução para o
legislativo estadual. Essa estratégia, ao que tudo indica, visa mantê-lo próximo das
“bases” para uma eventual candidatura ao governo do estado em 2010. Essa
operação de engenharia política foi importante para a governadora, pelo potencial de
votos e de recursos econômicos que canalizaria para sua candidatura.
Os resultados eleitorais confirmaram aquilo que as últimas pesquisas de
intenções de voto indicavam: um virtual empate técnico entre os dois principais
candidatos. A diferença entre Wilma de Faria e Garibaldi Alves Filho foi de 0,97%, ou
de 15.013 votos de maioria para a governadora. Não obstante, com 49,57% dos votos
válidos para Wilma de Faria, a disputa foi levada ao segundo turno29.
A alienação eleitoral (abstenções, nulos e brancos) foi elevada: 559.994 votos,
correspondendo a 26,9% do eleitorado.
No que diz respeito à eleição para a única vaga do Senado Federal, o resultado
surpreendeu: a ex-prefeita de Mossoró, que nunca havia disputado um cargo
majoritário em âmbito estadual, derrotou o senador Fernando Bezerra, que pleiteava a
reeleição, por uma diferença de 11.131 votos.
A eleição de Rosalba Ciarlini Rosado deixou as três vagas de senadores do
Rio Grande do Norte nas mãos da oposição à governadora e ao presidente Lula.
Todavia, alguns meses depois da eleição, com a aproximação entre o PMDB e o
29
PEREIRA, Rodrigo. O Estado de S. Paulo, No RN, alianças improváveis dão ligeira vantagem a Wilma.
Caderno Especial Eleições 2006, p. H21.
16
governo federal, o senador Garibaldi Alves Filho revê sua posição e adere à base do
governo no Senado.
A eleição para a Câmara Federal deixou um saldo bem mais positivo para a
situação dominante no estado: a base governista conquista cinco vagas das oito em
disputa. São dois deputados federais eleitos pelo PSB, partido da governadora,
Rogério Marinho e Sandra Rosado. Um deputado eleito pelo PMN, Fábio Faria, um
jovem estreante na política, filho do deputado estadual Robinson Faria. Um deputado
eleito pelo PL, o empresário João Maia, ex-secretário da governadora. E uma
deputada eleita pelo PT, Fátima Bezerra.
A oposição elegeu 3 deputados federais: Felipe Maia (PFL), empresário, filho
do senador José Agripino; Nélio Dias (PP), agropecuarista, e Henrique Alves (PMDB).
O deputado Nélio Dias veio a falecer, assumindo em seu lugar o suplente, Betinho
Rosado (PFL). O deputado Henrique Alves foi um dos principais interlocutores do
PMDB com o governo Lula.
A eleição para a Assembléia Legislativa Estadual produziu um resultado ainda
mais positivo para a coligação que apoiou a governadora: 14 das 24 vagas em
disputa, o que representa uma proporção de quase dois terços dos eleitos30. As
cadeiras da base governista foram assim distribuídas:
Quadro III
PARTIDOS
PMN
PSB
PV
PT
PPS
PSDB
Fonte: TRE-RN/ 20
N°
DE
ELEITOS
5 deputados
4 deputados
2 deputados
1 deputado
1 deputado
1 deputado
A oposição elegeu 10 deputados, distribuídos da seguinte forma:
Quadro IV
PARTIDO
N°
DE
ELEITOS
PMDB
4 deputados
PFL
3 deputados
PDT
2 deputados
PHS
1 deputado
Fonte: TRE-RN/ 2007
30
Deputados eleitos na base governista: PSB: Márcia Maia, Gustavo Carvalho, Lavoisier Maia e Larissa
Rosado; PMN: Robinson Faria, Antônio Jacome, Ricardo Motta, Ezequiel Ferreira de Sousa e Raimundo
Fernandes; PV: Gilson Moura e Micarla de Sousa; PT: Fernando Mineiro; PPS: Wober Júnior; PSDB: Luís
Almir.
Deputados eleitos pela oposição: PMDB: Walter Alves, Nélter Queiroz, Poti Júnior e José Dias; PFL:
Leonardo Nogueira, José Adécio e Getúlio Rego; PDT: Gesane Marinho e Álvaro Dias; PHS: Arlindo
Dantas.
17
A CAMPANHA ELEITORAL
GOVERNAMENTAL
PARA
O
SEGUNDO
TURNO
DA
ELEIÇÃO
A campanha do segundo turno transcorre num clima de nervosismo muito
grande e os dois candidatos sobem o tom, com acusações mútuas mais pesadas. O
último debate televisivo escorrega para o nível da ofensa pessoal e pouco se discutem
programas e propostas de governo.
No Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), Garibaldi enfatiza as
obras de seu governo, destacando aquelas que tiveram efeito social, como as
adutoras e o programa do leite, além da construção de estradas e outras. Wilma, por
sua vez, investe maciçamente na apresentação de obras no campo social e associa
sua administração à do presidente Lula. O próprio presidente participou de dois
grandes comícios de campanha, em Natal e Mossoró, tratando Wilma como
“companheira”.
O discurso dos dois candidatos no HGPE evidencia, de forma implícita ou
explícita, as alianças que os apóiam e seus programas de governo.
No HGPE do dia 04 de setembro, à noite, Wilma diz:
“Você sabe que no Rio Grande do Norte a riqueza ainda é muito mal
distribuída. Precisamos fazer políticas públicas para que nós possamos
mudar essa situação de injustiça social. E é isso que nós estamos
fazendo em parceria com o presidente Lula: distribuindo renda e
levando desenvolvimento para todas as regiões do nosso estado” (In:
Paiva, 2007, p. 36).
A resposta do adversário, na fala da apresentadora do seu programa, vai
colocar em dúvida a aliança entre a governadora e o presidente Lula e questiona a
política de desenvolvimento do governo Wilma de Faria:
“Depois do governo Garibaldi, o estado, que vinha em ritmo de
crescimento, desacelerou. Mesmo com o apoio de Lula, o atual governo
fez muito menos que Garibaldi. Gerou pouquíssimos empregos e
nenhuma nova empresa de médio ou grande porte se instalou aqui.
Muitas obras foram interrompidas, em especial, a de ampliação e
conclusão do porto de Natal. O prejuízo para o nosso estado foi
enorme. Outra perda (...) foi a da refinaria da Petrobrás. Apesar de ser o
maior produtor de petróleo da região, e de o governo se dizer aliado ao
presidente Lula, perdemos a refinaria para Pernambuco” (In: Paiva,
2007, p. 36).
Wilma contra-ataca no HGPE de 06 de setembro, à noite, imitando o estilo do
presidente, criticando a política privatista do governo Garibaldi e anunciando
programas desenvolvimentistas:
“Em apenas três anos e meio e sem vender nenhum patrimônio do
povo, conseguimos fazer muito para diminuir a pobreza, o sentimento
de abandono e a falta de trabalho e renda, especialmente no campo.
(...) Nos próximos quatro anos vamos ampliar ações como o
desenvolvimento solidário (...) e atingir três grandes metas sociais (...): o
analfabetismo chegará a zero, ninguém mais vai morar numa casa sem
luz elétrica e o programa água para todos será uma verdade definitiva.
(...) Vamos fazer as adutoras que ainda faltam. (...) Se fizemos a „Luz
para todos‟, agora chegou a vez do „Água para todos‟. Lula já aprovou
18
esse projeto e se comprometeu comigo a levantar os recursos...”.
(Paiva, 2007, p. 49).
Em entrevista publicada no dia da eleição do segundo turno, os dois candidatos
expõem aos leitores do Diário de Natal a sua visão da campanha política e das
necessidades do povo. Wilma de Faria organiza seu discurso em torno do binômio
investimento social/desenvolvimento, repisa o slogan da “guerreira” e destaca sua
condição de primeira mulher a governar o estado. Ainda alfineta o adversário, dizendo
que não precisou vender o patrimônio público para governar. Garibaldi menciona a
necessidade de trabalho e geração de renda e toca no tema do desenvolvimento.
Considera a sua aliança com o senador José Agripino (PFL, atual DEM) uma “virada
histórica” na política do estado e assegura que esse pacto vai ser duradouro.
Esse discurso reafirma o estilo dos dois adversários. Wilma de Faria, mais
propositiva e agressiva, enfatiza três pontos: i) a marca do social, indício de sua
identificação com o governo do presidente Lula; ii) a sua condição de mulher; iii) e o
início de um novo ciclo político, com a quebra de uma tradição de mandonismo
comandado por “políticos poderosos”. Por sua vez, Garibaldi sublinha: i) sua condição
de oposicionista; ii) sua larga experiência administrativa e moderação política; iii) e a
aliança do PMDB/PFL como o início de uma nova era política no estado31.
Essa coligação entre o PMDB e o PFL era justamente um dos calcanhares de
Aquiles da candidatura Garibaldi. Vejamos um dos aspectos que demonstra a
fragilidade da coligação, o das alianças nos municípios do interior. Nas eleições
municipais de 2004, o PSB elege 48 prefeitos (elegeu 6 em 2000), o PMDB elege 35
prefeitos (elegeu 55 em 2000) e o PFL elege 32 prefeitos (elegeu 35 em 2000).
Ao todo, o PSB e aliados têm 88 prefeituras em 2004. Eram 36 em 2000,
quando Garibaldi Alves era governador e o PMDB tinha o maior número de prefeituras,
55. Portanto, entre 2000 e 2004 a governadora multiplica por 2,4 o número de
prefeituras próprias ou aliadas. Dos partidos coligados à governadora32, o PTB é o que
apresenta maior crescimento no número de prefeituras: 15 prefeitos eleitos (apenas 1
em 2000). Também registram crescimento: o PPS, que elege 7 prefeitos (eram 4 em
2000), o PT, que elege 2 prefeitos (era 1 em 2000) e o PHS, que elege 1 prefeito
(nenhum em 2000). Dos aliados, registram queda no número de prefeituras: o PSDB,
que elege 4 prefeitos (eram 11 em 2000) e o PL, que elege 11 prefeitos (eram 12 em
2000).
O PMDB e seus novos e antigos aliados têm 79 prefeituras (eram 131 em
2000). Além das mencionadas acima, o PP elege 7 prefeitos (eram 37 em 2000) e o
PDT elege 5 prefeitos (eram 4 em 2000). As maiores perdas são sentidas pelo próprio
PMDB, no exercício do governo estadual de 1995 a 2002, que sofre uma sangria de
20 prefeituras e pelo PP, um forte aliado, que perde 30 prefeituras.
Vejamos de outro ângulo.
A partir de 2004 o PSB passou a comandar 19 prefeituras em coligação com o
PFL, 7 em coligação com o PMDB e 4 em coligação simultânea com os dois partidos.
Essas 30 prefeituras correspondem a 62,5% das que são comandadas pelo PSB.
31
Diário de Nata/O Potl, 29 out 2006, Caderno Política, p. 3. Na verdade, o pacto Agripino-PFL/GaribaldiPMDB mal sobreviveu ao segundo turno da eleição.
32
Estamos considerando as coligações durante as eleições de 2006, não no momento em que as
eleições municipais se realizaram. Obviamente, as eleições municipais de 2004 são fortemente
influenciadas pela eleição de Wilma de Faria em 2002. Para dar um exemplo, na eleição de 2004 os
pefelistas são aliados do PSB, enquanto em 2006 estão na oposição à governadora.
19
O PFL comanda 15 prefeituras em coligação com o PSB. Tal número
corresponde a 46,9% das prefeituras comandadas pelo PFL. O PMDB comanda 6
prefeituras em coligação com o PSB, correspondentes a 17,1% das municipalidades
sob controle dos peemedebistas. Além disso, o PFL comanda 1 prefeitura em
coligação simultânea com o PSB e o PMDB e esse último partido também comanda 1
prefeitura em coligação simultânea com aqueles dois.
Enquanto isso, o PMDB e o PFL coligados comandam apenas 10 prefeituras, 5
de cada partido. São 53 prefeituras envolvidas nas alianças que o PSB estabeleceu
com o PFL e/ou o PMDB contra apenas 10 prefeituras comandadas pelo PMDB e o
PFL em coligação entre si.
As prefeituras comandadas por PSB, PMDB e PFL em coligações envolvendo
o PSB somam um eleitorado de 415.571 cidadãos. As prefeituras comandadas por
PMDB e PFL em coligações entre si somam um eleitorado de 141.823 cidadãos. É
flagrante a superioridade das alianças realizadas, no nível municipal, pelo PSB com os
seus agora adversários em 2006, tanto em termos de prefeituras controladas como de
eleitorado, demonstrando a fragilidade da aliança PMDB/PFL. Isso, levando em conta
apenas o resultado eleitoral em 2004, sem considerar a defecção de prefeitos da
oposição para o regaço do governo durante o período entre as eleições, mesmo sem
mudança formal de legenda partidária, nem o fato de que todos os 32 prefeitos eleitos
pelo PFL em 2004 eram aliados da governadora.
De outro lado, o aliado preferencial de “araras” e “bacuraus”, naquelas
eleições, é o próprio PSB, partido que detém o governo estadual.
Nos sete municípios comandados pelo PSB em coligação com o PMDB,
Garibaldi teve 45.440 votos contra 42.479 votos de Wilma no segundo turno, uma
diferença de 2.961 votos em favor do senador (1º turno: 4.748 votos pró-Garibaldi).
Esse resultado, porém, deve ser creditado ao apoio recebido por Garibaldi em
Parnamirim, terceiro maior colégio eleitoral do estado, governado por seu tio, Agnelo
Alves, que se desligou do PSB durante a eleição e fez intensa campanha para o
sobrinho, mobilizando a máquina da prefeitura. Excluindo-se Parnamirim, Wilma tem
15.929 votos contra 10.748 do adversário, uma diferença de 5.181 votos em favor da
governadora.
Nos dezenove municípios comandados pelo PSB em coligação com o PFL,
todos de pequeno eleitorado exceto um médio, Nova Cruz, Wilma de Faria teve 57.611
votos contra 40.750 votos de Garibaldi, diferença de 16.861 votos em favor de Wilma
(1º turno: 5.681 votos pró-Wilma).
Nos quatro municípios governados pelo PSB em coligação simultânea com o
PMDB e o PFL Wilma obteve 5.193 votos contra 4.070 de Garibaldi, diferença próWilma de 1.123 votos (1º turno: 18 votos pró-Wilma).
Nos dezessete municípios governados pelo PSB em coligação com outros
partidos, exceto PMDB e PFL, Wilma teve 246.499 votos contra 207.917 votos de
Garibaldi, diferença pró-Wilma de 38.582 votos (1º turno: 40.389 votos pró-Wilma). A
governadora venceu em todos esses municípios e ampliou sua vantagem, com
exceção de Natal, onde essa margem, apesar da vitória, foi reduzida.
Nos seis municípios comandados pelo PMDB em coligação com o PSB (todos
pequenos), Garibaldi obteve 14.654 votos contra 13.340 votos de Wilma, uma
20
diferença de 1.314 votos em favor do senador no segundo turno (1º turno: 1.481 próGaribaldi).
Nos cinco municípios governados pelo PMDB em coligação com o PFL
(apenas um médio, Macaíba), Garibaldi teve 27.314 votos contra 24.435 votos de
Wilma, diferença pró-Garibaldi de 2.879 votos (1º turno: 3.717 pró-Garibaldi).
No único município governado pelo PMDB em coligação simultânea com PFL e
PSB, Cruzeta, Wilma obteve 3.236 votos contra 1.720 votos de Garibaldi, diferença
pró-Wilma de 1.516 votos (1º turno: 1.064 votos pró-Wilma).
Nos vinte e três municípios33 governados pelo PMDB em coligação com outros
partidos, Garibaldi teve 89.614 votos contra 81.452 de Wilma, diferença pró-Garibaldi
de 8.162 votos (1º turno: 14.009 votos pró-Garibaldi).
Nos quinze municípios comandados pelo PFL em coligação com o PSB, Wilma
teve 43.122 votos contra 31.927 votos, diferença em favor de Wilma de 11.195 votos
(1º turno: 6.623 votos pró-Wilma). A governadora só perdeu em um município, Lagoa
de Pedras, por 4 votos.
Nos cinco municípios governados pelo PFL em coligação com o PMDB (um
médio, São José de Mipibu), Wilma obteve 19.324 votos contra 18.194 votos de
Garibaldi, diferença pró-Wilma de 1.130 votos (1º turno: 257 votos pró-Garibaldi).
No único município governado pelo PFL em coligação simultânea com o PMDB
e o PSB, Alto do Rodrigues, Garibaldi obteve 4.258 votos contra 2.266 votos de
Wilma, diferença pró-Garibaldi de 1.992 votos (1º turno: 2.278 votos pró-Garibaldi).
Nos onze municípios governados pelo PFL em coligação com outros partidos,
excetuando-se PSB e PMDB (um grande, Mossoró, os outros, pequenos), Garibaldi
obteve 84.622 votos contra 64.812 votos de Wilma, diferença de 19.810 votos em
favor de Garibaldi (1º turno: 24.164 votos pró-Garibaldi). Porém, se retirarmos
Mossoró, segundo maior colégio eleitoral do estado e reduto do senador José Agripino
e da senadora eleita Rosalba Ciarlini Rosado, Wilma teria 18.444 votos contra 17.784
votos de Garibaldi, diferença em favor de Wilma de 660 votos.
Um fato observado nesses resultados é que nos municípios governados pelo
PFL em coligação com o PSB ou o PMDB Wilma obteve votação superior ao do seu
adversário. Enquanto nos municípios governados pelo PMDB, em coligação com o
PFL ou o PSB, Garibaldi obteve maioria de votos. Mais uma vez evidencia-se a
fragilidade da aliança PMDB/PFL: nos redutos do PFL a governadora obtém maioria
sobre seu adversário, demonstrando que a aliança entre “araras” e “bacuraus” não foi
assimilada pelos eleitores.
Outro fato digno de nota é que a governadora geralmente consegue, no
segundo turno, ampliar a margem de votos nas cidades onde ganhou ou perdeu por
pequena diferença, ou reduzir a margem do adversário onde perdeu por diferença
significativa. Até mesmo em Mossoró, o mais importante reduto pefelista do estado,
ela consegue reduzir a vantagem de Garibaldi, de 23.027 votos no 1º turno, para
20.470 votos no 2º turno. A exceção é Natal, onde o senador perde nos dois turnos,
porém Wilma vê sua vantagem emagrecer de 33.038 votos no 1º turno para 18.401
votos no 2º turno.
33
Um grande, São Gonçalo do Amarante, um médio, Apodi, e os outros, pequenos.
21
Olhemos agora por um ângulo distinto, observando a votação obtida pelos dois
principais candidatos segundo a estratificação dos colégios eleitorais do estado em
grandes, médios e pequenos. Definimos como grandes os de cinqüenta mil eleitores e
mais; os médios são os de vinte e cinco mil a menos de cinqüenta mil eleitores; e os
pequenos são os de menos de vinte e cinco mil eleitores34. Os grandes concentram
773.131 eleitores, os médios, 268.663 e os pequenos, 1.059.350 eleitores. A soma do
eleitorado dos grandes e médios aproxima-se da dos pequenos: 1.041.794 eleitores.
Observe-se que o estrato dos grandes colégios eleitorais é constituído por três
municípios da região metropolitana da capital, incluindo esta, e a cidade de Mossoró, a
segunda mais importante do estado em população e economia, situada no alto sertão,
na chamada região oeste.
Nos quatro municípios de grande eleitorado, Garibaldi obtém uma vantagem,
no 1º turno, de apenas 208 votos. Ele vence a eleição em Mossoró (PFL), Parnamirim
(aliado, sem partido) e São Gonçalo do Amarante (PMDB), mas perde para Wilma em
Natal. No segundo turno, o senador Garibaldi pontua uma maioria de 14.094 mil votos
nos grandes colégios eleitorais. Em Mossoró, apesar das promessas da senadora
eleita, Rosalba Ciarlini, a vantagem do peemedebista, de 23.027 votos no 1º turno, cai
para 20.470 votos no 2º. Em Natal, porém, o senador Garibaldi arrebata 15 mil votos
da governadora, fazendo recuar a vantagem de Wilma, de 33.038 votos no 1º turno,
para 18.401 votos no 2º turno.
Nos municípios de médio eleitorado, entretanto, a governadora leva vantagem
sobre o senador, obtendo 21.086 votos a mais no primeiro turno. Essa vantagem se
amplia, no segundo turno, para 27.922 votos a favor da governadora.
Se, portanto, o eleitorado do estado fosse constituído apenas por esses
grandes e médios colégios eleitorais a governadora teria vencido a eleição, graças à
votação de Natal e dos municípios médios. É nos municípios de pequeno eleitorado,
porém, que a supremacia eleitoral da governadora se afirma com mais força. Nesses
municípios, no primeiro turno, o senador Garibaldi leva ligeira vantagem de 5.865
votos sobre Wilma. No segundo turno, todavia, Wilma de Faria inverte a situação,
marcando 61.101 votos de vantagem sobre Garibaldi Alves, margem bem maior do
que a alcançada nos municípios de médio eleitorado.
O crescimento eleitoral da governadora nos municípios de médio e pequeno
eleitorado, no segundo turno, parece estar relacionado com uma estratégia bem
sucedida de atrair os prefeitos ali onde ela havia perdido no primeiro turno35. Pode
estar relacionado também a uma associação mais forte entre sua candidatura e a do
presidente Lula. Com efeito, no primeiro turno, Lula obtém 60% dos votos válidos no
Rio Grande o Norte, e no segundo turno obtém 69% dos votos, quase 70%. No
primeiro turno Lula perde apenas em três cidades do Rio Grande do Norte: Ruy
Barbosa, Portalegre e Pedro Velho. No segundo turno vence em todas, mas sua
vantagem é maior nos municípios pequenos e médios.
Durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso ocorre um
processo de centralização das políticas públicas sociais que prossegue durante o
governo Lula: o Programa Bolsa-Família, as políticas de transferência de recursos
34
Grandes: Natal, Mossoró, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante. Médios: Ceará-Mirim, Caicó,
Macaíba, Açu, Currais Novos, Nova Cruz, Apodi e São José de Mipibu. Os pequenos somam 155
municípios, desde Santa Cruz, com 23.123 eleitores, a Viçosa, com 1.365 eleitores.
35
O jornalista Cassiano Arruda Câmara revela que a estratégia da governadora no segundo turno seria a
de atrair os prefeitos onde o adversário obteve sua melhor votação. Diário de Natal, Roda Viva, 30 out.
2006, p. 2.
22
para as áreas da educação e da saúde e outros. Com isso, governadores e,
especialmente, prefeitos de municípios menores, perdem o controle sobre uma
importante fonte de domínio clientelístico e vêem aumentada sua dependência dos
poderes estaduais e federal. Prefeitos de todo o país têm realizado “marchas a
Brasília” para deter o processo, procurando arrancar concessões do poder federal
para reduzir sua dependência e conter a muito incipiente iniciativa de autoorganização das classes subalternas no nível local.
A governadora vence a eleição com 824.101 votos, correspondentes a 52,38%
dos votos válidos, contra 749.172 votos do adversário, correspondentes a 47,62%.
Portanto, entre o primeiro e o segundo turnos, aumenta seu cabedal de votos em
60.085 sufrágios, ao passo que o concorrente conquista apenas mais 169 sufrágios. A
diferença em favor da governadora, no segundo turno, foi de 74.929 votos, ou 4,76% a
mais do que seu oponente. É uma diferença ainda pequena, para um universo de
2.101.144 eleitores, ou 1.749.638 votos efetivamente apurados.
Quadro V
Votação de candidatos ao governo do Rio Grande do Norte - Eleições 2006
- 2° Turno
N°/ Candidato
Partido/ Coligação
Votos
% VV
Situação
40- WILMA MARIA PSB/ PC do B/ PHS/ 824.101 52,38
Eleito
DE FARIA
PL/ PMN/ PPS/ PT/
PT do B/ PTB
15GARIBALDI PMDB/PFL/ PP/ PTN 749.172 47,62
Não eleito
ALVES FILHO
Fonte: TRE-RN/ 2007
Quadro VI
Dados gerais do 2° turno- 2006
Total de eleitores aptos a votar
2.101.144
Votos válidos
1.573.273
Votos em branco
21.307
Votos nulos
155.058
Comparecimento
1.749.638
Abstenção
351.506
Fonte: TRE-RN/ 2007
----------(89,92%)
(1,22%)
(8,86%)
(83,27%
(16,73%)
CONCLUSÕES
Da eleição de 2006 é possível sacar algumas conclusões. A primeira diz
respeito a certo padrão que se estabeleceu após a introdução da novidade da
reeleição: o governante que busca a reeleição pode enfrentar um duro combate e,
eventualmente, não se reeleger. Isso poderia ser uma prova de maior maturidade do
eleitorado e de que a posse da máquina pública não é mais garantia de reeleição
segura. Por outro lado, os candidatos reeleitos são aqueles que, em geral, contam
com uma boa avaliação de suas administrações por parte do eleitorado.
23
No caso de Wilma de Faria, apesar das alegações da oposição de que não
tinha “obras estruturantes” a apresentar, sua avaliação pelos eleitores era positiva. Há,
portanto, certa coerência entre a avaliação que o eleitorado faz da gestão e a decisão
do voto do eleitor. Porém, isso não é automático e gestores públicos eleitos bem
avaliados podem não conseguir sucesso em obter novo mandato (um caso notório foi
o da prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, em sua tentativa de se reeleger em 2004:
apesar de avaliada com altos índices de aprovação, perdeu a campanha para seu
oponente, José Serra).
Certamente, os dois principais candidatos que concorreram ao Governo do
Estado do Rio Grande do Norte em 2006 travaram um duro combate eleitoral. A
governadora e o ex-governador eram dois dos três políticos mais bem sucedidos nos
últimos vinte e cinco anos de história do estado. O outro político mais bem sucedido, o
também ex-governador José Agripino Maia, estava do lado do senador Garibaldi Alves
Filho.
Portanto, essa coligação Alves/Maia, ou PMDB/PFL, afigurava-se imbatível.
Todas as pesquisas de intenções de voto feitas durante o ano de 2005 e até o mês de
agosto de 2006, nas proximidades da eleição, faziam crer que o senador Garibaldi
venceria a eleição por uma margem folgada, confirmando sua legenda de candidato
invencível, ganhador, até então, de todos os pleitos que disputou.
Entretanto, algumas circunstâncias que cercaram o pleito parecem ter
favorecido os propósitos de continuidade da governadora. Sem pretender atribuir peso
a um ou outro fator determinante, pois isso, do ponto de vista metodológico, seria
impossível, analisemos cada uma dessas condicionalidades que influíram no resultado
eleitoral.
A primeira dessas circunstâncias que salta à vista é a da própria coligação
entre os dois senadores, que reunia as duas principais forças políticas do estado
desde os anos 60/70. Justamente as forças que representavam o aluizismo e o
dinartismo nos anos 60/70, ou o confronto Maia/Alves dos anos 80 e seguintes. Desde
a restauração das eleições diretas em 1982 os dois partidos representados pelos
senadores se enfrentaram como adversários. Adversários aparentemente
inconciliáveis desde o início dos anos oitenta do século passado, sua coligação
provocou surpresas, embora não fosse algo inédito, como apontamos mais acima.
Desde o ano anterior ao da eleição especulava-se sobre a candidatura dos dois
líderes. E nas pesquisas de intenção de voto, eles apareciam sempre como os que
tinham maiores chances de se eleger, ao lado da governadora, que figurava no mais
das vezes em terceiro lugar. Por isso, uma aliança entre os dois parecia limitar
drasticamente as pretensões da governadora.
Todavia, a própria aliança encerrava contradições que podem ter tido um efeito
bumerangue. Durante aproximadamente vinte e cinco anos “araras” (pefelistas) e
“bacuraus” (peemedebistas) estiveram em fronts opostos em todos os níveis: nas
campanhas para cargos federais, estaduais e municipais. Plasmou-se certa cultura
política em que as duas facções, como água e óleo, não se misturavam. Algo bem ao
estilo do confronto político definido por Carl Schmitt (1992) como uma relação
amigo/inimigo36. Por tal razão, a coligação enfrentou resistências, sobretudo da parte
dos “araras”, e, particularmente, na esfera municipal, onde as diferenças políticas
costumam assumir uma dimensão pessoal. Daí, a ter um reflexo eleitoral, difícil de
36
“A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a
discriminação entre amigo e inimigo” (Schmitt, 1992, p. 51).
24
ponderar, mas nem por isso menos real, era algo até previsível, favorecendo a posição
de Wilma de Faria.
A outra circunstância diz respeito à relação entre o pleito estadual e o pleito
presidencial. O senador Garibaldi foi relator da CPI dos Bingos e, nessa condição,
aproximou-se bastante da oposição ao presidente Lula. Seu principal aliado na
campanha, senador Agripino, era um dos mais conhecidos líderes da oposição ao
governo do presidente no Senado da república. Por sua vez, a governadora pertencia
a um partido que fazia parte da base aliada do governo federal.
Mais do que isso: na campanha a governadora associou seu governo e suas
políticas às do governo Lula e usou explicitamente os mesmos motes de campanha do
presidente, como, por exemplo, as críticas às privatizações e a ênfase nas políticas
sociais de vários tipos. Além disso, em várias ocasiões enumerou programas do
governo estadual em parceria com o governo federal, que teriam sua continuidade
garantida por sua reeleição. Por sua vez, o senador praticamente omitiu qualquer
apoio à candidatura de Geraldo Alckmin, adversário do presidente Lula e, até mesmo,
“escondeu” o senador José Agripino, que quase não participou dos comícios e
programas eleitorais do seu aliado. Nos dois casos, a motivação teria sido o medo de
perder votos.
Um indício forte de que essa associação com a disputa presidencial influía na
disputa estadual é que a governadora procurou fazê-la explicitamente, enquanto o
senador Garibaldi evitou-a. Essa circunstância também favoreceu Wilma de Faria.
Ainda no ponto referente às alianças, acordos, coligações, no plano
estritamente estadual, a governadora levou nítida vantagem sobre o senador. A prova
se evidencia na composição da bancada eleita para a Câmara Federal e a Assembléia
Estadual: os partidos da base de apoio da governadora elegem cinco dos oito
representantes à Câmara Federal e quatorze dos vinte e quatro representantes à
Assembléia Legislativa.
Porém, a coalizão oposicionista conquista a única vaga em disputa para o
Senado, obrigando a governadora reeleita a conviver com uma bancada de três
senadores de oposição. Esse malogro do situacionismo potiguar deveu-se,
fundamentalmente, ao seguinte: enquanto a oposição concentrou os esforços de
campanha e conquista de votos em uma só candidata, Rosalba Ciarlini Rosado, os
aliados da governadora dividiram seu apoio entre dois candidatos, o senador
Fernando Bezerra, candidato oficial da coligação, e o ex-senador Geraldo Melo, do
PSDB. A derrota de Bezerra, por uma diferença de apenas 11.131 votos, pode ser
creditada a essa divisão.
Uma conseqüência importante desse processo é que o jogo político em nível
estadual passa a incorporar um importante grau de incerteza. As duas facções
políticas que tinham o monopólio desse jogo nos últimos quarenta anos serão
obrigadas, doravante, a fazer composições mais amplas e heterogêneas, cedendo
espaços para líderes emergentes e forças políticas diversas.
Entretanto, tais lideranças e forças políticas “novas” não correspondem, em sua
quase totalidade, a movimentos orgânicos no âmbito da sociedade civil. Os partidos de
direita, em geral, não traduzem interesses de classe no nível ético-político. São
empresas político-partidárias e/ou familiares, ou, mais propriamente, lobbies reunidos
em torno de um “patrão” que detém vínculos de interesses com grandes grupos
empresariais privados que carreiam recursos para as campanhas eleitorais em troca
de benefícios futuros.
25
Em tais casos os vínculos de representação dos líderes políticos com seu
eleitorado são muito frágeis, mediados, quase sempre, pelo clientelismo, o
assistencialismo, o personalismo, o nepotismo, o patrimonialismo e a compra de votos.
Isso provoca uma reação de alheiamento por parte dos representados, expresso nas
altas taxas de abstenção, votos nulos e brancos, particularmente nas eleições para o
Legislativo em todos os níveis. Os indícios e provas a esse respeito são abundantes e
estarrecedores37.
Se Weber (1974) e Schumpeter (1984), em momentos distintos de
consolidação da chamada “democracia de massas”, apontaram as homologias
estruturais entre a economia de mercado e a política democrática, no caso em
observação assistimos a invasão direta da concorrência de mercado na política, uma
degeneração da política pela força do dinheiro, que “constrói [?] e destrói coisas
belas”. Assim, princípios ideológicos que promovem a sociedade de mercado, o
socialismo ou a defesa do meio ambiente são distorcidos e transformam-se em
elementos de (má) retórica para encobrir interesses materiais imediatos e mesquinhos.
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RIO GRANDE DO NORTE 2006: ELEIÇÕES ATÍPICAS?