UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Pedro Carlos dos Reis (1819 – 1893) – O Desenho Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus Mariana Alves Mestrado em Desenho 2011 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Pedro Carlos dos Reis (1819 – 1893) – O Desenho Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus Mariana Alves Mestrado em Desenho Dissertação orientada pela Prof.ª Doutora Maria Margarida Calado 2011 2 Resumo Nascido em Lisboa no ano de 1819, Pedro Carlos dos Reis, artista considerado romântico e conhecido como o escultor da estátua do Bocage que se situa em Setúbal, dedicou-se igualmente ao desenho, sendo a Colecção de desenhos existente no Museu de Setúbal / Convento de Jesus uma obra a valorizar no panorama artístico nacional e testemunho do trabalho desenvolvido pelo artista que viria a falecer em 1893 aos 74 anos de idade. Filho do escultor Constantino José Quádrio dos Reis (1778-1865) que foi professor de escultura na Academia de Belas Artes do Porto, discípulo de Faustino José Rodrigues e ajudante de Machado de Castro, Pedro Carlos dos Reis é também conhecido como discípulo de seu pai. Envolvido num dos casos que mais marcou a vida académica da Academia de Belas-Artes de Lisboa entre 1856 e 1860, foi candidato a professor de escultura, no Concurso promovido pelo director Francisco Assis Rodrigues, ao lado de nomes como Vitor Bastos, Manuel Maria Bordalo Pinheiro e José Maria Caggiani. O número de obras deste artista na Colecção do Museu de Setúbal, bem como na colecção particular do seu bisneto, Mestre Manuel Guimarães dos Reys, é vasta e diversa. Na sua generalidade são desenhos de esboço ou estudos realizados durante a sua vida abordando diferentes temas como: Academias, desenhos de sátira, estudos para estátuas e jazigos, desenhos de rostos, estudos para lettering e ilustrações de jornais e revistas da época, entre outros. Desenhos de traço rápido, revelam o espírito de estudo e procura de aperfeiçoamento técnico por parte do artista. 3 Abstract Pedro Carlos dos Reis, born in Lisbon in the year of 1819, is considered a romantic artist and known as the sculptor of a statue located in the city of Setúbal, representing Bocage (a portuguese poet of the late 18th century). Pedro Carlos dos Reis also dedicated himself to drawing; his drawings Collection in the Museum of Setúbal / Convent of Jesus (Museu de Setúbal / Convento de Jesus) is a valued oeuvre in the national artistic scene and a testimony to the work developed by the artist. He died in 1893, aged 74 years old. Son of the sculptor Constantino José Quádrio dos Reis (1778-1865), his father was a Professor of sculpture in the Fine Arts Academy of Oporto. Pedro Carlos dos Reis was a disciple of Faustino José Rodrigues, as well of his own father, and Assistant to Machado de Castro. Involved in one of the events that most marked the academic life of the Fine Arts Academy of Lisbon between 1856 and 1860, he was one of the candidates for a sculpture professorship during a competition promoted by the Director of the Academy, Francisco Assis Rodrigues. He was up against such names as Vitor Bastos, Manuel Maria Bordalo Pinheiro e José Maria Caggiani. The number of his works present in the Museum of Setúbal Collection, as well as in the private collection of his great-grandson, Mestre Manuel Guimarães dos Reis, is vast and diverse. The bulk of the work is composed by sketch drawings and studies made during his lifetime. These address different subjects, such as the Academies, satire, studies for statues and tombs, face portraits, lettering studies, illustrations for the newspapers and magazines of the time, among other themes. His drawings, made in quick dashes, reveal a spirit of study and search of technical perfection by the artist. 4 Palavras-chave: Pedro Carlos dos Reis, Desenho, Romantismo, Setúbal, Bocage. Key words: Pedro Carlos dos Reis, Drawing, Romanticism, Setúbal, Bocage. 5 Agradecimentos Agradeço ao Museu de Setúbal/Convento de Jesus, na pessoa da Doutora Francisca Ribeiro, a disponibilização da colecção de desenhos de Pedro Carlos dos Reis bem como todo o apoio prestado. À família de Pedro Carlos dos Reis, na pessoa de Mestre Manuel Guimarães dos Reys, a disponibilização da colecção particular com obras do seu bisavô e a sua incondicional ajuda nesta investigação. À Profª Doutora Margarida Calado pela orientação e importante contributo científico no desenvolvimento deste trabalho. À minha família e em especial ao meu pai, minha mãe e Manuela Braz Jorge pela luta comum. A todos os amigos e em especial à Susana Barros por tudo. Ao Luís Aniceto pelo excelente trabalho fotográfico, apoio e incentivo sempre presentes. 6 À minha avó Maria da Luz. 7 Índice Introdução ............................................................................................................................ 10 Capítulo I – A época ............................................................................................................ 14 Contexto histórico artístico. ............................................................................................. 14 Capítulo II – O Artista: Pedro Carlos dos Reis (1819-1893) ............................................... 28 1. Biografia/Formação Académica ............................................................................... 28 2. A Obra (geral) ........................................................................................................... 33 3. A Estátua de Bocage ................................................................................................. 36 4. O Concurso da Academia de Belas-Artes de Lisboa ................................................ 40 Capitulo III – A Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus .................................. 45 1. Pedro Carlos dos Reis – O Desenho ......................................................................... 45 2. Academias ................................................................................................................. 49 3. Estudos para a estátua do Bocage em Setúbal .......................................................... 51 4. O Jacaré – revista de sátira ....................................................................................... 55 5. Desenhos de Sátira .................................................................................................... 60 6. Estudos para estátuas ................................................................................................ 68 7. Estudos para Jazigos ................................................................................................. 75 8. Estudos para baixos-relevos (Teatro da Trindade) ................................................... 82 8.1. O Teatro da Trindade ............................................................................................ 82 8.2. O Teatro da Trindade na colecção de desenhos de Pedro Carlos dos Reis ........... 83 9. Estudos de cabeças/rostos ......................................................................................... 89 10. Anjinhos - Estudos para o frontão da Igreja Matriz da Boa Vista (Recife,Brasil). ..96 Capitulo IV- A Colecção Particular de Mestre Reys (bisneto do artista) .......................... 104 1. Fotografia de Família .............................................................................................. 108 2. Academia ................................................................................................................ 110 3. Estudos para Ilustrações.......................................................................................... 111 4. Estudos de Lettering ............................................................................................... 115 5. Desenhos grotescos e de sátira................................................................................ 118 6. Retratos e estudos de cabeças/rostos ...................................................................... 120 7. Estudos para estátuas .............................................................................................. 123 Conclusão........................................................................................................................... 124 Fontes e Bibliografia .......................................................................................................... 126 Fontes Manuscritas: ....................................................................................................... 126 8 Fontes Impressas: ........................................................................................................... 126 Bibliografia Geral .......................................................................................................... 127 Bibliografia Específica .................................................................................................. 128 Catálogos: ...................................................................................................................... 132 Créditos Fotográficos ......................................................................................................... 133 9 Introdução Foi no âmbito do Curso de Mestrado em Desenho da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, e sob a orientação da Professora Doutora Maria Margarida Calado, que este trabalho foi desenvolvido, pretendendo-se a investigação de uma colecção de desenhos de um artista português, preferencialmente ainda não estudado de forma aprofundada. Nesta matéria, pode-se dizer que as opções eram vastas, pois felizmente existem variadíssimas obras de artistas nacionais com grande qualidade. A escolha da Colecção de Desenhos de Pedro Carlos dos Reis (18191893), pertencente ao Museu de Setúbal/Convento de Jesus, não foi arbitrária. O interesse por este tema, deveu-se ao facto de as obras (desenhos) deste artista não terem sido estudadas em profundidade e também devido ao grande conjunto de desenhos do mesmo autor nesta Colecção, desenhos estes que têm uma grande variedade temática. A disponibilidade desde logo prestada pelo Museu, para o desenvolvimento deste estudo, foi também essencial para a sua realização, pois permitiu a recolha quer de informações, quer de imagens das obras em causa. Pedro Carlos dos Reis (1819-1893), artista considerado romântico, conhecido como o escultor da estátua do Bocage que se situa em Setúbal, é uma figura a valorizar no panorama artístico nacional, servindo o presente trabalho para conhecer melhor a sua obra, através de um estudo completo da colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus e da investigação de outras obras do artista existentes noutros locais, pretendendo-se contextualizar historicamente a sua obra bem como divulgar o seu acervo junto da comunidade artística e científica. 10 As visitas realizadas á Colecção do Museu, a observação detalhada dos desenhos, esculturas e documentos assim como o registo fotográfico de toda a Colecção foram uma parte bastante importante e fundamental na investigação desenvolvida. A informação recolhida no Museu permitiu o prosseguimento da investigação, tendo proporcionado a descoberta de novas fontes, que se revestiram de grande interesse. O contacto directo com a família do artista, nomeadamente através do bisneto de Pedro Carlos dos Reis, o Mestre Manuel Guimarães dos Reys Santos, contribuiu para um melhor conhecimento biográfico do artista e trouxe para a investigação novas obras (de desenho, escultura e também documentos) que não pertenciam à Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus. A pesquisa levada a cabo em jornais da época permitiu o conhecimento de acontecimentos em que o artista esteve envolvido, nomeadamente o polémico “Concurso da Academia de Belas-Artes de Lisboa”. Também através de Jornais da época foi possível conhecer uma carta escrita e publicada pelo artista, em que este enumera as obras de maior relevância por ele já realizadas. O acesso a esta informação proporcionou mais avanços na investigação e abriu o caminho para conhecer obras de escultura que poderão ter sido realizadas pelo artista para a Igreja Matriz da Boa Vista no Recife, Brasil. A estrutura deste trabalho divide-se em quatro Capítulos. Uma contextualização histórica da época em que Pedro Carlos dos Reis viveu tornouse essencial, no Capítulo I, onde para além das referências sociais e políticas, faz-se uma indicação de alguns artistas seus contemporâneos, quer nacionais como internacionais. 11 Para uma melhor compreensão da Colecção de desenhos do qual este trabalho é alvo, tornou-se também importante uma referência à vida e obra de Pedro Carlos dos Reis, autor da estátua de Bocage em Setúbal, sendo o Capítulo II dedicado a esse estudo. As referências históricas ao artista não se pode dizer que sejam vastas, no entanto, através dos catálogos publicados pelo Museu e principalmente através de textos desses mesmos catálogos, da autoria do Prof. Doutor Fernando António Baptista Ferreira e da Doutora Francisca Ribeiro, foi possível fazer um maior desenvolvimento da pesquisa e melhorar significativamente este estudo. O Capítulo III, é então dedicado ao estudo mais aprofundado da obra do escultor, contendo para além de imagens de desenhos da Colecção, uma análise específica de cada conjunto de desenhos. Por uma questão prática, este Capítulo foi organizado por temas, que variam consoante o assunto dos desenhos, o que permite não só uma comparação e análise directa de obras desenvolvidas segundo uma mesma abordagem, como uma melhor caracterização desta Colecção. Iniciando-se este Capítulo com uma caracterização geral do desenho de Pedro Carlos dos Reis, segue-se uma análise mais aprofundada dos temas aglutinadores desta Colecção, nomeadamente: Academias, Estudos para a estátua de Bocage em Setúbal, O Jacaré Revista de sátira, Desenhos de sátira, Estudos para estátuas, Estudos para jazigos, Estudos para baixos-relevos do Teatro da Trindade, Estudos de cabeças / rostos , e por último Anjinhos – Estudos para o frontão da Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Brasil). 12 No Capítulo IV tratamos da colecção particular de Mestre Reis, bisneto do artista, procurando analisar quer os vários desenhos como os documentos disponibilizados pela família de Pedro Carlos dos Reis para esta investigação. Tratando-se este trabalho de uma investigação aprofundada sobre a Colecção de desenhos do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, a apresentação dos mesmos desenhos tornou-se essencial. De forma a tornar a leitura deste estudo mais fácil, optamos por apresentar no corpo do texto apenas os exemplos que consideramos mais relevantes para uma melhor compreensão do trabalho, remetendo para anexo todas as imagens dos desenhos, esculturas e documentos da Colecção do Museu e da Colecção pertencente à família do artista. 13 Capítulo I – A época Contexto histórico artístico. Como principais movimentos artísticos do século XIX podemos encontrar o Romantismo, que será aquele mais tratado neste capítulo. Pedro Carlos dos Reis foi um artista do seu tempo, mesmo não tendo a notoriedade de outros, os historiadores caracterizaram-no como um romântico. Torna-se então relevante caracterizar esta época da História das Artes, ou seja, a arte do séc. XIX. Geralmente associa-se o movimento romântico ao nascimento de uma nova sensibilidade, que utiliza novas formas de expressão diferentes das tradicionais, criando uma nova filosofia e estética. Foi originalmente um movimento de facto revolucionário que adoptou as ideias políticas e filosóficas elaboradas pelo século das Luzes: livre expressão da sensibilidade e afirmação dos direitos do indivíduo. 1 Caracteriza-se fundamentalmente por uma clara ruptura com as rígidas normas académicas. 2 O termo romântico foi pela primeira vez empregue em Inglaterra, cerca de 1750, para designar de forma pejorativa as temáticas das novelas pastoris e de cavalaria, no entanto cedo perdeu essa conotação, tendo sido mais tarde utilizado 1 Nova Enciclopédia Larousse. Volume XX. Círculo de Leitores,Lda e Larousse, 1999.p.6101. Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal. Tomo XVI. Círculo de Leitores,Lda e Verlagsgruppe Bertelsmann Gmbh/Bertelsmann, 1987, p.139. 2 14 o mesmo termo por Rousseau como sinónimo de pitoresco e para expressar um sentimento ou emoção que se tornava difícil de definir, suscitada pela observação e fruição de uma paisagem. O homem romântico vive a sua vida como um romance, arrastado pelo poder dos sentimentos a que não pode resistir. É daqui que brota a melancolia do herói romântico. 3 Os românticos revelavam um gosto extremo pelos ambientes exóticos onde predominava a fantasia e o mistério, ou seja, o contrário do vivido no racionalismo neoclássico. Privilegiavam-se as emoções e a subjectividade, rejeitando a harmonia do bom gosto. O retorno ao mundo medieval, pelas suas características estéticas era evidente nesta época, por outro lado, o indivíduo e o individualismo eram sobrevalorizados bem como a natureza e os seus encantos a par do aparecimento de um misticismo e expressividade profundos. A palavra romântico traduzia sobretudo o que deleita a imaginação, tudo o que suscita a emoção e o sonho, qualificando, por exemplo, regiões incultas e desertas ou paisagens selvagens e escarpadas. 4 A Natureza tem para os românticos um papel fundamental e estes estabelecem com ela uma relação de sentimento e de contemplação. Outra faceta importante a ter em conta cifra-se na busca do pitoresco e do exótico, relacionando-se sobretudo com o passado histórico, com a distância geográfica e 3 4 ECO, Umberto – História da beleza. Difel, 2004, p.314. Nova Enciclopédia Portuguesa. Volume11. Clube Internacional do Livro, 1996, p.2081. 15 com o presente, este pensado como sendo representativo de outrora, através (…) de costumes, tradições populares ou lendas. 5 No movimento romântico o “eu” não se demite, o homem romântico assume-se como o arauto da individualidade que é por sua vez a fonte da sua criação. Porém, o subjectivismo que o romantismo reclama para si não se situa nas margens da realidade, pretendendo a inspiração romântica subordinar a totalidade do real. 6 Porém é interessante verificar como este movimento é difícil, se não mesmo impossível de definir objectivamente: A alma romântica gosta de se perder para se voltar a encontrar, pressupondo deste modo, a dissidência e a diferença, um distanciamento relativamente ao olhar de si mesmo. A existência romântica, apesar de ser subjectiva, não se fecha sobre si mesma, numa atitude de individualismo exclusivo. Ela está aberta à participação com os outros e com o mundo, uma vez que só existe conhecimento de si a partir do conhecimento com os outros. 7 Tendo o movimento romântico se estendido a toda a Europa, nem sempre se manifestou da mesma forma e sofreu várias interpretações. Para os românticos era importante estabelecer um lugar para o homem no mundo de maneira a procurar um sentido para a vida. A procura da verdade é encontrada na consciência individual, no entanto não existe a (…) pretensão de 5 ANACLETO, Regina - História da Arte em Portugal – Neoclassicismo e Romantismo. Volume 10. Publicações Alfa, S.A., Lisboa,p.93. 6 GUSDORF, Georges - L´Homme Romantique, Payot, Paris, 1984, p.42. Apud. MEGA, Rita - Imagens da Morte – A Escultura Funerária do Século XIX nos cemitérios de Lisboa e do Porto. U.L.F.B.A., 2001, p.15. 7 GUSDORF, cit, p.189. Apud. MEGA, cit, p.15. 16 querer dominar a sua própria vida, que se lhe escapa a cada instante, uma vez que a consciência só tem acesso a aspectos parciais da significação plena. 8 O mesmo autor refere que o que guia a consciência romântica é uma idolatria por uma ordem constituída pelo espírito humano 9. Revoltando-se contra o Neoclassicismo, o Romantismo caracteriza-se por uma liberdade artística, pela abolição das normas inspirando-se nos ideais políticos veiculados pela Revolução Francesa. Em todo o Século XIX surge uma tendência para abolir hierarquias e distinções entre as várias áreas artísticas. Assiste-se a uma diminuição da importância da tradição bem como dos centros de poder. Deste modo, pode definir-se o movimento romântico como uma abolição progressiva da hierarquia dos géneros e da distinção entre formas centrais e marginais. 10 Por toda a Europa, o romantismo era o estado da sensibilidade no fim do século XVIII e no princípio do século XIX. As suas primeiras manifestações ocorreram na Inglaterra e na Alemanha, tendo se manifestado um pouco mais tarde em França, nos países do Sul e na Escandinávia. Tal como o Renascimento, o Romantismo era um movimento do espírito, (…)um modo de sentir e de pensar que se manifestava em todos os domínios da ciência e das artes, das letras, da filosofia, da religião, da política e da vida social. 11 8 GUSDORF, cit, p.324. Apud. MEGA, cit, p.15. GUSDORF, Georges, 1984, p.330. 10 ROSEN, Charles; ZERNER, Henri – Romanticism and Realism. The Viking Press, New York, 1984, p.35. Apud .MEGA, Rita - Imagens da Morte – A Escultura Funerária do Século XIX nos cemitérios de Lisboa e do Porto. U.L.F.B.A., 2001, p.15. 11 A Enciclopédia. Volume XVIII. Público e Ed.Verbo, S.A.Geral, 2004, p. 7448. 9 17 Todas estas condições adversas e estes anos de agitação social permitiram e proporcionaram o surgimento de novas ideias, diferentes formas de pensar e ver o mundo. Cresceu o valor do indivíduo, tornando-se o “Eu” e a percepção subjectiva o novo tema da arte, opondo-se à visão fria e racionalista do mundo, característica dos artistas do Classicismo, contrapondo-se ao mundo dos sentidos e à imaginação individual do romantismo. Com o Romantismo, o observador da obra de arte passou a ter um novo papel. Exigiam-se receptores tão compreensivos e sensíveis como eles 12, (os artistas). Uma forma de contemplação surge então com este movimento artístico que irá repercutir-se nos movimentos posteriores, inclusive no modernismo e na arte contemporânea. Procura-se que o observador atribua significados às imagens que se lhe apresentam, significados estes que se relacionam com as emoções e sentimentos de quem observa. O pintor intérprete do mundo 13 exterioriza os seus sentimentos e emoções nas suas pinturas e estes transformam-se num espelho, numa superfície de projecção para o observador. 14 Em Portugal, a depressão económica e o vácuo político provocados pela permanência da família real e dos centros de decisão no Brasil, determinaram a eclosão de uma revolução em 1820, movimento este de ideologia liberal que também se generalizava pela Europa e que obteve a aceitação unânime de todos os sectores sociais. 12 KRAUBE, Anna-Carola – História da Pintura – do renascimento aos nossos dias. Colónia, 1995. Könemann, p.59. 13 KRAUBE, cit, p.59. 14 KRAUBE, cit, p.59. 18 Com o regresso do Rei em 1822, os meios conservadores combateram a consolidação da nova ordem política proposta pela Constituição de 1822, a qual é suspensa logo no ano seguinte (Vila Francada). D.João VI morre em 1826 e instala-se com D.Miguel uma crise dinástica. Em 1828 o absolutismo é formalmente restaurado, no entanto a política repressiva dos governos miguelistas contribui para o rápido crescimento das forças liberais. Ao nível social as transformações também foram intensas, a revolução liberal acentuou a clivagem social, a população burguesa rica, remediada ou mesmo pobre, distingue-se por sinais extremos, quer no trajo como na linguagem. Ao nível económico, a separação do Brasil foi determinante na primeira metade do séc. XIX, pois era o destino de dois terços das exportações nacionais. No que diz respeito à arte em Portugal, toda esta situação política e social teve consequências devastadoras para a prática artística. 15 A vitória de D.Pedro IV e da sua filha D.Maria II conhecida por rainha inocente 16 marcou o início de uma nova era política, social e cultural em Portugal uma vez que a fuga da família real para o Brasil em 1807 determinou a interrupção das obras do Palácio da Ajuda que na época sob a direcção de Vieira Portuense e Domingos António Sequeira se delineara como centro decisivo de actividade, uma escola também, não só para os arquitectos mas também para os pintores e escultores que deveriam executar ambiciosos programas decorativos (…). 17 15 PEREIRA, Paulo – História da Arte Portuguesa, Lisboa: Temas & Debates, 1995-1999, vol.III ( Do Barroco à Contemporaneidade/ Luísa Arruda…[et al.], p.329. 16 FRANÇA, José Augusto – História da Arte em Portugal - O Pombalismo e o Romantismo, Lisboa: Editorial Presença, 2004, p.83 17 PEREIRA, cit., p.329. 19 Quando, em 25 de Outubro de 1836, foi fundada a Academia de Belas Artes de Lisboa, transitaram para ela alguns dos artistas das obras da Ajuda. No mesmo ano, a 22 de Novembro, Passos Manuel fundou a Academia Portuense de Belas Artes, procurando rejuvenescer o ensino artístico em Portugal. Segundo Raquel Henriques Silva 18, estas escolas partiram de modelos setecentistas romanos e franceses no que diz respeito às referências estéticas e aos programas de ensino, no entanto com recursos financeiros restritos. Como objectivos principais, estas novas instituições pretendiam uma reforma geral da instrução pública, promovendo a civilização geral dos Portugueses, difundindo por todas as classes o gosto pelo belo, bem como proporcionar meios de melhoramento aos ofícios e artes fabris. Na Academia de Lisboa, situada no Convento de São Francisco, António Manuel da Fonseca (1796-1890), com formação na velha Aula de Desenho da Casa Pia e que estivera em Roma entre 1827 e 1834, estava responsável pela cadeira de Pintura nesta instituição. Conhecido como o pintor do “Eneias salvando seu pai Anquises no Incêndio de Tróia”, obra apresentada no segundo Salão da Academia em 1843, foi na altura bastante elogiado e sua obra reconhecida pela crítica nacional como de grande qualidade. Como professor na Academia propôs às gerações sucessivas de estudantes este modelo neoclássico, o que se transformou numa atitude considerada por alguns como fechada aos reptos nervosos e individualistas do século 19. Na escultura encontramos Francisco de Assis Rodrigues a quem aos trinta e cinco anos de idade coube o encargo desta cadeira. 18 19 PEREIRA, cit., p.329. PEREIRA, cit., p.329. 20 Na totalidade a Academia contava com oito professores, seis “substitutos” e quarenta e seis artistas de várias especialidades que tinham a categoria de “agregados”. No Porto, a Academia fundada na mesma altura que a de Lisboa, embora considerada mais modesta situava-se no Convento de Santo António e sob a direcção do pintor João Baptista Ribeiro que fora discípulo de Vieira Portuense, Sequeira e Teixeira Barreto, contando com um reduzido corpo de professores. Destacam-se como professores desta instituição nomes como João António Correia (professor em 1857) que estudara em Paris e Soares dos Reis (professor em 1862), artista que enriqueceu o ensino nesta escola. Como precursor do espírito Romântico, e assumindo uma atitude de rebelião, Tomás da Anunciação (1818-1879), foi um desenhador profissional do Museu de História Natural da Ajuda, que desde logo se habituou a um contacto directo com a paisagem, fez parte de um movimento de protesto na Academia, em 1844, que se tornou triunfante em 1852 quando teve acesso ao cargo de professor de Paisagem na escola cujos processos de ensino pusera em causa. Os jovens pintores românticos consideravam as iconografias clássicas da pintura de história ultrapassadas e de acordo com as transformações sociais e culturais em curso, estes artistas, procuravam trocar as práticas de ateliê muitas vezes submetidas à cópia bolorenta de más gravuras 20 pela prática da pintura ao ar livre à semelhança do que acontecia pela Europa em que o culto pela natureza assumia um novo conceito estético e de beleza. Destaca-se na obra de Tomás da Anunciação pinturas como “Lugar da Amora” de 1852, “Penha de França” de 1857 e pela sua superior qualidade 20 PEREIRA, cit., p.330. 21 “Vitelo” de 1873, obra que fora executada após viagem do artista a Paris, o que permitiu ver ao vivo obras de mestres como Rose Bonheur e Constant Troyon e que revela um nobre tratamento da luz que se abre mais subtil e tímbrica (…) no sentimento fugidio da captação de um instante atmosférico. 21 No que diz respeito aos escultores de mérito da geração romântica, podemos destacar Victor Bastos (1829-1894) escultor do monumento dedicado a Camões e também um dos artistas retratado na pintura de Cristino da Silva (18291877) “Cinco artistas em Sintra”. Relativamente à obra de Vítor Bastos é importante referirmos que já em 1836, Assis Rodrigues tinha proposto à Câmara Municipal um desenho para a estátua de homenagem ao poeta, no entanto este projecto foi considerado pobre de valores plásticos 22. Vítor Bastos que foi discípulo e assistente de Assis Rodrigues fez então uma proposta inspirado nos monumentos que observara na viagem que realizou a França e a Itália. O monumento, inaugurado em Junho de 1867 e custeado em grande parte por subscrição nacional era composto pela estátua de Camões ao alto, com quatro metros de altura e em bronze, sobre um pedestal oitavado e rodeado por oito esculturas de cronistas, poetas e cientistas dos séculos XV e XVI. Outro monumento que se destaca desta época é a estátua de D.Pedro IV, situada no Rossio e da autoria do escultor Elias Robert e do arquitecto Jean Davioud. Tendo sido inaugurada em 1858, depois de um atribulado concurso, nesta estátua, D.Pedro encontra-se representado em traje real e coroado de louros. É uma obra de influência francesa com a sua coluna coríntia. No seu 21 PEREIRA, cit., p.330. FRANÇA, José-Augusto – História da Arte em Portugal - O Pombalismo e o Romantismo, Lisboa: Editorial Presença, 2004, p.109. 22 22 pedestal quatro estátuas representam a Prudência, a Justiça, a Fortaleza e a Moderação, sendo considerado como um acertado conjunto monumental bem proporcionado na praça e bem relacionado com o fundo 23, o Teatro D.Maria. No Porto, e da autoria do mesmo autor, a homenagem prestada ao rei foi feita através de uma estátua equestre, escolhida em concurso e inaugurada em 1866. Torna-se importante referir que na colecção de desenhos do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, encontramos um desenho da autoria de Pedro Carlos dos Reis em que observamos um estudo para uma estátua equestre na cidade do Porto 24. Neste desenho podemos ver apontamentos precisos relativamente à estrutura do monumento, bem como à sua decoração. Surge então a hipótese de este desenho ser um estudo para o concurso referido anteriormente, não havendo no entanto referências que provem que o artista tenha concorrido ao mesmo. Na estátua de Calmels, situada na Praça da Liberdade no Porto, D.Pedro a cavalo leva na mão a Carta Constitucional. Esta obra, na altura foi a segunda estátua equestre de Portugal, cem anos depois da do monumento de homenagem a D.José erigido no Terreiro do Paço e da autoria de Machado de Castro. Mais tarde, em 1877 é erigido em Lisboa um monumento de homenagem aos Restauradores da Independência Pátria em 1640 e da autoria de António Tomaz da Fonseca. Este monumento fez parte do plano urbanístico da cidade, mais precisamente da transformação do Passeio Público da Avenida da Liberdade. Também este monumento revela o gosto da época e a influência francesa, havendo alguma semelhança com o monumento da Praça da Concórdia em França. A forma do pedestal de trinta centímetros, termina num obelisco e na 23 24 FRANÇA, cit., p.110. Ver Figura 25. 23 sua base apresenta uma figura feminina alada que representa o Génio da Liberdade e um Génio da Independência considerado de menos qualidade. 25 Segundo Ramalho Ortigão, os escultores incomparavelmente superiores aos pintores da mesma geração. românticos eram 26 Simões de Almeida, autor da estátua do Génio da Liberdade, de 1886, foi aluno da Academia de Belas Artes de Lisboa e discípulo de Francisco de Assis Rodrigues e Vitor Bastos, tendo também vivido em Paris a partir de 1865 como pensionista e onde frequentou o atelier de artistas como Jouffroy e A. Mercier. Premiado em vários concursos, Simões de Almeida continuou os seus estudos em Roma. Em 1872 regressa a Lisboa onde foi nomeado em 1881 professor de Desenho e mais tarde professor de Escultura após Vitor Bastos. Outras obras realizadas pelo escultor revelaram a sua versatilidade entre o academismo clássico romanizado mais do que francesado e uma delicada sensibilidade realista em que se esgotou uma personalidade modesta. 27 Entre elas podemos destacar “A Agricultura” realizada para a exposição industrial de 1888, “A Puberadade” de 1874 e “D.Sebastião” de 1877, ambas esculturas de pequena dimensão mas de grande pormenor, anunciando em simultâneo com “O Desterrado” de Soares dos Reis, o tempo do realismo ou naturalismo em Portugal. Embora sendo um artista de fim de século, não podemos deixar de fazer referência a António Soares dos Reis, nascido em Gaia no ano de 1847 e que apesar das suas origens humildes conseguiu estudar na Academia de Belas Artes 25 FRANÇA, cit., p.111. FRANÇA, cit., p.133. 27 FRANÇA, cit., p.133. 26 24 do Porto, tendo sido considerado como o melhor escultor português de meados do 28 século por José Augusto França. Tendo este escultor estudado em Paris, com Jouffroy, como sucedera com Simões de Almeida poucos anos antes, Soares dos Reis foi distinguido várias vezes pelo seu mérito e prosseguiu com os seus estudos em Roma onde permaneceu cerca de um ano e meio. Uma das obras mais importantes deste artista e considerada como a “mais célebre da arte portuguesa do século XIX” 29 foi apresentada ao público em 1874 depois do seu regresso de Roma, falamos de “O Desterrado”. Segundo França, “O Desterrado” teve como inspiração uma poesia de Herculano de 1831, “Tristezas do desterro”, que o escultor havia sentido aquando da sua estada no estrangeiro. O Desterrado foi símbolo de uma existência nacional, metafísica e social, na sua responsabilidade poética, imagem da saudade que era entendida, ou sentida, como passado e futura de Portugal. 30 Outras obras importantes realizou este escultor, que embora vivendo e trabalhando numa cidade menos interessada em arte e decoração que a capital 31, falamos da cidade do Porto, lhe proporcionava algumas encomendas, destacando-se entre elas a estátua de pé do benemérito Conde Ferreira, destinando-se esta escultura ao túmulo do retratado, o busto de Fontes Pereira de Melo e também o “Busto da Inglesa”, a estátua de D. Afonso Henriques de 1887 e a estátua de Brotero de 1888, sendo que a primeira se destinava á cidade de Guimarães e a segunda á cidade de Coimbra (Jardim Botânico). 28 FRANÇA, cit., p.128. FRANÇA, cit., p.128. 30 FRANÇA, cit., p.130. 31 FRANÇA, cit., p.130. 29 25 Na arquitectura desta época, em Portugal, segue-se o gosto internacional onde o historicismo ou o revivalismo são visíveis, destacando-se o Neomanuelino. Os progressos técnicos que surgiram com a revolução industrial permitiram no entanto a utilização e combinação de materiais diversos bem como de máquinas, sendo bom exemplo disso as estruturas metálicas consideradas modernas na época. Destaca-se o Palácio Nacional da Pena, em Sintra, que é considerado como uma das melhores expressões do romantismo arquitectónico do século XIX no mundo 32, sendo o primeiro palácio na Europa com este estilo e que foi construído cerca de trinta anos antes do conhecido Castelo de Neuschwanstein da Baviera. O Neomanuelino surge como a grande arquitectura em parte pela tendência nacionalista do romantismo. Como exemplo deste estilo encontramos o Hotel Palácio do Buçaco e a Quinta da Regaleira, em Sintra, do arquitecto Luigi Manini, bem como a Estação do Rossio, em Lisboa, do arquitecto José Luís Monteiro. Nos finais do século XIX vemos surgir o Realismo em Portugal, tendo o escritor Eça de Queirós dado a boa nova vinda de França numa conferência intitulada “O Realismo como nova expressão da arte”, realizada em Lisboa no ano de 1871, integrada nas conferências do Casino. Gustave Courbet (1819 – 1877), pintor de paisagens onde o romantismo e idealização da altura são substituídos por uma representação da realidade fruto de observação directa, era na altura o pintor que mais representava este movimento e juntamente com os ideais proferidos por Pierre-Joseph Proudhon (1809 – 1865), criava-se uma atmosfera polémica, uma corrente revolucionária 33. 32 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_Nacional_da_Pena. Consultado a 1 de Setembro de 2011. 33 FRANÇA, cit., p.134. 26 A destacar nesta época, encontramos Rafael Bordalo Pinheiro, que nascera em Lisboa no ano de 1846, autor de largas dezenas de livros e publicações em Portugal. Desenhador, aguarelista, ilustrador, decorador, caricaturista político e social, jornalista, ceramista e professor, o seu nome está intimamente ligado à caricatura portuguesa, à qual deu um grande impulso, imprimindo-lhe um estilo próprio que a levou a uma visibilidade nunca antes atingida. É o autor da representação popular do Zé Povinho, que se veio a tornar num símbolo do povo português. Também na mesma altura vemos surgir o “Grupo do Leão”, nome este que provinha do local (cervejaria “O Leão de Ouro”, junto ao Rossio), onde se reunia um grupo de jovens artista que viriam a destacar-se, entre eles Rafael e seu irmão Columbano Bordalo Pinheiro, Silva Porto regressado de Paris onde contactou o naturalismo de Barbizon e José Malhoa. Estes artistas expunham colectivamente as suas obras, tendo realizado um total de sete exposições até 1888. Também conhecidos como o “Grupo dos dissidentes”, nome que revelava como eles se afastavam do caminho então trilhado pelos românticos da geração de 4060 34. 34 FRANÇA, cit., p.143. 27 Capítulo II – O Artista: Pedro Carlos dos Reis (1819-1893) 1. Biografia/Formação Académica Pedro Carlos dos Reis ou Pedro Carlos Quádrio dos Reis (1819-1893), nasceu em Lisboa. É um escultor romântico oitocentista, conhecido como o autor da estátua de Bocage em Setúbal. São escassas as informações disponíveis sobre o artista, no entanto sabese que este era filho de Constantino José Quádrio dos Reis (1778-1865). Sobre o seu pai também pouco se sabe, apenas, segundo José Augusto França, que em 1836, vinha a ser nomeado Professor substituto de Escultura da Academia de Belas Artes de Lisboa. Todavia não chegou a tomar conta desse cargo, porque veio a ocupar o de Proprietário da mesma cadeira na Academia do Porto, por falta de escultores nessa cidade. Em acta da Academia de Belas Artes da capital, datada de 29 de Setembro de 1837, este artista apresenta um requerimento no sentido de retomar o seu cargo nessa instituição, alegando que nunca foi pago pelo seu exercício docente na Academia portuense. Em documentação desta última instituição de ensino, verifica-se que Constantino José dos Reis foi demitido, em 1841, para que o seu lugar pudesse ser ocupado por Manuel da Fonseca Pinto. 35 35 Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico 1836-1910 Vol.I – Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata Moura, p.231. 28 Figura 1 - Pedro Carlos dos Reis. (Anexo: 6 – Colecção do Museu de Setúbal – Documentos. Documento 9) Sabe-se também que Constantino José Quádrio dos Reis foi discípulo de Faustino José Rodrigues e ajudante de Machado Castro a partir de 1806. Pedro Carlos dos Reis é habitualmente apresentado como discípulo de seu pai, segundo Diogo Macedo 36 refere no seu artigo Notas de Arte, que passamos a citar: (...)estudou na Academia, quando esta se fundou, mas foi sobretudo discípulo de Constantino José Quadrio dos Reys, escultor portuense(...) e também segundo o documento Carta comprovando a formação dada por Constantino José dos Reys ao seu 36 Diogo Macedo – Ocidente. Out. 1946 29 filho Pedro Carlos dos Reis 37 (inv.nº3037 MS/CJ) que se encontra no espólio da colecção do Museu de Setúbal. Sabe-se também que foi eleito Académico de Mérito a 3 de Setembro de 1861, segundo os documentos Diploma da Academia de Belas Arte de Lisboa elegendo Pedro Carlos dos Reis para Académico de Mérito (inv.nº3044 MS/CJ) e Documento relativo a Pedro Carlos dos Reis (inv.nº3043 MS/CJ) que se encontram também na colecção do Museu 38. Neste mesmo ano o artista figurou com uma escultura na V Exposição Trienal da Academia Real das Belas Artes de Lisboa e também, segundo Diogo Macedo, expôs em 1868 na capital a sua obra “O Combate das Amazonas”39, baixo-relevo em mármore, cópia de um quadro de Rubens. Nesta exposição foi possível ver a obra de Pedro Carlos dos Reis ao lado de esculturas de Soares dos Reis, Victor Bastos e Manuel Maria Bordalo Pinheiro. Figura 2 - Batalha das Amazonas (Sic Victoria Victis). (Anexo 5 – Colecção do Museu de Setúbal – Escultura e baixos relevos. Figura 9). 37 Ver anexo 6 – Colecção do Museu de Setúbal – Documentos. Documento 2. Ver anexo 6 – Colecção do Museu de Setúbal – Documentos. Documentos 5 e 7. 39 Ver Figura 2 38 30 Segundo o bisneto do artista, Mestre Manuel Guimarães dos Reys Santos 40, Pedro Carlos dos Reis viveu muito tempo em Lisboa e tinha uma propriedade em Paio-Pires, no Seixal. Mestre Reys refere também que muitos dos seus desenhos têm contas e números, estas contas eram relativas a despesas que ele tinha com a sua propriedade. Figura 3 - Banquete dado por Periandro aos sete sábios da Grécia.. (Anexo 1 – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reys. Figura 10). Sobre o pai do artista, Constantino José Quádrio dos Reis, Mestre Reys confirma na entrevista dada que Pedro Carlos dos Reis foi discípulo do seu pai e por sua vez, este foi discípulo de Machado de Castro, referindo-se a este como professor de escultura no Porto e até um pouco revolucionário, não era monárquico. 40 Ver anexo 2- Colecção particular do Mestre Manuel Guimarães dos Reis - Entrevista ao Bisneto de Pedro Carlos dos Reis, Mestre Manuel Guimarães dos Reys Santos. 31 Relativamente aos desenhos, Mestre Reys considera que o pai do artista Pedro Carlos dos Reis tinha um tipo de desenho muito diferente do seu filho, como se pode observar nas imagens. 41 Figura 4 - Estudo de figura feminina de perfil e de frente com probabilidade de ser um estudo a partir do cânone feminino (?). (Anexo 1 – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reys. Figura 13). 41 Ver Figuras 3 e 4 ou ver Anexo 1 – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reys. Figuras 10, 11, 12 e 23. 32 Segundo o bisneto do artista, Pedro Carlos dos Reis não teve discípulos. Provavelmente tinha o seu atelier em Lisboa, mas no entanto não existem certezas por parte dos familiares. Foi pai de três filhos, duas raparigas e um rapaz, Hemogenes Carlos dos Reis, que estudou arquitectura e viveu muito tempo no Brasil, onde executou vários projectos para Igrejas. Mestre Reys caracteriza Pedro Carlos dos Reis como uma pessoa extremamente modesta e muitas vezes os seus desenhos eram utilizados por outros. Este assunto na altura deu alguma polémica pois as suas esculturas muitas vezes eram assinadas pelos canteiros e não por ele (isso aconteceu em obras que executou para os cemitérios dos Prazeres e Alto de S.João e também na estátua do Bocage em Setúbal) 42. 2. A Obra (geral) Grande parte da obra que se conhece de Pedro Carlos dos Reis encontrase no espólio do Museu de Setúbal, tendo sido doada ao Museu pela Senhora Dona Maria da Conceição Reis Gomes de Sousa e Mestre Manuel Guimarães dos Reys Santos, ambos bisnetos do artista. . Segundo Fernando António Baptista Pereira, antigo director do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, as obras mais importantes do autor são a estátua de 42 Ver Anexo 2- Colecção particular do Mestre Manuel Guimarães dos Reis - Entrevista ao Bisneto de Pedro Carlos dos Reis, Mestre Manuel Guimarães dos Reys Santos 33 Bocage, em Setúbal, inaugurada em 1871 43, e o baixo-relevo em mármore “Combate de Amazonas” 44, inspirado numa composição de Rubens. O escultor realizou, também, variados monumentos funerários no cemitério dos Prazeres em Lisboa. Relativamente a estas e outras obras, o próprio Pedro Carlos do Reis, fez uma referência, numa carta aberta escrita ao Jornal “A Nação” de 29 de Agosto de 1860 45, a propósito de uma grande polémica que se instalou na altura relacionada com o Concurso para a substituição da cadeira de escultura que teve lugar na Academia de Belas Artes de Lisboa em 1859/1860, e refere-se então o artista a essas obras da seguinte forma: Sr: Redactor: Rogo-lhe o obsequio de publicar no seu Jornal a relação das obras d’esculptura em pedra que eu tenho executado e continuo a executar, para conhecimento de algumas pessoas que o ignoram; a saber: 1º Busto do retrato do Sr.João José Coelho, negociante do Porto, feito em pedra lioz, debaixo da direcção de meu pae, o Sr.Constantino José dos Reis, professor da Academia das Bellas Artes da mesma cidade. 2º Busto do retrato do Sr.Alexandre de Campos existente em Braga. 3º Quatro estátuas, representando sugeitos sacros em pedra d’Itália, para o Sr.Buchardo, em Lisboa. 4º Estátua de S.Pedro apostolo, do tamanho de seis palmos, em pedra lioz, existente no tumulo do Sr.Francisco Antonio d’Andrade, em o cemitério do alto de S.João. 43 Ver Anexo 6 – Colecção do Museu de Setúbal – Documentos. Documento 4. Ver Figura 2 45 Ver Anexo 5- Jornal a Nação de 29 de Agosto de 1860 44 34 5º Grupo representando a Caridade, de 8 palmos d’alto, em pedra lioz, que executei para o Brazil. 6º Alto relevo em forma quadriloaga, de dez palmos de alto e quatorze de largo, em pedra lioz, representando o Santissimo Sacramento cercado de anjos, para o frontão da egreja matriz de Pernambuco. 7º Quatro evangelistas, meio colossaes para a dita egreja, dois dos quaes estão entre mãos. Alem destas e outras obras em marmore, tambem tenho executado muitas obras em madeira. Lisboa 16 de Agosto de 1860 Pedro Carlos dos Reis, estatuario e concorrente preferido 46 no logar de substituição da cadeira de esculptura da academia das Bellas Artes de Lisboa. O escultor dedicou-se bastante à realização de obras de temática religiosa ou profana, como vemos referido na carta publicada no Jornal “A Nação”, obras estas que foram realizadas para igrejas ou para particulares. Existem também, e com um peso bastante significativo e importante para a compreensão da obra e espírito deste artista, numerosos desenhos de esboço sobre variadíssimos temas e alguns exemplares de caricaturas e de cenas humorísticas, revelando uma faceta porventura insuspeita do artista, mas inteiramente compreensível no ambiente da época em que viveu, no qual pontificou a imaginação criadora e satírica de Rafael Bordalo Pinheiro. 46 Esta palavra poderá ser uma gralha, podendo tratar-se de “preterido”(?). 35 3. A Estátua de Bocage A estátua de Bocage, na cidade de Setúbal, situada na Praça com o mesmo nome foi inaugurada no dia 21 de Dezembro de 1871, sendo um dos primeiros monumentos públicos do liberalismo português, tendo assistido à cerimónia o ministro do reino, representantes das Academias e várias personalidades das ciências e da literatura. Em 1865, por ocasião do centenário do nascimento de Bocage, o poeta António Feliciano de Castilho e seu irmão José de Castilho lançaram, no Império do Brasil, uma subscrição pública tendo em vista erigir-se um monumento ao Poeta na sua terra natal, Setúbal. Recolheram 8.427.640 réis, quantia posteriormente depositada, por fases, na casa Fortinho e Moniz, que veio a falir. Felizmente, não se tinha depositado uma última quantia, no valor de 162 mil réis e o banco, por seu turno, devolveu 162 mil réis. Foram estas duas últimas verbas que custearam a estátua, feita pelo escultor Pedro Carlos dos Reis. Os desenhos do escultor foram entregues à oficina lisboeta de Germano José de Sales, que executou a obra em pedra lioz de Pêro Pinheiro. 36 Figura 5- Monumento a Bocage. Postal de Setúbal, data provável 1905. O monumento 47 consta de uma coluna coríntia assente sobre quatro degraus e rematada pela estátua do Poeta, tendo na mão direita uma pena e na esquerda um maço de papel; a sua altura é de 2 metros e todo o monumento mede doze metros de altura. Tem quatro inscrições no pedestal: 47 Ver Figura 5 37 Estátua de Bocage 1805-1905 – C.Municipal A.M.M. Barbosa du Bocage Admiradores seus Portuguezes e Brazileiros MDCCCLXXI ___ . ___ De elmano eis sobre o marmore sagrado A lyra em que chorava ou ria amores... Ser d’elles, ser das muzas, foi seu fado! Honrai-lhe a lyra vates e amadôres! Estátua da autoria de Pedro Carlos dos Reis Fez Germano J. De Salles. A 22 de Novembro foi lançada a primeira pedra e menos de um mês depois, foi inaugurada. Segundo o Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira, o modelo criado por Pedro Carlos dos Reis e executado por Germano José de Sales viria a ser replicado, dois anos depois da sua inauguração, na cidade brasileira de S.Luís do Maranhão, desta feita para celebrizar o poeta romântico local Gonçalves Dias (1823-1864), apresentando, apenas, diferenças na composição e decoração da coluna e, naturalmente, no retrato do poeta 48. Apesar de o monumento se encontrar assinado apenas pelo canteiro Germano Sales, que, ao que parece, era useiro e vezeiro em abusar dos 48 Ver Figura 6 38 desenhos originais de Pedro Carlos do Reis noutro tipo de obras, tudo leva a crer que terá existido um desenho de base da autoria do escultor português.49 Figura 6 - Monumento a Gonçalves Dias. S. Luís do Maranhão (Brasil). 49 Catálogo da Exposição “Pedro Carlos dos Reis (1819-1893) Escultura e Desenho – Casa de Bocage 1996. 39 4. O Concurso da Academia de Belas-Artes de Lisboa Entre 1856 e 1860, ocorreu um dos casos que mais marcou a vida académica da Academia de Belas-Artes de Lisboa. O concurso de provimento da substituição da Aula de Escultura, deixada vaga com a morte de Araújo Cerqueira, teve como primeiros candidatos: Vitor Bastos, Manuel Maria Bordalo Pinheiro e José Maria Caggiani, tendo o júri aprovado o primeiro candidato. No entanto, por interferência do director da Academia, Assis Rodrigues, que queria beneficiar o seu discípulo Caggiani, este concurso foi anulado pelo Conselho Superior de Instrução Pública. Perante esta situação, praticamente todo o corpo docente se manifestou contra a atitude do director. Primeiro, através de declarações transcritas para as actas da conferência académica, como foi o caso das de Francisco Metrass, de Costa Sequeira e de Joaquim Pedro de Sousa. 50 E passamos a citar as referidas actas: Declaração de Francisco Metrass, Cf. Acta da Conferência Académica de 28 de Abril de 1857: Senhor Presidente, a minha consciência molestada ainda bastante pela ofensa que recebeu o resultado da votação que teve lugar na decisão do concurso de substituto 50 Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico 1836-1910 Vol.I – Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata Moura, pág.262 40 da cadeira de escultura, ressente-se ainda neste momento por se achar colocada na mesma posição, temendo talvez ser ainda ofendida. Mas não Senhor Presidente, a minha dignidade como membro deste corpo académico a que tenho a honra de pertencer, não consentirá nunca que o meu voto consciencioso seja lançado à urna para ser destruído por uma informação particular. Por consequência declaro que não sujeito o meu voto a uma informação confidencial. Declaração de Costa Sequeira, Cf. Acta da Conferência Académica de 28 de Abril de 1857: Declaro que me resolvi a votar constrangidamente no importantíssimo objecto submetido hoje ao julgamento e decisão da Academia, pelo único e transcendente motivo de não estorvar e paralisar o regular andamento dos actos académicos, e por não prescindir da melhor prerrogativa concedida aos professores desta Academia pelo Artº116 dos Estatutos. Declaração de Joaquim Pedro de Sousa, Cf. Acta da Conferência Académica de 28 de Abril de 1857: Depois de ter sido anulado, como foi, o recente concurso à substituição da cadeira de Escultura que teve lugar nesta Academia; depois de ter sido anulado o meu voto conscensioso; o meu voto e o da grande maioria que aprovou um dos candidatos, cujos votos foram apreciados por toda a imprensa e pela opinião pública; não posso deixar de declarar que é com a maior repugnância que hoje torno a vir lançar na urna o meu voto, sempre conscensioso, sobre os trabalhos apresentados a este concurso; é muito vexado que vim e continuarei a vir votar porque a minha posição a isto me obriga; quero dizer que, necessitando do subsídio que me dá a Nação como professor desta Academia, não posso deixar de cumprir com todas as obrigações conforme ordenam os Estatutos. Os meus desejos teriam sido cessar imediatamente de fazer parte desta corporação, desde o momento em que foi sabedora que todos os seus actos relativamente àquele concurso foram anulados sob a influência de uma informação confidencial. Como já disse, a minha 41 posição não me permite obrar assim, é a razão por que continuarei a figurar em tais actos, quando desde aquele momento se tornaram completamente inúteis. Mais tarde, através de uma petição dirigida ao rei, datada de Março de 1857, exigia-se a legalidade e denunciavam-se todas estas manobras do director que pretendia aprovar o seu aluno, esta petição foi assinada pelos professores Francisco Metrass, Joaquim Pedro de Sousa, Tomás da Anunciação, Costa Sequeira e António Manuel da Fonseca. Passados uns anos, entre 1859/1860 realizou-se segundo concurso a que concorreram dois dos candidatos anteriores: Vitor Bastos e José Maria Caggiani, e também outros três concorrentes: Francisco Romano, António Joaquim Seabra e Pedro Carlos do Reis. Após a avaliação dos trabalhos pela conferência académica, que contou com uma exposição pública na Biblioteca da Academia de Belas-Artes de Lisboa, das cinco estátuas e provas dos vários concorrentes (tendo a mesma sido anunciada publicamente no jornal “A Nação” de 9 de Agosto de 1860)51, a votação fez empatar os candidatos Vitor Bastos e Pedro Carlos dos Reis. Obedecendo ao procedimento estabelecido para estes casos pelos Estatutos da Academia, Assis Rodrigues, como director, deu o seu voto de desempate a Reis em detrimento, mais uma vez, de Vitor Bastos. 52 Novamente, esta atitude do director da Academia gerou grande polémica, desta vez através de vários artigos publicados na imprensa da época, nomeadamente no já referido Jornal “A Nação” e também em resposta aos artigos 51 Ver Anexo 1 – Jornal “A Nação” de 9 de Agosto de 1860. Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico 1836-1910 Vol.I – Maria Helena Castel-Branco Lisboa Barata Moura, pág.263 e 264 52 42 do Senhor Estevão José Pereira Palha, surgiu um documento escrito por João José dos Santos publicado pela Imprensa Nacional em 1860. O primeiro artigo foi publicado a 14 de Agosto de 1860 53 no jornal acima citado, e nele o Senhor Estevão J.P.Palha refere-se a cabalas da Academia, acusando os professores da seguinte forma: è que a parte mais classificada dos professores da Academia das Bellas Artes de Lisboa repellem o mérito e glardoam a mediocridade. Relativamente às obras dos dois concorrentes empatados no concurso, Estevão J.P.Palha refere-se da seguinte forma: A estátua do Sr.Reis, na minha humilde opinião, é mediocre, tem o braço direito visivelmente defeituoso, sendo uma parte mais curta do que a outra. As formas são efeminadas atrevo-me até a dizer, que é um plagiato, não de uma estátua, mas de duas. A parte superior, quando a vi, recordei-me da “Diana a Caçadora”, a parte inferior o “Apollo de Belvedere”, Os animaes não me agradaram, há um cão, que parece mais rapoza do que cão, disseram-me que era de raça inglesa, será; e os de lá serão assim, os de cá não; resumindo, a estátua não me agradou. Em quanto à estátua do Sr.Bastos, agradou-me muito e estou certo que se Vénus viesse a este mundo e aquelles gessos se podessem animar não havia de hesitar na escolha, os caens da estátua do Sr.Bastos são cheios de vida e verdade. Ainda neste artigo, o Sr.Estevão J.P.Palha refere que em caso de empate, o director da Academia deveria ter tido em consideração o candidato que mais tivesse produzido em mármore, fazendo referência às obras de Vitor Bastos, que estaria em vantagem numérica relativamente às obras de Pedro Carlos do Reis que refere nada conheço. 53 Ver Anexo 2 – Jornal “A Nação” de 14 de Agosto de 1860. 43 Em resposta a este artigo, o próprio director, Francisco Assis Rodrigues, enviou uma carta que foi publicada no mesmo Jornal a 18 de Agosto de 1860 54 e também no Jornal do Comércio na mesma data 55, onde diz o seguinte: O director está firmemente convencido, e sempre o estará, de que desempatando a favor das obras do Sr.Reis, praticou um acto de justiça, e usou d’um direito que a lei lhe confere. Seguiu-se um outro artigo, O Concurso da Academia de Bellas-Artes e os 56 detractores do Sr.Assis, publicado a 25 de Agosto de 1860 , atrás referida, onde se faz uma crítica a toda esta situação e se refere: As insinuações preferidas não aproveitam à arte, e muito menos à causa que se defende. Por último, surge uma carta também publicada no mesmo Jornal, a 29 de Agosto de 1860 57, onde Pedro Carlos dos Reis defende a sua posição, fazendo referência à obra por ele já realizada 58 e contestando as acusações proferidas pelo Sr.Estevão J.P.Palha. Relativamente ao lugar deixado vago por Araújo Cerqueira, veio a ser ocupado, no fim de tanta polémica, por Victor Bastos, que passou a participar regularmente na vida académica como professor substituto de Escultura, não havendo no entanto qualquer manifestação do corpo académico nem em actas das conferências, nem através de qualquer outro documento interno, em relação a esta mudança. 54 Ver Anexo 3 – Jornal “A Nação” de 18 de Agosto de 1860. Ver anexo 3- Colecção particular de Mestre Reys – Documentos. Documento 36. 56 Ver Anexo 4 – Jornal “A Nação” de 25 de Agosto de 1860. 57 Ver Anexo 5 – Jornal “A Nação” de 29 de Agosto de 1860. 58 Ver páginas 38 e 39 55 44 Capitulo III – A Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus 1. Pedro Carlos dos Reis – O Desenho Grande parte da colecção de desenhos de Pedro Carlos dos Reis, cedida ao Museu de Setúbal/ Convento de Jesus pela família do artista, está catalogada, sendo vasto o número de obras nesta colecção. Na sua generalidade são desenhos de esboço ou estudos do artista realizados durante a sua vida, não sendo possível ter uma noção da altura exacta ou sequência temporal em que estes foram realizados, pois grande parte dos desenhos não estão datados. Existem vários temas tratados nesta colecção, e por uma questão de organização deste capítulo e também como forma de melhor compreensão e análise das obras/desenhos, optamos por agrupar alguns conjuntos de desenhos, tendo organizado esta parte do trabalho segundo os seguintes temas: 1- Academias 2- Estudos para a estátua de Bocage em Setúbal 3- O Jacaré Revista de sátira 4- Desenhos de sátira 5- Estudos para estátuas 6- Estudos para jazigos 7- Estudos para baixos-relevos do Teatro da Trindade 8- Estudos de cabeças / rostos 45 Como já referimos, são na sua maioria desenhos de esboço de traço rápido, que revelam o espírito de estudo e procura de aperfeiçoamento técnico por parte do artista. Existem também, estudos/desenhos de projectos para obras que Pedro Carlos dos Reis viria a realizar, nomeadamente na área da escultura, destacando-se os desenhos para a estátua de Bocage em Setúbal e os estudos para estátuas. Para além dos registos gráficos/pictóricos o artista por vezes faz algumas inscrições nos desenhos, podendo ser indicações essenciais à obra em si, no caso de serem estudos para esculturas, outras vezes apenas como forma de aproveitamento do papel que para além de conter desenhos nos dois lados do papel, servia também de rascunho para apontamentos triviais, como as contas correntes, dívidas ou até mesmo recados a fornecedores de materiais. De uma forma geral estes desenhos mostram que Pedro Carlos dos Reis tinha domínio nas questões mais académicas do desenho e conhecimentos nas áreas da composição formal e anatomia. O seu traço é leve, expressivo e rápido, também devido ao tipo de registo de esboço, no entanto nos desenhos mais elaborados podemos admirar as suas capacidades na modelação da luz/sombra. Estes são tipicamente desenhos de escultor, notando-se sempre grande interesse do artista mais pela forma do que pela modelação da luz e mancha. Os materiais utilizados para estes desenhos não variam muito, sendo o lápis de carvão e a tinta sépia ou a tinta-da-china aplicadas com pena os mais comuns. Relativamente aos supores, não se podem considerar nobres, possivelmente o artista aproveitava qualquer tipo de papel ou cartão que tinha á sua disposição no momento e cadernos de papel liso. 46 O estado de conservação dos desenhos desta colecção pode-se considerar bom e bem conservado apesar da pouca qualidade do tipo de papéis utilizado pelo artista nas suas obras. A observação das obras e os apontamentos realizados durante este processo enriqueceram, no que diz respeito a informações técnicas, o conhecimento que se tinha desta colecção. O registo fotográfico de toda a colecção do Museu, realizado nas instalações do mesmo e com o acompanhamento da Doutora Francisca Ribeiro foi uma etapa de grande importância no desenvolvimento do trabalho, pois permitiu um melhor conhecimento e estudo da obra a posteriori bem como uma catalogação de melhor qualidade que a existente até à altura. Toda a colecção do Museu foi então reorganizada e feita a respectiva inventariação das imagens, segundo o inventário que já existia e que foi disponibilizado através de fichas manuscritas digitalizadas. Para uma melhor compreensão da obra e respectiva consulta, os anexos correspondentes á Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus foram organizados da seguinte forma: Colecção do Museu de Setúbal Anexo 1 - Colecção do Museu de Setúbal – Academias. Anexo 2 - Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Anexo 3 - Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de estudos. Anexo 4 - Colecção do Museu de Setúbal – Álbum “Notas, caricaturas, expressões, impressões”. 47 Anexo 5 – Escultura e baixos-relevos. Anexo 6 – Documentos. Ao Anexo 1, correspondem um total de cinco desenhos; ao Anexo 2 um conjunto de 154 desenhos; ao Anexo 3 corresponde um caderno de estudos em que foram fotografados 77 desenhos; ao Anexo 4 corresponde um álbum com um total de 7 desenhos; no Anexo 5 encontramos imagens de 7 obras de escultura e baixos-relevos e por último, no Anexo 6 foram fotografados 9 documentos relativos à vida e obra do artista. A acompanhar as figuras em Anexo é possível ter acesso a determinadas informações que se consideram essenciais no estudo de desenhos e que passamos a enunciar: - Título; - Autor; - Dimensões; - Data exacta ou aproximada; - Suporte e instrumentos utilizados; - Estado de conservação; - Local onde se encontra a obra actualmente. - Número de inventário; - Observações; 48 2. Academias Este tipo de desenhos, tal como o nome indica, são desenhos realizados no âmbito da formação académica do artista. Representam modelos nus masculinos num total de cinco desenhos nesta colecção. Figura 7- Sem título (estudo académico de nu masculino). (Anexo 1 – Colecção do Museu de Setúbal – Academias. Figura 3) 49 Estes são desenhos comuns das aulas da Academia e bem explorados no que diz respeito à representação anatómica dos modelos, notando-se que Pedro Carlos dos Reis tinha bastantes conhecimentos nesta área e dominava as técnicas do claro/escuro ou luz/sombra. Pode-se também considerar que relativamente à expressão, o artista conseguiu um melhor resultado no rosto dos modelos. No desenho da fig.7 podemos observar um exemplo de uma Academia, em que a figura masculina do homem mais velho está em pé apontando com o braço direito e o mais novo ajoelhado sobre um banco ou bancada, numa atitude de religiosidade, implorante, podendo este desenho ter sido realizado a pensar numa cena religiosa. Os restantes desenhos de Academias desta colecção representam figuras masculinas em posições diversas, sendo que em três destes desenhos os modelos se encontram em pé e apenas num dos desenhos o modelo está sentado. 59 Em todos estes desenhos o material utilizado foi a grafite ou carvão sobre papel de dimensão próximas do formato A3. Segundo o inventário realizado pelo Museu, estes desenhos pertencem a cerca do último quartel do Século XIX, altura em que Pedro Carlos dos Reis estudava na Academia de Belas Artes. 59 Ver Figura 7 e ver Anexo 1 – Colecção do Museu de Setúbal – Academias. Figuras 1, 2, 4 e 5 50 3. Estudos para a estátua do Bocage em Setúbal São quatro os desenhos que se encontram na colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus que tratam esta temática, estando apenas os três primeiros identificados e com indicações que assim o comprovam, no entanto, o quarto e último desenho, consideramos que também se trate de um estudo para a estátua de Bocage devido às semelhanças físicas com o Poeta. Figura 8- Estudo da cabeça de Bocage (estátua em Setúbal). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 52). Estes são desenhos de esboço e de estudo para a estátua que se encontra em Setúbal e representam apenas a cabeça do Poeta. 51 Expressivos no traço e também rigorosos na estrutura anatómica, têm grande valor nesta colecção. Figura 9 – Estudos para a estátua do Bocage. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 53). No desenho da Figura 8, realizado a grafite sobre papel, podemos ver uma representação do poeta de perfil, desenhado com uma linha leve, sinuosa e expressiva em que o artista deu maior importância à zona do rosto, deixando a zona dos cabelos representada apenas com um leve apontamento gráfico de várias linhas. Do lado esquerdo e direito do desenho podemos observar dois leves apontamentos de dois rostos, um a três quartos e outro de frente. Também a acompanhar a figura central encontram-se leves inscrições com o nome do Poeta. No canto superior direito encontramos a seguinte inscrição: “estudo da cabeça para o monumento em Setúbal”. 52 Na Figura 9 observamos dois retratos do poeta, ambos de perfil, no entanto aqui já podemos observar um maior detalhe na expressão do rosto e cabelos, bem como um breve estudo ou apontamento do vestuário. Também nestes desenhos encontramos inscrições: no primeiro desenho “estudo cabeça Bocage” e no segundo desenho “estudo para estátua do Bocage?”. Estas inscrições provavelmente não foram escritas pelo artista, mas sim mais tarde pela sua família. Figura 10 – Estudo para a estátua do Bocage (?). (Anexo 3 – Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de Estudos. Figura 14). No desenho da Figura 10 supomos que será também um estudo para a estátua de homenagem a Bocage em parte devido às semelhanças com os 53 desenhos tratados anteriormente. Este desenho encontra-se num caderno de desenhos, de papel fino, que pensamos que o artista usava como diário gráfico, realizado a lápis de grafite, mostra-nos o poeta a três quartos. Aqui nota-se um tratamento mais trabalhado da luz/sombra no rosto de Bocage bem como uma maior expressividade, destacando-se a zona dos olhos e sobrancelhas. No verso deste desenho encontra-se uma inscrição que diz o seguinte: “entreguei orçamento ao escrivão…a 17 do mez de Fevereiro de 1876”. Tendo a estátua do Bocage sido inaugurada a 21 de Dezembro de 1871, podemos supor que este desenho terá sido feito depois da criação da estátua, no entanto as semelhanças são muitas e fica assim a dúvida e a hipótese de o artista ter escrito esta mensagem uns anos mais tarde. 54 4. O Jacaré – revista de sátira O Jacaré era uma revista / Jornal do séc. XIX dedicada à sátira e ao escárnio. Os desenhos que se encontram na colecção do Museu provavelmente seriam estudos para a referida revista, ilustrando assim o título da mesma. Podemos observar dois estudos distintos, um em que o artista apenas faz o desenho do lettering, procurando alternativas compositivas e um outro em que incluí uma figura de um homem montado num jacaré, acompanhado por várias personagens fantásticas e que avança pelo lettering, criando assim uma imagem dinâmica e com muito movimento. Este segundo desenho revela um espírito muito criativo, imaginativo e lúdico do artista. É notoriamente um desenho muito interessante em vários aspectos, quer técnicos, quer formais e estéticos, o que o torna também uma das obras mais importantes desta colecção. Para além destes estudos de lettering realizados pelo artista para a revista/Jornal O Jacaré, podemos encontrar na colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis outros estudos do género. 60 60 Ver Capítulo IV – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis. 55 Figura 11 – Estudo de caricatura e de lettering “Jacaré”. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 141) O desenho da Figura 11 realizado a tinta-da-china e grafite sobre papel de formato aproximado do A4 é composto por dois estudos para o lettering da referida revista, um na parte superior da folha e outro na parte inferior. O primeiro apresenta-se desenhado a grafite e podemos observar que em volta das letras da palavra Jacaré se encontram empoleiradas várias figurinhas caricaturais em diferentes posições e um breve apontamento junto das letras R e E da cabeça do animal que dá nome á revista. Na boca do jacaré está também uma pequena figura de um homem que está a ser comido pelo animal. 56 Na parte inferior do desenho encontramos apenas o estudos das letras que nos lembra o estilo “arte nova” em que os ornamentos que prolongam o corpo das letras têm uma forma encaracolada a lembrar motivos vegetalistas. Aqui o artista já aplicou a tinta-da-china no seu desenho. Em cima destas letras passeia uma figura de um homem que está meio agachado e com o braço direito levantado, parecendo que está a chamar alguém. No verso deste desenho está outro, realizado também a grafite e tinta-dachina e que nos mostra uma figura alegórica à Restauração de 1640, como se pode ver na Figura 12. Figura 12 – Figura alegórica à Restauração (1640). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 142) 57 Figura 13 – “O Jacaré”. Estudo para lettering de Jornal de sátira. Diversas figuras caricaturais.(Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 143) Na Figura 13 podemos ver o segundo desenho desta colecção, dedicado a este tema. Neste desenho o tratamento dado às várias partes que o compõem é sem dúvida superior ao da Figura 11, podendo se observar um maior detalhe e pormenor nos vários personagens que habitam as letras, bem como na figura do jacaré que se encontra na parte de trás de toda a composição. 58 Ginastas pendurados, uma senhora já com uma certa idade sentada na cauda do jacaré, com uma perna ligeiramente levantada e a fumar descontraidamente, dois músicos enrolados nas letras, um senhor com uma grande barriga e de bengala que sobrevoa toda esta cena num balão de ar, um militar que levanta a sua espada, homens a serem engolidos pela enorme boca do jacaré que também se agarra às letras do seu nome e no centro um homem maior que todos os outros está sentado no dorso texturado do animal e grita com a cabeça enfiada na letra O e com as mãos no ar. Este é sem dúvida um desenho de grande qualidade formal e muito criativo, que revela o espírito crítico e o humor de Pedro Carlos dos Reis bem como as suas qualidades artísticas. Na parte superior, bem como no verso deste desenho, encontramos leves apontamentos de várias figuras caricaturais e algumas inscrições que dizem: “burlescas”. Estas inscrições são possivelmente os primeiros estudos para o desenho 61 que o artista realizou para outro lettering, encontrando-se este desenho na colecção particular do seu bisneto e que iremos tratar no capítulo IV. 61 Ver Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis – Fig.21. 59 5. Desenhos de Sátira Uma grande parte dos desenhos desta colecção é dedicada à sátira e ao humor. Pedro Carlos dos Reis tinha um espírito crítico e interventivo, muito típico da época. A caricatura enquanto desenho foi desde sempre uma forte arma política, de crítica por excelência. Simples na forma como capta as atenções de todas as classes sociais, contem em si um sentido profundo e mensagens complexas. Geralmente o registo caricatural evidencia ou exagera certos pormenores, previamente considerados característicos pelo artista, e ignora outras partes do corpo, considerando-se dispensável para a mensagem que se procura transmitir. Enfatiza-se uma parte, ainda que mínima, e torna-se irrelevante o restante. 62 Considerada como uma das principais formas de expressão do século XIX, a caricatura desta época permite-nos um excelente testemunho e um retrato crítico deste século (principalmente da segunda metade). Na colecção de desenhos do Museu de Setúbal/ Convento de Jesus encontramos diversos desenhos e estudos da autoria de Pedro Carlos dos Reis, de temática satírica e caricatural. Estes desenhos rápidos mas com pormenores muito interessantes, incidem especialmente sobre o tema da burguesia, seus tiques, manias e hábitos. O artista quando escolhe o tema ou modelo que lhe servirá, escolhe de forma consciente e crítica, exagerando todos os detalhes e 62 BERNARDINO, Arminda – O desenho de Leal da Câmara na colecção da Casa - Museu da Rinchoa (1895 – 1915). U.L.F.B.A., 2008, p.40. 60 pormenores que pretende fazer sobressair de forma a ir ao encontro do seu intento. 63 Figura 14 – Estudo de diversas figuras caricaturais. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 82) Não podemos dissociar a caricatura dos progressos da imprensa periódica no século XIX. Foi no início deste século que se começaram a divulgar as novas práticas de ilustração, tendo o aparecimento da litografia e da xilogravura, e a sua introdução em Portugal, permitido uma maior divulgação desta novidade que era juntar o texto com a imagem. Os temas tratados nestas ilustrações eram variados, dependendo por vezes dos assuntos tratados nos jornais, revistas ou livros. Podemos observar 63 Ver Figura 14 61 temas relacionados com assuntos históricos, religiosos, científicos ou ilustrativos do património nacional, bem como retratos, paisagens ou simples curiosidades. Pedro Carlos dos Reis também desenvolveu este tipo de desenho e isso é visível na colecção do Museu, podendo estes ter sido publicados em revistas e jornais da época. Figura 15 – Estudo para um baralho de cartas. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 57) Com o desenvolvimento das publicações periódicas, o acesso ao conhecimento passou a estar mais próximo do público, embora nesta época apenas uma pequena parte da população fosse alfabetizada. Em 1841, o poeta romântico, António Feliciano Castilho, já reflectia sobre estas questões da instrução. Este século é tão destruidor como criador, matou a livraria e pôs em seu lugar o jornalismo. Assim devia ser, porque este século é popular. Os livros eram a muita ciência para poucos homens; os jornais são um pouco de ciência para todos 64. 64 MATOSO, José (direcção de) – História de Portugal. Vol.5, p.693. 62 Rapidamente os governantes, a monarquia e os homens de poder se aperceberam da força desta arma que era a imprensa e procuraram criar regras para a utilização da tipografia. No ano de 1836 existiam cerca de sessenta e sete jornais, no entanto mais tarde, em 1850, com a implementação da chamada “Lei das rolhas” sobravam apenas quinze jornais. Este tipo de repressão não foi sentida só no nosso país, por exemplo em França esta liberdade e os considerados “excessos dos humoristas” também eram tratados da mesma forma. Muitas vezes os artistas, com medo de represálias, recorriam a pseudónimos como Maria ou Cecília, como podemos observar no tempo das lutas entre liberais e absolutistas. Possivelmente Pedro Carlos dos Reis também terá passado por este tipo de represálias e sentido o peso da repressão na sua actividade artística. Figura 16 – Estudo de orador e outras figuras caricaturais. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 150) Rafael Bordalo Pinheiro é um artista que se destaca nos finais do século XIX e que está intimamente ligado à caricatura portuguesa, sendo conhecido como o autor da representação popular do Zé Povinho. Também ele sofreu 63 represálias ao longo da sua vida artística, como se pode ler na publicação “O Besouro” de 1878. “…não estamos filiados em nenhum partido; se o estivéssemos, não seríamos decerto conservadores nem liberais. A nossa bandeira é a VERDADE. Não recebemos inspirações de quem quer que seja e se alguém se serve do nosso nome para oferecer serviços, que só prestamos à nossa consciência e ao nosso dever, - esse alguém é um infame impostor que mente.” 65 Figura 17 – Estudo de figuras caricaturais. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 148) 65 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Bordalo_Pinheiro.Consultado a 12 de Junho de 2011. 64 Dotado de uma crítica social muito apurada e com um grande sentido de humor, Rafael Bordalo Pinheiro caricaturou grande parte das personalidades de relevo da sociedade portuguesa, tendo conquistado a admiração do público, apesar de por vezes a sua crítica ser demolidora. A figura do Zé Povinho criada por este artista ainda hoje é utilizada por diversos caricaturistas, geralmente para apontar os males da sociedade. Também Pedro Carlos dos Reis, contemporâneo de Rafael Bordalo Pinheiro, recorreu a esta famosa figura nas suas caricaturas, 66 Figura 18 - Estudo de lettering “O Zé Povinho” com várias figuras caricaturais. (Anexo 1 – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães Reis – Figura 30) 66 Ver Figura 18 65 O primeiro jornal de crítica diário criado por Rafael Bordalo Pinheiro foi “A Lanterna Mágica”, tendo o artista sido durante cerca de trinta e cinco anos a alma de todos os periódicos que dirigiu quer em Portugal, quer nos três anos que trabalhou em terras brasileiras. 67 Para além deste jornal, Rafael Bordalo Pinheiro lançou outros, entre eles “O Calcanhar de Aquiles”, “A Berlinda”, “O Binóculo” ou “António Maria”, tendo este último sido considerado como a sua publicação de referência. Na colecção de desenhos de Mestre Reis, bisneto do artista, podemos observar alguns desenhos de estudos de lettering, em que o seu autor, Pedro Carlos dos Reis, faz uma brincadeira com o título desta publicação de Rafael Bordalo Pinheiro, e em vez de “António Maria” escreve “O António José“. 68 Figura 19 - Cena caricatural com duas figuras masculinas, um pavão, um macaco e letras desenhadas (“O António José”). (Anexo 1 – Colecção Particular de Mestre Manuel Guimarães Reis – Figura 15) 67 68 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Bordalo_Pinheiro.Consultado a 12 de Junho de 2011. Ver Figura 19. 66 O aparecimento dos jornais permitiu também a novidade da publicidade, que podia ser dos mais variados produtos. Pedro Carlos dos Reis também se dedicou a esta área artística e desenvolveu trabalhos de publicidade, como é possível observar na Figura 20 em que podemos ver um desenho feito a grafite e aparo sobre um papel grosso em que o artista representou uma fachada de um edifício com um conjunto de músicos a tocar no exterior, num primeiro plano, sendo que estes músicos têm a particularidade de terem cabeças de animais. Nas varandas do referido edifício surgem inscrições publicitárias em que se pode ler : “Mamíferos aves repteis e peixes; sua classificação carácter hábitos uzos e instinctos.”; “Livaria Franco-Lusitana”;”400 gravuras entre o texto e 40 desenhos em separado”; “60 reis cada semana”. Provavelmente este seria um estudo para uma ilustração publicitária a divulgar na imprensa e que anunciava a livraria “Franco – Lusitana”. Figura 20 - Maravilhas da Creação “História e discripção illustrada do reino animal”. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 45). 67 6. Estudos para estátuas São vários os estudos que Pedro Carlos dos Reis fez para estátuas. Aqui podemos melhor admirar a sensibilidade romântica do artista no seu esplendor. Alguns desenhos mais trabalhados, outros apenas simples apontamentos, esboços rápidos incluindo indicações preciosas para a construção e estruturas das obras de escultura que criava. Alguns destes estudos destinavam-se à execução de estátuas para jazigos, que pelo que se sabe foi um trabalho regular que o artista teve na sua carreira. Muitas destas estátuas se encontram-se no Cemitério dos Prazeres, no entanto não foi possível a sua identificação, devido à não existência de registos das respectivas obras executadas. Figura 21 - Estudo para escultura (figura feminina) sobre peanha. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 36). 68 Sendo estes desenhos por vezes apenas rápidos apontamentos de pesquisa e experimentação, sem uma preocupação de traduzirem a forma exacta das figuras ou as suas particularidades anatómicas, só nos fornecem, por isso, uma informação parcial e fragmentária sobre o processo de criação do artista. Figura 22 - Estudo de mísula com cabeça feminina. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 76). 69 Segundo o bisneto do artista, Mestre Manuel Guimarães dos Reys, muitos dos desenhos que Pedro Carlos dos Reis realizou para obras de escultura foram utilizados por outros escultores ou outras oficinas, como é o caso dos desenhos para a estátua do Bocage, já referida anteriormente. Figura 23 - Estudo para estátua de Paio Perez. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 39). 70 Muitas destas obras de escultura não têm qualquer elemento identificativo do artista, ou seja, não se encontram assinadas, o que dificulta o reconhecimento da obra como sendo da autoria de Pedro Carlos dos Reis. Figura 24 - Estudo de três figuras alegóricas femininas e motivo decorativo (coluna)- frente e verso do desenho. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 56). 71 Na colecção do Museu encontramos um desenho de um estudo para uma estátua alegórica equestre na cidade do Porto 69. Figura 25 - Estudo de estátua alegórica equestre na cidade do Porto (frente do desenho). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 134). 69 Ver Figura 25 72 Realizado a grafite sobre papel, apresenta um alçado lateral da referida estátua. Na parte superior do desenho podemos ver as seguintes inscrições: “de um lado o Porto recebendo o estandarte da Liberdade e calcando aos pés os grilhões do despotismo, do outro lado a (…) do comércio (…) e contribuindo para a defesa da cidade, as (…)”; “Armas nacionais” e “Armas da cidade do Porto”. No verso deste desenho encontra-se outro desenho com várias vistas da base da estátua apresentada à frente. Figura 26 - Estudo de estátua alegórica equestre na cidade do Porto (verso do desenho). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 135). 73 Na primeira figura podemos ver apontamentos precisos relativamente à estrutura do monumento, bem como à sua decoração, o que nos leva a supor que poderá, Pedro Carlos dos Reis, ter realizado estes estudos a pensar no concurso que na altura houve para a estátua de D.Pedro na cidade do Porto, em que Calmels acabaria por ser o artista escolhido. 74 7. Estudos para Jazigos Pedro Carlos dos Reis realizou vários estudos para jazigos bem como estudos para estatuária tumular. Na colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus podemos observar vários desenhos com esta temática (ver figuras 27 e 28) que, de uma forma geral, se apresentam como breves esboços, tendo no entanto, alguns deles apontamentos com algum pormenor ou até mesmo indicações escritas revelando aspectos técnicos das obras a executar. Os apontamentos gráficos de pormenores decorativos dos jazigos e de elementos estruturais como colunas e capitéis também se observam nestes desenhos. Figura 27 – Estudos de Jazigos. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 69) 75 Figura 28 – Estudos de Jazigos. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 70). No século XIX, em Portugal e também no resto da Europa, os enterramentos nas igrejas eram considerados um perigo para a saúde pública, tendo em 1835 e 1844 surgido os primeiros decretos em Portugal que instituíam os cemitérios públicos e proibiam os enterros nas igrejas 70. Surgem gradualmente vários cemitérios por todo o país. Em Lisboa, o cemitério dos Prazeres e o cemitério do Alto de S.João foram construídos por ocasião da epidemia de cólera morbus que assolou a cidade em 1833. Os estudos realizados por Pedro Carlos dos Reis destinavam-se provavelmente a jazigos nestes dois cemitérios, existindo apenas uma referência concreta relativamente a uma obra de escultura encomendada ao artista, referência esta que podemos encontrar na carta que o artista escreveu para o Jornal a Nação a 16 de Agosto de 1860, que passamos a citar: 70 ANDRADE, Sérgio Guimarães - Escultura Portuguesa. Ed. do Clube do Coleccionador dos Correios, Maio, 1997, pág.84. 76 Estátua de S.Pedro apostolo, do tamanho de seis palmos, em pedra lioz, existente no tumulo de Sr.Francisco Antonio d’Andrade, em o cemitério do alto de S.João. Nestes desenhos podemos observar projectos de inspiração neoclássica e neogótica, característicos do Romantismo. A identificação e a autoria das obras de escultura funerária, existentes quer no cemitério dos Prazeres, quer no cemitério do Alto de S.João, apresenta-se como um grande problema para quem pretende fazer este tipo de investigação. As primeiras obras ou monumentos aí edificados raramente estão assinados, nem pelo canteiro, nem pelo escultor. Somente nos finais do século XIX as obras passaram a ser assinadas por quem as realizou. É importante referir que foi nesta época que proliferaram inúmeras oficinas de cantaria em Lisboa. Estes cemitérios lisboetas são considerados hoje em dia como verdadeiros museus a céu aberto, podendo-se observar obras de grande importância e que nos permitem um melhor conhecimento da história de Portugal, da atitude dos portugueses perante a morte, da arquitectura, escultura ou a heráldica 71. No que diz respeito à estatuária, nestes cemitérios encontramos representações relacionadas com a morte, figuras femininas exprimindo dor, anjos da morte, anjos da guarda, representações da Fé, Esperança e Caridade, bem como numerosas estátuas de Apóstolos e Santos. A imagem de S.Pedro, muito ligada ao motivo iconográfico da chave que pode abrir ou fechar o céu, é um dos exemplos mais comuns, observando-se esta figura a erguer a mão direita 71 URL: http://museutransportesmunicipais.cm-lisboa.pt/index.php?id=3956.Consultado a 8 de Setembro de 2010 77 como quem prega vigorosamente ao transeunte que vagueia por estes cemitérios de Lisboa. Figura 29 – Anjos fúnebres. Estudos de estátuas. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 147). Verifica-se que apesar do espírito laico que presidiu à edificação dos cemitérios oitocentistas, são inúmeras as referências religiosas que aí encontramos, assistindo-se a uma apropriação de elementos tradicionais. 72 É esta a temática que Pedro Carlos dos Reis também desenvolve nos seus estudos para estatuária funerária, como podemos observar nas Figuras 29, 30 e 31, em que o artista faz vários estudos para estátuas de anjos fúnebres. No desenho da Figura 29, realizado a grafite sobre papel vemos dois estudos para 72 MEGA, Rita - Imagens da Morte – A Escultura Funerária do Século XIX nos cemitérios de Lisboa e do Porto. U.L.F.B.A., 2001, p.77. 78 estátuas de anjos fúnebres. O anjo que se encontra do lado esquerdo segura um pano que cai sobre um vaso, enquanto o que se encontra do lado direito do desenho apoia a cabeça com a mão, numa atitude de tristeza, tendo o cotovelo sobre um vaso. Neste desenho observamos a seguinte inscrição repetida duas vezes: “Altura de 4 palmos”, referindo-se o artista à altura das estátuas. Figura 30 – Anjos fúnebres. Estudo de estátuas (?). (Anexo 3 – Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de estudos. Figura 72). Segundo Sérgio Guimarães de Andrade, a escultura tumular é concebida para funções funerárias motivadas pelo culto dos mortos, garantindo o seu eterno descanso ou preservando o corpo para além da vida, na expectativa do Juízo Final e da crença da Ressurreição. 73 73 ANDRADE, Sérgio Guimarães - Escultura Portuguesa. Ed. do Clube do Coleccionador dos Correios, Maio, 1997, pág.84. 79 O surgimento dos cemitérios em Portugal coincidiu com o Romantismo e com as expressões artísticas revivalista, como o neo-gótico. São inúmeros os jazigos que podemos encontrar nos principais cemitérios portugueses que reflectem esta época artística. Para o Homem do século XIX, a ostentação da forma como viveu em vida através da monumentalidade da sua última morada é evidente, vislumbrando o túmulo o espírito individualista característico do romantismo, procurando perpetuar o defunto através da sua imagem ou da sua memória. Figura 31 – Estudo de figura de anjo a corpo inteiro. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 13) 80 O material mais utilizado para a construção destas obras é, em geral, a pedra. A escolha deste material prende-se sobretudo com a durabilidade e permanência ao longo dos tempos. A pedra revela ao homem algo que transcende a sua condição de humano: um modo de ser absoluto. 74 A morte mostra-se também como um dos temas preferidos do Romantismo, sendo ela o momento de êxtase, momento este que é esperado e desejado. O Homem romântico entende que não é na vida que se realiza, saciando-se somente com a morte, daí a sua preferência pelos campos e cemitérios, uma vez que: (…) a tumba é o plácido leito onde se realizavam suspiradas núpcias entre a vida e a morte. 75 74 ELIADE, Mincea – Tratado da História da Religiões, p.277. Apud.MEGA, Rita - Imagens da Morte – A Escultura Funerária do Século XIX nos cemitérios de Lisboa e do Porto. U.L.F.B.A., 2001, p.77. 75 SCIACCA, Michele Frederico – A morte como libertadora da vida no naturalismo romântico, p. 5. Apud. MEGA, Rita - Imagens da Morte – A Escultura Funerária do Século XIX nos cemitérios de Lisboa e do Porto. U.L.F.B.A., 2001, p.18. 81 8. Estudos para baixos-relevos (Teatro da Trindade) 8.1. O Teatro da Trindade Situado numa das mais características zonas de Lisboa (entre o Carmo, o Chiado e o Bairro Alto), o Teatro da Trindade abriu ao público em 1867, dois anos após o início da sua construção. Esta nova casa de espectáculos da Lisboa oitocentista tinha sem dúvida uma localização privilegiada, tendo já funcionado nesse local, em meados do século XVIII, a Academia da Trindade, o primeiro Teatro Popular de Ópera. O edifício foi então erguido, por decisão de Francisco Palha de Faria Lacerda (escritor e dramaturgo), num terreno que ficava entre o Largo da Trindade e as ruas Nova da Trindade e da Misericórdia. O projecto de arquitectura deste novo teatro lisboeta foi da autoria de Miguel Evaristo de Lima Pinto e reflecte bem o gosto da época, mantendo algumas características do (...) estilo pombalino, a que se somaram alguns pressupostos do neoclassicismo italianizante então em voga. 76 Até á época existiam, nesta zona da cidade, apenas casebres e pátios e as ruínas do Palácio dos Condes de Alva, que o terramoto de 1755 destruíra. Ao longo dos anos, e até aos dias de hoje foram várias as intervenções de recuperação e melhoramento feitas ao edifício, nomeadamente nos anos de 1925, em que (…)foi acrescentado um frontão com um tímpano decorado com azulejos, onde 76 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_da_Trindade. Consultado a 27 de Outubro de 2010. 82 figura o monograma do Teatro da Trindade, com coroa de louros e laçada. 77 Em 1962, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho adquiriu o edifício e procedeu a obras de remodelação em 1967, tendo o projecto sido da autoria de Maria José Salavisa. Foi nesta época que a decoração do Teatro da Trindade passou a ser em azul e ouro, decoração esta que se manteve até aos dias de hoje. Mais tarde, em 1991 voltaram a fazer-se obras profundas de restauro e renovação de todo o Teatro e em 2009 o mesmo aconteceu às fachadas e telhado do edifício. 8.2. O Teatro da Trindade na colecção de desenhos de Pedro Carlos dos Reis Na colecção de desenhos, da autoria de Pedro Carlos dos Reis, pertencente ao Museu de Setúbal/Convento de Jesus, podemos encontrar alguns estudos que o artista fez para esculturas / baixos-relevos do Teatro da Trindade, contendo também inscrições relativas à localização dos mesmos nas fachadas do edifício. Os desenhos mostram-nos breves apontamentos gráficos a lápis sobre um papel fino, representando quatro figuras (na frente do papel) bem como as seguintes inscrições: Estudo para os baixos-relevos das fachadas do Teatro da Trindade? e também Da autoria do escultor Pedro Quádrio dos Reys? 78. Estas inscrições, em parte pelo seu carácter interrogativo, sugerem-nos que são posteriores aos registos gráficos ou desenhos, provavelmente inscritos por alguém que possuía estes desenhos (talvez os seus familiares). 77 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_da_Trindade.Consultado a 27 de Outubro de 2010 78 Ver Figura 32 83 Figura 32 – Estudos para baixos-relevos da fachada do Teatro da Trindade (frente) . (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 67) No verso do papel 79, podemos observar quatro formas que sugerem os medalhões das fachadas do Teatro da Trindade e onde estão inscritos os seguintes nomes: Clio, Euterpe, Gil Vicente e F.Ferreira (da esquerda para a direita). Este desenho encontra-se dividido a meio por uma linha vertical traçada sem grande rigor. Por baixo das referidas formas (“medalhões”) onde estão inscritos os nomes de Clio e Euterpe (no lado esquerdo do desenho), surgem as seguintes inscrições: Rua Nova da Trindade, fachada lateral, por onde se entra para o Theatro…duas figuras quem vai subindo. No lado direito do desenho, por baixo das formas (“medalhões”), onde estão inscritos os nomes de Gil Vicente e F.Ferreira, surge a seguinte inscrição: Largo da Trindade, frente principal do edifício; … figuras quem vai descendo. 79 Ver Figura 33 84 Figura 33 – Estudos para baixos-relevos da fachada do Teatro da Trindade (verso) . (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 67) A dúvida em relação à data das inscrições mantém-se, ou seja, poderão ter sido feitas por outra pessoa sem ser o artista, tal como verificamos na frente do papel do desenho. As musas referidas no desenho, Clio e Euterpe, representam respectivamente a História, Criatividade e a Música. Clio é aquela que divulga e celebra as realizações e geralmente é representada como uma jovem coroada de louros, trazendo na mão direita uma trombeta e, na esquerda, um livro. Por vezes também é representada segurando um rolo de pergaminho e uma pena. Clio é considerada a inventora da guitarra, 85 surgindo em algumas esculturas com este instrumento numa das mãos e, na outra, um plectro (palheta). 80 Euterpe era uma das nove musas de Apolo, a musa da Música e foi também nomeada, no final do período clássico, a musa da poesia lírica. Quando representada trazia consigo uma flauta dupla, que é considerada o seu símbolo. A observação das fachadas do edifício do Teatro da Trindade permitiu estabelecer algumas relações entre o desenho de Pedro Carlos dos Reis e os baixos-relevos existentes. A fachada principal, voltada para o norte e para o Largo da Trindade, é considerada a mais nobre. Os medalhões que decoram esta fachada e que 81 enfatizam o gosto italianizante , representam os bustos de vários escritores ilustres, entre eles: António Ferreira (1528-1569), Damião de Góis (1502-1574) e Sá de Miranda (1481-1558), bem como o busto de Terpsichore, a musa da dança 82 que aparece representada com um espelho. Esta referência não corresponde aos nomes indicados no desenho de Pedro Carlos dos Reis, no entanto o F.Ferreira pode ser uma interpretação errónea de A.Ferreira, que é de facto o autor de “Castro”. A fachada voltada para a Rua Nova da Trindade tem, na sua decoração, dois medalhões. Cada medalhão apresenta uma figura feminina. Uma é representada com flores na cabeça e outra com um livro 83. 80 81 URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/Clio.Consultado a 6 de Janeiro de 2011. http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_da_Trindade.Consultado a 27 de Outubro de 2010. 82 http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_da_Trindade.Consultado a 27 de Outubro de 2010. 83 Ver Figura 34 86 Figura 34 – Medalhões da fachada do Teatro da Trindade, na Rua Nova da Trindade. Podemos sugerir que a primeira representa Clio, uma vez que o livro é um dos objectos que costumam acompanhar esta musa grega e que a segunda seria Euterpe, embora este baixo-relevo não apresente qualquer objecto que se possa relacionar com a musa em questão. A autoria destes baixos-relevos fica então por determinar. Apesar das obras de recuperação e restauro das fachadas que foram realizadas mais recentemente (2009), os baixos-relevos apresentam pouca definição na forma e pouco detalhe na modelação em parte devido à natural deterioração ao longo do tempo. Existe por último um outro desenho na colecção do Museu de Setúbal em que há uma referência ao teatro da Trindade 84(no título), trata-se de um estudo para uma escultura de uma figura feminina em pé e que poderá representar uma deusa grega devido às vestes que apresenta. 84 Ver Figura 35 87 Figura 35 - Estudo para escultura do Teatro da Trindade. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 65). Não encontramos qualquer relação deste desenho com o Teatro da Trindade, a não se a referência que é feita no inventário/catalogação do Museu, no entanto consideramos que se trata de um desenho muito interessante ao nível plástico pela forma como o artista tratou os panejamentos, sugerindo o movimento do corpo desta suposta deusa grega que avança de braços abertos. 88 9. Estudos de cabeças/rostos Este conjunto de desenhos, seleccionado entre muitos outros que o artista realizou e que se encontram na Colecção do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, revelam a grande versatilidade e mestria técnica quer para o registo rápido e improvisado como para a modelação da luz/sombra na figura humana. Figura 36 – Estudo de cabeça masculina (de perfil). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 19) Pedro Carlos dos Reis dedicou grande parte dos seus estudos a este tema. Na Figura 36 podemos observar a mestria deste artista num perfil desenhado com um traço rápido e de breves apontamentos, mas que no entanto nos dá a perfeita 89 noção da forma do rosto e da expressão do retratado, um homem já com uma certa idade. Podemos observar diferentes tipos de registos, na Figura 37 o autor fez um estudo/composição de vários rostos, de diferentes personagens, mais velhos e mais novos, em que explora as várias posições e ângulos das figuras, evocando uma procura que sempre foi muito comum a muitos artistas no decorrer das suas pesquisas, de modo a atingir o máximo conhecimento das formas tridimensionais do rosto, da figura humana e representação das emoções. Figura 37 – Estudos de cabeças e rostos (?). (Anexo 3 – Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de estudos. Figura 46) 90 A expressão dos modelos é também aqui bastante explorada, tal como a modelação luz/sombra. Note-se o pormenor da Figura 37, no canto superior direito, da composição formada por três rostos sobrepostos, dois de perfil e um outro que está mais atrás e que apenas se vê a parte superior da cabeça e olho. Figura 38 – Estudos de cabeças e rostos (?). (Anexo 3 – Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de estudos. Figura 47) Na Figura 38 podemos observar novamente estudos de diferentes personagens, masculinos e femininos e de diferentes idades. Chamamos também atenção para este conjunto em que podemos ver no centro do desenho uma 91 figura masculina com algumas semelhanças com o Poeta Bocage, de quem Pedro Carlos dos Reis fez vários estudos e registos gráficos. Também surgem neste desenho registos mais caricaturais da figura humana, revelando o interesse do artista por este tipo de representação e a sua veia burlesca e satírica. O mesmo se pode observar na Figura 39, em que o esboço rápido e improvisado nos mostra personagens fantásticas. Repare-se, também neste desenho, no estudo/esboço de pormenores do rosto, nomeadamente de uma boca aberta (canto inferior direito) e de um olho. Figura 39 – Estudo de cabeças e expressões faciais. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 21) 92 Nos desenhos das Figura 40 e 41 temos apontamentos de natureza livre e espontânea também de rostos. Aqui a linha é afirmada sem hesitações aparentes, definindo claramente contornos e volumes. No primeiro desenho observamos estudos de três figuras que definem uma composição diagonal na folha de papel. A figura central é um homem com uma grande barba que está de perfil e troca olhares com a figura que se encontra no canto superior esquerdo e que representa um homem mais jovem. Mais abaixo vemos uma outra figura masculina que tem semelhanças com a da esquerda e que olha para cima. Figura 40 – Estudo de cabeças masculinas. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 16) 93 Escolhemos também como exemplo deste tema do retrato o desenho da Figura 41 por ser um registo a tinta e que nos mostra a segurança no traçado por parte de Pedro Carlos dos Reis, em que define de uma forma simples e eficaz as várias figuras que compõem este desenho, quer através da linha como no tratamento de claro/escuro e forma/fundo. Figura 41 – Estudo de cabeças. (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 102) 94 O desenho da Figura 42 é um retrato de um jovem, a três quartos, em que o modelado da luz/sombra e as texturas são bastante explorados, no entanto apenas a parte da cabeça se encontra bem definida, pois o restante corpo apenas surge com registos lineares rápidos e como apontamento da volumetria, tendo o artista dado maior atenção à zona do rosto e cabelos. Figura 42 – Retrato de um jovem (?). (Anexo 2 – Colecção do Museu de Setúbal – Desenhos diversos. Figura 32) 95 10. Anjinhos - Estudos para o frontão da Igreja Matriz da Boa Vista (Recife,Brasil). Por altura do Concurso para a substituição da cadeira de Escultura, que teve lugar na Academia de Belas Artes de Lisboa entre 1859 e 1860, Pedro Carlos dos Reis, como dissemos, escreveu uma carta para o Jornal “A Nação”, que foi publicada a 29 de Agosto de 1860 85, onde enumera algumas das suas obras de escultura. Entre estas obras encontra-se a referência a: (…)Alto relevo em forma quadriloaga [sic], de dez palmos de alto e quatorze de largo, em pedra lioz, representando o santíssimo sacramento cercado de anjos, para o frontão da egreja matriz de Pernambuco” e também “(…)quatro evangelistas, meio colossaes para a dita egreja, dois dos quaes estão entre mãos. A procura de imagens da igreja referida por Pedro Carlos dos Reis (bem como de todas as obras citadas pelo artista neste jornal), tornou-se essencial no processo de investigação das obras deste artista. É nesta procura que encontramos as imagens de uma igreja, a Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Pernambuco)86 que apresenta no frontão as obras então descritas por Pedro Carlos dos Reis no Jornal “A Nação”. Se observarmos estas imagens, podemos pressupor que na Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Pernambuco) se encontram obras de escultura da autoria de Pedro Carlos dos Reis, nomeadamente no frontão da mesma, pois estas obras apresentam-se tal como o artista as descreveu na carta escrita a 16 de Agosto de 1860, para o Jornal A Nação. 85 Ver Anexo 5- Jornal a Nação de 29 de Agosto de 1860 Ver Figuras 43 e 44 86 96 87 Figura 43 – Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Brasil), fachada principal . Ou seja, o alto-relevo em pedra a representar o Santíssimo Sacramento (que se encontra no centro da escultura), cercado de anjos (aproximadamente catorze) que sobressaem e formam um género de moldura em torno do elemento central, bem como os quatro evangelistas também referidos. 87 Fotografia consultada em http://www.flickr.com/photos/pernambucoeaqui/4971020437/ a 11 de Outubro de 2011. 97 88 Figura 44 – Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Brasil), frontão . A temática abordada pelo artista no desenho que encontramos na colecção do Museu e que aqui apresentamos, 89 trata-se de anjinhos ou querubins, meninos alados ou “amores” como são designados na tradição francesa e poderá ter sido um estudo realizado por Pedro Carlos dos Reis para estas obras de escultura, nomeadamente para o alto-relevo em pedra a representar o santíssimo Sacramento cercado de anjos. A composição, no desenho, é formada por cinco figuras e orienta-se segundo duas linhas diagonais e que no que diz respeito à modelação o autor explorou bastante a luz/sombra, a expressão das figuras, as várias posições e 88 Fotografia da autoria de Simeon Kohlman Rabbani, consultada em http://www.flickr.com/photos/7688870@N06/1053026266/ a 19 de Julho de 2010. 89 Ver Figura 45 98 ângulos das mesmas tal como deu atenção a alguns pormenores como os cabelos e as asas. Figura 45 – Estudos para anjinhos da Igreja Matriz da Boa Vista (Recife,Brasil) (?).(Anexo 3 – Colecção do Museu de Setúbal – Caderno de estudos e desenhos diversos - Figura 16). 99 As semelhanças entre os anjinhos deste estudo e os anjinhos que se encontram no frontão da Igreja Matriz da Boa Vista são evidentes. Os anjinhos, que podemos observar na obra de escultura, apresentam-se em várias posições, bem como os anjinhos do desenho aqui apresentado. Podemos também observar um estudo mais pormenorizado de uma asa de anjo à direita do desenho, asa esta que é muito idêntica, senão igual, à que encontramos na parte superior direita do alto-relevo 90 logo por baixo do primeiro anjinho. Figura 46 – Igreja Matriz da Boa Vista (Recife, Brasil), frontão pormenor). 91 90 Ver Figura 46 Fotografia da autoria de Marcos Gomes consultada em http://www.flickr.com/photos/msgomes/165363168/ 91 100 Segundo Semina Adler Vainsencher, investigadora da Fundação Joaquim Nabuco 92, na parte da frente da igreja encontram-se estátuas dos evangelistas São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João. A mesma autora refere também que (…)a fachada, toda em pedra de cantaria e sem pintura, possui um estilo renascentista equivalente ao Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga. O material utilizado na construção da fachada também é referido como tendo origem portuguesa: (…) Os blocos de pedras vieram de Portugal, sendo necessárias de três a quatro juntas de bois para conseguir retirá-los dos navios lusos (…) e levá-los até às obras. Partindo do pressuposto que o autor destas esculturas foi Pedro Carlos dos Reis, surge a dúvida em relação ao local onde o artista poderá ter executado estas esculturas. Em Portugal e depois transportadas para o Brasil ou no Brasil, não sendo necessário o cuidado no transporte de longo curso. Segundo o bisneto do artista, Pedro Carlos dos Reis nunca terá estado no Brasil, no entanto sabe-se que o seu filho viveu e trabalhou neste país. 93 A igreja é identificada pela autora como uma das mais importantes e mais belas do Recife. Localizada no Bairro da Boa Vista a sua construção iniciou-se em 1784 e terminou em 1889, ou seja cento e cinco anos depois. Pedro Carlos dos Reis tinha por esta altura 70 anos de idade. 92 VAINSENCHER, Semira Adler. Boa Vista (bairro, Recife). Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Consultado a 28 de Outubro de 2010. 93 Ver Anexo – Colecção Particular mestre Manuel Guimarães dos Reys - Entrevista ao bisneto de Pedro Carlos dos Reis. 101 Foi através de contacto estabelecido com a Fundação Joaquim Nabuco, no Recife que foi possível ter acesso a informações importantes para acrescentar a esta investigação. Através da Doutora Lúcia Gaspar, bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco e coordenadora do projecto Pesquisa escolar Online 94 fomos informados da existência de uma monografia da autoria do historiador pernambucano Fernando Pio 95, em que não é feita nenhuma referência a Pedro Carlos dos Reis, mas sim a outro escultor português como autor das esculturas, precisamente, Francisco de Assis Rodrigues, que foi director da Academia de Belas Artes. “Transcrevo, abaixo, trecho do que o autor escreve sobre as esculturas dos quatro evangelistas: [...] Constantes das plantas do frontispício, remetidas em dezembro de 1839 para Lisboa[...] para o perito arquiteto Manoel Joaquim de Souza, figuravam 4 estátuas dos 4 evangelistas[...] As crises econômicas da Irmandade mal lhe davam possibilidades de importação das pedras para o seu próprio frontispício. E já este detalhe, figurante nas plantas aprovadas, prevendo a colocação, no conjunto, dos 4 evangelistas, era despesa à Margem que vinha se acumular às indispensáveis das pedras de construção. Afinal, em 22 de novembro de 1854, ou seja, 15 anos depois, contrata, afinal, a Irmandade, por intermédio do seu correspondente em Lisboa, com o estatuário Francisco d’Assis Rodrigues a execução desse trabalho monumental. E quem era esse Francisco d’Assis Rodrigues? Vulto de escol nas terras de Portugal. Era o diretor da Academia das Belas Artes de Lisboa e um dos mais célebres artistas de sua época[...] 96 94 Contacto estabelecido através de email a 13 de Abril de 2011. 95 História da Igreja Matriz da Boa Vista e do seu monumental frontispício (Recife, 1967, p. 36-37). 96 Transcrito como nos foi enviado através de email pela Doutora Lúcia Gaspar. 102 Com esta referência a dúvida quanto à autoria das obras de escultura para a Igreja Matriz da Boa Vista no Recife mantem-se, havendo no entanto fortes indícios que poderá ter sido Pedro Carlos dos Reis o artista autor destas obras. 103 Capitulo IV- A Colecção Particular de Mestre Reys (bisneto do artista) Através de contactos estabelecidos com a família de Pedro Carlos dos Reis, foi possível acrescentar a esta investigação a Colecção particular do bisneto do artista, Mestre Manuel Guimarães dos Reys. À semelhança do que encontramos na Colecção do Museu de Setúbal, esta colecção, composta por vários desenhos, fotografias, peças de escultura, baixos-relevos e diversos documentos, é variada no que diz respeito aos temas, o que nos levou a uma organização deste capítulo da seguinte forma: 1- Fotografia de Família 2- Academia 3- Estudos para Ilustrações 4- Estudos de Lettering 5- Desenhos grotescos e de sátira 6- Retratos e estudos de cabeças/rostos 7- Estudos para estátuas Os desenhos desta colecção são na sua generalidade desenhos de esboço ou estudos e não têm qualquer referência relativa à data em que foram realizados. Para além dos desenhos de Pedro Carlos dos Reis, encontramos, nesta colecção, desenhos da autoria do pai do artista (Constantino dos Reis) que foi professor de escultura da Academia de Belas Artes do Porto e que trabalhou com Machado de Castro 97. Estes desenhos são estudos, que se apresentam já com bastante rigor no seu traçado, de cenas histórico-mitológicas e também um 97 Ver Capítulo II – O Artista: Pedro Carlos dos Reis. Biografia/Formação Académica. 104 estudo de uma figura feminina de perfil e de frente, havendo a probabilidade de este ser um estudo realizado a partir do cânone feminino de Dürer. Também encontramos algumas fotografias de baixos-relevos e esculturas, da autoria de Pedro Carlos dos Reis e de temática religiosa, destacando-se o “Cristo na Cruz” 98 em pau bucho pelo seu detalhe e tratamento na modelação. Figura 47 - Cristo na cruz. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 62). Não podemos deixar de referir que aqui podemos observar uma cópia de uma gravura de Rubens “O Combate das Amazonas” 99, gravura esta que serviu de inspiração a Pedro Carlos dos Reis para a criação do baixo-relevo em mármore que o artista expôs na V Exposição Trienal da Academia Real das Belas Artes de Lisboa e que esteve ao lado esculturas de Soares dos Reis, Victor Bastos e Manuel Maria Bordalo Pinheiro. 98 99 Ver Figura 47 Ver Figura 48 105 Figura 48 - Cópia de gravura de Rubens, “O Combate das Amazonas” (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 61). Os materiais utilizados pelo artista nos desenhos desta colecção não variam muito, à semelhança do que vemos na Colecção do Museu de Setúbal, encontramos trabalhos a lápis de carvão e tinta-da-china sobre papel fino, de fraca qualidade, mas em bom estado de conservação. O registo fotográfico desta colecção foi essencial para o melhor conhecimento e estudo das obras, tendo o mesmo sido realizado com a devida autorização da família do artista e encontrando-se em anexo. 100 100 Ver Anexo – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reys. 106 Nesta colecção encontramos também uma série de documentos de grande importância e que estão em anexo, sendo eles os seguintes: - Carta de Francisco de Assis Rodrigues sobre o Concurso da Academia de Belas-Artes de Lisboa; - Carta sobre aula de desenho histórico; - Três Cartas escritas por Pedro Carlos dos Reis; - Textos sobre Proporção; - Livro “Memoria D’Esculptura – apresentada e preferida no Concurso para o provimento do lugar de Professor Substituto da Aula e Laboratorio D’Esculptura” por Francisco de Assis Rodrigues. Lisboa, Impressão Regia, 1829; - Jornal do Comércio de 18 de Agosto de 1860. A transcrição de alguns destes documentos seria um trabalho importante a realizar, no entanto, devido à dificuldade sentida na leitura e compreensão da caligrafia e ao pouco tempo disponível para a concretização desta investigação, apenas foi possível retirar como informação os assuntos que os documentos tratavam na sua generalidade. Dois dos documentos em anexo (Livro “Memoria D’Esculptura – apresentada e preferida no Concurso para o provimento do lugar de Professor Substituto da Aula e Laboratorio D’Esculptura” por Francisco de Assis Rodrigues. Lisboa, Impressão Regia, 1829 e Jornal do Comércio de 18 de Agosto de 1860) são impressos, o que torna possível e fácil a sua leitura. O documento “Textos sobre Proporção” é manuscrito mas de letra bastante legível. 107 1. Fotografia de Família As fotografias em que podemos ver Pedro Carlos dos Reis são poucas; no capítulo dedicado à biografia do artista encontramos uma imagem pertencente á colecção do Museu de Setúbal 101 em que Pedro Carlos dos Reis ainda era novo. Na colecção de Mestre Reys podemos conhecer o artista numa idade mais avançada, como também a sua família, através de uma fotografia 102 tirada à entrada da sua casa em Paio-Pires. No verso desta fotografia encontrámos as seguintes inscrições: “da esquerda para a direita, 1ª Tia Delmira, 2ª criada com a Marquinhas ao colo. Sentado pai da Tia Delmira e da Maria Júlia, meu bisavô Pedro Quadrio Reys escultor. Por detrás em pé, marido da Tia Delmira, pai da Marquinhas. Em pé e ultima, minha avó Maria Júlia.”103 Figura 49 - Fotografia do artista com a sua família na sua casa em Paio-Pires. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 1). 101 Ver Capítulo II – O Artista: Pedro Carlos dos Reis. Biografia/Formação Académica. Ver Figura 49 103 Estas inscrições foram feitas pelos familiares do artista. 102 108 Como já referimos anteriormente, Pedro Carlos dos Reis possuía uma casa em Paio-Pires onde passou bastante tempo com a sua família e onde se dedicou à agricultura. Em muitos dos seus desenhos podemos ver apontamentos de contas relativas às despesas que tinha na sua propriedade. Segundo Mestre Reys, nesta altura da sua vida, o artista sofria de um problema de saúde que o limitava na sua mobilidade tendo que usar uma bengala para se apoiar como é visível na fotografia desta colecção. 109 2. Academia O desenho da Figura 50 representa um nú masculino e provavelmente foi realizado durante a formação académica de Pedro Carlos dos Reis, à semelhança das Academias que encontramos na colecção do Museu de Setúbal. Neste desenho, a grafite sobre papel, a figura masculina encontra-se sentada, com a mão esquerda a pressionar levemente o peito e o braço direito levantado. É um desenho em que a modelação da luz e sombra têm uma importância relevante, e em que o artista mostra os seus conhecimentos de anatomia e as suas capacidades ao nível da representação da figura humana. Figura 50 - Nú masculino. Academia. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 68). 110 3. Estudos para Ilustrações Nesta colecção podemos apreciar alguns desenhos dedicados ao tema da ilustração, desenhos estes que poderão ter sido realizados para ilustrar livros ou revistas. Os temas mais tratados nestas ilustrações são a natureza ou animais, como podemos observar nas Figuras 51 e 52. Na primeira, Pedro Carlos do Reis criou uma gravura em que representa um sapo no seu ambiente natural, enquanto que na Figura 52 observamos um desenho a grafite em que o artista criou uma composição com vários animais (águia, macaco e peixe). Figura 51 - Gravura de sapo. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 20). 111 Nesta ilustração encontramos algumas inscrições. Na parte superior do desenho, na faixa que se encontra sobre a águia lê-se Maravilhas da Creação, entre outras inscrições menos legíveis. Esta expressão surge também numa outra ilustração criada por Pedro Carlos dos Reis e que se encontra na colecção do Museu de Setúbal bem como numa cópia a tinta nesta colecção 104. Figura 52 - Estudo para Ilustração com animais (águia, macaco e peixe). (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 28). 104 Ver Figura 53 112 Perante esta coincidência e tratando-se a ilustração da Figura 53 uma publicidade a uma publicação de uma livraria da época, a Livraria Franco Lusitana, podemos ponderar a hipótese de estas ilustrações se destinarem ao livro que é anunciado, livro este que segundo as inscrições do desenho trata de Mamíferos aves repteis e peixe sua classificação carácter hábitos uzos e instinctos, num conjunto de 400 gravuras entre o texto e 40 desenhos em separado. Figura 53 - Maravilhas da Creação “História e discripção illustrada do reino animal”. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 24). 113 Torna-se também interessante referir que na colecção de Mestre Reys encontramos uma matriz de gravura em madeira, provavelmente para uma destas ilustrações, em que vemos representados dois cisnes num lago. 105 Figura 54 - Matriz para gravura com cisnes num lago. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 18). 105 Ver Figura 54 114 4. Estudos de Lettering Os estudos de lettering desenvolvidos por Pedro Carlos dos Reis que fazem parte desta colecção são vários e muito ricos em termos de composição e desenho. Este é um tema bastante tratado por este artista e que também é observável na colecção do Museu de Setúbal. 106 No desenho da Figura 55, um estudo de lettering que provavelmente se destinava a um jornal de sátira da época, destaca-se a figura central que podemos comparar com o Zé Povinho, estando este rodeado de letras que dizem As Novidades Brulescas bem como de pequenas figuras caricaturais que se empoleiram nas letras da composição e povoam o desenho. Na parte superior da folha observamos um apontamento das várias letras que compõem o desenho em baixo, apontamento este que seria um estudo de lettering para a composição final. Figura 55 - Estudo para lettering de jornal de sátira (?) com várias figuras e o Zé Povinho (?) (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 21). 106 Ver Figuras 11 e 13. 115 O Zé Povinho volta a surgir num outro desenho do género, muito semelhante ao da Figura 55 em termos de composição, como podemos observar na Figura 56. Neste desenho podemos ler As Novidades - O Zé Povinho. Figura 56 - Estudo de lettering “O Zé Povinho” com várias figuras caricaturais. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 30). Outros estudos importantes nesta colecção são os das Figuras 57 e 58 em que Pedro Carlos dos Reis cria no primeiro desenho uma composição com lettering em que se lê António José, provavelmente em tom de brincadeira com a revista de Rafael Bordalo Pinheiro e um estudo de lettering para O Diário de Portugal. Em ambos os desenhos o artista utilizou o lápis de grafite, apresentando o segundo desenho uma melhor qualidade expressiva e compositiva e um maior detalhe nos vários elementos, enquanto que o primeiro desenho aparenta ser apenas um apontamento ou esboço. 116 Figura 57 - Esboços caricaturais e estudo para lettering. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 25). Figura 58 - Estudo de lettering para Jornal “Diário de Portugal”. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 29 117 5. Desenhos grotescos e de sátira Os desenhos grotescos e de sátira nesta colecção não são tão abundantes como observamos na colecção do Museu de Setúbal, destacando-se os desenhos das Figuras 59 e 60. O desenho da Figura 59, realizado a grafite sobre papel, apresenta várias figuras caricaturais, algumas de corpo inteiro e outras apenas estudos de rostos. Figura 59 - Várias figuras caricaturais. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 19). 118 O desenho da Figura 60 destaca-se pela expressividade dos três rostos que o compõem. Do lado esquerdo podemos ver uma figura de uma senhora idosa que olha de forma assustadora, ao seu lado um rosto, que parece ser masculino, de alguém que grita e por último um rosto a três quartos com uma expressão muito carregada e em que o artista acentuou as principais linhas do rosto. Trata-se de um desenho grotesco mais do que um desenho de sátira e revela as qualidades artísticas de Pedro Carlos dos Reis que se dedicou bastante a este tipo de estudos ao longo da sua vida, como podemos observar nos desenhos da Colecção do Museu de Setúbal. Figura 60 - Várias figuras caricaturais. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 69). 119 6. Retratos e estudos de cabeças/rostos Os estudos de cabeças/rostos presentes nesta colecção bem como na colecção do Museu de Setúbal revelam uma prática comum do artista neste tipo de exercícios. Alguns destes desenhos estão mais enquadrados numa temática relacionada com a sátira ou o grotesco, mas outros são simples retratos que poderiam ser imaginados pelo artista ou não, como é o caso do retrato da Figura 61 onde vemos um militar. Estes desenhos, que se encontram duplicados em simetria, foram utilizados para a criação de uma matriz de gravura como é possível observar na Figura 62, uma prova sobre papel sem grande qualidade. O desenho apresenta um traçado mais cuidado e com vários detalhes no tratamento do vestuário e insígnias do retratado. Provavelmente este desenho terá sido uma encomenda e realizado a partir de uma fotografia. Figura 61 - Retrato de militar. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 36). 120 Figura 62 - Prova de Gravura com retrato de militar. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 51). Outro desenho que se destaca nesta colecção é o que podemos observar na Figura 63. Trata-se de um estudo de uma cabeça masculina de perfil executado a lápis de grafite sobre papel, apresentando o papel bastantes vestígios de deterioração. Destacamos este desenho pela sua leveza no traço e pela qualidade da representação embora sem grande detalhe. A figura, um 121 homem adulto olha para cima com uma expressão de contemplação e de reflexão ou devoção, o que concede a este desenho uma profundidade que não é comum nos restantes desenhos de Pedro Carlos dos Reis. Figura 63 - Cabeça masculina de perfil. (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 38) 122 7. Estudos para estátuas Sendo Pedro Carlos dos Reis escultor, grande parte dos desenhos que realizou dedicam-se a este tema. Nesta colecção não são abundantes os estudos para estátuas, ao contrário do que observamos na colecção do Museu de Setúbal, no entanto destacamos os desenhos da Figura 64 em que podemos observar dois estudos que provavelmente seriam para esculturas, executados a lápis de grafite sobre papel, com um traço muito leve e delicado. O desenho do lado esquerdo representa uma figura feminina que segura nas suas mãos um ninho onde pousa um pássaro, podendo esta figura representar uma alegoria à Primavera. O desenho do lado direito mostra-nos novamente uma figura feminina que se apoia numa vinha e segura um cacho de uvas que eleva ao nível dos seus olhos e admira, podendo esta figura ser uma alegoria ao Outono. Ambas as figuras têm uma expressão delicada e sensual, revelando a sensibilidade deste artista e as suas qualidades expressivas no desenho, tratando-se de um tema mais sagrado ou de um tema mais profano. Figura 64 - Estudos para esculturas, figuras femininas, alegoria à Primavera e ao Outono (?). (Anexo 1 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis, Figura 54 123 Conclusão A realização deste trabalho, no âmbito do Mestrado em Desenho da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa permitiu não só a pesquisa sobre um autor/artista e da sua obra como também uma aplicação prática dos conhecimentos adquiridos acerca da metodologia da investigação e apresentação de um trabalho científico. O desenvolvimento deste trabalho permitiu o aprofundamento de conhecimentos específicos no campo da metodologia de investigação bem como a aquisição de uma experiência profissional muito enriquecedora. Relativamente ao estudo em si, tornou-se bastante interessante a experiência da pesquisa e investigação - a procura. Deparamo-nos com novas situações, nomeadamente a de podermos aceder a uma colecção de um Museu, fotografar directamente as obras dessa colecção, conhecer melhor a organização/catalogação das respectivas colecções e também o funcionamento e estrutura do Museu. Embora as informações históricas e bibliografia disponíveis sobre o artista escolhido, Pedro Carlos dos Reis, não fossem muitas, foi possível desenvolver este estudo, graças a preciosas indicações recolhidas em textos de catálogos de exposições organizadas pelo Museu de Setúbal/Convento de Jesus, no contacto que estabelecemos com os familiares do artista, na consulta de jornais da época e no contacto directo com a obra de Pedro Carlos dos Reis. A quantidade de desenhos deste artista existente na colecção do Museu foi uma mais valia para este trabalho. Tendo sido feito o levantamento integral da colecção de desenhos através de um registo fotográfico de qualidade e a devida inventariação a partir da que o Museu disponibilizou, e que apenas existia em 124 formato de papel e manuscrito, sendo agora possível o acesso em formato digital aos desenhos, bem como a toda a sua informação. O facto de existir este tipo de registo irá permitir uma melhor consulta e reprodução das obras caso seja necessário, bem como a preservação da informação com qualidade. Julgamos que os objectivos a que nos propusemos foram alcançados, tendo no entanto consciência que ,no que diz respeito à análise das obras e sua contextualização histórica, haveria muito mais a dizer, contudo a ausência de fontes e referências bibliográficas sobre o artista Pedro Carlos dos Reis condicionaram um pouco a obtenção de dados e informações mais precisas. As preciosas indicações, o acompanhamento e a disponibilidade prestados pela Profª Doutora Maria Margarida Calado tornaram possível a transversalidade entre a obra de Pedro Carlos dos Reis e a sua época, abrindo caminhos muito importantes para o desenvolvimento desta investigação e estudo. A investigação e levantamento das obras de escultura deste artista, existentes nos dois principais cemitérios de Lisboa, em colecções particulares e provavelmente no Brasil seriam importantes de realizar e representariam um complemento significativo para o conhecimento e valorização desta colecção. 125 Fontes e Bibliografia Fontes Manuscritas: - Biblioteca da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa Livro de registos de matrículas 1845/1846 e 1854/1859. Fontes Impressas: O Jacaré: phonographo do escândalo. Lisboa: Typ. De Gutierres, 1879-1881. 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Anexo 6 - Colecção do Museu de Setúbal – Documentos – Documento 9 que pertence ao Museu. Anexo 3 – Colecção particular de Mestre Manuel Guimarães dos Reis – Documentos.) 133